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Kiev.
Para compreender a sua decisão, é necessário conhecer como chegaram a jogar aquela
decisiva partida, e porque um simples encontro de futebol representou para eles o momento
crucial das suas vidas.
A cidade converteu-se num inferno controlado pelos nazis, e durante os meses seguintes
chegaram centenas de prisioneiros de guerra, que não tinham permissão para trabalhar nem
viver nas casas, e todos vagueavam pelas ruas na mais absoluta indigência. Entre aqueles
soldados doentes e desnutridos, estava Nikolai Trusevich, que tinha sido guarda-redes do
Dínamo.
Josef Kordik, um padeiro alemão a quem os nazis não perseguiam, precisamente pela sua
origem alemã, era torcedor fanático do Dínamo. Um dia caminhava pela rua quando,
surpreso, olhou para um mendigo e de imediato se deu conta de que era o seu ídolo: o
gigante Trusevich.
Ainda que fosse ilegal, o comerciante alemão enganou os nazis e contratou o guarda
redes para trabalhar na sua padaria. A sua ajuda foi valorizada pelo jogador, que agradecia
a possibilidade de se alimentar e dormir debaixo de um tecto. Ao mesmo tempo, Kordik
emocionava-se por ter feito amizade com a estrela da sua equipa.
Na convivência, as conversas sempre giravam em torno do futebol e do Dínamo, até que o
padeiro teve uma ideia genial, dizendo a Trusevich que, em lugar de trabalhar como ele,
amassando pães, se dedicasse a procurar o resto dos seus colegas. Não só continuaria
pagando-lhe, como juntos, podiam salvar os outros jogadores.
Percorreu o que restara da cidade devastada dia e noite, e entre feridos e mendigos foi
descobrindo, um a um, os seus amigos do Dínamo. Kordik deu trabalho a todos,
esforçando-se para que ninguém descobrisse a manobra. Trusevich encontrou também
alguns rivais do campeonato russo, três jogadores do Lokomotiv, e também os resgatou. Em
poucas semanas, a padaria escondia entre os seus empregados uma equipa completa.
Reunidos pelo padeiro, os jogadores não demoraram em dar o passo seguinte, e decidiram,
alentados pelo seu protector, voltar a jogar. Era, além de escapar dos nazis, a única coisa
que bem sabiam fazer. Muitos tinham perdido as suas famílias nas mãos do exército de
Hitler, e o futebol era a última sombra mantida das suas vidas anteriores.
Como o Dínamo estava enclausurado e proibido, deram um novo nome para aquela
equipa. Assim nasceu o FC Start, que através de contactos alemães começou a desafiar a
equipas de soldados inimigos e selecções formadas no III Reich.
A coisa ficou séria quando em 17 de Julho enfrentaram uma equipa do exército alemão e
golearam por 6 a 2. Muitos nazis começaram a ficar chateados pela crescente fama do
grupo de empregados da padaria e buscaram uma equipa melhor. Trouxeram da Hungria o
MSG com a missão de derrotá-los, mas o FC Start goleou mais uma vez por 5 a 1, e mais
tarde, ganhou de 3 a 2 na revanche.
Os nazis tinham resolvido buscar o melhor rival possível para acabar com o FC Start, que já
gozava de enorme popularidade entre o sofrido povo refém dos nazis. A surpresa foi grande,
porque apesar da violência e falta de desportivismo dos alemães, o Start venceu por 5 a 1.
A superioridade da raça ariana, em particular no desporto, era uma obsessão para Hitler e
os altos comandos. Por essa razão, antes de fuzilá-los, queriam derrotar a equipa num jogo.
Os jogadores ficaram com muito medo e até pensaram em não voltar para o segundo tempo.
Mas pensaram nas suas famílias, nos crimes que foram cometidos, na gente sofrida que nas
arquibancadas gritava desesperadamente por eles e decidiram continuar a jogar.
Deram um verdadeiro ‘baile’ aos nazis. E no final da partida, quando ganhavam por 5 a 3,
o atacante Klimenko ficou cara a cara com o arqueiro alemão. Deu-lhe um drible deixando o
coitado estatelado no chão e, quando todos esperavam o golo, deu meia volta e chutou a
bola para o centro do campo. Foi um gesto de desprezo, de superioridade total. O estádio
quase veio abaixo com a multidão em delírio.
Os nazis deixaram que os jogadores saíssem do campo como se nada tivesse ocorrido.
Inclusive o Start jogou dias depois e goleou o Rukh por 8-0.
Mas o final já estava traçado: depois desta última partida, a Gestapo visitou a padaria.
Goncharenko e Sviridovsky, que não estavam na padaria naquele dia, foram os únicos que
sobreviveram, escondidos, até a libertação de Kiev, em Novembro de 1943. O resto da
equipa foi torturada até a morte.
Ainda hoje, os possuidores de entradas daquela partida têm direito a um assento gratuito no
estádio do Dínamo de Kiev. Nas escadarias do clube, conserva-se actualmente um
monumento que saúda e recorda aqueles heróis do FC Start, os indomáveis prisioneiros de
guerra do Exército Vermelho aos quais ninguém pôde derrotar durante uma dezena de
históricas partidas, entre 1941 e 1942.
Na Ucrânia, os jogadores do FC Start hoje são heróis da pátria e o seu exemplo de coragem
é ensinado nos colégios.
"Aos jogadores que morreram com a cabeça levantada ante o invasor nazi".