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Prova de Aptidão Profissional

Ano Letivo 2018/2019

A Marimba como Instrumento Solista


Origem, Evolução e Atualidade das Metodologias de
Execução a quatro baquetas na Marimba

Orientador: Vasco Sousa

Aluno: Nelson Ferreira

Nº15

3ºA

Data de entrega: 19/1/2019


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ÍNDICE

I. INTRODUÇÃO 3
II. BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA MARIMBA 4
II.1 A ORIGEM ETNOMUSICAL DA MARIMBA 4
II.2 A VIAGEM DA MARIMBA ATÉ AO CONTINENTE AMERICANO 5
II.3 DIFUSÃO DA MARIMBA MODERNA NOS ESTADOS UNIDOS 6
II.4 O INÍCIO DA UTILIZAÇÃO FREQUENTE DE QUATRO BAQUETAS NA
MARIMBA 6
III. BURTON E STEVENS: OS ROSTOS DO PROGRESSO E
CRIADORES DA TÉCNICA 8
III.1 GARY BURTON 8
III.1.1 Gary Burton: Biografia 8
III.1.2 Metodologia de Burton: Considerações de execução 8
III.2 LEIGH HOWARD STEVENS 10
III.2.1 Leigh Howard Stevens: Biografia 10
III.2.2 Metodologia de Stevens: Considerações de execução 11
IV. ATUALIDADE DAS METODOLOGIAS DE QUATRO BAQUETAS 12
V. CONCLUSÃO 14
VI. BIBLIOGRAFIA 17
VII. ANEXOS 17
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Introdução

Desde os meus primeiros momentos de aprendizagem e formação na interpretação


em marimba que me intriga a razão pela qual, em execução com quatro baquetas, os
percussionistas são ensinados e seguram as baquetas tão especificamente.

À medida que cresci e evoluí como estudante de percussão, a tentativa de


compreender e saber justificar o modo como manejo as quatro baquetas tornou-se num
dos pontos centrais da minha pesquisa sobre o instrumento, sendo que a descoberta
frequente de novas particularidades que facilitam e acrescentam mais qualidade à minha
interpretação é uma das caraterísticas únicas que me fascinam no instrumento, assim
como em todo o mundo percussivo.

Dada a crescente relevância da marimba no meio percussionista, sendo na minha


opinião o instrumento que requer mais atenção e minúcia para o domínio e controlo
técnico, decidi aproveitar este projeto para recolher ainda mais informação sobre todas as
especificidades associadas à performance com quatro baquetas na marimba que me
pudessem ajudar a mim e a qualquer interessado a uma melhor compreensão da realidade
do instrumento.

Esta dissertação escrita tem então o objetivo de compilar informação sobre as


origens geográficas e conceptuais da marimba em si, sobre o percurso histórico e sobre
as tradições que influenciaram a evolução do instrumento e principalmente, acerca de
Leigh Howard Stevens e Gary Burton, criadores das duas técnicas de quatro baquetas
maioritariamente utilizadas atualmente, sobre as metodologias do passado que por
qualquer razão influenciaram os pedagogos Stevens e Burton a criar os seus métodos,
sobre todas as nuances pertencentes a cada uma destas duas técnicas e sobre o recorrente
debate entre percussionistas assente na qualidade, correção, conforto e facilidade na
execução com estas mesmas técnicas.
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Breve contextualização histórica da Marimba

A origem etnomusical da Marimba

A Marimba na sua forma mais rudimentar e ancestral surgiu entre os homens


primitivos. Sendo um dos instrumentos melódicos mais antigos criados e construídos pelo
Homem. Hoje em dia apresenta-se de uma forma totalmente diferente daquela que
conviveu com os humanos de outrora. A Marimba ancestral, ou lítiofone, era
simplesmente constituída por pequenos fragmentos de rocha que eram trabalhados à mão
com sílex, sendo lascados e fragmentados até produzirem o som pretendido. Os
fragmentos já trabalhados seriam então dispostos na ordem desejada para serem
percutidos. (Rager, 2008)

A Marimba que conhecemos hoje difere substancialmente desta criação da Idade


da Pedra. Pode-se descrever muito resumidamente a Marimba atual como um idiofone
em que o som é produzido ao percutir lâminas de madeira com uma baqueta. (Rager,
2008)

A origem da marimba de madeira é incerta, mas a teoria mais bem aceite é que
esta variante da Marimba é uma criação das tribos africanas do grupo Bantu que habitam
as regiões africanas entre o Sahara e a África do Sul. No dialeto destas tribos, o radical
“ma” significa “muitos” e o radical “rimba” significa “objeto liso que fica de fora”. A
junção destes radicais explica aquilo que seria uma marimba africana, que era então
constituída por lâminas de madeira dispostas em sucessão horizontal estando a mais grave
à esquerda e a mais aguda à direita de quem toca (ver figura 1 do anexo). Cada lâmina
estaria então assente sobre uma cabaça limpa, seca e aberta no seu topo que atua como
ressoador. Estas marimbas (ou balafons) começaram com apenas três lâminas até
atingirem a oitava diatónica completas. (Rager, 2008)
5

A viagem da Marimba até ao continente americano

No período das Descobertas marítimas, milhares de africanos foram levados pelos


países colonizadores para os territórios que haviam sido conquistados nas regiões da
América Central, do atual México e da Costa do Pacífico. Juntamente com os Índios
nativos da terra colonizada, os escravos africanos formaram a força trabalhadora básica
dos impérios ultramarinos. Assim, nos descansos de que desfrutariam, os africanos terão
transmitido aos índios as suas tradições e ritos musicais, nos quais eram utilizados
balafons, fabricados já com madeira autóctone do continente americano, especialmente o
pau-rosa (Aniba rosaeodora), que é ainda hoje a madeira mais utilizada na construção da
marimba moderna. Este fenómeno teve particular expressão na zona da Guatemala e da
extremidade meridional do atual México. Existem vestígios físicos que indicam que,
neste período, aqueles que construíam os instrumentos já inseriam uma ripa de madeira
que podia servir como suporte rudimentar na zona da cinta ou como alça. Estas adições
tornaram a divulgação da marimba substancialmente mais fácil e permitiram a expansão
da cultura marimbista em todo o território mexicano, dado que o instrumento começou a
poder ser transportado sem danos. (Rager, 2008)

Á medida que a Marimba se tornou mais conhecida nas regiões mais para norte
do México, as cabaças que atuavam como ressoadores começaram a ser equipadas com a
típica tripa de puerco (a membrana retirado do interior do estômago do porco e colocada
na cabaça, que vibra quando as lâminas são percutidas), surgindo o famoso buzz
caraterístico no som da marimba tradicional mexicana. (Rager, 2008)

A crescente difusão da Marimba ao longo dos séculos conduziu ao surgimento da


marimba cromática, já semelhante à atual, constituída por duas faixas de teclados, numa
organização em tudo igual à de um piano, com as lâminas das notas naturais numa fila e
as lâminas das notas alteradas na outra (ver figura 2 do anexo). Assim, começaram a
formar-se ensembles de marimba tradicional que rapidamente ganharam popularidade,
durante o século XIX. Devido a esta notoriedade, estes grupos, principalmente originários
do México, começaram a fazer digressões. Estas performances acabaram por
impressionar alguns xilofonistas do outro lado da fronteira, nos Estados Unidos da
América, o que acabará por dar origem à marimba moderna. (Rager, 2008)
6

Difusão da Marimba moderna nos Estados Unidos

O primeiro reportório executado na Marimba nos Estados Unidos estava associado ao


ragtime, típico das vaudeville americanas, onde o xilofone era figura de destaque.
(Stevens, 1991)

Assim que o instrumento se começou a espalhar pelo país, devido ao início da produção
em massa em fábricas como a J.C. Deagan, foram criadas variadas orquestras de
marimbas, dirigidas por percussionistas que eram profissionais nas orquestras e bandas
sinfónicas norte-americanas e que demostraram interesse em desenvolver o recém-
chegado instrumento. Alguns desses percussionistas e xilofonistas acabaram por se
dedicar também a formar a primeira geração de marimbistas, encabeçada por Clair Omar
Musser. (Berkowitz, 2011)

Musser foi o primeiro incentivador no que toca à utilização da Marimba como


instrumento solista no contexto musical erudito, embora se visse forçado a interpretar os
seus próprios arranjos e transcrições de obras de compositores como Bach, Mendelssohn,
Chopin ou Paganini, pois o repertório para Marimba era quase inexistente devido ao
caráter recente do instrumento e às limitações que a utilização de duas baquetas, uma em
cada mão, impunham. (Berkowitz, 2011)

Inspirados num reduzido número de marimbistas virtuosos sul-americanos, que


por vezes utilizavam duas baquetas na mesma mão na execução de música popular,
Musser e os seus contemporâneos começaram a estudar e a investigar o modo como os
sul-americanos manuseavam duas baquetas na mesma mão. Depois de alguns anos de
investigação e aperfeiçoamento, a técnica tradicional utilizada pelo marimbistas
mexicanos e guatemaltecos foi substituída pela técnica de Musser, (e em menor expressão
pelo Cross Grip, mais fiel ao passado). (Berkowitz, 2011)

O início da utilização frequente de quatro baquetas na Marimba

Aquando do início da utilização por parte de Musser da sua recém-criada técnica


de 4 baquetas, foi criado o primeiro curso em Marimba do país, na Northwestern
University. Enquanto professor nesta universidade, Musser compôs vários estudos que
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tinham como objetivo o aperfeiçoamento e a transmissão da metodologia de sua autoria.


Infelizmente, apenas sete dessas obras chegaram aos dias hoje. Essas obras são parte
integrante do repertório standard atual para todos os marimbistas, e embora já não sejam
utilizadas para educar os alunos no seio da técnica de Musser, são considerados os
primeiros estudos para marimba dedicados à aplicação e compreensão de uma técnica a
quatro baquetas. (Berkowitz, 2011)

A grande influência de Musser acabou por ser transmitida para a sua melhor aluna,
Vida Chenoweth, que se tornou a primeira solista em marimba a atingir grande sucesso e
a cativar grandes audiências. Para além disso, foi ela que encomendou e a quem foi
dedicado um dos primeiros Concertos para Marimba Solo: o Concerto de Robert Kurka,
estreados em palco com grande sucesso com a Orchestra of America, sob direção de
Richard Korn, no Carnegie Hall. (Strain, 2018)

A carreira solista de Vida Chenoweth pode então ser vista como uma plataforma
impulsionadora do mundo marimbista, que deixa aos compositores e aos futuros músicos
um exemplo de que a marimba é um instrumento viável e capaz, no que respeita a
performances a solo ou acompanhadas por orquestra.

Apesar desta constatação, Vida confessou nos anos seguintes ao fim da sua
carreira a solo que tinha sido de extrema dificuldade executar com sucesso qualquer uma
das obras mais emblemáticas que tocou, principalmente os concertos, devido as
limitações da técnica que Musser lhe tinha transmitido, mais especificamente porque era
de superlativa complexidade conseguir tocar passagens que implicavam saltos entre uma
abertura de segunda maior ou menor e logo a seguir uma abertura maior que uma sexta
ou vice-versa, como por exemplo no Concerto de Kurka. Chenoweth admitiu ainda que o
método de Musser era muito desconfortável e doloroso, mas que nunca pensou em criar
uma maneira própria de manusear as baquetas. (Berkowitz, 2011)

Dessa tarefa encarregaram-se Gary Burton e Leigh Howard Stevens anos mais
tarde, criando ambos uma metodologia própria que conseguisse resolver os problemas
indicados à técnica de Musser. As motivações que os levaram a criar as suas técnicas, as
especificações dessas técnicas e a justificação para essas mesmas especificações serão
abordadas no próximo capítulo.
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Burton e Stevens: os rostos do progresso e criadores da técnica

Gary Burton

Gary Burton: Biografia

Nascido no estado de Indiana, Estados Unidos, Gary Burton destacou-se como


vibrafonista, embora tenha iniciado os seus estudos no xilofone e na marimba. Ingressou
na Berklee College of Music, em Boston, mas deixou os estudos mais cedo para se dedicar
inteira e profissionalmente ao jazz. Ao longo da sua carreira vibrafonística, Burton
demonstrou a sua qualidade atuando como parte do típico quarteto de jazz mas também
em dueto, mais especificamente ao lado do pianista Chick Corea, com quem estabeleceu
uma longa relação pessoal e profissional que teve como resultado a atribuição de quatro
dos sete Grammy’s que Gary Burton recebeu em toda o seu percurso. (2018)

Burton começou a sua carreira educativa na mesma universidade que frequentou,


a Berklee College of Music, no ano de 1971. Lecionou as disciplinas de Percussão e
Improvisação até 2003, ano em se reformou do ensino. (Berkowitz, 2011)

Durante a sua carreira de cinquenta anos, que terminou em 2017, Burton atuou ao
lado de um variados nomes de referência do jazz, sendo considerado um inovador tanto
como intérprete como professor. (2018)

Gary Burton é ainda reconhecido por ser o inventor da sua própria metodologia
de quatro baquetas, que criou para satisfazer as necessidades das suas virtuosas
performances no Vibrafone, mas que atualmente é reconhecida e aceite na interpretação
em Marimba.

Metodologia de Burton: Considerações de execução

Burton utilizou o Cross Grip nas suas aulas e performances aquando dos anos de
formação em Boston, mas notou que este lhe trazia limitações no que respeita à fluidez e
construção de uma linha melódica, assim como na qualidade das suas improvisações,
comparativamente com aquelas em que utilizava apenas duas baquetas. (Berkowitz,
2011)
9

Burton acreditava fortemente que devia utilizar sempre quatro baquetas nas suas
performances, pois tinha a oportunidade de tocar acordes completos a todo o momento e
possuía maior qualidade de som em toda a extensão do instrumento. Assim, Burton
começou a experimentar com o objetivo de encontrar um modo de agarrar as baquetas
que lhe possibilitasse juntar o lirismo melódico e a maior qualidade sonora providenciada
pela utilização das quatro baquetas à facilidade de movimento que sentia com apenas duas
baquetas. (Burton, 1968)

Burton baseou a sua investigação e guiou as suas opções em cinco conceitos


principais, explanados no seu livro “Four Studies by Gary Burton”: 1. a baqueta exterior
da mão direita mantém sempre uma função de melodia, sem trocas; 2. o movimento das
baquetas ao tocar é sempre numa sequência cima-baixo; 3.em passagens que são tocadas
com duas das quatro baquetas, as baquetas inativas não se devem mover excessivamente;
4. a baqueta interior da mão esquerda está numa posição que facilita o uso como suporte
harmónico à linha melódica, deixando livre a terceira baqueta; 5. a metodologia deve
oferecer certeza e controlo na manipulação das baquetas. (Burton, 1968)

O resultado dos esforços de Gary Burton é um método em que, nas duas mãos, a
baqueta exterior é colocada entre o dedo indicador e o dedo do meio, mesmo por baixo
da articulação central dos dedos, devendo manter-se sempre nesta posição na mão. A
baqueta interior é então posicionada entre o dedo indicador e o dedo polegar, com o cabo
da baqueta a passar sob a articulação central do dedo indicador. Os cabos das baquetas
devem então estar cruzados, com o cabo da baqueta direita (exterior) por cima da esquerda
(interior). Os dedos indicador e mindinho envolvem depois o cabo da baqueta interior,
enquanto que o dedo do meio e o anelar envolvem as duas baquetas no ponto em que se
cruzam (ver figura 3, 4 e 5 do anexo). (Berkowitz, 2011)

As principais diferenças da metodologia de Burton em relação às anteriores, como


a de Musser, são a rotura da simetria entre mãos, que se reflete nas passagens para duas
baquetas, em que se utilizam a baqueta interior da mão esquerda e a baqueta exterior da
direita ao invés das duas baquetas interiores; e também a distribuição mais equitativa de
trabalho para os dedos da mão. (Berkowitz, 2011)

Nos momentos de execução a duas baquetas, as baquetas da mão direita devem


afastar-se a noventa graus, com a baqueta interior, inerte, junto ao corpo do percussionista
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e direcionada perpendicularmente ao mesmo e a baqueta exterior afastada do


percussionista com a baqueta apontada para o instrumento (ver figura 6 do anexo)
(Berkowitz, 2011)

A distribuição de trabalho mais uniforme pelos dedos da mão é notória na técnica


de Burton, pois o percussionista passa a não utilizar só e unicamente o dedo indicador e
o dedo polegar para mudar as aberturas, utilizando então o anelar e o mindinho para
facilitar a tarefa de abrir e fechar o espaço entre as baquetas de uma mão. (Burton, 1968)

Burton frisa, no livro já mencionado, a importância da correta utilização do anelar


e do mindinho, afirmando que “o seu bom uso será a diferença entre o mínimo e o máximo
de controlo das baquetas” e ainda que “podemos considerar o quarto e quinto dedos da
mão o segredo para a segurança total na performance a quatro baquetas”. (Burton, 1968)

Leigh Howard Stevens

Leigh Howard Stevens: Biografia

Leigh Howard Stevens nasceu a 9 de março de 1953, em New Jersey. Os seus


primeiros contactos com a música deram-se entre os doze e treze anos de idade, mas
pouco depois começou a estudar bateria com os professores Gene Thayler, Glenn Weber
e Joe Morello. Mais tarde, estuda percussão com Bill Laverack. Antes de se dedicar
inteiramente à percussão e mais especificamente à marimba em contexto solista, Stevens
construiu também uma séria carreira como baterista de rock e jazz. (Weiss, 2018)

A primeira experiência de Stevens com a percussão melódica aconteceu no ensino


secundário, quando os seus professores de banda e orquestra o convenceram a candidatar-
se a uma universidade, que exigia excertos de caixa, tímpanos e xilofone. (Weiss, 2018)

Depois ingressar na Eastman School of Music, Stevens apercebeu-se que muitos


dos seus colegas já dominavam a interpretação com quatro baquetas, decidindo frequentar
aulas privadas com a afamada e anteriormente mencionada Vida Chenoweth, tornando-
se recitalista profissional em marimba pouco depois. (Weiss, 2018)
11

Stevens foi professor de marimba na Royal Academy of Music de Londres de


1997 a 2004, tendo ainda fundado a empresa de fabrico de baquetas e instrumentos
Malletech e trabalhado como consultor para a construtora de instrumentos Musser.
(Berkowitz, 2011)

Metodologia de Stevens: Considerações de execução

No período inicial da sua formação na Eastman School of Music, o objetivo


principal de Stevens era melhorar a sua performance em marimba. Ao aperceber-se que
Vida Chenoweth o obrigaria a utilizar a metodologia de Musser, que Stevens tinha como
restritiva e desconfortável, este começou a desenvolver esforços de maneira a que se
pudesse tornar mais versátil e à medida das suas necessidades. Esta averiguação de
Stevens teve como resultado uma mutação dos princípios da técnica de Musser, que
deram origem a um procedimento que é sem dúvida modelado pelo método de Musser,
mas que é original e diferenciado. (Berkowitz, 2011)

Na utilização do método de Stevens, a baqueta interior de cada mão está segura


entre a articulação do dedo indicador mais próxima da sua ponta e o polegar, com o
polegar colocado por cima do cabo da baqueta, o dedo indicador a suportar por baixo e o
dedo do meio curvado à volta da baqueta para suporte adicional. A ponta inferior da
baqueta deve estar firmemente posicionada no centro da palma da mão, como que se a
baqueta estivesse a trespassar a mão pelo meio. Por sua vez, a baqueta exterior de cada a
mão está segura entre o dedo anelar e o dedo do meio, nas articulações centrais. O dedo
anelar e o dedo mindinho curvam à volta da parte inferior da baqueta ( ver figuras 6, 7 e
8 do anexo). (Berkowitz, 2011) (Stevens, 1979)

Ao tocar com o método de Stevens, as baquetas exteriores mantêm-se estáticas,


funcionado como eixos para a rotação das baquetas interiores e vice-versa. Este modo de
manipular as baquetas e o movimento gerado neste processo rotativo permitem a
execução de uma linha melódica com as baquetas interiores, assim como o controlo
independente de cada baqueta (ver figura 9 do anexo). Para executar com duas ou mais
baquetas simultaneamente, as baquetas movem-se para cima e para baixo utilizando o
pulso como ponto fulcral. (Berkowitz, 2011)
12

No que toca à abertura e ao fecho de intervalos na metodologia de Stevens, há


duas formas de o conseguir: a primeira consiste na extensão e distensão do dedo indicador
a partir da posição-base mencionada antes, empurrando a baqueta, e a segunda requer que
o polegar role a baqueta interior sobre o dedo indicador. O segundo processo é mais eficaz
e permite uma melhor eficácia na mudança de intervalos. Em intervalos superiores à
oitava utiliza-se o segundo método, mas rolando a baqueta interior até os dedos indicador
e polegar estarem numa posição similar a um beliscão. (Stevens, 1979).

Atualidade das metodologias de quatro baquetas

Atualmente, as metodologias de Burton e Stevens são a escolha da quase


totalidade dos percussionistas para a performance em toda a percussão melódica. No caso
específico da marimba, a maioria dos intérpretes faz uso da metodologia de Stevens,
embora o número de executantes que utilizam a técnica de Burton seja considerável.

Este domínio do método de Stevens justifica-se principalmente com o facto que o


próprio autor do método ter publicado um livro que compila informação relevante para o
entendimento do método: a explicação física e anatómica do método, mais de cinco de
centenas de exercícios de desenvolvimento referentes a cada aspeto técnico da
performance e também sugestões em caso de insatisfação ou uso incorreto. Assim, o livro
“Method of Movement for Marimba” é encarado como uma espécie de bíblia no mundo
da marimba, estudada por todas as gerações de percussionistas desde que foi escrita.

No que respeita à técnica de Burton, o início da sua utilização advém da


comunicação entre vibrafonistas de jazz e percussionistas clássicos. Aqueles
percussionistas que globalmente preferiram a técnica de Burton comparativamente à de
Stevens e que adotaram o método de Burton, acabaram por dar origem a um debate
recorrente sobre qual dos métodos é o melhor .

As mais notórias diferenças entre os dois métodos são consequência direta das
matrizes de funcionamento de ambas. Enquanto que o método de Burton pertence à
categoria dos métodos de cabos cruzados, visto que na utilização desta técnica os cabos
das baquetas se cruzam na zona da palma da mão, a metodologia de Stevens está
13

enquadrada nos métodos independentes devido à ausência de contacto entre as baquetas


da mesma mão. Esta pequena mas marcante disparidade é a origem das caraterísticas que
que determinam as preferências por cada método, tais como o nível de independência
possível entre baquetas, a habilidade contrapontística, a facilidade de execução técnica e
a componente anatómica que envolve a técnica. (Berkowitz, 2011)

No que respeita ao grau de independência que cada metodologia permite atingir,


a técnica de Stevens permite uma maior independência em relação à de Burton, já que as
baquetas nunca entram em contacto umas com as outras, funcionando como uma unidade
independente que se mantém inerte quando não solicitada. Aplica-se exatamente o mesmo
princípio em relação à habilidade contrapontística. É de realçar que a metodologia de
Burton está perto do nível da de Stevens. (Berkowitz, 2011)

A destreza técnica proporcionada nos vários recursos percussivos é geralmente o


atributo que define em que método recai a escolha do percussionista. Assim, Stevens
definiu uma série de conceitos que avaliam o potencial técnico de cada metodologia: 1.
Capacidade de executar linhas melódicas com a baqueta exterior da mão direita; 2.
Capacidade de executar linhas melódicas utilizando alternadamente cada mão; 3.
Capacidade de executar acordes e material melódico em ambos os extremos do espetro
de dinâmica; 4. Capacidade de mudar de intervalos facilmente e rapidamente; 5.
Capacidade de executar linhas melódicas com variadas sequências de stickings; 6.
Independência de execução entre baquetas; 7. Independência de dinâmica entre baquetas;
8. Capacidade de executar intervalos extremos; 9. Capacidade de execução de one-
handed rolls (trémulos de uma mão). Segundo Stevens, a técnica de Burton apresenta
grande capacidade nos parâmetros 1, 2, 3, 4, 8 e 9 e boa capacidade nos parâmetros 5, 6,
7 enquanto que a metodologia do próprio Stevens apresenta grande capacidade nos
parâmetros 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e boa capacidade nos parâmetros 1 e 3. (Stevens, 1991).

Outra grande disparidade entre a metodologia de Burton e de Stevens reside na


componente anatómica da técnica, ou seja, nos grupos de músculos exercitados durante a
performance com uma das técnicas. (Berkowitz, 2011)

O conforto, a fatiga e a possibilidade de contrair lesões na performance são fatores


influenciados pela atividade de diferentes músculos e que podem influenciar a qualidade
14

das performances e a duração da carreira de qualquer percussionista, se estes contraírem


lesões como a síndrome do túnel carpal e tendinites.

Enquanto que na utilização do método de Stevens o controlo das baquetas é


realizado pelos grupos de músculos da mão e em menor expressão pelos dedos, no método
de Burton o esforço físico é repartido com os músculos maiores e mais fortes do
antebraço. As grandes consequências da integração dos antebraços no movimento da
metodologia de Burton são: a produção de um som mais cheio e com maior potencial de
volume sonoro, justamente devido a maior amplitude de movimento que é proporcionada,
e a possibilidade do marimbista utilizar baquetas mais pesadas que melhoram a qualidade
do som, pois o antebraço consegue funcionar como suporte para o peso adicionado e
permite que não se aumente o risco de lesão nos pulsos e mãos. A utilização de baquetas
mais pesadas não é indicada na técnica de Stevens pois esta metodologia não incorpora
suficientemente o antebraço para que os tendões, ligamentos e músculos das mãos e dos
pulsos possam movimentar-se sem sofrer stress e lesões traumáticas prejudiciais à
performance. (Berkowitz, 2011)

Conclusão
Terminada esta recolha de informação, cabe-me agora apresentar as ilações que
consegui retirar deste projeto de investigação, focando-me nos objetivos que me propus
a cumprir.

Pode concluir-se que a marimba é muito provavelmente nativa das zonas africanas
habitadas pelas tribos Bantú. Como estas tribos foram levadas para a América do Sul
devido à troca de escravos negros na época dos Descobrimentos, entraram em contacto
com as civilizações ameríndias que se acostumaram e acolheram as tradições e ritos
musicais dos africanos.

Ao longo dos séculos seguintes, os povos da América Central, principalmente o


mexicano e o guatemalteco, abraçaram a marimba como parte da sua vida, abrindo
caminho ao inevitável progresso e desenvolvimento do instrumento. Já dentro do século
XX, a vertente mexicana da marimba estava de tal maneira implementada no país que
acabou por transbordar para a fronteira a norte, nos Estados Unidos da América. Depois
de uma breve passagem pelos salões dos vaudevilles, a marimba surgiu no panorama
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musical solístico, graças aos esforços de pioneiros como Clair Omar Musser e Vida
Chenoweth. Este duo de professor e aluna acabou por popularizar e divulgar a
metodologia de Musser, o primeiro método ensinado às gerações estudantes de percussão,
em substituição do tradicional Cross Grip.

Neste ponto, o instrumento começou a modernizar-se e a literatura para marimba


solo aumentou em número e dificuldade para o executante. Assim, foi necessário a criação
de novas técnicas performativas que permitissem a continuação da evolução da marimba.

A metodologia de Leigh Howard Stevens, primeiramente, e a de Gary Burton, por


empréstimo dos vibrafonistas de jazz, surgem precisamente como respostas a esta
necessidade de progresso técnico, passando a dominar as escolhas de professores e alunos
até aos dias de hoje.

Devido à acentuada supremacia destes dois métodos de execução e à disputa que


surge como consequência direta dessa supremacia, procurei estabelecer uma comparação
entre os métodos. Assim, foi possível inferir que as mais marcantes discrepâncias entre
as técnicas de Stevens e Burton são resultado direto da base funcional de cada uma, sendo
que a de Stevens se insere nas técnicas independentes e a de Burton nas dos cabos
cruzados.

Os aspetos diferenciadores entre metodologias são então o nível de independência


possível entre baquetas, a habilidade contrapontística, a simplicidade de execução
técnica, a destreza técnica específica e a componente anatómica. Enquanto que o
procedimento criado por Stevens se destaca quanto à independência e habilidade
contrapontística, o processo de movimentos concebido por Gary Burton obtém melhores
resultados nos capítulos da facilidade de execução técnica e da diminuição de mazelas
físicas. No que toca à destreza técnica nos casos específicos da movimentação percussiva,
os dois métodos apresentam resultados de excelência.

Se o percussionista for dominador de ambas as metodologias, o que é


aconselhável, a escolha de uma delas deve ser ponderada para cada obra interpretada,
sendo influenciada por fatores como: caraterísticas únicas de cada peça (utilização de
baquetas, objetos pouco usuais, número de instrumentos a ser percutidos), género da obra,
formação que executa a obra (a solo, ensemble de percussão, música de câmara com
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outros instrumentos, orquestra). A mesma escolha pode ainda ser feita para passagens
com diferentes necessidades e dificuldades.

É de extrema importância ressalvar que todos estes avanços nas metodologias de


execução a quatro baquetas nasceram da constante necessidade de adaptação e melhoria
das mesmas, de forma a corresponder à crescente dificuldade e variedade do repertório
para marimba. As metodologias e o crescimento exponencial da sua eficácia e fiabilidade
são então agentes responsáveis pela emancipação, divulgação e progresso a todos os
níveis da marimba e do marimbista.

O aparecimento das técnicas de Leigh Howard Stevens e Gary Burton marca então
um enorme salto qualitativo na execução técnica, musicalidade, conforto e segurança nas
performances em marimba. Desde então despontou uma nova geração de percussionistas
formados desde a sua iniciação musical no seio de ambas as técnicas, que tem alcançado
grande sucesso junto do público e dos críticos assim como trabalhado com o intuito de
continuar a acumulação de repertório correspondente à realidade percussiva atual.

Como utilizador somente da metodologia de Burton (que é minoritária) em todas


as ocasiões, posso afirmar que me sinto grandemente satisfeito com a prestação da
mesma. Apesar de ter começado a tocar com quatro baquetas utilizando a metodologia de
Stevens, a minha escolha neste momento recai na de Burton pois na minha opinião é mais
versátil, confortável e adapta-se melhor à estrutura das minhas mãos e à minha maneira
de tocar, embora reconheça que devo fazer esforços para ser fluente também na utilização
do método de Stevens.

Em suma, as teorias da movimentação na execução a quatro baquetas pensadas e


concebidas por Leigh Howard Stevens e Gary Burton funcionam como pilar fulcral do
brutal desenvolvimento a que se assistiu na universalidade da família marimbista,
tornando obsoletas as metodologias pré-existentes e trilhando o caminho para a afirmação
absoluta da marimba como instrumento capaz de vingar em todas as situações do mundo
da música. Sem elas, a conjuntura do mundo marimbista estaria muito próxima daquilo
que era há quase um século atrás, apenas uma ideia com grande potencial.
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Bibliografia

Berkowitz, Adam Eric A Comparative Analysis of the Mechanics of Musser Grip,


Stevens Grip, Cross Grip, and Burton Grip, 2011
Burton, Gary Four Studies by Gary Burton, 1968
garyburton.com [Online] 2018.
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Anexos

Figura 1 - Balafon africano Figura 2 – Marimba tradicional mexicana


18

Figura 3 - Posição dos dedos na Técnica de Burton

Figura 4 – Técnica de Burton de vista inferior

Figura 5 - Abertura das baquetas na Técnica de Burton


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Figura 6 – Fecho de intervalos na Técnica de Stevens

Figura 7– Técnica de Stevens vista de perfil

Figura 8 – Abertura de grandes intervalos na Técnica de Stevens


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Figura 9 – Movimento rotacional na Técnica de Stevens

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