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Resumo
No âmbito de pesquisa mais ampla que se encontra em desenvolvimento, mobilizam-se os seguintes
conceitos: homeostase, mediação, meios tecnológico e comunicativo, epistemologia como
conhecimento do conhecimento, habito, campo científico, equilíbrio, entropia e interação. Da
reflexão sobre esses conceitos, esse trabalho evolui para o estudo da epistemologia que escreve a
narrativa histórica e ontológica que vai da mediação à interação onde se superam as técnicas e
tecnologias como instrumentos para alcançar suas transformações em meio comunicativo. Nessa
análise, observa-se que a comunicação é inerente ao exercício contínuo das relações humanas e das
práticas científicas que constituem a emergência da sua consciência e, distantes de qualquer
polaridade moral, abrem dimensões evolutivas de ordem estética e ética.
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Trabalho apresentado ao GT de Epistemologia da Comunicação por ocasião da realização da XXI
Compós – Junho/2012
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Lucrécia D´Alessio Ferrara- Professor doutor junto ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação e
Semiótica da Pucsp ldferrara@hotmail.com
Se os sistemas de transporte fluvial, marítimo e terrestre propiciaram facilidades
e rapidez de contatos, o desenvolvimento da imprensa permitiu a divulgação do
jornal e a democratização da informação sinalizando que a era da comunicação
não só chegara, como se expandia e se espalhava com rapidez e eficiência na
massa social que substitui a romântica multidão do início do século XIX e das
mudanças patrocinadas pela Revolução Industrial Mecânica. Oficializava-se a
emergência do contexto histórico que submeteu a comunicação à técnica e suas
consequências sociais que levaram os homens à concentração populacional em
cidades e a outras maneiras de produzir, ganhar a vida e se relacionar.
Aderindo à ideologia do moderno apoiado na crença de um progresso
inalienável, certeiro e inquestionável como meta a ser atingida, a comunicação se
perfila, sem hesitação, à necessidade de planejar, divulgar e disseminar as
diretrizes de uma sociedade cada vez mais articulada e organizada em um plano
de objetivos centralizados que devem ser propagados, comunicados. Na base
dessa origem e na eficiência desse programa é necessário convir que a
comunicação é uma ciência moderna que atua como dispositivo estratégico (
AGAMBEN, 2009, p. 26) de um plano que a identifica com os interesses do
Estado Nação e com a persuasão política voltada para a manutenção do poder
quase eterno, conquistado pelo capital industrial ( FOUCAULT, 1966). Nesse
sentido, a comunicação surge como ciência aplicada em um duplo sentido: de um
lado aplica-se como dócil instrumento a serviço de interesses que a ultrapassam;
de outro lado, essa aplicação a transforma em ciência que se submete às normas
que lhe dão base científica e identificam sua epistemologia.
Assim como as características de sobrevivência e de relacionamento gerados
pela concentração nos grandes centros urbanos tornou impossível a vida do
cotidiano rural, as bases das relações sensíveis foram substituídas pelo
intelectualismo que, como suposta proteção, procurava racionalizar a
instrumentalização técnica do cotidiano e dar origem àquilo que se conhece
como supra-individualismo e constitui uma das matrizes fundamentais da grande
narrativa modernista:
No uso comum observa-se uma tendência para estabelecer certa sinonímia entre
os termos mediação e interação, entendendo que , entre eles, só há lugar para
uma unidade comunicativa sem ponderáveis diferenças lógicas. A emergência
dos meios técnicos permitiu que se evidenciasse, não só a eficiência da
comunicação como instrumento de divulgação de interesses políticos e
produtivos, mas sobretudo, permitiu perceber a diferença que se pode
estabelecer entre a comunicação direta ou face a face em contextos de co-
presença, e aquela outra, impropriamente considerada de massa, mas mais
corretamente entendida como mediada através de meios técnicos que superam a
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Assim como os produtos da vida especificamente modernos são interrogados sobre a sua realidade
interior, o corpo da cultura é interrogado sobre sua alma.... A resposta deverá considerar a equação que
corresponde à relação entre os conteúdos individuais da vida e seus conteúdos supra-individuais e
procurar as adaptações da personalidade graças às quais ela se acomoda às forças que lhe são
exteriores.” (SIMMEL, 2004, p170)
citada co-presença, substituindo-a pela, sempre crescente, reorganização da
relação espaço-tempo:
Porém, para o interesse epistemológico desse trabalho, o que mais interessa não
é, apenas, essa diferença, mas ponderar que ela chama a atenção para duas
instâncias fundamentais dos processos de comunicação que se referem às
delimitações entre emissor e receptor de mensagens.
Nesse território transmissivo, os meios técnicos passaram a conferir ao emissor
um poder que lhe confere clara dimensão de superioridade em relação ao
receptor, entendido erroneamente como passivo e inerte ante os estímulos
emissivos. Expandindo a reflexão, observa-se que a equação adaptativa, que se
estabelece entre o poder do emissor e a resposta do receptor, reproduz a relação
que o Iluminismo científico estabeleceu entre o sujeito do conhecimento em
relação à necessidade explicativa de um objeto submisso à hegemonia do
conhecimento cuja hegemonia cabe ao primeiro. Nesse sentido e mais uma vez,
observa-se como a comunicação se afirma enquanto ciência moderna que
reproduz, na sua essência epistemológica, a própria equação cognitiva instaurada
pelo Iluminismo onde o movimento moderno fincou suas raízes.
Nessa relação de poder entre emissor e receptor, pode-se encontrar algumas
matrizes do que estamos propondo entender como epistemologia das mediações.
Se as relações de comunicação garantem ao emissor um definitivo poder sobre o
receptor; esse poder não se refere à força física, política ou produtiva, mas é
assegurado por uma ênfase simbólica ( THOMPSON, 2002, p 24), acrescida
quando passamos da relação de co-presença aos emprego dos meios técnicos
que, além de comunicar, distinguem-se pela capacidade reprodutiva e
conservativa, se comparados à fragilidade e fugacidade das relações de co-
presença das comunicações face a face.
Nesse sentido, é necessário frisar que, ao lado da analogia que se estabelece entre
emissor/receptor e sujeito/objeto do conhecimento como domínios
epistemológicos, é preciso confirmar a distância que se processa entre
comunicações de co-presença e comunicações técnicas. Entre elas, se insinua a
característica básica de uma epistemologia das mediações que, simbolicamente,
traduz o poder do emissor ou do sujeito em uma espécie de tutela mediática ou
cognitiva que indica os caminhos da recepção e as diretrizes da produção de
conhecimento.
Se a tutela mediática é assegurada pelo caráter transmissivo da comunicação
apoiada na mensagem ou no significado daquilo que se comunica, a tutela
cognitiva se apóia no método que, oriundo da competência estratégica do sujeito
do conhecimento na manipulação de observação do objeto ou na descrição dos
dados que o constituem, assegura um desenho que modela o objeto conforme os
interesses de análise pré-constituídos no próprio método, gerado pelo sujeito do
conhecimento. Um irrefutável plano vicioso unificador que reproduz, na
recepção, a mensagem emitida e transmitida e, no objeto, os objetivos do
conhecimento estabelecido e já consagrado.
Nesse programa reiterativo e redundante, se identificam tendências que
marcaram a cultura do século XIX e das primeiras décadas do século XX que,
apoiadas na simetria entre emissor e receptor mediáticos ou entre sujeito e objeto
do conhecimento, deixam-se balizar pela necessidade de homeostase, ordem e
equilíbrio com características monocórdicas e centralizadoras nas suas
dimensões mediáticas e epistemológicas. Ao mesmo tempo, essa centralização
procura simplificar o processo comunicativo reduzindo-o a uma via de mão
única e naturalizar o percurso cognitivo, banalizando e unificando o processo do
conhecimento submisso ao método pré-constituído pela teoria.
“ Por vezes podemos marcar uma oposição simples entre os dois tipos de
espaço. Outras vezes devemos indicar uma diferença muito mais complexa,
que faz com que os termos sucessivos das oposições consideradas não
coincidam inteiramente. Outras vezes ainda devemos lembrar que os dois
espaços só existem de fato graças às misturas entre si: o espaço liso não
para de ser traduzido, transvertido num espaço estriado; o espaço estriado é
constantemente revertido, devolvido a um espaço liso.” DELEUZE E
GUATTARI, 1997, ps.179-180)
7. Referências bibliográficas