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TEXTOS PARA USO EM SALA DE AULA PELOS ALUNOS DO PRIMEIRO MÓDULO DOS NÚCLEOS DE ROTEIRO, MONTAGEM E DIREÇÃO
das em francês em pela Union Générale d‘Éditions em quanto pelo “contorno arredondado dos sombreros dos
associação com a revista Cahiers du Cinéma na coleção peões, pelo branco chapado e pelo retangular de suas
10/18, Paris 1978) Sergei Eisenstein se refere ao Méxi- roupas, que, por sua cor e por suas linhas retas, parecem
co como o espaço e o tempo em que surgiu sua paixão ser o primeiro passo, a tabula rasa, de todas as roupas”,
pelo quadro, seu interesse pela forma interna do plano. no México Eisenstein redescobre o desenho assim como
Conta que em seus primeiros filmes se encontrava espe- redescobre o plano.
cialmente interessado nos movimentos puramente mate-
máticos da idéia de montagem e que por isto dava menor Desenha muito e desenha muito rapidamente – algo pró-
atenção às linhas de composição de cada um dos planos, ximo de uma escrita automática, comenta o pintor Jean
concebidos então como partes que só ganhariam sentido Charlot (que em 1931 viu Eisenstein desenhando em
quando o todo que ajudavam a formar fosse percebido. diversas ocasiões), num depoimento o livro Sergei M.
Eisenstein, a biography de Marie Seton (The Bodley
“Minha paixão pelo quadro veio mais tarde, e embora Head, Londres, 1952): “Ele desenhava tão rapidamente
possa parecer estranho isto é absolutamente lógico e quanto necessário para não deixar escapar os elemen-
tos subconscientes. Planejava o número de desenhos de Os desenhos, portanto, eram desenhados para serem vis-
cada série e a ordem em que eles seriam feitos; consi- tos pelo desenhista, para tornar consciente o seu proces-
derava cada um deles como um fotograma de uma ima- so de criação, para esclarecer para si mesmo como era o
ginária tira de um filme ou uma anotação visual de seu filme que estava fazendo.
pensamento. Costumava dizer que depois iria analisar os
desenhos para descobrir o que estava pensando e como Quinze anos mais tarde, ao escrever sobre os desenhos
estava pensando”. feitos México, Eisenstein disse que eles eram “linhas
para serem vistas como rastros de uma dança. O dese-
nho e a dança nascem, é claro, da mesma fonte e não
passam de duas corporificações do mesmo impulso”;
disse que eles refletem a busca “por um estágio de pu-
rificação interior, a busca de uma linha mais pura, mais
matematicamente abstrata” – um efeito “particularmen-
te vigoroso quando relacionamentos extremamente sen-
suais entre figuras humanas, em geral em situações es-
tranhas e extravagantes, são desenhadas por meio dessa
ESCOLA DE CINEMA DARCY RIBEIRO. DIREITOS RESERVADOS
créditos, Harry Chandlee aparece como Editorial Su- Mexican Film: Episodes for Study (a few fragmenta-
pervisor; Donn Hayes e Carl Himm como montadores; ry sequences, adverte um letreiro depois do título), de
Kate Gartz, S. Hillkowitz, Otto Kahn, Hunter Kimbrou- Jay Leyda, com os planos que puderam ser preservados
gh, Mary Craig Sinlair e Upton Sinclair como produ- tal como filmados.
Além destas versões americanas (não as únicas, mas as do México na época” – escreveu Eisenstein em suas
mais conhecidas), pelo menos duas montagens foram Memórias; “as referências a problemas sociais entre fa-
feitas na então União Soviética depois da cessão, pelo zendeiros e peões, repressões e revoltas, geravam des-
MoMa de New York, dos negativos originais a Moscou: contentamento”.
¡Que viva México! (Zdravstuyer Meksika), 1978, 90
minutos de projeção, com supervisão de Grigori Ale- Não existem anotações precisas sobre como deveria ser
xandrov e de Nikita Orlov; e Mexican Fantasy (Sergei montado o material, mas diversas observações feitas an-
Eisenstein Meksikanskaya fantasiya) 1998, 99 minu- tes e depois da filmagem, a visão dos desenhos feitos no
tos de projeção, com supervisão de Oleg Kovalov. México e o conhecimento do material assim como orde-
nos Estados Unidos quando Eisenstein deixa a União International Publishers, Nova Iorque, 1969). Dois me-
Soviética, em agosto de 1929, pouco antes da estréia de ses depois, em primeiro de dezembro, assina um contra-
A linha geral ou O velho e o novo, filme que ele come- to com o escritor Upton Sinclair para a produção de um
çara a filmar dois anos antes e interrompera para reali- “filme de tema não político” sobre o México.
zar Outubro. Viaja em companhia do fotógrafo, Eduard
Tissé, e do assistente de direção, Grigori Alexandrov. Os Ao lado de um estudante mexicano, Agustín Aragón
três (mais o diretor Vsevolod Pudovkin) tinham divul- Leiva, como guia e tradutor, e do cunhado de Sinclair,
gado em julho de 1928 um texto a favor do cinema so- Hunter Kimbrough, como produtor, Eisenstein, Tissé e
noro e das novas possibilidades de montar contrapontos Alexandrov chegam ao México no dia 9 de dezembro
audiovisuais. (com uma carta de recomendação assinada pelos dire-
Na Europa (na Suiça, Alemanha, Inglaterra e França, pe- tores Robert Flaherty e Dudley Murphy). Começam a
ríodo atribulado pelas freqüentes proibições e pedidos filmar no dia 13 (a festa de Nossa Senhora de Guadalupe
de expulsões do país) Eisenstein participa do primeiro e uma tourada), mas são detidos pela polícia: filmavam
congresso de cinema de La Sarraz, faz conferências em sem autorização oficial. Liberados depois da indicação
de um supervisor mexicano que deveria acompanhar a
filmagem, o crítico de arte Adolfo Best Maugard, Ei-
senstein retoma o trabalho em janeiro de 1931: viajam
para Oaxaca (no dia 14 Kimbrogh envia um telegrama
para Sinclair: “Eisenstein and boys leaving immediately
aeroplane for Oaxaca. Earthquake”) e realizam um do-
cumentário de dez minutos que uma semana mais tarde,
no dia 22 de janeiro, é exibido nos cinemas da Cidade do
México: Terremoto em Oaxaca. Entre janeiro e abril
viaja muito, da Cidade do México para Tehuantepec,
para o Norte e para o Sul do país até chegar à fazenda
Tetlapayac. Neste período é que surge a idéia de ¡Que
viva México!
rã rechonchuda de pernas arqueadas – desenhados com a idéia do filme parece ter-se concretizado apenas em
uma linha que pula e se move para traçar o contorno do abril, depois da chegada a Tetlapayac, de acordo com
objeto e, magicamente, torná-lo visível em traços de giz a carta (15 de abril de 1931) enviada a Upton Sinclair.
branco sobre o fundo azul escuro. Eisenstein desenhara O texto que define a estrutura de ¡Que viva México!
antes, movido pela lembrança da linha como um rastro começa com uma pergunta, “Sabe o que é um sarape?”,
do movimento, para por meio do desenho pensar o filme para logo explicar: “poderia ser o símbolo do México”
que estava fazendo. Mas o que dá um caráter especial porque as culturas mexicanas coexistem tal como as lis-
aos desenhos feitos sob o impulso de ¡Que viva México! tras do sarape, próximas umas das outras e formando
é o fato de que, mesmo quando se referem a cenas do fil- contrastes violentos. E explicar que “nenhum argumento
me (as notas gráficas para a filmagem da festa de Corpus ou história única poderia ser imposta a este sarape sem
Christi ou para a filmagem da morte de Sebastián, enter- ser falsificadora ou artificial” – daí a decisão de “to-
rado vivo, de pé, até os ombros, a cabeça descoberta para mar a constrastante independência de suas cores como
ser pisoteada por cavalos), tais esboços não são registros motivo para a construção de um filme em seis partes”
utilitários para a composição dos planos, figurinos, ce- de diferentes características, personagens e paisagens.
Diferentes, mas “reunidas pela unidade do tecido”, uma
construção rítmica e musical que envolve a idéia do cír-
culo eterno tal como desenhado pela cultura mexicana: