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Unidade II

Unidade II
Nesta unidade vamos abordar as dificuldades políticas enfrentadas na construção da ordem imperial,
abalada com a abdicação de Pedro I, e de que maneira as elites articularam‑se num contexto marcado
pela explosão de diversas revoltas que, no limite, destruiriam o Império. Começaremos pela estrutura
das Regências, vamos apresentar o Ato Adicional e, depois, as revoltas mais conhecidas e presentes na
maioria dos grandes manuais, assim como as menos abordadas, mas igualmente relevantes.

REGÊNCIAS

A saída de Pedro I do poder em 7 de abril de 1831 foi marcada pelo envolvimento de diversos setores da
sociedade brasileira, mas ao final do processo, as demandas atendidas não foram as de todos os envolvidos. Pelo
contrário, as estruturas sociais que beneficiavam os setores mais elitizados convergiram para que o Império fosse
mantido integralmente, não sem conflitos, não sem guerras e não sem ameaças muito diretas à manutenção da
ordem imperial. Por fim, ao menos para a geração que conseguiu livrar‑se de Pedro I, seus principais interesses
foram assegurados enquanto classe e enquanto grupo dominante político e economicamente.

5 REGÊNCIAS, ORGANIZAÇÃO POLÍTICA

As sessões de debates políticos no Senado do Império que se seguiram à partida do primeiro imperador
ajudam‑nos a ter, em parte, a medida da temperatura política e das possibilidades de acomodações ou
enfrentamentos presentes na sociedade brasileira.

Em 1831 Pedro de Alcântara era ainda uma criança, conforme a iconografia de época buscou salientar.

Figura 19 – Pedro de Alcântara, ainda criança, o herdeiro do trono brasileiro

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Assim, o problema aberto com a menoridade do herdeiro traz à tona a opinião dos políticos da época
sobre o que fazer em tão inusitada realidade da jovem nação.

‘A abdicação é perfeita’, dizia Almeida e Albuquerque. ‘Agora o primeiro


passo que devemos dar é nomear uma Regência, e na mesma opinião
cumpre proceder conforme a Constituição, compondo essa Regência de três
conselheiros de Estado e dois Ministros de Estado; mas todavia, se quiserem,
seja Regência de três membros, em vez de cinco (BRASIL, 1831d, p.10).

Quando ocorre uma crise política dessa magnitude pode surgir a indagação a respeito de como
fica o poder e quem deve ser o chefe do poder executivo. Você já parou para pensar como é a
linha de sucessão nos diversos poderes existentes na República do Brasil nos dias atuais? Quem
fica na presidência no caso da vacância do cargo? E se o vice não puder assumir, como se garante a
ordem institucional? Essas questões que aparentemente nos são tão distantes, pois aqui se trata do
Império, um momento que já foi encerrado, devem fazer‑nos observar como é organizado o mundo
em que vivemos. Para conseguirmos entender essa organização, a referência fundamental que deve
ser considerada é a que está prevista na Constituição, portanto, atualmente temos uma determinada
linha sucessória, mas como estava previsto isso em 1831?

A Constituição outorgada pelo Imperador em 1824 trazia, no tocante à sucessão do trono, as


seguintes determinações:

Artigo 121 – O imperador é menor até a idade de dezoito anos completos.

Artigo 122 – Durante sua menoridade, o Império será governado por uma
regência, a qual pertencerá ao parente mais chegado do imperador, segundo
a ordem de sucessão, e que seja maior de 25 anos.

Artigo 123 – Se o imperador não tiver parente algum, que reúna estas
qualidades, será o Império governado por uma regência permanente,
nomeada pela Assembleia Geral, composta por três membros, dos quais o
mais velho em idade será o presidente.

Artigo 124 – Enquanto esta regência não se eleger, governará o Império


uma regência provisional, composta dos ministros de Estado do Império,
e da Justiça; e dos dois conselheiros de Estado mais antigos em exercício,
presidida pela imperatriz viúva, e na sua falta, pelo mais antigo conselheiro
de Estado (FAZOLI, 1990, p. 16).

O segundo problema enfrentado não era apenas saber o que fazer, ou como o poder deve ser exercido,
a questão fundamental era: por quem? Naqueles dias, setores políticos divergentes articulavam‑se
ainda mais e o espectro político tornava‑se mais amplo e complexo. Apesar de majoritariamente
elitistas, era preciso conter os interesses e os ânimos daqueles que poderiam representar ameaças à
ordem social estabelecida.
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Exaltados Moderados Restauradores

Progressistas Regressistas

Figura 20 – Organização dos grupos políticos no início das Regências e seu desenvolvimento

De um lado, havia os considerados “exaltados”, aqueles que faziam a oposição mais agressiva aos
setores apoiadores do imperador que acabara de abdicar. Alguns chegam mesmo a denominá‑los liberais
exaltados, sendo, por todo o Império, vistos como opositores ao Poder Moderador, ao Senado vitalício
e ao Conselho de Estado, todos amplamente favoráveis à concessão de maiores poderes às províncias
do Império, em um claro movimento de descentralização política que deveria reduzir as ingerências
do poder central sobre as realidades locais. Havia, entre esses liberais, os ainda mais exaltados que
chegavam mesmo a falar em república federalista.

Saiba mais

Procure verbetes específicos como constituição, abdicação ou mesmo


regências. Procure também outros termos que lhe despertem interesse no
período e amplie seus conhecimentos e capacidade de discutir e aprofundar
as discussões sobre o Império. Para tanto, indicamos:

VAINFAS, R. Dicionário do Brasil Imperial 1822‑1889. Rio de Janeiro:


Objetiva, 2002.

Aos liberais mais moderados havia também a oposição por parte daqueles que sonhavam ainda com
o retorno de Pedro I ao trono do Brasil, sendo estes vistos como Restauradores, ou Caramurus – o que
lhes dava como característica fundamental um centralismo político nos moldes da Constituição de 1824.
Tal grupo era uma ameaça aos defensores de mudanças mais significativas em termos de participação
política, mas com a morte de Pedro IV de Portugal, o grupo perdeu a razão de ser. Esses conservadores
agrupavam‑se em torno da chamada Sociedade Conservadora, sendo originários da burocracia imperial
e dos comerciantes de grosso trato, até mesmo do tráfico negreiro.

Lembrete

Vale lembrar que recorrer aos dicionários, tanto aqueles mais especializados,
quanto os mais gerais, deve ser uma prática recorrente na preparação de aulas,
de apresentações e mesmo para a fundamentação de discussões teóricas.

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Exemplo de aplicação

Você consegue explicar a diferença entre os papéis políticos permitidos para a participação popular
no Período Regencial do Império do Brasil e depois, no final do século XX, em 1993, quando realizado o
plebiscito que poderia definir o retorno da monarquia ao Brasil?

Saiba mais

Sobre o Plebiscito de 1993 pode‑se consultar o site do TSE:

PLEBISCITO DE 1993. Tribunal superior eleitoral, Brasília, 2014.


Disponível em: <http://www.tse.jus.br/eleicoes/plebiscitos‑e‑referendos/
plebiscito‑de‑1993>. Acesso em: 4 fev. 2015.

Retomando o cenário político, havia três grupos principais que representavam as tendências em
conflito em 1831: os liberais exaltados (considerados radicais), os liberais moderados e os regressistas
(favoráveis ao retorno de Pedro I ao trono). Deste modo, existam muitas disputas envolvendo setores
elitistas – alguns mais conservadores, outros mais liberais; alguns relacionados à grande propriedade
rural escravista cafeicultora no Sudeste, outros, grupos fronteiriços que desde a Guerra da Cisplatina
reclamavam de impostos e intromissões do poder imperial em sua realidade local, e ainda outros,
representando a decadente açucarocracia nortista.

O quadro político era cada vez mais complexo, pois nas cidades, havia setores sociais começando
a entrar em cena – tal como havia ocorrido por ocasião dos embates e assassinato de Líbero Badaró. E
ainda, como não poderia deixar de ser, havia os setores que representavam a esmagadora maioria da
população do Brasil, ou seja, a população rural.

Fazer um mapa dessa população tão diversificada em termos de interesses, distribuição geográfica,
ocupação e realidade material é extremante problemático, uma vez que o primeiro censo realizado no
Império data, apenas, de 1872.

Saiba mais

Para aprofundar seus conhecimentos sobre o censo realizado em 1872,


no II Reinado, consulte o verbete Censo, no já referido:

VAINFAS, R. Dicionário do Brasil Imperial 1822‑1889. Rio de Janeiro:


Objetiva, 2002.

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5.1 Regência Trina Provisória

O Parlamento precisou realizar uma sessão extraordinária para debater e dar algum encaminhamento
para a crise, e assim as discussões levaram à escolha de três nomes para compor o governo provisional
enquanto não se elegesse o poder permanente.

Em nome do Imperador menino, ainda não coroado, governava Francisco de Lima e Silva – militar
experiente e que já dera provas de sua lealdade ao Império quando da repressão à Confederação do
Equador, em 1824. Considerando a instável situação do Império, um militar seria caução da ordem e
integridade territorial, além, é claro, de ser habilitado para conter possíveis revoltas e manifestações que
desde meados da década de 1820 já grassavam no Império. Era uma escolha pela estabilidade em um
momento de incertezas.

Outro nome foi o do político José Joaquim Carneiro de Campos, o Marquês de Caravelas. Político
conservador dos círculos mais próximos ao antigo imperador, representava também, uma opção pela ordem
e manutenção das instituições do Império, tal como uma garantia de que não haveria risco de surpresas ou
mesmo de mudanças mais radicais. No quadro político das escolhas para a Regência, o povo ficava de fora.

O terceiro nome escolhido foi o do político liberal Nicolau de Campos Vergueiro, agradando aos
grupos emergentes de cafeicultores do sudeste, ele mesmo um importante proprietário radicado no
interior de São Paulo, sobre o qual ainda falaremos devido sua experiência com os imigrantes.

Regência
Trina Provisória
Brigadeiro Senador
Lima e Silva - Vergueiro –
militar liberal

Carneiro de
Campos –
conservador

Figura 21 – Organização da Regência Trina Provisória – note‑se


que os três nomes representam três forças distintas

A ordem imperial aparentemente estava preservada com o movimento de convergência entre as


elites, mas a realidade histórica era mais complexa do que um jogo entre alguns setores sociais. No
momento da posse do governo, foi proferido o seguinte juramento pelos três regentes:

Juro manter a religião católica apostólica romana, a integridade e


indivisibilidade do Império, observar, e fazer observar a Constituição política
da nação brasileira, e mais leis do Império, e prover ao bem geral do Brasil,
quanto em mim couber. Juro fidelidade ao Imperador o senhor D. Pedro II,
e entregar o governo à Regência Permanente, logo que for nomeada pela
Assembleia Geral (BRASIL, 1914, p. 8).
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Com a necessidade de regulamentar poderes e esclarecer atribuições, em 14 de junho de 1831, o


Parlamento aprovava a Lei de Regência e escolhemos trazer aqui diversos artigos, a saber:

Sobre a fórma da eleição da Regencia permanente, e suas attribuições.

A Regencia Provisoria, em Nome do Imperador, faz saber a todos os subditos


do Imperio, que a Assemblea Geral Decretou a Lei seguinte:

— Art 1º Durante a minoridade do Senhor D. Pedro II, o Imperio será


governado por uma Regencia permanente, nomeada pela Assemblea
Geral, composta de tres membros, dos quaes o mais velho em idade
será o Presidente como determina o titulo 5º capitulo 5º art. 123 da
Constituição.

— Art 2º Esta nomeação se fará em Assemblea Geral, reunidas as duas


Camaras a pluralidade absoluta de votos dados em escrutinio secreto

— Art 4º Recolhidas e contadas as cedulas, far‑se‑ha a apuração, e


os tres que mais votos obtiverem tendo pluralidade absoluta serão
declarados membros da Regencia.

— Art 10. A Regencia nomeada exercerá, com a referenda do Ministro


competente, todas as attribuições, que pela Constituição do Imperio
competem ao Poder Moderador, e ao chefe do Poder Executivo, com
as limitações e excepções seguintes.

— Art 18. A attribuição de nomear Bispos, Magsitrados, Commandantes


da Força de Terra e Mar, Presidentes das Provincias, Embaixadores
e mais Agentes Diplomaticos e Commerciaes, e membros da
Administração da Fazenda Nacional na Corte, e nas Provincias os
membros das Juntas de Fazenda, ou as autoridades, que por Lei, as
houverem de substituir, será exercida pela Regencia.

— Art 19. A Regencia não poderá:

1° Dissolver a Camara dos Deputados

2° Perdoar aos Ministros e Conselheiros de Estado, salvo a pena de morte,


que será commutada na immediata, nos crimes de responsabilidade.

3° Conceder amnistia em caso urgente, que fica competindo a Assemblea


Geral, com Sancção da Regencia dada nos termos dos artigos antecedentes.

4° Conceder Titulos, Honras, Ordens Militares, e Distincções.


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5° Nomear Conselheiros de Estado, salvo no caso em que fiquem menos de


tres, quantos bastem para se preencher este numero .

6° Dispensar as formalidades, que garantem a liberdade individual.

— Art 20. A Regencia não poderá, sem preceder approvação da Assemblea


Geral :

1° Ratificar Tratados, e Convenções de Governo a Governo.

2° Declarar a guerra.

— Art 21. A Regencia, estando reunida, terá a mesma continencia militar,


que compete ao Imperador : os requerimentos, representações,
petições, memorias, e officios que lhe foram dirigidos, serão feitos
como ao Imperador. (BRASIL, 1831a)

A escolha de trazer alguns dos artigos ocorreu deixando vários outros de fora e os aqui apresentado
são os mais relevantes para que possamos observar a estrutura política do Império centrada no poder
executivo. A grafia não foi atualizada porque acreditamos ser plenamente viável a leitura na forma da
época e mais, como uma maneira de perceber as mudanças.

No dia 17 de junho, pouco após a aprovação da Lei de Regência, foi votada a Regência Trina
Permanente. É importante assinalar que Pedro I abdicou em 7 de abril de 1831 e em junho já era trocado
o governo!

5.2 Regência Trina Permanente

A escolha do parlamento recaiu sobre o deputado José da Costa Carvalho (o marquês de Monte
Alegre), representante político do sul do Império – o que atualmente corresponderia ao Sudeste –, João
Bráulio Muniz, representando o norte, e o Brigadeiro Francisco de Lima e Silva, membro da Regência
Provisória e representante militar no esforço pela manutenção da ordem no Império.

Regência
Trina Permanente
Brigadeiro José Costa
Lima e Silva - Carvalho
militar

João Bráulio
Moniz

Figura 22 – Organização da Regência Trina Permanente – note‑se a mudança na organização,


sendo mantido o militar, “Chico Regência” e agora escolhido Bráulio Moniz, do norte, e Costa Carvalho, do sul

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Apesar dos três nomes citados, de fato, o governo ficava a cargo do então ministro da Justiça, padre
Diogo Antonio Feijó, representante dos setores liberais paulistas, liberais sim, mas não populares. Do
círculo político de Feijó, fazia parte o também muito influente Evaristo da Veiga, com o qual partilhava
da ideia de um Poder Executivo fortalecido.

A pressão dos liberais teve como um dos seus principais resultados o afastamento do histórico líder
conservador José Bonifácio de Andrada e Silva da importante função de tutor do imperador menino,
sendo substituído pelo Visconde de Itanhaém, Inácio de Andrade Souto Maior. Apesar da função não
ter papel político, no sentido de que não dava atribuições governamentais a quem a exercia, influenciar
Pedro de Alcântara em sua formação política tinha sua importância.

A questão da escravidão ainda era um sério problema a ser debatido na sociedade e nas instâncias políticas
e, quiçá, por muitos e muitos anos continuou sendo umas das mais relevantes e problemáticas discussões
realizadas no Brasil. Lembremos, ainda, que havia pressões externas para que o Império, ao menos, suspendesse
o tráfico negreiro, pois assim o prometera desde as tratativas pelo reconhecimento da Independência com a
Inglaterra, e então a Regência Trina Permanente aprovou uma lei contra o tráfico externo:

Lei de 7 de Novembro de 1831

Declara livres todos os escravos vindos de fôra do Imperio, e impõe penas


aos importadores dos mesmos escravos.

A Regencia, em Nome do Imperador o Senhor D. Pedro II, Faz saber a todos


os Subditos do Imperio, que a Assembléa Geral Decretou, e Ella Sanccionou
a Lei seguinte:

Art. 1º Todos os escravos, que entrarem no territorio ou portos do Brazil,


vindos de fóra, ficam livres. Exceptuam‑se:

1º Os escravos matriculados no serviço de embarcações pertencentes a


paiz, onde a escravidão é permittida, emquanto empregados no serviço das
mesmas embarcações.

2º Os que fugirem do territorio, ou embarcação estrangeira, os quaes serão


entregues aos senhores que os reclamarem, e reexportados para fóra do
Brazil (BRASIL, 1831c).

Os liberais articulavam‑se buscando algum fortalecimento, e em fins de julho de 1832 Feijó tentou
uma manobra política que diminuiria o papel político do Senado, concentrando ainda mais poderes nos
regentes, no entanto, os setores mais conservadores perceberam a gravidade da situação e o político
nortista Honório Hermeto Carneiro Leão conseguiria a própria substituição de Feijó no comando da pasta
da Justiça. No entanto, os liberais não se davam por vencidos e continuavam a investir seus esforços no
sentido de promulgar algumas reformas constitucionais que atendessem aos anseios descentralizadores
dos liberais tidos por moderados.
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Um dos mecanismos criados nessa época para assegurar o poder dos senhores locais foi a criação
da Guarda Nacional, em agosto de 1831, sendo ela responsável por garantir a ordem local. Na prática,
acabava por assegurar aos grandes senhores um enorme poder sobre as populações.

Leia a seguir alguns trechos da lei de criação da Guarda Nacional:

Lei de 18 de Agosto de 1831

Crêa as Guardas Nacionaes e extingue os corpos de milicias, guardas


municipaes e ordenanças.

[...] Art 1° As Guardas Nacionaes são creadas para defender a Constituição,


a liberdade, Independencia, e Integridade do Imperio; para manter a
obediencia e a tranquilidade publica; e auxiliar o Exercito de Linha na defesa
das fronteiras e costas.

[...] Art. 10 Serão alistados para o serviço das Guardas Nacionaes nas cidades
do Rio de Janeiro, Bahia, e Recife, Maranhão, e seus respectivos termos:

1° Todos os cidadãos brazileiros, que podem ser Eleitores, comtanto que


tenham menos de 60 annos de idade, e mais de 21.

2° Os cidadãos filhos familias de pessoas, que tem a renda necesaria para


serem Eleitores, com tanto que tenham 21 annos de idade para cima.

Em todos os outros Municipios do Imperio serão alistados:

1° Os cidadãos que tem voto nas eleições primarias, uma vez que tenham 21
annos de idade até 60.

2° Os cidadãos filhos familias de pessoas, que tem a renda necessaria para


poderem votar nas eleições primarias, com tanto que tenham acima de 21
annos de idade para cima.

O serviço das Guardas Nacionaes é obrigatório, e pessoal, salvas as excepções


adiante declaradas (BRASIL, 1831b).

O que estava em jogo entre 1833 e 1834 não era um processo revolucionário entre os
membros das elites que disputavam os postos de comando no Rio de Janeiro, antes disso, eram
disputas absolutamente reformistas e as medidas resultantes desse processo buscavam conduzir
o Império para uma situação mais moderada e que evitasse o que na época era visto como
radicalismo e anarquia.

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5.3 Ato Adicional de 1834

A predominância dos liberais moderados foi sentida no Parlamento e as falas dos Restauradores
e dos Liberais Exaltados foram confrontadas por propostas que convergiram para a aprovação do Ato
Adicional à Constituição do Império, em 1834.

Lei nº 16, de 12 de Agosto de 1834

Faz algumas alterações e adições à Constituição Política do Império, nos


termos da Lei de 12 de outubro de 1832.

A Regência permanente, [...], decretou as seguintes mudanças e adições à


mesma Constituição.

Art. 1º O direito, reconhecido e garantido pelo art. 71 da Constituição, será


exercido pelas Câmaras dos Distritos e pelas Assembléias, que, substituindo
os Conselhos Gerais, se estabelecerão em todas as províncias, com o titulo
de: Assembléias Legislativas Provinciais.

[...] Art. 2º Cada uma das Assembléias Legislativas provinciais constará de 36


membros nas Províncias de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Minas e São
Paulo; de 28 nas do Pará, Maranhão, Ceará, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do
Sul; e de 20 em todas as outras. Este número é alterável por lei geral.

[...] Art. 26. Se o Imperador não tiver parente algum que reúna as qualidades
exigidas no art. 122 da Constituição, será o Império governado, durante a
sua menoridade, por um Regente eletivo e temporário, cujo cargo durará
quatro anos, renovando‑se para esse fim a eleição de quatro em quatro
anos.

Art. 27. Esta eleição será feita pelos eleitores da respectiva Legislatura, os
quais reunidos nos seus Colégios, votarão por escrutínio secreto em dois
cidadãos brasileiros, dos quais um não será nascido na Província a que
pertencem os Colégios, e nenhum deles será cidadão naturalizado.

[...] Art. 32. Fica suprimido o Conselho de Estado de que trata o Título 5º,
Capitulo 7º da Constituição (BRASIL, 1834).

O teor geral é de descentralização política, ataque às bases do poder dos Conservadores e atendimento
às demandas das elites locais – o que parece distanciar a estrutura política das formas que foram
adotadas com a Lei da Regência original. Além disso, ocorreu uma mudança fundamental na estrutura
do comando político, e, contrariando a própria Constituição de 1824, a Regência que deveria ser Trina,
tornou‑se Una, e ainda por cima deveria ser escolhida por eleição direta.

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O redator da lei do Ato Adicional de 1834, anos mais tarde, falaria sobre o momento crítico do Império
e revelaria as mudanças políticas com as quais os líderes da nação tinham que lidar constantemente.
Dizia Bernardo Pereira de Vasconcelos:

Fui liberal, então a liberdade era nova no país, estava nas aspirações de
todos, mas não nas leis, não nas ideias práticas; o poder era tudo; [...]
os princípios democráticos tudo ganharam e muito comprometeram;
a sociedade que até então corria risco pelo poder, corre agora risco
pela desorganização e pela anarquia [...] e por isso sou regressista
(SILVA, 2011, p. 2).

E para melhor esclarecer como tantas mudanças eram percebidas na sociedade brasileira o autor
indicado remete‑se a uma figura mitológica, carregada de simbologias e que serve perfeitamente para
nos situar naquele momento de tantos embates:

Vasconcelos carregou o epíteto de Proteu – personagem mitológico grego,


que mudava de forma quando desejava – pespegado pelos adversários,
pelos periódicos Aurora Fluminense e pelos mineiros O Universal e Astro de
Minas, ao longo de 1836, na irônica crítica a sua “versatilidade” (CARVALHO,
1999: 24, e NABUCO, 1997: v. II, 103). Um caminho proteiforme que remete
à própria história do país, no serpenteado político de suas primeiras décadas
(SILVA, 2011, p. 2).

5.4 Regência Una – Feijó

O candidato a Regente Uno do Império seria o próprio antigo ministro da Justiça, Padre
Diogo Antonio Feijó, apoiado por Evaristo da Veiga, com seu importante jornal Aurora
Fluminense . Em 6 de abril de 1835, véspera da eleição geral no Império para o Regente, a
Aurora Fluminense trazia:

Ao menos os Moderados trabalham em favor de um candidato


[Feijó] que é seu desde 1831, não mudarão de opinião à vontade das
potências dominadoras, nem apresentarão um caráter de instabilidade
vergonhosa qual a do seu adversário (FAZOLI, 1990, p. 31).

Em 7 de abril transcorreram as eleições e o candidato Holanda Cavalcanti foi derrotado por Feijó,
sendo a contagem realizada entre 5 e 9 de outubro. A posse ocorreu no dia 12 de outubro de 1835 e
momentos de grande instabilidade social ainda sacudiriam o Império, de norte a sul. O quadro geral da
votação ficou assim:

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HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO

Quadro 3

Colocação Candidato Número de votos


1º Feijó 2826
2º Holanda Cavalcanti 2251
3º Costa Carvalho 847
4º Araújo Lima 760
5º Lima e Silva 629
6º Pais de Andrade 605
7º Bernardo Vasconcelos 595

Fonte: Fazoli (1990, p. 32).

Somando os votos dos sete nomes apresentados chegamos ao expressivo número de 8513.

Regência
Una

Feijó – liberal

Figura 23 – Regência Una: Feijó. Note o desaparecimento dos diversos


outros núcleos de poder e a concentração em um único, liberal

Ainda nas palavras de Fazoli, como cada votante indicava dois nomes, foram quase doze mil votos,
muitos tributados a candidatos que não possuíam qualquer visibilidade. Os eleitores, poucos e da elite,
puderam, sem dúvida, indicar o nome que bem entenderam para ocupar o maior posto do Executivo.

Entre os principais concorrentes é possível perceber a divisão que havia entre as classes dirigentes.
Feijó destacou‑se em um cenário bastante fragmentado. Vale ressaltar que a forma de escolha do
regente, bem como a recente descentralização política que atribuía um importante papel às Assembleias
Provinciais, eram percebidas como uma condição excepcional e estranha, algo como uma “experiência
republicana”, o que causava sérias preocupações entre os mais conservadores que perderam espaço com
o recente avanço liberal.

O governo de Feijó foi bastante atribulado, marcado por disputas entre o Executivo, que buscava
se fortalecer, e o Parlamento, que tentava manter sua importância na divisão de poderes do Império.
Quando levantes rebentaram em diversas províncias, houve quem acusasse Feijó de muito moderado
– como no caso da Cabanagem e da Farroupilha, movimentos que trataremos mais adiante. A própria
fuga de Bento Gonçalves, um dos chefes farroupilhas, da prisão em Salvador, contou contra o regente.

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Figura 24 – O Regente Feijó

No momento em que buscava apoio para fazer frente às ameaças internas ao Império, a Câmara
aliou‑se principalmente ao núcleo político de Carneiro Leão e Bernardo Pereira de Vasconcelos – que
mudara de lado no espectro político, passando a ser um dos nomes mais respeitados da ala Conservadora.
Nas palavras de Fazoli (1990, p. 35), estavam nascendo, assim, dois grupos: Progressistas e Regressistas,
que seriam os embriões dos dois grandes partidos do II Reinado: Liberais e Conservadores. Agora,
ninguém mais se identificava como Moderado.

Os Progressistas buscavam manter a descentralização, evitando que as províncias perdessem espaço


para o centro político do Império. Era, nas províncias, que havia ricos proprietários defendendo seu
poder local. Os Regressistas, ao contrário, intitulavam‑se como o partido da ordem, em razão de sua
clara adesão ao centro político do Império. Pode‑se afirmar, inclusive, que constituíam uma espécie de
burocracia estatal.

O governo de Feijó foi um período de atritos entre o Executivo e o Legislativo, desgastando


profundamente o regente liberal. Apesar do risco constante de ruptura institucional, em 31 de outubro
de 1836, o Regente, no momento da “Fala do Trono”, afirmou: “Seis meses de sessão não bastaram
para descobrir remédios adequados aos males públicos: eles, infelizmente, vão em progresso; oxalá que
na futura sessão o patriotismo e a sabedoria da Assembléia Geral possam satisfazer as urgentíssimas
necessidades de Estado! Está fechada a sessão” (BRASIL, 1978, p. 333).

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HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO

5.5 Regência Una – Araújo Lima

As constantes substituições de ministros deixavam descontentes até mesmo os liberais mais próximos
a Feijó, o que ficava patente com a ruptura entre ele e Evaristo da Veiga em 1837. A falta de apoio
ao governo era tamanha que mesmo quando Feijó procurou quem o sucedesse, muitos recusaram o
encargo, como ocorreu com Aureliano Coutinho, Costa Ferreira, Limpo de Abreu e Antônio Francisco de
Paula Sousa, sendo que apenas o presidente da Câmara, o conservador Pedro de Araújo Lima, aceitaria
o desafio de conduzir o governo em momentos tão conturbados. Logo, Pedro de Araújo Lima foi feito
senador e ministro muito rapidamente, entre 5 e 18 de setembro.

Em 19 de setembro, Feijó deixava o governo e o ministro precisava convocar eleições. A percepção no


momento foi de que a crise foi causada pela intransigência do Executivo progressista, mas autoritário.
Cabia ao Parlamento resolver como ficaria a condução do governo.

A Assembleia Geral aceitava bem Bernardo Pereira de Vasconcelos como ministro da Justiça, sendo
ele um dos maiores articuladores dos Regressistas e, assim, partidário da centralização política.

Regência
Una

Araújo Lima –
conservador

Figura 25 – Esquema da Regência Una de Araújo Lima, conservador

Observação

Regresso era o termo usado para designar a atuação da corrente mais


conservadora da elite, que desejava regressar ao sistema de centralização
política, reforçando a autoridade central. Esta corrente, que se opunha à
política do regente Feijó, acabou vitoriosa com a subida ao poder de Pedro
de Araújo Lima, futuro marquês de Olinda (CARVALHO, 1999, p. 225).

E em sua fala, Bernardo Pereira de Vasconcelos admitia:

Para que as nossas instituições liberais produzam os esperados frutos, [...]


hei de mister que o governo tenha a necessária força [...]. Esta força pensa
o governo encontrá‑la na sua própria organização, sujeitando‑se os seus
membros a uma recíproca responsabilidade por seus atos governativos, [...]
se tranquilizem os empregados públicos: o governo não indagará qual o
77
Unidade II

partido que seguiam e quais as opiniões que professavam [...]. Não intenta
o governo dominar as opiniões, mas não as verá com indiferenças quando
hostis aos princípios vitais da administração (FAZOLI, 1990, p. 41).

A consagração desses princípios ocorrera quando da eleição em abril de 1838, dando a vitória a
Araujo Lima sobre Holanda Cavalcanti, por 4308 a 1981 votos. Bem diferente era, agora, a situação em
relação à eleição de Feijó.

Figura 26 – Araújo Lima, Regente Uno e conservador

No governo de Araujo Lima foi criado o Arquivo Público, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
e o Imperial Colégio D. Pedro II. Construíam‑se mecanismos de efetivação da burocracia do Estado
Imperial, bem como mecanismos de difusão de sua ideologia centralista e laudatória da casa dos
Bragança, como ocorreria com o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro no decorrer do século XIX.

Os Regressistas, no entanto, para consolidar seus esforços de estabilização do Império, tinham um


desafio à altura da própria manutenção da unidade do Brasil e das suas instituições, a saber, atacar a
descentralização representada pelo Ato Adicional de 1834, e isso somente seria possível como uma nova
lei, a Lei Interpretativa do Ato Adicional, originada no projeto de Paulino de Souza, em 12 de maio de 1840.

O contra‑ataque liberal viria com a proposta de um conselho da Coroa, algo parecido com o extinto
Conselho de Estado e também com projeto de imediata maioridade do Imperador, proposta derrotada
por dois votos. Pedro II somente deveria assumir o poder em 2 de dezembro de 1843, mas as crises
78
HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO

em torno de revoltas que estouravam por todo o Império indicavam que novos rumos precisavam ser
tomados para superar a difícil situação. Alijados do poder com o Regresso Conservador, a bandeira da
maioridade parecia aos liberais o caminho mais curto de retorno ao poder imperial.

Antonio Carlos de Andrada e Holanda Cavalcanti, em abril de 1840, fundavam a Sociedade Promotora
da Maioridade, ou o Clube da Maioridade e a eles se juntariam nomes como Limpo de Abreu, Teófilo
Otoni, o Brigadeiro Francisco de Lima e Silva e Aureliano Coutinho. Adversários deixavam de lado suas
diferenças congregando‑se em torno da causa da Maioridade, sendo esta vista como uma maneira de
pacificar o Império. Até mesmo o líder regressista histórico, que era Bernardo Pereira de Vasconcelos,
admitia a hipótese de antecipação da maioridade.

Antonio Carlos de Andrada, em 21 de julho, apresentava à Câmara o projeto de Maioridade e Araujo


Lima dirige‑se a Pedro para lhe comunicar a decisão de antecipar a coroação para seus 15 anos, mas os
Liberais adiantaram‑se nas medidas e ao consultar Pedro sobre a maioridade imediata, teriam obtido
seu aceite.

Em 23 de julho, às dez horas da manhã, o marquês de Paranaguá proclamava:

‘Eu, como órgão da representação nacional, em Assembleia Geral, declaro


desde já maior S. M. I., o senhor D. Pedro II, no pleno exercício de seus
direitos constitucionais’. No mesmo dia, às três da tarde, D. Pedro prestava
juramento constitucional (FAZOLI, 1990, p. 46).

O início do II Reinado, com a formação de seu primeiro gabinete ministerial composto por dois
irmãos Andrada, dois irmãos Holanda Cavalcanti e, ainda, Limpo de Abreu e Aureliano Coutinho, fora
apelidado de Gabinete dos Irmãos, ou da Maioridade, conforme apresenta Fazoli (1990, p. 47), dizendo
ainda que a vitória foi dos liberais, pois, para os “maioristas”:

Queremos Pedro Segundo


Embora não tenha idade
A nação dispensa a lei
E viva a maioridade!

Apesar da manobra entre as elites políticas, o povo, mesmo mantido fora das decisões, não se iludia
tão facilmente. Dizia‑se, no norte do Império, conforme Fazoli (1990, p. 47):

Por subir Pedrinho ao trono


Não fique o povo contente
Não pode ser boa coisa
Servindo com a mesma gente.

Vencida a fase das disputas políticas mais acirradas entre os principais grupos que se enfrentavam
durante o Período Regencial (1831‑1840) – liberais moderados e regressistas – a sobrevivência do
Império ainda não estava assegurada.
79
Unidade II

Quando olhamos um mapa do Brasil contemporâneo ou tomamos contato com narrativas que
enfatizam a unidade do país, nossa História é apresentada quase como que a realização de uma obra
da natureza que se estenderia do Amazonas até o Sul, quase no Prata. Logo, ficamos com o olhar
contaminado e tendemos a considerar que essa unidade é um produto inevitável e até mesmo sua
realização estava posta desde os primórdios da colonização, ou, para não ir tão longe assim, pelo menos
desde o 7 de setembro de 1822. Nada mais teleológico e anacrônico.

Durante todo esse período histórico que estamos apresentando aqui, a ordem imperial era ameaçada
constantemente, e mesmo após o término das regências, com a proclamação da Maioridade, não se
conseguiu acabar com as revoltas e rebeliões em andamento no Império.

O Império estava mudando, e muitos aspectos das vidas das pessoas estavam envolvidos nisso.
O próprio centro de gravidade da economia estava se movimentando rumo a São Paulo vindo
da Baixada Fluminense e direcionando‑se ao oeste paulista, com o café. A economia mudava, e
ficavam cada vez mais distantes aqueles dias de grave instabilidade de fins do I Reinado e início
das Regências.

Exemplo de aplicação

Para obter as definições de alguns termos é fundamental consultar dicionários. Como exercício de
compreensão do item, busque a definição de teleológico e a de anacrônico.

Saiba mais

Para encontrar o significado de termos de forma prática, podemos


consultar dicionários eletrônicos, como:

<http://www.aulete.com.br/index.php>.

A tabela a seguir apresenta algumas mudanças econômicas no Império entre 1821 e 1840:

Tabela 2 – Pauta de exportações

Produto 1821‑30 1831‑40


Açúcar 30% 24%
Algodão 21% 11%
Café 18% 44%
Outros 31% 21%

Fonte: Fazoli (1990, p. 51).

80
HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO

6 REVOLTAS OU REBELIÕES REGENCIAIS

No decorrer de todas as regências, quer fosse Trina ou Una, Provisória ou Permanente, em algum
lugar do Império, alguma revolta mais ou menos grave sacudia o povo, escravos ou mesmo as elites
locais. Nada mais distante da história do Brasil no século XIX do que a ideia de que a monarquia era a
estabilidade e segurança nos Trópicos das Américas. Variados em intensidade, motivos, duração, região
e extensão, em diversas ocasiões o esforço do Império para evitar seu desmembramento custou grandes
perdas humanas e elevadas somas materiais. A seguir apresentaremos os nomes de algumas revoltas e
seus locais, com a finalidade de demonstrar como eram concretas as ameaças à unidade e segurança
do Império.

No Ceará, em 1831, no Cariri, irrompiam os movimentos de Pinto Madeira e do Benze‑Cacetes;


em Pernambuco, a Setembrada e a Novembrada de 1831 e a Abrilada de 1832; entre 1832 e 1835, nas
matas do sul de Pernambuco e ao norte de Alagoas, desenrolava‑se a Cabanada, também chamada de
movimento d’Os Guerrilheiros do Imperador; em 1834‑5, em Recife, Pernambuco, as Carneiradas; em
Minas Gerais, em 1833, a Sedição de Ouro Preto, também chamada de Revolta do Ano da Fumaça; no
Pará, a Cabanagem, ao longo de quase toda a década de 1830; na Bahia, em 1835, a Revolta dos Malês
e a sombra do haitianismo; entre 1838 e 1841, no Maranhão e no Piauí, a Balaiada e os Bem‑te‑vis; em
Salvador, Bahia, a Sabinada, em 1837‑8; e a Farroupilha, entre 1835‑45, no Rio Grande do Sul e Santa
Catarina também.

Figura 27 – Principais regiões convulsionadas pelas revoltas no Período Regencial

81
Unidade II

A historiadora Maria de Lourdes Viana Lyra, em seu livro O império em Construção: o Primeiro
Reinado e Regências, nomeia o capítulo que trata das revoltas regenciais como “O tempo das
incertezas”.

O quadro político de disputas intraoligárquicas, e mesmo entre as elites e o imperador, que acabou
provocando sua abdicação, extrapolou essa esfera, e a crise envolveu os mais diversos grupos da sociedade
brasileira. Em quase todo seu território e por boa parte do período regencial, revoltas contestavam o
Império da maneira mais direta e conflituosa possível.

Nessa perspectiva, o próprio Estado Nacional brasileiro ainda lutava para sobreviver à crise, às
forças centrífugas e às contradições da sociedade brasileira. Senhores versus escravos, proprietários
versus populações ribeirinhas, restauradores versus governo central, elites estancieiras versus
poder regencial.

Muitas foram as forças mobilizadas e as reivindicações. Houve excessiva centralização, opressão do


poder local, injustiças cometidas pelos latifundiários, retorno de Pedro I ao trono do Brasil, cobranças
de impostos. Nos mais variados aspectos, o Império era contestado e, mais do que isso, literalmente
confrontado e combatido.

6.1 Guerra dos Farrapos ou Farroupilha

No sul do Brasil, onde atualmente encontram‑se os estados do Rio Grande do Sul e de Santa
Catarina, durante a Regência, ocorreu uma grande revolta que, por sua extensão, duração (setembro
de 1835 a fevereiro de 1845), reivindicações e grupos sociais envolvidos, contestava profundamente a
manutenção do Império a partir do Rio de Janeiro.

A então província de São Pedro do Rio Grande do Sul tinha algo em torno de 150.000 habitantes,
estando apenas um décimo dessa população na Capital, Porto Alegre. As elites locais, principalmente
ricos proprietários de fazendas de gado (para a produção de carne e couros), localmente conhecidos
como estancieiros, insurgiram‑se alegando que os impostos estabelecidos pelo centro eram excessivos e
os prejudicava na concorrência com outros produtores platinos.

O governo do Rio de Janeiro tinha a prerrogativa de indicar os presidentes das províncias


e, conforme já vimos que ocorreu na Confederação do Equador, quando isso acontecia em
discordância com os poderes locais, certamente haveria indisposição e conflito. Os liberais no Rio
Grande do Sul, em 1835, reagiram à nomeação de Fernandes Braga e aos impostos demandados
pelo Rio de Janeiro.

82
HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO

Figura 28 – República Rio Grandense, de Antonio Parreiros

Entre os principais líderes estavam Bento Gonçalves, Davi Canabarro, Bento Mariano
(que posteriormente se bandeou para as hostes do Império, traindo o movimento) e também
Giuseppe Garibaldi, líder republicano italiano que entraria para a história como o “Herói dos
Dois Mundos”.

Saiba mais

Sobre o período histórico que estamos trabalhando existe significativa


produção de filme e literatura. Recomendamos o filme brasileiro que discute
a figura histórica do general que proclamou a Farroupilhas:

NETTO perde sua alma. Dir. Beto Souza; Tabajara Ruas. Brasil: Piedra Sola
Produções, 2001. 100 min.

Indicamos ainda a minissérie:

A CASA das Sete Mulheres. Dir. Teresa Lampreia. Brasil: Rede Globo de
Televisão, 2003, 45 min. (52 episódios).

E ainda:

ANAHY de las misiones. Dir. Sérgio Silva. Brasil; Argentina: M. Schmiedt


Produções, 1997. 107 min.

83
Unidade II

Figura 29 – Farroupilhas

Os principais debates históricos e historiográficos acerca do movimento têm discutido sobre o


caráter separatista da revolta, e não se pode esquecer que a interpretação local dá conta de que a
luta era contra um governo incompetente e centralizador, assim, seria uma luta pelo Império que não
atendia a suas repetidas reivindicações.

Segundo Lyra (2000, p. 99) alegavam que a política imperial havia esmagado a produção local,
“vexando‑a ainda mais”, pela concorrência dos produtos platinos. “A carne, o couro, o sebo, a graxa,
além de pagarem nas alfândegas do país o duplo dízimo de que se propuseram aliviar‑nos, exigem mais
quinze por cento em qualquer porto”, acrescentando que “os imprudentes legisladores nos puseram na
linha dos povos estrangeiros, desnacionalizaram a nossa província e, de fato, a separaram da comunhão
brasileira”.

A duração, a dinâmica do movimento e o Império dão uma importante dimensão de sua complexidade:

1° – setembro de 1835 a setembro de 1836, isto é, da deposição de Fernandes


Braga à proclamação da República Rio‑Grandense;

2° – setembro de 1836 a maio de 1840, isto é, da proclamação da República


Rio‑Grandense à campanha da maioridade de Dom Pedro II;
84
HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO

3° – maio de 1840 a fevereiro de 1845, isto é, da maioridade à pacificação


do Rio Grande do Sul (PICCOLO, 1986/1987, p. 43).

É possível considerar a ideia inicial de que buscavam criar um Estado que mantivesse a monarquia
e então se ligasse ao Rio de Janeiro por federação, cabendo aqui ressaltar que o próprio líder Bento
Gonçalves era monarquista. Vale apontar que entre os revoltosos, o federalismo era bastante difundido,
ficando a ideia de que não era necessariamente para romper com o Brasil, antes, seriam federalistas.
As tropas dele derrotaram os imperiais e no dia 20 de setembro de 1835 a capital do Rio Grande do
Sul foi invadida, restando ao presidente Braga fugir para a Vila do Rio Grande, e os Liberais dão posse
ao vice‑presidente, Marciano Pereira. Na tentativa de apaziguar os ânimos locais tão exaltados, Feijó
nomeou presidente da província Araújo Ribeiro e em meio à crise, estabeleceu a capital na Vila de Rio
Grande.

Os conflitos entre as forças imperiais e os revoltosos intensificaram‑se e caíram nas mãos


dos Farrapos, Pelotas, Faxinal, Viamão e Mostarda. Considerando as conquistas, o movimento
se fortalece, apesar de perderem Porto Alegre em 10 de setembro de 1836. Com essa perda, no
dia seguinte, 11 de setembro, em outra cidade, Piratini, foi proclamada pelo coronel, Antônio de
Souza Neto, a República Rio‑Grandense. Nesse momento, o líder Bento Gonçalves estava preso na
Bahia, após fugir e retornar ao Rio Grande, quando assume a função de Presidente da República
Rio‑Grandense.

Protestando contra o centralismo, em seu manifesto, os farroupilhas alegavam que:

Esses males, nós os temos suportado em comum com as outras


províncias da União Brasileira; amargamente os deplorávamos em
silêncio, sem, contudo, sentirmos abalada a nossa constância, o nosso
espírito de moderação e de ordem. Para que lançássemos mão das
armas foi preciso a concorrência de outras causas, outros males que
nos dizem respeito particularmente a nós, e que nos trouxeram íntima
convicção da impossibilidade de avançarmos na carreira da civilização
e prosperidade, sujeitos a um governo que há formado o projeto
iníquo de nos submeter à mais abjeta escravidão, ao despotismo mais
abominável (ALENCAR, 1996, p. 148).

O próximo passo da revolta foi unir‑se aos descontentes de Santa Catarina, onde Garibaldi e
Canabarro também se levantavam contra o governo do Rio de Janeiro. No dia 24 de julho de 1839, em
Laguna, era proclamada a República Catarinense, ou Juliana, mas sua existência foi efêmera, pois ainda
em 1839 o Brigadeiro Soares d’Andrea derrotou as forças catarinenses.

85
Unidade II

Figura 30 – Símbolos Farroupilhas

Vale notar que foi o mesmo militar que derrotou a Cabanagem no Pará. As lutas farroupilhas, no
entanto, prosseguiam e mesmo com a Maioridade, o movimento rebelde não aderiu ao Rio de Janeiro, o
que não faria sem obter as devidas garantias. Em 1842 foi convocada uma Assembleia Constituinte da
República, contando com 36 membros eleitos por voto censitário.

A notícia alarmou ainda mais o Rio de Janeiro e Caxias foi enviado


para derrotar o movimento. Chegando ao Sul e percebendo a força
dos cavalarianos tratou de conseguir organizar suas tropas da mesma
forma e além dos combates encarniçados, negociou com os rebeldes
conseguindo, em 1º de maio de 1845 a paz nos seguintes termos:[...]

Artigo 2º. – a dívida nacional (da República) é paga pelo governo


imperial.

Artigo 3º. – Os oficiais da República, que pelo nosso comandante‑em‑chefe


forem indicados, passarão a servir o exército do Brasil nos mesmos postos
e os que quiserem sua demissão, ou não quiserem pertencer ao referido
exército, não serão jamais obrigados a servir, tanto em Guarda Nacional,
como em primeira linha.

Artigo 4º. – São livres, e como tal reconhecidos, todos os cativos que serviram
na Revolução (FAZOLI, 1990, p. 68).
86
HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO

Saiba mais

Para saber mais sobre a atuação de Caxias na repressão ao movimento,


recomendamos o trabalho:

MENDES, J. dos S. O barão de Caxias na guerra contra farrapos. 2011.


Dissertação (Mestrado em História). Universidade de Passo Fundo, Passo
Fundo, 2011. Disponível em: <https://secure.upf.br/pdf/2011JefersonMendes.
pdf>. Acesso em: 5 jan. 2015.

Lembrando que um dos pontos mais importantes das discussões que provocaram o rompimento
eram as aduanas, o charque estrangeiro foi taxado em 25%, reduzindo as pressões de que tanto
reclamavam os farroupilhas e que sendo anistiados, incorporados ao exército com suas patentes da
época da República, viram‑se atendidos em suas demandas e incorporaram‑se ao Império, encerrando
a mais longa revolta regencial. Mas não o ciclo de revoltas, pois o II Reinado foi bastante profícuo nelas.

Saiba mais

A literatura também tem importante participação na construção da


memória sobre os eventos envolvendo os sulistas. A saga O Tempo e o
Vento, de Érico Veríssimo, foi transformada no filme:

UM CERTO capitão Rodrigo. Dir. Anselmo Duarte. Brasil: Companhia


Cinematográfica Vera Cruz, 1971. 106 min.

E também no filme:

O TEMPO e o vento. Dir. Jaime Monjardim. Brasil: Nexus Cinema e Vídeo,


2013. 127 min.

6.2 Revolta de Pinto Bandeira e do Benze‑Cacetes

Em 1831, no Ceará, a crise econômica atingia o gado e a produção algodoeira em razão da seca;
logo, a fome aumentava. A notícia da abdicação somente chegou em 13 de maio de 1831 e encontrou
uma província tensa e dividida. No interior, alguns grupos que foram identificados como Restauradores,
partidários do retorno de Pedro I ao trono, levantaram‑se e tomaram o Cariri sob as lideranças do
coronel Joaquim Pinto Madeira, daí seus seguidores serem denominados de Pintistas. Pinto Madeira fora
comandante de Armas no Ceará e aliado da centralização promovida por Pedro I, conhecido também
pela extrema violência com a qual combatia, principalmente, os liberais. Era membro da Sociedade
Coluna do Trono e do Altar, de Recife, e levou os mesmos ideais para o Ceará.

87
Unidade II

Havia também um padre, tal como em diversas outras revoltas ocorridas desde a presença da Corte
de D. João VI, chamado Antonio Manuel de Sousa e apelidado de Benze‑Cacetes. O movimento rebentou
em dezembro de 1831, conquistou, no interior, o Crato, importante cidade, e, contando com cerca
de dois mil homens, investiu contra a capital. O Rio de Janeiro havia despachado Pedro Labatut para
dar combate aos revoltosos que ameaçavam Fortaleza, e após alguns enfrentamentos e tentativas de
negociação, sob a garantia da preservação de suas vidas, depuseram as armas em 12 de outubro, sendo
presos e enviados a Recife, para a Fortaleza do Brum e depois remetidos para julgamento na Corte.

A prisão durou dois anos, quando Pinto Madeira foi remetido de volta ao Ceará, seguiu de Fortaleza
preso para o Crato, onde tinha diversos desafetos desde antes da revolta. Em outubro de 1834 foi
julgado, não como rebelde, mas como assassino de Joaquim Pinto Cidade, pois como muito bem
notou Vainfas (2002, p. 415), tal artimanha foi adotada, pois o Código Criminal determinava pena
de morte em caso de homicídio e de liderança em revoltas de escravos. Madeira foi condenado por
unanimidade e executado com um tiro em 28 de novembro de 1834, encerrando, assim, a revolta de
caráter restaurador.

6.3 Guerra dos Cabanos, ou Os “Guerrilheiros do Imperador”

Em Pernambuco e Alagoas, entre 1832 e 1836, ocorreu uma revolta que também teve caráter
restaurador. Sua liderança foi Domingos Lourenço Torres Galindo, que conseguiu grande adesão entre
as camadas populares devido ao discurso restaurador, como foi o caso da adesão de Vicente Ferreira
de Paula. Militar, Vicente viu sua condição piorar com a abdicação de Pedro I e percebia como inimigos
aqueles que forçaram o 7 de abril de 1831.

Nos movimentos políticos e nas revoltas não havia apenas membros das elites, pelo contrário, o povo
participava bastante ativamente, e em razão de seu potencial de subversão da ordem, sempre que isso
ocorria, a repressão intensificava‑se.

Vicente Ferreira de Paula assumiu a liderança dos grupos mais populares depois que Antonio
Timóteo morreu em novembro de 1832. Com o título de Capitão de Todas as Matas, general das Forças
Realistas ou mesmo de Comandante‑Geral das Forças Restauradoras, articulava as populações das
matas pernambucanas e alagoanas, apelando para a defesa da fé católica e para a restauração, contra
os liberais maçons, sendo Jacuípe um foco muito importante para a revolta.

O movimento contou, inclusive, com a adesão de escravos fugidos, conhecidos também como
“papaméis”. Nas palavras de Vainfas (2002, p. 713), a repressão ao movimento foi dificílima, pois
continuou por cerca de 15 anos, atacando senhores de engenho e libertando escravos.

Observação

Não deixa de merecer nota que a repressão foi levada a cabo por Manuel
de Carvalho Pais de Andrade, presidente derrotado da Confederação do
Equador que escapou em um navio inglês. Isso demonstra o potencial
88
HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO

extraordinário que o Império tinha de absorver e acomodar em seu interior


demandas moderadas, cooptando diversas lideranças locais e articulando‑se
contra revoltas populares.

No entanto, ao internar‑se nas matas, o movimento mantinha‑se vivo e foi só por ocasião da
repressão à Revolta Praieira, liberal, que o presidente da província de Pernambuco, Honório Hermeto
Carneiro Leão, propôs uma aliança com o antiliberal cabano Vicente de Paula e, ao atraí‑lo, prendeu‑o e
o remeteu ao presídio de Fernando de Noronha, onde ficou até 1861, sendo libertado e indo viver com
a família em Marvano, onde morreu em 1868.

Saiba mais

Para aprofundar seus conhecimentos sobre o assunto, indicamos o livro:

FREITAS, D. Os guerrilheiros do Imperador. Rio de Janeiro: Graal, 1978.

6.4 Os Restauradores do Ano da Fumaça

Em 1833, em Ouro Preto, o presidente da província Manuel Inácio de Melo e Souza foi deposto por
um movimento percebido como restaurador, em oposição aos liberais da província.

Saiba mais

Recomendamos a leitura de:

MAGALHÃES, A. A. “Os Guerrilheiros do Liberalismo”: o juiz de paz e


suas práticas no Termo de São João del‑Rei, Comarca do Rio das Mortes
(1827‑1842). 2011. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal
de São João del‑Rei, São João del‑Rei, 2011. Disponível em: <http://www.
ufsj.edu.br/portal2‑repositorio/File/pghis/Dissertacao_Adriano_Aparecido_
Magalhaes.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2015.

Conforme salientou Fazoli (1990, p. 54), o governo derrubado em Ouro Preto foi rearticulado
em São João d’El Rey, e o governo do Rio de Janeiro mobilizou‑se rapidamente para conter o
movimento, pois era perto demais da capital do Império. José Maria Pinto Peixoto, comandando
cerca de 3000 homens da Guarda Nacional, atacou Ouro Preto, e o governo foi entregue a
Bernardo Pereira de Vasconcelos, que saíra rapidamente da capital para conter os movimentos
em Minas Gerais.

89
Unidade II

Lembrete

Salientamos aqui a necessidade de se buscar dissertações e artigos


científicos como forma de aproximar‑se da produção contemporânea e
de ter contato com os debates historiográficos mais relevantes que vão
além do nível informativo, chegando, inclusive, ao propositivo, pois suas
discussões podem acrescentar muito nos debates em sala de aula.

Saiba mais

Indicamos ainda a resenha:

HORNER, E. Um império de galinhas e baratas. Estudos Avançados, São


Paulo, v. 20, n. 56, abr. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.
php?script=sci_arttext&pid=S0103‑40142006000100025&lng=en&nrm
=iso>. Acesso em: 5 jan. 2015.

6.5 Cabanagem

Na província do Pará, então Norte do Império, os lavradores pobres e ribeirinhos que habitavam
cabanas ou mesmo palafitas – e daí serem cabanos, como se denominavam as populações que também
viviam nas cabanas das matas Pernambucanas e Alagoanas – levantavam‑se contra a elite privilegiada
economicamente e eram favoráveis ao centralismo imperial. Vale ressaltar que a população mais pobre e
em geral mestiça tornava‑se constantemente foco de tensões sempre que as condições materiais pioravam.

Lembrete

É importante ressaltar que a Cabanagem ocorreu no Pará e foi um


movimento bastante diferente da Cabanada, que ocorreu em Pernambuco
e em Alagoas. É preciso cuidado em função da semelhança dos nomes.

O Pará não era das províncias mais tranquilas do Império e desde a época da Independência, e
depois, da Abdicação, movimentos políticos e sociais eram sangrentamente reprimidos. Internamente
havia uma forte tensão, pois comerciantes, funcionários do governo e militares tinham uma realidade
material muito distante da população que vivia do extrativismo dos produtos da floresta.

O movimento estourou em janeiro de 1835, quando a população do interior reagiu contrariamente à


nomeação de um presidente de província pelo poder central, Bernardo Lobo de Souza. Vale lembrar que
isso era algo recorrente nas difíceis relações entre o Rio de Janeiro e as províncias, pois esse também foi
um aspecto presente na Confederação do Equador, em 1824, e na Farroupilha, entre 1835‑45. Os atritos
90
HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO

entre liberais e conservadores produziam seus efeitos também no Pará e as massas populares eram um
importante aspecto desse difícil jogo de poderes.

Os grupos mais liberais mobilizaram o povo contra o centralismo, mas o movimento escapou ao
controle dos setores mais privilegiados, ganhando, com Batista Campos, um aspecto muito mais agressivo,
espalhando‑se por boa parte da província. A dura repressão que o governo provincial desencadeou sobre
as primeiras manifestações populares agravou a crise, e como já era esperada a intolerância e o massacre
aos opositores, pouco restava ao povo senão a revolta buscando mudança social. O presidente Lobo de
Souza, desde sua posse, lutou contra os cabanos e seus jornais, sendo o mais expressivo o Sentinela
Maranhense na Guarita do Pará, de Vicente Ferreira Lavor Papagaio, próximo a Batista Campos.

Em dezembro de 1833, o governo na capital foi restabelecido por Lobo de Sousa e a repressão
contava com prisões, deportações e massacres. O povo agitava‑se ainda mais e isso fez surgir novas
lideranças, como os irmãos Vinagre, provavelmente ligados à lavoura, e, depois, Angelim, ligado ao
extrativismo da borracha, importante indústria regional.

A Cabanagem apresentava como características principais: ser um movimento predominantemente


popular; e ter suas lideranças substituídas constantemente. Em 1835, Belém caiu nas mãos dos cabanos,
que fuzilaram as principais autoridades, dentre as quais o próprio presidente da província Bernardo
Lobo de Sousa. Um fazendeiro, chamado Félix Antonio Clemente Malcher assumiu o poder buscando
contemporizar, representando setores mais moderados, e aproximou‑se da Regência, afirmando que
ficaria no poder até a maioridade do imperador ser declarada. Como também buscou parar o movimento,
visto por muitos como excessivamente popular, entrou em confronto justamente com os setores mais
populares e acabou sendo deposto e executado, apenas um mês depois de entrar no governo dos
cabanos. Morria assim aquele que foi considerado o primeiro presidente dos cabanos. Logo, o movimento
demonstrava profundas divisões internas.

Francisco Pedro Vinagre, um dos irmãos Vinagre, assume nesse conturbado momento e também
busca tranquilizar a população, entrando em negociações com as tropas imperiais sob as ordens do
almirante Taylor. Notam‑se aqui os constantes enfrentamentos, conquistas e perdas da capital, já que o
clima de instabilidade não melhorava. Os cabanos oriundos do interior atacam a capital e o governador
foge para a ilha de Tatuoca, sede do governo ligado ao Rio de Janeiro, enquanto em Belém, um novo
poder se instalava sob a liderança de Eduardo Nogueira Angelim, que proclamou‑a uma república e
rompeu os laços de subordinação do Pará ao Império.

A capacidade de mobilização de tropas a partir do Rio de Janeiro era potencialmente maior e muito
mais sistematizada, apesar da credibilidade da regência de Feijó ter sido profundamente abalada pela
incapacidade de encerrar o movimento.

O jornal O Democrata, em 30 de janeiro de 1836, publicava: “Ela [a região do Pará] tem


proclamado o governo republicano como o mais capaz de refrear o arbítrio e o despotismo, o
mais econômico e nacional, o único que convém às nações da América. Eis o que o Pará tem feito”
(FAZOLI, 1990, p. 57).

91
Unidade II

Buscando conter o que era visto como “anarquia que ameaça devorar o Império (LYRA, 2000, p.
101), nas palavras do próprio Regente Feijó, foi despachada uma esquadra para o Norte do Império.
Após intensos combates, em 1836, os cabanos perdiam a capital Belém pela última vez. Angelim estava
preso e, nas palavras do comandante da esquadra “[...] a insurreição foi geral. Por toda parte onde houve
um homem branco ou rico a quem matar e alguma coisa que roubar aparecia logo quem se quisesse
encarregar desse serviço” (LYRA, 2000, p. 101).

O avanço das tropas do brigadeiro Soares D’Andrea, futuro Marquês de Caçapava, provocou uma
repressão com uma escala dificilmente comparável a outros movimentos no período, ou mesmo
posteriores, recebendo apoio da esquadra de Frederico Mariath.

A destruição gerada no esforço para retomar a província também foi considerável, uma vez que as
tropas governamentais queimavam as habitações dos cabanos, destruíam tudo que podiam e matavam
opositores sem ao menos julgá‑los para dar‑lhes uma pena legal.

Milhares foram assassinados e a estimativa é de que foram mortas cerca de 40 mil pessoas em uma
população de cerca de 100 mil. E com tal saldo, o Pará seria também pacificado e retornaria ao Império,
mas “[...] por muito tempo estará a agricultura nesta província quase em abandono porque todos fogem
do campo e os rebeldes que vão sendo destroçados ficam espalhados e ainda matando e incendiando
sem que seja possível encontrá‑los” (LYRA, 2000, p. 101).

Saiba mais

Para saber mais sobre este e vários outros momentos da História do


Brasil, recomendamos:

REBELDES BRASILEIROS. São Paulo: Casa Amarela, [s.d.]. (Coleções Caros


Amigos).

A coleção conta com a coordenação pedagógica do prof. Dr. István


Jancsó e é formada por biografias modernas de personagens relevantes
que se envolveram em movimentos históricos em diversas épocas.

6.6 Sabinada

Na Bahia, o Período Regencial foi particularmente conturbado pelas discussões acerca da


manutenção de uma maior autonomia provincial frente ao esforço regressista e conservador da
Regência de Araújo Lima.

Vale lembrar que foi na Bahia que estivera preso o líder farroupilha Bento Gonçalves, e em Salvador
era corrente a imprensa manifestar simpatia e admiração pelos movimentos que irromperam no Rio
Grande do Sul e também no Pará.

92
HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO

A política, uma vez mais, ganhava as ruas e setores liberais de tendências republicanas, os
chamados exaltados, reverberavam suas vozes com o jornal Novo Diário da Bahia , denunciando
o pagamento de impostos com a transferência de rendas para o Rio de Janeiro (uma das
reclamações mais constantes na época em diversos movimentos), além das perdas de liberdades
provinciais.

Francisco Sabino Álvares da Rocha Vieira, médico, jornalista e professor da Escola de Medicina
de Salvador – a primeira criada no Brasil, fundada quando da passagem de D. João a caminho da
capital Rio de Janeiro em sua fuga do ataque napoleônico, em 1808 – emprestou seu nome ao
movimento, daí Sabinada.

Diferentemente da Cabanagem, por exemplo, que foi intensamente popular, a Sabinada


mobilizou setores urbanos médios de funcionários públicos, profissionais liberais, militares e
mesmo comerciantes e artesãos da capital que se posicionaram contrariamente ao alinhamento
de setores provinciais tradicionalistas, representados pelos proprietários rurais do interior e do
Recôncavo Baiano.

Assim como em outros movimentos da época, o presidente designado pelo Rio de Janeiro foi expulso
em nome de um movimento de caráter federalista que deveria ser mantido separado do Rio de Janeiro
até a maioridade de Pedro II. Assim como no movimento Farroupilha, no Rio Grande do Sul, a separação
era condicionada à menoridade, sendo que ao final da Regência, retornariam ao Império, segundo
alegavam. A capital foi tomada pelo movimento e seus opositores foram perseguidos.

A repressão não demorou a se articular e forças saídas do Rio de Janeiro uniram‑se às


tropas dos ricos proprietários centralistas do Recôncavo. Após quatro meses, a capital foi
retomada para a causa imperial, não sem grande derramamento de sangue, pois ao final de
março de 1838, a estimativa era de mais de 1.200 mortos com quase 3 mil feridos.

Enfurecidos pela bravura com que se debatia o adversário, os soldados


do Império assemelhavam‑se a uma horda de bárbaros lançada sobre
a cidade. A passagem de cada pelotão assinalava‑se por atos de
crueldade. Nas grandes fogueiras das casas incendiadas, lançavam
pessoas vivas, indefesos prisioneiros. Dos chefes rebeldes, a nenhum
dos que caíram prisioneiros, no ardor do embate, foi poupada a vida
(ALENCAR, 1996, p. 146).

Lideranças, como Francisco Sabino, foram presas, julgadas e condenadas à morte, mas escaparam da
execução da pena capital, pois quando da Maioridade, em 1840, foi concedida uma anistia que agraciou
diversos revoltosos.

Exemplo de aplicação

A pesquisa em jornais pode ser muito interessante e profícua, constituindo‑se uma ferramenta
importante para o professor de história. Por meio da Hemeroteca da Biblioteca Nacional, que pode ser
93
Unidade II

acessada pelo site <http://bndigital.bn.br/>, é possível encontrar jornais de diversas épocas, inclusive
do período sobre o qual tratamos aqui.

Experimente imprimir algumas dessas folhas e levar aos alunos. Pode ser muito produtivo um
exercício com documentos históricos e de comparação com a realidade contemporânea.

6.7 Balaiada

Em 1838, no período Regressista de Araújo Lima, no Maranhão e no Piauí irrompeu um movimento


que seria mais conhecido posteriormente por Balaiada, mas em função de sua abrangência e diversidade,
é preferível referir‑se a ele no plural, como as Balaiadas, mesmo que se considerem as revoltas como
um movimento de conjunto. Balaiada veio de Balaio, apelido de Manuel Francisco dos Anjos, pequeno
proprietário rural que produzia balaios.

A divisão entre liberais e conservadores fez com que a oposição entre os grupos ficasse mais intensa:
os primeiros sendo favoráveis à maior autonomia local e os segundos, partidários do Rio de Janeiro.

Os liberais, enquanto grupo proprietário, estavam relacionados às fazendas de gado e de algodão,


que no século XVIII haviam prosperado bastante na região. Na Assembleia Provincial, palco de embates
entre setores mais elitizados da sociedade, eram minoria e mais conhecidos como Bem‑te‑vis, opositores
de conservadores.

Os ânimos se exaltaram quando a Assembleia Provincial passou a indicar prefeitos, interferindo em


assuntos locais e desagradando liberais. Quanto ao povo, o recrutamento para a Guarda Nacional era
particularmente ameaçador e penoso, afetando vaqueiros, boiadeiros, feitores, capatazes, artesãos e
libertos, que eram parte da população mais numerosa, mas também mais despossuída da região.

Em 1838, na Vila da Manga, por ordem de um fazendeiro influente no sertão, a cadeia foi assaltada por
Raimundo Gomes Vieira, apelidado de Cara Preta, para libertar outros empregados, também boiadeiros.
Os membros da Guarda Nacional que deveriam reprimir o movimento não o fizeram, talvez em função
das origens sociais tão próximas, e a ação transformou‑se em revolta aberta que tomou a vila.

O evento que começou como uma disputa, até certo ponto, já comum em diversas regiões do
Império, ganhou ares de revolta aberta devido à proclamação de um manifesto que exigia garantia de
direitos, à troca do presidente provincial e a algo que se repetia em diversos lugares e que ocorreria em
movimentos posteriores, a expulsão dos portugueses, muitas vezes associados à exploração comercial
ou pelo fato de ocuparem importantes cargos na administração e nas carreiras militares, entravando a
ascensão de alguns setores liberais.

A adesão popular foi significativa no sul do Maranhão, em direção ao Piauí, e o movimento


transformou‑se numa grande revolta popular, na verdade, em diversos focos de revoltas que foram
explodindo pelo interior. Grupos de rebeldes eram compostos por sertanejos, mestiços, indígenas,
homens livres brancos e pobres e também negros. Um líder importante, logo no início das revoltas, foi

94
HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO

Manuel Francisco dos Anjos, o Balaio. No Piauí, as tensões dos embates políticos e sociais também eram
grandes e a oposição ao presidente da província mobilizava descontentes.

Lívio Lopes Castelo Branco e Silva, uma liderança panfletária liberal, mobilizou mais de 500
homens contra o governo, e João da Matta Castelo Branco surge como liderança Bem‑te‑vi no Piauí,
convocando “todos os brasileiros pobres, que forem amantes de sua pátria e do nosso imperador
a participarem da luta em defesa do Partido Bem‑te‑vi, que defende a religião católica romana, a
coroa de nosso imperador Pedro II, a Constituição, nossa pátria, nossas famílias, e a nós mesmos”
(LYRA, 2000, p.104‑5).

Assim, o movimento de caráter também social escapou ao controle dos grupos partidários
transformando‑se, ainda mais, num risco para a ordem estabelecida, e quando tomaram Caxias, nas
ruas se dizia:

O Balaio chegou!
O Balaio chegou!
Cadê branco!
Não há mais branco!
Não há mais sinhô! (ALENCAR, 1996, p. 145).

Vale ressaltar que a necessidade de se pensar não em uma Balaiada, mas em diversos movimentos,
pois se revoltavam também quase 3.000 escravos e libertos, sob a liderança de Cosme Bento das
Chagas, o Negro Cosme, foragido da prisão de São Luis do Maranhão e que, segundo Lyra (2000, p. 105),
intitulava‑se D. Cosme Bento das Chagas, imperador, tutor e defensor das liberdades Bem‑te‑vis.

As forças governamentais foram despachadas e derrotadas pelos revoltosos; assim, para o centro
político do Império, bem‑te‑vis e balaios agiam em concordância. Para conter tão perigoso movimento,
foi designado para a missão Luis Alves de Lima e Silva, filho do ex‑regente Francisco de Lima e Silva,
que, nesse momento, daria início a uma das carreiras militares mais significativas do Império e que, pelo
menos em termos de titulação nobiliárquica, foi a melhor recompensada.

Os rebeldes tomaram Caxias, a segunda mais importante cidade do Maranhão, e abriram negociações
com o governo em São Luis, com a finalidade de deporem as armas, mas em condições inaceitáveis, pois
combatiam o poder das Assembleias Provinciais sobre os municípios e também a forma de recrutamento
para a Guarda Nacional, além de perseguirem os portugueses – assuntos dificilmente negociáveis
naquela conjuntura. Lima e Silva, sendo designado pelo Rio de Janeiro para combater o movimento e
com poderes militares sobre Maranhão, Piauí e Ceará, rumou para o Maranhão. Em fevereiro de 1840,
fez uma proclamação segundo a qual afirmava a “necessidade e as vantagens da paz, condição da
riqueza e da prosperidade dos povos (LYRA, 2000, p.; 105)”.

Os Bem‑te‑vis, acatando o apelo do Rio de Janeiro, aderiram ao comando de Lima e Silva, abandonando
as facções mais populares do movimento, sendo que foi necessário mais de um ano para o movimento
ser derrotado, nos dizeres do próprio comandante militar:

95
Unidade II

Não existe hoje um só grupo de rebeldes armados, todos os chefes foram


mortos, presos ou enviados para fora da província; restabeleceu‑se a ordem,
fui sempre respeitado e obedecido (LYRA, 2000, p. 106).

A carreira de Lima e Silva seria ainda longa e repleta de sucessos para a causa do Império. Era,
portanto, um dos alicerces do poder conservador do II Reinado. Como retribuição ao importante
serviço de vencer os rebeldes no Maranhão e no Piauí, tornou‑se Barão de Caxias, prática
comum no Império do Brasil, em que os títulos vinham geralmente como retribuição aos serviços
prestados ao governo central e não eram hereditários. Caxias, como passaria a ser chamado Lima
e Silva, alcançou o título de duque, o único de todo o Império, e ficou também conhecido como
O Pacificador.

Desde a crise do Antigo Regime e do Antigo Sistema Colonial, as revoltas constantes de escravos
assombravam o imaginário das elites coloniais e, naquele momento, também das metrópoles. O
exemplo mais contundente foi o caso da ex‑colônia francesa de Saint Domingue, transformada em
Haiti, justamente pela população negra escrava e liberta, sob a liderança de homens como Toussaint
Louverture e também Jacques Dessalines. As notícias circulavam pelas Américas e chegavam ao Brasil,
naquilo que anteriormente já foi referido aqui como um profundo medo de haitianização, também
chamado de haitismo ou febre haitiana. Como bem indica Fazoli, (1990, p. 58‑9) havia, em diversas
regiões do Brasil, enorme receio de revoltas de escravos que acabassem no processo de haitianização,
isto é, com a completa subversão da ordem por meio de uma revolta de escravos.

Figura 31 – Toussaint Louverture, líder da independência do Haiti

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HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO

Saiba mais

Sobre a condição dos escravos no Caribe e as constantes revoltas com


o quadro geral de grande tensão entre senhores e escravos no contexto da
Crise do Antigo Sistema Colonial, recomendamos o filme:

A ÚLTIMA ceia. Dir. Tomás Gutiérrez Alea. Cuba: Instituto Cubano del
Arte e Industrias Cinematográficos (Icaic), 1976. 120 min.

Durante o Período Regencial, em São Paulo, no Vale do Paraíba, com a intensificação do plantio
de café, muita mão de obra escrava estava presente. Conforme indica Fazoli (1990 p. 58), na região de
Bragança e Atibaia, em 12 de outubro de 1833, foi noticiada a prisão de 26 escravos que feriram Ignácio
Franco de Camargo, e os jornais alertavam para o risco iminente de um levante de escravos.

6.8 Revolta dos Malês

O caso que mais notoriedade ganhou no Brasil, ao menos na historiografia contemporânea, foi o
dos escravos muçulmanos em Salvador, em 1835, chamada de Revolta dos Malês. Estimativas apontam
que a capital baiana tinha uma população em torno de mais de 100 mil pessoas na ocasião; no entanto,
menos de 30% seria de população branca.

Aos escravos juntava‑se a população de libertos – alforriados – que, apesar de livres, ainda enfrentavam
enormes dificuldades em uma sociedade ainda escravista. As origens das populações escravas na Bahia
eram diversificadas, evitando, assim, a grande concentração de uma única etnia que poderia se unir e
se revoltar. Os escravos eram originários da Guiné, de Angola, do Congo e da Costa da Mina Benin e
também havia muitos hausas, que eram muçulmanos.

A ameaça de levante que havia em Salvador preocupava, inclusive, as autoridades do Rio de Janeiro,
sendo que entre janeiro e fevereiro de 1835 chegavam notícias de eventos aterrorizantes em Salvador,
conforme dá notícia a carta de um particular, publicada no jornal que circulava na capital do Império,
chamado Pão de D’Assucar:

No dia 25 do corrente apparaceo nesta huma insurreição de pretos, que


felizmente falhou. Conheceo‑se então os Nagôs trabalhavão à muito tempo
nella, pois se achou huma caza de reunnião, onde apprehendeo‑se grande
quantidade de livros, e outros papeis escriptos por elles com caracteres
Arabicos, dos quaes por falta de traductor ignora‑se o contheudo. Segundo
o que se pôde colher, a insurreição deveria arrebentar pelas 4 horas da
manhã, tempo em que aqui sahem os escravos para o serviço, a fim de
podem todos reunniram se. Por‑se‑hia fogo à Cidade baixa, logo que o
Povo, como he de costume, para lá concorresse, romperia o massacre sobre
a gente inerme e, desappercebida.[...] Vinhão elles vestidos uniformemente

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Unidade II

de cabeças rapadas, alguns com insignias, certos papeis que se supõe


Proclamações, patuás trazendo todos por diviza hum argolão de prata no
dedo polegar da mão esquerda, e tendo como armas espadas.[...] Entretanto
apezar do pequeno numero, e da desigualdade das armas, avançavão com tal
intrepidez, e poderão sustentar‑se tanto, que começando o attaque ás duas
horas da noite houve fogo até dia claro. Doze pretos tiverão a audacia de
attacar o Quartel de Cavallaria pelas 8 horas da manhã e morrerão brigando
sem retirar hum só. Em resultado tivemos perto de pessoas entre mortos e
feridos, e uns 100 pretos metade mortos, e a outra prezos, entre os quaes
poucos feridos. Não he possivel descrever o encarniçamento que attacava
a canalha; [...] avalia agora por aqui o risco que corremos com semelhante
gente, e o que ainda poderemos soffrer um dia, se não tivermos sempre a
mais rigorosa cautela. Bahia 27 de Janeiro de 1835 (BAHIA, 1835).

José Antônio Teófilo Cairus, em sua dissertação de mestrado de 2002, a respeito da revolta dos
Malês, afirma que:

Ao cair da noite de 24 de Ramadã de 1250 da Hégira, um grupo de homens,


escravos e libertos africanos, reunia‑se para o ifhtar – Refeição que marca
a quebra do jejum após o por do sol durante o mês de Ramadã – em
uma casa no centro de Salvador. A noite não era apenas uma das muitas
do mês de Ramadã, mas uma das dez últimas noites deste mês sagrado
do calendário islâmico, conhecida como Laylat al Qadr. De acordo com a
tradição, a noite do Qadr pode ser qualquer uma das dez últimas, sendo
que sua identificação é feita através de sinais previamente estabelecidos.
Nesta noite repleta de simbolismos em que se celebra, segundo a tradição,
o início da Revelação corânica, esses africanos estavam combinando os
detalhes finais para uma rebelião ao romper da aurora. Uma rebelião
escrava urbana que teve o maior impacto e repercussão nos quase quatro
séculos de escravidão no Brasil. Esses escravos e libertos africanos ficaram
conhecidos como malês, denominação dada aos escravos muçulmanos na
Bahia do século XIX. O dia 24 de Janeiro de 1835 do calendário gregoriano
era também véspera da festa de Nossa Senhora da Guia, parte de uma
série de festividades religiosas do calendário católico na Bahia. As datas
demonstram claramente a existência de dois mundos nem sempre
antagônicos, é verdade, mas, sob condições tão potencialmente explosivas
como essa noite específica em 1835 os dois mundos em questão estavam
à beira da ruptura. Os escravos muçulmanos não constituem uma exceção
em um mundo marcado pela dicotomia entre senhores e escravos [...].
Antes, é mais uma história de diáspora, exílio e resistência entre muitas,
porém, nos reservamos o direito de ir além do óbvio, chamando a atenção
para a característica fundamental do trabalho: a singularidade. Voltemos
à noite do Qadr ou de Nossa Senhora da Guia, como preferir. O promotor
público descreveu a noite em questão:
98
HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO

“P. que depois de estarem de acordo com outros Africanos de alguns


lugares do Recôncavo, para onde mandaram Emissários, marcaram as
duas horas da madrugada do 25 de Janeiro d’este anno para a execução
de suas traças, em virtude do que as 7 horas da noite do dia 24 do mesmo
mez destacarão para os diferentes lugares de reunião como chefes os
d’entre os mais valorosos, tendo d’ante mão destribuido as armas, e
munições que haviam adquirido. P. que a vigilância da Policia, ou antes,
pela misericórdia Divina se descobrio a Insurreição poucas horas antes
de sua aparição, o que fez impedir‑se a reunião geral dos insurgentes na
hora aprasada, e malograr os esforços dos que não obstante se arrojaram
a commeter hostilidades na noite do dia 24 para 25 do mez de Janeiro
(CAIRUS, 2002, p. 15).

Saiba mais

Recomendamos, a leitura de:

CAIRUS, J. A. T. Jihad, Cativeiro e Redenção: escravidão, resistência e


irmandade, Sudão Central e Bahia (1835). 2002. Dissertação (Mestrado
em História). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.
Disponível em: <http://www1.capes.gov.br/teses/pt/tesetufik‑pt.pdf>.
Acesso em: 5 jan. 2015.

Em meio ao quadro de tantas e tão perigosas revoltas, muitos casos ultrapassaram as dimensões
locais para se constituírem como ameaças muito concretas à sobrevivência do Império. E assim
ameaçavam a própria existência de um segundo reinado, à frente do qual estaria o herdeiro
imperial, Pedro de Alcântara, que, ao atingir a maioridade legal – 18 anos completos, como lhe
previa a Constituição de 1824 –, deveria ser coroado imperador. No entanto, entre a letra fria da lei
distante e a realidade política e social existem caminhos a serem perseguidos e ultrapassados, muito
mais complexos do que os continuísmos que uma história positivista e episódica poderia nos fazer
acreditar, ou ainda, que uma pobre visão fatalista que observa o final dos processos, adivinhando seus
começos e meios, nos faça crer.

Observar os momentos de crise na História do Brasil tem a enorme vantagem de deixar


exposta a existência de diversos projetos, de permitir‑nos fazer perguntas que nos levam
a aprofundar o conhecimento histórico e historiográfico e, ainda, a perceber quantas
possibilidades estavam em aberto, e como apenas algumas realizaram‑se historicamente. Foi
assim em 1808, em 1817, em 1831 e também em 1840, quando se inaugura a terceira e última
fase do Império, denominada II Reinado, que para começar precisava, necessariamente, de
uma coroação de emergência.

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Unidade II

Resumo

O período Regencial, que se estende de 1831 até 1840, é aparentemente


breve em termos de anos, mas foi uma época extremamente conturbada
do Império do Brasil. A todo momento, a ordem foi contestada e foi
preciso, inclusive, criar mecanismos para assegurar o funcionamento das
instituições políticas, sociais e econômicas, tal como ocorreu com a criação
das regências Trina Provisória, Trina Permanente, com a criação do Ato
Adicional e também com criação da I Regência Una, à frente da qual esteve
o liberal Feijó, e depois, a II Regência Una, comandada pelo conservador
Araújo Lima.

Apesar das constantes mudanças políticas desse período, que podem


num primeiro momento assustar quem estuda essa época, não se deve
ficar preocupado apenas em decorar tantos nomes e formas políticas, pois
o fundamental é perceber o quadro de instabilidade.

O grande clima de instabilidade política levou à irrupção de diversas


revoltas que podem ser, genericamente, vistas como republicanas, como
foi o caso da Farroupilha e da Sabinada; populares, como ocorreu com
a Cabanagem, com a Balaiada e principalmente com a Revolta dos
Malês; e ainda conservadora e restauradora, como o movimento dos
Cabanos. Ou seja, muitos projetos políticos estavam em confronto, bem
como diferentes projetos sociais. Não é possível uniformizar a análise
dizendo que na Regências as revoltas buscavam uma coisa ou outra.
Cada uma tem suas particularidades e é muito importante cuidar para
não esquecer suas especificidades em nome de montar esquemas mais
gerais. Entender esses embates em cada lugar diferente e também em
épocas um pouco diferentes significa perceber como, na sociedade
brasileira, estavam presentes projetos conflitantes e mesmo antagônicos
envolvendo disputas em cada camada social. As elites políticas, ao menos
inicialmente, não parecem convergir, classes médias também não e
setores populares e excluídos também enfrentam dissensões e disputas
bastante significativas.

Considerando tantas revoltas e movimentos, cada qual tem mais


relevância quando estudada e percebida em sua região. Para tanto, não
devemos simplesmente fazer uma escala ou tabela. É sempre melhor
perceber como na Farroupilha os interesses elitistas eram diferentes
das demandas sociais dos escravos muçulmanos na Revolta dos Malês.
Notamos, assim, como a sociedade brasileira já era múltipla e repleta de
contradições no século XIX.

100
HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO

Do ponto de vista das elites políticas, vale ressaltar que tantas


contestações ao seu poder, mesmo que particularizadas nas diferentes
regiões, acabou por convencer muitas lideranças que estavam em campos
políticos opostos da necessidade de impor uma determinada ordem para
encerrar a fase de grandes embates.

Essa necessidade de impor a ordem fez com que o arranjo político


sinalizasse para a antecipação da maioridade do jovem herdeiro do trono, o
que, de fato, ocorre em 23 de julho de 1840, quando foi dada a maioridade
a Pedro II para que ele pudesse assumir o II Reinado. A articulação entre
setores elitistas para a coroação de Pedro II foi chamada de Golpe da
Maioridade e, como está indicado no texto, não enganou muita gente, posto
que surgiram quadrinhas populares se referindo à manobra política que, na
essência, não mudaria a condição de exclusão popular e de privilégios para
uma parcela muito reduzida da sociedade brasileira.

Exercícios

Questão 1. No bojo da constituição do Estado Nacional brasileiro foi criado, em 1838, o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), com a função de pensar sobre a gênese da sociedade nacional.
Temas como civilização e nacionalidade estiveram nas pautas do Instituto desde os seus primórdios.
Nesse contexto, assinale a alternativa que corresponde ao encadeamento correto entre nacionalidade e
civilização no âmbito da História da Nação escrita no século XIX.

A) A nova nação brasileira se reconhecia enquanto continuadora da tarefa civilizadora iniciada pela
colonização portuguesa. Embora partisse da composição da sociedade brasileira a partir das três
raças, houve destaque para a presença branca europeia.

B) Pensando em termos de linha evolutiva da humanidade, os historiadores do IHGB elaboraram uma


história da Nação na qual indígenas e negros haviam conquistado o mesmo nível de civilização
que os brancos.

C) A historiografia brasileira nascente qualificou os grupos indígenas brasileiros como civilizações por
possuírem o patamar de desenvolvimento das civilizações pré-colombianas: Inca, Asteca e Maia.

D) Ao se propor a dar conta da gênese da Nação brasileira, a escrita histórica incentivada pelo IHGB
negava as ideias de civilização e progresso como forma de priorizar o sincretismo brasileiro.

E) No projeto de desvendamento da gênese da sociedade brasileira, houve a preferência pelo


elemento indígena, tido como a base da nova nação que se queria constituir.

Resposta correta: alternativa A.

101
Unidade II

Análise das alternativas

A) Alternativa correta.

Justificativa: a ideia de que o Brasil é um país multirracial iniciou-se já no século XIX, sendo a
miscigenação explorada mais tarde por Gilberto Freire.

B) Alternativa incorreta.

Justificativa: dentro do esquema evolucionista social, negros e índios estavam em um patamar


evolutivo inferior ao do branco.

C) Alternativa incorreta.

Justificativa: para os primeiros historiadores brasileiros, que seguiam os modelos evolucionistas


europeus, Astecas, Incas e Maias teriam atingido o nível de civilização, enquanto os indígenas brasileiros
viviam ainda no estágio de barbárie ou selvageria.

D) Alternativa incorreta.

Justificativa: a ideia de sincretismo foi desenvolvida apenas no século XX, graças à atuação de
Gilberto Freire. O IHGB lidava diretamente com os conceitos de civilização e progresso, influência do
positivismo.

E) Alternativa incorreta.

Justificativa: embora o indígena tenha tido certo destaque em obras literárias – como as de Gonçalves
Dias – o branco ainda era a referência nacional. Desta concepção, racistas mais radicais propunham
“branquear” a população como forma de atingir um alto nível de civilização.

Questão 2. Considere os seguintes trechos, retirados do Ato Adicional de 1834:

Art. 1º O direito, reconhecido e garantido pelo art. 71 da Constituição, será


exercido pelas Câmaras dos Distritos e pelas Assembleias, que, substituindo
os Conselhos Gerais, se estabelecerão em todas as províncias, com o titulo
de: Assembleias Legislativas Provinciais.

Art. 2º Cada uma das Assembleias Legislativas provinciais constará de 36


membros nas Províncias de Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Minas e São
Paulo; de 28 nas do Pará, Maranhão, Ceará, Paraíba, Alagoas e Rio Grande do
Sul; e de 20 em todas as outras. Este número é alterável por lei geral.

Art. 26º Se o Imperador não tiver parente algum que reúna as qualidades
exigidas no art. 122 da Constituição, será o Império governado, durante a
102
HISTÓRIA DO BRASIL IMPÉRIO

sua menoridade, por um Regente eletivo e temporário, cujo cargo durará


quatro anos, renovando-se para esse fim a eleição de quatro em quatro anos.

Art. 27º Esta eleição será feita pelos eleitores da respectiva Legislatura, os
quais reunidos nos seus Colégios, votarão por escrutínio secreto em dois
cidadãos brasileiros, dos quais um não será nascido na Província a que
pertencem os Colégios, e nenhum deles será cidadão naturalizado.

Art. 32º Fica suprimido o Conselho de Estado de que trata o Título 5º, Capitulo
7º da Constituição.

Fonte: Coleção de Leis do Império do Brasil – 1834, p. 15, v. 1 (Publicação Original). Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/
fed/lei/1824-1899/lei-16-12-agosto-1834-532609-publicacaooriginal-14881-pl.html>. Acesso em 8 jan. 2015.

A partir da leitura dos artigos apresentados, qual das alternativas a seguir reflete melhor o significado
do Ato Adicional?

A) O Ato Adicional à Constituição de 1824 foi o instrumento jurídico que efetivou o chamado “Golpe
da Maioridade”, levando Dom Pedro II ao trono com apenas 14 anos de idade.

B) O número equitativo de membros das Assembleias Legislativas de todas as províncias brasileiras


garantia um governo que atendia prontamente os interesses de todas as elites locais brasileiras.

C) A supressão do Conselho de Estado significou um reforço do poder imperial, uma vez que tal
Conselho funcionava como um órgão que contrabalançava o poder de Dom Pedro I e, muitas
vezes, entrava em atrito com ele.

D) O Ato Adicional foi uma vitória dos liberais na Regência, representando uma momentânea
descentralização do poder.

E) As Assembleias Legislativas provinciais asseguraram o reforço do poder central, na medida em que


se ajustavam às determinações do poder regencial conservador.

Resolução desta questão na plataforma.

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