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Bacharelado em

Teologia

Fundamentos
Bíblico-Pastorais
Organizadora
Suely Xavier dos Santos

www.metodista.br

2o semestre de 2013 – 2a edição


Universidade Metodista de São Paulo
Diretor Geral
Wilson Roberto Zuccherato
Conselho Diretor
Stanley da Silva Moraes (Presidente), Nelson Custódio Fér (Vice-Presidente), Osvaldo Elias de
Almeida (Secretário)
Vogais: Aires Ademir Leal Clavel, Augusto Campos de Rezende, Aureo Lidio Moreira Ribeiro, Jonas
Adolfo Sala, Kátia de Mello Santos, Marcos Vinicius Sptizer, Oscar Francisco Alves Júnior,
Suplentes: Regina Magna Araujo, Valdecir Barreros
Reitor: Marcio de Moraes
Pró-Reitora de Graduação: Vera Lúcia Gouvêa Stivaletti
Pró-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa: Fábio Botelho Josgrilberg
Direção da Faculdade de Teologia: Paulo Roberto Garcia
Coordenação do NEAD: Adriana Barroso de Azevedo

Coordenação do Curso de Graduação Assessoria Pedagógica


Bacharelado em Teologia - EAD Adriana Barroso de Azevedo
Suely Xavier dos Santos Celeste Yanela Millaray Panik Castro
Eliana Vieira dos Santos
Thais Helena Santinelli
Organizadora
Suely Xavier dos Santos Editoração Eletrônica
Editora Metodista
Professores Autores
Produção de Materiais
Edson de Faria Francisco
Didático-Pedagógicos EAD
Luiz Carlos Ramos
Bruno Tonhetti Galasse
Nicanor Lopes
Oswaldo de Oliveira Santos Jr. Projeto Gráfico
Tércio Machado Siqueira Cristiano Leão
Wesley Adriano Martins Dourado
Revisão
Ana Elis Andrade
Coordenação Editorial
Cristina Paixão Lopes
Suely Xavier dos Santos
Data desta edição
2o semestre de 2013
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Biblioteca Central da Universidade Metodista de São Paulo)
expediente

Un3f Universidade Metodista de São Paulo


Fundamentos bíblico-pastorais / Universidade Metodista de São Paulo.
Organização de Suely Xavier dos Santos. 3.ed. São Bernardo do Campo : Ed. do
Autor, 2013.
120 p. (Cadernos didáticos Metodista - Campus EAD)

Bibliografia
ISBN 978-85-7814-264-3

1. Teologia 2. Ciências da religião I. Santos, Suely Xavier dos II. Título.

CDD 230

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO


Rua do Sacramento, 230 - Rudge Ramos
09640-000 São Bernardo do Campo - SP
Tel.: 0800 889 2222 - www.metodista.br/ead
É permitido copiar, distribuir, exibir e executar a obra para uso não comercial, des-
de que dado crédito ao autor original e à Universidade Metodista de São Paulo.
É vedada a criação de obras derivadas. Para cada novo uso ou distribuição, você
deve deixar claro para outros os termos da licença desta obra.
Bacharelado em
Teologia

Fundamentos
Bíblico-Pastorais

Organizadora

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Suely Xavier dos Santos

umesp

2o semestre de 2013 – 2a edição


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Universidade Metodista de São Paulo
Palavra do Reitor

Caro(a) aluno(a) do Campus EAD Metodista,


É com muita alegria que acolhemos você na Universidade Metodista de São Paulo!
O Guia de Estudos digital que está recebendo faz parte da nossa preocupação com a educação
superior de qualidade da Metodista. Este material foi elaborado pelos professores do seu curso e será
utilizado durante o semestre nas suas atividades de estudos. Nosso desejo é que você aproveite ao
máximo o conteúdo aqui disponibilizado, explorando todas as possibilidades para aprofundamento
dos temas tratados.
O Guia faz parte dos esforços que têm marcado as atividades do Campus EAD Metodista, que
completa neste 2º semestre de 2013, sete anos de existência, mantendo o nosso compromisso de
propiciar a interação professor-aluno, a formação continuada da equipe de docentes e técnicos
que atuam na modalidade, a qualidade das atividades propostas e o estímulo para a construção de
conhecimentos. Tudo isso para você se sentir parte de uma instituição que prima em primeiro lugar
pela qualidade em seus processos formativos.
Temos certeza de que ainda há muito por fazer no processo de aperfeiçoamento das diferentes
estratégias de ensino e aprendizagem na modalidade EAD, mas o caminho trilhado sinaliza que
temos acertado.
Como resultado de um bom trabalho coletivo ao longo dos anos, concentramos nossos esforços
em 2013 para parcerias com novos polos, em todas as regiões do Brasil, com o intuito de levar a
formação cidadã e humanizadora que a Metodista acredita, para mais pessoas. Somado a isso,
ampliamos nosso portfolio de cursos de Pós-Graduação EAD para que você, aluno de graduação
Metodista, possa continuar sua formação com excelência e qualidade desejadas.
E o melhor de tudo isso é saber que você está conosco e, como nós, acredita no Campus EAD
Metodista.

Bons estudos e um ótimo semestre!

Prof. Dr. Marcio de Moraes


Reitor
Teologia

Módulo: Exegese e teologia do Antigo Testamento:


profetas e sapienciais
9 Aspectos lexicográficos e de construto do hebraico bíblico

13 Vocábulos e expressões hebraicas vertidas para o grego

17 Exegese do Antigo Testamento - Profetas - Parte 1

21 Exegese do Antigo Testamento - Profetas - Parte 2

25 Exegese do Antigo Testamento - Sapienciais - Parte 1

31 Exegese do antigo testamento - Sapienciais - Parte 2

Módulo: Formação cidadã


37 Aspectos da moral existencialista

41 Ética e moral: sobre a contestação e o serviço

47 Cidadania: considerações introdutórias


sumário
53 A filosofia da práxis em Antonio Gramsci e Casiano Floristán

59 Responsabilidade, escolha e angústia: sobre a crítica

63 Liberdade, inventividade e situação histórica: sobre a criatividade

Módulo: Liturgia e práticas pedagógico-pastorais


67 Os fundamentos bíblico-teológico-pastorais da Liturgia

73 A espiritualidade do culto (Parte 1 )


79 Práticas pedagógicas I: Princípios e métodos
de ensino- aprendizagem

83 Práticas pedagógicas II: Métodos e técnicas


de ensino-aprendizagem

87 A espiritualidade do culto – Parte 2

93 A música no contexto da missão


Exegese e teologia do Antigo Testamento:
profetas e sapienciais

Módulo

Aspectos lexicográficos e
de construto do
hebraico bíblico
Tema: Hebraico Bíblico - parte 1

Prof. Edson de Faria Francisco

Objetivos
Utilização de dicionários de
hebraico bíblico e introdução
ao sistema de absoluto e
construto do substantivo
hebraico.

Palavras-chave:
Gramática e vocabulário.

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1. Utilização de dicionários de hebraico bíblico
Os dicionários de hebraico bíblico registram todas as
palavras e expressões encontradas no texto da Bíblia Hebraica Um detalhe
em ordem alfabética (seguindo a ordem das letras do alfabeto importante é que
hebraico). Um detalhe importante é que as palavras são as palavras são
dispostas levando-se em consideração somente as letras dispostas levando-
consoantes e não os sinais vocálicos. O sistema de procura é se em consideração
muito similar ao sistema de procura de palavras em dicionários somente as letras
de língua portuguesa. Por exemplo, se uma palavra inicia-se com consoantes e
a letra ’alef, então, estará nas primeiras páginas do dicionário. não os sinais
Se a palavra é iniciada com a letra kaf, esta será encontrada nas vocálicos.
páginas centrais do dicionário. A palavra que é iniciada com a
letra tav será encontrada nas últimas páginas do dicionário, e
assim por diante. É importante que o aluno iniciante de hebraico bíblico utilize uma boa tabela com
as letras do alfabeto hebraico para encontrar a palavra hebraica que deseja encontrar e consultar.
Os dicionários trazem alguns importantes detalhes gramaticais e de classificação das palavras
hebraicas, como gênero (masculino e feminino), plural, construto (relação de posse [ver, a seguir, tópico
2]), adjetivo, sufixos pronominais etc. Normalmente, os dicionários fornecerem alguma localização
da palavra no texto bíblico hebraico. É importante usar o dicionário como se fosse um complemento
ou uma extensão da gramática de hebraico bíblico.
A seguir, há dois exemplos de vocábulos hebraicos encontrados em dicionários. Neste texto,
será usada a seguinte obra: Nelson Kirst et alii (eds.), Dicionário Hebraico-Português & Aramaico-
Português (São Leopoldo-Petrópolis: Sinodal-Vozes, 1987).

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Concluindo esse assunto, há duas obras lexicográficas em língua portuguesa que trazem uma
transliteração dos vocábulos hebraicos e que podem ser úteis para um estudante iniciante de hebraico
bíblico: R Laird Harris et alii (orgs.), Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento (São
Paulo: Vida Nova, 1998) e Larry A. Mitchel, Carlos O. C. Pinto e Bruce M. Metzger, Pequeno dicionário
de línguas bíblicas: Hebraico e Grego (São Paulo: Vida Nova, 2002).

2. Introdução ao sistema de absoluto e construto do substantivo hebraico.
Os dicionários de hebraico bíblico sempre registram o vocábulo no estado absoluto. O estado
absoluto é aquele em que a palavra está no singular e sem sufixos ou com algum detalhe morfológico.
No tópico 1, as palavras e estão neste estado.
O estado construto indica relação de posse (genitivo) entre palavras no texto bíblico hebraico.
Quando tal situação gramatical acontece, a palavra sofre algumas pequenas modificações morfológicas
ou fonéticas. Abaixo há alguns exemplos.

Contudo, há palavras hebraicas que não possuem modificações morfológicas ou fonológicas em


sua estrutura quando estão em estado construto e no singular. Abaixo, há alguns exemplos.

Os dicionários de hebraico
bíblico sempre registram
o vocábulo no estado
absoluto. O estado absoluto
é aquele em que a palavra
está no singular e sem
sufixos ou com algum
detalhe morfológico.

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Determinadas palavras hebraicas possuem modificações morfológicas ou fonológicas em sua
estrutura quando estão em estado construto no plural. Abaixo, há alguns exemplos.

Várias expressões importantes que aparecem com frequência na Bíblia Hebraica estão em estado
construto. Abaixo, há uma pequena lista com alguns exemplos.

Referências
ALONSO SCHÖKEL, Luis. Dicionário bíblico hebraico-português. São Paulo: Paulus, 1997.
ELLIGER, Karl; Rudolph, Wilhelm (eds.). Bíblia hebraica stuttgartensia. 5. ed. Stuttgart: Deutsche
Bibelgesellschaft, 1997.
FRANCISCO, Edson de F. (trad.). Antigo Testamento Interlinear Hebraico-Português. vol. 1:
Pentateuco. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2012.
GUSSO, Antônio R. Gramática instrumental do hebraico. São Paulo: Vida Nova, 2005.
HARRIS, R. Laird et alii (orgs.). Dicionário internacional de teologia do antigo testamento.
São Paulo: Vida Nova, 1998.
KELLEY, Page H. Hebraico bíblico: uma Gramática Introdutória. São Leopoldo: Sinodal, 1998.
KIRST, Nelson et al. Dicionário hebraico-português & aramaico-português. São Leopoldo-
Petrópolis: Sinodal-Vozes, 1987.
MENDES, Paulo. Noções de Hebraico Bíblico. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2011.
MITCHEL, Larry A.; Pinto, Carlos O.C.; Metzger, Bruce M. Pequeno dicionário de línguas
bíblicas: Hebraico e Grego. São Paulo: Vida Nova, 2002.
ROSS, Allen P. Gramática do hebraico bíblico para iniciantes. São Paulo: Vida, 2005.

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Universidade Metodista de São Paulo
Exegese e teologia do Antigo Testamento:
profetas e sapienciais

Módulo

Vocábulos e expressões
hebraicas vertidas
para o grego

Tema: Hebraico Bíblico - parte 1

Prof. Edson de Faria Francisco

Objetivos:
Vocábulos e expressões hebraicas
vertidas para o grego.

Palavras-chave:
Bíblia hebraica; Septuaginta;
hebraico; grego; tradução bíblica.

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Introdução
Nesta aula, estudaremos uma questão importante que possui relação com o texto das modernas
edições da Bíblia em língua portuguesa: como determinados vocábulos e expressões hebraicas
foram vertidas para o grego e quais são as influências de tais traduções para as modernas edições
bíblicas em português, e se há alguma influência no texto grego do Novo Testamento. Esta aula será
dedicada inteiramente a este assunto.

Vocábulos e expressões hebraicas vertidas para o grego


A primeira versão da Bíblia Hebraica foi feita para o grego. Tal versão é conhecida como Septuaginta
(lat. Setenta) ou como hEbdomÐkonta (gr. hedmomékonta, Setenta), tendo surgido a partir do século
III a.C., e sendo concluída por volta do século I d.C. A Septuaginta foi uma importante versão bíblica
que influenciou a produção de outras versões antigas da Bíblia, como a Vetus Latina (latim), a Vulgata
(latim), a Peshitta (siríaco), a Armênia (armênio) entre outras versões1.
Vários vocábulos e expressões originais hebraicas foram vertidas para o grego de uma
maneira inovadora e esse processo tem reflexo nas modernas edições da Bíblia, mesmo aquelas em
português.
Abaixo, há alguns exemplos de vocábulos hebraicos vertidos para a Septuaginta.

Abaixo, há algumas situações de vocábulos e expressões hebraicos vertidos para o grego, mas
com alguma alteração de significado.

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As modernas edições da Bíblia apresentam algum significado próprio da Septuaginta. Este fato
indica que muitas palavras e expressões contidas nas modernas edições reproduzem, de alguma
maneira, a concepção que os tradutores da antiga versão grega da Bíblia tinham das palavras hebraicas.
Este fato é percebido tanto nas antigas versões bíblicas, como a Vulgata, como nas atuais versões,
inclusive, aquelas produzidas em língua portuguesa.

Referências

ELLIGER, Karl; Rudolph, Wilhelm (Eds.). Biblia hebraica stuttgartensia. 5. ed. Stuttgart:
Deutsche Bibelgesellschaft, 1997.

FRANCISCO, Edson de F. Manual da bíblia hebraica: Introdução ao texto massorético – Guia


Introdutório para a Bíblia Hebraica Stuttgartensia. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2005.

. (trad.). Antigo Testamento Interlinear Hebraico-Português. vol. 1: Pentateuco. Barueri:


Sociedade Bíblica do Brasil, 2012.

MENDES, Paulo. Noções de Hebraico Bíblico. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2011.

RAHLFS, Alfred (ed.). Septuaginta: Id est Vetus Testamentum graece iuxta LXX interpretes. vv.
1 e 2. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 1979.

WEBER, Robert (Ed.). Biblia Sacra iuxta Vulgatam Versionem. 4. ed. Stuttgart: Deutsche
Bibelgesellschaft, 1994.

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Exegese e teologia do Antigo Testamento:
profetas e sapienciais

Módulo

Exegese do Antigo
Testamento - profetas

Parte 1

Prof. Tércio Machado Siqueira

Objetivos:
Neste tema, abordaremos
a exegese bíblica como uma
ciência que ajuda a interpretar
a Bíblia. A meta é exercitar
a interpretação de textos
bíblicos, de forma didática, a
fim de que o estudante possa
praticá-la com segurança.

Palavras-chave:
Pentateuco; Torá, Moisés;
Sinai; exegese.

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I. Introdução
Neste módulo, exercitaremos a exegese de textos bíblicos. Na exegese bíblica há vários detalhes
importantes a serem analisados: (a) o texto a ser estudado é uma perícope, ou um parágrafo, porque
contém uma ideia completa; (b) o contexto literário e histórico do texto a ser analisado; (c) a análise
exegética deve partir tão-somente da perícope escolhida. Com estes objetivos, entraremos no
fascinante mundo da exegese bíblica do Antigo Testamento.

II. Passos para uma exegese bíblica


A. Primeiro passo: escolher uma perícope
A escolha de uma perícope do texto bíblico é um dos primeiros passos para uma correta
interpretação. O que é uma perícope? Trata-se de uma palavra da língua grega que significa “recorte”,
“parágrafo”. Isto quer dizer que numa perícope as frases aí contidas mantêm maior relação entre si
que com o restante do texto. As justificativas para tal afirmação partem da análise do texto do AT, em
especial. Basicamente, o texto bíblico tem uma longa história oral. Ao lê-lo, facilmente observamos
que o fluir desses textos não foi coerente e homogêneo. Assim, é possível observar estilos diferentes e
diversidades de gêneros literários. Ao mesmo tempo, é possível observar uma variedade de aspectos
cuja relação entre essas perícopes não é clara. Isso leva a supor que na origem dos textos bíblicos,
especialmente do Pentateuco, não está com os escritores, mas com os transmissores orais. O AT é
um texto de ouvintes. Para esta exegese, escolhemos a perícope de Isaías 7.1-9.

B. Segundo passo: ler cuidadosamente a perícope: Êxodo 34,5-9

8. E apressou-se Moisés e inclinou-se


5. E Javé desceu nas nuvens, por terra, e cultuou.
e (Moisés) posicionou-se com ele lá.
e chamou no nome de Javé. 9. E disse:
Se agora eu encontrei graça aos
6. E Javé passou diante dele. teus olhos, Adonai.
E (Moisés) chamou: Adonai caminha em nosso meio,
Javé! Javé! El de compaixão e de graça; porque é povo de dura cerviz.
lento em ira Tu perdoas a nossa transgressão
e abundante em bondade e fidelidade. e o nosso pecado,
e tu tomas posse de nossa herança.
7. Que guarda a bondade a milhares
que suporta a transgressão,
a rebelião e o pecado,
mas não declara inocente;
Aquele que inspeciona a transgressão
dos pais sobre os filhos dos filhos,
sobre a terceira e sobre a quarta.

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C. Terceiro passo: a estrutura literária

A. Reportagem sobre a aparição de Javé no cume do Sinai - v. 5-6a.


B. Palavra de Moisés para Javé - v. 6b-9
1. Primeira palavra de Moisés – v. 6b-7
2. Reportagem - v. 8
3. Segunda palavra de Moisés – v. 9

D. Quarto passo: explicação da estrutura literária


A aparição de Javé no Monte Sinai pela sexta e última vez provoca em Moisés um forte impacto.
Sua reação, descrita nos versos 6b-7 e 9, oferece uma das definições teológicas do Deus de Israelmais
completas de toda a Bíblia. Diante da grandiosa bondade de Javé, Moisés não tem outro gesto a não
ser inclinar-se e prestar-lhe culto.

E. Quinto passo: a data do texto


É difícil situar um texto do Pentateuco no tempo de sua composição. Boa parte dos textos ligados
ao Pentateuco teve uma longa história de transmissão. Um pronunciamento como o de Moisés pode
ter recebido alguns adendos ao longo da transmissão, para torná-lo agradável e compreensível. É
possível encontrar algumas pistas: (a) o livro em que o texto está registrado; (b) o local e as personagens
envolvidas; (c) a linguagem do texto.

F. Sexto passo: comentário de Êxodo 34,5-9


Antes de comentar o texto, é preciso fazer
uma observação muito importante. Sugerimos _________________________________________
que o comentário seja feito a partir de cada fala
(ver “terceiro passo”). O argumento que sustenta _________________________________________
essa proposta está no perigo de cortarmos a
sequência de ideias que cada parte do texto
_________________________________________
expõe. Por exemplo, os versos 5-6 pertencem _________________________________________
ao repórter, mas os versos 6b-7 correspondem
à primeira palavra de Moisés. Para tanto, vamos _________________________________________
analisar a primeira parte deste texto que é a
reportagem (v. 5-6a). _________________________________________

_________________________________________

_________________________________________
É difícil situar um texto _________________________________________
do Pentateuco no tempo
_________________________________________
de sua composição. Boa
parte dos textos ligados ao _________________________________________
Pentateuco teve uma longa _________________________________________
história de transmissão.
_________________________________________

_________________________________________

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Reportagem (v. 5-6a). Quando o texto diz que e Javé desceu nas nuvens, dois detalhes importantes
devem ser observados. (1) o uso da conjunção “e” é significativo. Ela mostra que o fato de Javé descer
para falar com Moisés está relacionado com o interesse divino de concluir a aliança (v. 1-4). (2) O
texto mostra que Javé é diferente dos deuses dos povos vizinhos. Ele ouviu o chamado e, após, Ele
desceu para falar com Moisés. As ações de Javé – ouvir e descer – estão também presentes no relato
do chamado de Moisés (Êx 3,7-10).
Moisés está estupefato diante da disponibilidade de Javé. Diante desse excesso de amor, Moisés tem
uma primeira reação. Ele define Javé como um Deus de compaixão e graça, abundante em bondade
e fidelidade. Não se trata de uma reação emocional, porque Moisés testemunha por meio da prática:
Javé é lento em irar-se; Ele guarda sua bondade a milhares; tolera a transgressão, a rebelião e o pecado;
não deixa ninguém impune e disciplina o que transgride (v. 7). Em nenhum momento o texto promove
a ira e a vingança de Deus. A transgressão, a rebelião e o crime são tratados sob o rigor da disciplina. O
texto vê a solução dos crimes na sociedade com o corretivo da educação, e nunca a pena de morte.
Diante desta proposta tão revolucionária, Moisés não teve outra alternativa: inclinou-se diante da
grandiosidade de Deus e o cultuou.
A segunda palavra de Moisés é um pedido. Tendo como argumento a bondade, a compaixão, a
fidelidade e a graciosidade de Javé, Moisés pede que Ele caminhe com o povo pelo deserto (v. 9).
Ciente de que Javé se coloca ao lado do povo oprimido, Moisés suplica pela companhia e orientação
divina na caminhada em busca da terra de Canaã. Seu pedido se deve a algumas dificuldades que ele
teve como líder do povo. A declaração de que Javé perdoa é mais uma grande novidade no mundo
religioso daquela época. Na prática de fé bíblica, afirma-se a necessidade de o povo confiar e ser fiel
ao seu Deus. A base para tornar possível o perdão é a bondade divina (v. 6-7). Todavia, a efetivação
desse perdão não elimina a punição ou disciplina. Na teologia israelita, o perdão dos pecados tem
o sentido de preservação do relacionamento entre Deus e o seu povo. No verso 9, Moisés não só
pede a Javé que mantenha intacta sua relação com o povo, mas também que faça Israel Sua posse
e herança.

Referências
DOBBERAHN, Friedrich Erich. Êxodo 34,4b-10. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal,
v. XV, p. 273-281. 1989.
GERSTENBERGER, Erhard S. Êxodo 34,4b-10. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal,
v. III, p. 153-158. 1981.

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Universidade Metodista de São Paulo
Exegese e teologia do Antigo Testamento:
profetas e sapienciais

Módulo

Exegese do Antigo
Testamento – profetas

Parte 2
Prof. Tércio Machado Siqueira

Objetivos:
Boa parte da Torá, ou Pentateuco,
consiste de estipulações, relatos e
explicações legais. O material literário que o
AT dispõe é amplo e variado, possibilitando
o/a estudante conhecer o contexto político,
social, econômico e religioso que Israel
viveu ao longo de sua história. Vamos
abordar, dentro deste tema, a exegese de
perícopes referentes à instrução divina.

Palavras-chave:
Gênero legal; instrução legal; prescrição
legal e pronunciamento legal.

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O material literário, no AT, referente às leis é encontrado em quatro coleções: Código da Aliança (Êx
20,22-23,33); Código Deuteronômico (Dt 12-26); Código da Santidade (Lv 17-26) e o Código Sacerdotal
(Êx 25-31; 34,29-Lv 16 e partes do livro de Números). Todavia, a coleção mais conhecida é os “Dez
Mandamentos” que aparece duas vezes, com pequenas diferenças (Êx 20,2-17 e Dt 5,6-21).

Práticas legais no período tribal


Ao longo da história bíblica, as leis receberam cortes e adendos para atenderem às necessidades de
cada período. Um exemplo encontra-se nas prescrições para a celebração da Páscoa. A prescrição mais
primitiva da Páscoa está no livro de Êxodo 12,21-28. Vamos tomá-la para um exercício exegético.

A. Uma das prescrições da Páscoa: Êxodo 12,21-28


Este texto constitui uma perícope, porque formula uma idéia coesa e completa. É importante
observar que o capítulo 12 de Êxodo possui mais dois rituais da Páscoa (v. 2-14 e 43-51).

Primeiro passo: ler cuidadosamente a perícope: Êxodo 12,21-28.

Segundo passo: a estrutura do texto (Êx 12,21-28)

I. Reportagem: Moisés convoca os anciãos – v. 21a.


II. Execução da comissão por parte de Moisés – v. 21b-27a+b
A. Instruções para a celebração da Páscoa – v. 21b-22
1. A escolha do cordeiro
2. O ritual do sacrifício – v. 22
a. sacrificar o cordeiro
b. tomar o hissopo
c. mergulhar o hissopo no sangue
d. marcar a porta com sangue
e. proibição
B. Razão para o ritual – v. 23
C. Ordenanças para a celebração da Páscoa – v. 24-25
D. Razão histórica para a celebração – v. 27a+b
III. Execução da comissão por parte do povo – v. 27c-28

Terceiro passo: explicação da estrutura literária

A comissão para celebrar a Páscoa vem de Javé (12,1). Moisés a recebeu e, agora, a comunica,
em detalhes, anciãos de Israel (v. 21a). Nessa sucessão de responsabilidade, os anciãos passam as
instruções ao povo e aos filhos de Israel, que as cumprem com fidelidade (v. 27c-28).

22
Universidade Metodista de São Paulo
Quarto passo: a data do texto
Os sinais de antiguidade desta prescrição da Páscoa são: (1) o ritual da Páscoa era realizado em
família ou clã (v. 21, 22, 23 e 26); (2) não há indicações do uso de altares, santuários e sacerdotes; (3)
era celebrado por pastores seminômades (há ausência de agricultores); (4) o animal a ser sacrificado
era o cordeiro (há ausência de boi); (5) o ritual resumia-se em imolar o cordeiro (não fala de assar e
comer a carne); (6) a intenção da imolação do animal era apenas retirar o sangue; (7) o sangue do
animal deveria ser aspergido sobre a porta da casa. Estas sete observações sugerem que este ritual
pertence a um período muito próximo a chegada a Canaã, por volta de 1200 a.C.
Banco de imagens
Quinto passo: o comentário
O comentário exegético obedecerá a divisão estrutural
da perícope.
1. A perícope inicia-se com uma fórmula literária de
reportagem do discurso de Moisés muito usada no AT: E
Moisés proclamou a todos os anciãos de Israel. E disse-lhes:
(v. 21a). A intenção do uso dessa fórmula é dar legitimidade
à palavra de Moisés.
2. Os versos 21b-27a+b contêm o ritual da Páscoa
comunicado aos anciãos por Moisés. Para efeito de
estudo, não é correto analisar o ritual verso por verso, mas
por inteiro. Assim, tomemos, inicialmente, as instruções
básicas. Elas mostram os detalhes básicos para a correta
celebração. Os verbos usados no imperativo apontam
a importância de cada detalhe na celebração. Há um Segundo os sinais de antiguidade desta
andamento sequenciado no ritual que é inevitável. Os prescrição da Páscoa não há indicações do
verbos tirai e tomai devem ser entendidos como o ato uso de altares, santuários e sacerdotes.
de escolher a ovelha. Entretanto, o detalhe importante
era a quantidade de uma ovelha por família. Afinal, os
pastores seminômades eram pobres e o pequeno rebanho
de ovelhas era a única fonte de sustento da família. _________________________________
O verso 22 mostra a abertura do ritual. A expressão _________________________________
imolai a Páscoa refere-se ao ato de sacrificar o cordeiro. O
ritual prescreve que o celebrante deve retirar somente o _________________________________
sangue para marcar a travessa e as ombreiras da porta. O
texto não diz o que fazer com a carne do animal sacrificado. _________________________________
O ato de marcar com sangue a porta da residência familiar
_________________________________
tem a finalidade de proteger a família da ação do destruidor
(v. 23) e superar o medo da morte, por meio do milagre _________________________________
providenciado por Javé. A manutenção da vida das famílias
dos hebreus dependia da confiança e obediência a Javé, _________________________________
ao celebrar o ritual da Páscoa.
_________________________________

__________________________________
Os pastores _________________________________
seminômades eram
pobres, e o pequeno _________________________________
rebanho de ovelhas era
a única fonte de sustento _________________________________
da família.
_________________________________
23
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O verso 23 explica o motivo da celebração e a razão do nome páscoa. O nome, páscoa, não é um
rótulo que os hebreus deram a um de seus rituais. Esta celebração está diretamente ligada à história
do êxodo dos hebreus que estavam no Egito. Banco de imagens

Anteriormente aos hebreus, os antigos pastores


realizavam um estranho ritual. Eles viviam nas periferias das
regiões agrícolas. Na geografia, estas terras são chamadas
de estepes (semideserto), com pouca vegetação, bastante
árida e calcária. Esta faixa de terra situava-se entre a região
agrícola e o deserto. Os moradores eram pessoas pobres e
viviam do produto do rebanho de ovelhas. Era uma gente
sofrida que a cada ano, com a chegada dos primeiros
ventos quentes do deserto, anunciando o verão, renovava
seu sentimento de medo da morte de seus animais.
Acreditando que esse vento quente e mortífero era trazido
pelo destruidor (no hebraico bíblico, maxehait), os pastores
realizavam um ritual de sangue com a finalidade de aplacar
a ira desse desconhecido inimigo.
A saída do Egito coincidiu com o período do ritual de
sangue. Era tempo de medo pela ameaça da chegada
do verão, mas também havia muito temor pela violência
dos egípcios. Foi nesse ambiente de medo e pavor que
os hebreus experimentaram a presença de Javé com
eles, que não permitiu que a morte entrasse nas casas Os antigos pastores viviam nas periferias das
dos hebreus e matasse os seus familiares; ele protegeu regiões agrícolas. Estas terras são chamadas de
o povo hebreu que estava oprimido no Egito (Êx 11.7). estepes (semideserto), têm pouca vegetação, e
são bastante áridas e calcárias.
3. Ordenanças para a Páscoa (v. 24-27a+b).
Uma ordenança compreende uma ordem a ser cumprida. Para tal, ela precisa da autoridade de
alguém, e esta está com Moisés (v. 21a) que a recebeu de Javé (12,1). A partir dessa autoridade, a
ordenança torna-se uma categoria legal. Esta ordem é formada por dois itens: O primeiro afirma que
a celebração da Páscoa é uma ordem, um estatuto. A frase vós guardareis esta palavra por estatuto...
sugere que o ritual da Páscoa não é uma simples festinha de aniversário. Em segundo lugar, este
ritual destina-se à comunidade que cultua Javé. Ele não deve ser o cumprimento de uma formalidade
legal, mas sua celebração deve atingir a emoção das pessoas. Concluindo, a Páscoa não é uma
celebração neutra. Ela não tem função em si mesma, mas nutre os celebrantes para a caminhada.
A frase esta Páscoa é para Javé (Êx 12,26c) é parte da declaração de fé, pois foi Ele que os tirou do
Egito e continua guiando o povo.
4. Execução da comissão por parte do povo (v. 27c-28)
A celebração da Páscoa é concluída com um gesto de obediência a Javé: e o povo se ajoelhou e se
prostrou (v. 27c). O fim da celebração pascal marca o reinício da caminhada (v. 28a). O restante do texto
(v. 28b+c) testemunha a segura liderança de Moisés e a unidade que deve reinar entre o povo.

Referências
NASCIMENTO, Selma. Êxodo 12,1-14. In: Proclamar Libertação. São Leopoldo: Sinodal. v. XXI,
p. 108-110. 1995.
SCHWANTES, Milton. A Páscoa – uma festa para a libertação – ´Este dia vos será por memorial`.
In: . Curso de verão. São Paulo: Paulinas, p. 102-112. 1988.

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Universidade Metodista de São Paulo
Exegese e teologia do Antigo Testamento:
profetas e sapienciais

Módulo

Exegese do antigo
testamento – sapienciais

Parte 1

Prof. Tércio Machado Siqueira

Objetivos:
Levar o/a estudante a
conhecer os temas centrais
da segunda parte da Bíblia
Hebraica, Profetas, e exercitar
a exegese bíblica, por meio de
uma perícope de Isaías 7,1-9.

Palavras-chave:
Profetas anteriores; ­profetas
posteriores;­Isaías; Emanuel.

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A. Profetas anteriores ou profetas pré-literários
A Bíblia Hebraica apresenta uma diferente sequência dos livros proféticos comparada à Septuaginta
e à Vulgata. A relação de livros que abre o cânon dos profetas é a seguinte: Josué, Juízes, 1Samuel,
2Samuel, 1Reis e 2Reis. Este conjunto de livros é denominado “Profetas anteriores ou profetas pré-
literários”. A justificativa para esta denominação tem seu sentido. (1) Estes seis livros possuem um estilo
literário muito parecido. (2) Eles ressaltam quatro etapas na história de Israel, com base no discurso de
Moisés (Dt 32-33) e estendendo-se para o tema da conquista da terra (livro de Josué), a organização
do povo de Israel em tribos (o livro de Juízes) e, por fim, a instalação da monarquia em Israel (livros
de Samuel e Reis). (3) Estes livros abordam três ênfases dos profetas escritores: (a) Conversão (Dt
10,16; Js 24,23; conforme Is 1,17; Os 5,4-9; Am 4,6-11; 5,14-15); (b) Combate à idolatria (Dt 4,15,-20;
Jz 2,1-5; 1Rs 11,1-13; 2Rs 17,7-23); e (c) A defesa da justiça e dos pobres (2Sm 12,1-4; 1Rs 21,1-3); e,
finalmente, estes seis livros reportam sobre a atuação de pessoas com as características proféticas:
Gade e Natã, que atuaram no período de Davi (1Sm 22,5; 2Sm 7 e 12; 1Rs 1); Aias de Silo, que se
opôs a Salomão e à idolatria no governo de Jeroboão (1Rs 11,28-39); Jeú, um profeta que criticou
o rei Baasa (1Rs 16,1); Micaías opôs-se aos falsos profetas nos dias de Acab (1Rs 22,8-28). Elias (1Rs
17-2Rs 2) e Eliseu (2Rs 2-13) tiveram atuações mais marcantes, especialmente o primeiro, no reinado
de Acab (874-853 a.C). É também interessante observar que a maioria desses profetas pertencia às
tribos do Norte de Israel onde o profetismo, com a característica israelita, se desenvolveu. O Norte
de Israel foi o berço comum dos juízes libertadores e dos profetas. Este detalhe sugere uma provável
relação entre os juízes libertadores e os profetas.

B. Profetas posteriores ou profetas literários


O cânon dos profetas literários, na Bíblia Hebraica, apresenta uma sequência diferente dos livros
proféticos comparado à Septuaginta e à Vulgata. Eis a ordem da Bíblia Hebraica: Isaías, Jeremias,
Ezequiel, Oseias, Joel, Amós, Obadias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuque, Sofonias, Ageu, Zacarias
e Malaquias. É importante observar que a Bíblia Hebraica obedece à sequência original das três
divisões do cânon hebraico.

C. Profecia e apocalipse
A profecia e o apocalipse representam duas linguagens com tipologias diferentes.

1
O apocalipsismo tem muita relação com o internacionalizado
helenismo (imperialismo grego), que passou a dominar o mundo a
partir do século IV a.C. O tema preferido dos apocalípticos é a terra e o
mundo. A palavra de Joel reproduz a preocupação dos apocalípticos:
Ouvi isso, anciãos, escutai vós, todos os habitantes da terra... (1,2).

2
A profecia relaciona-se às monarquias nacionais de Israel e Judá. O
ponto de partida da atuação dos profetas é a crítica aos reis de Israel
e Judá. O texto de Amós substancia esta afirmação: Por três crimes de
Judá... (2,4); Por três crimes de Israel... (2,6).

A profecia fala de uma atuação escatológica de Javé; enquanto isso, o


apocalipse fala de uma pronta intervenção divina no mundo.
3
26
Universidade Metodista de São Paulo
Exercício exegético
Primeiro passo
Primeiro passo: escolha da perícope bíblica.
A escolha de uma perícope do texto bíblico é um dos primeiros passos para uma correta
interpretação. Escolhemos a perícope que se encontra em Isaías 7,1-9.
Segundo passo
Segundo passo: tradução do texto.

Terceiro passo
Terceiro passo: estrutura literária de Isaías 7,1-9.

I. Introdução (contexto histórico) (v. 1-2)


A. Acerca da invasão (v. 1)
B. Acerca da mensagem à Casa de Davi (v. 2)
1. mensagem (v. 2a)
2. consequência (v. 2b)
II. Palavra de Javé a Isaías (v. 3-9)
A. Introdução narrativa
B. Conteúdo da comissão (v. 4-9)
1. Cuidado quanto aos inimigos (v. 4-6)
a. parenese (breve advertência) (v. 4)
b. com referência aos planos dos inimigos (v. 5-6)
2. Conclusão: palavra de reafirmação (v. 7-9)

Quarto passo _________________________________________


Quarto passo: explicação da estrutura literária
de Isaías 7,1-9. _________________________________________
Esta perícope é consequência de uma informação
_________________________________________
sobre a situação política no governo de Acaz (v. 1-3).
Em reação a essa situação, o profeta Isaías faz uma _________________________________________
severa advertência sobre o rei (v. 4-9). O assunto
gira em torno da tentativa de ataque da coligação _________________________________________
siro-efraimita contra Jerusalém, caso o rei Acaz não
se dispusesse a apoiar tal empreendimento (v. 1-2). _________________________________________
Diante dessa ameaça, Javé instrui o profeta Isaías _________________________________________
para criticar a postura medrosa de Acaz. A perícope
gira em torno do medo do rei (v. 2-4) e a instrução _________________________________________
de Javé, por meio de Isaías (v. 3-9), que focaliza a
única alternativa para Acaz: se não confiardes (...) _________________________________________
não permanecereis (v. 9b).
_________________________________________
O assunto gira em torno
_________________________________________
da tentativa de ataque da
coligação siro-efraimita _________________________________________
contra Jerusalém, caso o rei Acaz
não se dispusesse a apoiar tal _________________________________________
empreendimento
_________________________________________

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Quinto passo
Quinto passo: data do texto.
Esta perícope ou parágrafo é uma reportagem sobre as circunstâncias do diálogo entre o profeta
Isaías e o rei Acaz (736-716 aC). A datação deste texto é precisa, pois os versos 1-2 detalham os
acontecimentos da guerra siro-efraimita (734-732 aC), quando o rei de Aram e o rei de Israel (Norte)
queriam obrigar o rei Acaz a participar da coligação contra a Assíria. Os primeiros nove capítulos do
livro de Isaías são desse período (conforme 2Reis 16,1-20).

Sexto passo
Sexto passo: comentário de Isaías 7,1-9.
A. O contexto histórico (v. 1-2) é descrito por intermédio de três pontos: (a) Trata-se de uma
reportagem em torno da circunstância do diálogo entre Isaías e Acaz (v. 1-2). Esta perícope é parte
de um complexo literário maior, chamado “O livro do Imanuel” (Is 6,1-9,6). Este suposto livro começa
com o chamado do profeta Isaías para congregar o povo em torno do tema da confiança em Javé. (b)
A reportagem focaliza uma ameaça de intervenção no governo de Acaz, em Jerusalém, encabeçada
por dois reis vizinhos ao Reino de Judá (v. 2a). (c) A reportagem destaca que o rei Acaz está com
medo (v. 2 e 4). O medo do rei vem da informação de que o exército arameu uniu-se ao de Efraim
(Reino do Norte) e estava preparado para invadir Jerusalém.
B. Javé instrui o profeta Isaías a advertir Acaz (v. 3-9). O verso 3 se inicia com a fórmula do
mensageiro: E disse Javé a Isaías. Esta frase fornece a legitimidade divina às advertências pronunciadas
por Isaías (v. 3b-9). A ordem de Javé é para Isaías ir ao encontro de Acaz (v. 3a). O relato do encontro
com Acaz é preciso nos detalhes, mas o que chama atenção é a companhia do filho de Isaías, xe‘ar-
yaxub, um resto voltará (v. 3). Desde que o contexto desse encontro é exortativo, o nome, um resto
voltará, é uma advertência no sentido que a salvação virá, apesar da ameaça de catástrofe. A palavra
hebraica xe‘ar, resto, remanescente, possui o significado de grupo santo e fiel. Para Javé, tudo estava
errado no reinado de Acaz, e o anúncio da volta de um grupo fiel se fazia necessário. Ao ironizar os
reis Rezin e Peca, Javé mostra a autoridade de seu governo sobre o mundo, bem como sua crítica à
infidelidade do rei. A expressão “tocos de achas fumegantes” (v. 4b) reduz a ira dos dois reis à cinza,
isto é, Javé quer dizer que eles representam um perigo que já passou. É preciso confiar em Javé para
superar os problemas.
O verso 4 contém todo o conteúdo A palavra hebraica xe‘ar,
da comissão divina. O problema gira resto, remanescente, possui o
em torno do medo de Acaz. Então, significado de grupo santo e fiel.
Isaías deveria ir direto ao assunto. A
comissão divina inicia-se com quatro advertências que ajudam a compreender o que se passava no
coração de Acaz: Sê atento! tenha tranquilidade! não temas! não desanime teu coração! (v. 4a). Medo
é palavra proibida para quem crê em Javé (conforme Sl 46,1-3). Assim, Acaz não tem o direito de
ter medo, diante da ameaça de Rezin e Peca (v. 5-6), pois Javé declara que está presente ao lado do
povo de Judá (v. 7).
Os versos 7-9 concluem a palavra de Javé, por meio do profeta. Elas são importantes para o
entendimento de toda a perícope, pois elas concluem as exortações sobre o medo do rei. No verso 7b,
Javé quer passar confiança ao rei Acaz, mas nos versos 8-9a, ele demonstra desconsiderar a autoridade
dos reis de Israel e Damasco por duas razões: (a) ele não os chama de reis, mas de “cabeças” (v. 8a e
9a). Na Bíblia, rei é uma autoridade reconhecida por sua hereditariedade e, consequentemente, pela
legitimidade divina, por intermédio da unção.
Javé desconhece o rei do Reino do Norte (Israel) e chama-o de “filho de Remalias” (v. 1, 5 e 9).
A justificativa para essa dupla desconsideração é que Rezin e Peca não pertencem a uma dinastia
de reis. Também eles não possuem uma tradição religiosa, isto é, não foram ungidos como reis, e,
finalmente, não mostram ter uma prática de fé.

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Universidade Metodista de São Paulo
Referências
CROATTO, J. Severino. Isaías. Petrópolis: Vozes, v. 1, 1989.
SCHWANTES, Milton. Isaías (Textos selecionados). São Leopoldo: FT da IECLB, v. 2, 1979.

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Universidade Metodista de São Paulo
Exegese e teologia do Antigo Testamento
Profetas sapienciais

Módulo

Exegese do antigo
testamento - sapienciais

Parte 2

Prof. Tércio Machado Siqueira

Objetivos:
Estudar o livro de Salmos,
conhecer a formação do livro e
analisar seu conteúdo. Tomar o
Salmo 52 e exercitar
a exegese bíblica.

Palavras-chave:
Bíblia Hebraica; Septuaginta;
Escritos; Salmos.

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A terceira parte da Bíblia Hebraica, ou Antigo Testamento, é formada pelos seguintes livros: Salmos,
Jó, Provérbios, Rute, Cântico dos Cânticos (Cantares), Eclesiastes, Lamentações, Ester, Daniel, Esdras,
Neemias, 1 Crônicas e 2 Crônicas. Como se observa, a ordem dos livros do AT, segundo a tradução de
J. F. de Almeida, é diferente, pois segue a sequência estabelecida pela tradução latina, a Vulgata, do
século II da era cristã. A bem da verdade, J. F. de Almeida manteve a ordem da Vulgata, mas retirou
os livros chamados deuterocanônicos (Tobias, Judite, Sabedoria, Eclesiástico, Baruque, 1 Macabeus
e 2 Macabeus). A razão pela qual a Reforma protestante não adotou os cânons da Septuaginta e da
Vulgata está em Martinho Lutero, que propôs uma volta às raízes hebraicas.

I. Introdução ao livro de Salmos


A. O nome do livro, na Bíblia Hebraica, é tehilim, louvores.
Porém, o título, na língua portuguesa, Salmos, vem da
tradução grega, a Septuaginta. No Novo Testamento, o livro
é denominado Livro de Salmos (Lc 24,44; At 1,20).
O nome do livro, na
B. O livro de Salmos encabeça a relação de livros da terceira Bíblia Hebraica, é
parte do cânon hebraico, ketubim, Escritos. A sua posição, na tehilim, louvores.
abertura da coleção dos Escritos, faz deste livro um importante
fator teológico. Esta prioridade não é acidental: (a) o livro de
Salmos é parte integrante do culto; (b) boa parte destes hinos
expressa o lamento do povo de Deus, especialmente após a
destruição de Jerusalém, em 587 a.C.

C. Encontramos, pelos menos, quatro correspondências (duplicatas) dos Salmos: Salmos 18 = 2 Samuel
22; Salmos 14 = Salmos 53; Salmos 70 = Salmos 40,12-16; Salmos 108 = Salmos 57,7-11 e 60,5-12.
D. O livro de Salmos mostra, por meio da fórmula litúrgica ­Bendito seja Iahweh, o Eloim de Israel
– localizada no fim dos Salmos 41, 72, 89 e 106, sinais de uma divisão em cinco partes.
E. O livro de Salmos contém várias coleções, de modo que quatro delas formam conjuntos
identificados pelos cabeçalhos. (a) Para Davi (Sl 3-32; 34-41; 51-65; 68-70; 86; 101; 103; 108-110;
122; 124; 131; 133; 138-145). É importante observar que a Septuaginta adiciona o título para Davi
nos Salmos 33, 67, 91, 93-99, 104 e na composição extra, Salmos 151, mas omite esse título nas
composições 122, 124 e 131. (b) Para Asaf (Sl 50; 73-83); (c) Para os filhos de Coré (Sl 42-49; 84-85;
87-88) e (d) Canção das subidas (Sl 120-134).
F. As composições compreendidas entre os Salmos 1 e 72, basicamente, estão voltadas para
os problemas da sociedade. Todavia, a partir do Salmo 105, o livro apresenta muitas composições
que iniciam com o termo aleluia. Isso leva a crer que a ordem dos Salmos não é acidental. O editor
desse livro quis destacar que a prática de fé não se resume exclusivamente na preocupação com
os problemas sociais, ou unicamente com o culto de louvor. A intenção é afirmar que a prática das
obras e o exercício da piedade devem andar juntos na vida de todo crente javista.
G. A maior concentração do campo semântico de justiça encontra-se no livro de Salmos. Isto revela
que o culto, em Israel, estava muito preocupado com a justiça em toda comunidade.

II. Exercício exegético: Salmos 52


Primeiro passo
Primeiro passo: ler Salmos 52 tantas vezes quanto for necessário para a sua compreensão.

Segundo passo
Segundo passo: fazer a estrutura literária do salmo.

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Universidade Metodista de São Paulo
I. Cabeçalho v. 1-2
II. Peça de acusação contra os malvados v. 3-6
III. Anúncio da sentença v. 7-9
A. Maldição v. 7
B. Alegria para os justos v. 8a.
C. Sentença final v. 8b-9
IV. Expressão de fé v. 10-11
A. Afirmação de fé, confiança v. 10
B. Voto v. 11

Terceiro passo
Terceiro passo: explicação da estrutura literária do texto.

Este salmo mostra o julgamento de uma pessoa malvada. O ambiente é o culto, apesar da linguagem
do tribunal, em que, inicialmente é ouvida a peça de acusação (v. 3-7). A seguir, é pronunciada a
sentença constituída de dois itens para o réu e um para as pessoas justas da comunidade (v. 7-9).
Por fim, o salmista expressa sua fé no Deus justo que age em defesa do bem-estar da comunidade
(v. 10-11).
Quarto passo
Quarto passo: a data deste salmo.
É difícil chegar à conclusão sobre a data de um texto
bíblico, especialmente como o Salmo 52. O cabeçalho
(v. 1-2) deve ser tomado como uma informação à
parte da composição do salmo (v. 3-11). A linguagem
empregada sugere que o autor frequentava o Templo __________________________________
de Jerusalém (v. 10). Esta afirmação entra em choque
com o período do rei Davi. Assim, a composição (v. 3-11) __________________________________
não oferece claros indícios sobre uma data. Entretanto,
é possível perceber que Israel estava organizado em __________________________________
sociedade e estabelecido em Canaã. __________________________________
Quinto passo __________________________________
Quinto passo: comentário.
__________________________________
O comentário é a parte mais importante de uma
exegese. Como o salmo é uma perícope, isto é, tem um __________________________________
assunto e o comunica por meio de uma sequência de
idéias conectadas, é recomendável que o comentário ___________________________________
exegético seja feito a partir da estrutura literária. __________________________________

___________________________________

__________________________________
O comentário é a parte
____________________________
mais importante de
uma exegese. _____________________________

_____________________________

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1. O cabeçalho apresenta várias informações (v. 1-2). O verso 1 registra três indicações: (a)
A expressão, Para o dirigente (ocorre 55 vezes nos cabeçalhos de Salmos); deseja orientar os
celebrantes a respeito da execução da música deste salmo. (b) A palavra hebraica maskil é um dos
termos indecifráveis do AT. Por sua raiz verbal, provavelmente, maskil significa “canção artística ou
didática”. (c) A expressão hebraica ledawid deveria ser traduzida para Davi. Esta anotação, para Davi,
provavelmente não tenha o sentido de indicar autoria do salmo, mas mostrar que a composição
pertence à coleção dedicada a Davi. (d) A grande maioria desses cabeçalhos diz respeito às orientações
musicais. O verso 2, “Quando entrou Doeg, o edomita, e comunicou a Saul e lhe disse: entrou Davi na
casa de Aquimelek”, refere-se a 1 Samuel 21,8 e 22,9-19. O malvado, referido no verso 3, pode ser
comparado com o traidor da história. A intenção da anotação (v. 2) seria comparar Salmos 52 com
Davi. A referência do verso 8, à “casa de Deus”, isto é,
o Templo, dificulta pensar que tenha sido Davi o autor
deste salmo.
A palavra hebraica
2. Os versos 3-6 apresentam uma peça de acusação maskil é um dos
contra os malvados valentes. termos indecifráveis do
Estes versos são esclarecedores para a compreensão AT. Por sua raiz verbal,
de Salmos 52. Há um conflito na comunidade: o provavelmente, maskil
salmista vive entre justos e malvados. Como um significa “canção
profeta, ele denuncia as agressões contra a comunidade artística ou didática”.
empreendidas pelo malvado valente (v. 3a). Ele também
desafia e instrui as pessoas fiéis à prática da fé.
Primeiramente, o salmista faz a denúncia contra o valente: (a) ele planeja a destruição (v. 4a); (b)
ele gosta daquilo que é de má qualidade (v. 5a); e (c) ele ama as palavras de confusão (v. 6a). Assim,
a queixa-crime contra o valente (v. 3a) tem base nesses três verbos. O salmista denuncia-o como uma
“pessoa do mal” que se gloria na maldade contra o bem-estar da comunidade. A frase a bondade de
El (é) todo dia (v. 3b) deve ser lida paralela à afirmação de que a mentira está ocupando o lugar da
justiça (v. 5b). Da mesma forma, a frase tua língua (é) como navalha afiada... (v. 4b) deve ser analisada
paralelamente à expressão ó língua falsa! (v. 6b).
A gravidade da ação do valente está nos complementos verbais: maldade, ruínas, mal e palavras
de confusão. Assim, a denúncia contra o valente e seus companheiros é grave, se se considerar os
adjetivos maldade (v. 3a), destruição, ruínas (v. 4a), má qualidade, “baixo nível” (v. 5a), mentira (v. 5b)
e confusão (v. 6a). Trata-se de um elemento que traz o mal para dentro da comunidade. Para manter
seu poder ativo na comunidade, o valente não tem problema de consciência em fraudar e burlar os
regulamentos estabelecidos pela sociedade (v. 4c).
3. O anúncio da sentença contra o valente (v. 7-9) compreende a maldição (v. 7) e a sentença final
(v. 8b-9). Os justos estão isentos (v. 8a). O valente é sutil em sua ação criminosa, e não deixa provas
para incriminá-lo. Nesses casos, o pronunciamento de maldição (v. 7) é a medida jurídica correta,
conforme Dt 27.11-26. Para o salmista, a eliminação do valente era uma decisão necessária para
o bem-estar da comunidade. A reação dos justos é de alegria, porque Deus favorece os pobres e
oprimidos (v. 8-9).
4. Por fim, o salmista expressa sua fé (v. 10-11). Após denunciar a inutilidade do poder político e
da força da riqueza para construir o bem-estar de uma comunidade, o salmista propõe o caminho
inverso ao maldoso valentão: Eu confio na bondade de Eloim, para sempre e sempre (v. 10). É a sua
declaração de fé que passa como um testemunho para as gerações. Mas o salmista vai mais além.
Ele promete continuar expressar em ações a sua fé: Eu te louvarei para sempre... (v. 11).

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Universidade Metodista de São Paulo
Referências
BORTOLINI, José. Salmo 52 (51). In: . Conhecer e rezar os Salmos. São Paulo: Paulus, 2000.
p. 218-221,
WEISER, Artur. O fim do homem violento. In: . Os Salmos. São Paulo: Paulus, 1994.

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Universidade
Universidade Metodista
Metodista de
de São
São Paulo
Paulo
Formação cidadã

Módulo

Aspectos da moral
existencialista

Prof. Wesley Adriano Martins Dourado

Objetivos:
Apresentar alguns aspectos da
moral desde o existencialismo,
à procura de outros elementos
que colaborem com a
construção de outras morais.

Palavras-chaves:
Moral existencialista; quietismo;
valor-ação.

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1. Ponto de partida
Na obra O existencialismo é um humanismo, Sartre responde àqueles que viam no existencialismo
um quietismo, uma certa impossibilidade de ação ou uma ação gratuita, regida pelo apetite
(Sartre, 1973, p. 9).
Em sua resposta, Sartre fala da subjetividade e de sua indissociável ligação com o meio, com
o mundo; da liberdade de ser, do projeto, da escolha, da responsabilidade por si e por toda a
humanidade, da angústia, do desamparo, da situação histórica e da inventividade.1
Esta resposta do filósofo aponta a dimensão valorativa do existir e o caráter inventivo das ações
humanas. Assim, por trás das afirmações de Sartre há uma concepção moral que pretendo ressaltar.
Banco de imagens
O ser humano é livre, posto que não há uma
essência que o determine a ser de certa maneira.
O ser humano escolhe um modo de ser; projeta-se
numa direção sem jamais escapar do mundo no
qual está. Esse modo de ser o torna responsável por
si e por toda a humanidade, pois é a expressão de
um querer de que todos vivam desta maneira.

2. Aspectos da moral existencialista


Aqui temos alguns aspectos da moral existencialista.
O modo como os homens e mulheres vivem não é
uma determinação divina ou uma imposição da
natureza. O comportamento do ser humano é
resultado de sua escolha e da adesão dos outros
homens e mulheres a um determinado projeto. Neste
sentido é que a responsabilidade se desenha, posto
que o ser humano se compromete a agir segundo
seu projeto que nunca diz respeito apenas a si O ser humano escolhe um modo de ser; projeta-se
mesmo. A moral é um compromisso com certo numa direção sem jamais escapar do mundo no qual
modo de existir. está. Esse modo de ser que o torna responsável por si
Isto indica que a moral é, também, resultado e por toda a humanidade, pois é a expressão de um
da liberdade humana, uma vez que, não tendo querer de que todos vivam desta maneira.
um Deus que nos imponha valores ou legitime
comportamentos (SARTRE, 1973, p. 15), somos nós que, no exercício da nossa liberdade de ser, construímos
os valores e certo modo de nos comportar. A moral, portanto, é também inventividade. Diz Sartre que
o ser humano “está condenado a cada instante a inventar o homem” (p. 16). No que tange à moral, isto
significa dizer que o comportamento humano, os valores que assume livremente para si são expressão
da criatividade. Na medida em o que ser humano refaz seu projeto, ou melhor, cria ou escolhe novo
projeto ele inevitavelmente altera seus valores, a sua moral.
O valor, dirá Sartre, é vago, demasiado vago. “Nenhuma moral geral pode indicar-vos o que há a
fazer [...]” (p. 17). Eis aqui a reafirmação da dimensão inventiva do valor, do comportamento, uma vez
que o filósofo nega a existência de um valor prévio de onde derivariam todos os valores humanos. Os
valores humanos residem na ação, em sua dimensão existencial. Não há, portanto, um valor absoluto,
metafísico, mas um modo de agir resultado da subjetividade humana no mundo. O significado do valor
não está nele mesmo, na elaboração conceitual do valor, mas na ação humana no mundo e diante do
outro. A moral é uma “[...] escolha sem se referir a valores preestabelecidos [...]” (p. 24). “Não podemos
decidir a priori sobre o que há de fazer” (p. 24). A norma, a lei, o valor é construído ao mesmo que o ser
humano se inventa, se faz.

1
Ver os textos “Responsabilidade, escolha e angústia: sobre a crítica” e “Liberdade, inventividade e situação histórica:
sobre a criatividade” neste mesmo caderno de estudos.

38
Universidade Metodista de São Paulo
“O homem faz-se; não está realizado logo de início, faz-se escolhendo a sua moral, e a pressão
das circunstâncias é tal que não pode deixar de escolher uma. Não definimos o homem senão em
relação a um compromisso” (p. 24).
Enquanto o ser humano se inventa, cria, também, os seus valores. E nisto consiste a moral existencialista:
criação humana de leis, de valores resultantes do processo permanente de escolher ser.2
Banco de imagens
Embora Sartre afirme que “[...] os princípios
demasiados abstratos falham [...]” (p. 26) na
definição da ação e que o conteúdo moral é
variável porque fruto da liberdade humana, da
contingência do seu existir, defende que, [...]
uma certa forma desta moral é universal.” (p.
26) A escolha, a invenção humana dos valores
certamente é esta dimensão universal
da moral, não seu conteúdo. Diz Sartre
que “o conteúdo é sempre concreto e por
conseguinte imprevisível; há sempre invenção.
A única coisa que conta é saber se a invenção
que se faz, se faz em nome da liberdade” (p.
26).
Eis aqui o critério de julgamento da Enquanto o ser humano se
moral: a liberdade. Ela será resultado da inventa, cria, também,
livre criação humana ou da livre adesão, os seus valores.
da livre escolha a certo comportamento, a
um conjunto de valores referentes a certo
projeto de ser humano.
Por fim, dirá o filósofo:
“[...] dizer que inventamos os valores não significa senão
isto: a vida não tem sentido a priori. Antes de viverdes,
a vida não é nada; mas de vós depende dar-lhe um
_________________________________
sentido, e o valor não é outra coisa senão esse sentido
que escolherdes” (p. 27). _________________________________
Não há qualquer sentido na moral que seja dado fora das
relações vivenciais. Toda moral que perde esta dimensão, _________________________________
que se distancia das relações existenciais, torna-se abstração
incapaz de compreender as ações e escolhas humanas. _________________________________

_________________________________
3. Olhando pra nós... __________________________________
Se aceitarmos, ainda que um por um instante, as teses
do existencialismo no que tange à moral, ao valor, nos __________________________________
acertaremos com a nossa má-fé, posto que, frequentemente
estamos “culpando” a economia de mercado pelas mudanças __________________________________
em nossos valores e comportamentos ou dizendo que o
_________________________________
sagrado nos constrange a viver de certa forma. Precisaremos
sair da safadeza, como diz Sartre, e assumir que criamos e/ _____________________________ ______
ou escolhemos a nossa moral, os nossos valores.
___________________________________

2
Que não se veja aqui a ideia de progresso. Para Sartre, em cada situação o ser
___________________________________
humano escolhe ser. Não se trata de um desenvolvimento como se o humano
caminhasse para um fim absoluto, como se houvesse um lugar aonde chegar. ___________________________________
“[...] o homem é sempre o mesmo em face duma situação que varia e a escolha
é sempre uma escolha numa situação” (Sartre, 1973, p. 25), ___________________________________

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Em outra direção, precisamos assumir a dimensão inventiva da existência humana e construir novos
modos de ser, novas morais, novos valores que resultem de um projeto de ser no qual os homens
e mulheres vivam em dignidade. Projeto que não é um presente, nem mesmo expressão da minha
subjetividade responsável que se sabe comprometida com todos os humanos, mas projeto criação
dos corpos para os corpos.
Alguns corpos têm inventado e reinventado projetos de ser que garantem sua existência confortável
em cima da miséria de muitos homens e mulheres. Estratégias hipócritas a todo instante tentam
convencer de que podemos sair desta condição de indignidade. Distração: enquanto gastamos nossa
existência aceitando o projeto do capital, crendo que um dia estaremos lá nos lugares confortáveis
da vida, os poucos corpos enriquecidos gozam daquilo que só está, de fato, disponível a eles.
Para além de denunciar tal situação, cabe-nos assumir que é de nossa responsabilidade a construção
de novas morais, que sempre serão construídas nas contingências do nosso existir. Morais que
poderão morrer, perder a força, mas que não podem deixar de ser a manifestação do ser humano
de livremente escolher, na companhia dos outros corpos – e não apenas na presença simbólica que
me faz responsável por todos os homens – e criar novos valores.

Referências
SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Victor Civita, 1973.
REALI, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia. São Paulo: Paulus, 1991. v. III.

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Universidade Metodista de São Paulo
Formação cidadã

Módulo

Ética e moral:
sobre a contestação
e o serviço

Prof. Wesley Adriano Martins Dourado

Objetivos:
Distinguir os termos ética
e moral, retirando-os da
circularidade conceitual que
oculta sua dimensão criativa,
contestatória e “litúrgica”.

Palavras-chave:
Distinção ética; moral ­ética;
contestação; criatividade;
serviço.

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1. Sobre a distinção
Não é incomum encontrar nos discursos um uso complementar dos termos ética e moral. É como se
eles se rematassem. A moral é anunciada como o comportamento humano ou o conjunto de normas
e valores que regem o comportamento humano e a ética, como a reflexão sobre este agir. Há, neste
modo de dizer, uma anterioridade da moral. É sobre o modo como homens e mulheres agem que
se debruçaria a tarefa da ética: refletir sobre a moral1. E a finalidade dela consistiria em descobrir os
fundamentos da moral sem pretender interferir no comportamento humano2. Banco de imagens

Embora não estejamos diante de uma incorreção


conceitual, compreender assim os termos faz da
reflexão um exercício de contemplação que, mesmo
diante das situações mais dramáticas da existência
humana, se restringiria a descobrir-lhes o elemento
constitutivo. Pergunto se é aceitável que a nossa
reflexão ética se limite à procura do fundamento da
moral diante da prostituição e do trabalho infantis,
da violência contra a mulher, da precariedade do
serviço público de saúde, da ineficiência do sistema
prisional, da condição de vida em favelas e palafitas,
para mencionar apenas algumas situações.
Para escapar disto, um exame rápido da etimologia
da palavra “ética” será suficiente. A palavra tem duas
formas de serem escritas em grego. “O éthos (com
epsílon inicial) refere-se ao comportamento que
resulta de uma repetição constante dos mesmos atos”
(Almeida, 2002 p. 17). Isto gera o hábito, ou seja “[...]
uma disposição permanente de agir de uma certa
maneira [...]” (Ibid., p. 17) que assume uma aparência
de algo próprio da nossa natureza. É deste modo de A moral é anunciada como o comportamento
escrever ética em grego que surge o significado da humano ou o conjunto de normas e valores que
palavra moral como costume. O repetir constante dos regem o comportamento humano e a ética como a
reflexão sobre este agir.
mesmos atos os torna habituais, costumeiros.
“O êthos (com inicial eta) designa, por sua vez, a morada, a casa do homem; há um sentido de lugar, de
estada permanente e habitual, de um abrigo protetor” (Ibid., p. 17). Dito de outra maneira: “[...] o espaço
do mundo torna-se habitável para o homem” (Ibid., p. 17). A ética, portanto, designaria um espaço de
inventividade humana, uma vez que ela representa o esforço do homem e da mulher de organizar a vida,
de arrumar o mundo para que lhe seja familiar; ética como construção de certo modo de viver, como
construção da casa. Tal compreensão do termo indica que é dentro de certa forma de morar, de organizar
a casa que moral, costume e hábito se desenham, o que implica dizer que a ética, dessa perspectiva, é
anterior à moral. A moral expressaria certo modo de viver no mundo e com o outro.

1
“A ética não cria a moral. Conquanto seja certo que toda moral supõe determinados princípios, normas ou regras de
comportamento, não é a ética que os estabelece numa determinada comunidade. A ética depara com uma experiência
histórico-social no terreno da moral, ou seja, com uma série de práticas morais já em vigor e, partindo delas, procura determinar
a essência da moral, sua origem, as condições objetivas e subjetivas do ato moral, as fontes da avaliação moral, a natureza e a
função dos juízos morais, os critérios de justificação destes juízos e o princípio que rege a mudança e a sucessão de diferentes
sistemas morais” (Vásquez, 1989 p. 12).
2
Procurando estabelecer o objeto da ética, Vásquez defende que a ética não pode ser uma disciplina normativa ou pragmática
(Vásquez, 1989 p. 11). Leio, no que segue, que a tarefa da ética é a construção de uma reflexão universal e que sua tarefa consiste
em identificar os fundamentos da ação moral sem nela interferir. Diz Vásquez que “a ética é teoria, investigação ou explicação de
um tipo de experiência humana ou forma de comportamento dos homens, ou da moral, considerado porém na sua totalidade,
diversidade e variedade. O que nela se afirme sobre natureza ou fundamento das normas morais deve valer para a moral da
sociedade grega, ou para a moral que vigora de fato numa comunidade humana moderna. [...] O valor da ética como teoria está
naquilo que explica, e não no fato de prescrever ou recomendar com vistas à ação em situações concretas” (Ibid., p. 11). O autor até
admite que a ética pode interferir na moral, mas esta não é sua tarefa: “[...] sua missão é explicar a moral efetiva [...]” (Ibid., p. 14).

42
Universidade Metodista de São Paulo
Assim posto, temos que falar de ética e moral sempre no plural e sempre de modo provisório. São
muitas as formas de morar (éticas) e muitas as regras, costumes (morais). Entre essa multiplicidade,
certo “êthos” e “éthos” prevalecem sobre os outros, valendo-se de estratégias educacionais, da tradição,
da violência etc. para tanto (Ibid., p. 18). Além disto, na medida em que encontramos outras formas
de “ajeitar a casa”, abre-se a possibilidade de construção de outros costumes, de outras normas.
Está posta a distinção dos termos. E apresentados assim, ressalta-se uma relação de conflito entre
ética e moral na medida em que esta não expresse ou garanta o jeito como arrumamos a casa ou,
ao menos, desejamos que ela seja organizada.
Desse modo, a ética (êthos) é um lugar de, permanentemente, lembrar à moral de sua tarefa de estar
a serviço dos corpos, mas, também, um lugar de construir novas éticas, outros modos de organizar a vida,
onde a dignidade se alastre, a justiça seja parceira no cotidiano da vida de todos os homens e mulheres.

2. Sobre a contestação
Nos termos da distinção que apresentei, pode-se dizer
que a ética é o lugar da contestação; o espaço em que
valores e práticas são questionados, não pelo simples
A ética é o lugar
capricho de identificar sua estrutura e origem, mas para
da contestação;
evidenciar seu distanciamento da forma como homens
o espaço em que
e mulheres, neste momento histórico, organizam ou
valores e práticas são
pretendem organizar a casa. É contestação que aponta
questionados.
a relação da moral com os projetos éticos de alguns, que
se preocupam apenas com a reprodução das condições
que favorecem a manutenção de seu status. Contestação
que reconhece a precariedade da forma de habitar de
ontem para responder às demandas de hoje e que
aceita o desafio de construir outros modos de ser,
mesmo se aventurando por trilhas desconhecidas. _________________________________________

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3. Sobre o serviço
A esta altura somos desafiados a optar ou
_________________________________________
assumir que a tarefa da ética é refletir sobre a _________________________________________
conduta humana para descobrir-lhe o fundamento,
ou entendê-la como um espaço permanente de _________________________________________
construção da nossa forma de viver.
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Um dos desafios da ética é alterar algumas formas de habitar _________________________________________
e morais que geram pobreza, discriminação, distanciamento,
esquecimento do compromisso que temos com o mundo
_________________________________________
e com o outro.

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Aceitar o desafio de seguir pela segunda possibilidade de compreensão da ética implicará que
nossa reflexão, que nosso conhecimento, que nossa inteligência não estarão apenas a serviço de
nosso próprio “êthos”. Ela terá, como desafio, que manter sempre aberto o diálogo com outras
formas de habitar e buscar ferramentas que permitam alterar algumas formas de habitar e morais
que geram pobreza, discriminação, distanciamento, esquecimento do compromisso que temos com
o mundo e com o outro.
É ética, portanto, como serviço; como compreensão de que a nossa forma de habitar não será um
fim em si mesma e nem terá como alvo maior a reprodução do dinheiro, a obtenção de status dentro
da sociedade capitalista e do conhecimento, mas, sobretudo, um exercício de existir com e para os
corpos à procura de um jeito de habitar no qual prevaleça a dignidade para o homem e para a mulher.
4. Ética, moral e cristianismo Banco de imagens

Todavia, diz Marilena Chauí, o cristianismo


“[...] desloca a liberdade para o interior de
cada humano, articula liberdade e vontade, e
apresenta esta última como essencialmente
dividida entre o bem e o mal” (2003, p.
349). A liberdade se transforma num dilema
interno do ser humano de ter que decidir
entre o querer bem e o querer mal (2003,
p. 349). Com isto, “o cristianismo despolitiza
a liberdade e, ao interiorizá-la, moraliza-a”
(2003, p. 349).

Na antiguidade, a compreensão de liberdade estava diretamente ligada à vida na pólis: só nela


“[...] alguém poderia ser livre e a liberdade era a definição mesma da cidadania” (Chauí, 2003, p. 349).
Outro aspecto é que o cristianismo, com a introdução do sentimento de culpa originária,
requer que a ética seja mais que um controle racional da vontade, mas uma submissão da vontade
humana à vontade divina (CHAUÍ, 2003, p. 349). Dito
de outra maneira: o comportamento moral dos seres
humanos segue ou inspira-se numa norma eterna, numa
transcendência e não mais na felicidade social, política e O cristianismo, com a
terrena (p. 349). introdução do sentimento
Por consequência, a ética perde sua dimensão de de culpa originária,
autonomia, de constituição por si e para si de uma norma requer que a ética seja
de ação. A ética se transforma em dever e “[...] a liberdade mais que um controle
se reduz ao arbítrio, à escolha entre fins já estabelecidos, racional da vontade,
segundo critérios que só a Deus pertencem” (p. 349). A mas uma submissão
questão que se põe é como exercer o arbítrio num mundo da vontade humana à
em que as ações já estão dadas ou limitadas pela vontade vontade divina.
divina, que tudo sabe e sobre tudo tem domínio (p. 349). (CHAUÍ, p. 349).
Neste sentido, falar de uma ética cristã só seria possível
no sentido de contemplação da prática moral daquele que

3
Alguns trechos do texto “Oração aos moços” de Rui Barbosa ilustrarão a necessidade ética da contestação. Diz: “O
Padre Manuel Bernardes pregava, numa das suas Silvas: Bem pode haver ira, sem haver pecado: [...] E às vezes poderá
haver pecado, se não houver ira: porquanto a paciência e o silêncio fomentam a negligência dos maus, e tentam a
perseverança dos bons. [...] Nem o irar-se nestes termos é contra a mansidão: porque esta virtude compreende dois
atos: um é reprimir a ira, quando é desordenada: outro excitá-la, quando convém. A ira se compara ao cão, que ao
ladrão ladra, ao senhor festeja, ao hóspede nem festeja nem ladra: e sempre faz o seu ofício. E assim quem se agasta
nas ocasiões, e contra as pessoas, que convém agastar-se, bem pode, com tudo isso, ser verdadeiramente manso”
(Barbosa, disponível em < http://cultvox.uol.com.br/gratis_filosofia_politica.asp >, último acesso: março de 2007).

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Formação cidadã

Módulo

Cidadania:
considerações
introdutórias

Prof. Oswaldo de Oliveira Santos Jr.

Objetivos:
Desenvolver um estudo
introdutório sobre o conceito
de cidadania e a reflexão sobre
a práxis cotidiana.

Palavras-chave:
Cidadania; capitalismo;
direitos civis, políticos e sociais.

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Introdução
Cidadania é um conceito complexo e repleto de significados. Em torno dessa discussão há muitas
contradições e ambiguidades. Em termos gerais, cidadania é o direito que todo indivíduo possui de
viver com dignidade e liberdade. Este viver digno e livre não significa o mesmo em todos os lugares
e para todos, disto resultam os sentidos e as intenções diferentes, quando se trata do tema cidadania,
que nem sempre traduz os interesses e as aspirações, por exemplo, da classe trabalhadora.
A noção de cidadania, de indivíduo livre e

Banco de imagens
detentor de direitos civis, políticos e sociais, é
decorrente do processo de desenvolvimento
do capitalismo, cujo fundamento das relações
sociais se dá por meio do livre mercado e da
concorrência. Dois filmes contribuem para
a compreensão dessa questão, ao mesmo
tempo em que permitem uma reflexão sobre
estas relações sociais: A nós a liberdade
(1931), de René Clair, e Tempos Modernos
(1936), de Charles Chaplin.
Em termos gerais, cidadania é o direito que todo indivíduo
possui de viver com dignidade e liberdade.
Visão marshalliana de cidadania
Uma das principais referências teóricas sobre o tema encontra-se em um ensaio de 1949 de T.H.
Marshall: Cidadania, classe social e status, no qual a cidadania é compreendida como evolução dos
direitos civis, políticos e sociais.
Marshall proporá uma classificação do modo como a cidadania se concretizou historicamente, com a
participação dos indivíduos na comunidade política, em três níveis de direitos, correspondendo às fases
do capitalismo (COVRE, 1995, p. 76, ):

Direitos civis
a. Direitos civis (mercantilismo – séc. XVIII): aqueles que se realizam com a liberdade
individual (direito de locomoção, de pensar, de propriedade, de justiça);

Direitos políticos
b. Direitos políticos (liberalismo – séc. XIX): garantem ao cidadão o direito à participação
na atividade política (votar e ser votado);

Direitos sociais
c. Direitos sociais (fase monopolista – séc. XX): garantia mínima de bem-estar e à vida
(alimentação, habitação e saúde). A concepção mais atual de cidadania tem se alicerçado
justamente sobre estes direitos, administrados pelos detentores do capital, mantendo a classe
trabalhadora como receptora alienada destes direitos então administrados pelo Estado (COVRE,
1995, p. 14).

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Universidade Metodista de São Paulo
Para que estes direitos sejam sustentados, é necessário que exista um aparato institucional para
garantir sua efetivação:

a. Tribunais: com todo seu aparato técnico e jurídico


(advogados, juízes, promotores), como garantia dos
Tribunais,
direitos civis;
b. Legislativo: como espaço de debate e decisão
política, garantindo assim os direitos políticos;
Legislativo e

c. Serviço de assistência social e educacional: Serviço de assistência


garantindo assim os direitos sociais.
social e educacional
Marshall compreende a cidadania como “participação integral do indivíduo na comunidade
política”, contudo essa é uma visão evolutiva e linear do processo de desenvolvimento da cidadania,
conquistando primeiramente os direitos civis e gradativamente os direitos políticos e social (SAES,
2003, p. 5-38).
Os críticos de T.H. Marshall apontam para o fato de ele ter deixado para um segundo plano o papel
da lutas populares, ignorando assim a força coletiva da classe trabalhadora no processo de formação
e conquista da cidadania ou ainda a falta de um aporte teórico capaz de analisar os processos sociais
e as relações entre a classe trabalhadora, a classe dominante e o Estado (SAES, 2003, p. 7-12).

Cidadania privada no Brasil


No Brasil sempre existiram grupos representantes dos interesses econômicos subordinados ao
grande capital internacional. A relação entre a sociedade civil e o Estado quase sempre foi marcada
por períodos de regimes ditatoriais, em grande parte sob influência estrangeira. Diante
desse quadro, a questão da cidadania terá uma feição particular, porque nos períodos
de transição para a democracia o problema se
concentrará também na regulamentação das
regras de civilidade e cidadania no interior de _____________________________
uma sociedade travestida de poderes arbitrários
e autoritários (DAGNINO, 1994, p. 55). ______________________________________
Ao analisar a questão da cidadania no Brasil, Lúcio
______________________________________
Kowarick afirma que: [...] em virtude da condição
generalizada de subcidadania, a autoconstrução de ______________________________________
uma percepção de moralidade e dignidade tende
a se solidificar nos valores e símbolos edificados ______________________________________
em torno de projetos individuais: é o primado do
______________________________________
cidadão privado (KOWARICK, 1995, p. 114).
______________________________________

A relação entre a sociedade ______________________________________


civil e o Estado quase sempre _________________________________ ____
foi marcada por períodos
de regimes ditatoriais, em _____________________________________
grande parte sob influência
estrangeira. _________________________________________

_________________________________________

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O conceito de cidadania privada, em que a pessoa Banco de imagens
constrói sua cidadania a partir de ações individuais e
com toda a precariedade, ou seja, “aquele que com
seu próprio esforço e perseverança venceu”. Com o
crescimento urbano e as relações de produção que não
privilegiam as ações coletivas, e não proporcionam meios
eficientes para o acesso dos indivíduos aos bens públicos,
dá-se a vida na cidade, impondo uma vivência precária
da cidadania. A lógica liberal individualiza a cidadania
para subtrair a força das ações coletivas, em especial
as que tenham um caráter de transformações radicais.
Cria-se, assim, o “cidadão privado”: uma contradição,
pois os termos dizem respeitos a formas incompatíveis
entre si, já que cidadania pressupõe algo construído
coletivamente na história, enquanto o privado indica
algo restrito, quando não individualizado (KOWARICK,
1995, p. 110-112).
Esta individualização da ideia de cidadania confunde
a noção de pertença a uma classe social como força
política capaz de engendrar mudanças no interior das
sociedades, fortalecendo a ideia de que é possível “vencer A lógica liberal individualiza a cidadania para
subtrair a força das ações coletivas, em especial
sozinho”. as que tenham um caráter de transformações
radicais. Cria-se, assim, o “cidadão privado”

Cidadania e processos históricos


A questão da cidadania passa necessariamente pela análise dos processos históricos das lutas
populares que culminaram no alargamento dos direitos dos indivíduos e na ampliação da consciência
do direito a ter direito. Foi assim nas lutas que levaram até a Constituição de 1988, a constituição
cidadã, e que fundamentou o princípio de participação da sociedade civil. Este processo é resultado
da luta contra o regime militar levada adiante por setores da sociedade civil, destacando-se os
movimentos sociais (DAGNINO, 2004, p. 97)
Compreendendo a cidadania como processo resultante das lutas populares, J. Quartim de Moraes,
afirma que:

A cidadania democrática só cria raízes num povo ao longo da experiência coletiva;


a aprendizagem do exercício da cidadania é lenta e muitas vezes turbulenta.
Mas insubstituível, tanto no que se refere ao voto quanto a formas superiores
da participação democrática, como o autogoverno local e as múltiplas formas
de auto-gestão social. Nisso parece-nos consistir sua força enquanto valor ético-
político: a democracia é uma forma que, embora suscetível de ser preenchida
de múltiplos conteúdos, é a mais apropriada para exprimir o interesse coletivo,
tal como o entende a coletividade (MORAES, 1989, p. 35).

O processo de ampliação da consciência cidadã (práxis cidadã) decorre das atividades e reflexões
dos sujeitos em sociedade, sendo consequência do exercício cotidiano das práticas democráticas.
Considerando-se que a conquista da cidadania acontece dentro de um processo de lutas, de
avanços e refluxos históricos, é possível constatar a ocorrência de diferentes níveis de cidadania nos
diferentes grupos de países e sociedades, desta maneira, “a situação concreta de cada sociedade
define os patamares e os limites do exercício da cidadania” (MORAES, 1989, p. 28).
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Universidade Metodista de São Paulo
O exercício da cidadania necessita de sujeitos conscientes, capazes de enfrentar as tensões políticas
e sociais encontrando mecanismos democraticamente estabelecidos, que possibilitem o avanço e
a consolidação das conquistas, a partir das lutas sociais. Neste processo, a construção da cidadania
torna-se possível por meio da práxis, capaz de gerar espaços humanizados, em que haja justiça,
liberdade e igualdade, tendo em vista que a transformação social é seu elemento fundamental.

Referências
COVRE, Maria de Lourdes M. O que é cidadania. São Paulo: Brasiliense, 1995. (Coleção Primeiros
Passos).
DAGNINO, Evelina. Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania.
In: DAGNINO, E. (Org.). Anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1994.
________. Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando? In: Daniel Mato
(Coord.). Política de cidadania y sociedad civil em tiempos de globalización. Caracas: FACES,
Universidade Central de Venezuela, 2004.
KOWARICK, Lúcio. Cidade e cidadania: cidadão e subcidadão público. In: SEADE. Brasil em
Artigos. Coleção SEADE bolso. São Paulo: Fundação Seade, 1995.
MARSHALL, T.H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.
MORAES, João Quartim. A democracia: história e destino de uma idéia. São Paulo: Revista da
OAB/Brasiliense, 1989.
SAES, Décio Azevedo. Cidadania e capitalismo: uma abordagem teórica. São Paulo: Instituto
de estudos avançados da USP, 1997. (Coleção documentos).

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Universidade Metodista de São Paulo
Formação cidadã

Módulo

A filosofia da práxis
em Antonio Gramsci
e Casiano Floristán

Prof. Oswaldo de Oliveira Santos Jr.

Objetivos
Desenvolver um estudo
introdutório sobre a filosofia
da práxis, observando a
contribuição deste tema para a
compreensão sobre a questão
da cidadania.

Palavras-chave:
Filosofia da práxis; cidadania e
participação.

www.metodista.br/ead
Introdução
O ideal de cidadania requer sujeitos atentos às transformações sociais, cientes dos processos
históricos, com todo o seu dinamismo, e em condições de avaliar criticamente as diversas alternativas
apresentadas pelas forças que compõem a sociedade, dispostos a participar plenamente da vida
em sociedade. Observa-se que as ações fundamentadas na filosofia da práxis contribuem para este
processo social de formação de cidadãos.

Gramsci e a filosofia da práxis


Gramsci dedica particular atenção à filosofia Gramsci em seu pensamento
da práxis. Em seu pensamento, fica evidente que evidencia que os oprimidos
os oprimidos precisam tomar consciência e, em precisam tomar consciência,
seguida, libertar-se das forças que os oprimem. e em seguida libertar-se das
Para que isso ocorra, é necessária a organização forças que os oprimem.
política do grupo para tornar-se “senhor da própria
história”. Esse processo ocorre pela reflexão e pela
ação permanente. Para Gramsci, a filosofia da práxis é
a expressão consciente das contradições existentes na sociedade (SEMERARO,
2006, p. 9-10).
O nascimento da filosofia da práxis está intimamente ligado à atividade do
intelectual orgânico, sujeito que possui um papel importante na sociedade,
visto que desempenha funções práticas e teóricas essenciais, como a formação
política e cultural e a crítica às estruturas.
A filosofia da práxis nos permite conhecer a dinâmica da sociedade, revelando
as formas de dominação e contradições que se encontram encobertas pelas
ideologias dominantes (hegemonia), que buscam convencer dos seus valores políticos e culturais.
Diante disso, dá-se a relevância dos intelectuais: na formação política e cultural do grupo a que
pertence. Os intelectuais são parte de um organismo vivo e em expansão, estando ao mesmo tempo
conectados ao mundo do trabalho, e próximos ao seu grupo social (SEMERARO, 2006, p. 134-135).
Para Gramsci:
Todo grupo social, ao nascer do terreno originário de uma função essencial
no mundo da produção econômica, cria também, organicamente, uma
ou mais camadas de intelectuais que conferem homogeneidade e
consistência da própria função não apenas do campo econômico, como
também no social e político (1999, p. 15).
Para Gramsci, todos os homens Banco de imagens
são intelectuais, mas nem todos
desempenham essa função na
sociedade. Entretanto, não se pode
falar na existência de não intelectuais,
não existindo para ele atividade
humana “da qual se possa excluir toda
intervenção intelectual, não se pode
separar o Homo sapiens do Homo
faber (1999, p. 15). Dessa maneira,
todo indivíduo exerce uma atividade
intelectual, em algum momento.
Gramsci atribui uma significativa
Para Gramsci, todos os homens são intelectuais, mas nem todos
importância à educação neste processo desempenham essa função na sociedade.

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Universidade Metodista de São Paulo
de formação e emancipação, respeitando o saber popular, sem abandonar a crítica que supere o
senso comum, as crenças e os preconceitos presentes no grupo. A contribuição da filosofia da práxis
na construção da cidadania se expressa em três tarefas principais:

1
aproximação permanente com as classes populares, formando
os intelectuais num processo pedagógico permanente e
contextualizado;

revelação de contradições e ideologias que se apresentam


falsamente;
2
busca da renovação diante dos novos questionamentos da história
(SEMERARO, 2006, p. 12-18).
3
Gramsci enfatiza a necessidade de manter-se em contato com o povo, afirmando que a falta de
contato direto acarreta em sérias dificuldades para o conhecimento real dos indivíduos (GRAMSCI,
1999, p. 211-212). Conforme analisa Semeraro:

Para Gramsci, de fato, o pensamento é parte integrante da realidade e


existe uma ligação inseparável entre o agir e o conhecer. A leitura dos fatos
e a compreensão das coisas não são abstrações aleatórias e assépticas,
mas derivam da trama sociopolítica na qual os indivíduos estão situados
(2006, p. 17).

Em Gramsci, agir e conhecer são ações inseparáveis,


e toda análise dos fatos deve necessariamente ser feita
a partir dos dados concretos. Para tanto, é necessário
elaborar uma teoria do conhecimento como instrumento
de libertação das estruturas que oprimem os seres
humanos. Ele chama a atenção para a figura dos __________________________________
intelectuais orgânicos, destacando como categoria mais
__________________________________
típica destes intelectuais a dos eclesiásticos. O papel
destes intelectuais consiste na organização da classe que __________________________________
representa, ou seja, seu modo de ser não consiste no
discurso, que é motor exterior e passageiro das paixões, __________________________________
mas num engajamento concreto com a sociedade, como
__________________________________
construtor e motivador permanente das transformações
sociais (GRAMSCI, 1999, p. 16-20). __________________________________

__________________________________

Em Gramsci, agir e ___________________________________


conhecer são ações
inseparáveis, e toda __________________________________
análise dos fatos deve ___________________________________
necessariamente ser
feita a partir dos dados __________________________________
concretos.
_______________________________

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A práxis em Casiano Floristán
Casiano Floristán compreende que nem toda atividade ou ação humana é práxis (p. 180, 2002),
assim, os traços característicos da práxis são para ele:

Criadora
• ação criadora: a práxis criadora é inovadora diante
de novas realidades. Para isso é necessário certo grau
de consciência critica;

• ação reflexiva: a superação da espontaneidade exige um


alto grau de reflexão. Toda ação exige a reflexão permanente
e crítica com o objetivo de traçar objetivos claros;
Reflexiva
• ação libertadora: existe práxis na medida em que
existe um projeto de libertação. A transformação das
estruturas sociais é o fim de toda práxis;
Libertadora
• Ação radical e não reformista: a práxis tem como
objetivo a transformação das relações econômicas,
políticas e sociais. Numa sociedade que se divide em
classes, esse processo de transformação radical resulta
Radical
na luta de classes.

A legitimidade da práxis se dá na medida em que valoriza o povo e possibilita a elevação da


consciência crítica e transformadora, fazendo o caminho que separa a consciência comum em direção
à consciência reflexiva.

Fé e práxis
A eucaristia expressa, em certa medida, uma práxis
A relação entre teoria
cristã, por sinalizar e exercer a partilha e a igualdade,
e práxis se estabelece
traços que caracterizam a práxis. Em termos históricos,
mediante uma relação
pode haver algumas características próprias na
entre um modo de
práxis dos cristãos: fraternidade, amor aos inimigos e
pensar e uma ação.
igualdade. Essas ações apontam para a necessidade
de transformações e ampliação da participação cidadã (2002, p. 194).
Floristán analisa as relações entre fé e práxis, compreendendo que o cristianismo é uma comunidade de
narração, detentora de uma práxis profética, sendo a memória cristã repleta de recordações perigosas. Essa
memória da justiça e do direito é criadora de novos sinais na sociedade: o homem novo (2002, p. 174).

Teoria e práxis
A relação entre teoria e práxis se estabelece mediante uma relação entre um modo de pensar e
uma ação. Entre teoria e prática há uma relação dialética e permanentemente dinâmica, por vezes
conflitante que deve buscar a superação pela síntese. Sem dúvida há uma supremacia da práxis sobre
a teoria (Floristán, 2002, p. 176-177).
O homem comum, em geral, se move com esquemas mentais coletivos, que correspondem à
cultura em vigor, que, em geral, é a hegemônica. Assim, este homem vive ideologizado e manipulado.
A consciência geral, em certos estágios e culturas, é fatalista e mágica. O homem prático resiste a
qualquer teoria, sem perceber que se move com algumas teorias alheias a si mesmo e, em geral,
56
Universidade Metodista de São Paulo
ultrapassadas, não admitindo que “o melhor remédio para uma prática ruim é uma boa teoria”
(FLORISTÁN, 2002, p. 179-180).
Floristán compreende a práxis como transformação social e compromisso militante, o que Gramsci
denomina orgânico, com as transformações estruturais e uma atitude crítica. É a renovação do sistema
social e a participação cidadã.
Ao ter a práxis como uma referência na construção da cidadania, o sujeito social tende a superar
as práticas repetitivas e agir de modo a ampliar e fortalecer as lutas pela cidadania.

Referências
FLORISTÁN, Casiano. Teologia de la Praxis: teoria y praxis de la acción pastoral. In: Teología
practica. Salamanca: Sígueme, 2002.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v. 1, 1999.
KONDER, Leandro. O futuro da filosofia da práxis: o pensamento de Marx no século XXI. Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
SEMERARO, Giovanni. Gramsci e os novos embates da filosofia da práxis. São Paulo: Idéias
& Letras, 2006.
VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1968.

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Universidade Metodista de São Paulo
Formação cidadã

Módulo

Responsabilidade, escolha
e angústia: sobre a crítica

Prof. Wesley Adriano Martins Dourado

Objetivos:
Refletir sobre certa compreensão
de filosofia, a existencialista, sem
desfocar o contexto de formação
cidadã; tratar a filosofia com um
espaço de crítica, em particular, ao
conhecimento.

Palavras-chave:
Existencialismo;
responsabilidade; escolha;
angústia e crítica.

www.metodista.br/ead
Introdução
Existem muitos modos de compreender a filosofia e sua tarefa. Seguirei o modo existencialista,
tendo como ponto de partida a obra O existencialismo é um humanismo de Jean-Paul Sartre. Por
entre as idéias deste filósofo caminharei. Todavia, farei o roteiro de nosso passeio. O filósofo não será
nosso guia na caminhada, apenas companhia.
O texto que aponto é uma resposta de Sartre às críticas dirigidas às suas ideias. Responde aos
marxistas e aos cristãos, a fim de esclarecer suas afirmações sobre o existencialismo.
imagem 1

1. Críticas
A primeira diz que o existencialismo é um
quietismo de desespero que desembocaria numa
filosofia contemplativa, dada a impossibilidade da
ação. Outra crítica afirma que o existencialismo de
Sartre não considera a solidariedade humana
quando defende que o homem vive só, a partir
da subjetividade.
A negação dos mandamentos divinos, dos
valores eternos, é outra crítica ao existencialismo,
que aponta que a gratuidade da ação humana
levaria a certo desregramento, “podendo assim
cada qual fazer o que lhe apetecer [...]” (Sartre,
1973, p. 9).

Jean-Paul Sartre (1905 - 1980)


2. Réplica
A resposta de Sartre é longa e toca em diversos aspectos. Aqui tratarei apenas das informações
que ajudem a compreender as críticas e as respostas.
A construção da resposta às críticas começa com a afirmação de que o existencialismo é “[...] uma
doutrina que torna a vida humana possível [...]” (Sartre, 1973, p. 10) e, ainda, “que toda a verdade
e toda a ação implicam um meio e uma subjetividade humana” (p. 10). Elas pretendem evidenciar
o “otimismo” existencialista, no que tange à vida e ao ser humano, contra aqueles que acusavam as
reflexões de Sartre de enfatizar a maldade da vida humana; certa resignação diante dos poderes e
de recusar as tradições e as experiências realizadas (p. 10).
Todavia, diz o filósofo, são os que dizem tais coisas que se apressam a chamá-las de “humanas”, o
que o leva a crer que a crítica ao existencialismo reside no fato de não ver nisto uma determinação,
de não ver na maldade humana, nas tradições, nas experiências um destino dado. Parece sugerir
que o marxismo e o cristianismo promovem certo dogmatismo: o primeiro, o da materialidade, e
o segundo, da vontade divina.
Das formas de existencialismo, o cristão e o ateu, Sartre se anuncia como representante da segunda.
O fundamento desta filosofia é a defesa de que “[...] a existência precede a essência [...]”, ou seja, de que
o ponto de partida é a subjetividade1 humana. O existencialismo ateu não concebe a ideia de que a
essência humana seja um conceito prévio a partir do qual um Deus2 criador produziria o ser humano.

1
No seguimento da reflexão, voltarei a esta questão. Apenas para antecipar algumas informações, a subjetividade
não é uma defesa da racionalidade contra a sensibilidade, do conceito contra a realidade. A tarefa da filosofia
é, justamente, restabelecer a relação da consciência com o mundo, dizer que ela é abertura para o mundo, que
está encarnada na realidade (Reali; Antiseri, 1991, p. 606).
2
Diz Sartre que o ateísmo filosófico do século XVIII suprimiu Deus, mas não a ideia de uma essência prévia à existência,
ou seja, haveria um conceito humano do qual todos os homens e mulheres partilhariam (Sartre, 1973, p. 11).

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Universidade Metodista de São Paulo
Sartre defende que “o homem primeiramente existe, se descobre, surge no mundo; e que só
depois se define” (p. 12). Não há uma essência, um conceito, uma definição do que seja o “humano”
que o constituiria, previamente, como humano. Ele se faz. “O homem é [...] como ele quer que seja
[...]; o homem não é mais que o que ele faz” (p. 12).
E é justamente a isto que o existencialismo ateu
de Sartre chama de subjetividade: este homem
consciente de que se lança para o futuro, de O ser humano, que se
que é o autor do seu projeto de ser, que decide projeta numa certa
conscientemente se fazer de certo modo. direção de existir, que se
Isto indica que a existência é de inteira compromete com o seu
responsabilidade do ser humano. O homem, assim, projeto e, portanto, com a
é posto no domínio daquilo que ele escolheu ser. humanidade toda, não pode
Responsabilidade que não se restringe à sua existência escapar da angustiante
particular, mas que se estende para todos os homens responsabilidade das suas
e mulheres (p. 12). “[...] ao escolher-se a si próprio, ele escolhas diante do outro.
escolhe todos os homens” (p. 12). A escolha por si, As conseqüências de seu
por ser de certo modo, diz Sartre, cria uma imagem projeto para si e para os
de como entendemos que o ser humano deve ser (p. outros seres humanos é
13). E de escolher ser, é algo do que o ser humano não sua responsabilidade e isto
pode escapar. A isto se dá o nome de subjetividade: angustia.
a escolha consciente do ser humano por certo modo
de ser no meio, no mundo.
Por isto diz “que o homem é angústia” (p. 13). O ser
humano, que se projeta em certa direção de existir, que
se compromete com o seu projeto e, portanto, com a
humanidade toda, não pode escapar da angustiante
responsabilidade de suas escolhas diante do outro. As
______________________________________
consequências de seu projeto para si e para os outros
seres humanos é sua responsabilidade e isto angustia. ______________________________________
Não há um ser divino ou uma contingência que seja
responsável pela escolha do ser humano. Àqueles ______________________________________
que justificam suas ações como consequência de
______________________________________
elementos que escapam ao seu querer, à sua escolha,
Sartre acusa de “má-fé”. É mentiroso o que diz que ______________________________________
não escolheu.
A angústia, portanto, não conduziria ao quietismo,
_____________________________________
como acusavam os marxistas, posto que ela só surge ______________________________________

_____________________________________
A afirmação da
_____________________________________
subjetividade não é a
negação do outro e nem _____________________________________
mesmo do mundo. Ela
se constitui como uma ____________________________________
escolha no mundo por
certo projeto que é meu ____________________________________
e que estendo a todos ____________________________________
os outros homens e
mulheres. ___________________________________

___________________________________
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diante da necessidade de decidir, de uma ação. E no exato momento da responsabilidade da decisão,
por mim e por todos os homens e mulheres, que o ser humano se angustia.
A afirmação da subjetividade não é a negação do outro e nem mesmo do mundo. Ela se
constitui como uma escolha no mundo por certo projeto que é meu e que estendo a todos os
outros homens e mulheres. Ao decidir por mim, responsabilizo-me pela humanidade inteira. Assim,
a escolha é solidária.
A ausência de um Deus não implica gratuidade desregrada. Na medida em que sou responsável
pelo outro, minhas escolhas exigirão de mim responsabilidade e compromisso com o projeto de
ser. É este projeto que conduz a minha ação, se não agir com má-fé.

3. Sobre a filosofia como espaço de crítica


Eis aqui um exercício da crítica: olhar atentamente para todos os lados, a fim de compreender as
falas, o não dito, as intenções, os desejos, os conceitos. Crítica que evidencia que falamos sempre
de algum lugar, embora, por vezes, queiramos ocultar a dimensão geográfica do nosso pensar
para afirmá-lo universal.
Marxistas, cristãos e existencialistas dialogam, se acusam a partir do seu modo de compreender
o seu lugar. Uns da materialidade, outros, de um Deus, e outros, da existência.
O que me interessa destacar, em favor do existencialismo, é a responsabilidade do nosso pensar
diante do fato de que ele nunca é expressão apenas da minha existência. A reflexão não pode fingir
que não está ligada à contingência, o que requer permanente pensar, posto que o nosso lugar e/
ou o modo como o percebemos pode se alterar.
A reflexão, portanto, não poderá ser um luxo (p. 9), uma contemplação desinteressada de quem
está satisfeito.
Todavia, para além, ou melhor, apesar do existencialismo3, defendo que a filosofia, enquanto
espaço de exercício da crítica, em particular da crítica ao conhecimento, só interessa se for construída
a partir dos corpos, em especial dos que foram lançados na condição de pobreza ou, para falar
mais uma vez à moda existencialista, dos que vivem as consequência da má-fé de intelectuais,
políticos, homens e mulheres que dizem não serem responsáveis pela desigualdade de dignidade
que marca na carne o nosso mundo e, em particular, o nosso país.
A filosofia cumpre o seu papel não quando “pensa” os corpos, mas quando pensa a partir dos
corpos, com os corpos e para os corpos.

Referências
DOURADO, Wesley Adriano Martins. Fenomenologia e educação: o corpo em poesia. 2003, p.
127. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação e Letras da Universidade
Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo.
SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Victor Civita, 1973.
REALI, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. São Paulo: Paulus, v. III, 1991.

imagem 1

Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/en/5/5e/JeanPaulSar tre.jpg>.


Acesso em: 16 jul 2007.

3
Afinal, diz Sartre, a perspectiva existencialista “[...] é estritamente destinada aos técnicos e aos filósofos”
(Sartre, p. 11, 1973).

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Universidade Metodista de São Paulo
Formação cidadã

Módulo

Liberdade, inventividade e
situação histórica:
sobre a criatividade

Prof. Wesley Adriano Martins Dourado

Objetivos:
Apresentar a filosofia como lugar
da criatividade de pensar o nosso
lugar, as nossas demandas e os
nossos desejos, desde os corpos e
em diálogo com estes, em especial,
com os que estão à margem das
delícias da reflexão, da teoria, da
contemplação.

Palavras-chave:
Existencialismo; liberdade;
inventividade; situação histórica e
criatividade.

www.metodista.br/ead
1. Sobre a liberdade
Para ponderar sobre a criatividade como uma tarefa do procedimento filosófico, acompanharei
as ideias de Sartre na obra O existencialismo é um humanismo.
As afirmações sartrianas, o ser humano é aquilo que faz imagem 2
de si, são um projeto do qual o ser humano é responsável
e que o torna responsável por todos os humanos, que o
põe diante da inevitável escolha, e aponta na direção da
liberdade.
A defesa de que a existência precede a essência
impede a compreensão da natureza humana como dada
e imutável: “[...] não há determinismos, o homem é livre,
o homem é liberdade” (Sartre, 1973, p. 15). À liberdade
o ser humano está condenado. Nem mesmo as paixões,
dirá Sartre, retiram do ser humano a responsabilidade
de que ele decidiu viver a avassaladora experiência das
paixões (p. 15).
O desamparo1, o abandono, a experiência da ausência
de um Deus que conduza a vida humana põem o ser
humano diante de sua liberdade de ser. “O desamparo
implica sermos nós a escolher o nosso ser” (p. 18). A
angústia e o desamparo conduzem ao desespero: tenho
de escolher, assumir as responsabilidades disto e não há
a quem atribuir esta tarefa.
Desespero significa, em Sartre, que “[...] nós nos O desamparo, o abandono,
limitamos a contar com o que depende da nossa vontade, a experiência da ausência de
ou com o conjunto das probabilidades que tornam a um Deus que conduza a vida
nossa ação possível” (p. 18). As possibilidades de ação não humana põem o ser humano
implicam negação da liberdade, posto que caberá ao ser diante de sua liberdade de ser.
humano escolher entre elas ou, até mesmo, não escolher
nenhuma delas.
Isto reafirma a ideia de que o ser humano é o que

projetou ser, e que este projeto não se dá no distanciamento


metafísico do mundo, mas justamente na concretude e nas O ser humano é
possibilidades históricas de existência. o que projetou
ser, e que este
projeto não se dá
2. Sobre a situação histórica no distanciamento
Aqui reaparece a compreensão existencialista de subjetividade metafísico do
que é a afirmação da ligação ao mundo, a afirmação de que a mundo, mas
subjetividade se dá na vinculação à concretude das ações, da justamente na
situação histórica do ser humano. “Pelo penso, contrariamente à concretude e nas
filosofia de Descartes, [...] atingimo-nos a nós próprios em face do possibilidades
outro [...]” (p. 21-22). históricas de
Embora o existencialismo não defenda uma natureza humana existência.
universal, afirma “[...] uma universalidade humana de condição” (p. 22).
Tal condição se dá em situações históricas que se alteram; entretanto,
não são suficientes para mudarem a “condição humana”, qual seja:

1
A angústia está ligada à necessidade de escolher e de assumir a responsabilidade da escolha para si e
para os outros.

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Universidade Metodista de São Paulo
“[...] a necessidade para ele de estar no mundo, de Banco de imagens
lutar, de viver com os outros e de ser mortal” (p. 22).
Dito de outra maneira, situações históricas, limites e
possibilidades que elas apresentam não modificam
a condição humana de construir-se na companhia
dos outros.
“Os limites não são nem subjetivos nem
objetivos; têm, antes, uma face objetiva e uma
face subjetiva. Objetivos porque tais limites se
encontram em todo lado e em todo lado são
reconhecíveis; subjetivos porque são vividos e
nada são se o homem os não viver, quer dizer, se
o homem não se determinar livremente na sua
existência em relação a eles” (p. 22).
Embora as situações históricas sejam dadas
dentro de limites objetivos, elas têm uma dimensão
humana universal, pois são o palco da construção
dos projetos humanos. A condição humana de
escolher sua existência é universal, embora as
situações históricas e os próprios projetos sejam
diversos. Todo projeto pode ser reconhecido
como de humanos livres (p. 22). E nisto reside sua
universalidade. O homem é livre, o homem é liberdade
(Sartre, 1973, p. 15)

3. Sobre a inventividade
As afirmações de Sartre ao redor da liberdade ______________________________________
não se restringem à dimensão da escolha; não se
trata apenas de optar entre possibilidades dadas na ______________________________________
situação histórica. A liberdade ressalta a dimensão
inventiva do ser humano. Do mesmo modo que
______________________________________
ele não pode escapar de ser livre, “está condenado ______________________________________
a cada instante a inventar o homem” (p. 16).
O ser humano constrói seu projeto de ser, inventa ______________________________________
sua existência para a qual espera contar com a _____________________________________
adesão concreta dos outros humanos.
______________________________________

4. Sobre a filosofia como espaço de _____________________________________


criatividade
_____________________________________
A partir das ideias de Sartre, é possível defender
que as ações humanas, sua subjetividade, devem ser _____________________________________
entendidas na relação com o outro e o mundo.
____________________________________
A proposição da filosofia como espaço de
criatividade, à luz do existencialismo, nos convida ____________________________________
a entendê-la para além da capacidade de aplicar
os conceitos às novas situações, de refiná-los ou ____________________________________
destruí-los. O desafio que põe é construir nossa
___________________________________
própria fala sobre o mundo, sobre o outro e com
o outro. ___________________________________
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Esta dimensão histórica da subjetividade humana nos desafia a entender que o pensar é sempre
expressão da existência, do projeto. É má-fé não reconhecê-lo.
A criatividade consistiria “em nos apreendermos sem intermediários” (p. 21). Não há divindades
ou qualquer outra força que conduza a nossa reflexão; não há nada que se interponha entre o pensar
e a existência, pelo menos nada que antes não passe pelo crivo da escolha humana.
A filosofia como espaço da criatividade é o esforço para pensar sem a obrigação da referência
ao conceito; é a assunção da “indissossiabilidade” do pensar com o existir. Justamente por isso,
o pensar será, também, expressão da liberdade e da inventividade humana. A imagem de ser
humano que invento, a compreensão de realidade que tenho, a opção que faço por agir numa dada
direção evidenciam um pensar sem intermediações: eu escolho. Ele se dá na situação dialética da
existência.
A criatividade, para além, ou melhor, apesar do existencialismo, implicará o reconhecimento de que
os corpos, mesmo os que ocupam os espaços de indignidade da vida, não podem ver subjugados
os seus projetos existenciais pelas teorias, pelo dogmatismo religioso e econômico.
Negar a estes a construção livre de sua existência pela violência da desigualdade, pelo
constrangimento das ideologias, não reconhecer a legitimidade dos seus projetos e dos seus discursos,
implica negar a “essência” humana que é livremente se fazer, permanentemente reinventar o seu
projeto.

Referências
DOURADO, Wesley Adriano Martins. Fenomenologia e educação: o corpo em poesia.
2003, p. 127. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação e Letras da
Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo.
REALI, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. São Paulo: Paulus, vol. III, 1991.
SARTRE, Jean-Paul. O existencialismo é um humanismo. São Paulo: Victor Civita, 1973.

imagem 2
Disponível em: <http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/4/47/Starved_girl.jpg>.
Acesso em: 16 jul. 2007.

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Universidade Metodista de São Paulo
Liturgia e práticas pedagógicas-pastorais

Módulo

Os fundamentos
bíblico-teológico-
pastorais da liturgia

Prof. Luiz Carlos Ramos

Objetivos
Introduzir os conceitos
de culto e liturgia no escopo
da Teologia e apresentar os
fundamentos bíblico-teológico-
pastorais da liturgia.

Palavras-chave:
Culto; liturgia; ordem de culto;
culto no AT; culto no NT; culto nos
primeiros séculos.

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Liturgia e culto
Antes de apresentarmos uma definição mais técnica de liturgia (sobre isso veremos na próxima
aula), é importante fazer uma pequena distinção entre liturgia e culto: culto é o encontro celebrativo
entre Deus e seu povo, e a liturgia é o que acontece nesse encontro.

Liturgia e Teologia
Convencionalmente, a Teologia se estrutura em
três grandes áreas, a saber: (1) Bíblia, que se ocupa
da investigação das fontes da fé cristã; (2) Teologia
Sistemática e História, que estuda a maneira como
a fé foi interpretada e reinterpretada em diferentes Convencionalmente, a Teologia
épocas e lugares; (3) e Pastoral, que se ocupa da se estrutura em três grandes
práxis da fé, isto é, da reflexão e da prática aplicada áreas:
à realidade das pessoas e das comunidades de fé no (1) Bíblia,
contexto da missão da Igreja a toda a humanidade.
(2) Teologia Sistemática e
Didaticamente, a liturgia inscreve-se no escopo da História
Teologia Pastoral, que, por sua vez, se subdivide em
diferentes áreas, sendo as principais estabelecidas (3) e Pastoral
a partir da narrativa bíblica do livro dos Atos
dos Apóstolos (especialmente, 2.42-47): doutrina
(Didaskalia) – comunhão (Koinonia) – partilha do
pão (Diakonia) – oração/louvor (Liturgia). A liturgia é,
portanto, um capítulo da Teologia Pastoral. Entretanto,
essas divisões têm caráter meramente didáticos, pois,
na prática, todas as áreas da Teologia estão imbricadas, interligadas e se interdependem.
Assim sendo, não se pode fazer liturgia, sem se recorrer à fonte da nossa fé, a Teologia Bíblica;
nem à interpretação e atualização dessa fé, a Teologia Sistemática e História; e, muito menos, sem
recorrer-se à aplicação dessa fé à vida com vistas à transformação da realidade à luz dos princípios
do Reino de Deus, que é a tarefa específica da Teologia Pastoral.
Por essa razão, trataremos dos temas da liturgia sempre relacionando-os à Bíblia, à sistematização
histórica e à práxis pastoral.
Comecemos, portanto, pela busca de alguns modelos bíblicos de ordem para o culto.

Modelos bíblicos de ordem para o


culto Não se pode fazer
Na Bíblia Hebraica há muitas indicações, liturgia sem se recorrer
umas mais, outras menos explícitas, de à fonte da nossa fé,
diferentes práticas litúrgicas. Um bom a Teologia Bíblica;
exemplo é a narrativa de Neemias 8.1-12. nem à interpretação
Note-se a estrutura sugerida pela narrativa: e atualização dessa
reunião – leitura bíblica – adoração – fé, a Teologia Sistemática e História;
edificação (explicação da leitura) – refeição e, muito menos, sem recorrer-se à
comunitária/serviço aos necessitados.
aplicação dessa fé à vida com vistas
No mesmo livro, podemos encontrar à transformação da realidade à luz
variações dessa estrutura. Veja-se, por
dos princípios do Reino de Deus,
exemplo, Neemias 9: confissão individual –
leitura bíblica – adoração e louvor – confissão
que é a tarefa específica da Teologia
comunitária – dedicação (renovação da Pastoral.
aliança).
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Universidade Metodista de São Paulo
Um dos modelos mais significativos é o encontrado em Isaías 6.1-8. A estrutura oferecida por esta
passagem forneceu a base para a liturgia de várias igrejas reformadas e, particularmente, a Igreja
Metodista, aqui no Brasil: adoração – confissão (individual e comunitária) – edificação – dedicação.
No Novo Testamento, várias são as referências. Detenhamo-nos em algumas das que mais
inspiraram a prática litúrgica histórica. O capítulo 24 do Evangelho de Lucas repete sistematicamente
uma mesma estrutura: encontro – serviço da Palavra – serviço da mesa – envio. Veja Lucas 24.13-35;
36-43; 44-49.
O mesmo texto de Atos 2.42-47, mencionado acima, também nos oferece uma referência sobre a
prática celebrativa dos primeiros cristãos: instrução – comunhão – partilha – oração e louvor.
Outra proposta litúrgica, bem diferente, é encontrada no relato de um culto escatológico, narrado a
partir do capítulo 8 do livro do Apocalipse: silêncio contemplativo – súplicas (incensário) – proclamação
(trombetas) – edificação (10.8-10) – envio (10.11; 11.1ss).

Modelos históricos de ordem para o culto


Um dos registros mais antigos a que temos acesso sobre o culto, nos primeiros séculos, encontra-se
na Didache, espécie de manual dos primeiros cristãos, datado, provavelmente, do final do primeiro
século. Veja, a título de ilustração, à seguinte oração eucarística extraída da Didache:

No que se refere à eucaristia, dai graças assim;


primeiramente, sobre o cálice:
Nós te damos graças, ó Pai nosso,
______________________________________
pela santa vinha de Davi, teu servo;
tu no-la fizeste conhecer por Jesus, teu filho. ______________________________________
Glória a ti pelos séculos! ______________________________________
Depois, sobre o pão partido:
______________________________________
nós te damos graças, ó Pai nosso,
pela vida e pelo conhecimento que nos ______________________________________
concedeste por Jesus, teu filho.
_____________________________________
Glória a ti pelos séculos!
Como esse pão partido, antes disseminado
______________________________________
sobre as montanhas, _____________________________________
foi reunido para ser apenas um,
_____________________________________
reúne do mesmo modo tua igreja das
extremidades da terra em teu reino. _____________________________________
Sim, a ti são a glória e o poder por Jesus Cristo,
____________________________________
pelos séculos!
Depois de terdes comido o pão, agradecei ____________________________________
assim:
____________________________________
nós te damos graças, ó Pai santo,
por teu santo nome, ___________________________________
que abrigaste em nosso coração, pelo ___________________________________
conhecimento, pela fé e pela imortalidade
que nos concedeste por Jesus, teu filho.
__________________________________

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Glória a ti pelos séculos! Síntese: Adoração (orações
Pai) – eucaristia (proclamação do
Tu, Senhor todo-poderoso, criaste o universo
evangelho e memorial de Jesus,
para louvor de teu nome e deste aos homens a
o Filho) – Diakonia (Espírito Santo
comida e a bebida para regozijo,
motiva o serviço/coleta em favor dos
a fim de que eles te deem graças; necessitados).
mas a nós, tu nos deste um alimento e uma
bebida espirituais
e a vida eterna por teu filho.
Antes de tudo nós te damos graças porque és
poderoso;
glória a ti pelos séculos!
Lembra-te, Senhor, de livrar tua igreja
de todo mal e de completá-a em teu amor.
Reúne, dos quatro ventos, a igreja que
santificaste,
no reino que preparaste para ela.
Porque a ti pertencem o poder e a glória pelos
séculos!
Venha a tua graça e passe este mundo!
Hosana ao Deus de Davi!
Quem é santo venha; quem não é faça
penitência.
Maranatha! Amém.

Outro importante documento é o relato de Justino Mártir (Primeira Apologia), de meados do


segundo século da era cristã. Assim Justino descreve a celebração do domingo:

67. Depois disso, continuamos a recordação dessas coisas. Aqueles que têm posses prestam ajuda
a todos os que têm necessidade, e nós nos damos assistência mútua. Em todas as nossas oferendas
bendizemos o Criador do universo por seu filho Jesus Cristo e pelo Espírito Santo. No dia chamado do
sol, todos, habitem nas cidades ou nos campos, se reúnem num mesmo lugar. São lidas as memórias
dos apóstolos e os escritos dos profetas enquanto o tempo o permite. Terminada a leitura, aquele
que preside toma a palavra para advertir e exortar à imitação desses belos ensinamentos. Em seguida,
todos nós nos levantamos e oramos em voz alta. Depois, como já dissemos, terminada a oração, são
trazidos pão, vinho e água. Aquele que preside, à medida que suas forças o permitem, faz subir ao
céu orações e ações de graça, e todo o povo responde com a aclamação amém.
Segue-se a distribuição dos alimentos consagrados a cada um, e a parte dos ausentes lhes é
enviada pelo ministério dos diáconos. Aqueles que têm bens em abundância e querem fazer doações
doam livremente o que querem. O que é recolhido é entregue ao presidente, que dá assistência aos
órfãos, às viúvas, aos doentes, aos indigentes, aos presos, aos hóspedes estrangeiros, numa palavra,
a todos os que estão passando necessidade.
70
Universidade Metodista de São Paulo
Nós nos reunimos no dia de Sol porque é o primeiro dia, aquele em que Deus, tirando a matéria
das trevas, criou o mundo, porque nesse mesmo dia o nosso salvador Jesus Cristo ressuscitou dos
mortos. Na vigília do dia de Saturno ele foi crucificado e, no dia seguinte a este, isto é, no dia do Sol,
ele apareceu aos seus apóstolos e aos seus discípulos e lhes ensinou essa doutrina que nós acabamos
de submeter ao vosso exame.
A liturgia começava com leituras das Escrituras e relatos dos testemunhos dos apóstolos (seguidores
de Jesus) – exortações para a imitação dos atos de Jesus, conforme testemunhados – orações pelo
mundo e pela igreja, particularmente pelos enfermos, ou à morte, e pelos que haviam sido presos
por professarem a Cristo, denunciados por não cristãos – beijo da paz – ofertório dos elementos
eucarísticos – oração eucarística – distribuição dos elementos eucarísticos aos presentes e envio aos
ausentes – coleta em favor dos necessitados (alimentos, roupas ou dinheiro) – despedida com oração
para que todos permaneçam fiéis e a salvo até reunirem-se novamente no próximo domingo.

As bases da liturgia cristã: o pão e a Dos relatos mencionados,


Palavra podemos estabelecer um
Sabe-se que os primeiros cristãos mantinham seu padrão que dá o fundamento
costume, comm judeus, de frequentar a sinagoga, da liturgia cristã:
aos sábados, para ouvir a leitura da Lei, dos Escritos a Celebração da Palavra e a
e dos Profetas; e que, no domingo, se reuniam Celebração da Mesa.
nas casas para o “partir do pão” e a celebração da
memória de Jesus. Celebravam, assim, a Palavra, no
sábado, e a Ceia, no domingo. À medida que os
cristãos foram sendo expulsos das sinagogas, porém,
os cristãos passaram a concentrar no domingo a
celebração da Palavra e a Ceia. ______________________________________
Num primeiro momento, isso era feito no contexto
de uma refeição normal e tinha a seguinte estrutura: ______________________________________
o celebrante partia o pão e fazia uma oração de ação ______________________________________
de graças, depois todos comiam a refeição comunal
e, ao final, o celebrante voltava a chamar a atenção ______________________________________
de todos para a partilha do vinho que era precedida
de outra oração de ação de graças. A estrutura era, ______________________________________
portanto: pão – refeição – vinho. Posteriomente, por
_____________________________________
diversas razões, passou-se a realizar a refeição em
primeiro lugar, juntando a celebração do pão e do ______________________________________
vinho no final da cerimônia: refeição – pão e vinho.
Mais adiante, ainda, separou-se completamente a _____________________________________
refeição do memorial do pão e do vinho.
_____________________________________
Dos relatos mencionados, podemos estabelecer
um padrão que dá o fundamento da liturgia cristã: _____________________________________
a Celebração da Palavra e a Celebração da Mesa.
Quase todos os relatos têm em comum o fato de ____________________________________
terem dois focos distintos e complementares: a ____________________________________
leitura e explicação da Palavra e a prática sacramental
do memorial instituído por Jesus, a eucaristia, ou ____________________________________
Santa Ceia, ou ainda a Ceia do Senhor. Pão e Palavra
são, portanto, os pilares da liturgia. ___________________________________

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www.metodista.br/ead
Referências
ADAM, Adolf. O ano litúrgico: sua história e seu significado segundo a renovação litúrgica.
Trad. do alemão e adaptações por Mateus Ramalho Rocha; revisão de H. D. São Paulo:
Paulinas, 1982.
ALLMEN, J. J. Von. O culto cristão. Trad. Dirson Glênio Vergara dos Santos. São Paulo:
ASTE, 1968.
FLORISTÁN, C. Teologia practica: teoria y praxis de la accion pastoral. Salamanca:
Sígueme, 1993.
IGREJA METODISTA. O culto da igreja em missão: carta pastoral do Colégio Episcopal.
São Paulo: Igreja Cedro, 2006.
RAMOS, Luiz Carlos Ramos (Org.). Anuário litúrgico 2007. Charles Wesley 300 Anos.
São Bernardo do Campo: Editeo, 2007.
SARTORE, D.TRIACCA, Achille M. Dicionário de liturgia. São Paulo: Paulinas, 1992.
WHITE, James F. Introdução ao culto cristão. Trad. Walter Schlupp. São Leopoldo:
Sinodal, 1997.

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Universidade Metodista de São Paulo
Liturgia e práticas pedagógicas-pastorais

Módulo

A espiritualidade
do culto
Parte 1

Prof. Luiz Carlos Ramos

Objetivos:
Oferecer uma compreensão
sintética da liturgia procurando
responder às questões: o que
é, por que se faz, onde se faz,
quando se faz (2ª parte: quem
faz, como se faz?).

Palavras-chave:
Culto; liturgia; lugar
sagrado; calendário litúrgico e
criatividade litúrgica.

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Introdução
Na academia, o uso científico do termo liturgia aplica-se à disciplina teológica que trata da
ritualidade cerimonial e rubrical que regulam o exercício externo do culto. Vimos anteriormente
que, como disciplina teológica, a liturgia faz parte do escopo da Teologia Pastoral (arte e técnica) e
da Teologia da Práxis (ciência), ao lado das demais disciplinas que tratam da ação pastoral da Igreja,
tais como: missão e catequese (Kerigma e Didaskalia), comunhão (Koinonia), serviço (Diakonia) e
oração e louvor (Liturgia).
Considera-se a liturgia como theologia prima
e a reflexão dogmática como theologia secunda.
É igualmente considerada culmen et fons da actio A liturgia é “lugar primário
ecclesiae. Neste sentido, a liturgia é “lugar primário no qual se realiza a autêntica
no qual se realiza a autêntica fé, ao mesmo tempo fé, ao mesmo tempo em que
em que é fonte e norma primeira da doutrina” é fonte e norma primeira da
(FLORISTÁN, 1993). A liturgia é uma das três doutrina” (FLORISTÁN, 1993).
grandes ações da Igreja, sendo precedida pela
evangelização e seguida pela atividade caritativa,
testemunhal ou apostólica (cf. MALDONADO).

O que é liturgia? (A teologia do serviço)


O termo liturgia origina-se do grego clássico leitourgia (leitos [adjetivo de laós] = povo + ergon
= trabalho) que originalmente designava toda obra, ação ou iniciativa assumida livremente por um
indivíduo em favor do povo ou do bairro ou da cidade ou do Estado. Aos poucos, o termo passou
a designar qualquer trabalho que importasse em “serviço” mais ou menos obrigatório prestado ao
Estado ou a um indivíduo ou mesmo à divindade (“serviço religioso”).
A tradução grega do Antigo Testamento, a LXX, emprega o termo liturgia sempre, sem exceção,
para designar o “serviço religioso” prestado pelos
levitas a Javé (ocorre mais de 150 vezes).
No Novo Testamento, o verbo leitourgeo, o Atualmente, a palavra
adjetivo leiturgikos e os substantivos leitourgia liturgia se aplica a
e leitourgos ocorrem 15 vezes e, em geral, são todo o conjunto dos
traduzidos como “serviço”, “ministério”, “socorro/ atos rituais e da Igreja
auxílio” e seus correspondentes. Em Atos 13.2, o pelos quais prossegue
termo tem especificamente o sentido de “culto”. no mundo, no exercício
Ver também: Hb 1.7,14, 8.2,6, 10.11; Fp 2.17. do sacerdócio de Jesus
Cristo, destinado a
Nos escritos extrabíblicos, como na Didaque e santificar os seres
em textos de Clemente, o termo aparece claramente humanos e glorificar
relacionado com a celebração eucarística. a Deus.
Ao longo da história da Igreja, o termo grego
foi preservado na igreja oriental, mas substituído por seus equivalentes latinos (officium, ministerium,
múnus...) na igreja latina (SARTORE, 1992).
Atualmente, a palavra liturgia aplica-se a todo o conjunto dos atos rituais e da Igreja pelos quais
prossegue no mundo, no exercício do sacerdócio de Jesus Cristo, destinado a santificar os seres
humanos e glorificar a Deus.
No NT, outros termos são utilizados com o mesmo sentido de leitourgia (At 13.2; Hb 1.7,14, 8.2,6,
10.11; Fp 2.17), entre eles: proskyneo, geralmente traduzido por “adorar/adoração/adorador” (Mt 2.2,8,11;
4.9,10; Jo 4.20-23; Ap 3.9); latreia, traduzido como “culto”, “serviço sagrado” (Rm 9.4, 12.1; Hb 9.1,6,9,14;

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Universidade Metodista de São Paulo
Mt 4.10; At. 7.7; Ap 7.15, 22.3); e sebomai, traduzido por “temor”, “piedade” (Mt 15.9; At 13.43,50, 16.14,
17.4,17, 18.7,13, 19.27). Todos esses termos têm a conotação de humildade e serviço.
Portanto, liturgia é o serviço comunitário celebrado pelo povo de Deus por meio da adoração à
Trindade e da solidariedade aos da família da fé, bem como a toda a comunidade humana. Dizendo
de outra forma, a liturgia é um diálogo interativo entre Deus e os seres humanos e destes entre si,
no contexto celebrativo da fé, na forma de um serviço comunal — comunitário e comunicacional —
porque é prestado por todos e para todos.

Por que fazer culto? (A liturgia da graça)


Por que alguém vai ao culto? A resposta a esta
pergunta pode ser reveladora da teologia do culto. Há,
historicamente, três posturas clássicas a esse respeito: a Por que alguém
primeira, típica da Igreja Medieval, diz que devemos ir ao
culto para sermos agraciados por Deus; uma segunda, vai ao culto?
muito difundida entre os anabatistas, diz que devemos
ir ao culto para sermos alimentados pela Palavra de
Deus; finalmente, reformadores, como Calvino e Lutero,
entenderam que a liturgia não deve ser considerada mero
meio para se obter graça ou favor divinos, nem como
ocasião para que o povo de Deus seja alimentado por sua
Palavra, uma vez essas seriam práticas antropocêntricas
— porque têm como último beneficiário o ser humano.
Em contrapartida, entendem que a liturgia deve ser
teocêntrica, de modo que Deus seja o sujeito, o centro,
o foco do culto. Assim, o fiel deve buscar, também no
culto, em primeiro lugar o Reino de Deus e sua justiça;
então, a graça, a instrução, bem como as demais coisas, __________________________________
serão acrescentadas aos fiéis como decorrência natural.
Aqui estão sendo levadas em consideração as duas __________________________________
grandes doutrinas da Reforma Protestante: a Teologia
__________________________________
da Graça (especialmente Lutero) e a da Soberania de
Deus (especialmente Calvino). __________________________________
Na prática, constata-se que há um caminho de
__________________________________
mão dupla: de um lado, Deus vem ao encontro da
comunidade (e é sempre ele quem toma a iniciativa), e __________________________________
a comunidade vai ao encontro de Deus, como resposta
em ação de graças à graça de Deus. O culto se constitui, ___________________________________
assim, em ponto de encontro celebrativo entre Deus e a
___________________________________
comunidade e desta consigo mesma (cf. Tg 4.8).
__________________________________
Na prática, constata-se que há __________________________________
um caminho de mão dupla: de
um lado, Deus vem ao encontro __________________________________
da comunidade (e é sempre
____________________________________
ele quem toma a iniciativa), e a
comunidade vai ao encontro de ____________________________________
Deus, como resposta em ação
de graças à graça de Deus. ____________________________________

___________________________________
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Onde se faz culto? (A liturgia do espaço)
Quanto ao espaço litúrgico, desde muito cedo, na experiência do povo de Deus, conforme
registrada nas Escrituras, houve a preocupação de delimitações e estabelecimento de lugares sagrados
(Gn 8.20 – Noé; Gn 13.18 – Abraão [Carvalhais de Manre]; Êx 3.5 – Moisés [Monte Horebe]; Js 8.30
– Josué [Monte Ebal]; 1Cr 21.26 – Davi [Eira de Ornã]; Ed 3.2 – Esdras; Mc 9.2ss – Jesus [Monte da
Tansfiguração]; At 16.13 – Paulo [margens de um rio]. O povo chegou a construir ou utilizar-se de
locais conforme as circunstâncias do seu cotidiano: quando nômades, construíram o tabernáculo (Êx
25 [especialmente v. 8] a 27); quando sedentários, o templo (do lat. Templare: 1Rs 5.5; 6 – Salomão,
Neemias e Herodes); quando na diáspora, sinagogas (do gr. syn+ago: Lc 4.16-37); quando em paz,
reuniam-se em casas (em gr. oikos: Lc 4.38; 6.29; 10.38ss); quando perseguidos, em catacumbas (At
6.8ss – Estevão; Ap 7.9-17 [esp. v. 14] “ mártires); quando oficializados, basílicas. Aos poucos, firmou-
se a concepção de que “espaço sagrado” por excelência não depende da forma arquitetônica nem
da topografia, mas da atitude dos fiéis: “Em espírito e em verdade” (Jo 4.20-23).
Essa última compreensão – de adoradores que adoram em espírito e em verdade –, juntamente
ao dito de Jesus de que “onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, ali estou no meio
deles”, fundamentou a eclesiologia cristã: a “igreja” não é um edifício, mas o povo reunido em nome
de Jesus, o Cristo.
Banco de imagens
Isso não implica descuido para com o lugar ou espaço
onde esse povo se reúne. Por isso, são considerados
imprescindíveis, nos templos cristãos, como estrutura
mínima fundamental, o santuário, a nave e o átrio. O
santuário é o espaço central (não fisicamente, mas no
sentido de mais importante) do edifício. Tudo deve estar
orientado para o espaço reservado para o Memorial Pascal,
lugar da renovação da aliança: o altar, que representa
a mesa do sacrifício (AT), a mesa eucarística (NT) e as
lápides dos fiéis que deram sua vida por amor a Cristo, os
mártires; para o ambão ou púlpito, que é o lugar de onde
o Evangelho é pregado e a Palavra de Deus é proclamada;
e para a sédia ou cátedra, que é o lugar onde se senta
o presidente da celebração. A nave (do latim navis, que
significa “navio”, pela lembrança do formato das vigas que
suportam o teto de alguns templos se parecerem com
o costado de um navio) é o espaço da assembleia, que
são os membros do corpo místico de Cristo. É o lugar da
atenção, do alerta, da vigilância. É o lugar dos batizados
e, por essa razão, o batistério (ou pia batismal) pode estar
colocado à entrada da nave, indicando que participam
da celebração cristã aquelas pessoas que receberam o Os modelos para os templos cristãos não devem
sacramento do batismo e se vestiram das “vestes brancas” ser os suntuosos “templos” do paganismo
para apresentar-se diante do Trono do Cordeiro. E o átrio moderno, tais como bancos, shopping centers,
edifícios públicos e casas de espetáculo.
(do latim atriu[m]) é o espaço de transição. É o espaço para
a festa do encontro, onde as pessoas se reúnem antes e
depois da celebração. Ao chegar para o culto, a pessoa se prepara para entrar no santuário, fica em
silêncio e passa pela porta que é Cristo (não se pode chegar no lugar santo a não ser por intermédio
de Cristo – Jo 10.7,9).
Os modelos para os templos cristãos não devem ser os suntuosos “templos” do paganismo
moderno, tais como bancos, shopping centers, edifícios públicos e casas de espetáculo. Antes, sua
forma deve ser determinada pela teologia do culto, isto é, a liturgia. Suas linhas devem ser sóbrias,
austeras e singelas — o que não implica comprometer a estética. Linhas que privilegiem o sentimento
de comunhão da assembleia com Deus e de solidariedade para com o próximo; onde Deus possa ser
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Universidade Metodista de São Paulo
adorado em espírito e em verdade (Jo 4.24), com decência e com ordem (1Co 14.40), com o espírito e
com o entendimento (1Co 14.15), onde possamos apresentar os nossos próprios corpos em sacrifício
vivo, santo e agradável a Deus em um culto racional, alegre, sensível e sincero (cf. Rm 12.1).
Na sequência, abordaremos as questões relativas a quem faz e como se faz culto.

Referências
ADAM, Adolf. O ano litúrgico: sua história e seu significado segundo a renovação litúrgica.
Trad. do alemão e adaptações por Mateus Ramalho Rocha; revisão de H.D. São Paulo: Paulinas,
1982.
ALLMEN, J.J. Von. O culto cristão. Trad. Dirson Glênio Vergara dos Santos. São Paulo: Aste,
1968.
FLORISTÁN, C. Teologia practica: teoria y praxis de la accion pastoral. Salamanca: Sígueme,
1993.
IGREJA METODISTA. O culto da igreja em missão: carta pastoral do Colégio Episcopal. São
Paulo: Cedro, 2006.
RAMOS, Luiz Carlos Ramos (Org.). Anuário litúrgico 2007. Charles Wesley 300 anos. São
Bernardo do Campo: Editeo, 2007.
SARTORE, D.; TRIACCA, Achille M. Dicionário de liturgia. São Paulo: Paulinas, 1992.
WHITE, James F. Introdução ao culto cristão. Trad. Walter Schlupp. São Leopoldo: Sinodal,
1997.

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Universidade Metodista de São Paulo
Liturgia e práticas pedagógicas-pastorais

Módulo

Práticas pedagógicas I:
princípios e métodos de
ensino-aprendizagem

Prof. Nicanor Lopes

Objetivos
Introduzir e identificar
princípios e métodos que facilitem
a aprendizagem e apresentar os
fundamentos (bíblico – teológico
– histórico – pastoral) das práticas
pedagógicas na comunidade de fé.

Palavras-chave:
Ensinar; aprender; pedagogia e
didática.

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Práticas pedagógicas
Nosso tema oferece um aprofundamento dos estudos do período anterior quando falamos sobre:
“A Igreja como comunidade aprendente”. Antes de apresentarmos os fundamentos (bíblico – teológico
– histórico – pastorais) das práticas pedagógicas na comunidade de fé, é essencial assegurarmos a
condição de “COMUNIDADE APRENDENTE”. Muitas vezes, essa falta de sensibilidade pedagógica
produz nas comunidades de fé rupturas desnecessárias. Uma herança importante da reforma
protestante, neste contexto, é a compreensão que temos do sacerdócio universal de todos os crentes.
Nota-se de forma evidente essa dinâmica na experiência de Pedro [Atos capítulos 10 a 15], quando
da discussão sobre a inclusão dos gentios na comunidade de fé cristã do primeiro século.
Ruben Alves construiu uma analogia muito Banco de imagens

interessante para quem lida com a educação,


em especial, no contexto religioso. Em seu livro
Conversas com quem gosta de ensinar ele fala
sobre jequitibás e eucaliptos e o que ele pretende
comunicar é que jequitibás representam os
educadores: “... educadores são como velhas
árvores. Possuem uma face, um nome, uma ’estória’
a ser contada” (alves, 2000, p. 19). E, eucaliptos
representam “professores”, no sentido da profissão,
e são como árvores descartáveis que atendem a
modus de produção em série e por isso afirma
“... professores são habitantes de um mundo
diferente, onde o ´educador´ pouco importa, pois
o que interessa é um ´crédito´ cultural que o aluno
adquire numa disciplina identificada por uma
sigla, sendo que, para fins institucionais, nenhuma
“A Igreja como comunidade aprendente”
diferença faz aquele que a ministra” (Ibid, p. 19).

Ensino-aprendizagem
O ambiente de ensino-aprendizagem na Igreja se dá de diversas formas. É um equívoco pensar
que esse momento acontece somente nos estudos bíblicos ou na escola dominical. Certamente, o
culto é um espaço muito privilegiado de ensino-aprendizagem, e, ele assegura didáticas pedagógicas
interessantes, isto é, menos convencionais, do tipo em que só uma pessoa fala, mas assegura uma
experiência comunitária. Nestes módulos vocês trabalharão conceitos e dinâmicas litúrgicas que
asseguram esse compromisso pedagógico que estabelece a aprendizagem como via de mão dupla.
Como o nosso curso não é um curso de pedagogia, mas tem por foco instrumentalizar o pastor e
a pastora nas práticas pedagógicas e identificar princípios e métodos que facilitem a aprendizagem,
vejamos algumas diferenças e afinidades de termos na área de metodologia e didática do ensino.
O que é metodologia do ensino? Como não é nosso objetivo discutir conceitos de ensino-
aprendizagem e, sim, aprofundar a temática da prática educativa na comunidade de fé, podemos
dizer que metodologia do ensino é tudo aquilo que envolve os procedimentos na arte de ensinar.
O que é didática? Segundo Vera Maria Ferrão, didática
é a “reflexão sistemática e busca de alternativas para
os problemas da prática pedagógica” (CANDAU, 2003). Segundo Vera Maria
Em outras palavras, a didática trata das estratégias e Ferrão, didática é a
metodologias entre a teoria e a prática no processo de “reflexão sistemática e
aprendizagem. busca de alternativas para
Claudino Piletti, em seu livro Didática Geral, afirma: “A
os problemas da prática
diferença encontra-se no foco que cada uma apresenta. A
pedagógica”.

80
Universidade Metodista de São Paulo
metodologia estuda os métodos de ensino, classificando-os e descrevendo-os, mas sem emitir juízo
de valor [bom, ruim, eficiente etc.]. A didática expressa juízo de valor, faz uma crítica dos métodos
de ensino, possibilitando ao educador/a fazer escolhas mais adequadas aos objetivos pretendidos”
(PILETTI, 1997, p. 43).
Fundamentos bíblico–teológico–histórico–pastorais das práticas pedagógicas
na comunidade de fé
Quando estudamos os métodos de ensino na Bíblia, observamos de maneira bem evidente duas

formas. Uma é a comunicação verbal. Geralmente, é diretiva. Os


sermões, proclamados nos cultos, representam essa forma. Outra
é a dinâmica de grupo. Este método é uma forma de construção Banco de imagens

coletiva do conhecimento; as salas de escolas


dominicais, os estudos bíblicos em grupo,
geralmente, representam essa modalidade
de ensino-aprendizagem.
Observe a recomendação descrita em
Deuteronômio 6.6-9: E estas palavras, que
hoje te ordeno, estarão no teu coração; e
as ensinarás a teus filhos, e delas falarás
sentado em tua casa e andando pelo
caminho, ao deitar-te e ao levantar-te;
Também as atarás por sinal na tua mão e te
serão por frontais entre os teus olhos; e as
escreverás nos umbrais de tua casa, e nas A dinâmica de grupo é uma forma de
tuas portas”. Esse é um típico exemplo do construção coletiva do conhecimento.
método de exposição verbal, como forma
de ensino-aprendizagem.
Existem muitos outros exemplos no Antigo Testamento.
Porém, vejamos agora um exemplo de Jesus. Os capítulos de ________________________________
5 a 7 do evangelho de Mateus relatam o intitulado “Sermão
do Monte”. O início da narrativa diz: “e Ele passou a ensiná- _______________________________
los, dizendo: [...]”.
________________________________
Merece um destaque o texto em Atos 20.7-9: “No primeiro
dia da semana, tendo-nos reunido a fim de partir o pão, _______________________________
Paulo, que havia de sair no dia seguinte, falava com eles, e
prolongou o seu discurso até a meia-noite. Ora, havia muitas _______________________________
luzes no cenáculo onde estávamos reunidos. E certo jovem,
_______________________________
por nome Êutico, que estava sentado na janela, tomado de
um sono profundo enquanto Paulo prolongava ainda mais o ________________________________
seu sermão, vencido pelo sono caiu do terceiro andar abaixo,
e foi levantado morto”. Destaco essa passagem para afirmar _______________________________
que uma exposição verbal não deve ultrapassar 30 minutos.
Na pregação, recomenda-se 20 minutos. Esse tempo ________________________________
representa o limite da capacidade humana de atenção. Por _______________________________
isso, recomendam-se que nas exposições verbais se utilize
ação motivadora e participativa, alternando o expositor e _______________________________
os ouvintes.
_______________________________

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O que é dinâmica de grupo?
“A expressão dinâmica de grupo surgiu pela primeira vez num artigo publicado por Kurt Lewin, em
1944, no qual tratava da relação entre teoria e prática em Psicologia Social. Dynamis é uma palavra
grega que significa força, energia e ação. Quando Kurt Lewin utilizou essa expressão e começou a
pesquisar os grupos, seu objetivo era o de ensinar às pessoas comportamentos novos por meio de
dinâmica de grupo, ou seja, pela discussão e decisão em grupo, em substituição ao método tradicional
de transmissão sistemática de conhecimentos.”1
No espaço eclesiástico, as dinâmicas de grupo contribuem para um ensino-aprendizagem que
possibilite vivências. Estas ao serem refletidas e partilhadas, gestam um aprendizado individual e
comunitário. Esse é um exercício de escuta e acolhida do outro, e proporciona a percepção do todo
e das partes, tanto da vida como da realidade que nos cerca.
É muito importante conhecer os passos da dinâmica de grupo para aplicá-la com coerência
metodológica. Perguntas como: aonde se quer chegar?; qual o objetivo e a função da dinâmica dentro
do processo a ser desenvolvido?; devem ser respondidas com clareza neste método.
Qualquer que seja o resultado alcançado com uma dinâmica, ele é o objeto da reflexão e da
aprendizagem, pois dinâmica não tem resultado errado.
No próximo encontro, trataremos de estratégias e técnicas de ensino-aprendizagem.

Referências
ALVES, Rubens. Conversas com quem gosta de ensinar. Campinas: Papirus, 2000,
p. 19.
CANDAU, Vera Maria Ferrão. A didática em questão. Petrópolis: Vozes, 2003.
PILETTI, Claudino. Didática geral. São Paulo: Ática, 1997, p. 43.

1
Fonte: < http://www.cvdee.org.br/download/dinamicagrupo.doc > Acesso em: 12 abr. 2007.

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Liturgia e práticas pedagógicas-pastorais

Módulo

Práticas pedagógicas II:


métodos e técnicas de
ensino - aprendizagem

Prof. Nicanor Lopes

Objetivos
Aprofundar o conhecimento sobre
estratégias e técnicas de ensino-
aprendizagem, dialogar sobre espaços
privilegiados para a educação cristã na
comunidade de fé e discutir o papel
da escola dominical e sua contribuição
para a formação cristã.

Palavras-chave:
Estratégia de ensino; educação
cristã; escola dominical e recursos de
ensino.

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Estratégias e técnicas de ensino
Afinal, o que é isso? Retomando a aula anterior, é importante relembrar que método é a
sistematização da atividade visando ao ensino-aprendizagem. Isso significa que método é o caminho
a seguir para alcançar o alvo.
Portanto, técnica é a operacionalização do método; em outras palavras, é como fazer. São as
opções estratégicas que possibilitam você trilhar o caminho escolhido com eficiência e eficácia. Veja
a seguir alguns exemplos de técnicas de ensino utilizadas nas igrejas.

Dinâmica de grupo
Dinâmica de grupo: como estudamos na lição anterior, o conceito de dinâmica
de grupo como o conhecemos hoje surgiu num artigo publicado por Kurt Lewin,
em 1944. Em Psicologia Social, o grupo é a instância que estabelece a ligação
entre o individual e o coletivo. Neste âmbito, emerge como um conceito que vai
além dos indivíduos que o compõem. Como elementos centrais da definição de
um grupo, pode-se destacar a interdependência funcional entre seus membros,
a partilha de um objetivo comum e a existência de papéis e normas.

Jogo
Jogo: jogos e brincadeiras mostram-se eficazes na promoção da aprendizagem
de conceitos ou habilidades específicas. Essa técnica favorece aspectos do ensino-
aprendizagem, como liberdade de ação do jogador, flexibilidade, relevância do
processo de brincar. O jogo didático fortalece as expressões lúdicas. “O lúdico
é eminentemente educativo no sentido em que constitui a força impulsora de
nossa curiosidade a respeito do mundo e da vida, o princípio de toda descoberta
e toda criação” (Santo Agostinho).

Dramatização
Dramatização: como o nome diz, trata-se da encenação de um problema ou
situação (drama). Pode ser desenvolvida por duas ou mais pessoas, numa situação
hipotética em que os papéis são vividos tal como na realidade. A síntese desses
papéis é um dos aspectos mais importantes do método. Os que encenarão devem
compreender o tipo de pessoa que deve interpretar durante a dramatização. O
resumo do papel deve conter apenas a condição emocional e as atitudes a serem
adotadas, sem detalhes sobre aquilo que deverá ocorrer durante a apresentação.
Esta estratégia torna oportuno que as pessoas “representem” seus problemas
pessoais e, na dramatização, reconheçam a falta de habilidade para lidar com
os outros, podendo aprender a enfrentar seu problema ao vê-lo retratado no
grupo.

Recursos no ensino-aprendizagem
No processo de ensino-aprendizagem, é necessário assegurar os recursos disponíveis para que
esse processo funcione com eficácia. A sensibilidade da pessoa para a aprendizagem se concentra,
principalmente, nos seguintes sentidos: ver, ouvir, falar e fazer. Afirmam que uma pessoa aprende
pouco quando só ouve; aprende um pouco mais quando vê; aprende mais ainda quando ouve e
vê, e o melhor aproveitamento do aprendizado funciona quando a pessoa ouve, vê, fala e faz. Isso
significa que quanto maior o número de sentidos envolvidos no processo de ensino, melhor será a
aprendizagem.
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Universidade Metodista de São Paulo
Portanto, a seguir listaremos alguns recursos que podem tornar o ensino-aprendizagem, nas
práticas educativas da Igreja, mais eficaz:
a) recursos visuais (quadro): (hoje a maioria é branco ou com giz). Este recurso ainda é muito
utilizado em sala de aula. Por sinal, o que caracteriza uma sala de aula tradicional é a presença de um
quadro. A melhor forma de utilizar um quadro é: Quando se fala não se escreve; Decida a ordem, ou
primeiro fala e depois escreve ou vice-versa. Utilize frases curtas e escreva de forma legível. Cuide
da estética do quadro, permita que as informações fiquem organizadas. Evite ficar de costas para
as pessoas da sala;
b) cartaz: geralmente é preparado antes

Banco de imagens
do início da aula. Pode conter frases curtas,
imagens desenhadas ou coladas, gráficos etc.
Pela facilidade de sua confecção (cartolina)
e transporte, é um excelente recurso para
a ação educativa nas pequenas igrejas
que não possuem salas com quadros. Para
melhor aproveitar este recurso, utilize visuais
simples, frases impactantes, e mantenha uma
organização estética entre frases, imagens e O quadro branco e o giz ainda são muitos utilizados em
gráficos; sala de aula.
c) flip-chart (bloco de papel): é possível recorrer a este recurso num ambiente em que não
existe um quadro. Sua confecção é simples. Constrói-se com uma moldura de madeira (eucatex)
que, apoiado num cavalete, assegura uma base firme para as folhas geralmente no formato de 0,70
x 1,00 cm;
d) álbum seriado: quando não é possível uma
apresentação com slides, projetor de data show, esse
recurso resolve bem o problema. Trata-se de uma
coleção de cartazes organizados, que são fixados numa
base de eucatex ou papelão firme e, quando aberto, __________________________________
fica no formato de um telhado. Geralmente, para sua
utilização, coloca-se sobre uma mesa; __________________________________
e) retroprojetor: na maioria das igrejas, esse __________________________________
recurso é muito utilizado, em especial, para projetar
os novos cânticos, nos momentos de louvor do culto. __________________________________
O retroprojetor, em muitos casos, é subutilizado nas
__________________________________
igrejas, pois se resume à projeção de cânticos. Mas pode
ser mais bem utilizado nas aulas da escola dominical, __________________________________
nos estudos bíblicos e até mesmo nas pregações. Para
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Banco de imagens

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Na maioria das igrejas, o retroprojetor é muito utilizado, em
especial para projetar os novos cânticos nos momento de louvor ____________________________________
do culto.
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Liturgia e práticas pedagógicas-pastorais

Módulo

A espiritualidade
do culto
Parte 2

Prof. Luiz Carlos Ramos

Objetivo:
Oferecer uma compreensão
sintética da liturgia procurando
responder às questões: 1ª.
Parte: o que é, por que se faz,
onde se faz, quando se faz; 2ª.
Parte: quem faz, como se faz?

Palavras-chave:
Culto; liturgia; lugar
sagrado; calendário litúrgico e
criatividade litúrgica.

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Introdução
Na primeira parte desta abordagem, tratamos de investigar o que é, por que se faz, onde se faz
e quando se faz culto. Agora daremos continuidade ao estudo, refletindo sobre quem e como se
faz culto.

Quem? (A liturgia do povo de Deus)


De acordo com a tradição bíblica, Deus é personagem central do culto e é servido pelos celebrantes
(sacerdotes), pelos fiéis, pelos seres celestiais, bem como por todos os que morreram por causa do
seu testemunho e que agora se acham constantemente diante do trono, glorificando o Altíssimo (cf.
Is 6.1-8; Sl 5; 22.22,1; 104.21; 117; 134; Hb 1.6-7,14; Ap 7.9-15).
Merece destaque, entretanto, a participação da
criança, no culto, por uma razão histórica. Como Banco de imagens

afirmamos, o centro da liturgia cristã é a Páscoa,


que é também o centro da liturgia judaica. Nas
instruções dadas por ocasião da instituição da
Páscoa judaica, a criança desempenhava um papel
central, dando início às solenidades. Vejamos:

Êxodo 12.24-27: 24 Guardai, pois, isto por estatuto


para vós outros e para vossos filhos, para sempre. 25 E,
uma vez dentro na terra que o SENHOR vos dará, como
tem dito, observai este rito. 26 Quando vossos filhos
vos perguntarem: Que rito é este? 27 Respondereis:
É o sacrifício da Páscoa ao SENHOR, que passou por
cima das casas dos filhos de Israel no Egito, quando
feriu os egípcios e livrou as nossas casas. Então, o povo
se inclinou e adorou.
Êxodo 13.14: Quando teu filho amanhã te perguntar:
Que é isso? Responder-lhe-ás: O SENHOR com mão
forte nos tirou da casa da servidão.
Deuteronômio 6.20: Quando teu filho, no futuro,
te perguntar, dizendo: Que significam os testemunhos, A participação da criança merece
e estatutos, e juízos que o SENHOR, nosso Deus, vos destaque no culto por uma razão
ordenou? histórica.

À luz dessa reflexão, que lugar devem ter as crianças no culto? Qual a melhor alternativa: tirar a criança
do culto e fazer um cultos à parte para elas? Incluí-las parcialmente, separando-as no momento da
prédica? Procurar incluí-las plenamente dando-lhes oportunidade para participar dos cânticos, orações,
leituras e até tomar parte da pregação, desde que esta leve em conta a presença das crianças?

Quando fazer culto? (A liturgia do


tempo) À luz dessa reflexão, que
A liturgia se dá no tempo e no espaço. O tempo da lugar devem ter as crianças
liturgia é a história da salvação contada ciclicamente no culto? Qual a melhor
durante o ano cristão, que tem a Páscoa como alternativa: tirar a criança
centro irradiador da mensagem salvífica. Ao contar a do culto e fazer um cultos à
história de Jesus (a expectativa de sua vinda, sua vida parte para elas?
e ensinamentos, sua paixão, morte e ressurreição) e
sua presença espiritual na Igreja, a comunidade de fé
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Universidade Metodista de São Paulo
relembra, atualiza e celebra sua própria salvação. A liturgia é, a um só tempo, memória, atualização
e esperança salvífica.
Para celebrar sua salvação em Cristo, a Igreja observa o calendário cristão ou calendário litúrgico,
que se estrutura em dois ciclos festivos e dois tempos ordinários: Ciclo do Natal: Advento, Natal e
Epifania; Tempo Comum (após Epifania); Ciclo da Páscoa: Quaresma, Semana Santa, Tempo Pascal e
Pentecostes; e, novamente, Tempo Comum (após Pentecostes) — para maiores detalhes, ver Anuário
Litúrgico 2007, p. 107-113.
Essa história é constantemente atualizada em ocasiões que se revestiram de especial sentido, à luz do
Evangelho: o domingo (dia da ressurreição), a quarta (acordo de Judas para a traição), quinta (lava-pés e
instituição da ceia) e sexta-feiras (julgamenteo, crucificação, morte e sepultamento de Jesus), e o Sábado (Jesus
no sepulcro); bem como as Horas de Oração (matinas-laudes (nascer do sol / ressurreição, tércias (julgamento),
média (crucificação), noas (morte), vésperas (sepultamento),
completas e as vigílias noturnas (Getsêmani).
No próprio culto, a igreja revive a história da salvação: A História da Salvação
num primeiro momento, adora o Pai (primeira pessoa da é, assim, celebrada no
Trindade), recordando o Criador que é Santo e perfeito; tempo cósmico, no ano
diante da santidade do Pai, a congregação reconhece litúrgico, nas horas do dia
suas imperfeições e pecados, por isso recorre ao Filho, e naquela “hora única”
segunda pessoa da Trindade, que é o “Cordeiro de Deus que é o culto.
que tira o pecado do mundo”; agraciada com o perdão, a
congregação pode agora ser instruída na sua fé, porque
o Filho também é o “Verbo que se fez carne e habitou
entre nós cheio de graça e de verdade”; essa instrução,
entretanto, para que se efetive na vida da comunidade,
deve ser inspirada e iluminada pela ação do Espírito
Santo, a terceira pessoa da Trindade, que é também
quem motiva e envia a Igreja em sua missão, que é a de
reconciliar a humanidade com Deus, o Pai, retomando, __________________________________
assim, o ciclo teológico-litúrgico.
__________________________________
A história da salvação é, assim, celebrada no
tempo cósmico, no ano litúrgico, nas horas do dia e __________________________________
naquela “hora única” que é o culto.
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A história da humanidade
é celebrada na liturgia __________________________________
da comunidade de fé:
datas cívicas, nacionais e __________________________________
internacionais são motivo
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de referência e intercessão
no culto. ____________________________________

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Também a história da humanidade é celebrada na liturgia da comunidade de fé: datas cívicas,
nacionais e internacionais, são motivo de referência e intercessão no culto. E, finalmente, a história
das pessoas (nascimento, puberdade, casamento, procriação, envelhecimento e morte) também se
constituem em ocasião para a prática celebrativa.

Como fazer o culto? (A liturgia da liberdade)


A partir do nosso estudo, constatamos que um culto cristão tem uma tríplice estrutura, caracterizada
pela ação efetiva das três pessoas da Trindade, o Pai, o Filho e o Espírito Santo: Assim, pode-se dizer
que o culto cristão possui partes essenciais que se ausentes o descaracterizariam. Com variações na
nomenclatura das partes, o culto se estrutura, basicamente, da seguinte forma:

- teológica (invocação, adoração, confissão)


- cristológica (perdão, pregação, santa ceia)
- pneumatológica (consolação, consagração e envio)

Outro elemento determinante do culto cristão são as atitudes (de corpo, alma e espírito) com as
quais, como povo de Deus, nos apresentamos para adorá-lo:

- espiritualidade: “Em espírito e em verdade” (João 4)


- corporeidade: “Apresenteis os vossos corpos” (Romanos 12.1)
- intelectualidade e sensibilidade: “Orarei com a mente e com o coração” (Coríntios 14.15)

Tudo que fazemos no culto deve ser feito com “júbilo e com arte” (Sl 33.3). Por essa razão, pode-
se dizer que culto é arte e criatividade, e isso se expressa:

- por meio de gestos significativos: processional/recessional (entrada, ofertório e


eucaristia), reunir-se, ficar em pé, sentar-se, ajoelhar-se, erguer as mãos (cruz/cálice),
erguer os olhos/fechar os olhos (“comunhão oracular”), abraço da paz, imposição de
mãos, unção, vestição.
- por meio dos quatro elementos: terra, água, fogo e ar.
- por meio dos órgãos dos sentidos: visão, audição, olfato, paladar e tato.
- por meio das sete artes: a coreografia, que é a arte do movimento; a literatura, a arte
da palavra; a arquitetura, a arte do espaço vazio; com a escultura, a arte do volume; a
pintura, a arte da cor; a música, a arte do som; e a controvertida “sétima arte”, o cinema,
que combina as várias artes.

Assim, a estrutura básica da liturgia cristã é trinitária e pressupõe um primeiro momento teológico,
no qual Deus é adorado; um segundo momento cristológico, no qual a memória de Cristo é celebrada
e proclamada; e um terceiro, pneumatológico, no qual, pela ação do Espírito, a comunidade se
compromete com o serviço a Deus e ao próximo. Essa liturgia é construída a partir da ação criativa
da comunidade de fé e compõe-se de atos, ritos, sacramentos, palavra (cantada, lida, proclamada),
gestos, processionais e recessionais etc. A criatividade litúrgica possibilita o recurso à expressão

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Universidade Metodista de São Paulo
artística de modo geral: a coreografia, que é a arte do movimento; a literatura, a arte da palavra; a
arquitetura, a arte do espaço vazio; a escultura, a arte do volume; a pintura, a arte da cor; a música,
a arte do som; e a controvertida “sétima arte”, o Cinema, que combina as várias artes.
Nesse sentido, uma liturgia estruturada em torno da partilha do Pão e da Palavra, constitui-se
numa forma ideal para todas essas experiências que envolvem integralmente o ser humano — corpo,
alma e espírito.

Referências
ADAM, Adolf. O ano litúrgico: sua história e seu significado segundo a renovação litúrgica.
Trad. do alemão e adaptações por Mateus Ramalho Rocha; revisão de H. D. São Paulo: Paulinas,
1982.
ALLMEN, J. J. Von. O culto cristão. Trad. Dirson Glênio Vergara dos Santos. São Paulo: Aste,
1968.
FLORISTÁN, C. Teologia practica: teoria y praxis de la accion pastoral. Salamanca: Sígueme,
1993
IGREJA METODISTA. O culto da igreja em missão: carta pastoral do Colégio Episcopal. São
Paulo: Igreja Cedro, 2006.
RAMOS, Luiz Carlos Ramos (Org.). Anuário Litúrgico 2007: Charles Wesley 300 anos. São
Bernardo do Campo: Editeo, 2007.
SARTORE, D.; TRIACCA, Achille M. Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulinas, 1992.
WHITE, James F. Introdução ao culto cristão. Trad. Walter Schlupp. São Leopoldo: Sinodal,
1997.

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Liturgia e práticas pedagógicas-pastorais

Módulo

A música no
contexto da missão

Prof. Luiz Carlos Ramos

Objetivo
Oferecer uma compreensão
sintética da hinologia cristã,
ressaltando a importância e o
lugar da música e do cântico
litúrgico no culto.

Palavras-chave:
Culto; liturgia; hinologia;
música litúrgica e cântico
litúrgico.

www.metodista.br/ead
Introdução
A música tem caráter universal. Se pensarmos em melodia, ritmo e harmonia, elementos nucleares
da expressão musical, podemos constatar que o próprio universo é música. Dizem os cientistas que
as estrelas pulsam, que o cosmo se move harmonicamente, que se se prestar bem atenção, pode-se
ouvir o eco do big-bang.
Banco de imagens
E, segundo os poetas, o próprio Deus é música:
“No princípio era a música, e a música estava com
Deus, e a música era Deus...” (Carlos A. R. Alves).
O fato de que, na narrativa bíblica, ao criar o
mundo, Deus o faz mediante a sua palavra (“Disse
Deus...” Gn 1.3), já é um indício de que nós somos
o resultado de um canto primordial, de um hino
primevo, de uma música divina.
Não é de admirar, então, que se diga que o
cântico em caráter existencial, na medida em que
não somente expressa o “tom” da nossa existência,
como tem a capacidade de sugerir, condicionar e
até mesmo criar diversas condições vitais.
A música tem caráter universal. Se pensarmos em
Um dos mais extensos blocos literários da
melodia, ritmo e harmonia, elementos nucleares
Bíblia, e que ocupa a região central de suas edições da expressão musical, podemos constatar que o
habituais, é o livro dos Salmos. Muito embora se próprio universo é música.
diga que a Bíblia é a Palavra de Deus descida dos céus a nós, particularmente nos Salmos, quem
toma essa palavra é o ser humano orante, que eleva aos céus suas súplicas, suas dores, seus louvores,
suas ações de graça. Sabe-se que a maioria dos salmos se prestava ao canto, particularmente ao
canto congregacional. São canções que inspiram e instruem o povo em suas peregrinações, em suas
celebrações em cultos e em seus momentos devocionais.
As Escrituras Sagradas também falam em hinos, os quais a tradição eclesiástica fez questão
de preservar e, principalmente, entoar. Os hinos, um pouco diferente dos cânticos e dos salmos
mencionados há pouco, apresentam caráter teológico profundo e evidente. Expressam as verdades
eternas, reveladas para o sustento da nossa fé e o louvor da glória de Deus.
Em diferentes épocas da história da Igreja, particularmente durante seus períodos de maior
crescimento e vigor, foram os hinos evangelísticos que deram o ritmo do testemunho e marcaram
o passo do avanço missionário. Tais hinos, de caráter
testemunhal, proclamam, em alto e bom som, as
boas-novas de salvação, e funcionam como arautos
do Evangelho de Jesus, chamado Cristo.

A música na vida: uma questão Os hinos, um pouco


existencial diferente dos cânticos e
dos salmos, apresentam
A música faz parte da vida. Não há cultura no mundo
caráter teológico profundo
que não tenha na música uma parte constitutiva de sua
e evidente. Expressam as
formação social. Também é praticamente impossível
verdades eternas, reveladas
pensarmos na existência da própria Igreja sem a
para o sustento da nossa fé
música. Individualmente, cada um de nós poderia
e o louvor da glória de Deus.
traçar uma memória da sua história de vida apenas
recordando as músicas que cantava ou ouvia nas
diferentes fases de seu desenvolvimento.

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Assim, quando uma criança nasce, desde o colo da mãe, é embalada ao som das cantigas de
ninar. Na Igreja, essa criança é recebida com afeto por ocasião do seu batismo que, geralmente, é
acompanhado de significativos cânticos que exclamam: “vinde, meninos/as, vinde a Jesus...”. A criança
ainda não entende o que se diz, nem o significado das letras das canções que lhe entoamos, mas já
reage com evidente expressão de contentamento. Ela não compreende o conceito, mas entende o
sentido: ela é bem-vinda, é amada. A música, nesta fase, é marcada por seu caráter celebrativo.

Durante a infância e a puberdade, além do


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caráter divertido, próprio das canções de roda e
de todas as que acompanham suas brincadeiras,
a música também assume um caráter formativo,
pedagógico. As músicas ensinam lições novas e
reforçam conteúdos antigos. Ajudam a se aprender
outra língua, a decorar conceitos, e até a assimilar
doutrinas.
Quando chega a adolescência e a juventude,
a música desempenha um papel mais militante.
A música não somente diverte e instrui, mas com
frequência também assume um caráter de confissão
de fé. Representa uma “bandeira” ostentada pelo
jovem que expressa suas convicções, seu sentimento
de pertença a determinado grupo, sua motivação,
sua opinião política, seu inconformismo e sua disposição Durante a infância e a puberdade, além do
para transformar o mundo. caráter divertido, próprio das canções de
roda e de todas as que acompanham suas
Quando a paixão se instala de maneira mais brincadeiras, a música também assume um
duradoura, como no namoro, no casamento e, mais caráter formativo, pedagógico.
tarde, nas bodas, busca-se na música a expressão do
compromisso assumido (com o cônjuge ou com uma
causa). Na idade adulta, o caráter de diversão, de
formação e de afirmação dá lugar a um tipo de relação
com a música, inclusive na Igreja, que busca coerência,
constância, lealdade e responsabilidade. Canções de __________________________________
caráter volúvel e passageiro já não satisfazem. Busca-se
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Quando a paixão se instala de maneira mais duradoura, como __________________________________


no namoro, no casamento e, mais tarde, nas bodas, busca-se
na música a expressão do compromisso assumido. ____________________________

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inspiração, não mais nas “paradas de sucesso”, mas nas “canções eternas”, naquelas cuja qualidade
estética e significados resistem ao tempo, tal como as pessoas maduras pretendem enfrentar as
vicissitudes da vida.
Finalmente, quando chega a velhice, e as lutas contra as enfermidades ganham proeminência, e
a morte iminente é a única certeza, a música se reveste de especial significado. Muito ao contrário
de serem esquecidas ou descartadas, elas passam a ter força como nunca tiveram. É nessa hora que
aquelas canções ouvidas desde a infância, tais como canções de ninar, de roda, músicas da juventude,
mas principalmente os hinos cantados na Igreja, adquirem força e sentido antes “inimaginados”.
Na hora da dor e da morte, não haveremos de querer aprender cânticos novos, nem de ouvir as
novidades das “paradas de sucesso”. Haveremos, antes, de querer retornar aos hinos da nossa infância
e da infância da nossa fé, porque essas canções são aquelas cujo caráter de consolação e alento nos
ajudará a transpor os últimos limites da nossa existência.

A música na Igreja: uma questão


congregacional Banco de imagens

Como já dito, não se pode conceber a Igreja


sem a música. Ela está presente em todos os
momentos e de diferentes formas, nas várias
atividades e expressões eclesiais.
Nas reuniões, mesmo aquelas administrativas,
das diversas instâncias da Igreja (crianças, jovens,
mulheres, homens, concílios e assembléias),
a música é entoada para marcar o aspecto
devocional e comunitário do encontro. O cântico
evidencia o fato de estarmos diante de Deus e
de que buscamos nele as forças para os nossos
atos. Ao cantarmos a uma só voz, expressamos
Nas reuniões, mesmo aquelas administrativas, das diversas
a nossa comunhão e a nossa disposição para instâncias da Igreja (crianças, jovens, mulheres, homens,
atuarmos em cooperação. concílios e assembléias), a música é entoada para marcar o
aspecto devocional e comunitário do encontro.
Nas atividades educativas da Igreja, como escola dominical, cursos de formação e grupos de
discipulado, o cântico revela seu aspecto didático-pedagógico. Não se canta o que está em contradição
com os ensinamentos propostos (pelo menos não se deveria!), ao contrário, os cânticos inspiram,
confirmam e reafirmam os princípios teológico-doutrinários assumidos e ensinados pela Igreja.
Mas é principalmente nos cultos que a música revela toda a sua força e sentido. Sendo o culto o
encontro celebrativo entre Deus e o ser humano, isto é, entre o eterno e o efêmero, entre o infinito
e o finito, a música pode muito bem ser entendida como uma maravilhosa síntese desse encontro:
a sublimidade da melodia, a beleza da harmonia e o envolvimento proporcionado pelo ritmo, tudo
isso associado ao sentido expresso pela letra, revelam o aspecto litúrgico daquilo que se canta nos
cultos. Além disso, a música estabelece um vínculo como raramente se consegue entre razão-
emoção-afetividade. A música fala ao coração, mas também fala ao nosso entendimento, além de
sensibilizar nosso afeto, tornando-nos capazes de perceber “verdades” que, sem a música, talvez,
nunca alcançaríamos (cf. 1Co 14.15: “Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com
a mente; cantarei com o espírito, mas também cantarei com a mente.”).

A música na evangelização: uma questão missionária


São famosas as campanhas missionárias promovidas pela Igreja ao longo de sua história de
crescimento. Quando a Igreja quer proclamar a sua fé e repartir seu testemunho, serve-se da música
com notórias vantagens. Entretanto, não se trata de qualquer música, mas de um tipo de hinologia
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muito particular, cujo caráter kerigmático seja a principal tônica. Os hinos evangelísticos, como já
apontado, juntamente à pregação da Palavra, ajudam no processo de assimilação sintético de uma
fé que apresenta aspectos racionais, emocionais e afetivos. Os hinos alcançam “regiões” do coração
humano que os melhores argumentos lógicos jamais atingiriam. A história das missões também é
a história do hino evangelístico.
Quando a igreja deve exercer sua função pública e, ao lado de sua mensagem evangelística, praticar
a cidadania, o sopro do Espírito Santo faz com que transcenda os limites restritos das edificações
religiosas e ganhe as praças públicas. Aqui também, quando tratamos do aspecto profético da Igreja,
a música é parte integrante. Há hinos que se constituem em verdadeiros símbolos de resistência, ou
de transformação, ou de compromisso solidário. A Igreja canta quando atua ao lado das crianças de
rua, quando reivindica melhores condições de vida junto aos operários, quando busca reconquistar
a dignidade com os que estão privados da terra ou de teto, quando chora o abandono com os
sofredores de rua, enfim, quando a Igreja cumpre sua missão de vestir os nus, visitar os prisioneiros,
amparar os forasteiros, alimentar os famintos etc. (cf. Mt 25.31-46).
A Igreja não somente evangeliza e profetiza, mas também educa e ensina. A ordem do Cristo
ressurreto dada aos discípulos é clara: “fazei discípulos de todas as nações [...] ensinando-os a guardar
todas as coisas que vos tenho ensinado” (Mt 28.19-20). A música é uma das formas mais didáticas de
ensinar, ou ainda mais, de educar, porque o faz com a razão e com o coração. Quando cantamos,
não somente pronunciamos palavras, mas as sentimos. Ainda que não tenha a pretensão consciente,
toda música tem um aspecto catequético ou pedagógico. Ensinar um hino é ensinar uma tradição,
uma ideia, um conceito, uma doutrina, uma cosmovisão, um estilo de vida. Aqui vale uma advertência
quanto ao cuidado com que tais cânticos devem ser escolhidos, particularmente no contexto da
Igreja, pois eles podem reforçar ideias bastante contraditórias em relação ao Evangelho de Jesus:
algumas canções podem carregar concepções individualistas, ou belicistas, ou ainda discriminatórias
e preconceituosas. Saber o que se canta é tão importante quanto saber como se canta.

A título de conclusão: a missão da música


Há elementos que fazem com que certas músicas sejam
melhores que outras. Alguns desses elementos são bastante
subjetivos, entretanto, outros são mais objetivos e podem
ser discutidos aqui.
A Igreja não somente
evangeliza e profetiza, mas
também educa e ensina.

Afinação
A afinação: ora, é evidente que uma música afinada é mais bonita que aquela que é
entoada desafinadamente. Daqui depreende-se que todo esforço para se buscar a afinação,
principalmente no canto congregacional, será justificado. Mas associado ao conceito de
afinação, podemos invocar o compromisso do cantante com aquilo que canta. À medida
que um hino nos venha de um passado, próximo ou longínquo, ele carrega consigo uma
tradição, uma história, uma memória. Sem consciência do passado não há consciência do
presente e, muito menos, perspectiva de futuro. Buscarmos a afinação da nossa fé é ainda
mais importante que buscarmos a afinação das nossas vozes, para que o nosso canto soe
como um louvor e glorifique ao nosso Pai que está nos céus.

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Pulso Dinâmica
O pulso: toda música é concebida a partir A dinâmica: as músicas mais bonitas não
de um contexto cultural e histórico concreto. são aquelas que são entoadas de maneira
Assim, andamento, ritmo, cadência de uma plana, sem coadunação da forma com seu
canção denunciam seu contexto vivencial conteúdo. Se a letra de um hino celebra
(ou, como gostam de dizer os eruditos, seu temas alegres, a dinâmica musical deve
sitz im leben). Rejeitar uma cultura significa ser coerente com isso; se a letra expressa
excluí-la de nossos momentos de intercessão pesar e dor, da mesma forma a dinâmica
e celebração. Assumir o pulso cultural da deve corresponder a essa intenção. Por
nossa terra nada mais é que, a exemplo do isso a música alterna seus movimentos do
Filho de Deus, encarnarmo-nos também nós pianíssimo ao fortíssimo, para que a coerência
em nossa terra e entre nossa gente para que, entre forma e conteúdo seja perfeita. Note-
também aí, se manifestem as obras de Deus se aqui que a tônica é a sincronia entre o
(ver Jo 9.1-3). compromisso de fé expresso pela letra e
o sentimento do executante da melodia.
Não se espera que o compromisso destoe
do sentimento de quem canta. Buscar essa
coerência é tarefa de todos os que, na Igreja
e na vida, cantam sua fé.

Consonância Fermata
A fermata: este é um elemento curioso
A consonância: em música, trata-se do previsto pela teoria musical, porque,
intervalo ou acorde agradável, que gera enquanto a escrita e a notação indicadas
distensão e harmonia. Etimologicamente, nas partituras servem para delimitar sua
o termo refere-se ao ato ou efeito de soar execução dentro de padrões previstos por
concomitantemente. Em muitas ocasiões, seus autores ou arranjadores, quando o sinal
pode-se notar como uma melodia singela indicativo da fermata surge, o resultado
e despretensiosa pode se tornar algo ou efeito do que será executado passa
arrebatador e impressionante pelo efeito a depender inteiramente do executante.
da harmonização. Trata-se de uma arte que Este, sentindo o momento, poderá retardar
exige muito estudo, esforço e talento. Na o ritmo, alongar uma nota, sustentar um
Igreja, quando não há concordância, acordo, acorde, enfim, expressar a intenção do
nem conformidade, não haverá hinologia seu coração, da sua intuição de acordo
que seja consonante. Para que um grupo de com o momento exato em que a música
pessoas entoe harmonias “harmônicas”, é está sendo tocada e/ou cantada. Daqui
preciso que (1) cada um conheça bem a sua resulta que toda partitura é diferentemente
voz; (2) que cada um ouça as demais vozes interpretada não só por diferentes musicistas,
enquanto entoa; (3) que ninguém cante mais instrumentistas, cantores e cantoras, mas
forte, ou mais alto, que os demais; e (4) que que um mesmo musicista ou cantor pode
todos observem as instruções do Maestro, interpretar diferentemente uma mesma
cuja função é fazer surgir, da combinação das música em diferentes ocasiões. Ainda que as
partes, aquela música única e arrebatadora, partituras obedeçam a regras bem definidas,
expressiva e impressionante. haverá sempre uma abertura para aspectos
imponderáveis e imprevisíveis da dinâmica
existencial. Toda música, neste sentido, é um
compromisso com a liberdade.

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Referências
FREDERICO, Denise Cordeiro de Souza. Cantos para o culto cristão: critérios de seleção a
partir a tensão entre tradição e contemporaneidade. São Leopoldo: Sinodal/Iepg, 2001. (Teses
e Dissertações, 16).
_______. A música na Igreja Evangélica Brasileira. Rio de Janeiro: MK, 2007.
HAHN, Carl Joseph. História do culto protestante no Brasil. São Paulo: Aste, 1989.
RAMOS, Luiz Carlos Ramos (Org.). Anuário litúrgico 2007. Charles Wesley 300 anos. São
Bernardo do Campo: Editeo, 2007.

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