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Cover Baixo entrevista: Hermeto Pascoal

Durante a 4ª edição do Festival de Música Contemporânea de Campinas, no interior de


São Paulo, Hermeto Pascoal, um dos mais respeitados multi-instrumentistas e
arranjadores da história da música brasileira (e universal, como ele mesmo chama),
encontrou um tempinho para conversar com a redação da Cover Baixo e falar, com seu
jeito peculiar, sobre diversos elementos de sua obra, a relação com o baixista Itiberê
Zwarg e sua visão sobre nosso instrumento.

O compositor e contrabaixista Itiberê Zwarg entrou para o seu grupo em 1977. Desde
então, deu-se uma parceria de mais de 40 anos de estrada. O quê ele veio somar ao seu
grupo e como ele trouxe?

HP: “Itiberê é um músico nato… ele é um ser do grupo e também o grupo. Está conosco há
42 anos e não sai, além de também ter seu próprio grupo, o Orquestra Família. Todos
somos vizinhos, uma família”.

Muito se fala sobre a semelhança entre as composições de Itiberê e as suas. Você


concorda com isso?

HP: “Ele sabe muito bem o que é a música universal. É uma coisa que faz com que a gente
não consiga ser muito diferente no início. Quando ele começou com a Orquestra Família,
as pessoas achavam que ele estava na minha cola, sem saber o que fazer, imitando meu
jeito de escrever, só que estas pessoas estavam erradas, por não saber esperar até
entender uma coisa: a semelhança existe em todos nós. Na sua casa, você se cria com seu
pai, com sua mãe, e acaba ganhando uma semelhança. Isso não quer dizer que você está
imitando o outro e é assim que acontece com essa música, que sempre chamei de
universal.
No grupo todos temos semelhanças porque somos semelhantes. O Itiberê tem a
personalidade dele, a musicalidade dele próprio, mas ao mesmo tempo, ama esta música
que chamamos de universal…

Certa vez, Jovino Santos Neto disse que seu grupo é como uma árvore, onde todos os
músicos são galhos, se desenvolvendo cada um à sua maneira.

Exatamente. Inclusive, o Jovino além de músico é biólogo e ficava admirado quando


dávamos estes exemplos. Eu também me interesso pela biologia, mas não sou teórico,
sou do mato, mesmo. Assim como o Itiberê, o Jovino, com sua maneira de estudar, criou
coisas sobre a música e hoje é um grande professor em Seattle, nos EUA”.

Sobre sua forma de harmonizar, existe um boato de que a maneira como você
sobrepõe os acordes no piano se deu pelo tamanho das sua mãos, que são pequenas. É
verdade?

HP: “Existem muitas pessoas que se admiram ao me ver dando acordes no piano que elas,
com mãos grandes, não dão. O que acontece é que eu costumo usar várias notas na mão
esquerda e apenas uma na mão direita.

Esta maneira de tocar é minha. A escola é a minha cabeça. Não aprendi com ninguém me
dizendo o que devia fazer. Não que eu não quisesse, mas no começo não encontrava
professores, pois todos já diziam que eu tocava muito bem e não tinham o que me
ensinar.
O Arthur Moreira Lima, por exemplo, não pode me ver tocar que já diz “Não acredito
que você tá tocando com essa mãozinha aí”. Ele me contou, inclusive, que no começo,
pessoas com mãos pequenas nem eram aceitas em cursos de piano, e se ele tá dizendo,
eu acredito. Eu tenho, graças a Deus, essa facilidade, que é do mundo.”

E como as linhas de baixo se relacionam com as sobreposições de acordes que você


faz?

HP: ”Para mim, o baixo não é fixo na fundamental, mas caso ele improvise na base, deve
voltar para a fundamental no momento certo.

Quando eu escrevo para o Itiberê, deixo de uma maneira mais solta, pois como já o
conheço, basta escrever os acordes e deixar ele tocar da maneira que quiser, mas no
começo, ele precisava sim de orientações. Por exemplo, penso nas inversões quando
sinto a necessidade de algumas notas. Caso o baixo esteja na fundamental, substituo
pela sétima, sexta, ou vice-versa.

Escrevo como se estivesse tocando, por isso, digo que não há um jeito certo. Para cada
coisa que componho, na hora eu penso em uma maneira diferente de encaixar o baixo.
Não quero decorar as coisas, para não ficar repetitivo. Semelhante sempre vai ficar, pois
só temos doze notas, que em quantidade não é muita coisa, mas quando é sentido, fica
diferente, pois é o sentir que manda para um caminho ou para outro, para fazer algo
bonito”.
Diferente de canções como “Fátima” e “Tacho”, que têm um tratamento mais voltado
ao jazz, com aberturas para improvisação, “Mestre Radamés”, de 1984, tem um
caráter de peça, com contrapontos e sem repetições do começo ao fim. Como você se
relaciona com essas diferentes formas de composição?

HP: “É como te falei, não sei rotular minhas coisas. Quando as faço, quero que as
pessoas escutem livremente, para que não seja como um quadro que coloquei na parede
e precise contratar uma pessoa para explicar porque botei essa ou aquela cor. A música
não precisa disso. As escolas fazem isso com ela para que assim todos pensem da
mesma maneira, mas o livre-arbítrio é para todos. Você pode pensar da sua maneira…
ninguém nem respira do mesmo jeito”.

Hermeto, para terminar, como você define a música?

HP: “Sou um cidadão brasileiro, porém, faço música universal, pois ela não tem pátria. A
música é como o vento, como as águas, estrelas… o ar que a gente respira. Eu não
premedito o que faço, desde que nasci não sei como vou viver o dia de amanhã. Minha
vida é hoje, o agora… e eu só sei é que temos que quebrar tudo”.

Hermeto sobre o assunto de compartilhamento: ”Se eu fosse cientista e descobrisse a


cura do câncer, eu sairia gritando na rua para os meus colegas médicos para curarmos o
mundo logo. Mas as pessoas gostam de guardar os segredos e carregá-los para tirar
proveito daquilo” 2006 Entrevista

Hermeto sobre pirataria: “Quem quiser piratear os meus discos, pode ficar à vontade.
Pirateiem os meus discos... Sabe o que Deus falou? ‘Crescei e multiplicai-vos’. Muita
gente pensa que isso é só para transar. Devemos crescer na maneira de ser e multiplicar
o que tem de bom. Sem barreiras” 2006 Entrevista
Hermeto sobre pirataria: “Se as gravadoras não levam meu trabalho para as rádios, se
ele não toca em nenhum lugar, para que eu faço música? Não tive e nem vou ter
nenhum retorno financeiro com minha obra, mas meu prazer, minha alegria, continua
sendo tocar. Por isso, as minhas músicas eu quero mais é que sejam pirateadas. Quero
mais é que as pessoas toquem, ouçam, a conheçam. E pra mim, quem reclama da
pirataria é quem faz música apenas para vender. Meu valor não são as notas de
dinheiro. São as notas musicais”

Hermeto sobre o acesso às suas composições: “Minha música é de quem quiser. A ideia
é liberar direitos autorais e permitir que qualquer um que queira tocar minhas músicas
toque ”

Hermeto sobre dinheiro: “O dinheiro é a desgraça do mundo. Quem ganha mais parece
que tá com um câncer da alma”. 2019 Entrevista
Cover Baixo interview: Hermeto Pascoal

During the 4th Contemporary Music Festival of Campinas, in the interior of São Paulo,
Hermeto Pascoal, one of the most respected multi-instrumentalists and arrangers in the
history of Brazilian music (or universal music, as he calls it), found some time to talk with the
editorial staff of Cover Baixo and speak, in his special way, about various elements of his work,
his relationship with bassist Itiberê and about his piano playing.

The composer and double bass player Itiberê Zwarg joined his group in 1977. Since then,
they have been working together for over 40 years.

CB: What did Itiberê come to add to your group and how did he bring it?

HP: “Itiberê is a born musician… he is a member of O Grupo and also has his own group.
He has been with us for 42 years and hasn't left, that’s in addition to having his own
group, the Orquestra Família. We are all neighbors, one family”.

CB: Much is said about the similarity between Itiberê's compositions and yours. Do you
agree with this?

HP: “He knows very well what universal music is. It was something that made it difficult
for him to sound different to me [with his outside things] in the beginning. When he
started with the Orquestra Família, people thought he was on my tail, not knowing what
to do, imitating my way of writing, but these people were wrong; they should have
waited until they understood better; similarity exists in all of us. In your house, you grow
up with your father, with your mother, and you end up with some resemblance. This is not
to say that you are imitating the other and that is how it is with this music, which I have
always called universal. In the group we all have similarities because we are similar.
Itiberê has his personality, his own musicality, but at the same time, he loves this music
that we call universal…”
CB: Jovino Santos Neto once said that the group is like a tree, where all the musicians are
branches, each one developing in its own way.

HP:”Exactly. In addition, Jovino is not only a musician but also a biologist and I was not
surprised he made this analogy. I'm also interested in biology, but I'm not a theorist, I'm
from the forest, really. Like Itiberê, Jovino,has his way of studying, creating things with
music and is now a great teacher in Seattle, USA.”

CB: Regarding your way of harmonizing, there is a rumor that the way you superimpose
chords on the piano was due to the size of your hands, which are small. It is true?

HP: “There are many people who are surprised to see me playing chords on the piano that
they, with big hands, can't. What happens is that I tend to use several notes in the left
hand and only one in the right hand. This way of playing is mine. My school is my head. I
didn't learn from anyone telling me what to do. Not that I didn't want to, but at the
beginning I didn't find teachers, because everyone already said that I played very well and
had nothing to teach me”.

HP:”Arthur Moreira Lima, for example, can't watch me play because he says “I can't
believe you're playing with those little hands there”. He even told me that in the
beginning, people with small hands weren't even accepted on piano courses, and if he's
saying it, I believe it. I have, thank God, this facility, which belongs to the world”.
CB: And how do bass lines relate to the chord overlays you make?

HP: “For me, the bass isn't fixed in the fundamental, but if you improvise with the bass,
you should go back to the fundamental at the right time. When I write for Itiberê, I leave
it in a looser way, because as I already know him, I just write the chords and let him play
the way he wants, but in the beginning, he did need some guidance. For example, I think
of inversions when I feel the need for a few notes. If the bass is in the fundamental, I
substitute the seventh, sixth, or vice versa. I write as if I'm playing, so I say there's no right
way. For every thing I compose, at the time I think of a different way to fit the bass in. I
don't want to memorize things so as not to get repetitive. It will always be similar, as we
only have twelve notes, which is not much in quantity, but when it is felt, it is different, as
it is the feeling that sends you one way or another, to make something beautiful”.

CB: Unlike songs like “Fátima” and “Tacho”, which are more jazz-oriented, with openings
for improvisation, “Mestre Radamés”, from 1984, has a piece character, with
counterpoints and no repetitions from beginning to end. How do you relate to these
different forms of songwriting?

HP: “It's like I told you, I don't know how to label my stuff. When I do them, I want people
to listen freely, so it's not like a picture I put up on the wall and I have to hire someone to
explain why I put this or that color on. Music doesn't need that. Schools do that so that
everyone thinks alike, but free-will is for everyone. You can think your way… no one even
breathes the same way”.

CB: Hermeto, finally, how do you define music?

HP: “I am a Brazilian citizen, however, I make universal music, as it has no homeland.


Music is like the wind, like the waters, stars… the air we breathe. I don't premeditate what
I do, since I was born I didn't know how I'm going to live tomorrow. My life is today, now…
and all I know is that we have to break everything”.
Hermeto on the subject of sharing things with people: “If I were a scientist and found a
cure for cancer, I would be screaming in the street to my medical colleagues to cure the
world soon. But people like to keep secrets and carry them around to take advantage of
them”. 2006 Interview

Hermeto on Piracy: “Anyone who wants to pirate my discs can be at ease. Pirate my
records... Do you know what God said? ‘Grow and multiply’. A lot of people think this is
just for getting laid. We must grow in the way of being and multiply what is good. No
barriers”. 2006 Interview

Hermeto on Piracy: “If record companies don't take my work to the radio, if it doesn't play
anywhere, why do I make music? I didn't have and I won't have any financial return with
my work, but my pleasure, my joy, is still playing. That's why I want my songs to be
pirated the most. What I want most is for people to touch it, hear it, get to know it. And
for me, those who complain about piracy are those who make music just to sell. My value
is not like banknotes. It's the musical notes”

Hermeto on access to his compositions: “My music belongs to whoever wants it. The idea
is to liberate copyrights and let anyone who wants to play my stuff play it”

Hermeto on money: “Money is the disgrace of the world. Whoever earns more seems to
have cancer of the soul”

Hermeto: “Why compose if nobody plays me? I want my music pirated”

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