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E daqui pra frente?

Diferentes olhares para a Unesc

Christian Engelmann, acadêmico de Psicologia Psicologia e Assessor de Inovação na


ADITT..

Estou representando aqui não só uma visão de inovação, mas também


estou como a voz dos acadêmicos, tendo em vista que sou acadêmico de Psicologia
na Unesc atualmente, egresso dos cursos de Ciência da Computação e de Direito;
então eu trago essa perspectiva de discente, pra além de especialista em inovação e
funcionário da Agência de Desenvolvimento, Inovação e Transferência de
Tecnologia (ADITT); alguém que pensa a inovação diariamente, ajudando e
tentando contribuir nesse novo momento de transformação digital que nós fomos
forçados a viver.
A primeira mensagem que eu quero trazer, em consonância com o que
vem sendo dito aqui, é que de fato a humildade deve ser o nosso guia no momento
em que estamos vivendo. Nós precisamos aceitar que, diante de possibilidades
virtualmente infinitas, não sabemos nada — e que o futuro, na verdade, é
absolutamente intangível, não importa o quanto tentemos tangibilizá-lo. Então
precisamos ter humildade quando tratamos de futuro, ainda mais em um momento
como o que vivemos, que é (e torna) tudo tão imprevisível. Quero deixar esta
primeira mensagem aqui, como uma semente plantada, para que ao final desta
exposição possamos resgatá-la, e pensarmos sobre como podemos pensar ações e
resolver problemas diante desta imprevisibilidade e de tantas incertezas.
Para começar quero tratar do tema tecnologia. Tendemos a falar “na
tecnologia”, tratando-a como um sujeito, como se ela se expressasse e tivesse
vontades próprias, entretanto a tecnologia é terrivelmente indiferente, ela não é
alguém, ela não se expressa no mundo por si só, de forma autônoma. Então,
sempre que eu trato de futuro e tecnologias, gosto de pensar, me basear e estudo
muito, sobre quem pensa a tecnologia; quem está desenvolvendo as tecnologias; o
que é a tecnologia em si. Essas grandes mudanças que estão acontecendo, tem
sujeitos por trás e eles invariavelmente tem intenções para suas criações, e de tudo
que estudei, pesquisei e os ambientes que visitei, quem tem pensado a tecnologia
geralmente não tem más intenções; eles geralmente são apaixonados por suas
criações e pensando a tecnologia eles querem contribuir para um mundo melhor.
Trago esta perspectiva, porque as vezes podemos incorrer no erro de abordar a
tecnologia como algo que se desenvolve por si mesmo, e que de alguma forma ela
vá nos causar algum tipo de mal, como se esta fosse uma intenção intrínseca à
tecnologia.
Gosto de ver a tecnologia como intrínseca à evolução humana, e as
tecnologias digitais como mais uma etapa desta evolução. A história da humanidade
vem sendo contada através de Eras, e antes mesmo da pandemia que nos assola,
já se antecipava que o momento em que vivemos não é uma Era de mudanças, mas
sim uma mudança de Era. Nós estamos saindo da Era Digital — e já estamos
atrasados, inclusive, quando falamos em transformação digital — e entrando na Era
Pós-Digital. Estamos entrando em um momento da história em que os modelos
político-econômicos pensados até então, não conseguem antecipar o que virá,
porque a mudança que vivemos é absolutamente inédita.
Até aqui as tecnologias conseguiram nos substituir, como força de
trabalho, no âmbito comportamental, então nós temos tecnologias que
comportamentalmente imitam o ser humano e podem nos substituir. Entretanto
estamos entrando em uma etapa do desenvolvimento tecnológico, com a
Inteligência Artificial, onde o ser humano pode ser emulado tanto
comportamentalmente quanto cognitivamente. Então, neste novo cenário em que a
tecnologia pode substituir o ser humano de forma tão ampla e inédita, teremos que
pensar, enquanto humanidade, novos modelos político-econômicos que contemplem
um cenário em que este ineditismo seja o dia a dia.
A pandemia, dentro do contexto que estamos inseridos e que acabei de
expor, acelerou todo este processo. Então, mudanças que já estavam acontecendo,
e tocavam apenas alguns dentro da sociedade, passou a exigir o entendimento de
muitos, acarretando de forma bastante rápida o que podemos chamar de
Darwinismo Organizacional. Portanto, neste momento, “sobreviverão” os que melhor
se adaptarem. Durante este cenário de pandemia e quarentena, onde tantos são
forçados a mudar seus estilos de vida no nível individual, e tantas instituições
forçadas a adaptar seus modelos de negócios para continuarem funcionando, as
demandas estão postas por uma força maior — e como eu disse anteriormente, a
tecnologia é terrivelmente indiferente — induzindo uma espécie de funil, em que
todas as instituições são forçadas a entrar, mas somente os mais bem adaptados
conseguem sair pelo canal mais estreito.
Agora, pensando o contexto educacional, mais especificamente a
Academia, posso começar esta exposição citando Richard Hamming, um cientista
da computação do início do século XX, que teve influência ao longo de todo século,
e foi um daqueles agentes que “pensa a tecnologia” que mencionei anteriormente.
Ele disse — antecipando a inteligência artificial e modelos educacionais que são
tocados pela grande influência da tecnologia — uma frase que sempre me marca
muito quando a releio, e sempre a levo comigo, principalmente porque eu trabalho
em uma Universidade justamente com o tema de inovação, que foi: “professores
devem preparar os alunos para o futuro do aluno, não para o passado do
professor.”1
Portanto, de forma premente, e mais urgente do que nunca, nós enquanto
lideranças e com cargos em que podemos tomar decisões no âmbito educacional,
que lidamos diretamente com os alunos — querendo impactar positivamente e
mudar suas vidas —, eu clamo e vos convoco, professores, gestão institucional, que
paremos para pensar nisso. Talvez não pensar tanto na nossa posição enquanto
líderes dentro de uma sala de aula ou a nível de gestão; não pensar tanto na nossa
vida e no que vivemos até então; mas tentar antecipar — e neste ponto eu resgato a
mensagem que plantei no início da minha fala, sobre a humildade — e escutar, o
que o aluno tem para nos ensinar.
Aprender com os alunos se faz fundamental no momento atual, porque o
trânsito geracional em um contexto de transformação digital, torna as pessoas ainda
mais diferentes, as linguagens de uma geração para a outra são muito singulares. O
que me faz bem e o que faz bem aos outros, não necessariamente é a mesma
coisa. Então, quando precisamos falar dos jovens, e de quem queremos educar, é
mais importante que a gente entenda a sua linguagem para ensina-lo, do que a
maneira que queremos que ele aprenda. Por isso precisamos preparar os
estudantes para o futuro dos estudantes, e não para o passado, para o que viveu até
então o professor.
O que estamos vivendo agora, por conta da pandemia, é apenas um
primeiro momento, o início de uma grande transformação. Grandes pensadores
contemporâneos, que abordam o tema “futuro”, como Yuval Noah Harari (autor de
Sapiens, Homo Deus e 21 lições para o século 21) e Peter Diamandis (autor de

1
HAMMING, Richard W. The Art of Doing Science and Engineering: Learning to Learn. Abingdon,
UK: Taylor & Francis e-Library, 2005. Prefácio.
Abundância: O futuro é melhor do que você imagina e The future is faster than you
think: how converging technologies are transforming business, industries, and our
lives), defendem a ideia de que o tempo que vivemos é o início mal percebido de
uma grande era de mudanças históricas, uma espécie de século XIV e XV para as
grandes navegações e a era dos descobrimentos; somos, hoje, como os espanhóis,
portugueses e ingleses, quando haviam recém descoberto os novos continentes e
novas rotas comerciais, e existem séculos de história do porvir que vão de fato
desenrolar o momento em que vivemos, que é apenas o primeiro passo dentro de
um cenário digital e pós-digital.
A universalização de tecnologias, ambientes digitais, a inteligência
artificial cada vez mais conectada ao dia a dia, esta nova linguagem muito mais
dinâmica do nativo digital — absolutamente mais dinâmica, porque, por exemplo, o
professor tende a se expressar de forma linear através das aulas mediadas por
tecnologias, como se falasse “frente a frente”, e eu garanto pra vocês que os alunos
que estão escutando esta aula, também estão com um vídeo no YouTube aberto em
uma outra aba do navegador, estão respondendo diversas mensagens e grupos no
WhatsApp e postando uma foto no Stories do Instagram — e é essa a linguagem
que precisamos aprender e entender; ela não é mais unidimensional, é
multidimensional e exponencialmente imprevisível, e se não conseguirmos
tangibilizar isso para dentro do ambiente de sala de aula, seja físico ou digital
(online), já saímos atrás neste novo momento da educação.
Isso porque é muito fácil para o aluno encontrar conteúdo qualificado hoje
em dia. Enquanto falamos aqui, através do YouTube, quem está nos assistindo
pode de forma simples executar o comando CTRL+T — que é o comando no
teclado para abrir uma nova aba no navegador da internet — e buscar, por exemplo,
uma aula de um grande professor de Harvard, Stanford, Yale ou Oxford. Hoje a
Unesc não concorre mais somente com os seus pares próximos, na região sul de
Santa Catarina, ela concorre de forma global no mercado de educação. Hoje, cada
vez mais, o diploma no final de cinco anos de estudo tem menos valor em si mesmo.
Resgatando, então, a premissa que deixei no início da minha fala sobre
pensar ações e sobre como resolver problemas diante desta imprevisibilidade e de
tantas incertezas, vamos falar um pouco sobre o que pode ser feito. Eu já tive
startup, e vim para a universidade do mercado, de um ecossistema de
empreendedorismo e inovação, e nestas comunidades que transitei ouvi duas frases
que são muito potentes pra mim, ditos populares que são frequentemente citados
nestes ecossistemas, que são “o mundo é de quem comparece” e “pense global,
mas aja local”. Considero estas frases muito importantes no momento em que
vivemos, e talvez possam ajudar a nos mostrar o caminho certo a seguir.
Nós humanos ainda estamos restritos à nossa interface biológica, ainda
que tenhamos todas estas ferramentas tecnológicas e uma capacidade de
comunicação e interligação digital, a nossa interface, o nosso campo de ação
imediato, ainda está restrito ao que a gente pode tocar. E, por conta de centenas de
milhares de anos de evolução da nossa espécie, ainda que a tecnologia nos
possibilite abranger ações cada vez mais amplas e distantes, ainda vamos querer
agir localmente.
Então, eu penso que a Unesc, enquanto universidade, precisa ser este
vetor de ação, este vetor de responsabilidades; porque ainda que os alunos, os
agentes, os jovens, tenham capacidade de se informar e qualificar num ambiente
que possibilita acesso ao conhecimento globalmente, que é a internet, o campo de
ação dela vai estar restrito aonde ela está. Acredito, portanto, que a força da Unesc
— e de qualquer instituição de ensino — vai estar em conseguir antecipar as
demandas de expressão desse jovem, nativo digital, e possibilitar a ele formas de
agir no mundo. Tudo isso que este jovem está absorvendo nos ambientes digitais,
todo conhecimento que está tendo contato através da internet vai, eventualmente,
precisar ser expresso. E de que forma a Unesc pode servir aos jovens como uma
espécie de veículo, de porta de entrada, para que possam se expressar no mundo?
Para que ele possa encontrar seu propósito, e talvez não tanto trabalhar mais, como
num cenário de Revolução Industrial, mas possa executar a si mesmo no mundo, de
acordo com suas paixões, habilidades e instintos.
O ser humano, como espécie, é um ser que precisa se expressar, se
manifestar, realizar. Que inventa coisas mil, e não se contentará mesmo que já
tenha possuído tudo. Mesmo que, em utopia, o ser humano viva só de bolos, tenha
conquistado todo bem material que lhe aprouver, e tenha todas as horas do seu dia
para o ócio, possivelmente, mesmo neste cenário, ele se armaria de um martelo e
quebraria tudo ao seu redor, só pela ação, como forma de se expressar no mundo.
Ou, como disse Dostoiévski em seu livro Memórias do Subsolo 2:

2
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Memórias do Subsolo. Tradução: Boris Schnaiderman São Paulo: Editora
34, 2009. p. 44-45.
Podeis cobri-lo [o ser humano] de todos os bens terrestres, afogá-lo em
felicidade, de tal modo que apenas umas bolhazinhas apareçam na
superfície desta, como se fosse a superfície da água; dar-lhe tal fartura, do
ponto de vista econômico, que ele não tenha mais nada a fazer a não ser
dormir, comer pão de ló e cuidar da continuação da história universal — pois
mesmo neste caso o homem, unicamente por ingratidão e pasquinada, há
de cometer alguma ignomínia. [...] Desejará conservar justamente os seus
sonhos fantásticos, a sua mais vulgar estupidez, só para confirmar a si
mesmo (como se isto fosse absolutamente indispensável) que os homens
são sempre homens e não teclas de piano, que as próprias leis da natureza
tocam e ameaçam tocar de tal modo que atinjam um ponto em que não se
possa desejar nada fora do calendário.

O ser humano não foi feito para o ócio, ainda que o almeje. Precisamos
desbravar, precisamos saber o que existe além da próxima curva, para além do
horizonte. Então, muito possivelmente, ainda que tenhamos possibilidades de
conforto e luxo de forma universal, vamos querer nos executar no mundo, vamos ter
que encontrar nossos propósitos individuais e formas de nos expressarmos.
Vejo, portanto, que as instituições de ensino tem que ser este espaço,
esse vetor de ação e responsabilidade, não somente o espaço que o estudante vai
para apreender conteúdos teóricos e técnicos, mas também comportamentais, que
digam respeito às suas vidas cotidianas, sua saúde mental, nutricional e física, e de
que forma todas estas transformações estão impactando a cada um individualmente.
Aprender não só as Hard Skills, mas também as Soft Skills, uma vez que as Hard
Skills podem ser aprendidas de forma mais simples através da internet, já estão
apresentadas e dispostas de forma acessível a quem tiver o brio de aprendê-las, só
precisam ser resgatadas e expostas. Existem coisas que precisam ser ensinadas,
mas existem coisas que só estando disponíveis, já podemos apreender. Então,
quais são as coisas que de fato estamos ensinando e quais são as que só estamos
entregando? Qual é o valor real estamos criando na vida desses jovens? Quais
oportunidades o jovem pode encontrar no ambiente acadêmico que facilitem a sua
busca por propósito e seus caminhos de se expressar no mundo?
A minha mensagem é esta. Acredito que a Unesc está no caminho certo,
já tem dados passos consistentes no caminho de ser este espaço de ação para seus
acadêmicos, e cada vez mais acolhe a transformação digital e as mudanças como
imperativas para a sua existência. São tempos nebulosos os da mudança, mas
precisamos navegar o caos com um sorriso no rosto, com a certeza que sairemos
dele fortalecidos.

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