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America Indigena e Livro Didatico
America Indigena e Livro Didatico
Introdução
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18, 19 e 20 de abril de 2011– Florianópolis/SC
revisão e renovação tanto dos manuais didáticos de história como da historiografia utilizada
pelos professores em sala de aula.
Nesta comunicação apresentamos uma análise das representações dos povos indígenas
“pré-colombianos”2 nos manuais didáticos de história para o ensino fundamental, utilizados
nos últimos anos (2002-2007). Trata-se de uma análise dirigida aos conceitos, valores,
significações e condições de produção destas representações, observando especialmente as
suas relações com a historiografia e com as demandas de educação escolar para a cidadania e
reconhecimento/respeito à diversidade cultural. Foram analisados dois manuais didáticos
publicados após a LDB (1996) e os PCNs (1998), amplamente utilizados nas escolas
particulares de Brasília: Projeto Araribá: História 7 (2007), obra coletiva, desenvolvida e
produzida pela editora Moderna; e Viver a História (2002), do autor Cláudio Vicentino,
lançado pela editora Scipione, para a 5ª série do Ensino Fundamental.
A pesquisadora Norma Telles (1987) analisou as imagens dos índios nos livro
didáticos de história utilizados nas escolas brasileiras nos 1980. Ela observou que estes
manuais, em geral, eram obras cheias de preconceitos e estereótipos, que possuíam uma
vontade excessiva de adaptar o real a desígnios convencionais, até conservadores, prendendo-
se a um modelo ideal de como as coisas deveriam ser. Os feitos das culturas européias eram
privilegiados e até mesmo idealizados nestes manuais, que tenderam a excluir ou silenciar os
feitos e vivência de outros povos. Além disso, a América do Sul, antes da chegada dos
europeus, aparecia como um espaço vazio cortado pelo meridiano de Tordesilhas, onde a
multiplicidade de culturas era silenciada. Este espaço vazio aparecia como “uma tapeçaria de
acomodações sucessivas, não como um campo de batalha de diferenças absolutamente
irreconciliáveis” (Telles, 1987, p. 81). Deste modo, o espaço americano só adquiria “realidade
e sentido, em relação à Europa e à possibilidade de ser europeizado, através da colonização”
(Idem).
O conceito de “descoberta” da América, bastante recorrente nos manuais didáticos
analisados por Telles, também apresentava seus problemas, ao ignorar a história americana
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Utilizamos a expressão “pré-colombianas/os” para se referir aos povos que habitavam a América antes da chegada dos
europeus em 1492. A chegada de Colombo é apenas um marco histórico escolhido para distinguir o que aconteceu antes e
depois de sua chegada, sabemos que do ponto de vista dos ameríndios o marco escolhido poderia ser outro.
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antes de 1492 e negar a existência e autonomia de grande parte da humanidade (1987, p. 83).
Os habitantes da América apareciam como seres inferiores tecnicamente e belicamente, dando
a impressão de serem “ultrapassados, anacrônicos e decadentes, porque incapazes de fazer
história ou de resistir ao agressor” (Idem). Como veículos de um pensamento eurocêntrico
estes manuais apresentaram, portanto uma representação dos índios como seres inferiores
perante os brancos colonizadores, em imagens desconexas e carregadas de detalhes exóticos
incompreensíveis e de projeções de valores estranhos que tenderam a legitimar a colonização
e silenciar os “vencidos” e suas lutas de resistência. Esse modo de proceder, segundo a autora,
descaracterizava e desacreditava as sociedades indígenas, apresentando-as com algo
profundamente indesejável.
A maior parte dos manuais didáticos de História dos anos 1980 pareciam informados
por um conjunto de saberes eurocêntricos e evolucionistas que construíam uma verdade sobre
a América “pré-colombiana”, ao enunciar e fazer circular representações preconceituosas,
negativas, estereotipadas e essencializadas a respeito do passado e das práticas, saberes,
tradições e identidades indígenas. Estes manuais exerciam um poder na reiterar de
representações que funcionaram como matrizes e efeitos de práticas e concepções que criam
diferenças, desigualdades, hierarquias e exclusões étnicas, culturais e sociais. De alguma
forma, a perpetuação destas representações pode constituir obstáculos na formação para
cidadania, ao contribuir na depreciação das identidades e memórias dos povos indígenas
americanos.
Já Fernandes e Morais (2004), em análise do tema da conquista da América nos
manuais didáticos de História, produzidos para o ensino médio nos anos 1990, observaram
que os referenciais historiográficos e pedagógicos inovadores eram raros nestes manuais, haja
vista que a maior parte da historiografia e das fontes históricas não está disponível em língua
portuguesa, e que a maior parte dos manuais que tratam da América hispânica não foram
escritos por especialistas na área. “Como resultados foram feitos sob a égide de manuais de
divulgação ou best-sellers panfletários” (Fernandes & Morais, 2004, p. 145). Estes autores
identificaram nestes manuais três visões sobre a conquista da América: a primeira de tradição
historiográfica eurocêntrica, evolucionista e cientificista que se apoiou nas narrativas dos
cronistas europeus e nos relatos de Hernán Cortés e Francisco Pizarro; a segunda de tradição
lascaciana, baseada nos escritos do padre dominicano Bartolomé de Las Casas; e a terceira
que faz uma tentativa de “resgatar o lado do vencido, do conquistado, valorizá-lo, mas, nas
entrelinhas, sonha-se em ser o conquistador, o desenvolvido, o branco” (Idem, p. 154).
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aspectos determinantes das etapas de “evolução” social. Este tipo de história, marcadamente
mecanicista e organicista, busca identificar os “princípios” pelos quais os diferentes períodos
da história podem integrar um processo macrocósmico singular de desenvolvimento. É nesta
perspectiva que podemos compreender as explicações de Vicentino, quando afirma que
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Os autores dos manuais analisados ainda fazem uso do termo “império” para nomear o
domínio dos incas e astecas. É necessário destacar que o Tawantinsuyo é descrito em parte da
historiografia e dos manuais didáticos como “Império Inca”. O termo “império” faz
referências a uma estrutura de poder supostamente análoga à existente na Antiguidade e na
Idade Média européia, o que simplifica o entendimento da organização política e social
incaica. A noção de império, cunhada na antiguidade greco-romana e remodelada na Idade
Média cristã (Torres, 2004, p. 80), está associada a uma dominação político-militar e, de
modo geral, também, a um processo de centralização política, que dispõe de uma burocracia,
com uma sede definida, fronteiras em constante expansão, a princípio ilimitadas, tendo como
pressuposto universal de que um império não se auto-limita. Além disso, freqüentemente,
existe também uma associação entre essa dominação político-militar e uma superioridade
cultural, que de modo geral deve ser compartilhada pelas elites de um império e às vezes até
pelos dominados. Não raramente, essa superioridade devia estar associada também ao sentido
de superioridade racial, e que para a estabilidade de um império ela precisava ser interiorizada
pelos dominados (Filho, 2004). Esse aspecto é considerado decisivo para o funcionamento
dos antigos sistemas imperiais.
Além disso, percebemos que essa noção de império esteve também associada à idéia
de patriarcado, de um sistema político organizado e conduzido por homens, onde as mulheres
ocupariam um espaço subalterno e marginalizado. Não por acaso, os autores do Projeto
Araribá reforçam esta concepção quando mencionam os trabalhos desempenhados pelas
mulheres astecas apenas no âmbito doméstico, enquanto aos homens é destinada a vida
pública e o governo. Não surpreende que Vicentino também afirme que a autoridade máxima
no “Estado Asteca” era o “imperador” (2002, p. 158). Essa concepção acaba impondo por
antecipação as configurações imagináveis para as estruturas políticas e sociais tantos dos
incas como dos astecas, já que prescreve a existência de um poder fortemente centralizado na
figura masculina de um imperador, descartando a possibilidade de que as mulheres pudessem
governar ou exercer alguma forma de poder. Estudos recentes na área de gênero e história
vêm revelando a participação ativa e importante das mulheres na sociedade incaica, exercendo
poder e autoridade no governo dos incas sobre os Andes, sendo inclusive adoradas e
reverenciadas como huacas, heroínas e governadoras: este é caso das Coyas, das sacerdotisas
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do Sol e da Lua, das curandeiras, das huacas femininas, das señoras Cápacs, das mulheres
guerreiras, das curacas, das capullanas e das proprietárias de terras e águas (Oliveira, 2006)3.
A noção de “império” e “civilização”, presente tantos nos manuais escolares
brasileiros como em boa parte da historiografia tradicional a respeito dos incas, é herdeira
também das concepções dos cronistas espanhóis que escreveram nos século XVI e XVII sobre
os incas. Segundo Franklin Pease (1994, p. 71-72), os cronistas espanhóis, em suas primeiras
viagens pelas costas do Peru, mediam a “civilização” dos povos andinos pela riqueza,
considerada em termos europeus, ou seja, pela abundância de metais preciosos. A
“civilização” também era identificada nas construções urbanas que os europeus encontravam,
nas estradas, nos depósitos andinos, nos terraços de cultivo, na vida agrária e finalmente na
presença de uma autoridade central. Os relatos sobre os objetos de ouro e prata encontrados
nos Andes abundavam nas crônicas que estiveram perpassadas pelos interesses colonialistas
de acumulação de riqueza e fortuna na América, difundindo amplamente uma “lenda do ouro”
que confirmava as imagens medievais de associação da riqueza a um paraíso terreno, uma
terra prometida (Pease, 1994, p. 72-73). A presença de ouro e prata nos Andes parece ter
convencido os espanhóis de que se tratavam de sociedades poderosas e, em conseqüência,
“civilizadas” (Idem, p. 72). De acordo com Pease, os espanhóis não puderam compreender
que nos Andes o ouro e a prata não tinham o mesmo valor monetário e nem era igualmente
valorizado como na Europa; o valor ritual lhes escapava (Idem).
Ainda segundo Pease, nas representações da organização política dos incas, os
cronistas se limitaram a aplicar plenamente sobre os Andes e o Tawantinsuyo as categorias
políticas que empregavam nas histórias e na vida diária européia: “o Inca era um rei como
Carlos V, adquirindo seu poder por uma herança patrilinear, de acordo com as condições
usuais na Europa de legitimidade e primogenitura” (1994, p. 73). Como também observou
Pease,
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Cf. SILVERBLATT, Irene. Luna, Sol y Brujas – Gênero y clases en los Andes prehispánicos y coloniales. Cusco: Centro de
Estudios Regionales Andinos Bartolomé de Las Casas, 1990. GOSE, Peter. El estado incaico como una “mujer escogida”
(aqlla): consumo, tributo em trabajo y la regulación del matrimonio en el incanato. In: ARNOLD, Denise Y (org.). Más Allá
del silencio: las fronteras de gênero en los Andes. Bolívia: CIASE e ILCA, 1997. ASTETE, Francisco Hernández. La mujer
en el Tahuantinsuyo. Peru: Fondo Editorial, 2002. GUARDIA, Sara Beatriz. Mujeres Peruanas el outro lado de la historia.
4ª ed. Lima: Minerva, 2002.
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Na visão dos cronistas a sociedade inca era estratificada como a européia, com uma
nobreza e população avassalada, já que centralista e imperial. Os manuais didáticos também
apresentam esta visão, ao nomear os grupos que exerciam o poder nas “civilizações “pré-
colombianas” como “nobres” e reafirmar a centralidade e autoridade política nas mãos de um
“imperador” (Projeto Araribá, 2007, p. 161; Vicentino, 2002, p. 158). Esta concepção
também é alvo das recentes investigações da etnohistória andina. Segundo Pease,
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Cf. os trabalhos de Irene Silverblatt, Rostworowski, John Murra, Zuidema e Ana Raquel Portugal.
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olhar eurocêntrico e colonialista dos cronistas a respeito dos ameríndios e suas sociedades,
exaltando a colonização, a ciência e a presença “civilizatória” dos europeus na América. Esse
tipo de história, em consonância com os ideais científicos modernos, acabou por silenciar,
inferiorizar e/ou negar os conhecimentos dos povos colonizados a respeito do passado, do
sagrado, do corpo, da organização social, da natureza, da vida, do cosmos, do poder, das
relações de gênero e parentesco; negou-lhes, enfim, o direito de ter especificidades e
particulares históricas e culturais reiterando uma série de conceitos globalizantes e
essencialistas a respeito das culturas indígenas americanas.
Franklin Pease (1994, p. 122) criticou a utilização indiscriminada das crônicas como
fontes de pesquisa, mas destacou a importância de sua utilização para a compreensão das
categorias que proporcionaram a apreensão das antigas sociedades andinas. Mesmo
reconhecendo os limites das crônicas para tratar destas sociedades, bem como de todo e
qualquer discurso sobre o passado, alguns pesquisadores não abandonaram essas narrativas
como fontes de pesquisa, mas passaram a utilizá-las em sua dimensão de documentos
construídos e não reflexos do real. Além disso, os pesquisadores reconheceram que apesar das
crônicas serem escritas sob o ponto de vista espanhol, apresentam alguns indícios para a
percepção da materialidade indígena5.
Vicentino deixa claro que a América é um continente habitado há milhares de anos por
diversas sociedades, desde o chamado período “pré-histórico”. Apesar de problematizar o
conceito de “pré-história”, além das periodizações e classificações dos “povos pré-históricos
americanos” (“bandos primitivos”, “povos tribais”, “cacicados” e “impérios”), chamando
atenção para o cuidado de se evitar a inferiorização de povos e culturas, o autor acaba fazendo
uso dos mesmos conceitos, o que torna o seu texto um pouco confuso. Ao mesmo tempo em
que afirma que as classificações evolutivas dos povos em atrasados ou avançados, se baseiam
em idéias condenadas atualmente, e que tem servido para justificar conquistas e dominações
de uns pelos outros, o autor parece não encontrar outra saída para denominar ou compreender
o desenvolvimento histórico destes povos. Quando menciona a existência de grandes cidades
e “impérios” nas regiões mesoamericanas e andinas, por volta de 1500 a.C, Vicentino declara
que “devem ser considerados à parte, não se encaixando na Pré-história ou no período
formativo” (2002, p. 52).
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Recentemente escrevemos um artigo sobre a abordagem das crônicas coloniais como materiais didáticos nas aulas de
história, com o objetivo de problematizar as representações e discutir a condições de produção do conhecimento sobre a
América e os povos indígenas nas crônicas coloniais; ou seja, de estudar as condições de produção das representações dos
povos indígenas no cenário da conquista da América, – a historicidade de suas elaborações, – buscando romper com a
universalização e naturalização das imagens dos indígenas e europeus na história.
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Este procedimento de ancoragem pode também ser observado na associação dos incas
e astecas aos povos do antigo Egito. Segundo Vicentino,
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Quando o Sapa Inca morria, suas mulheres e servos eram sacrificados e seus
corpos eram depositados, junto ao dele, no Templo do Sol. Como no Egito
antigo, empregavam-se técnicas para mumificar mortos. (2007, p. 154.
Grifos do original)
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A história desse povo [maia] continua nos dias de hoje, assim como a de
descendentes de outras sociedades indígenas americanas. A luta atual dos
descendentes dos antigos maias no estado de Chiapas, no México, tornou-se
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Vicentino também trata da relação do passado com o presente num único parágrafo,
onde declara que
Considerações finais
Na análise dos manuais Projeto Araribá e Viver e a História, fica claro que não há
mais um silencia sobre a América antes de 1492, no entanto o sentido que as sociedades “pré-
colombianas” recebem nestas narrativas não permitem a manifestação da alteridade, já que
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suas representações históricas são postas na ordem de um discurso civilizador. Deste modo
perpetua-se um saber histórico homogeneizador acerca das culturas “pré-colombianas” que
tem suas implicações na tão almejada educação para a cidadania, tendo em vista o
reconhecimento e respeito à diversidade cultural na história. Como bem atenta os PCN‟s de
História para o ensino fundamental,
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