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Maria Auxiliadora Schmidt (UFPR) Isabel Barca (Uminho-PT); Tânia Braga Garcia
(UFPR).
alemão.
Publicado em português na Revista Práxis Educativa. Ponta Grossa, PR, v.1, n.1,
Traduzido para o português por Marcos Roberto Kusnick. Revisão de tradução por
02 – Aprendizado Historico.
Rüsen, Jörn. Historisches Lernen, in: Bergmann, Klaus; Fröhlich, Klaus; Kuhn,
Annette; Rüsen, Jörn; Schneider, Gerhard (eds.). Handbuch der
Geschichtsdidaktik. Seelze/Velber: Kallmeyer, 1997, 5a. ed., p.261-265. Tradução
de Johnny R. Rosa, mestrando na Universidade de Brasília; revisão de Estevão
de Rezende Martins. Brasília: 2009. Com a autorização do autor.
histórica.
Sciencies Research Council, 1993, pp. 85-93. Traduzido para o portugues por
Human Sciences Research Council, 1993, pp.3-14. Traduçao para o portugues por
Tradução do espanhol – Jorn Rusen. El libro de texto ideal. In. Revista Iber –
Fronteras de la historia. N.12, Ano IV, Abril 1997, pp.79-93. Traduçao para o
Rezende
JÖRN RÜSEN E O ENSINO DE HISTÓRIA
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
de todos os que são modelados na tradição europeia e nos mundos em que esta
prevaleceu no ordenamento cultural, como nas Américas.
O humanismo fundante, que Rüsen adota e expõe, constitui-se em uma
espécie de mínimo denominador comum a todo e qualquer agente racional humano,
pouco importa onde, quando ou como. Para além do laivo metafísico presente nessa
visão, seu substrato é a concepção geralmente aceita dos direitos do homem e do
cidadão, em suas diversas expressões desde a declaração da Virgínia, em 1776, até
as que vieram a ser concretamente debatidas e adotadas no espaço público
internacional a partir de 1948. A historicidade empírica da realidade das sociedades
e das culturas, que envolve a cada um de nós como indivíduo pensante e agente, é,
por conseguinte, o ponto de partida para encontrar, em sua diversidade, o que nos
faz iguais, livres e solidários. Ou o que nos deveria fazer iguais, livres e solidários.
Dentre as diferentes razões que Rüsen entende terem causado, no passado,
o afastamento e mesmo a contraposição entre os seres humanos, sob formas às
vezes radicais, surge uma que ele considera de especial relevância: a de um
aprendizado histórico capenga, unilateral, autocentrado, discriminante. Desde muito
cedo, já que a cátedra que ocupou em Bochum incluía em suas diretrizes
programáticas a preocupação com a didática da História, Rüsen refletiu e fomentou
a crítica dos processos de aprendizado, formadores da subjetividade empiricamente
preenchida pela experiência do tempo, no tempo e sobre o tempo. Rüsen considera
a didática em duas dimensões: a tradicional, voltada para o sistema escolar
institucionalizado, e a genérica, social, em que pensar o tempo vivido se faz no dia-
a-dia, por um sem número de meios. Modernamente, é de reconhecer que o
ambiente escolar tem um peso grande nesse processo de aprendizado. Mas não é
único.
Rüsen é amplamente conhecido por sua trilogia de Teoria da História, cuja
tradução brasileira foi publicada pela Editora da Universidade de Brasília: I: Razão
Histórica (2001), II: Reconstrução do Passado (2007), e III: História Viva (2007).
Os textos reunidos no presente volume contribuem para expandir o acesso
dos leitores de língua portuguesa ao apresentarem a faceta do pensamento
rüseniano que lida com o processo de formação, por aprendizado, da consciência
histórica. Essa consciência se exprime pelo discurso articulado em forma de
narrativa. O aprendizado se realiza ao longo de uma dupla experiência: uma é a do
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"Aprender a ler, aprender a escrever a História", financiado pelo CNPq, e que tem
por finalidade principal a sistematização de contributos fundantes de uma teoria da
aprendizagem histórica.
Em Portugal, os trabalhos desenvolvidos no âmbito dos Projetos HICON
(Consciência Histórica – Teoria e Práticas) desde 2003, coordenados por Isabel
Barca e financiados pela Fundação para a Ciência e Tecnologia, propõem-se incidir
na análise de concepções de alunos e professores em Portugal, Brasil e Cabo
Verde, com inspiração seminal nos debates epistemológicos desenvolvidos por
Rüsen. Uma das preocupações nestes Projetos quanto ao uso da história para a
orientação temporal dos jovens consiste em contribuir para combater uma ideia
comumente aceite de confinar a noção de consciência histórica a uma redutora
identidade nacional, local ou outra, ou à construção de um perfil único de cidadão, à
volta do qual sabemos não existir consenso. A matriz conceitual apresentada por
Rüsen (1993), para discutir as relações entre o saber histórico e a vida prática
(lebenpraxis), tem fornecido um suporte teórico valioso para perceber a noção de
consciência histórica: a história com as suas teorias, métodos e formas alimenta-se
dos interesses e funções da vida prática, sendo desejável que esta seja, por sua
vez, por ela alimentada de forma consistente e abrangente. É fundamental acentuar
que esta proposta de orientação temporal para a vida prática contrasta com uma
outra ideia, que é a de uma utilização da história movida por interesses particulares,
ao serviço de identidades exclusivistas, sejam de caráter político, religioso,
econômico, cultural. Contudo, esta recusa em olhar a história como uma disciplina
escolar para uma cidadania com enfoques particulares não significa que ela seja
encarada como um saber inerte, para simples deleite subjetivo: espera-se que o
aparato conceitual da história habilite os jovens a desenvolverem de forma objetiva,
fundamentada porque assente na análise crítica da evidência, as suas
interpretações do mundo humano e social, permitindo-lhes, assim, melhor se
situarem no seu tempo. A consciência histórica será algo que ocorre quando a
informação inerte, progressivamente interiorizada, se torna parte da ferramenta
mental do sujeito e é utilizada, com alguma consistência, como orientação no
quotidiano.
Sob este enquadramento, os estudos de consciência histórica têm explorado
ideias dos alunos portugueses sobre mudança (MACHADO, 2006), significância
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REFERÊNCIAS
DIAS, Paula. As explicações dos alunos sobre uma situação histórica: um estudo
com alunos do 3.o ciclo do ensino básico. 2006. Dissertação (Mestrado) -
Universidade do Minho, Braga, 2006.
LEE, Peter. Putting Principles into Practice: Understanding History. In: DONOVAN,
M. BRANSFORD, J. (Eds.). How Students Learn: History, Matematics, and Science
in the Classroom. Washington, DC: The National Academies Press, 2005. p.31-78.
JÖRN RÜSEN
* Este texto foi originalmente publicado em 1987, na revista History and Theory e publicado em
português na Revista Práxis Educativa. Ponta Grossa-PR, v.1, n.1, 15 jul/dez, 2006, em versão
autorizada pelo autor.Tradução de Marcos Roberto Kusnick. Revisão da tradução por Luis
Fernando Cerri..
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considerar, o que, quando feito, poderia fazer dela uma parte integral e importante
dos estudos históricos.v
Para aqueles que estão atentos à história da disciplina de história,
especialmente acerca da sua transformação em uma atividade profissionalizada,
acadêmica, não deveria ser surpreendente que a didática possa desempenhar um
papel importante na escrita e na compreensão histórica. Antes que os historiadores
viessem a olhar para seu trabalho como uma simples questão de metodologia de
pesquisa e antes que se considerassem "cientistas", eles discutiram as regras e os
princípios da composição da história como problemas de ensino e aprendizagem.
Ensino e aprendizagem eram considerados no mais amplo sentido, como o
fenômeno e o processo fundamental na cultura humana, não restrito simplesmente à
escola. O conhecido ditado "historia vitae magistra" (história mestra da vida), que
define a tarefa da historiografia ocidental da antiguidade até as últimas décadas do
século dezoito, indica que a escrita da história era orientada pela moral e pelos
problemas práticos da vida, e não pelos problemas teóricos ou empíricos da
cognição metódica. Mesmo durante o Iluminismo, quando as formas modernas de
pesquisa e discurso acadêmicos foram sendo forjadas, historiadores profissionais
ainda discutiam os princípios didáticos da escrita histórica como sendo fundamentais
para seu trabalho.
Mas, devido à crescente institucionalização e profissionalização da história,
a importância da didática da história foi esquecida ou minimizada. Durante o século
XIX, quando os historiadores definiram sua disciplina, eles começaram a perder de
vista um importante princípio, a saber, que a história é enraizada nas necessidades
sociais para orientar a vida dentro da estrutura tempo. O entendimento histórico é
guiado fundamentalmente pelos interesses humanos básicos: assim sendo, é
direcionado para uma audiência e tem um papel importante na cultura política da
v Para informação geral, ver Handbuch der Geschichtsdidaktik terceira edição, ed. K. Bergmann, A.
Kuhn. J. Rüsen, e G. Schneider (Düsseldorf, 1985); Geschichtsdidaktik: Theorie für die Praxis, ed.
K. Bergmann and J. Rusen (Düsseldorf. 1978); Geschichtsdidaktische Positionen:
Bestandsaufnahme und Neuorientierung, ed H. Süssmuth (Paderborn, 1980); Geschkhtsdidaktik,
Geschichtswissenschaft, Geseihehaft, ed, G. Behre e L.-A. Norborg (Stockholm, 1985);
Geschichte: Nutzen und Nachteil für das Leben, ed. U. A. J. Becher e K. Bergmann (Düsseldorf,
1986); E. Weymar, Geschichtswissenschaft und Theorie: Ein Literaturbericht (Stuttgart, 1979); E.
Vfcymar, "Dimensionen der Geschichtswissenschaft: Geschichtsforschung- Theorie der
Geschichtswissenschaft -Didaktik der Geschichte" em Geschichte in Wissenschaft und Unterricht
(Stuttgart, 1982), 1-11.65-78, 129-153.
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vii Principais trabalhos: Elich Weniger. Die Grundlagen des Geschichtsunterrichts: Untersuchungen
zur geisteswissenchaftlichen Didaktik (Leipzig, Berlin, 1926); Erich Weniger. Neue Wege im
Geschichtesunterricht [1949] (Frankfurt, 1969).
ix Para informações gerais sobre o desenvolvimento dos estudos históricos na Alemanha, ver H.-U
Wehler, "Geschichtswissenschaft heute", in Stichwortze zur geistigen Situation der Zeit, ed. J.
Habermas (Frankfurt, 1979), 11,709-753; G. Heydemann, Geschichtswissenschaft im geteilten
Deutschland Entwicklungsgeschichte, Organisationsstruktur, Funktion, Theorie- und
Methodenprobleme in der Bundesrepubtik Deutschland und der DDR (Frankfurt, 1980); G.G.
Iggers New Directions in European Historiography, revised edition (Middletown, Ct., 1984), chap. 3;
J. Rüsen "Theory of History in the Development of West Geman Historical Studies: A
Reconstruction and Outlook." German Studies Review 7 (1984), 11-26; R. Fletcher, "Recent
Developments in West German Historiography: The Bielefeld Scbool and Its Critics," German
Studies Review 7 (1984), 451-480.
xii Um exemplo frequentemente discutido é A. Kühn, Einführung in die Didaktik der Geschichte,
segunda edição (Munich, 1977).
xiii Cf. A. Sywottek, Geschichtswissensckaft in der Legitimationstrise: Ein Überblick über Diskussion
um Theorie und Didaktik der Geschichte der Bundesrepublik Deutschland 1969-1973 (Bonn,
1974).
xiv J. Rüsen, Für eine erneuerte Historik: Studien zur Theorie der Geschichtswissenschaft (Stuttgart,
1976).
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xviii J. G. Droysen, Historik, ed. P. Leyh (Stuttgart, 1977). (Tradução inglesa de seu Grundriss der
Historik: Outline of the principles of History [1883] (Nova Yorque, 1967).
xix Cf. a série Theorie der Geschichte: Beiträge zur Historik. Vol. I: Objektivitat und Partleilichkeit in
der Geschichte, ed. R. Koselleck, W.J. Mommsem, e J. Rüsen (Munich, 1979); Vol 2: Historische
Prozesse, ed. K.-O. Faber e C. Meier (Munich, 1978); Vol. 3: Theorie und Erzählung in der
Geshichte, ed. J. Kocka e T. Nipperdey (Munich, 1979); Vol. 4: Formen der Geschichtsschreibung,
ed. R. Koselleck, H. Lutz, e J. Rüsen (Munich, 1982): e Vol. 5: Historische Methode, ed. C. Meier e
J. Rüsen (Munich, 1987).
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xx Uma abordagem sistemática desses fatores básicos pode ser encontrada em J. Rüsen,
Historische Vernunft. Grundzüge einer Historik I: Die Grundlagen der Geschichtswissenschaft
(Göttingen, 1983); J. Rüsen, Rekonstruktion der Vergangenheit. Grundzüge einer Historik II: Die
Prinzipien der historichen Forschung (Göttingen, 1986).
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O que deveria ser evidente é que as habilidades normais adquiridas pelo historiador
profissional não são suficientes para a execução dessa mediação.
Atualmente, na Alemanha Ocidental, quatro itens principais dominam as
discussões sobre a didática da história. Eles têm relação com a metodologia de
instrução, as funções e os usos da história na vida pública, o estabelecimento de
metas para a educação histórica nas escolas e a verificação se estas têm sido
atingidas, e a análise geral da natureza, função e importância da consciência
histórica. Deixe-me ocupar brevemente de cada uma delas.
A metodologia de instrução na sala de aula ainda é um problema importante.
Aqui a concentração no currículo tem sido predominante. Combinada com a hipótese
de que existe uma teoria geral da instrução escolar (Unterrichtslehre), o ensino de
história em sala de aula tem tendido a se tornar uma atividade mecânica. Ainda não
se resolveu como a peculiaridade da consciência histórica – aquelas estruturas
mentais e processos que constituem uma forma específica de atividade cultural
humana – pode ser integrada nesse padrão de educação. Ainda existe um
distanciamento entre a percepção programática de um bom professor de história e o
treinamento formal que ele ou ela recebem na prática do ensino de história. A razão
desse distanciamento é que as discussões referentes à consciência histórica e aos
fatores constitutivos do pensamento histórico não têm sido integradas na pragmática
do ensino e aprendizado. Os insights conquistados na didática da história sobre os
processos, estruturas, conteúdos e funções da consciência histórica não têm sido
traduzidos na análise do ensino e aprendizagem em sala de aula.xxi
Um exemplo disso seria suficiente. No nível abstrato de uma teoria geral da
consciência histórica, nós sabemos alguma coisa sobre os padrões de significação
que governam a experiência do passado humano e sua interpretação como história
dotada de sentido.xxii Mas nós sabemos muito pouco sobre a maneira de como a
xxi A melhor abordagem neste sentido é K. -E. Jeismann, "Didaktik der Geschichte: Das spezifische
Bedingungsfeld des Geschichtsunterrichts," in Geschichte und Politik: Didaktische Grundlegung
eines kooperativen Unterrichts, ed. G. C. Behrmann, K. –E. Jeismann e H. Süssmuth (Paderborn,
1978).
xxii J. Rüsen, "Die vier Typen des historischen Erzählens," in Formen der Geschichtsschreibung, ed.
Koselleck, Lutz, e Rüsen, 514-606; J, Rüsen, "Geschichtsdidaktische Konsequenzen aus einer
erzätltheoretischen Historik," in Historisches Erzählen: Formen und Funktionen, ed. S. Quandt e H.
Süssmuth (Gottinten, 1982), 129-170.
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xxiv Exemplos representativos são Geschichtsunterricht: Inhalte und Ziele, ed. I. Rohlfes and K.-E.
Jeismann (Stuttgart, 1974); Geschichtsunterricht: Entwurf eines Curriculums für die Sekundarstufe
I, ed. J. Rohlfes (Stuttgart, 1974) (Edição extra de Geschichte in Wissenschaft und Unterricht).
xxv J. Rüsen,"Geschichte als Alfklärung? Oder Das Dilemma des Historischen Denkens zwischen
Herrschaft und Emanzipation," Geschichte und Gesellschaft 7 (1981), 189-218.
xxvii Cf. o ensaio de síntese de R. Schörken em "Die lange Weg zum Geschichtscurriculum:
Curriculum-werfahrem unter der Lupe," Gesckkhtsdidaktik 2 (1977), 254-269, 335-353.
xxviii Ver, sobretudo, K. -E. Jeismann, Geschichte als Horizont der Gegenwart Über den
Zusammenhang von Vergangenheitsdeutung, Gegenwartsverständnis und Zukunftsperspekive
(Paderborn, 1985); R. Schörken, "Geschichtsdidaktik und Geschichtsbewusstsein,'' Geschichte in
Wissenschaft und Unterricht 23 (1972), 8189; e U. A. J. Becher, "Personale und historische
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Identität," in Geschichts didaktik: Theorie für die Praxi, ed. Bergmann and Rüsen, 57-66.Cf.
Historisches Erzählen, ed. Quandt and Süssmuth; A. J. Becher, "Didaktische Prinzipien der
Geschichsdastellung," in Geschichtsdarstellung: Determinanten und Prinzipien, ed. K. -E.
Jeismann e S. Quandt (Göttingen, 1982), 22-38; e J. Rüsen, Historische Vernunft.Ver, sobretudo,
K. -E. Jeismann, Geschichte als Horizont der Gegenwart Über den Zusammenhang von
Vergangenheitsdeutung, Gegenwartsverständnis und Zukunftsperspekive (Paderborn, 1985); R.
Schörken, "Geschichtsdidaktik und Geschichtsbewusstsein,'' Geschichte in Wissenschaft und
Unterricht 23 (1972), 81-89; e U. A. J. Becher, "Personale und historische Identität," in Geschichts
didaktik: Theorie für die Praxi, ed. Bergmann and Rüsen, 57-66.
xxix Cf. Historisches Erzählen, ed. Quandt and Süssmuth; A. J. Becher, "Didaktische Prinzipien der
Geschichsdastellung," in Geschichtsdarstellung: Determinanten und Prinzipien, ed. K. -E.
Jeismann e S. Quandt (Göttingen, 1982), 22-38; e J. Rüsen, Historische Vernunft.Ver, sobretudo,
K. -E. Jeismann, Geschichte als Horizont der Gegenwart Über den Zusammenhang von
Vergangenheitsdeutung, Gegenwartsverständnis und Zukunftsperspekive (Paderborn, 1985); R.
Schörken, "Geschichtsdidaktik und Geschichtsbewusstsein,'' Geschichte in Wissenschaft und
Unterricht 23 (1972), 8189; e U. A. J. Becher, "Personale und historische Identität," in Geschichts
didaktik: Theorie für die Praxi, ed. Bergmann and Rüsen, 57-66.
xxx H. White. Metahistory: the Historical Imagination in Nineteenth-Century Europe (Baltimore, 1973);
H. White. Tropics of Discourse: Essays in Cultural Criticism (Baltimore, 1978); H. White, "The
Question of Narrative in Contemporary Historical Theory," History and Theory 22 (1984), 1- 33; P.
Ricoeur, "Narrative Time," Critical Inquiry 7 (1981), 169-190; P. Ricoeur, "The Narrative Function,"
Semeia 13 (1978), 177-202.
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Para entender completamente essa operação, nós temos que identificar primeiro os
procedimentos da narração histórica, definir seus diversos componentes, descrever
sua coerência e inter-relações e construir uma tipologia que inclua sua aparência
sob diferentes circunstâncias e tempos.xxxi Quando isso for feito nós poderemos
obter um entendimento de como o passado adquire sua modelagem histórica
específica e de como a história é constituída por atos discursivos específicos, formas
de comunicação e padrões de pensamento. Tudo isso pode nos dar um insight
dentro da função cultural da história da mentalidade e da argumentação histórica na
vida social.
Aqui a teoria da história (que analisa os fundamentos dos estudos históricos)
e a didática da história (que analisa os fundamentos da educação histórica)
coincidem em suas análises das operações narrativas da consciência histórica com
suas consequentes conexões sistemáticas.xxxii Fazendo isso elas superam a infeliz
separação que tem existido entre a reflexão acadêmica da natureza da história e a
reflexão didática do uso da história na vida prática. A didática da história está
recuperando a posição que tinha ocupado quando do início da história como uma
disciplina profissional, isto é, cumprindo um papel central no processo de reflexão na
atividade dos historiadores. A disciplina da história não pode mais ser considerada
uma atividade divorciada das necessidades da vida prática.
Terceiro, através da análise das operações da consciência histórica e das
funções que ela cumpre, isto é, pela orientação da vida através da estrutura do
tempo, a didática da história pode trazer novos insights para o papel do
conhecimento histórico e seu crescimento na vida prática. Nós podemos aprender
que a consciência histórica pode exercer um papel importante naquelas operações
mentais que dão forma à identidade humana, capacitando os seres humanos, por
meio da comunicação com os outros, a preservarem a si mesmos. Focando essa
questão de identidade histórica, a didática da história enfatiza um elemento crucial
na estrutura interna do pensamento e da argumentação histórica, bem como suas
funções na vida humana. Se nós pudermos considerar a educação histórica como
um processo intencional e organizado de formação de identidade que rememora o
xxxiii J. Rohlfes, Umrisse einer Didaktik der Geschichte [1971] (Göttingen, 1976); J. Rüsen,
"Ansätze zu einer Theorie des historischen Lernens I: Formem und Prozesse," Geschichtsdidaktik
10 (1985), 249-265; part II, ibid. 12 (1987), 15-27.
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APRENDIZADO HISTÓRICO*
JÖRN RÜSEN
* RÜSEN, Jörn. Historisches Lernen. In: BERGMANN, Klaus; FRÖHLICH, Klaus; KUHN, Annette;
RÜSEN, Jörn; SCHNEIDER, Gerhard (Eds.). Handbuch der Geschichtsdidaktik. 5.ed.
Seelze/Velber: Kallmeyer, 1997. p.261-265. Tradução para o português de Johnny R. Rosa,
mestrando na Universidade de Brasília. Revisão da tradução por Estevão de Rezende Martins.
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FORMAS DE APRENDIZADO
REFERÊNCIAS
JÖRN RÜSEN
da Escócia uma concessão de terras que pertenciam a outro clã mas que as perdeu
por haver ofendido ao rei. Maclean, acompanhado por sua esposa, avançou com
uma força armada de homem para tomar posse de suas novas terras. No confronto
e batalha com o outro clã, Maclean foi derrotado e perdeu sua vida, no entanto sua
esposa, grávida, caiu nas mãos dos vencedores. O chefe do clã vitorioso transferiu
para a família Maclonish a guarda da grávida, Lady Maclean, com uma condição
específica: se a criança nascida fosse um varão, deveria morrer imediatamente, se
fosse uma menina, lhe seria permitido viver. A esposa Maclonish, que também
estava grávida, deu a luz a uma menina quase ao mesmo tempo em que Lady
Maclean deu a luz a um menino. Elas então trocaram as crianças.
O jovem Maclean, havendo sobrevivido a esta armadilha da sentença de
morte que sobre ele pesava antes de nascer, recuperou com o tempo seu patrimônio
original. Em agradecimento ao clã Maclonish determinou então seu castelo como um
lugar de refúgio para qualquer membro daquela família que se encontrasse em
perigo.
Esta narração de encontra no livro Journeu to the Western Islands of
Scotland, de Samuel Jonson, publicado pela primeira vez em 1775.I Minha intenção,
com o presente trabalho, é utilizar esta história para demonstrar a natureza da
competência narrativa e suas diversas formas, e a importância da competência para
a consciência moral. Para aproximarmos de uma maneira mais concreta, permita-se
imaginar esta narração dentro de uma situação real onde se desafiam os valores
morais, e onde seu uso e legitimação requerem argumentos embasados
historicamente. Imagine que você é um membro do clã Maclean e vive atualmente
no castelo de um ancestral. Uma noite escura, um membro do clã Maclonish –
permita-nos chamá-lo de Ian – bate a sua porta pedindo ajuda. Conta que a polícia o
está seguindo em razão de um crime de cuja autoria o acusam. Como raciocinaria
você? O ajudaria a esconder-se da polícia ou decidiria por alguma outra ação?
Imagine que logo seja necessário explicar a um amigo o que está
acontecendo; e este amigo, que você encontra por acaso, não conhece a narração
do clã. Não importa que atitude tome a respeito de Ian Maclonish, você será
I Samuel Johnson, a. Journey to the Western Islands of Scotland (New Haven and London, 1971),
133 ff. Trata-se de uma versão simplificada do conto.
47
Essa antiga narração que nos fala, em quatro versões, dos Maclean, dos
Maclonish e da troca dos bebês, nos proporciona o ponto de partida para mais
argumentos. O conto indica a necessidade da consciência histórica para tratar os
valores morais e o raciocínio moral. Espero demonstrar que as quatro variantes
representam quatro versões essenciais da consciência histórica, mostrando quatro
etapas de desenvolvimento por meio da aprendizagem.
social dentro da qual vivemos e devem decidir um curso de ação a tomar. Elas
expressam esta relação social como uma obrigação para nós, dirigindo-nos, assim,
até a essência de nossa subjetividade, recorrendo a nosso sentido de
responsabilidade e nossa consciência.
Como entra a história nesta relação moral entre nossa ação, nossa
personalidade e nossas orientações valorativas? A narração esquematizada no
princípio deste ensaio pode nos servir para proporcionar uma resposta: quando se
supõe que os valores morais guiem as ações que tomamos em uma dada situação,
devemos relacionar os valores a essa situação, interpretar os mesmos e seu
conteúdo moral com referência à realidade em que os aplicamos, e avaliar a
situação nos termos de nosso código de valores morais aplicáveis. Para essa
mediação entre valores e realidade orientada pela ação, a consciência histórica é
um pré-requisito necessário. Sem tal consciência, não seríamos capazes de
entender por que Ian Malconish nos pediu para o escondermos da polícia. Sem tal
consciência como pré-requisito para a ação, seríamos incapazes de analisar a
situação e chegar a uma decisão plausível para todas as partes envolvidas – Ian,
meu amigo que me visita, e eu como um Maclean.
Mas, por que tem que ser a consciência histórica um pré-requisito
necessário para a orientação em uma situação presente que demanda uma ação?
Depois de tudo, tal consciência por definição aponta para fatos do passado. A
resposta simples é que a consciência histórica funciona como um modo específico
de orientação em situações reais da vida presente: tem como função ajudar-nos a
compreender a realidade passada para compreender a realidade presente. Sem
haver narrado previamente a antiga história dos bebês trocados, seria impossível
explicar a meu amigo visitante a "situação atual" e justificar-lhe, que quer dizer
legitimar, minha decisão. Além disso, o poder explicativo da narração serve para
ensinar os elementos básicos da situação, não somente para quem está fora, como
também para mim mesmo, um homem do clã Maclean, e para alguma outra parte
implicada.
Então, o que é especificamente histórico nesta explicação, nesta
interpretação da situação e em sua legitimação? O histórico como orientação
temporal une o passado ao presente de tal forma que confere uma perspectiva
futura à realidade atual. Isto implica que a referência ao tempo futuro está contida na
50
II Uma descrição sintética pode ser encontrada em Karl Ernest Jeismann, “Geschichtsbewusstsein”,
em K. Bergmann, a. Kuhn, J. Rüsen, g. Schneider (eds). Handbuch der Geschichtdidaktik
(Düsseldorf, 1985), pp.40-44; cfr. idem Geschichte als Horizont der Genenwrt. Uber den
Zusammenbang von Vergagenheitsdeutung, Gegenwartsverständnis und Zukunftsperspektive
(paderborn, 1985,pág.53.
III Henry IV, 2da. parte, ato III, cena I, II, pp.51-53
51
IV Esta questão está discutida principalmente a partir de uma perspectiva estreita da função dos
estudos históricos na vida social, por exemplo, por Jürgen Kocka, Socialgeschichte. Begriff-
Entwicklung-Probleme, 2ª. ed.pp. 112-113; cfr. Jörn Rüsen, Lebendige Geschichte, Grundzüge
einer Historik III: Formen und Funktionen des Historischen Wisses (Göttingen, 1989).
52
temporais dentro das quais aqueles tomam a forma de identidade histórica, ou seja,
uma consistência constitutiva das dimensões temporais da personalidade humana.
Por meio da identidade histórica a personalidade humana expande sua
extensão temporal, mais além dos limites do nascimento e da morte, mais além da
mera mortalidade. Via esta consciência histórica, uma pessoa se faz parte de um
todo temporal mais extenso que em sua vida temporal.
Assim, então, o papel de um membro atual do clã Maclean pressupõe uma
identidade familiar histórica que se pode rastrear em um antigo período de batalhas
entre clãs pela concessão real de um território. Dando atualmente assistência a Ian
Maclonish afirmamos esta identidade, que significa ser um Maclean com respeito ao
futuro. Um exemplo mais familiar de tal "imortalidade temporal" (assim pode ser
caracterizada a identidade histórica) é a identidade nacional. As nações
frequentemente localizam suas fontes em um passado remoto e antigo, e projetam
uma perspectiva de futuro ilimitado que engloba a própria afirmação e
desenvolvimento nacional.
V Cfr.H. White, Metahistory. The historical Imagination in Nineteenth Century Europe. (Baltimore,
1973); J. Rüsen, Historische Vernunft Grundzüge einer Historik I: Die Grundlagen der
Gerschichtwissenchaft(Göttingen,1983);Paul Ricoeur, Temps et Récit ,3 vols. (Paris,,
1983,1984,1985); David Carr, Time, Narrative and History.(Bloomington, 1986).
53
VI Esbocei um plano geral acerca de uma teoria da competência narrativa relacionada aos principais
objetivos da aprendizagem histórica em “Anzäte zu einer Theorie des historichen Lernens”,in
Gechichdidaktik 10 (1985); pp.249-265, 12 (1987), pp.15-27.
54
VII Jean Piaget, Das moralische Bewusstsein beim Kinde (Franckfurt/Mein, 1973); Lawrence Kohlperg,
Zur Kognitiven Entwicklung des Kindes (Frankfurt/Main, 1974); cfr.R.N.Hallan, “Piaget and thinking
in History”, in Marin Ballard (ed.) New Movements in the study and Teaching History (London,
1970), 162-178.,
VIII Para uma explicação mais detalhada desta tipologia, ver Jörn Rüsen, “Dier vier Typen des
historischen Erzählens”, in Reinhart Koselleck, Hainrich Lutz, Jörn Rüsen (eds), Formen der
Geschitsschereibung (Beträge zur Historik, 4 (Munich, 1982), pp.514-605; J. Rüsen Lebendige
Geschichte, Grundzüge einer Historik III, part I; idem, “Historical Narration: Foundation, Types,
Reason, History and Theory, Beihelf 26, in The Representations of Historical Events (1987),
pp.87-97.
56
A moralidade é um Temporalização da
conceito preestabelecido moralidade. As
A moralidade é a Ruptura do poder moral
de ordens obrigatórias; a possibilidades de um
Relação com os generalidade da dos valores pela
validade moral é desenvolvimento
valores morais obrigação dos valores e negação de sua
inquestionável. posterior se convertem
dos sistemas de valores validade
em uma condição de
Estabilidade por tradição moralidade
57
Esquema da tipologia:
a) O tipo tradicional
b) O tipo exemplar
Não são as tradições que utilizamos aqui como argumento, mas as regras. A
história das lutas entre os clãs e a troca dos bebês exemplificam aqui uma regra
geral atemporal: nos ensina que curso de ação tomar e o que devemos evitar fazer.
Aqui a consciência histórica se refere à experiência do passado na forma de
casos que representam e personificam regras gerais de mudança temporal e a
conduta humana. O horizonte da experiência temporal se expande de forma
significativa neste modo de pensamento histórico. A tradição se move dentro de um
marco de referência empírica bastante estreito, mas a memória histórica estruturada
em termos de exemplos está aberta para processos em número infinito de
acontecimentos passados, desde o momento em que estes não possuem relação
com uma ideia abstrata de mudança temporal e de conduta humana, válido para
todo o tempo, ou ao menos cuja validade não está limitada a um acontecimento
específico.
O modelo de significação que corresponde aqui tem a forma de regras
atemporais. Nesta concepção a história é vista como uma recordação do passado,
como uma mensagem ou lição para o presente, como algo didático: historiae vitae
maestrae é uma máxima tradicional na tradição historiográfica ocidental.IX Ela nos
ensina as normas, sua derivação de casos específicos e sua aplicação.
IX Cfr. R. Kosselleck, “Historia Magistra vitae. Uber die auflüsung des Topos Im Horizont neuzeitlich
bewegter Geschichte, “in idem Vergangene Zukunft. Zur Semantik geschichtlicher Zeiten (
Frankfurt/Main, 1979, pp.38-66).
59
c) O tipo crítico
A maneira mais fácil é declarar que o conto é falso. Para ser convincente,
devemos reunir a evidência e isto requer que nos voltemos à argumentação histórica
crítica estabelecendo que é plausível a contenção entretanto não existem razões
históricas que pudessem nos motivar a oferecer ajuda a Ian Maclonish.
Podemos desenvolver uma crítica ideológica, afirmando que houve uma
armadilha no meio de tudo: uma armação dos Maclonish para manter os Maclean
em uma espécie de dependência moral sobre eles. Podemos argumentar também
que naquele antigo período estava proibido assassinar bebês, que é o motivo pivô
sobre o qual gira a história. Tal argumentação se baseia em oferecer elementos de
uma "contranarração" àquela gravada na pedra. Por meio dessa "contranarração"
podemos desmascarar uma história determinada como um engano, desprestigiá-la
como uma informação falsa. Podemos argumentar também de outra forma,
afirmando que o tratado gravado na pedra perdeu sua validade atual, desde o
momento em que novas formas de direito emergiram desde então. Logo, podemos
narrar uma "contra-história" breve, por exemplo, a história de como as leis mudaram
com o passar do tempo.
Quais são as características gerais de tal modo de interpretação histórica?
Aqui a consciência histórica busca e mobiliza uma classe específica de experiência
do passado: a evidência prevista pelas "contranarrações", desvios que tornam
problemáticos os sistemas de valores presentes e os Lebensformen.
O conceito de uma totalidade temporal abrangente que inclui o passado, o
presente e o futuro envolve, deste modo, algo negativo: a noção de uma ruptura na
continuidade ainda operativa da consciência. A história funciona como a ferramenta
com a qual se rompe, "se destrói", se decifra tal continuidade – para que perca seu
poder como fonte de orientação no presente.
As narrações deste tipo formulam pontos de vista históricos, demarcando-os,
distinguindo-os das orientações históricas sustentadas por outros. Por meio dessas
histórias críticas dizemos 'não' às orientações temporais predeterminadas de nossa
vida.
Em relação a nós e a nossa própria identidade histórica, tais histórias críticas
expressam uma negatividade; o que não queremos ser. Proporcionam-nos uma
oportunidade para nos definirmos como não reféns de papéis e formas prescritas,
61
d) O tipo genético
X Cfr. Seyla Benhabib, “The generalized and the Concrete Other: Visions of the autonomous Self”, in
Praxis International, vol. 5, 4 (1986), pp. 402-424.
XI Sobre Direitos Humanos e Civis ver seu ensaio “Zur Judenfrage”, in Karl Marx, Friedrich Engels,
Werke, 1 (Berlin-GDR-1964).
XII Friedrich Nietzche, Zur Genealogie der Moral (1887), in idem , Werke in drei Banden, ed. K.
Schlechta (Munich, 1955), pp. 761-900.
62
história como uma razão para não escondê-lo. Pelo contrário, aceitamos a história
mas a localizamos em uma estrutura de interpretação dentro da qual o tipo de
obrigação em relação a acontecimentos passados mudou, de uma forma pré-
moderna para uma forma moderna de moral. Aqui a mudança é a essência e o que
dá à história seu sentido. Assim, o velho tratado perdeu sua validade principal e
tomou uma nova; em consequência, nosso comportamento necessariamente difere
agora do que teria sido no passado distante: se constrói dentro de um processo de
desenvolvimento dinâmico.
Portanto, escolhemos ajudar a Ian Maclonish, mas de maneira diferente à
prefigurada no tratado preservado na pedra da muralha de nosso castelo.
Permitimos que a história faça parte do passado; no entanto, ao mesmo tempo, lhe
concedemos outro futuro. A mudança propriamente dita é que dá sentido à história.
A mudança temporal se despojou de seu aspecto ameaçador e se transformou no
caminho no qual estão abertas as opções para que a atividade humana crie um novo
mundo. O futuro supera, excede efetivamente o passado em seu direito sobre o
presente, um presente conceituado como uma intersecção, um nó intensamente
temporal, uma transição dinâmica. Esta é a forma refinada de uma espécie de
pensamento histórico moderno marcado pela categoria de progresso, ainda que
tenha sido arrojado por uma dúvida radical pelas intimações da pós-modernidade,
pensadas por certo segmento da elite intelectual contemporânea.
Neste modelo a memória histórica prefere representar a experiência da
realidade passada como acontecimentos mutáveis, nos quais as formas de vida e de
cultura distantes evoluem em configurações "modernas" mais positivas.
Aqui a forma dominante de significação histórica é a do desenvolvimento,
em que as formas mudam em ordem, paradoxalmente, para manter seu próprio
desenvolvimento. Assim, a permanência toma uma temporalidade interna, tornando-
se dinâmica. Ao contrário, a permanência através da tradição, por regras atemporais
exemplares, pela negação crítica – isto é, a ruptura da continuidade –, são todas
essencialmente de natureza estática.
Esta forma de pensamento histórico vê a vida social em toda a abundante
complexidade de sua temporalidade absoluta.
Diferentes pontos de vista podem ser aceitos porque se integram em uma
perspectiva abrangente de mudança temporal. Voltando a nossa narração, nós,
63
XIII Uma das obras de Bertold Brecht, “Stories of Mr. Keuner” ilustra isto maravilhosamente: “” a man
who hadn’t seen Mr., Keuner for a long time greeted him with the remark: You don’t look any
different at all. Oh!, said Mr. Keuner, and turned pale”. Brecht, Gesammelte Werke, 12
(Frankfurt/Main, 1967), p. 383.
64
XIV Cfr. Ludger Kühnhardt, Die Universalität der Menschnrechte. Studie zur ideengeschichtlichen
Schulüsselbergriffs (Munich, 1987); J. Rüsen, “Menchen-und Bürgerrechte als historische
Orienterung”, in Klaus Frlöhlich, Jörn Rüsen (eds), Revolutionen und Menschenrechte. Historische
Interpretationem, didaktishe Konzepte, Unterrichtsmaterialien (Plaffenwiler, 1989).
XVI Cfr. nota 7. Para complementar, ver Hans G.Furth, Piaget and Knowledge. Theorethical
Foudantions (Englewood Cliffs, New Jersey, 1969).
65
não houve até agora nenhuma tentativa séria para acrescentar esta perspectiva
psicológica investigando a consciência histórica e suas competências cognitivas.
Desde o momento em que a consciência histórica pode ser conceituada como uma
síntese entre a consciência temporal e moral, poder-se-ia supor que desenvolver
uma teoria genética da consciência histórica fosse um assunto relativamente
simples. Infelizmente, no entanto, encontramos que Piaget e seus seguidores
perseguiram a categoria de tempo apenas dentro do marco teórico das ciências
naturaisXVII, permanecendo de tal modo seu trabalho basicamente mudo com relação
a questões da consciência histórica.
Para embarcar em uma investigação sobre a consciência histórica e sua
relação essencial com a consciência moral, é necessário primeiramente esclarecer
as bases, isto é, um marco teórico que deva ser construído e que defina o campo de
ação e explique em termos conceituais quais são as questões básicas a analisar.
Sou da opinião de que a tipologia acima esquematizada pode servir efetivamente
para tal propósito. Isto é assim porque revela e define fundamentalmente os
procedimentos da consciência histórica, inclusive dando algumas noções básicas do
que poderia implicar o desenvolvimento da consciência histórica.
Que conceitos de desenvolvimento podem de fato ser oriundos da tipologia?
Podemos nos aproximar de uma resposta ordenando logicamente os tipos em uma
sequência definida pelo princípio da precondição?
O tipo tradicional 'a' é primário e não pressupõe outras formas de
consciência histórica. No entanto, constitui a condição para os outros tipos. É a
fonte, o começo da consciência histórica. Na sequência lógica de tipos, entretanto,
cada um é a precondição para o próximo: tradicional, exemplar, crítico, genético.
Ainda que esta sequência esteja baseada em critérios lógicos, pode ter aplicações
empíricas, e existe razão para supor que é também uma sequência estrutural no
desenvolvimento da consciência histórica.
1. Primeiramente, a sequência implica uma crescente complexidade. As
etapas na evolução humana também podem ser descritas em termos de
uma crescente capacidade para ordenar a complexidade.
XVII Jean Piaget, Die Bildung des Zeitbewusstseins beim Kinde.(Frankfur-Main, 1974).
66
XIX Publicações recentes realizadas na Alemanha, são: Bodo von Borries, “Alltägliches
Geschichtsbewusstsein. Erkindüng durch Intensivinterviiws und Versuch von Fallinterpretationen,
in Geschichtsdidaktik 5 (1980), pp. 243=262; idem, “Zum Geschitsbewusstsein von Normalbürgern
Hinweisse aus offenen Interwies”, in Klaus Bergmann, Rolf Schörken (eds), Geschichte im alltag-
alltag in der Geschichte (Düsseldorf, 1982), pp. 182-209; Karl Teppe, Maria Wasna, die Teilung
Detschlands als Problems des Geschichtsbewusstseisns. Eine empirische Untersuchung uber
Wirkungen von Geschichtsunterricht auf historische Vorstellungen und politische Urteile
(Paderborn, 1987); Katherina Oehler, “Gerschichte in der politischem Rhetorik. Historische
Argumentationsmuster im Parlament der Bundesrepublik Deutschland”(Beiträge zur
Geschichtskultur, 2 (Hagen, 1989), Bodo von Borries, Geschichtslernen und
69
XXI Hans Günter Schmidt, “Eine Geschichte zum Nachdenken. Erzähltypologie, narrative Kompetenz
und Geschichtsbewusstsein: Bericht uber eine Versuch der empirischen Erförschung des
70
JÖRN RÜSEN
1 Karl-Ernest Jeismann. 1978. "Didaktik der Geschichte: Das spezifische Bedingungsfeld des
Geschichtsunterrichts". In: Günter C. Behrmann, Karl-Ernest Jeismann & Hans Süssmuth:
Geschichte und Politik. Didaktische Grundlegung eines kooperativen Unterrichts, 50-108.
Paderborn. Idem.: Geschichte als Horizont der Gegenwart. Über den Zusammenhang von
Vergangenheitsdeutung, Gegenwartsverständnis und Zukunftsperspektive, 43 ff (1985).
Paderborn. [Karl-Ernest Jeismann. 1978. "A Didática de História: As condições específicas do
campo do ensino de História." In: Günter C. Behrmann, Karl-Ernest Jeismann & Hans Süssmuth:
História e política. Bases didáticas do ensino colaborativo, 50-108. Paderborn. Idem: História
como o horizonte do presente. Sobre a relação entre a interpretação do passado, a
compreensão do presente e as perspectivas do futuro, 43 ff (1985). Paderborn.]
2 Jörn Rüsen. 1990. "Die vier Typen des historischen Erzählens". In: Idem. Zeit und Sinn.
Strategien historischen Denkens, 153-230. Frankfurt/M. [Jönr Rüsen. 1990. "Os quatro tipos da
72
3 Kurt Röttgers. 1982. "Geschichtserzählung als kommunikativer Text". In: Siegfried Quandt & Hans
Süssmuth (Ed.). Historisches Erzählen. Formen und Funktionen, 29-48. Göttingen. [Kurt
Röttgers. 1982. "A narrativa histórica como um texto comunicativo." In: In: Siegfried Quandt &
Hans Süssmuth (ed): A narrativa histórica. Formas e funções, 29-48. Göttingen.]
73
5 Para a diferenciação entre esses tipos, consulte os artigos nestas obras de Jörn Rüsen:
"Narrativa histórica: fundação, tipos, razão" e "O desenvolvimento da competência
narrativa na aprendizagem histórica. Uma hipótese ontogenética relativa à consciência
moral".
JÖRN RÜSEN
* RÜSEN, Jörn. Historical narration: foundation, types, reason. In: Studies in metahistory. Pretoria:
Human Sciences Research Council, 1993. p.3-14. Tradução para o português por Marcelo Fronza.
Há também uma tradução feita por Márcio E. Gonçalves. Assim, quando necessário, as traduções
foram cotejadas. Os conceitos de narration e de narration historical foram traduzidos por
"narrativa" e "narrativa histórica" para manter o padrão de tradução para o português das obras de
Jörn Rüsen, tais como em "A constituição narrativa do sentido histórico". In: J. Rüsen. Razão
histórica: Teoria da História: os fundamentos da ciência histórica. Trad.: Estevão Rezende
Martins. Brasília: UnB, 2001, p.149-174.
1 William Shakespeare. Richard II, Act 3, Scene 4, V. 9sqq. Utilizou-se, neste fragmento da peça
Ricardo II, de Willian Shakespeare, a tradução de Carlos A. Nunes disponível em:
<http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/ricardo2.html#16>. Acesso em: 30 jun. 2010.
5 Cf. também Hayden White. 1987. The Content of the Form: Narrative Discourse and Historical
Representation. Baltimore. [Hayden White. O conteúdo e a forma: discurso narrativo e
representação histórica. Baltimore, 1987].
6 Isto é enfatizado por V. Klotz. 1972. "Erzählen als Enttöten. Notizen zu zyklischem, instrumentalem
und praktischem Erzählen". In: E. Lämmert (ed.). 1988. Erzählforschung. Ein Symposion, 319-
334. Stuttgart. [V. Klotz. "Narre como Enttöten. Notas sobre a narrativa cíclica e a prática
instrumental". 1972. In: E. Lämmert (ed.). A pesquisa narrativa. Um simpósio, 319-334.
Stuttgart, 1988].
86
muito pouco sobre essa diferença. E isso é, muito frequentemente, o caso na atual
discussão da Filosofia da História, quando se dá ênfase aos procedimentos
narrativos da historiografia.
Por isso, precisamos da ajuda de mais argumentos teóricos para
complementar Shakespeare. O argumento tradicional seria a diferenciação entre as
narrativas factuais e ficcionais. A narrativa histórica é geralmente definida por tratar
apenas dos fatos e não das ficções. Essa diferenciação é muito problemática e, em
última instância, é pouco convincente porque o mais importante sentido da história
está para além da distinção entre ficção e fato. Na verdade, é absolutamente
enganoso – e isso surge por meio de um bom acordo com o oculto e suprimido
positivismo – chamar de ficção tudo o que na historiografia não for um fato no
sentido dos dados concretos.
Penso que a peculiaridade de uma narrativa histórica se situa nas três
qualidades seguintes e em sua relação sistemática: 7
1) Uma narrativa histórica está ligada ao ambiente da memória. Ela
mobiliza a experiência do tempo passado, a qual está gravada nos
arquivos da memória, de modo que a experiência do tempo presente se
torna compreensível e a expectativa do tempo futuro, possível.
2) Uma narrativa histórica organiza a unidade interna destas três
dimensões do tempo por meio de um conceito de continuidade. Esse
conceito ajusta a experiência real do tempo às intenções e às
expectativas humanas. Ao fazer isso, faz a experiência do passado se
tornar relevante para a vida presente e influenciar a configuração do
futuro.
3) Uma narrativa histórica serve para estabelecer a identidade de seus
autores e ouvintes. Essa função determina se um conceito de
continuidade é plausível ou não. Este conceito de continuidade deve ser
capaz de convencer os ouvintes de suas próprias permanência e
estabilidade na mudança temporal de seu mundo e de si mesmos.
7 Para obter uma argumentação mais detalhada, ver J. Rüsen. 1990. "Die vier Typen des
historisches Erzählens". In: Rüsen. Zeit und Sinn. Strategien historischen Denkens, 153-230.
Frankfurt/M. [J. Rüsen. "Os quatro tipos de narrativa histórica." Em Rüsen. Tempo e significado.
Estratégias da argumentação histórica. Frankfurt/M, 1990, p.153-230].
87
8 Cf. e.g. U. A. J. Becher & J. Rüsen (Ed.). 1988. Weiblichkeit in geschichtlicher Perspektive.
Frankfurt/M. [J. Becher & J. Rüsen (Org.). A condição feminina em perspectiva histórica.
Frankfurt / M. 1988].
89
9 Oeuvres complètes de Voltaire, v.11: 427. Ed. Moland. [Obras completas de Voltaire, v.11:
427. Ed. Moland].
92
sobre as complexas relações entre eles. Cada tipo corresponde a uma condição
necessária, a qual deve ser satisfeita se a vida humana encontrar o seu caminho no
curso do tempo. Portanto, os quatro tipos não se excluem um ao outro, mas estão
intimamente ligados, embora cada um deles seja claramente distinto dos outros. A
complexidade dessa conexão é muito grande para explic-a-la aqui na íntegra. Então
me permitam resumir em dois pontos principais: (1) Todos os quatro elementos são
encontrados em todos os textos históricos, um implica necessariamente o outro. (2)
Há uma progressão natural do tradicional ao exemplar e do exemplar à narrativa
genética. A narrativa crítica serve como o catalisador necessário dessa
transformação.
Para compreender o conjunto das relações entre estes tipos temos de
combinar a qualidade do envolvimento com a transformação. O resultado não será
uma confusão ou bagunça qualquer, mas uma textura sistematicamente ordenada. A
lógica do que pode ser chamado de dialética. Através desta estrutura, a tipologia nos
permite analisar obras concretas da historiografia em um quadro conceitual mais
claro. Como Max Weber demonstrou, é a forma sistemática, abstrata e
rigorosamente conceitual da teoria que faz as tipologias se tornarem úteis para a
pesquisa empírica. E é sobre essa utilidade ou função da tipologia da narrativa
histórica que desejo fazer algumas observações.
O primeiro e mais simples uso da tipologia é a classificação de obras
históricas. Assim, podemos caracterizar a Greek Culture (Cultura grega) de Jacob
Burckhardt ou History of the United States (A história dos Estados Unidos) de
George Banckroft como uma narrativa tradicional, a History of Florence (História de
Florença) de Maquiavel como exemplar, os Essais sur les Moeurs et l'Esprit des
Nations (Ensaio sobre os costumes e o Espírito das nações) de Voltaire como
crítica, e a Roman History (História romana) de Theodor Mommsen como genética.
Mas tal classificação não nos leva muito longe. Somente quando levamos em conta
a relação interna entre os tipos é que eles podem revelar muito mais sobre os
trabalhos históricos. Em cada obra histórica é a composição desses quatro
elementos narrativos que constituiu a sua peculiaridade. A tipologia permite
esclarecer esta peculiaridade: ela fornece os meios conceituais para discernir os
diferentes elementos da narrativa histórica e reconstruir sua composição como um
todo. Assim, podemos identificar exatamente uma narrativa histórica em relação
93
àquelas qualidades que cumprem uma função especificamente histórica. Para dar
um pequeno exemplo: na historiografia do historicismo o tipo genético prevalece.
Retornando para a primeira obra de Ranke, uma das suas mais representativas, nas
Geschichten der romanisch-germanischen Völker von 1494 bis 1514 (Histórias dos
povos romano-germânicos de 1494 até 1514) (1824), o olho tipologicamente
sofisticado, a despeito disso, encontra claramente formas exemplares que não estão
suficientemente integradas no sentido predominantemente genético do livro. Isto é
ainda mais surpreendente, pois, como bem sabemos, no seu prefácio, Ranke
escreveu a famosa recusa à história exemplar: disse que não queria julgar o
passado; sua história só queria mostrar como ele realmente aconteceu ("er will bloß
zeigen, wie es eigentlich gewesen"). Ao detectar essa qualidade do primeiro livro de
Ranke, a tipologia abre um novo modo de compreendê-lo.
Assim como podemos caracterizar a peculiaridade de uma única obra
histórica utilizando conceitos da narrativa histórica em geral, então também podemos
aplicar a tipologia para a análise comparativa. Ela nos oferece os critérios de
comparação, tendo em vista a profunda estrutura da narrativa histórica, e também
nos oferece um processo de diferenciação quanto à qualidade especificamente
histórica dos trabalhos comparados. Além disso, podemos empregar a tipologia para
abrir novas perspectivas históricas em relação à historiografia.
As perspectivas históricas são extraídas das principais ideias de mudança
temporal: à luz de tais ideias as mudanças temporais ganham a qualidade do
desenvolvimento histórico.10 No que diz respeito à historiografia, as principais ideias
de seu desenvolvimento podem ser extraídas das tendências internas dos tipos de
narrativa histórica. Os tipos podem ser organizados segundo uma determinada
ordem lógica. Cada narrativa genética tem formas e funções exemplares e
tradicionais da narrativa histórica como precondições; igualmente cada narrativa
exemplar possui narrativas tradicionais. A narrativa tradicional é, em si, original. A
narrativa crítica é definida como a negação dos outros três tipos.
11 Peter Reill iluminou a parte alemã deste começo: The German Enlightenment and the Rise of
Historicism. Berkeley. 1975. Cf. H. W. Blank & J. Rüsen (ed.). 1984. Von der Aufklärung zum
Historismus. Zum Structurwandel des historischen Denkens. (Historisch-politische Diskurse,
vol. 1). Paderborn. [O Iluminismo alemão e a ascensão do historicismo. Berkeley, 1975. Cf. H.
W. Blank & J. Rüsen (org.). Do Iluminismo ao historicismo. Para uma mudança estrutural do
pensamento histórico. (Discurso histórico e político, vol. 1). Paderborn.1984].
95
12 R. Koselleck. 1979. "Historia magistra vitae. Über die Auflösung des Topos im Horizont neuzeitlich
bewegter Geschichte". In: idem: Vergangene Zukunft. Zur Semantik geschichtlicher Zeiten.
Frankfurt. No Brasil este artigo foi publicado em R. Koselleck. "Historia Magistra Vitae. Sobre a
dissolução do topos na história moderna em movimento". In: idem: Futuro passado: contribuição
à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto / Ed. PUC, 2006, p.41-60. Cf. J.
Rüsen. 1993. Konfigurationen des Historismus. Studien zur deutschen Wissenschaftskultur,
29-94. Frankfurt/M. [J. Rüsen. As configurações do historicismo. Estudos da cultura científica
alemã, 29-94. Frankfurt / M.1993].
96
13 J. Rüsen. 1983. Historische Vernunft. Grundzüge einer Historik I: Die Grundlagen der
Geschichtswissenschaft, 85 sqq. Göttingen. No Brasil, esta obra foi publicada como J. Rüsen.
Razão histórica: Teoria da História I: os fundamentos da ciência histórica. Trad.: Estevão
Rezende Martins. Brasília: UnB, 2001, p.99.
97
JÖRN RÜSEN
* RÜSEN, Jörn. El libro de texto ideal. In: Revista Iber – Didactica de las Ciencias Sociales.
Geografia e Historia. Monografia: Nuevas Fronteras de la historia, n.12, Ano IV, p.79-93, abr.
1997. Tradução para o português de Edilson Chaves e Rita de Cássia Gonçalves Pacheco dos
Santos. Revisão da tradução: Maria Auxiliadora Schmidt. As reflexões feitas aqui resultaram de
uma colaboração de vários anos levada a cabo pela Comissão do Livro Didático do Land
de.Nordrhein-Westfalen. Nela se trabalhou um conjunto de critérios para analises do livro didático
em que se baseiam minhas reflexões. D. Scholle descreveu estes critérios que a Comissão aplica
sistematicamente: "Shulbuchanalyse und Schulbuchkritik", em H. SÜSSMUTH (Ed.):
Geschichtsunterricht im vereintein Deutschanld. Auf der Suche nach Neuorientierung. Teil II.
Baden-Baden. 1991, p.275-283. Apresento essencialmente os mesmos pontos de vista, mas
proponho outra classificação sistemática com a qual se poderia conseguir uma argumentação
didática unívoca da análise dos livros didáticos.
1 'Libro de texto', 'manuales escolares', 'manuales', 'libros escolares', 'libro de enseñanza' foram
traduzidos por livro didático, visando uniformizar a tradução e facilitar a compreensão do texto.
99
histórico tem, até certo ponto, uma função de orientação cultural na vida de sua
sociedade e de que o cumprimento dessa função é, em si mesmo, um exercício do
trabalho histórico científico profissional, (facilitado por meio da heurística da
investigação), esta não pode deixá-los indiferentes sobre qual aplicação se faz dos
conhecimentos histórico nos livros didáticos de história. Finalmente, como
contemporâneos interessados na política e, frequentemente, como pessoas
comprometidas com ela, interessam-se pelo livro didático porque estão sempre
envolvidas nele, também, mensagens políticas, pois o ensino de história é uma das
instâncias mais importantes para a formação política. Naturalmente, os que estão
mais interessados nos livros didáticos e os que mais intensamente se ocupam deles
são os próprios professores e professoras, e posto que a eles tenha correspondido
até o momento uma participação mínima, seria muito útil sua colaboração em um
debate especializado e aberto sobre os livros didáticos de história.
Tendo em conta este grande interesse, é surpreendente que só existam
alguns esboços de um padrão profissional bastante discutido sobre tamanho,
formas, conteúdos e funções do livro de história.2 É sintomático que no âmbito
alemão – à exceção de alguns exemplos dignos de atenção 3 – não haja nenhuma
grande obra em que se desenvolvam sistematicamente os critérios para a análise do
livro didático, se demonstrem suas utilidades práticas, sejam trazidos exemplos
práticos de análise dos mesmos ou se tirem conclusões dos resultados das análises
para a prática de sua elaboração. Naturalmente, em toda a República Federal Alemã
são feitas investigações sobre os livros didáticos. Neste campo, o Instituto para a
Investigação Internacional sobre os Livros Didáticos Georg Eckert conseguiu uma
grande reputação tanto em seu próprio país como fora dele, uma vez que, mediante
uma análise comparada dos livros didáticos, contribuiu grandemente para eliminar
prejuízos históricos e políticos entre os distintos países e nações. Contudo, o
2 Scholle compilou a literatura especializada mais importante. Comparar a bibliografia sobre o tema
em "Internationale Schulbuchforschung. Zeitschrift dês Georg-eckert-Instituts". Para uma
comparação mais ampla, veja K. FRÖHLICH: "Das Schulbuch", em H. J. PANDEL, G.
SCHNEIDER (Eds.): Handbuch Medien im Geschichtsunterricht. Düsseldorf. 1985, p.91-114; V. R.
BERGHAHN, H. SCHLSSLER (eds.): Perceptions of HIstory. International Textbook Research on
Britain, Germany and the United States. Oxford. 1987.
fecundo trabalho de investigação que aqui expomos limita-se a uma crítica científica
da representação e interpretação históricas que se encontram nos livros didáticos.
No campo dos textos dedicados a temas históricos os livros didáticos
constituem uma categoria bem delimitada, cujas características são definidas pelo
seu uso nas aulas de história na escola, que permaneceu em grande parte excluída
da maioria das análises. O aspecto didático específico da análise do livro didático
ainda requer, pois, um estudo aprofundado e concreto em dois níveis: o teórico, em
que se darão uma explicação e uma argumentação dos pontos e dos critérios de
análise adequados à especificidade do livro de história e, naturalmente, o empírico,
em que se tratará dos conhecimentos, ordenados sistematicamente, que deverão
ser aprofundados e da configuração que lhes será dada.
Mas a investigação ainda possui outro déficit muito mais grave, que reside
em outro âmbito: quase não existe investigação empírica sobre o uso e o papel que
os livros didáticos desempenham verdadeiramente no processo de aprendizagem
em sala de aula. Este déficit é ainda mais sério se considerarmos que sem ela não é
possível uma análise completa dos livros didáticos.
Até agora não se investigou, de maneira mais sistemática e contínua, os
conhecimentos que os professores e professoras vêm acumulando em suas aulas
sobre as possibilidades e limitações da aplicação dos livros didáticos, pelo menos no
que se refere à análise das disciplinas envolvidas nos livros didáticos de história: a
historiografia e a didática da história.
As reflexões seguintes estão marcadas por esta lacuna. Frente à satisfação
empírica, verdadeiramente indispensável, do conceito de como deve ser um bom
livro didático de história, estas reflexões se manterão em um plano puramente
heurístico, isto é, terão uma atitude de suposição interrogativa. Ao mesmo tempo,
irão propor abertamente a reivindicação de uma argumentação estabelecida
sistematicamente que emane da verdadeira finalidade de um livro de história: tornar
possível, impulsionar e favorecer a aprendizagem da história.
101
4 A palavra narración foi traduzida como 'narrativa' para preservar a ideia do autor.
102
6 Para ampliar este tema, veja J. RÜSEN: "Ansätze zu einer Theorie des historischen Lernens", em
Geschichtsdidaktik 10, 1985, p.249-265, 12 (1987), p.15-17.
103
8 Em muitos sentidos, corresponde à diferenciação que Jeismann estabelece entre análise, opinião
e valoração.
104
Formato claro
Estrutura didática
questão sobre se certos conteúdos históricos são adequados ou não para um livro
didático depende do grau em que estes contribuam para a compreensão do
presente e as oportunidades vitais das crianças e jovens.
Ao se dirigir aos alunos, não se deveria esquecer que a experiência histórica
tem um potencial próprio de encantamento que se pode aproveitar como
oportunidade de aprendizagem. O espanto e a diferença do passado podem ser
apresentados de uma maneira que se acredita ser interessante e curiosa.
Precisamente as crianças e jovens – sobretudo nos primeiros anos de ensino
histórico – são fáceis de fascinar mediante as experiências do diferente na história.
Um meio provado para estabelecer uma boa relação com o aluno é dirigir-se
a ele explicitamente. Deste modo, pode-se justificar a seleção do tema, pode-se
explicar a perspectiva escolhida para a interpretação e, se se faz o mesmo quando
se trata o conteúdo, então os alunos o levam a sério quando devem fazê-lo e a
referência do aluno perde a odiosa conotação de uma mera tática didática que, em
lugar de reconhecer nos alunos uma necessidade de orientação histórica realmente
própria e inclusive "muito individual", somente os obriga a acumular conhecimentos
politicamente e cientificamente autorizados.
9 No texto em espanhol a palavra grafada é 'estática' em vez de 'estético', usada nesta tradução.
109
Imagens
As imagens têm aqui uma função muito importante. Durante muito tempo
foram usadas somente para fins de ilustração, porém na produção mais recente de
livros didáticos alcançaram uma importância crescente e uma autonomia em relação
ao texto. Consequentemente, não devem ter a mera função de ilustração, mas
constituir a fonte de uma experiência histórica genuína: devem admitir e estimular
interpretações, possibilitar comparações, mas sobretudo fazer compreender aos
alunos e alunas a singularidade da estranheza e o diferente do passado em
comparação com a experiência do presente, e apresentar o desafio de uma
compreensão interpretativa. Naturalmente, que se lhes imponha como obrigação que
fascinem esteticamente os alunos não deve implicar que as imagens não guardem
nenhuma relação reconhecível com os textos e com os box ou caixas de texto que
as acompanham. Mas, sua fascinação deve incitar que o âmbito de experiências se
estenda a outros materiais e a interpretar a pesquisa em cada caso por meio dos
elementos da apresentação.
Mapas e esboços
Textos
No que se refere aos textos, em primeiro lugar é importante que fique muito
claro seu valor de experiência, isto é, que se delimitem claramente da parte da
apresentação. Se houver textos historiográficos, estes têm que ser claramente
diferenciados da própria documentação. Devido à circunstância de que os textos
devem transmitir experiências e apresentar o passado em sua singularidade e sua
diferença temporal com o presente (e que, no mais, com eles se devem praticar os
processos metodológicos da forma de pensar historicamente), de nenhuma maneira
devem servir exclusivamente para ilustrar a apresentação. No que diz respeito a sua
extensão, tampouco devem ser tão curtos de modo a não transmitir uma ideia real
das circunstâncias da vida passada. Finalmente, têm que cobrir os âmbitos de
experiência mais importantes. Para eles é válido o mesmo que para as imagens:
devem possuir aspecto atrativo e estimulante, devem induzir a perguntas e devem
ser interpretáveis em relação ao problema. Sua função como elemento de referência
para as interpretações históricas deve-se fazer clara mediante trabalhos que não
somente descubram seu conteúdo de informação, mas também o valor que as
diferentes informações tenham no contexto histórico global.
Normas científicas
Capacidades metodológicas
Perspectivas globais
10 Optou-se por traduzir a palavra constelación por 'construção', em atenção às ideias do autor.
116
Referências ao presente
crianças e jovens aos quais se dirige possuem um futuro cuja configuração também
depende da consciência histórica que lhes foi dada.
118
JÖRN RÜSEN
1 O PROBLEMA
1 WEBER, Max: Sociological Writings, ed. Wolf Heydebrand. New York (Continuum), 1994. p.259.
119
2 RANKE, Leopold von: The Theory and Practice of History. Indianápolis, 1971, p.137. "Man hat der
Historie das Amt, die Vergangenheit zu richten, die Mitwelt zum Nutzen zukünftiger Jahre zu
belehren, beigemessen: so hoher Ämter unterwindet sich gegenwärtiger Versuch nicht: er will
120
bloss zeigen, wie es eigentlich gewesen" (Geschichten der romanischen und germanischen Völker
121
2 O QUE É OBJETIVIDADE?
von 1494 bis 1514), 2.ed., em Sämtliche Werke 33/34, Leipzig, 1874, p.VII.
3 Cf. Rüsen, Jörn: Historische Vernunft. Grundzüge einer Historik I: Die Grundlagen der
Geschichtswissenschaft. Göttingen, 1983, p.85 ss.; idem: Studies in Metahistory. Pretoria (Human
Science Research Council) 1993, p.49 ss. Megill, Allan (ed.): Rethinking Objectivity I, II (Annals of
Scholarship), vol. 8, Nr. 3-4, vol. 9, Nr. 1-2).
4 Luciano: Wie man Geschichte schreiben soll, ed. H. Homeyer. Munique, 1965, § 9, p.107.
122
a verdade, é moral: historia vitae magistra. A história dita as regras da vida humana
mediante a acumulação de experiência para além do horizonte de uma única vida. A
representação histórica tem de produzir prudência (), isto é, a
competência para organizar a vida prática de acordo com regras gerais derivadas da
experiência acumulada (em duas palavras: competência normativa). A história
possui a aptidão – e tem a obrigação de o fazer – para produzir essa competência
pragmática e moral, ao organizar a experiência do passado em forma de uma
narrativa que contenha a mensagem formuladora das regras gerais e dos princípios
da atividade humana. A pretensão de verdade é necessária com vistas à realização
dessa relação com a experiência.
O paradigma desta relação é a sabedoria dos anciãos: na medida em que
sejam depositários, em suas mentes, da experiência acumulada devida à duração de
suas vidas, estão eles qualificados para dirigir e orientar o quotidiano atual de seu
respectivo grupo social. Orientar significa: entender problemas práticos e lidar com
eles com conhecimento dos problemas humanos acumulado na experiência de toda
uma vida. A história é vista como um vetor de orientação da vida humana, e o
historiador é o especialista na experiência acumulada nos arquivos da memória
coletiva. Assim, a história poderia ser definida (Viperano no discurso humanístico)
como rerum gestarum ad docendum usum rerum syncera illustrisque narratio
(narrativa autêntica e esclarecida das atividades humanas com o fito de ensinar
como lidar com elas).5
Objetividade é, contudo, algo completamente diferente. Ela significa uma
determinada relação da representação histórica com a experiência do passado. A
citação de Ranke demonstra claramente que essa relação não está organizada, em
primeiro lugar, pelo princípio moral da prudência (competência normativa), mas pelo
princípio metódico da pesquisa como um procedimento cognitivo. Essa mudança
fundamental na concepção da pretensão básica de verdade, por parte da
historiografia, faz parte de uma evolução estrutural do pensamento histórico que
6 Cf. Rüsen, Jörn: Konfigurationen des Historismus. Studien zur deutschen Wissenschaftskultur.
Frankfurt, 1993, p.45 ss.; Koselleck, Reinhardt: Historia Magistra Vitae. Über die Auflösung des
Topos im Horizont neuzeitlicher bewegter Geschichte, em: Koselleck, R.: Vergangene Zukunft. Zur
Semantik geschichtlicher Zeiten. Frankfurt, 1979, p.38; Blanke, Horst Walter:
Historiographiegeschichte als Historik (Fundamenta Historica, vol. 3), Stuttgart-Bad Canstatt, 1991;
Küttler, Wolfgang; Rüsen, Jörn; Schulin, Ernst (eds.): Geschichtsdiskurs, vol. 2: Anfänge modernen
historischen Denkens. Franfkurt/Main, 1994.
124
7 Cf. Humboldt, Wilhelm: Betrachtungen über die bewegenden Ursachen der Weltgeschichte, em:
Humboldt, W.: Schriften zur Anthropologie und Geschichte (Werke in fünf Bänden, ed. Andreas
Flitner, Klaus Giel. Darmstadt, 1960, p.578-584 (Akademie-Ausgabe II, 360-366).
8 Weber, Wolfgang: Priester der Clio. Historisch-sozialwissenschaftliche Studien zur Herkunft und
Karriere deutscher Historiker 1800-1970, 2ª ed., Frankfurt, 1987.
9 Cf. Rüsen, Jörn: Historische Methode und religiöser Sinn - Vorüberlegungen zu einer Dialektik der
Rationalisierung des historischen Denkens in der Moderne,
10 Humboldt, Wilhelm von: Über die Aufgabe des Geschichtsschreibers, em: Humboldt, W. von:
Werke, ed. Andreas Flitner e Klaus Giel, vol. 1: Schriften zur Anthropologie und Geschichte.
Darmstadt, 1960, p.585-606 (Gesammelte Schriften [Akademie-Ausgabe] IV, p.35-56}. Tradução
em inglês em History and Theory 6 (1967), p.57-71. Ver ainda Ranke, Leopold von: The Theory
and Practice if History, ed. Georg G. Iggers, Konrad Moltke. Indianápolis, 1973, p.5-23.
125
cognição são parte das forças mentais que constituem a história como tema da
cognição. Pode-se até dizer que a própria história fala através do historiador, que a
historiografia representa a realidade íntima da história como uma forma abrangente,
previamente dada, da vida humana. Isso é o que objetividade quer dizer. Seu
fundamento epistemológico – nas palavras de Humboldt – "é uma congruência
original prévia entre o sujeito e o objeto".12 Pesquisa, como procedimento cognitivo,
é baseada nessa congruência. Ela guia os historiadores no trato com a experiência
do passado, presente em seus vestígios, no material das fontes, nos quais a
"realidade da história" é proclamada.
Podemos ver aqui as implicações filosóficas desse tipo de objetividade
histórica. Ele põe limites claros à interpretação do material das fontes, tanto em
obediência às regras da pesquisa metódica quanto pela aplicação do conceito de
história como de um movimento temporal do mundo humano, constituído pelas
forças mentais da atividade humana. O conhecimento histórico, dotado de sua
pretensão de objetividade, poderia funcionar como orientação cultural para a vida
prática – sobretudo política: ele produz uma perspectiva da futuro em função da
mudança temporal do passado13 e a identidade coletiva do grupo a que se dirige,
enquanto baseada nas forças ativas constitutivas da história humana.
11 Iggers, p.8.
12 Iggers, p.15 ("eine vorhergängige, ursprüngliche Übereinstimmung zwischen dem Subjket und
Objekt", p.596s.).
126
13 Uma fonte importante para essa função prática da objetividade histórica (poder-se-ia mesmo falar
de seu caráter ideológico) é a aula inaugural de Ranke: "Über die Verwandschaft und den
Unterschied der Historie und der Politik", Sämtliche Werke, v.24, Leipzif, 1877, p.280-293.
14 Droysen, Johann Gustav: Historik, historisch-kritische Ausgabe, ed. Peter Leyh, vol. 1, Stuttgar-
Bad Canstatt.
15 Sybel: Über den Stand der neueren deutschen Geschichtsschreibung (1856), em: Kleine
a
historische Schriften (1863), 3 . ed., Stuttgart, 1880, p.355s.; Gervinus, Georg Gottfried:
Grundzüge der Historik (1837), em: Schriften zur Literatur, ed. G. Erler, Berlim, 1962, p.49-103. Cf.
Rüsen, Jörn: Der Historiker als 'Parteimann des Schicksals - Georg Gottfried Gervinus, em: Rüsen,
Jörn: Konfigurationen des Historismus. Studien zur deutschen Wissenschaftskultur. Frankfurt,
1993, p.157-225.
127
16 Essa é uma fórmula famosa de Johann Gustav Droysen, posta por ele como título de sua
recensão da "History of Civilization in England", de Thomas Buckle (Historik [Fn 14], p.451ss.).
do material das fontes torna-se relevante para a pesquisa, ou seja, aquele que vai
ao encontro da operação subjetiva de produção de sentido, significado e significação
do passado para os problemas de orientação do presente. Os critérios de seleção
são normas e valores que amoldam o passado com o sentido, o significado e a
significação históricos. Somente nas resultantes desse sentido, significado e
significação é que o passado pode ser reconhecido como história. Particularidade
reflete as limitações da abordagem, pela interpretação histórica, das evidências
empíricas do passado. Fundamentalmente, ela relaciona o conhecimento histórico à
finalidade de construção da identidade mediante a memória histórica. Sendo a
identidade logicamente particular – ela sempre é uma diferença para com os outros
–, o conhecimento histórico, como espelho criativo da formação da identidade,
sempre é particular. Exige, por conseguinte, uma pluralidade de abordagens do
passado. Dessa forma, corresponde ele, pois, à pluralidade de identidades e às
dimensões da identidade, das diferenciações e dos interesses conexos na vida
prática.
Com sua retrospectividade, perspectividade, seletividade e particularidade, o
conhecimento histórico faz parte do discurso cultural pelo qual a diferença e a
distinção são produzidas como resultantes essenciais da orientação cultural no
mundo humano. Isso é verdade especialmente para as relações sociais e para a
dominação política. Pode-se mesmo falar de um princípio de comunicabilidade, que
faria do conhecimento histórico um elemento constitutivo desse discurso cultural. Ele
transforma o discurso acadêmico em parte da luta cultural pelo poder. Ele lida com o
poder ao tornar efetivos seus princípios na percepção e na interpretação do mundo
humano no espelho da memória histórica. No contexto desta comunicação, a
história, como passado representado, ganha em vividez e poder, ao tornar-se parte
da vida quotidiana. Confrontada com essa integração inevitável da história à vida, a
objetividade histórica aparece como seu contrário, como um recurso cultural na luta
19 Novick, Peter: That Noble Dream. The 'Objectivity-Question' and the American Historical
Profession. New York, Cambridge, 1988.
132
diretamente da facticidade pura da informação das fontes. Esse termo só faz sentido
com o pressuposto, não questionado, de uma epistemologia positivista. Ele confirma,
ademais, um conceito amplo de método histórico, em que este fica restrito aos
mecanismos e à tecnologia de crítica das fontes. A operação mental que transforma
a informação das fontes numa sequência narrativa com sentido e significado, numa
narrativa histórica, pois, é, por sua vez, explicada como narrativa. A meta-história,
que investiga os princípios da narrativa, vai além tanto da metodologia tradicional
que se concentra na objetividade, quanto da poética e da retórica da historiografia,
que se restringem à subjetividade. Agora sim, os princípios constitutivos da
constituição histórica de sentido são de natureza estética e linguística.
Esta poetização da cognição histórica correspondia à falta de metodologia
de interpretação histórica. A meta-história velou o fato de que os estudos históricos
ainda utilizam uma rede de conceitos mais ou menos explicados teoricamente, ao
inserir os fatos numa relação historicamente significativa. 21 O ato poético inclui, no
mínimo, procedimentos cognitivos decorrentes das regras metódicas da pesquisa
histórica. A nova consciência das estratégias linguísticas para a produção de sentido
em história atraiu a atenção dos historiadores novamente para o ato de escrever
história. A historiografia nunca foi completamente esquecida na reflexão meta-
histórica sobre os estudos históricos que destacavam sua pretensão de objetividade
e sua autodefinição e prestígio como 'ciência'. No entanto, ela sempre esteve conexa
com a racionalidade metódica da pesquisa científica, tornou-se dependente dela e
foi desprovida de seu papel constitutivo no processo de produção de sentido ao lidar
com a experiência do passado. Tem-se agora o percurso inverso: os recursos
racionais da pesquisa, quando tematizados, parecem depender de procedimentos
linguísticos básicos de produção de sentido ao modelar a informação da fonte numa
narrativa significante. Como escapar dessa ambivalência?
20 White, Hayden: Metahistory. The Historical Imagination in Nineteenth Century Europe. Baltimore,
1973, p.X.
21 Cf. Rüsen, Jörn: Rekonstruktion der Vergangenheit. Grundzüge einer Historik II: Die Prinzipien der
historischen Forschung. Göttingen, 1986.
133
22 Appleby, Joyce; Hunt, Lynn; Jacob, Margaret: Telling the Truth About History. New York (Norton),
1994. Gossman, Lionel: Between History and Literature. Cambridge, Mass. 1990; Kocka, Jürgen:
Sozialgeschichte. Begriff - Entwicklung - Probleme. 2ª ed., Göttingen, 1986, p.40-47:
Objektivitätskriterien in der Geschichtswissenschaft; Koselleck, Reinhardt; Mommsen, Wolfgang J.;
Rüsen, Jörn (eds.): Objektivität und Parteilichkeit (Beiträge zur Historik, vol. 1), München, 1977;
Rüsen,. Jörn (ed.): Historische Objektivität. Aufsätze zur Geschichtstheorie. Göttingen, 1975.
23 Cf. Ankersmit, Frank R.: History and Tropology. The Rise and Fall of Metaphor. Berkeley, 1994.
135
25 Cf. Taylor, Charles: Multikulturalismus und die Politik der Anerkennung. Frankfurt/Main, 1993;
Rüsen, Jörn: "Vom Umgang mit den Anderen - Zum Stand der Menschenrechte heute", em:
Internationale Schulbuchforschung 15 (1993), p.167-178; Rüsen, J.: "Human Rights from the
Perspective of an Universal History", em: Schmale, W. (ed.): Human Rights and Cultural Diversity.
Europe - Arabic-Islamic World - Africa - China. Frankfurt/Main, 1993, p.28-46.
138
multiplicidade da vida prática, pelo contrário: ela é um princípio que organiza essa
variedade. Emoção, imaginação, poder e vontade são elementos necessários da
produção histórica de sentido. A pretensão de objetividade não lhes subtrai o vigor
da vida. Objetividade pode ser reconhecida como uma forma de sua vivacidade, na
qual as narrativas históricas reforçam a experiência e a intersubjetividade na
orientação cultural. E assim fazendo, tornam o peso da vida – quem sabe? – um
pouco mais suportável.