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33º Encontro Anual da Anpocs

GT 05: Conflitualidade social, administração da justiça e


segurança pública

Experiências de policiamento e práticas policiais: um


estudo de Fortaleza

Marcos Luiz Bretas, IFCS/UFRJ


Glaucíria Mota Brasil, LABVIDA/UECE

Outubro de 2009
Experiências de policiamento e práticas policiais: um estudo de Fortaleza

Marcos Luiz Bretas(UFRJ)


Glaucíria Mota Brasil(UECE)

As crises vivenciadas pelas polícias no Brasil podem ser percebidas como produtoras de
ações governamentais na área da segurança pública e tem levado a um grande número de
propostas para a reforma dos dispositivos policiais. A maior parte das
propostas tem origem no processo de consolidação democrática das instituições
brasileiras e sugerido modelos de atuações policiais identificados com
estratégias de aproximação entre as forças de segurança e a população,
incluindo algumas formas de participação de grupos e setores não policiais em discussões
concernentes à segurança pública, percebidos como potenciais legitimadores
dessas propostas.1 Esse debate passa por um circuito de discussões nacionais,
onde a Secretaria Nacional de Segurança Pública tem exercido um papel
fundamental de articulador, mas também pela disseminação de fóruns de debates
acadêmicos e/ou políticos. O debate passa também por discussões locais em que
as circunstâncias especificas de cada Estado, aliadas às dimensões do embate
político local, promovem não só discussões como também experiências definidas
como novos modelos de atuação policial. Um dos Estados que experimenta
esse processo de mudança na área da segurança pública, cercado de debates
públicos e caracterizado por uma intensa ação política, é o Ceará. O governo
do Estado produziu e passou a implementar um programa de policiamento denominado
de “Ronda do Quarteirão”, caracterizado por fazer uso de estratégias preventivas e
ostensivas através de patrulhamento 24 horas, com 12 policiais que se revezam nos três
turnos. São quase 1500 homens em 264 veículos (carros e motos) em 122 áreas, cada
uma com 3km2.2 Ao mesmo tempo, o governo municipal tenta participar mais ativamente
1
Sem dúvida existem também propostas que defendem mais poder e autonomia para as polícias, sem maior
preocupações com legitimidade e participação. Este tipo de proposta tem muito pouca expressão articulada
e não tem sido objeto de estudo.
2
Os dados citados sobre o Ronda foram coletados e trabalhados inicialmente por Emanuel Bruno Lopes,
2008.
da política de segurança pública, reforçando sua Guarda Municipal, experimentando
novas fórmulas de atuação, que se situação num limite tênue entre a cooperação com o
Estado e a confrontação por espaços de poder.
A proposta do Ronda se apresenta como inovadora e
fundamentada nos “novos” princípios do policiamento comunitário ou mais
especificamente faz uso de estratégias do policiamento comunitário em suas
abordagens de aproximação com a população das áreas onde o programa foi
implantado. Esse modelo tem recebido atenções e consideráveis recursos
governamentais, incluindo melhores salários, recursos materiais diferenciados
como carros, equipamentos de comunicação, armamentos e novos uniformes para
um contingente recrutado e formado especificamente para o programa.
No caso do Ceará, a segurança pública, nos últimos 20 anos de governo do PSDB,
acabou por se mostrar problemática e causadora de desgastes políticos aos seus gestores,
o que se mostrou paradoxal diante dos avanços conquistados pela racionalidade e
modernização da máquina administrativa do Estado. Um modelo que, para se manter,
buscava confiabilidade e legitimidade para suas ações sem que para isso fosse necessário
alterar sua estrutura de poder, ou ainda, dividir com os seus possíveis “parceiros”, a
sociedade civil organizada, a elaboração de uma política de segurança pública e a
responsabilidade maior não só de fiscalizar, como também de definir e gerenciar essa
política ( Brasil, 2003).

No atual governo, os rumos da política estadual de segurança pública estão relacionadas


à criação e implementação do Programa Ronda do Quarteirão, denominado de a “polícia
da boa vizinhança”, que tem como orientação as práticas do policiamento comunitário na
prevenção da criminalidade. Ou seja; o modelo privilegia o policiamento de proximidade
com a comunidade, o diálogo entre policiais e população e estratégias de resolução de
conflitos.

Nesse contexto, alguns acontecimentos na área são merecedores de atenção e colocam


em evidencia as “táticas de governo” assim como as reações da corporação policial e da
sociedade de modo geral. O primeiro deles é a (re) instalação do Conselho Estadual de
Segurança Pública do Ceará, órgão criado em 19933, mas que não funcionou durante 14
anos. Esse movimento de gestão político-administrativa sinaliza uma abertura ao diálogo
com diferentes segmentos da sociedade.

O segundo movimento está relacionado às medidas administrativas adotadas no ano de


2007 que acabaram ocasionando resistências de alguns membros e grupos da corporação
policial às novas orientações governamentais para a segurança pública, por exemplo, a
mudança nos comandos estratégicos da PM (interior e capital) e por fim, a exoneração do
comandante da corporação, Coronel Adail Bessa, que estaria, segundo informações da
imprensa, relacionada a elaboração de uma lista com o nome de 100 PMs que deveriam
compor com os novos policiais formados o Batalhão que iria congregar o efetivo do
Programa Ronda do Quarteirão. O Governador solicitou que os nomes indicados
tivessem conduta ilibada e ficha funcional limpa, e a lista enviada ao governo não
atendeu aos critérios solicitados.

Após o episódio, ocorreu uma série de ações violentas (envolvendo o uso ilegal da força
letal) por parte de policiais da PM4. Dentre essas, a que mais chamou atenção foi o “Caso
da Hilux” que, confundida com um carro que fugiu depois de um assalto a um caixa
eletrônico, foi perseguida e metralhada. Pertencia a um casal residente no Estado que
tinha ido receber um casal de turistas estrangeiros, sendo ambos feridos e um deles ficou
paraplégico. O caso ganhou repercussão nacional e quase vira incidente diplomático, uma
vez que o casal ferido era espanhol.

3
Criado oficialmente pela Lei Estadual nº. 12.120 de 24 de junho de 1993 no Governo Ciro Gomes
(19991-94) com funções consultivas, proponentes e fiscalizadoras na área da segurança pública, por
decisão do governador Cid Gomes, o Conselho foi instituído de forma oficial em 09 de março de 2007,
sendo composto por representantes da Defensoria Pública, Ordem dos Advogados do Brasil, Centro de
Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese de Fortaleza, Comissão de Defesa Social da Assembléia
Legislativa, Comissão dos Direitos Humanos da Câmara Municipal, Conselho Estadual da Criança e do
Adolescente, Secretaria de Justiça, Conselho Cearense dos Direitos da Mulher, Ministério Público,
Associação dos Municípios do Estado do Ceará, Polícia Civil, Polícia Militar e corpo de Bombeiros Militar
do Ceará.
4
Somente em meados do mês de setembro e inicio de outubro de 2007 ocorreram os seguintes casos
envolvendo a PM: 14/09 – Um homem levou um tiro o coração disparado por PM no bairro Olavo
Oliveira; 20/09 – Um policial matou um vendedor de 29 anos em Iguatu ao confundi-lo com pistoleiro;
24/09 - Um jovem levou um tiro pela polícia em tumulto em Quixadá; 26/09 – Uma Hilux foi confundida e
baleada com um carro que fugia após assalto em Fortaleza; 3/10 – Uma dona de casa morreu após
abordagem truculenta da PM que invadiu seu domicilio; 7/10 – Um estudante foi morto com tiros
disparados por PM dentro de uma churrascaria em Fortaleza; 8/10 –O desaparecimento de 12 fuzis calibre
7.62 de dentro do Quartel do Comando Geral da PM em Fortaleza, visto como uma afronta e boicote por
alguns setores ligados ao governo à gestão do Secretário Estadual de Segurança Pública, Roberto Monteiro.
Diante dos acontecimentos o oficial PM responsável pela ação policial disse que o carro
abordado era o errado mas o procedimento adotado pelos policias era correto. A ação
envolvendo a PM foi desastrosa e fora do padrão do uso legal da força letal.

Esse cenário de desmandos, abusos e flagrantes violações de Direitos Humanos


e dos padrões legais que devem reger as abordagens policiais no Estado
Democrático de Direito, causou perplexidades à sociedade (...) as declarações
públicas do então comandante do policiamento da capital, ao dizer que os
policiais agiram de acordo com a lei. Que lei? Respondemos: “Atirem primeiro e
perguntei depois”. As declarações feitas são reveladoras do corporativismo
militar, da incapacidade de autocrítica que a instituição possui frente aos seus
erros e, principalmente, da intolerância às criticas externas (Brasil, 2007, p. 5).

Pouco tempo depois, o então Comandante do Policiamento da Capital, Coronel Alberto


Serra, foi denunciado (e teve sua prisão decretada pela justiça) pelo seu suposto
envolvimento no seqüestro e extermínio dos suspeitos de assalto e tentativa de homicídio
a policiais militares na Avenida Raul Barbosa. Na ocasião os assaltantes balearam a
cabeça de um policial e espancaram outro, levando três pistolas e seus coletes. Acabaram
presos irregularmente por policiais do denominado Serviço Reservado da PM 5. Um dos
presos foi ferido no pé pelos mesmos policiais e ambos foram colocados no porta-malas
de uma viatura descaracterizada e levados para o Hospital de Messejana. Quando
chegaram ao hospital, os policiais da viatura foram supostamente rendidos por dez
homens encapuzados, armados com pistolas que disparam contra os dois suspeitos
levados pela P2 e um teve morte imediata, o outro foi levado para a emergência com
nove tiros e sobreviveu (Jornal O Povo, 28/09/07, p.2).

Nesse cenário, a criação do Programa Ronda do Quarteirão pode ser entendido como um
acontecimento ou ainda como medidas estratégicas e racionais que estão sendo utilizadas
para ocasionar transformações na maneira de pensar e fazer na política de segurança do

5
Segunda Seção (2ª SEÇÃO) ou Seção de Informações do Exército serviu de modelo para a 2ª Seção da
Polícia Militar ou P 2 como é mais conhecida no meio policial. No regime militar os DOI-CODI estavam
vinculados aos chefes do Estado-Maior e atuavam por meio da 2ª Seção (Couto, 1999 apud Brasil, 2000).
No atual governo, é importante mencionar que após os episódios do Hospital de Messejana, o Secretário de
Segurança Pública e Defesa Social, Roberto Monteiro, baixou uma portaria extinguindo o Serviço
Reservado da PM nas Companhias da PM. Decisão, ao nosso ver, vinculada a participação direta de
membros da PM em “certas práticas”, como por exemplo, em grupos de extermínio, e ao compromisso da
atual gestão com a legalidade e a gramática dos direitos humanos.
Ceará. Um acontecimento no modo de gerir a coisa pública que pode ser uma “ruptura
das evidências” que sustentam saberes, discursos, consentimentos e práticas.

Não se trata de aferir práticas com a medida de uma racionalidade que as faria
apreciar como formas mais ou menos perfeitas de racionalidade; mas, antes, de
ver como formas de racionalizações se inscrevem em práticas, ou sistemas de
práticas, e que papel elas desempenham (FOUCAULT, 2003, p. 342).

O que era e, ainda, é óbvio, quando se consulta a literatura sobre a temática da segurança
pública, ou quando se observa fatos do cotidiano envolvendo as forças policiais é a
afirmação recorrente de que são instituições com uma mentalidade e cultura permeada
por práticas autoritárias, discriminatórias e de excessos. No Ceará, a implementação do
Programa Ronda do Quarteirão pode ser compreendida como uma tentativa do atual
governo em propor um novo modelo que se der certo, pode romper com algumas dessas
evidências que sempre fizeram parte e nortearam o trabalho dos policiais para o
surgimento de um novo “código” que prescreve orientações e regulamentos (Foucault,
2003) sobre a maneira de pensar e fazer segurança pública através de propostas de
aproximação com a comunidade na prevenção da criminalidade, em circunstâncias
especificas que envolvem situações, lugares, tempo e sujeitos.

De acordo com estudos realizados por Bayley e Skolnick (2002, p. 223-4) sobre as
inovações no policiamento em alguns países, os maiores obstáculos são aqueles
encontrados dentro das organizações policiais, uma vez que “toda e qualquer organização
resiste a mudanças, mas é difícil imaginar uma mais resistente do que a polícia”. Essa é
uma realidade que também se faz presente nas forças policiais brasileiras, devido a uma
mentalidade solidificada que tem dificuldade em aceitar que as estruturas das forças
policiais precisam passar por renovações e críticas, como se pode ver nas palavras de
Rolim (2007, p.36)

(...) o atual modelo de polícia tem permitido também que determinados


interesses particulares, articulados ilegalmente e mesmo em estreita colaboração
com grupos criminais, tenham fincado raízes nas instituições policiais.
Reformas, então, também ameaçam práticas altamente lucrativas já acomodadas
na instituição, e que beneficiam parte das elites policiais.
Com relação a experiência do Ceará, há, ainda, insatisfações internas com relação à
escolha dos policiais veteranos que passaram a compor o programa6, alguns deles
retirados das ruas e outros de serviços burocráticos da Polícia Militar, além dos policiais
novatos, recrutados e treinados no curso intensivo de três meses realizado em parceria
com a Universidade Estadual do Ceará. O fato do tempo de formação dos policiais ter
sido reduzido de seis para três meses (de 1.070 para 712 horas aula), para dar agilidade a
operacionalização ao Programa que estava atrasado, foi motivo de cobranças e desgastes
políticos ao atual governo; foi criticado por estudiosos e pesquisadores da área que
consideraram a redução na formação problemática frente as exigências dos conteúdos
teóricos e práticos da nova formação policial ou do que preceitua a Matriz Curricular
Nacional para formação dos profissionais da área da Segurança Pública.

O Curso de Formação dos Soldados do Ceará, se comparado a outros estados do


Nordeste, passou a ter menor carga horária e o menor tempo dos nove estados que
compõem a região. Alguns policiais reclamaram ter saído do curso sem saber atirar, o
que não significa dizer que não tiveram aula sobre o uso da força letal 7, o resultado disso
são ações amadoras e despreparadas para lidar com o uso da força letal em situações de
grande tensão, conflitualidade e estresse. Essas intervenções são perigosas e equivocadas,
porque os resultados podem fazer o novo programa repetir os velhos hábitos.

Por outro lado, não se pode ignorar a importância da criação de um programa na área da
segurança pública com estratégias e práticas de policiamento comunitário, uma proposta
inovadora e que se coaduna com os estudos na área da segurança pública que
consideram, de modo quase unânime, que se houver permanência no tratamento da
questão da criminalidade e da violência urbana, apenas por meio de propostas repressivas
e reativas, reduzindo a problemática a assunto de polícia, as políticas de segurança
permanecerão mostrando resultados insignificantes ou nenhum, sem conseguir conter o
avanço da criminalidade, de tráfico de drogas e das múltiplas violências manifestadas nos
diversos espaços das relações sociais.

6
Levou-se em consideração a experiência na função, ficha profissional, motivação para participar do
programa e participação de cursos anteriores na área de policiamento comunitário.
7
De acordo com a matriz curricular nacional dos profissionais da área da segurança pública a disciplina de
Tiro Policial Defensivo é uma das que possui maior carga horária, 60 horas. Ver site
www.mj.gov.br/senasp, 2006.
No Brasil,8 é preciso se ficar atento às limitações das experiências com policiamento para
que não seja desenvolvida uma postura idealizadora.

As experiências-piloto já realizadas [ Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro,


Mato Grosso e outros] no Brasil parecem demonstrar que não é possível aplicar
em maior escala qualquer das variações comunitárias de policiamento sem
garantias constitucionais básicas. Estas envolvem o apoio necessário – e não
retórico – nas esferas governamentais e a solidariedade de, pelo menos parcelas
significativas das instituições policiais. Na Polícia Militar, por exemplo, a
ausência de autonomia dos setores responsáveis pelo policiamento de rua faz
com que projetos de PC possam ser facilmente desarticulados por decisões
administrativas aparentemente neutras, que, entretanto, reforçam o modelo
reativo que se deseja superar ( ROLIM, 2007, p.95).

No Ceará, a criação do Batalhão de Policiamento Comunitário na PM, órgão responsável


pela execução do Programa Ronda do Quarteirão, assume importância significativa nesse
contexto. De fato, o que é importante e indispensável é a participação e apoio da
sociedade junto ao trabalho desenvolvido pelos policiais, o trabalho destes com e para a
comunidade e a colaboração de postos estratégicos na hierarquia de poder do sistema
estadual de segurança pública (como por exemplo, o fortalecimento dos dispositivos
internos e externos de controle da atividade policial para apurar e punir os desvios dos
policiais que compõem o programa como já se viu acontecer com alguns membros da
sociedade).

Esses aspectos acima são ressaltados para que essa movimentação que vem dar feições a
política estadual de segurança, que busca legitimar, marcar e definir posições e
estratégias, sem desconsiderar os embates presentes dentro e fora da corporação, não
retorne ao mesmo ponto, ou seja, não se configure como o “mais do mesmo” (Rolim,
2006), repetindo as mesmas práticas, compartilhando a mesma mentalidade, e o pior,
definindo fronteiras nas suas ações com a comunidade.

8
Em cenários marcados por complexidades e especificidades, devido ao aumento da criminalidade, o
surgimento de alguns problemas urbanos, hostilidade entre policiais e comunidade (sobretudo, membros
das áreas suburbanas), além de fatores sócio-econômicos, políticos e culturais de impacto, fizeram com que
surgissem algumas tentativas e/ou inovações feitas nas estratégias de policiamento em algumas cidades
brasileiras. Sobre as ações que apontavam na direção do policiamento comunitário, são relevantes os
trabalhos de Mesquita Neto (2004) sobre a experiência de São Paulo no inicio da década de 90, no Rio de
Janeiro sobre o assunto destaque para a produção e Muniz et al (1997) e em Minas Gerais ver o trabalho
do CRISP.
Na maioria dos casos, os policiais que compõem o programa são chamados para mediar
conflitos interpessoais (daí a importância da formação humanista, norteada por
conhecimentos nas áreas das ciências humanas e sociais), o que para alguns policiais que
não fazem parte do Ronda seria uma perda de tempo, pois foram preparados e vestiram
uma farda para combater criminosos e não para separar brigas entre vizinhos por causa
do som da música alta, brigas entre marido e mulher. O que não se pode negar é que
muitos desses problemas de baixa complexidade podem se transformar em problemas de
alta complexidade como os homicídios e afetam diretamente a experiência e a qualidade
de vida dos cidadãos..

Cabe, portanto, a Estado de Direito orientado por princípios democráticos “regular a


resolução dos conflitos dos mais importantes grupos de uma sociedade através de
instituições especiais que facilitem os debates entre grupos contrários e sua resolução”
(Elias: 1997, p. 262). Não se trata de extirpar o conflito da convivência social como
muitos pensam, pois como subscreve o autor, trata-se de uma questão

(...) simplesmente inconcebível e, portanto, não faz o menor sentido criar


imagens ideais de uma sociedade – as quais, em última análise, pretendem ser
modelos para orientar e guiar o comportamento – sem levar em consideração o
significado constituinte de conflitos para as sociedades humanas. Uma sociedade
livre de conflitos pode parecer o pináculo da racionalidade mas, ao mesmo
tempo, é também uma sociedade do silêncio sepulcral, da mais extrema frieza
emocional e do mais profundo tédio – uma sociedade, além disso, sem a menor
dinâmica. Em qualquer sociedade que possamos desejar, como naquela que
temos agora, a tarefa não é eliminar conflitos – isso é um empreendimento fútil
– mas, pelo contrario, regulá-los, submeter as táticas e estratégias do conflito a
regras – regras que nunca podem ser aceitas como finais (ibidem, p. 263).

Há que se considerar ainda, os elogios feitos por moradores das áreas beneficiadas pelo
programa, os relatos que se escutam pelas ruas, pelos jornais, enfatizando que os policiais
são atenciosos e educados, obtendo o programa boa aceitação, popularidade e motivo de
aplausos da população a simples passagem da viatura do Ronda. Por outro lado, há ainda,
aqueles que consideram como policial bom aquele que é violento e atira para matar. No
contexto de inovações no policiamento, as criticas e o apoio do público são
fundamentais, no entanto implementar novas estratégias não são fáceis de desenvolver
[p]or causa da ambivalência do público com relação à polícia. O público
reconhece as dificuldades do policiamento como ocupação, mas teme às vezes o
potencial de aplicação da lei ou mesmo o abuso de poder (...). O policial vive
essa ambivalência de maneira intensa. Embora saiba que a presença da polícia é
frequentemente requisitada e muitas vezes apreciada, no entanto, ele se sente
entrincheirado, ressentido e mal compreendido. A exemplo de qualquer autor,
ele tende a lembrar toda opinião negativa que apareceu numa resenha enquanto,
por outro lado, dá pouca atenção às avaliações positivas (Bayley e Skolnick,
2002, p.236).

A tentativa de aproximação com a comunidade e a sensação de confiança nos policiais


pelos moradores dos bairros, associado a uma eficiência no trabalho policial, pode
contribuir para traçar um quadro estatístico um pouco menos duvidoso, ou seja, um
pouco mais confiável sobre a situação dos crimes e das modalidades de violências
levando em consideração as circunstâncias sociais estabelecidas no cotidiano da vida
pública.
Ao mesmo tempo, a Prefeitura de Fortaleza investe na expansão de sua Guarda
Municipal ao estabelecer princípios de atuação na esfera da segurança, dando ênfase a
um novo papel para o agente de segurança urbana, fundamentado numa expectativa de
direitos e de paz social, que esbarra continuamente na ação do Estado, desde a
legalidade das atribuições e atuações às dimensões mais empíricas de definir a
quem cabe atuar em determinadas áreas ou questões.9 A Guarda de Fortaleza realizou um
concurso e promoveu o treinamento de 633 novos guardas, entre março e maio de 2008.
Planejado por pesquisadores ligados à Universidade Estadual do Ceará, o curso visava
capacitar os alunos “para promover a segurança comunitária e preventiva”. Os objetivos
se enquadravam na concepção de Guarda Municipal patrocinada pela Secretaria Nacional
de Segurança Pública (SENASP). Colocados nas atividades cotidianas da Guarda, esses
homens e mulheres passaram a se defrontar com situações e demandas muito diversas
daquelas apresentadas em sua formação. Essa constatação já é feita pelos próprios
gestores das guardas, os primeiros a tentarem dar conta do confronto entre os projetos e a
realidade das guardas. De muitas formas essa constatação já atingiu as pesquisas que
começam a ser feitas sobre essas guardas:
Apesar de as guardas terem sido criadas com o objetivo de vigiar os próprios e
fiscalizar o cumprimento das posturas municipais, em muito já ultrapassaram
estes tipos de atividades, exercendo, na prática, funções não apenas

9
A expansão das guardas é uma visível tendência no Brasil a partir da constituição de 1988, mas também
reflete um panorama novo de gestão urbana internacional, no que Chalom e Léonard chamaram “faire avec
la ville”. CHALOM & LÉONARD, 2001.
administrativas mas também voltadas para o exercício do controle social e
urbano (Miranda et alii., 2008, p. 36)
Esta situação afeta especialmente os guardas, que sentem na pele as dificuldades de
conciliar o exercício diário de sua atividade com as formulações apresentadas em seu
treinamento. Isso aparece com frequência nos procedimentos de entrevista, quando as
primeiras falas sobre a atividade são pura e simplesmente repetições de informação
aprendida, que vai se tornando algo diferente na medida em que o diálogo avança,
permitindo que se perceba que a prática diverge da formação.10 Um ponto de grande
importância e que merece investigação mais cuidadosa é em que medida as informações
produzidas pelos guardas chegam aos gestores ou não. Instituições de formação militar
apresentam como característica um desligamento entre a prática de baixo e as lógicas de
comando, baseadas em valores e informações que não se relacionam com a operação ou
com as percepções dos escalões inferiores. As Guardas não são necessariamente
instituições militares mas entre os formuladores dos projetos de guarda e nos seus
comando existe um número expressivo de policiais militares. Na pesquisa realizada por
Miranda e outros no Rio de Janeiro, onde foram apresentados questionários a
representantes oficiais das guardas (pessoas com poder de decisão), foi perguntado sobre
as informações utilizadas para o planejamento de atividades. A resposta mais frequente
foi “informações transmitidas pela guarda municipal em sua prática cotidiana”
(MIRANDA et alii., 2008, p. 43), citada por 70,7% dos respondentes. Essa informação
deve ser lida com algum cuidado. Como a resposta estava presente no questionário, ela
pode ter parecido uma resposta correta, democrática, a ser dada, correspondendo ao que
se deve esperar na política municipal. Além disso, podemos perguntar o que são
“informações transmitidas pela guarda”? Seria o mesmo que informações transmitidas
pelos guardas? Ou a guarda é representada por seus gestores? Parece pouco provável que
um modelo de gestão baseado na circulação e avaliação das informações produzidas na
ponta da atividade, na rua, esteja sendo implementado em Guardas Municipais. As
entrevistas realizadas com guardas parece indicar, no mínimo, um sentimento muito
distinto, uma avaliação de que não são ouvidos.

10
É interessante pensar os motivos da apresentação formal das atividades no início das entrevistas. Uma
primeira hipótese pode ser a desconfiança diante dos interlocutores, fazendo que se adote um discurso
neutro, ou de acordo com aquilo que foi passado pelo comando. Não se pode descartar a possibilidade de
um certo medo de repressão por dar as respostas “erradas”. Por outro lado, também é possível considerar
que o discurso oficial produzido no treinamento foi introjetado e é aceito, ainda que com o desconforto de
não adaptar-se a procedimentos concretos em diversas circunstâncias.
Tanto o “Ronda de Quarteirão” como a Guarda Municipal são produtos de projetos
políticos que buscam se valorizar pela introdução do novo e pelo redimensionamento dos
resultados esperados na produção urbana da segurança pública. Não se pode ignorar que
essas propostas políticas buscam legitimação por meio de parcerias estabelecidas com
os centros universitários com objetivos de qualificação das forças de segurança que
compõem os referidos projetos. A discussão sobre as atuações desses agentes pode ser
de grande interesse, mais ainda se feita a partir da análise dos elementos que vão definir
sua atuação pela cooperação ou pela competição, que podem ser ordenadas tanto por uma
dimensão do projeto policial quanto do projeto político dos envolvidos.
A proposta deste trabalho é apresentar os primeiros resultados de uma pesquisa em curso,
para avaliar as percepções das efetividades/viabilidades dessas organizações na
forma como são concebidas pelos homens e mulheres encarregados de representar
esses projetos nas ruas. Policiais militares e guardas municipais recebem
formação e treinamento baseados num conjunto de princípios e direitos e,
tornam-se executores e representantes desses programas no desenvolvimento de suas
atividades cotidianas. A maior ou menor adesão desses agentes aos objetivos do projeto
terá um grande impacto sobre a forma como os resultados ganharão visibilidade e serão
avaliados pelo público e pelos meios de comunicação. Numa perspectiva restrita, isso
pode significar o insucesso de um projeto mas, o que talvez seja mais importante, pode
provocar mudanças na implementação que terminem por resultar em algo diverso
do originalmente planejado no plano municipal e estadual. Nesse trabalho vamos buscar
avaliar como os conteúdos curriculares da formação em cidadania e direitos humanos são
processados pelos ex-alunos e atuais agentes da segurança pública, na medida
que se confrontam com as experiências concretas da necessidade de atuação. Os
valores se tornam possíveis valores em uso, as abstrações confrontadas com
demandas e expectativas concretas do público e dos envolvidos nas ocorrências.
Podemos dizer que o acesso aos direitos de cidadania são distribuídos
desigualmente na sociedade; o que importa verificar é a experiência de
produção da racionalização desses direitos e a sua distribuição desigual. Ao
perceber a partir da realidade uma legitimação da desigualdade, o ator
confronta-se com aquilo que aprendeu e que parecem ser os valores que deveria
sustentar “ se não como valores próprios”, ao menos como os valores daqueles
que dirigem sua atuação e, conseqüentemente, podem tornar sua vida
profissional melhor ou pior. A pergunta feita é o como do confronto
estabelecido entre “o ser e o dever ser” em todo esse processo que se inaugura como
evento político ou acontecimento. “Um evento é de fato um acontecimento de
significância, é dependente na estrutura por existência e por seu efeito. ‘Eventos não
estão ali e acontecem’, como diz Weber, ‘mas têm um significado e acontecem por causa
deste significado’” (Sahlins, 1990,p.190-91).
No caso dos Guardas Municipais se reconhece a diferença entre a prescrição e o
chamado, expresso no atendimento de situações que não fariam parte de suas atribuições,
principalmente situações que constituiriam caso de polícia. No caso dos policiais, a
prescrição é mais próxima da realidade mas também são confrontados com uma aparente
incompatibilidade entre o que consideram a atividade que devem praticar e o tipo de
chamados que efetivamente enfrentam. Ao contrário dos guardas, vivem a sensação de
que são chamados a resolver inúmeras questões que não são casos de polícia.11 Além
disso, os policiais militares chamados a participar do ronda de quarteirão experimentam
uma disjunção nos métodos de atuar. A polícia militar tem – já há muito tempo – um
saber prescritivo sobre como proceder em situações, como resolver problemas, ainda que
seus métodos sejam cada vez mais questionados pela sociedade e sujeitos a críticas. Ao
tentar formular uma idéia de polícia diferente, o programa político esbarra nesse saber
consolidado e na dimensão que faz com que seus homens possam ser, ou não,
“verdadeiros policiais”. Essa dimensão esteve presente na formação do primeiro
contingente do Ronda, selecionado entre policiais experientes e sem um histórico de
problemas e punições. A intenção política era escolher os melhores homens para compor
a nova polícia. Foram oferecidas condições de trabalho muito superiores às das
atividades tradicionais, desde a marca simbólica do Ronda, que são os carros Toyota
Hilux, até ganhos salariais. O preço destes benefícios seria alterar os métodos de atuação,
o que poderia parecer pouco, mas que terminava por criar inadequações tanto dos
homens que não se sentiam a vontade operando com restrições quanto gerando disputas
entre a nova e a velha polícia, sem os benefícios mas ainda com os velhos métodos,
fazendo polícia de verdade.

11
Esse tema está presente em muitos estudos. Essas atividades que os policiais consideram que têm de
executar mas que não fazem parte do que consideram atividade de polícia possuem diferentes nomes em
cada estado. No caso do Rio de Janeiro são conhecidas como “feijoada”. Ver, entre muitos outros,
PONCIONI, 2007 e BRETAS & PONCIONI, 1999.
O problema se repetiu, de forma um pouco diferente, quando o projeto passou a buscar
policiais recém-saídos da formação. Aqui a diferenciação com os policiais antigos
tornou-se ainda mais flagrante, numa visível rejeição à integração. A intenção dos
formuladores do projeto teria sido exatamente marcar a distinção entre novos e velhos.
Mas, como todos se enquadram no rótulo comum de polícia, a aspiração dos novos não
era de se diferenciar e ficaram entre as possibilidades de tentar integrar-se tornando-se
mais parecidos ou viver de forma mais intensa um conflito entre os dois grupos. No mês
de julho de 2009, a imprensa dedicou uma série de reportagens ao Ronda, apontando
problemas idênticos àqueles associados à forma tradicional de polícia, falando em abusos
e corrupção.12 Esses problemas colocam em evidência as dificuldades experimentadas na
implantação de programas de policiamento dentro das atuais polícias no Brasil. As
resistências, fundamentadas nas crenças sobre a qualidade do trabalho e na
impossibilidade de executá-lo de forma distinta, atravessam diversos escalões,
provocando incontáveis dificuldades. Os programas se tornam dependentes de um
pequeno grupo de líderes que tiveram participação em sua concepção e podem sofrer
abalos pela mudança de nomes na gestão. Ao mesmo tempo, enfrentam essa resistência
surda por parte daqueles que estão fora do programa – seja por se sentirem excluídos dos
benefícios, seja por não acreditarem nas mudanças, quase sempre por ambos os motivos
– e mesmo por muitos que participam. As formas de seleção dos grupos nunca podem
operar exclusivamente pelo engajamento voluntário, quando possivelmente o número de
interessados nas propostas pode ser pequeno. O que pode atrair são benefícios de
qualidade de trabalho, que não necessariamente atraem as pessoas certas. Ao mesmo
tempo, instituições militares trabalham com ordens, comandos e designações que se
coadunam muito mal com a expectativa de engajamento voluntário.13 Tudo isso produz
um programa que parece ser executado por agentes que não têm grande compromisso
com o seu sucesso, talvez mesmo que se satisfazem com a confirmação de sua certeza
sobre o fracasso.
12
A repercussão dessas matérias provocou um atraso nesta pesquisa. Naquele momento foi considerado
inadequado continuar a fazer entrevistas com o pessoal do Ronda pois o material seria contaminado pela
discussão das denúncias.
13
Conhecemos muito pouco sobre os mecanismos de designação de profissionais nessa área de segurança
pública, os critérios adotados para indicação são pouco transparentes e ainda não foram estudados.
Entrevistando guardas municipais no Rio de Janeiro nos defrontamos com muitas queixas sobre o não
aproveitamento de formações anteriores que os guardas traziam consigo. A explicação do comando foi que
aquelas pessoas haviam entrado na guarda para serem guardas e que era preferível desestimular qualquer
expectativa de atuarem em suas áreas de atuação anteriores ou pretendidas. Ver MISSE & BRETAS, no
prelo.
Essas constatações estão na base de um pensamento que vai se afirmando, em defesa das
guardas municipais. Estas não teriam os mesmos vícios das instituições policiais
militares, e poderiam ser constituídas desde o início direcionadas para um policiamento
comunitário de caráter mais preventivo. A idéia de substituir as polícias militares por
guardas municipais foi expressa explicitamente por Benedito Mariano (2004), que dirigiu
a Guarda Civil Metropolitana de São Paulo. Abandonando a carga histórica e cultural das
polícias militares, esse modelo parece esbarrar em outros tipos de problema, não menos
graves. Como já mencionamos, as guardas vão sendo pressionadas a agir de forma
policial, acompanhando as expectativas da população e mesmo de muitos guardas. Ao
pensar que os guardas optam por esta carreira para atuar num novo segmento da
segurança pública, percebemos apenas parte da realidade. Muitos guardas vieram das
polícias ou de instituições de segurança privada e mantêm um vínculo com concepções
muito tradicionais de segurança pública. Para eles, a guarda seria apenas mais um espaço
para uma atuação semelhante. Também um grupo significativo de gestores é oriundo das
polícias e, ou pensa no modelo tradicional, ou tem um projeto de subordinar a guarda aos
legítimos atores da segurança, as polícias. Nota-se mesmo um esforço grande por parte
das guardas de legitimar-se pela produção de uma história e de uma cultura, que as
aproxima mais e mais das instituições policiais consolidadas.
As entrevistas com os guardas parecem confirmar que eles mesmos vivenciam esse
dilema a respeito de sua posição Independendo de seus projetos e expectativas, que
podem ser mais ou menos de caráter policial, eles convivem com um conjunto de
diretrizes que os afirma preventivos, próximos à população, encarregados da gestão de
inúmeros pequenos conflitos e carências dos moradores de sua área. Pode-se dizer que
recairia sobre eles o conjunto de demandas que os policiais não consideram sua
atribuição, liberando a polícia para os problemas mais sérios. Ao mesmo tempo, eles vão
se dando conta que as demandas sociais não operam a distinção policial/não policial. Se
lhes são trazidas as pequenas demandas, espera-se que eles dêem conta também das
grandes. Muita coisa envolve a atuação de outros serviços públicos, sobre os quais o
guarda – assim como o policial antes dele – não tem nenhum controle. Planejados com
função distinta, pelo caminho inverso os guardas chegam aos mesmos problemas da
polícia, o que mais uma vez reforça sua posição de identificar-se com essa atividade.
Uma das possibilidades exploradas pelas administrações cearenses para solucionar esses
impasses é reforçar os treinamentos, realizando parcerias com as universidades, de
acordo com as diretrizes estabelecidas nacionalmente pela SENASP. Os currículos com
uma forte ênfase na doutrina dos direitos humanos e em ações preventivas produz ao
menos uma informação que se transforma em doutrina e é empregada nos discursos.
Como a discussão sobre o treinamento de forças policiais já é travado a muito tempo, há
motivo para um certo ceticismo sobre sua capacidade de produzir transformações nas
forças policiais.14 Mas parece impossível negar que o esforço continuado tem produzido
pequenos resultados, formando uma massa crítica dentro das polícias, capaz de
questionar os valores já estabelecidos e produzir algumas formas novas de conceber a
atividade. Cada vez se torna maior a interlocução entre setores das polícias e grupos do
mundo acadêmico. Ainda que muitos, talvez a maioria, não aproveite os debates
conduzidos em seu período de formação, parece constatável que algum efeito está sendo
produzido pela intensa atividade que tem se desenvolvido nesse campo.15
A formação dos guardas municipais foi bastante cuidadosa, planejada e extensa a dos
soldados que passaram a compor o efetivo do Ronda de Quarteirão, por sua vez, deixou a
desejar. Como já foi observado, o período de treinamento foi muito reduzido por
motivações políticas. Isso faz com que o programa se fragilize, deixando evidente o peso
das intervenções políticas sobre as políticas de segurança pública. A mesma influência
política que tornou o projeto possível cria problemas na sua realização.
A possibilidade que estas inovações venham surtir algum efeito se encontra na
capacidade que o estado e o município possam Ter de manter os seus programas sob uma
firme supervisão, que consiga apoiar os esforços individuais para levar o programa a
frente de acordo com as matrizes estabelecidas. Já ficou evidente que dentro da Polícia
Militar existe uma forte resistência ao ronda, assim como a Guarda Municipal precisa
lidar com um grupo de guardas mais antigos que sentem dificuldade em aceitar as novas
realidades. Os recuos e insucessos já começam a acontecer e servem para alimentar as
críticas, mesmo que se perceba que os problemas constatados não são motivo para a volta
a métodos antigos, onde os mesmos problemas também eram encontrados. A população
de Fortaleza tem se mostrado receptiva a esses esforços de mudança e apoiado as
transformações Uma outra questão, que talvez seja muito cedo para ser respondida
14
A bibliografia sobre formação é razoavelmente extensa. Ver por exemplo PONCIONI, 2004 ou HAGEN,
2006.
15
Apesar dos guardas municipais da cidade do Rio de Janeiro serem extremamente críticos da gestão da
Guarda, um ponto que costuma ser elogiado é exatamente o treinamento. A direção da Guarda não poupou
esforços para propiciar um bom ambiente para a formação – muito melhor do que aquele que os guardas
vão encontrar mais tarde – e sua ação parece ser reconhecida pelos guardas.
satisfatoriamente, é se esses programas terão impacto significativo sobre os problemas de
ordem e criminalidade urbana. Certamente apresentaram efeitos muito imediatos na
produção de alguma sensação de segurança.
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