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Carranca da 1•) fas e de Gua: any, originár:a ca coleção Má rio Cravo Jr., hoje
pertence a D. Maria Eston.
* O grifo a qui, como em outras palavras deste a rtigo, não consta do original.
Seu emprégo facilita rá ao leitor acompanha r meu raciocinio.
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proa referida por J. Nóbrega como turas talvez ainda hoje ornem a proa
tendo pertencido à embarcação do To- de algumas embarcações locais, no Bra-
cantins. sil. . . sem o significado social e artís-
Não observando a distinção acima tico das carrancas do São Francisco" .
entre carranca e figura de proa, o Dr. (pág. 69).
Moura julgou-me .e m contradição:
"O próprio prof. Pardal, embora ne- * * *
gando inicialmente o uso de figuras Outra crítica feita pelo Dr. Moura,
de proa no Tocantins, fornece uma quando gentilmente me classificou
notícia de grande interesse sobre o como alguns e studic·sos se refere a
assunto: "José da Nóbrega ( .. . ) minha conclusão de terem as carrancas
citou-me ter visto . . . " (pág. 72). surgido eerca de 1875, pois vários au-
E, após citar a figura de proa do tores que escreveram até esta data,
Laura 11, acresce: descrevendo em detalhe as barcas, não
as assinalaram e muitos auvo11es (em-
"~. portanto, mais uma prova de que bora não todos, é claro) que publica-
não só no São Francisco, mas tam- ram livros a partir de 1888, citam as
bém em outras regiões brasileiras, carrancas, mesmo quando não descre-
usavam-se figuras de proa de cará- veram as barcas em detalhe. Como
ter popular". (pág. 78) . prova da fragilidade deste argumento,
Aliás, é curioso notar que, logo o Dr. Moura mostra uma foto de car-
ranca em livro de 1912, cujos autor.es,
abaixo, diz o Dr. Moura: "O Laura li, "com relação às embarcações do São
bem como o Laura I e o Laura III Francisco, informaram apenas:
(que também teriam figuras de proa),
pertenciam . .. " Ora, esta ilação (que "No Rio de S. Francisco e em alguns
os Laura I e III teriam também figuras afluentes, além da navegação a va-
de proa), não é minha. por, existem barcos a vela, muito
A negativa que faço do uso de car- característicos e pitorescos, e peque-
rancas (não figuras de proa. Essas nos botes vulgarmente chamados pa-
houve. Eu mesmo cito um exemplo) no qu etes" (C. Moura, pág. 73) .
Tocantis, se confirma pelo seguinte tre- Não é de estranhar que as carrancas
cho do artigo do Dr. Moura, referente não apareçam em citação tão resumida
aos barcos usados naquele rio: e imprecisa: as ba rcas, que raramente
"A proa do bote, a parte exatamente velejavam, se transformaram em " bar-
que fende a água, é mais saliente, e cos á vela, muito característic;.os e pi-
culmina por símile de figura qual- torescos" (para demonstrar i sso, os
quer, jacaré, cavalo, etc., e denomi- autores devem ter considerado suficien-
na-se talham ar". (pág. 72) . temente a foto da carranca.)
Mas seria de estranhar que existis-
A roda de proa é a peça de madeira sem as carrancas -em 1860 e Halfeld
que prossegue a quilha; a parte que não as tivesse citado, quando descre-
fende a água é o talhamar, e sua extre- veu detalhadamente os tipos de embar-
midade (capelo), "mais saliente, cul-
cação no médio São Francisco, trans-
mina" por uma figura, provavelmente crito em cinoo páginas do Carrancas do
esculpida na própria roda de proa (de
São Francisoo (págs. 30 /36) .
pequena seção retangular) , conforme
me foi dito em Teresina, 1976, por al- Contudo, esta é uma crítica aceitá-
guém que as viu, como citarei no fi- vel. No Prefácio de meu livro, digo que
nal deste artigo. Mesmo se a escultura pela escassez de dados sobre as car-
fosse presa ao capelo, representaria rancas, não alcancei "senão a formula-
uma solução bem difer·ente das grandes ção de hipóteses, embora bem ancora-
carrancas, de muito maior diâmetro das" . Uma de minhas âncoras foi o si-
que o capelo e que assentavam no ta- lêncio dos autores anteriores a 1888.
boado da proa. Aliás, no Carrancas do Outras cito às páginas 68/69, além da
São Francisco, lê-se "Pequenas escul- intuição de quem viveu um tema du-
CARRANCAS DO S. FRANCISCO E FIGURAS DE PROA DE OUTROS RIOS/27
rante seis anos, conversando com deze- não sendo "impossível que minha apre-
nas de informantes. A mesma intuição ciação sobre as carrancas seja exage-
que fez o Dr. Moura concluir que se rada", como confesso à pág. 3 do Car-
o Laura li tinha figura de proa, os rancas do São Froncisoo. De fato, tendo
Laura I e III igualmente teriam tido. ocorrido figuras de proa (embora não
Também li muitos outros artigos, escri- de m~do generalizado como no São
tos no século XX, especialmente os de Francisco) em outros rios do Brasil, a
caráter técnico, onde as carrancas não referência de Alves Câmara não está
eram citadas. Como isso não prova obrigatoriamente restrita às carrancas.
que elas sejam anteriores a 1875, pre- Contudo, é curioso notar que Alves Câ-
firo continuar com minha hipót-es.e a mara só cita a ocorrência de figuras
respeito desta data. de pr.oa nas barcas do São Francisco,
Sobre esse tóp!co vale observar que silenciando sobre sua presença na ex-
é pena qu e um trabalho tão bem do- tensa descrição que faz dos diversos
cumentado como o do Dr. Moura, não tipos de canoas, em todo o Brasil. Esse
cite a fonte bibliográfica de um fato fato, aliado a algumas imprecisões do
digno de análise: "Paranhos Montene- referido autor, que assinalei no Car-
gro. . . continuou a ·escrever sobre o rancQls dJo São Francisco, levaram-me à
assunto (Navegação no São Francisco) interpretação criticada.
mesmo depois de a existência delas Por outro lado, é de estranhar que
(oarranoas) ter sido atestada por Alves tenha ·~$capado ao Dr. Moura, uma
Câmara e Vieira de Aguiar (1888) e falha que cometi em assunto de sua
continuou a não se referir às carran- especialidade, quando disse, na ERRA-
cas". Esse fato, prossegue o Dr. Mou- TA, que "a carraca era um tipo de
ra, "nos permite supor que elas (car- embarcação asseme-lhada à caravela"
nancas) datam das primeiras barcas quando deveria ter dito nau, conforme
que, segundo ele (MonNm.egro) , sur- alertou-me o Comandante Max Guedes.
giram no século XVIII" (fins, acres- Permito-me apresentar, também, ao
ço eu .) Dr. Moura, algumas críticas construti-
Ora, um dos meus argumentos foi o vas, tendo em vista seu prometido tra-
silêncio de vários autores que, antes de b::tlho Figuras de Proa de Navios Por-
1888, descreveram as barcas com ri- tugueses e Brasileiros.
queza de detalhes. Muito mais criticá- A pág. 81 do artigo é assinado pelo
vel me parece supor que as carrancas Dr. Moura lê-se:
datam de fins do século XVIII, porque
um únioo autor não se referiu a ·e las "Por sua temática e estilística as car-
nem antes nem após 1875! rancas do São Francisco estão mais
Para provar aos leitores que não sou próximas das figuras de proa que
tão intransigente como pareço, na de- aparecem nas xilogravuras portugue-
fesa de meus pontos de vista, reconheço sas da História Trágico-Marítima
justa uma das críticas do Dr. Moura (sec. XVI e XVII) do qu~ das figu-
ao meu trabalho. Alves Câmara escre- ras do século XIX.
veu: E ainda à mesma página:
"Nos rios do interior, onde não é "a Nau Santa Maria, que ostenta
forte a ação dos ventos, há canoas, uma grande figura de proa "sanfran-
que são adornadas com um pássaro, ciscana". Estilística e tematicamente,
ou outra figura na proa, e têm cama- uma carranca" .
rim envidraçado na popa, remadas a Estas citações são fundamentais para
pás, ·e servem para transporte de pas- melhor filiar a tipologia das figura..s de
sageir.os e famílias de ricos senhores barca. Infelizmente, contudo, não fo-
de engenho". ram reproduzidas as referidas figuras
Interpretei o trecho como referente tão aparentadas às nossas carrancas,
às barcas do São Francisco, com suas cujo medievalismo igualmente assinalo
carrancas, "que tanto me fascinam" à pág. 102 do Carrancas do São Fran-
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