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PODER E DOMINAÇÃO: Reflexos sobre Hannah Arendt e Max Weber.

PODER E DOMINAÇÃO: Reflexões Sobre Hannah Arendt E Max Weber

POWER AND DOMINATION: REFLECTIONS ON HANNAH ARENDT AND


MAX WEBER

(1)
Daniel Coelho Oliveira
Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES/MG

RESUMO
O presente trabalho objetiva analisar os temas “poder” e “dominação” na ótica de dois importantes teóricos
contemporâneos: Hannah Arendt e Max Weber. Em um primeiro momento, através de uma pesquisa
bibliográfica será realizado um resgate da obra da filosofa judia Hannah Arendt, autora que se propõe
entender o poder como uma capacidade humana, não só de agir, como de unir-se a outros e atuar em
concordância com eles. Em um segundo momento será abordado algumas características do poder em Max
Weber, no intuito de entender como a experiência histórica de formação do Estado alemão foi analisada pelo
autor, a partir dos conceitos de “dominação e poder”. Apresentaremos também os três tipos puros de
dominação criados pelo autor, uma ferramenta metodológica que possibilita entender a dominação em
situações históricas distintas.
Palavras- chave: Poder, Dominação, Hannah Arendt, Max Weber.

ABSTRACT
This paper aims to analyze the themes "power" and "domination" in the view of two important
contemporary theorists: Hannah Arendt and Max Weber. At first, through a literature search will be a rescue
of the work of the Jewish philosopher Hannah Arendt, the author proposes to understand the power as a
human ability, not only to act, but how to join the others and act in accordance with them. The second step
will be addressed some power characteristics of Max Weber, in order to understand how the historical
experience of the German state formation was analyzed by the author, based on the concepts of "domination
and power." We will also present the three pure types of domination created by the author, a methodological
tool that enables to understand the domination in different historical situations.
Key Words: Power, Domination, Hannah Arendt, Max Weber

INTRODUÇÃO modelo de poder comunicativo, poder como


uma capacidade humana, não só de agir,
“Ninguém possui verdadeiramente o poder; como de unir-se a outros e atuar em
ele surge entre os homens que atuam em concordância com eles. Esses temas estão
conjunto, e desaparece quando eles novamente
presentes, de maneira especial, em Arendt
se dispersam.”
Hannah Arendt (1997) e Arendt (1988), entretanto, o que é
As primeiras formulações teóricas da fundamental na sua concepção, é a formação
filosofa judia Hannah Arendt propõe um de uma vontade comum, numa comunicação

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orientada para o entendimento recíproco, no a um grupo e só existe na medida em que o


contexto de comunicação livre de violência. grupo conserva-se unido. A definição
Em seguida, exploraremos algumas proposta por Arendt pode ser sintetizada em
características do poder em Max Weber, no quatro aspectos.
intuito de entender como a experiência “Primeiro, o poder é um
fenômeno do campo da ação
histórica de formação do Estado alemão foi humana; não é, portanto, uma
analisada pelo autor a partir dos conceitos de ‘estrutura’, nem se iguala à posse
dominação e poder. Apresentaremos de determinados recursos;
segundo, o poder é um fenômeno
também, os três tipos puros de dominação do campo da ‘ação coletiva’;
criados por Weber, uma ferramenta terceiro, o poder surge na medida
em que um grupo se forma e
metodológica que possibilita entender a desaparece quando ele se
dominação em situações históricas distintas. desintegra o que reforça a tese de
que o poder está ligado a um
Desta forma, o artigo objetiva através de uma
momento de fundação; por fim,
pesquisa bibliográfica entender os conceitos ‘estar no poder’ significa ‘estar
de dominação e poder na perspectiva Arendt autorizado’ pelo grupo a falar em
seu nome”. (PERISSINOTTO,
e Weber. Sabemos que os dois autores 2004: 118).
passaram por momentos históricos
diferentes, por isso, a última parte do Conforme Perissinotto (2004), o
trabalho será dedicada a explorar conceito de poder em Hannah Arendt é
divergências e similaridades teóricas em suas marcado pela ideia de consentimento, de
obras. apoio e de livre troca de opiniões entre
iguais, então “poder” e “violência” são
CONSIDERAÇÕES SOBRE O PODER expressões opostas na teoria arendtiana: onde
EM HANNAH ARENDT uma domina, a outra está ausente. Contudo,
o consentimento não implica uma relação
Hannah Arendt não foi uma mera
inquestionável com quem exerce o poder.
observadora das profundas transformações
Sendo o poder sinônimo de consentimento e
ocorridas no século XX. Ela vivenciou e
de apoio às instituições (Arendt, 2001: 40),
observou acontecimentos de seu tempo, a
conclui-se que “jamais existiu governo
ascensão do regime nazista, e dedicou toda a
exclusivamente baseado nos meios de
sua vida a compreender essa novidade, com
violência”. Assim, Hannah Arendt opõe ao
singular paixão e autonomia de julgamento.
par conceitual “poder/violência”, o par
De acordo com Stolcke (2002), o pensamento
“poder/consentimento”, porém, não se trata
de Arendt é indissociável de sua experiência
de qualquer consentimento, mas apenas
pessoal enquanto judia alemã que foi expulsa
daquele ancorado em um acordo inicial,
de seu país quando Hitler chega ao poder. A
numa esfera pública entre homens livres e
motivação de Hannah Arendt foi, portanto, a
iguais.
busca por compreender o fato sem
Apesar da consistente base teórica de
precedentes na história da humanidade do
Arendt, sua utilização normativa tem suas
aniquilamento sistemático dos judeus
limitações. Habermas (1980), por exemplo,
(STOLCKE, 2002).
ressalta que o conceito comunicativo de
Para Arendt o poder não pode ser
poder pode levar a alguns contrassensos,
propriedade de nenhum indivíduo; pertence
quando aplicado a sociedades modernas.
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“O conceito do poder interações políticas e ambos estão totalmente


comunicativamente produzido, de
H. Arendt, só pode transformar-se
ancorados na ideia de consentimento entre
num instrumento válido se o indivíduos livres e iguais. (PERISSINOTTO,
desvincularmos de uma teoria da 2004).
ação inspirada em Aristóteles. H.
Arendt faz remontar o poder As condições sociais e materiais em
político exclusivamente à práxis, a que os homens estão inseridos condicionam o
fala recíproca e à ação conjunta
dos indivíduos (...). Com isso,
funcionamento do espaço público para
entretanto, H. Arendt tem que Arendt? Partindo do princípio de que o
pagar o preço de: a) excluir da
poder é um fenômeno que transforma o
esfera política todos os elementos
estratégicos, definindo-os como espaço público em esfera participativa, o
violência; b) de isolar a política poder para Arendt é criado a partir de uma
dos contextos econômicos e
sociais em que está embutida união de indivíduos livres e iguais. Quando
através do sistema administrativo; pensa nos espaços participativos, a autora
c) de não poder compreender as
concede pouca relevância ao lugar social em
manifestações da violência
estrutural.” (HABERMAS, que os indivíduos ocupam. Por isso, é preciso
1980:110-111). reconhecer que Arendt se equivoca ao
ressaltar que somente a criação de espaços
Arendt não enxergava poder na
institucionais é suficiente para efetivar a
violência das guerras e revoluções. Segundo a participação política, pois outros
autora, onde quer que a violência domine –
pressupostos materiais, sociais e culturais
como nos campos de concentração dos devem ser levados em conta ao analisar a
regimes totalitários – não apenas as leis, mas participação do indivíduo na esfera pública.
tudo e todos devem permanecer em silêncio. (PATEMAN 1982: 61; BOTTOMORE 1974: 6;
“É em virtude desse silêncio que a
violência é um fenômeno PERISSINOTTO, 2004: 130). Em A Condição
marginal no campo político; pois o Humana (1997), Arendt afirma que o fim das
homem, na medida em que é um
necessidades materiais não levaria
ser político, está dotado do poder
da fala. As duas famosas necessariamente a liberdade, afirmação esta,
definições do homem, dadas por que concede peso excessivo na capacidade
Aristóteles, ou seja, de que o
homem é um ser político e um ser institucional de resolver os problemas da
dotado de fala complementa uma participação.
à outra, e ambas se referem à
A ação coletiva que funda1 o grupo,
mesma experiência de vida na
polis grega (...)” (ARENDT, 1988: sugere que este momento de origem
15). constitui-se no início de uma “esfera
pública”, pois a união de homens iguais e
A ação e a organização coletiva dos
livres que forma o grupo, só pode ocorrer por
agentes sociais não envolvem qualquer
meio de um encontro público em que o
conotação que os remetam à ideia de conflito.
acordo e o consentimento estejam presentes.
Os conceitos de “violência” e “força” não
O ato fundacional do qual participam todos
descrevem fenômenos políticos e, por sua
vez, a noção de “autoridade” refere-se
1A autoridade, para Hannah Arendt, é sinônima de tradição e
exclusivamente à duração do consenso de estabilidade. Ao observar a experiência política romana, em
inicial. Assim, “poder” e “autoridade” são os que a ocorrência da fundação é absolutamente central, Arendt
afirma que “toda autoridade é derivada dessa fundação”
únicos conceitos disponíveis para pensar as (ARENDT, 2002: 164).

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em condição de igualdade, representa a definitivamente sua vida intelectual. O autor


legitimidade do poder. Desta forma, todo observou a extrema ligação entre os aspectos
poder se justifica por si mesmo, porque é políticos e econômicos do desenvolvimento
fruto da ação coletiva do grupo que o da Alemanha. Sua unidade foi construída em
sustenta. Qualquer ação política futura meio a muitos conflitos, ou seja, a
deverá, para ser legítima e ter autoridade, manutenção da cultura alemã dependia da
fazer referência a esse momento inicial. sua constante afirmação enquanto nação. Os
(PERISSINOTTO, 2004). Junker forneceram a unidade política, mas
Arendt busca na Antiguidade, eles eram uma elite agrária e tradicional,
principalmente grega e romana, respostas incapaz de grandes mudanças. A burguesia
para problemas políticos de seu tempo. Neste alemã não conseguiu difundir sua influência,
sentido, a autora destacava que a polis grega a classe trabalhadora não representava uma
representava o oposto da oikia2, e a ação força suficiente e nenhuma liderança era
política só poderia se desenrolar neste capaz de levar ao processo de unificação à
espaço. No entanto, a capacidade grega de frente. Weber procurou analisar as condições
ação se revela frágil quando se pensa em que determinaram a expansão do capitalismo
formas de institucionalização. Para resolver o industrial na Alemanha pós-bismarckiana.
problema da institucionalização, a autora vai Weber defendia a construção de um
à política Romana. Conforme Avritzer (2006), Estado alemão forte para preservar a unidade
dois elementos estão na raiz dessa e seu poder em relação à rivalidade
incapacidade: a baixa relevância atribuída internacional, ou seja, manter sua capacidade
pelos gregos à atividade legislativa e a de exercer poder nos negócios com outras
inexistência de uma concepção de futuro nações. Em Economia e Sociedade (1999) Weber
entre os gregos. “Arendt reconhece a pouca faz a conceituação de Estado e poder político,
relevância que os gregos atribuíam às atividades ele seria uma estrutura ou agrupamento
legislativas e pensa o modelo romano como a político que reivindica o monopólio do
forma de oferecer continuidade para a ação, isto é, constrangimento físico legítimo, e o
aquilo que mantêm unidos àqueles que agrupamento político é, antes de tudo, um
interagem”. (AVRITZER, 2006:157) agrupamento de domínio. Para a existência
de atividade política dentro desta estrutura é
PODER E DOMINAÇÃO EM MAX necessário uma área territorial delimitada,
WEBER desta forma o Estado moderno pode ser
entendido como uma associação compulsória
Na sua infância, Weber viu a de base territorial e monopoliza, em seus
Alemanha se tornar um Estado-Nação sob a limites, o controle legítimo do uso da força3.
liderança de Bismarck; já na juventude, ele
recebeu forte influência intelectual de
personagens do mundo político e acadêmico
da Prússia, influência que marcou
3 Segundo Giddens (1998), Weber, em seus escritos políticos,
aponta uma conexão direta entre luteranismo e crescimento do
2Conforme Arendt (1997:33), “Segundo o pensamento grego, a Estado Prussiano. Ou seja, o protestantismo legitimou o
capacidade humana de organização política não apenas difere, Estado como instrumento de violência, instituição divina
mas é diretamente oposta a essa associação natural cujo centro absoluta, único com poder legítimo. A ética da guerra foi
é constituído pela casa (oikia) e pela família.”. transferida da esfera individual para a autoridade estatal.
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O controle político se traduz em domínio e o vinculado às tradições e aos costumes; e o


domínio está no cerne do político4 domínio carismático, que remete ao valor
A dominação representa um dos pessoal, ou seja, ao carisma.
elementos mais importantes da ação social, O domínio legal fundamenta-se na
mas, segundo Max Weber, nem toda ação validade dos regulamentos estabelecidos e na
social se caracteriza como dominação, e a legitimidade do chefe amparado pela lei. A
dominação nada mais é do que um tipo obediência não é a uma pessoa, mas a regra.
especial de poder5 “Dominação, no sentido Os funcionários são de formação profissional,
muito geral de poder, isto é, de possibilidade de trabalham sobre o regime contratual, com
impor ao comportamento de terceiros a vontade pagamento fisco, e a ascensão profissional
própria, pode apresenta-se nas formas mais acontece em conformidade com as regras
diversas”. (Weber, 1999:188). estabelecidas.
Para que a obediência se configure em “A burocracia constitui o tipo
tecnicamente mais puro da
domínio, é necessário produzir legitimidade,
dominação legal. Nenhuma
sendo assim, a imposição6 de um dominação, todavia, é
comportamento a terceiros só é concretizada exclusivamente burocrática, já que
nenhuma é exercida unicamente
com a adesão à verdade representada. Weber por funcionários contratados”.
divide o domínio em três tipos puros, porém (Weber, 1998: 130).
isso não permite dizer que eles são
observados em configurações históricas O segundo tipo é a dominação
específicas. São tipos ideais, ou melhores tradicional, cuja expressão mais pura é o
domínios puros – ferramentas domínio patriarcal, e sua associação é do tipo
imprescindíveis para a análise presente e comunitária. A autoridade que ocupa o lugar
passado do desenvolvimento dos sistemas superior é referendada ou santificada pelos
políticos. Os três tipos são: o domínio de “súditos” a partir da tradição ou do costume.
caráter racional; o domínio tradicional, O súdito aqui não está submetido a regras
impessoais, mas a fidelidade da tradição.
4 Pode-se, pois, definir a política como a atividade que “Dominam as relações do quadro
reivindica para a autoridade instalada em um território, o
direito de domínio, com a possibilidade de usar em caso de administrativo não o dever ou a disciplina
necessidade, a força ou a violência, quer para manter a ordem,
objetivamente ligados ao cargo, mas a
a ordem interna e as oportunidades que dela decorrem. A
atividade política consiste, em suma, no jogo que tenta fidelidade pessoal do servidor” (Ibid., p. 132),
incessantemente formar, desenvolver, entravar, deslocar ou
perturbar as relações de domínio. (FREUD, 2000: 161).
ou seja, não existe o conceito de
5 Weber sempre identificou poder com conflito e não com
“competência” como esfera de jurisdição na
violência. “Quando esse autor define ‘poder’, no seu famoso
parágrafo de Economia e Sociedade, não há qualquer menção ao composição do quadro administrativo, como
uso da violência, mas sim à existência de conflito e é característico da dominação burocrática.
resistência.” (PERISSINOTTO, 2004:122).
6 A união entre a “imposição de vontade” e “resistência” A dominação carismática é um tipo
caracteriza o elemento central dessa definição weberiana de
poder, pois a existência do conflito e da superação da
peculiar, onde existe entrega dos dominados
resistência fornece a evidência empírica do poder. Weber à pessoa do chefe, devido aos seus dotes
destaca que uma relação social é de luta quando a ação se
orienta pelo propósito de impor a própria vontade contra a sobrenaturais, como o heroísmo e poder
resistência de outra parte. Neste caso há possibilidade de que a intelectual. Seu tipo mais puro é a dominação
luta possa resultar em violência, mas, não há vínculo
necessário entre ambas. Numa luta pode ser utilizados, sempre do profeta ou do grande demagogo e a
de maneira estratégica, o intelecto, a força física, a astúcia, a associação dominante é de caráter
oratória, a adulação das massas, a devoção aos chefes etc.
(PERISSINOTTO, 2004: 123).

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comunitário ou séquito. Assim como na representada pelo Partido Socialdemocrata,


dominação carismática, não existe o conceito não possuía vínculo orgânico como classe,
racional de competência para nortear a não representava uma força de direção
escolha do quadro administrativo, nem o política. Weber não visualizava liderança ou
estamental de “privilégio”, mas o escolhido classe capaz de levar a frente o legado de
segundo o carisma e a vocação pessoal. Bismarck e processo de constituição de um
Weber alerta sobre o papel decisivo que a Estado alemão forte.
autoridade carismática pode desempenhar Em relação à construção da
“(...) a autoridade carismática é uma das democracia nos Estados nacionais, Weber
grandes forças revolucionárias da História, acreditava que nos Estados-Modernos, onde
porém em sua forma totalmente pura tem a grande nacionalização atingiu um elevado
caráter eminentemente autoritário e estágio, não existe a possibilidade de
dominador”. (Ibid., p. 136). A sucessão é a democracia “direta”. Essa possibilidade se
transferência da autoridade carismática e limitaria a pequenas comunidades. Em
pode ocorrer de diversas formas, desde a Estados seria possível uma democracia da
transferência hereditária, até a busca de um “lei natural”, sob a liderança de uma minoria,
oráculo, através da escolha de uma pessoa a ideia de um governo de todos e para todos,
com qualificação pura com o Dalai Lama (no seria utópica.
Tibete). Democracia e burocracia são fontes de
Ao criar uma tipologia de dominação, tensão na ordem social moderna. Os
Weber consegue construir um arcabouço para mecanismos necessários para a
analisar um Estado alemão, que mesmo implementação de procedimentos
inserido num processo de racionalização democráticos implicariam em novos
administrativa, de burocratização crescente, monopólios ou no maior controle do
não consegue se desvincular da esfera do funcionalismo burocrático. A extensão da
domínio tradicional, representados na figura democracia demanda uma centralidade
dos Junkers. Após a unificação a Alemanha, burocrática. Para tanto, uma das vias
morre Bismarck, seu principal líder. Weber possíveis para enfrentar a dominação
provavelmente questionava se existiria uma indiscriminada do funcionalismo seria os
minoria capaz de levar o processo de partidos políticos, desde que encabeçados
construção da nação alemã à frente dos por verdadeiros líderes.
trabalhadores, da oligarquia tradicional ou da
burguesia ascendente, de onde surgiria essa CONSIDERAÇÔES FINAIS –
figura. DIFERENÇAS E APROXIMAÇÕES
Weber acreditava que um dos maiores ENTRE HANNAH ARENDT E MAX
problemas da política alemã era o de WEBER
encontrar uma liderança política capaz de
assegurar sua unificação. A burguesia não A aproximação de Hannah Arendt e
conseguiu difundir sua influência. “A Max Weber não se limita a nacionalidade.
burguesia era tímida e apolítica; ansiava pela Apesar de haver diferença de algumas
emergência de um novo ‘César’ que a resguardaria décadas entre o nascimento dos dois
da necessidade de assumir um papel político” intelectuais, ambos tiveram a oportunidade
(GIDDENS, 1998:30). Já a classe trabalhadora, de vivenciar conflitos relacionados à
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consolidação dos Estados nacionais europeus, coisa. O poder só existe enquanto se mantém
e presenciaram a Primeira Grande Guerra o pacto original e enquanto os membros estão
Mundial da qual a Alemanha foi uma das dispostos a se guiarem pelas promessas feitas
protagonistas. Neste sentido, queremos em conjunto. Trata-se de um pacto fundador
destacar como característica relevante de que dá legitimidade às autoridades
convergência entre os dois, o peso que a constituídas. Segundo a visão de Arendt, o
experiência pessoal de cada um teve em suas poder dá origem ao governo, e não o
obras. Ou seja, o desejo de Arendt de contrário, ou seja, o poder não surge do
entender as origens do totalitarismo, a aparato institucional criado em torno dele.
banalização do mal7, ou mesmo a condição Os dois pensadores divergem quando
humana, não por acaso revelam uma extrema o assunto é a relação entre a posição social
proximidade das obras com sua trajetória que os indivíduos ocupam e a capacidade
pessoal. Neste mesmo caminho, o interesse para agir politicamente na medida em que
de Weber de entender a consolidação dos lhes atribui um acesso diferenciado aos bens
Estados nacionais europeus e o surgimento materiais. Por isso, conforme Perissinotto
do capitalismo, está diretamente influenciado (2004), o conceito weberiano de poder tem
pelos desafios enfrentados no período de um potencial explicativo melhor do que a
consolidação do Estado alemão. definição de Arendt. Em Weber os indivíduos
Normalmente se pensa o “poder” estão inseridos em condições
como um objeto já constituído. Poder, socioeconômicas concretas e desiguais. O
principalmente como monopólio dos meios consenso encontrado nas formas de
de coerção representado pelo Estado, com o dominação não se origina de uma ação
seu aparato jurídico e administrativo, coletiva entre iguais, e essa é a razão que leva
conforme observamos na análise de Max Weber a afirmar que a dominação é um caso
Weber. Porém, como aponta Claudia Drucker especial do poder (Weber, 1999). Pode-se
(S/D), a visão de Hannah Arendt sobre o dizer que o conceito weberiano é mais
tema é bem diferente da posição weberiana, operacional que o de Hannah Arendt, que
pois a autora faz uma distinção entre força e descreve um consentimento político cuja
poder. A força é a força física de um existência histórica é extremamente limitada
indivíduo, ou os instrumentos que aumentam e pouco duradoura.
a força humana. O poder, por outro lado, é A concepção de Max Weber sobre
alguma coisa que surge entre os homens, poder difere de Hannah Arendt em outro
quando eles se juntam para iniciar alguma ponto. O autor parte de um modelo
teleológico de ação: um sujeito ou grupo
7 Em As Origens do Totalitarismo (1989), Arendt apresenta as propõe objetivos e define os meios mais
grandes atrocidades promovidas pelo regime nazista e procura
entender quais circunstâncias políticas possibilitam o
apropriados para atingi-los. O sucesso da
extermínio de tantos judeus. Arendt utiliza o termo ação weberiana depende da capacidade do
“banalização do mal”, em seu livro Eichmann em Jerusalém: um
relato sobre a banalidade (1999). A obra se originou após a ator de influenciar um comportamento
cobertura do julgamento em Jerusalém do coronel judeu Adolf desejado aos demais sujeitos. Portanto, o
Eichmann, pelo jornal The New Yorker em 1963. Ela acreditava
que os crimes cometidos por Eichamann, não configuravam conceito de poder em Weber pode ser
atos de um homem diabólico, mas um crime diretamente
ligado “inconsciência” de um burocrata, cuja obediência à
entendido como “violência” em Arendt. O
hierarquia se traduziu em extermínio. entendimento mútuo só é buscado quando os

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sujeitos o veem como necessários para possibilitam a mobilização do apolítico.


alcançar seus objetivos. A busca por (HABERMAS, 1980).
entendimento mutuo, na concepção de Por fim, convém destacar que quando
democracia de Arendt, se opõe aos teóricos Hannah Arendt une poder e autoridade,
do elitismo democrático que valorizam o distancia-se de Max Weber. Enquanto para
governo e os partidos representativos, por Weber o poder é uma ação estratégica em que
canalizarem de forma restritiva, a o ator visa utilizar os meios mais eficientes à
participação política de uma população sua disposição para atingir um fim
despolitizada. O modelo proposto pressupõe previamente definido, para Arendt o poder e
a mediação da população através de a ação política é um fim em si mesmo e, dessa
administrações públicas, partidos, forma, não pode ser instrumentalizado em
associações e parlamentos, em cenários nome de qualquer outro fim; sendo uma ação
altamente burocratizados, completa e política, cujo sentido último é sempre a
consolida as formas de vida privatistas, que interação entre os homens.

REFERÊNCIAS

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São Paulo: Editora Ática, 1998.

NOTAS

Doutor em Sociologia pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro/UFRRJ. Graduado em


(1)

Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Montes Claros/UNIMONTES. Professor do


Departamento de Ciências Sociais da UNIMONTES/MG.

Enviado: 09/02/2010
Aceito: 22/08/2014
Publicado: 30/04/2015

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