Itiberê Zwarg Entrevista 2012 Aos 62 anos, Itiberê Zwarg nada quatro vezes por semana na

Praia de Copacabana. O esporte é um raro espaço de solidão na vida do maestro. Mesmo

assim, Itiberê não fala dele como momento de estar só.

- É um contato com o mar. Você sai dali bem para fazer as coisas da alma.

"Contato" e "coisas da alma" - dois pontos centrais da música de Itiberê. Contato é seu
modus operandi. É bastante ilustrativo que sua carreira "solo" tenha se iniciado à frente de
uma formação de 30 músicos, num grupo que carregava a ideia de família no nome -

Itiberê Orquestra Família, que estreou em 2001, no CD "Pedra do Espia", saudada como um
sopro de renovação na música instrumental brasileira. Da mesma forma, não é por acaso que
suas oficinas na Pro-Arte e, agora, na Maracatu Brasil se tornaram um espaço de liberdade
de criação celebrado - e disputado - ao longo da última década, sobretudo por jovens
instrumentistas. E que seu recém-lançado CD "Identidade" (Delira Música), o primeiro com o
octeto Itiberê Zwarg & Grupo, marque sua personalidade a partir de músicas dedicadas a
pessoas e situações determinantes em sua trajetória.

Música para Itiberê, portanto, é relação - o que fica evidente quando ele fala sobre o papel
de um solista:

- O meu conceito de solo é diferente do do jazz. A cozinha (músicos que sustentam a base da
banda) não está lá para fazer groove para o solista. Ela costura o solo com ele, todos
improvisam juntos. O solista universal (discípulo de Hermeto Pascoal e baixista de sua banda
há 30 anos, Itiberê segue o conceito de "música universal" criado pelo mestre) está tocando
e ouvindo ao mesmo tempo. Ouvir é fundamental. Desenvolvi essa antena em bailes, como
músico da noite, tocando com gente como Laércio de Freitas e Tenório Jr.
Peladeiro regular, Itiberê transporta para o campo a filosofia que aplica à música. E usa o
esporte para falar da arte:

- Jogo como toco música - diz, sem esconder um certo orgulho e acrescentando que, como
na música, divide espaço "com moleques de 20 e poucos" - A individualidade sai do coletivo,
e não o contrário. O Barcelona de hoje ou times históricos do Flamengo, do Santos, do
Botafogo eram assim. Todos jogavam para o time, e a individualidade se sobressaía
naturalmente. Você vê o Hermeto, por exemplo. É o cara mais coletivo que conheço. E isso
não impede que ele seja o Hermeto.

O mestre albino o conheceu em São Paulo - Itiberê é da capital, mas foi criado no interior,
em Itanhaém.

- Fui gravar um negócio lá e meu baixista não pôde ir - lembra Hermeto. - Aí, me sugeriram o
Itiberê, conversamos um pouco, ele sentou ao piano, já deu para perceber a concepção
harmônica dele. Vi que ele era bom. Hoje, tenho poucos adjetivos para falar dele. É especial,
tudo o que quiser fazer na música, ele consegue. Deus o deixou aqui numa noite de lua cheia
e disse: "Vai, a música é teu caminho."

Itiberê recorda, rindo, o mesmo dia do primeiro encontro:

- Sentei-me ao piano para me amostrar para ele. E ele sabia.

Deu certo. Algum tempo depois, Hermeto precisou de um novo baixista em definitivo.

Convidado, Itiberê largou tudo o que estava fazendo (bailes, o trabalho como músico de
estúdio), uma situação financeira estável, para seguir algo maior. As tais "coisas da alma" às
quais ele se referia ao falar da natação.

- Vim para não olhar para trás. Entro de cabeça em tudo o que faço, nunca pela metade.

A filha, Mariana Zwarg - ela e seu irmão Ajurinã, frutos do casamento de Itiberê com Helena
Cândida, tocavam com o pai na extinta Itiberê Orquestra Família e hoje seguem no Itiberê
Zwarg & Grupo - confirma que as prioridades do maestro sempre foram bem marcadas.
- Desde que comecei a entender o que ele falava, tenho a lembrança de ouvi-lo ensinando a
mim e ao meu irmão que devemos seguir o coração, persistir, nunca pôr o dinheiro na frente
- diz Mariana. - Lembro que pedíamos para comprar algo e ele falava que não dava. E
explicava: "Seu pai está plantando uma coisa muito importante."

Com esse espírito, Itiberê veio para o Rio, para a mítica casa em Jabour, na Zona Oeste, onde
Hermeto morava. Ali, pôde entrar de cabeça em algo e pôr à prova a persistência que
ensinava em casa. Com apenas três dias para aprender as músicas antes de fazer seu
primeiro show com a banda, Itiberê virou noites. Depois, mergulhou na escola hermetiana,
numa inacreditável rotina de ensaios diários, das 14h às 20h, entre 1981 e 1993.

- Graças a esse tempo consegui me preparar para meu trabalho solo - avalia Itiberê.

Foi Hermeto quem o avisou, em 1998, que ele estava pronto para tocar um projeto próprio.
Sem saber ao certo o que fazer, decidiu montar sua oficina de música universal.

Compondo ao vivo - método que segue até hoje - com um grupo de jovens músicos,
completamente envolvidos com sua proposta, Itiberê plantava sem saber as sementes da
Itiberê Orquestra Família.

- Nessa época, tive uma experiência péssima com uma big band que montei para um
trabalho em São Paulo - conta Itiberê - Eram músicos que tocavam só com partitura.

Apertavam as chaves do instrumento e sopravam. Isso para mim não é tocar. Pensei que
tinha do meu lado aqueles músicos novos nas oficinas e perguntei a eles: "Vocês querem ser
meus colegas?" Aí montei a Orquestra Família.

A relação de Itiberê com a música - e a vida, afinal ele não estabelece fronteiras entre uma e
outra - se mostra claramente na forma como vê as partituras:
- Leitura não é música. Quando eu era criança, meu pai (o compositor Antônio Bruno Zwarg)
me pôs para estudar piano, e o professor queria me ensinar aquelas bolinhas. E eu queria
tocar. Não sou contra a partitura, mas ela é apenas um registro, uma fotografia. Ninguém
que toca comigo decora improviso.

‘Personalidade forte e generosa’

O fim da Itiberê Orquestra Família traz a marca de suas convicções. O maestro alegaque
alguns integrantes, quando começaram a tocar em outros projetos, passaram a trazer
influências para o grupo estranhas às diretrizes traçadas por ele. A incompatibilidade gerou o
racha ("Eu vou para cá, quem não quiser vir junto não vem").

Questionado se vê em sua postura traços de autoritarismo, Itiberê diz com segurança que
não.

- A música é minha religião, meu contato com Deus - afirma o maestro, cuja teologia se afina
com o espiritismo. - Tomo conta dela como um zelador: "Quer entrar? O que quer aqui?"

A violoncelista Maria Clara Val e, uma das dissidentes, se refere à separação como natural,
"um ciclo que acabou quando vários músicos, que começaram ali muito jovens, passaram a
ter outros anseios". A ruptura não deixou mágoas ("Todos mantêm relações com ele").

- Itiberê tem personalidade forte, mas é de uma generosidade absurda - diz Maria Clara.

- Houve um período em que estive muito doente e ele me acolheu em sua casa. Um dia, eu
estava passando muito mal, com a cabeça confusa, e ele falou: "Vamos tocar."

Ficamos das 22h às 3h da manhã, e ele compôs a música "Choro da Maria". Aquilo me ajudou
muito.
A sensibilidade - musical e humana, novamente sem diferenças - é um traço de Itiberê
destacado também por sua namorada, a psicóloga e escritora Maria Tereza Maldonado:

- Conheci-o como aluna. Foi impactante vê-lo compor ao vivo para todos os instrumentos,
dentro da capacidade de cada músico. É uma enorme habilidade de escuta - conta Maria
Tereza, que aponta essa sensibilidade também em gestos do cotidiano.- Jantamos sempre à
lu de velas, preparamos juntos nossa comida, com um requinte estético. Ele valoriza esses
pequenos prazeres sensoriais, o contato com a natureza. Aprendi com ele a diferenciar o
canto dos pássaros.

Itiberê fala da relação com Maria Tereza com uma frase que poderia defini-lo - ao unir lúdico
e sofisticado, sabedoria e vigor.

- Parecemos garotos - diz, antes de fazer uma pausa e sorrir: - Mas não somos.
2012 INTERVIEW WITH O GLOBO, RIO At 62, Itiberê Zwarg swims four times a week at
Copacabana Beach. Sport is a rare piece of solitude in the life of the teacher. Even so, Itiberê
does not speak of it as a moment to be alone.

"It's a contact with the sea," he says. "You get out of that, well , things to do with the soul."

"Contact" and "things of the soul" - two central points in the music of Itiberê. "Contact" is his
modus operandi. It is very enlightening that his solo career began with a formation of 30
musicians, in a group that carried the idea of family in its name - Itiberê Orquestra Família;
the group premiered in 2001 with the CD "Pedra do Espia", heralded as a breath of renewal
in Brazilian instrumental music. In the same way, it is no coincidence that his workshops in
Pro-Arte and now in Maracatu Brazil have become an area of freedom of creation celebrated
- and disputed - over the last decade, especialy by young instrumentalists. And that his newly
released CD "Identity" (Delira Music), the first with the Octet Itiberê Zwarg & Grupo, shows
his personality from songs dedicated to people and situations that have fashioned his career.
Music for Itiberê, therefore, is about relationships - which is evident when he talks about the
role of a soloist:

"My concept of being a soloist is different from jazz. The kitchen (ie the musicians who
provide the base of the band) are not there just to make a groove for the soloist. They create
the ground with the soloist, all improvise together"
The universal soloist (a disciple of Hermeto Pascoal and bassist in his band for 30 years, Itiberê
follows the concept of "universal music" created by the master) is playing and listening at the
same time. "Listening is fundamental. I developed this antenna in dances, as a musician of the
night, playing with people like Laércio de Freitas and Tenório Jr"

Itiberê uses sporting analogies to explain his art:

"Individuality comes out of the collective, not the other way around. Today's Barcelona or
historical teams like Flamengo, Santos, Botafogo were like that. Everyone played for the team,
and individuality stood out naturally. You see Hermeto, for example. He's the most collective
guy I know. And that does not stop him from being Hermeto"

The albino master met him in São Paulo - Itiberê is from the capital, but was raised in the
interior, in Itanhaém.

"I went to record there and my bass player could not go," recalls Hermeto. “There, Itiberê
approached me, we talked for a while, he sat at the piano, he could see the harmonic
conception of things. I saw he was good. Today, I have few adjectives to speak of him. He's
special, whatever you want to do in music, he can do it. God left him here on a full moon night
and said, "Go, music is your way."

Itiberê remembers, laughing, the same day of his first meeting with Hermeto:

"I sat down at the piano to show a bit of myself to him. It worked. Some time later, Hermeto
needed a new bass player permanently”. Invited, Itiberê dropped everything he was doing
(dances, work as a studio musician), a stable financial situation, to follow something bigger. The
"things of the soul" to which he referred when talking about swimming. "I came not to look
back. I commit to everything I do, never by half measures"
His daughter, Mariana Zwarg, she and her brother Ajurinã, fruits of the marriage of Itiberê
with Helena Cândida, played with their father in the Itiberê Orquestra Família and today they
continue in Itiberê Zwarg & Group

"Ever since I began to understand what he was talking about, I have the memory of hearing
him teach me and my brother that we must follow the heart, persist, never put money first,"
says Mariana. "I remember we were asking him to buy something and he said would not. And
he explained: Your father is instilling something very important in you."

In this spirit, Itiberê came to Rio, to the mythical house in Jabour, in the West Zone, where
Hermeto lived. There, he was able to launch head-on into things. With only three days to
learn the songs before his first gig with the band, Itiberê worked through the nights. Later, he
immersed himself in the Hermeto school, in an unbelievable routine of daily rehearsals, from
14h to 20h, between 1981 and 1993.

"Thanks to this time I managed to prepare myself for my solo projects" - Itiberê concludes. It
was Hermeto who advised him in 1998 that he was ready to do projects of his own. Without
knowing for sure what to do, he decided to set up his universal music workshop. Composing
live - a method that he follows to this day - with a group of young musicians, completely
involved with his approach, Itiberê planted without knowing, the seeds of the Itiberê
Orquestra Família.

"At that time, I had a bad experience with a big band that I set up for a job in São Paulo"

Itiberê recounts - "They were musicians who played only with scores. They pressed the keys
of the instrument and blew. This is not for me. I figured I had new types of musicians in my
workshops and I asked them, "Do you want to be my colleagues?" Then I set up the Family
Orchestra”.
The relationship of Itiberê with music and life, after all, does not establish boundaries
between one and another – it’s clearly shown in the way he thinks of sheet music.

"Reading is not music. When I was a child, my father (the composer Antônio Bruno Zwarg)
made me study piano, and the teacher wanted to teach me little pieces. And al I wanted to
do was play. I'm not against reading from scores, but it's just a record, a photograph".

'Strong and generous personality'

The end of the Itiberê Orquestra Família shows the mark of his convictions. The maestro
claims that some members, when they began to play in other projects, began to bring
influences to the group that were not in keeping with the guidelines devised by him. The
incompatibility created a split ("I'm going this way, whoever does not want to come together
does not have to come"). Asked if one sees in his position, traces of authoritarianism, Itiberê
says with certainty, no.

"Music is my religion, my contact with God," says the conductor, whose theology is attuned
to spiritism. "I take care of it as a caretaker: Do you want to come in? What do you want
here?"

Cellist Maria Clara Vale, one of the dissidents, refers to the separation as natural, "a cycle
that ended when several musicians, who started there very young, began to have other
yearnings. The rupture did not create bad feelings. Everyone maintains relations with him".
"Itiberê has a strong personality, but he has an incredible generosity," says Maria Clara.

"There was a time when I was very sick and he welcomed me into his home. One day, I was
having a very bad time, my head was confused, and he said, "Let's play." We stayed from 10 pm
to 3 am, and he composed the song "Choro da Maria". That helped me a lot."

This sensitivity - musical and human, again without distinction - is a trait of Itiberê also
highlighted by his girlfriend, the psychologist and writer Maria Tereza Maldonado:

"I knew him as a student. It was amazing to see him composing live for all the instruments,
within the capacity of each musician. It is a great listening skill " - says Maria Tereza, who points
out this sensitivity is also in everyday things - "We always dine by candlelight, we prepare our
food together, with an aesthetic refinement. He values these small sensory pleasures, the
contact with nature. I learned from him to distinguish the singing of birds"

Itiberê talks about the relationship with Maria Tereza with a phrase that could define it - by
combining playfulness and sophistication, wisdom and vigor. "We look like kids," he says before
he pauses and smiles. "But we're not”