Você está na página 1de 12

XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012

14

FORMAÇÃO PARA O ENSINO DE LÍNGUA NAS SÉRIES INICIAIS EM


CURSOS DE PEDAGOGIA

Profa. Dra. Rosemary F. Reis


Universidade Estácio de Sá - UNESA
RESUMO
O texto toma como referência dados construídos a partir de entrevistas realizadas
com oito professoras formadoras que lecionam disciplinas correspondentes às Didáticas
Específicas ou Metodologias do Ensino relativas à formação para o ensino de língua nas
séries iniciais, em cursos de Pedagogia de cinco instituições situadas na cidade do Rio
de Janeiro. Com base nisso apresenta e analisa suas perspectivas e expectativas em
relação ao papel que o curso de Pedagogia e, mais especificamente, as disciplinas que
correspondem à preparação para o ensino de língua estariam cumprindo na formação
daqueles que pretendem atuar nas séries iniciais do Ensino Fundamental. A análise dos
dados permitiu perceber que aspectos importantes relacionados à aprendizagem da
docência e à preparação para ensinar a ler e escrever nas séries iniciais estariam sendo
considerados nas experiências de formação desenvolvidas nas cinco instituições
pesquisadas. No entanto, considerando as mudanças propostas para esse curso, com a
instituição das Novas Diretrizes Curriculares observam-se preocupações das formadoras
que parecem refletir o alto grau de suas expectativas no sentido de que, com as atuais
diretrizes, com uma maior disponibilidade de carga horária, poderiam ser garantidas
melhores condições para um tratamento mais reflexivo e produtivo de conhecimentos
teórico-metodológicos para o ensino de língua, propiciando assim uma formação mais
favorável a articulação que envolve a relação teoria-prática e o desenvolvimento de
estudos mais densos e significativos sobre a prática pedagógica.

Palavras-chave: formação inicial docente, curso de Pedagogia, ensino de língua.

Introdução

Este texto toma como referência dados construídos na pesquisa “Formação para
o ensino da língua escrita nas séries iniciais em cursos de Pedagogia”, desenvolvida no
Programa de Pós-graduação em Educação da PUC – Rio, como tese de doutoramento.
O estudo realizado partiu do pressuposto de que a aprendizagem profissional
docente, em grande medida, depende da qualidade da formação inicial que é oferecida
pelas instituições em que ela pode ocorrer. Nessa perspectiva trazia subjacente o
entendimento de que dentre os diferentes contextos nos quais, a partir da LDBEN/96,
essa formação ocorre, os cursos de Pedagogia se colocam como um lócus privilegiado
para a incorporação de disposições favoráveis, por parte dos estudantes, na construção
de conhecimentos necessários ao desenvolvimento do trabalho docente.
Tendo em vista isso, duas razões que justificaram a opção por realizar o estudo,
se impuseram. A primeira levou em conta a instituição das Novas Diretrizes

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001314
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
15

Curriculares para os cursos de Pedagogia e os diferentes pontos de vista que permeiam


as discussões sobre as mudanças que tal proposta encerra. E a outra considerou as
tensões e os impasses que estão no centro do debate relativo ao campo de estudos sobre
a Língua e o seu ensino.
A investigação privilegiou cinco Universidades que oferecem cursos de
Pedagogia (3 públicas- UFRJ, UERJ, UNIRio e 2 privadas – PUC e UNESA) situadas
na cidade do Rio de Janeiro. Em sua primeira etapa, envolveu a aplicação de um
questionário a 100 estudantes de Pedagogia (em média 20 alunos por turma)
matriculados no 6º ou 7º períodos em cada instituição pesquisada. Condição que
permitiu a participação daqueles estudantes que estavam cursando alguma disciplina
correspondente às Didáticas Específicas ou Metodologias do Ensino relativas à
formação para o ensino de língua nas séries iniciais. Na segunda etapa, foram realizadas
entrevistas com oito professoras formadoras que trabalhavam com tais disciplinas em
cada uma das cinco instituições.
Dentro dos limites e objetivos do texto, será explorada e analisada apenas uma
parte dos depoimentos obtidos nas entrevistas com as professoras referentes às suas
opiniões e expectativas em relação ao papel que o curso de Pedagogia e, mais
especificamente, as disciplinas que correspondem à preparação para o ensino de língua
estariam cumprindo na formação daqueles que pretendem atuar nas séries iniciais do
Ensino Fundamental. Considerando ainda os limites do texto, ressalto que embora as
entrevistas tenham sido realizadas de forma individual, no tratamento dado a descrição e
a análise dos resultados, optei por oferecer uma visão geral do que foi evidenciado pelas
professoras em relação aos temas abordados. Tendo em vista tratar-se de um grupo de
profissionais que, em sua totalidade, constitui-se de mulheres, esclareço também que, no
decorrer do texto, utilizarei sempre a forma correspondente ao gênero feminino, para
nomeá-las.

Situando o estudo
Desde o início do propalado processo de democratização do acesso à escola, o
ensino de língua - indiscutivelmente uma das mais fundamentais responsabilidades da
educação escolar - ou uma determinada maneira de compreendê-lo e desenvolvê-lo vem
sendo, permanentemente, considerado um grave problema. Ao longo dos anos, as
tentativas que buscam contribuir para a superação dessa estreita associação entre
fracasso da/na escola e o ensino de língua, como já alertava Soares (1988) há mais de

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001315
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
16

duas décadas, têm se desdobrado em iniciativas diversas, ocupando com destaque as


preocupações no campo educacional.
Mais especificamente, a partir da década de 80, refletindo as discussões que já
aconteciam desde os anos 70 no meio acadêmico, os avanços na área dos estudos da
Linguagem produzidos com base em referenciais da Lingüística, da Sociolingüística, da
Psicolingüística, somados às contribuições advindas da psicogênese da língua escrita,
foram tomados como referência para se repensar a língua e o seu ensino. Nos anos que
se seguiram, com a emergência dos estudos sobre o Letramento, a compreensão da
dimensão sócio-cultural da língua escrita e de seu aprendizado serviu para ampliar o
entendimento sobre como esse ensino deveria ser desenvolvido na escola. Da mesma
forma, no âmbito do governo federal e nas esferas estaduais e municipais, especialmente
a partir da década de 90, temos assistido a um intenso movimento no sentido de
empreender políticas de reformas educacionais nos sistemas públicos de ensino, em
particular aquelas direcionadas à reformulação de propostas curriculares e de
investimento na formação inicial e continuada de professores.
Contudo, apesar de todos os investimentos feitos, até agora a melhora na
qualidade do ensino de língua, em grande parte de nossas escolas públicas, permanece
sendo uma conquista ainda não realizada. Constatação que, ao longo dos anos, se
confirma a partir de indicadores obtidos por pesquisas realizadas sobre o tema ou pelos
resultados de iniciativas mais recentes de implementação de políticas de avaliação
educacional, dentre elas o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB)
que acontece desde 1990 e em 2005 passou a constituir-se de dois processos de
avaliação distintos: a Avaliação Nacional da Educação Básica (Aneb) e a Prova Brasil.
A despeito das diferentes leituras e entendimentos que os indicadores de tais
avaliações podem produzir, importa destacar que os mesmos têm contribuído para
ampliar reflexões acerca das possíveis relações entre níveis de escolarização e níveis de
habilidades em língua escrita. O que reafirma, entre outros fatores necessários e
associados à aprendizagem, ao domínio e à consolidação de tais habilidades, o
importante papel que a escola e, em especial, os professores e a formação que a eles é
oferecida têm a cumprir nesse processo, nas diferentes etapas da escolaridade.
Entendidos, assim, como fatores essenciais, ainda que não exclusivos, no
processo de busca para a melhoria desse ensino, a formação e o desempenho dos
professores - em particular daqueles que têm como responsabilidade central, no
exercício do ofício, ensinar a ler e escrever nas séries iniciais do Ensino Fundamental -

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001316
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
17

permanecem merecendo atenção privilegiada. O que leva a pensar em o que fazer não
só para que as instituições de formação inicial possam contribuir para melhorar a
qualidade da aprendizagem docente daqueles que pretendem atuar como professores,
bem como para que o contexto no qual esses novos professores vão atuar possa ser um
lócus produtivo para o seu desenvolvimento profissional.
Como observa Soares (2004) se por um lado, atualmente há um diagnóstico
amplamente aceito de que os atuais modelos de formação não se colocam adequados ao
atendimento das demandas da escola, por outro é urgente avançar na busca por
encontrar caminhos que indiquem um acordo de como proceder para alcançar as
mudanças necessárias nesse campo.
No que se refere às questões que têm permeado o debate em torno da formação
de professores responsáveis pelo ensino da leitura e da escrita nos anos iniciais da
escolaridade, tomando por base a visão de ensino e aprendizagem da língua escrita que
hoje se aponta como necessária, pode-se argumentar com Soares (1999) que, certamente
muito mais que as concepções que a precederam, esta nova concepção
exige uma direção e uma orientação pedagógicas que só podem
ser exercidas se fundamentadas em um seguro conhecimento
tanto do processo de aprendizagem quanto do objeto desse
objeto – a língua escrita. O grande desafio atual, portanto, é
socializar entre os professores, esse conhecimento (SOARES,
1999, p. 73).

Além disso, pode-se assinalar também a importância fundamental de os


professores ganharem maior autonomia como leitores. Perspectiva que vêm sendo
defendida por vários autores, entre eles: Batista (1998), Brito (1998), Kleiman ( 2001),
Andrade (2004) e que aponta para se pensar a formação como forma de contribuir para
inserção dos professores em práticas de letramento, tendo em vista aproximá-los daquilo
que hoje se encontra proposto para o ensino da leitura e da escrita na escola,
possibilitando que os mesmos incorporem e exerçam em suas experiências formativas e
profissionais práticas de leitura, para que assim, contribuam de forma mais efetiva na
formação das habilidades de leitura por parte de seus alunos, proporcionando-lhes
condições para tornarem-se, efetivamente, leitores e produtores de língua escrita.
Formação essa que, como sugere Goulart (2004), deve ter como perspectiva a
noção de letramento como horizonte ético-político para a ação pedagógica nos espaços
educativos, uma vez que,

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001317
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
18

a formação destes sujeitos estaria intimamente relacionada à


construção da autoria e da cidadania, na medida em que
associamos estas condições à condição letrada, isto é, à inclusão
e participação efetivas dos sujeitos no tecido social que se
constitui com a apropriação da chamada variedade padrão da
língua e da linguagem escrita (GOULART, 2004).

Considerando isso, aliado a outros conhecimentos e a perspectiva crítico-


reflexiva, é possível pensar que a formação inicial dos professores poderá contribuir
para o desenvolvimento de um pensamento autônomo que os instrumentalize para as
tomadas de decisão nas inúmeras situações que vivenciam no exercício de seu ofício,
contribuindo de forma efetiva para a melhoria da qualidade do ensino.
O que impõe como necessário que os cursos de formação, em particular os que
ocorrem na Universidade, nos cursos de Pedagogia - como um importante contexto e
fonte para a aprendizagem de saberes profissionais - tomem para si parte desta tarefa.
Afinal, como pertinentemente nos alerta Andrade (2004), na formação inicial ou
contínua desses professores, além de sermos seus professores, somos nós que os
formamos “quando escrevemos artigos, livros e palestras e orientamos suas leituras.
Portanto, estamos enredados nesses fios e nossa ação tanto constitui esses nós quanto
(deve) buscar desenlaçá-los.” (ANDRADE, 2004, p.21)

A preparação dos estudantes para o ensino da Língua nas séries iniciais, segundo
as professoras formadoras
Sem qualquer pretensão de realizar uma tipologia quanto à forma como as
formadoras entrevistadas atuam, na análise de suas respostas à pergunta que indagou a
respeito de como percebem e conduzem sua atuação em sala de aula na preparação dos
estudantes para o trabalho de ensinar a ler e escrever nas séries iniciais, um primeiro
aspecto a destacar diz respeito às concepções que fundamentam e orientam suas visões
em relação à Língua e ao seu ensino.
Tendo em vista isso, como se pode observar a partir das informações
relacionadas aos autores com os quais trabalham, de modo geral, percebe-se uma clara
tendência, a priorizarem uma concepção dialógica de linguagem com base na
perspectiva enunciativa-discursiva de Bakhtin e nos aportes da psicologia sócio-
interacionista do desenvolvimento vygotskiana. Articulado a isso, referências às idéias
que advém das contribuições dos estudos baseados em abordagens do campo da
lingüística, sociolingüística e psicolingüística também foram evidenciadas. Na direção
de um trabalho que coloca em foco reflexões sobre a dimensão político-ideológica-

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001318
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
19

cultural da Língua, algumas conferem importância às contribuições de Paulo Freire.


Ênfase igual recebem também os pesquisadores Magda Soares e Wanderley Geraldi,
citados de diferentes formas por quase todas as formadoras.
Indagadas a respeito de como percebem a discussão que coloca em dicotomia os
significados de Alfabetização e Letramento - tema que tem polarizado o debate no
campo de estudos sobre a Língua - bem como compreendem o tratamento dessa
discussão nos contextos de formação nos quais atuam, pode-se perceber nas respostas
das formadoras posições semelhantes em relação a essas duas questões.
No que se refere à primeira questão, de modo geral, de diferentes maneiras as
professoras consideram-se contrárias às perspectivas de análise que buscam estabelecer
diferenciações conceituais entre os termos Alfabetização e Letramento, uma vez que,
segundo seus depoimentos, a discussão que hoje está posta é equivocada, pois muito
mais que contribuir para explicar o fenômeno a que se refere, parece servir
especialmente a interesses políticos e econômicos. Quanto a isso, deixando explícitas
suas preocupações no sentido de que cabe aos professores formadores repensarem a
forma como têm tratado essas discussões com os estudantes, os argumentos que as
formadoras utilizam para contraporem-se a essa visão, entre outros, podem ser assim
sintetizados: mais importante do que ocupar-se com essa distinção entre os conceitos,
uma vez que isso depende do significado que se atribui ao termo alfabetização, importa
pensar em como fazer para que os professores possam atuar de maneira a garantir que
de fato seus alunos aprendam a ler e escrever; essa distinção entre os termos mais
atrapalha do que ajuda a compreender o processo de ensinar a ler e escrever, levando
os professores em exercício e os estudantes em formação a cometerem equívocos que
não contribuem para fazê-los avançar nesse entendimento; esse tema assim como tantos
outros que circularam no campo da educação, acaba virando apenas um “ grande
modismo”.
A despeito das posições colocadas em relação a como percebem essa polêmica
em torno dos conceitos atribuídos aos termos Alfabetização e Letramento, as
professoras explicitaram também em suas repostas sobre o tema as formas como
compreendem e conduzem o tratamento dessa discussão nos contextos de formação nos
quais atuam. Em quase todos os depoimentos, pode-se observar que para elas, em
muitos casos, o encaminhamento desse trabalho surge em decorrência do interesse dos
próprios alunos. Nesse sentido, reafirmando posições quanto ao fato de não acreditarem
que o conhecimento dessas distintas perspectivas, por si só, contribua para favorecer

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001319
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
20

que os estudantes em formação construam aprendizagens sobre como conduzir de


forma efetiva e adequada a tarefa de ensinar a ler e escrever, verificam-se menções ao
fato de que a importância de abordar o tema no curso de formação, talvez, se justifique
no sentido de contribuir para que os estudantes respondam às questões de concurso. De
todo modo, as estratégias que dizem utilizar privilegiam a condução de reflexões em
torno de diferentes concepções sobre o tema, a partir de contribuições de diferentes
autores. Somado a isso, observam-se também considerações que sublinham a prioridade
que deve ser dada à condução de um trabalho que, - para além de oferecer
oportunidades para que os estudantes conheçam as diferentes concepções que envolvem
essa discussão -, possibilite o envolvimento dos estudantes em práticas de letramento,
favorecendo o acesso e a inserção dos mesmos em diferentes práticas da cultura
letrada, tendo em vista contribuir para que avancem na sua condição de leitores e
produtores de língua escrita.
Em relação à questão específica dos conhecimentos que os estudantes devem
dominar em relação à língua, ou seja, quanto aos objetos de estudo que as formadoras
buscam ensinar aos estudantes, de modo geral, verifica-se que as mesmas priorizam
uma diversidade de conceitos dos estudos da área da linguagem relacionados ao campo
da Língua Escrita, bem como aspectos didático-metodológicos relacionados ao seu
ensino tanto na Alfabetização quanto nas séries subsequentes. Referenciadas pelas
contribuições de alguns autores de significativa expressão no campo da linguagem e do
ensino de língua, conforme já mencionado, colocam-se como desafio buscar
desenvolver nos estudantes em formação uma compreensão da prática pedagógica para
o ensino de língua na direção de uma perspectiva de base enunciativa/ discursiva, e
também sócio-cultural dos estudos do Letramento, viabilizada pelo entendimento da
noção bakhtiniana de gênero textual, como amplamente discutido nos estudos sobre o
tema.
Nessa perspectiva, segundo declaram, privilegiam reflexões que contribuem para
que os estudantes possam construir uma compreensão no sentido de que esse ensino
deve tomar como referência as possibilidades de usos ou práticas sociais de leitura e de
escrita de forma contextualizada e não descolada das suas condições de produção e dos
sujeitos que dela participam. Ou seja, partindo da noção de gênero textual bakhtiniana
parecem almejar que os estudantes construam o entendimento de “um saber como
fazer” em relação ao ensino de língua, que implica o domínio da norma de prestígio,
assim como diferentes encaminhamentos didáticos para ensiná-la.

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001320
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
21

Situando-se a partir desse ponto de vista mencionam a importância de enfatizar


o estabelecimento da relação entre teoria e prática. Com isso, partindo de um trabalho
de reflexão que se apóia na análise de situações concretas através de textos produzidos
por alunos reais, vídeos sobre aulas dadas por professores, ou mesmo relatos sobre
observações colhidas pelos estudantes em atividades desenvolvidas nas disciplinas de
Prática de Ensino, acreditam estar oferecendo aos alunos a possibilidade de melhor
compreender como esse ensino deve ser realizado. Na mesma direção, cabe destacar
também a importância atribuída pelas formadoras ao trabalho que desenvolvem visando
aproximar os estudantes de um repertório de leitura associado ao universo da literatura
em geral ou da denominada literatura Infantil.
Nessa direção, mesmo reconhecendo a dimensão prescritiva inerente ao curso
de Pedagogia, - em particular as disciplinas que tratam de metodologias específicas - ,
consideram que o mais desafiador é buscar empreender um trabalho que tenha como
foco desenvolver nos estudantes a possibilidade de se compreenderem como agentes de
seu próprio processo de formação. Considerando, que no caso específico dessa
disciplina, o objeto de estudo e de ensino se confundem uma vez que o que está em jogo
é exatamente um trabalho “com” e “sobre” a língua, acreditam que o mais importante
no trabalho a ser realizado com os formandos deve priorizar o desenvolvimento de
competências e habilidades que favoreçam uma prática consciente por parte deles
sobre os usos e funções da língua. Dessa forma, ao relatarem o modo como tratam os
conteúdos que ensinam, as professoras enfatizam a intenção de promover a inserção
dos estudantes no universo da leitura e da escrita, objetivando favorecer aprendizagens
não só relativas à língua como objeto de estudo, mas, sobretudo, aquelas que lhes
permitirão fazer uso adequado dessa nas situações de interação verbal nas quais se
envolvem como estudantes ou vierem a se envolver na condição de futuros professores.
Formas de atuação que parecem estar relacionadas ao que consideram como
mais um desafio a ser enfrentado na preparação dos estudantes para o ensino de língua,
apontado por quase todas as professoras entrevistadas: as limitações dos próprios
estudantes na relação com a leitura e a escrita, sobretudo porque muitos deles não
vivenciaram em suas trajetórias de escolarização experiências favoráveis em relação a
isso. Nessa direção, o reconhecimento de que o curso se constitui pela presença de
estudantes oriundos de diferentes setores sociais, com diferentes experiências de
escolarização parece ser tomado pelas formadoras como algo que já é dado. Sendo
assim, se as situações de comunicação pedagógica (PERRENOUD, 2001) muitas vezes,

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001321
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
22

não encontram eco nos estudantes, exatamente, porque segundo a perspectiva de


Bourdieu (1998c), por não pertencerem às elites econômicas e culturais, em muitos
casos, os estudantes não seriam possuidores de um capital cultural considerado legitimo,
de acordo com o que se observou na maioria dos depoimentos das formadoras, o que
sobressai na condução do trabalho que realizam é o compromisso em contribuir para
que os estudantes possam, não só, corresponder as exigências acadêmicas, mas também
modificar essa relação com a língua escrita.
Dos depoimentos obtidos, vale ressaltar ainda as opiniões das formadoras quanto
à questão que indagou se o novo modelo pensado para o curso a partir das Novas
Diretrizes Curriculares estaria favorecendo a preparação dos estudantes para o ensino da
leitura e da escrita. Sobre isso, ao se analisar o conjunto dos depoimentos das
professoras observa-se que, se, por um lado consideram que a proposta curricular de
suas instituições, em muitos casos esteja atendendo a esse objetivo, por outro levantam
também uma preocupação quanto ao fato de que ainda se faz necessário um
investimento maior no sentido de organizar melhor o currículo tendo em vista
contemplar satisfatoriamente as demandas necessárias ao seu atendimento. Articulado a
isso, podem-se notar referências muito claras quanto à escassez de tempo e à
insuficiência de disciplinas que, conseqüentemente, não favorecem o tratamento de
forma mais aprofundada e abrangente dos conteúdos necessários a preparação para esse
ensino, bem como o desenvolvimento de estudos mais densos e significativos sobre a
prática pedagógica.
A esse respeito, pelo que se pode depreender do posicionamento das formadoras,
as preocupações que deixam escapar ao analisarem suas experiências parecem expressar
o alto grau de suas expectativas no sentido de que, com as atuais diretrizes, na
reformulação dos cursos, pela via de uma maior disponibilidade de carga horária,
poderiam ser garantidas melhores condições de trabalho para um tratamento mais
reflexivo e produtivo dos conhecimentos teórico-metodológicos relativos à língua e ao
seu ensino, propiciando assim uma formação mais favorável a articulação que envolve a
relação teoria-prática, pois como dito por uma das formadoras apesar de concordar com
o entendimento de que o professor de primeira a quarta não vai trabalhar
determinadas especificidades da língua, se ele não conhecer e dominar, como é que ele
pode trabalhar isso de maneira diferente?
A despeito das expectativas, quanto aos contornos e perspectivas que a formação
deve assumir com base no que se encontra proposto nas Novas Diretrizes Curriculares,

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001322
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
23

as professoras relativizaram isso também quando evidenciaram em suas falas o caráter


inicial que a experiência formativa do curso assume sobre o processo de aprendizagem
profissional dos estudantes. Assim, para elas, definir a dimensão que esse caráter inicial
assume, não parece tarefa fácil, dada a problemática que envolve a relação entre a
formação e o efetivo exercício da carreira. Contudo, como pode ser observado na maior
parte dos depoimentos, se é verdade, que a experiência formativa inicial deve funcionar
como base para o exercício profissional futuro, mais importante que constatar isso,
parece oportuno que se reconheça os estudantes como agentes desse processo,
resgatando e respeitando seus saberes, estimulando-os a produzirem conhecimentos a
partir da relação teoria-prática, enfim, levando-os a refletir sobre a própria função de ser
professor e sobre a realidade educacional onde, possivelmente, irão atuar.

Considerações Finais
Como se pode observar a apresentação e a análise dos dados permitiu perceber
que aspectos importantes relacionados à aprendizagem da docência e à preparação para
ensinar a ler e escrever nas séries iniciais parecem estar sendo considerados nas
experiências de formação desenvolvidas nas cinco instituições pesquisadas. Constatação
que se confirma quando se retoma os resultados obtidos quanto a isso revelados nas
respostas dadas ao questionário pelos 100 estudantes que participaram da pesquisa a
qual este texto se refere, pois conforme se verificou deste total, 87% indicaram a
confirmação de que o curso tem contribuído para que compreendam o que deve ser
ensinado e como deve ser desenvolvido esse ensino, tanto na alfabetização quanto nas
séries subseqüentes. O que sem dúvida, em parte, pode ser atribuído ao perfil
profissional que caracteriza as formadoras entrevistadas. Como identificado na
pesquisa, trata-se de um grupo de professoras que - além de uma titulação adequada ao
trabalho que realizam, pelas experiências adquiridas anteriormente, na formação inicial
e no exercício profissional nos níveis mais elementares do ensino -, carrega em sua
trajetória matrizes de percepção e de apreciação sobre o curso e sobre os estudantes que
muito certamente orientam de forma favorável suas ações no ato de ensinar.
Quanto a isso, se tomarmos como referência a produção de conhecimento que
analisa e discute os diferentes modelos/tipos de formação para o exercício da profissão
que, orientam/orientaram as práticas formativas em diferentes períodos da nossa
história, a partir dos depoimentos das professoras formadoras, podemos observar que as
mesmas encontram-se comprometidas com concepções que têm por base perspectivas

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001323
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
24

que atribuem a esse processo a importante e necessária participação dos sujeitos em


formação de forma ativa, crítica e reflexiva. Nesse sentido, no que se refere à base
epistemológica que subjaz ao seu trabalho, verifica-se que um dos traços mais
marcantes desse grupo de formadoras, relaciona-se a uma atuação que se distancia de
uma visão de formação pautada na racionalidade técnica em favor daquela que toma
como ponto de partida os sujeitos da aprendizagem, seus alunos, e os saberes que
possuem. A partir daí, através de um permanente processo de reflexão buscam
desenvolver um trabalho visando assegurar que os estudantes possam desempenhar um
papel ativo na sua própria formação, garantido a incorporação de disposições favoráveis
na busca pelo seu próprio desenvolvimento pessoal e profissional.
No entanto, em que pese a avaliação positiva dos cursos quanto a isso, com base
nos depoimentos das formadoras, o estudo permitiu revelar também alguns obstáculos
relacionados ao não atendimento adequado ao desenvolvimento de estudos relevantes
direcionados aos conteúdos específicos e a prática pedagógica na preparação dos
estudantes para o ensino de Língua, que configuram a estrutura curricular das cinco
instituições pesquisadas. Embora, pelo evidenciado nas declarações que fizeram, exista
um esforço das instituições nas quais atuam em modificar essa realidade, esse parece ser
ainda um desafio a ser enfrentado. Nesse caso, para elas seria plausível supor que com
as Novas Diretrizes, poderiam ser garantidas melhores condições de trabalho em termos
de tempo e de oferecimento de disciplinas que atender a essa demanda.
Evidencias que se aproximam dos resultados do estudo realizado por Gatti
(2009), no qual analisa a reformulação curricular de 71 cursos de Pedagogia. Segundo a
autora, nos cursos pesquisados chama atenção que apenas 3,4% das disciplinas
ofertadas referem-se à “Didática geral”. O grupo “Didáticas específicas, metodologias e
práticas de ensino” (o “como” ensinar) representa 20,7% do conjunto, e apenas 7,5%
das disciplinas são destinadas aos conteúdos a serem ensinados nas séries iniciais do
ensino fundamental, ou seja, ao “o quê” ensinar.
Por fim, acreditando que “com a aprovação das Diretrizes, não se extinguem as
polêmicas que acompanham as discussões sobre seu caráter e a identidade do curso de
Pedagogia” (AGUIAR, 2006, p.18), por tratar-se de um estudo realizado com
professoras atuantes em diferentes cursos de Pedagogia que constituem uma amostra
significativa das instituições de formação para o magistério na cidade do Rio de Janeiro,
acredito que o que aqui foi apresentado poderá ser colocado em correspondência ou em
relação ao que já existe de conhecimento acumulado sobre o assunto, ampliando as

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001324
XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
25

reflexões sobre tendências e perspectivas de mudanças, no âmbito da formação inicial


docente, que vêm ocorrendo nos cursos de Pedagogia em geral.

Referências Bibliográficas
AGUIAR, Márcia Angela da Silva. et al . Diretrizes Curriculares do curso de Pedagogia
no Brasil: disputas de projetos no campo da formação do profissional da educação.
Educ. Soc., Campinas, vol. 27, n. 96 - Especial, p. 819-842, out. 2006.
ANDRADE, Ludmila Thomé de. Professores-leitores e sua formação:
transformações discursivas de conhecimento e de saberes. Belo Horizonte: CEALE,
Autêntica, 2004.
BATISTA, A. A. Os professores são não leitores? In: SILVA, C.S.R; MARINHO, M.
(org.). Leituras do professor. Campinas: Mercado de Letras, 1998.
BOURDIEU, P. Futuro de classe e causalidade do provável. In: NOGUEIRA, M.A e
CATANI, A (orgs.). Escritos de educação. Petrópolis, Vozes, 1998.
BRITO, L.P. L. de. Leitor interditado. In: SILVA, C.S.R; MARINHO, M. (org.).
Leituras do professor. Campinas: Mercado de Letras, 1998.
GATTI, B. e NUNES, M. R. Formação de professores para o ensino fundamental:
Instituições Formadoras e seus currículos. Relatório de Pesquisa. São
Paulo: Fundação Carlos Chagas; Fundação Vitor Civita, 2008.
GOULART, Cecília. A noção de letramento como horizonte político para o trabalho
alfabetizador questões para a prática e para a pesquisa. Trabalho apresentado no
VIII Congresso de Lingüística e Filologia, agosto de 2004.
KLEIMAN, A. B. Letramento e formação do professor: quais as práticas e exigências
no local de trabalho? In: KLEIMAN, A. B (org.). A formação do professor-
Perspectivas da lingüística aplicada. Campinas: mercado de Letras, 2001.
PERRENOUD, P. Formando professores profissionais: quais estratégias? quais
competências?. Porto Alegre: Artmed, 2001.
SOARES, Magda. Linguagem e Escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática,
1988.
____________. Aprender a escrever, ensinar a escrever. In: ZACCUR, E. (org). A
Magia da linguagem. DP&A, 1999.
______________. Alfabetização e Letramento: caminhos e descaminhos. Revista
Pátio, n.29, fevereiro de 2004.

Junqueira&Marin Editores
Livro 2 - p.001325

Você também pode gostar