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UNIDADE 2
Das ações, palavras e ensinamentos de Jesus, após sua ressurreição, brotam a comunidade
que, ancorada em fidelidade ao seu chamamento responde ao serviço missionário, indo a
todas as etnias fazendo discípulos. Assim verificamos que a missão da igreja está
associada à cooperação com o que Deus faz no mundo e em fidelidade e obediência ao
seu mestre, Jesus.
Nesta unidade daremos um passo mais adiante na construção dos pilares que nortearão
nossa compreensão das estratégias na missão para a atualidade. Desse modo,
articularemos em nossa reflexão o surgimento das missões na modernidade, das quais
somos todos como que um desdobramento daquelas incursões adotadas pelas plataformas
missionárias e dos missionários que a elas se vinculavam.
A descrição acima permite compreender que, certa cosmovisão que orientava os modos
de vida das pessoas advinda do período medieval, nessa nova conjuntura, é encarada de
maneira crítica. Tal aspecto causou na sociedade, na cultura e na própria religião
alterações significativas, com impactos na autocompreensão individual e coletiva neste
contexto. O pensamento medieval possuía uma matriz, a saber,
O homem, por sua vez, era compreendido como passivo e sujeito dos desígnios
de Deus, sendo este a base de sua vida, de seu agir e de suas possibilidades.
[...] Em outras palavras, a produção do conhecimento era para afirmar e
legitimar as proposições que a igreja acreditava, cria e pregava e não para gerar
dúvidas e questionamentos e novos conhecimentos. (PEREIRA, 2006, p.18)
A partir de alguns fundamentos erigidos, a modernidade vai gestando seu projeto, no qual
a sociedade desdobra-se em uma verdadeira efervescência social, política e cultural. Sobre
esse dado Pereira destaca que:
É válido recordar, em viés religioso, que Lutero está num contexto no qual a Igreja na
Europa vai perdendo o poder de estruturar a vida social e política naquela atual
conjuntura. E, em todos esses dados, vêem-se alterações e críticas desde dentro das suas
estruturas, bem como de fora, pelos próprios desdobramentos das ideias humanistas e
renascentistas. Assim, a Reforma terá lugar, somando-se às diversas alterações e
transformações no âmbito geral da sociedade daquele contexto.
Mas o que foi mesmo a Reforma? A resposta simples poderia ser esta: a
Reforma foi a humanização do homem, isto é, a Reforma fez o homem descer
dos pedestais celestes, porque era visto e educado como se não pertencesse a
este mundo, e se pôr no mundo como parte dele e por ele responsável. Assim,
a Reforma é uma das expressões do humanismo que começou no século XIV.
A verticalidade cedeu lugar à horizontalidade que significou liberdade e
responsabilidade do indivíduo perante si mesmo, o mundo e o próximo. Em
suma, mas não resumindo, a Reforma colocou o homem individualmente
perante Deus com suas culpas e necessidades.
(MENDONÇA, 2007, p.162)
A descrição de Neill permite compreender que a Reforma, em sua fase inicial tinha foco
em firmar certas bases teológicas e formais diante dos desafios político-religiosos daquele
contexto. Nesse sentido, as missões protestantes, enquanto missões transculturais com
criação de plataformas no envio de obreiros é algo que se deu posteriormente.
Pense nisso: Embora não se percebia de maneira evidente textos escritos e ações
missionárias por parte de Calvino, verifica-se em suas cartas referências a pedidos de
envio de obreiros para atuarem como pastores vindos de outros locais na cidade. Ainda
podem ser lidos textos nos quais compreende a pregação do Evangelho a outros povos,
quando utilizou de vários meios para essa ação (BARRO, 1998).
Por outro lado, se pensarmos a missão nos moldes do que percebemos na discussão
introdutória de nosso curso, veremos que os reformadores, cada um em sua
particularidade teológica, vão gestando uma maneira de fazer missão que abranja a
comunidade local bem como para além daquelas comunidades.
É o caso de Lutero (ALMEIDA, 2011), com a sua visão acerca da música, dos processos
de educação e da formação humana, de sua compreensão acerca da economia, etc. Pode
ser percebida, também, em Calvino (TOLEDO e VIEIRA, 2006) a reforma moral por
meio do Culto e das celebrações em Genebra, com a qual possibilitou mudanças
importantes nas comunidades e na sociedade de então como um todo.
Embora não se percebera de maneira específica textos escritos e ações missionárias por
parte de Calvino, verifica-se sua preocupação em atender pedidos de envios de obreiros
feitos por parte de outros países. A criação da Academia de Genebra, que recebia
estudantes de vários lugares tinha essa preocupação de formar lideranças que se
destacassem no campo da cultura e com convicções bíblicas. Ainda foi marcante sob a
direção de Calvino o uso de jornal impresso, entre outros (BARRO, 1998).
Sob esta compreensão acerca dos reformadores, é valido ressaltar que para Lutero a
missão tinha como ponto de partida o próprio Deus Trino, que agindo no mundo trabalha
para a culminação do seu reino. Como comentado por Neill (1989):
A partir dessa leitura que toma como base a ação dos reformadores Lutero e Calvino,
pode-se inferir que o espírito missionário alcançaria amplitude e abrangência por meio
das missões modernas. Mas antes disto, a semente de ambos, veio a influenciar igrejas
em todo o mundo, propondo transformação a pessoas e sociedades por meio do Evangelho
de Cristo.
Essa perspectiva tinha uma razão de ser: trata-se da compreensão tida pelos anabatistas
de que a igreja, ao longo de sua história após o Novo Testamento havia se corrompido e
que o caminho para se retornar às origens cristãs era justamente negar o sistema religioso
atual com suas estruturas e voltar ao Novo Testamento. Assim, enquanto Calvino e Lutero
não subscreviam a Grande Comissão de Mateus, os Anabatistas a aceitavam como sendo
responsabilidade cristã para atualidade.
Pense nisso:
A discussão em torno dessa questão rendeu grandes disputas teológicas, mas, de tudo isso
podemos verificar que duas perspectivas brotam da Reforma, uma que explicitamente
propõe expandir a fé a outros povos e outra que, vê a missão como marca intrageográfica
e ação específica de Deus no mundo.
Constata-se, desse modo, que a reforma, nos pressupostos que fundamentaram as diversas
convicções de fé ensaiou em sua gênese, o que em séculos posteriores veio a se
concretizar nas missões protestantes.
Por esta razão que para se entender os desdobramentos da Reforma em épocas posteriores
e sua relação com a expansão do protestantismo tornam-se importantes elencar alguns
elementos-chave no movimento e que culminaram no surgimento das missões modernas.
Um dos aspectos que favoreceram o surgimento das missões modernas está relacionado
com o movimento pietista. Como aponta Bosch (2009, p.309) “no pietismo, a fé
formalmente correta, fria e cerebral da ortodoxia deu lugar a uma união cálida e devota
com Cristo. Conceitos como arrependimento, conversão, renascimento e santificação
receberam significados novos”.
Foi a partir do pietismo que a igreja morávia em sua paixão pelo Cristo Redentor, vai
gestando em suas ações o que veio a se tornar em missões transculturais. Sobre os
moravianos Sanches (2008, p.55) aponta que:
As missões protestantes modernas estão imbuídas desse sentimento que conjugava paixão
por Jesus e, ao mesmo tempo, desejo de torná-lo conhecido a outros povos. É sobre esta
linha conjuntural que vai se gestando o movimento missionário moderno. Como apontado
por Bosch (2009, p.337), as forças de renovação dentro do protestantismo são percebidas
de modo enfático a partir dos Avivamentos ocorridos nos EUA e na Inglaterra. Estes
avivamentos também conhecidos com “Despertares” foram o motor da atividade
missionária que viria a se expandir por além-mar e transculturalmente.
Se há um dado inicial marcante nos idealizadores das missões modernas é sua abertura ao
diálogo para comunicação do evangelho em parceria que convergia para um fim comum:
a causa de Cristo e seu reino. Diferentemente do que se percebem em tempos posteriores
ao desenvolvimento da missão, cada vez mais o espírito individualista e sectário ocupou
as plataformas missionárias. Sobre este dado, Gibellini destaca o papel de Carey como
um dos precursores do que mais adiante se formalizaria como movimento ecumênico.
Para ele:
Percebe-se que a visão cooperativa e participativa presentes nos primórdios das missões
conduziu-os à busca de uma unidade mínima em torno da ação e tarefa da igreja na
comunicação do evangelho a outros povos. Isso significa que essa perspectiva tão pouco
lembrada em tempos atuais, na gênese da missão foi uma espécie de fundamento para
expansão das plataformas de envios de missionários transculturais.
Hoje não é raro verificar em quanto certas estratégias missionárias privilegiam muito mais
a estrutura específica de um grupo denominacional que a parceria frutífera e cooperativa
entre cristãos. Sabe-se, entrementes, que as denominações possuem suas metas
particulares e seus objetivos específicos a serem alcançados. Porém, as armadilhas de uma
ação exclusiva – para não dizer competitiva- entre as missões de cada grupo religioso é
algo que deveria nos colocar sempre em alerta quando o assunto das missões cristãs
estiver em pauta.
3. Conclusão
Vimos nesta unidade um esboço que compreendeu a reforma, os reformadores e o
surgimento das missões protestantes de cunho transculturais. Refletimos que a reforma
protestante e os reformadores, por estarem inicialmente envolvidos na tarefa de
fundamentarem-se em suas convicções e bases doutrinárias, defendiam, sobretudo em
Lutero e em Calvino, que as missões fixassem-se em termos geográficos. Ou seja, missões
ficariam circunscritas a certo território, em virtude da possibilidade de apoio do Estado à
presença protestante naquele espaço definido.
Dessa maneira, as missões transculturais ainda não estavam em voga de maneira explícita
no pensamento dos reformadores. Compreendendo, Latu Sensu, as ações empenhadas por
Calvino e Lutero quanto a transformação social por meio da fé podem ser consideradas
como missionárias, pois possuíam intenção clara em sua teologia em como a Deus pode
ser manifesta na história humana e no contexto das sociedades.
Diferentemente dos reformadores acima, a reforma radical presente entre os Anabatistas
possuía uma versão acerca da obra missionária na qual contemplava as missões
transculturais. Os Anabatistas advogavam desse modo, a responsabilidade cristã de
evangelização dos povos tomando como base a Grande Comissão de Mateus 28.
Assista ao filme intitulado “Uma chama na escuridão” que retrata a história das missões
na Índia por William Carey. Clique aqui
https://www.youtube.com/watch?v=LZ6ZRvCwzNo e assista.
Referências:
ALMEIDA, Suenia Barbosa de. Martinho Lutero e os usos da música: o passado ainda
canta. Dissertação de mestrado. Disponível em:
http://tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/1803/1/Suenia%20Barbosa%20de%20Alm
eida.pdf. Acesso em 23 de julho de 2020.
BOSCH, David. Missão Transformadora. 3 Ed. São Leopoldo, RS: EST/ Editora
Sinodal, 2009.
GIBELLINI, Rosino. A teologia do século XX. São Paulo: Edições Loyola, 1998.
NEILL, Stephen. História das missões. São Paulo: Edições Vida Nova, 1989.
SANCHES, Regina Fernandes. Teologia da Missão Integral. São Paulo: Reflexão, 2009.
TOLEDO, Cézar de Alencar Arnaut de; VIEIRA, Paulo Henrique. João Calvino
(15091564) e a 1564) e a educação no século XVI. Acta Sci. Human Soc. Sci. Maringá,
v. 28, n. 2, p. 191-199, 2006.