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Nome: João Caleber Batista Martins

Data de entrega: 16 de Outubro de 2021


Curso: História Licenciatura Noturno, 1°ano
Disciplina: Iniciação à Pesquisa Histórica
Professor/a: Rosimeri Moreira
Trabalho: Produção de resenha sobre artigo de História, publicado em revista acadêmica.

PRECONCEITO E DIVERSIDADE: PELOS BECOS DA ESCOLA INCLUSIVA, UM


PENSAR SOBRE A ESCOLA E A PRÁTICA DOCENTE PARA SE ALCANÇAR UMA
ESCOLA PLURIÉTNICA

Resenha do artigo

DUPLA, Simone Aparecida. Preconceito e diversidade: pelos becos da escola inclusiva.


Revista TEL, Irati, v.11, n.2, p. 244-260, jun./dez. 2020. Disponível em:|Vista do Preconceito
e diversidade (uepg.br). Acesso em: 21 Ago. 2021.

Um apartheid social sob a máscara da miscigenação. Essa é a definição pensada por


Simone Aparecida Dupla, com base em Marilena Chaui, ao pautar as representações que
vigoraram nas escolas brasileiras para fomentar a ideia de identidade nacional, e que abafaram
o desenvolvimento de uma educação pluriétnica. Em seu artigo publicado no presente ano,
2021, Dupla, Pós-doutoranda em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e
especialista em História e Cultura Afro-brasileira pela Universidade Cândido Mendes, Rio de
Janeiro, traz como temática o preconceito e a diversidade na educação escolar. O referido
artigo, publicado na Revista Tempo, Espaço e Linguagem, carrega o título “Preconceito e
diversidade: pelos becos da escola inclusiva”, encontrando-se entre as páginas 244-260, da
edição de junho.
O texto de Dupla acompanha a necessidade histórica-social de se discutir a diversidade
dentro das escolas brasileiras. Dessa forma, a autora, analisando os preconceitos relacionados
às pessoas não brancas, e seu reflexo no sistema educacional, tece críticas às abordagens que
ainda invisibilizam e subjugam alunos às margens. Outro foco narrativo da autora se dá em
trazer práticas pedagógicas que podem corroborar para a formação de uma escola mais plural.
Usando de referência autores como Moacir Gadotti, Ricardo Oriá Fernandes, Kabengele
Munanga, entre outros, a autora compreende a diversidade, o ensino, o preconceito e o
estabelecimento dos becos nas escolas. Ademais, a metáfora dos becos é usada para nos
encaminhar na projeção de seu desenvolvimento, que, em um primeiro momento, discute o
Espaço escolar: entre o beco e o pátio, a norma e a contravenção. Em um segundo momento
de seu desenvolvimento, se expõe as práticas pedagógicas, “Lançando luz no beco” através de
conteúdos e abordagens que se pautam em uma educação multicultural, que compreende a
diversidade de identidades culturais dentro dos ambientes educacionais.
Dessa forma, a autora entende por becos o lugar de fuga, o outro lado dos currículos,
que, por base em uma educação etnocêntrica, colonizadora, relega aos alunos não brancos a
ausência de abordagens que os observem. Esse lugar de fuga seria onde se esconde os
preconceitos, estereótipos e contravenções presentes dentro das escolas. Os becos,
reconhecidos como pequenos cantos que ficam na ausência de luz, é onde, segundo Dupla,
"encontramos o inusitado, os segredos dos indigentes, dos marginais, dos que fogem às
regras”(p. 247). Os que se encontram nos becos são a margem de padrões culturais e étnicos
estipulados por ideais eurocêntricos cristãos, os “Outros” que fogem ao estabelecido. Assim,
com base na formação de nosso país, as escolas (re) produzem estereótipos eurocêntricos que
negativam às culturas não brancas. Logo, se mantém nas salas de aulas ideologias
ultrapassadas que pensam a História das margens apenas em dias específicos, e de maneira
estigmatizada. Caso esse do Dia da Abolição da Escravatura, onde se traz a escravidão mas se
esquece da luta negra pela liberdade. Esse olhar distante dos fatos é o que Dutra chama de
"pedagogia de vitrine''. Dado isso, o comportamento dos professores em relação aos alunos
que fogem do que se entende como padrão, o Outro, também refletem preconceitos e
estereótipos eurocêntricos. Tende-se a olhar esses alunos ou com uma visão que subjuga seu
potencial, ou com um discurso de piedade.
Com isso, a marcação do Outro por Dupla expõe a distinção entre aqueles que convém
ao padrão e os que não se enquadram nele. Dessa forma, são varridos para os becos das
escolas não só os alunos que não preenchem ao ideário, mas também, os professores que
buscam vigorar em suas práticas uma educação cidadã e multicultural. Em seu artigo, Dupla
nos traz a Lei 11.645/08, que dispõe sobre o ensino da História e cultura Africana e
Afro-brasileira. Essa Lei garante o trabalho com a cultura e identidade Afro-brasileira dentro
das escolas, contudo, ainda se encontra resistências de escolas e professores que limitam esses
trabalhos a conteúdos rasos. A autora aponta que “muitos professores se omitem ou não
sabem lidar com a diversidade diante de si”(p. 249). Essas resistências, fruto da ignorância,
configuram um empecilho à adesão das novas práticas curriculares que já se garante em Lei.
Todavia, Dupla compreende que “as atividades do cotidiano escolar devia vir acompanhado
de uma formação continuada, numa perspectiva que permitisse aos professores refletir sobre
sua prática”(p. 252), para assim se estabelecer um comprometimento com as novas
abordagens.
Ademais, buscando reforçar as novas práticas pedagógicas, Dutra apresenta de exemplo
uma iniciativa que ocorreu no ano de 2019, que tinha como objetivo uma educação mais
plural. O projeto pautava a implantação de discussões relacionadas a identidades
afro-brasileiras no Ensino Médio. Em decorrência, ao se propor a discussão, assuntos
relacionados, que a muito são visto de maneira estereotipada, como a religião, são
desmistificados gradualmente. Concepções ligadas a ideologias ultrapassadas, normalmente,
ao falar de religiões afro-brasileiras, relacionavam o entendimento a estereótipos cristãos que
observam essas de maneira pejorativa. Desmistificar esses assuntos que tratam da História
Afro-brasileira, segundo a autora, foi parte importante da formação das identidades desses
alunos que a muito foram deixados aos becos. Com base nessa iniciativa, para Dutra, uma
educação plural deve ser entendida através do trabalho com a cultura e identidade cultural no
que tange a desmistificação e o trato positivo desses assuntos. A autora entende a cultura
como uma teia de significados, incorporados a símbolos, embasando-se no entendimento de
cultura de Clifford Geertz (2008). No que tange a identidade cultural, embasando-se em
Stuart Hall (2006), a autora compreende a mesma como algo formado através do nosso
pertencimento a culturas étnicas, raciais, nacionais e etc.
Entendendo a cultura como algo em processo de aprendizado, e a identidade como algo
transitório, Dutra, expõe que compreender esses aspectos proporciona ao aluno entender que a
identidade deriva da interação com padrões culturais assentados. Compreendendo que a
identidade é uma tentativa de se encaixar ou fugir de um padrão, Dutra coloca que isso
“possibilitou trazer concepções positivas sobre as culturas afro-brasileiras contribuindo para a
afirmação da identidade dos afrodescentes”(p. 255). Essa afirmação se fortalece ao se
trabalhar a cultura popular presente no cotidiano dos alunos. Ao se trabalhar com a cultura
popular, segundo a autora, nós deciframos os pilares de nossa formação. Assim Dutra
compreende que:
é importante que se aborde as manifestações culturais presentes na comunidade, as
tradições e lendas que compõem o imaginário popular e as simbologias e
significados de contos, danças e histórias que muitas vezes não são de conhecimento
do aluno ou foram negativadas ao longo do tempo e da busca de uma
homogeneização cultural, uma perspectiva que tem por foco legitimar a cultura da
elite banindo para o esquecimento outras manifestações culturais presentes na
construção do país (DUTRA, 2021, p. 255-256).

Assim, o protagonismo do aluno e de suas manifestações traria luz a essas culturas


marginalizadas que foram lançadas aos becos. A releitura de lendas e mitos Afro-brasileiros,
como as Abayomis, os Orixás, e a própria mitologia Yorubá, permitiria reelaborar nosso
imaginário, além de possibilitar o diálogo sobre as religiões afro-brasileiras, a muito
estigmatizadas. Com isso, trazendo as expressões simbólicas presentes no cotidiano, na
iniciativa da autora, foi possível trabalhar com diversas matrizes culturais. Esse
desenvolvimento com diversas matrizes culturais, segundo Dutra, traria a possibilidade de
olhar a história dos afro-brasileiros por vieses positivos e não estigmatizados por uma
educação baseada em ideologias eurocêntricas.
Outrossim, se pensarmos o ensino de aspectos da cultura afro-brasileira, e o
protagonismo dos alunos nas abordagens pedagógicas podemos reforçar sua necessidade
trazendo um panorama mais amplo. Pensando nos estudantes pretos e pretas, que dentro das
escolas são varridos para esses becos, entendemos que esse aparthaid educacional é muito
mais profundo. Aos estudantes pretos é relegado os becos por uma questão enraizada
socialmente e difusa em nosso imaginário social. Essa questão se compreende partindo do
racismo estrutural, que podemos usar para reforçar o proposto por Dutra.
É preciso ter em mente que o racismo persiste pois existem meios aos quais reforçam e
mantêm essa prática em sua amplitude, de maneira inconsciente ou consciente. Dessa forma,
pensando a questão racial e sua relação com a educação, o professor Silvio Almeida1 pontua
que “o racismo constitui todo um complexo imaginário social que a todo momento é
reforçado pelos meios de comunicação, pela indústria cultural e pelo sistema educacional”
(ALMEIDA, 2019, p. 41). A educação, pensada não só como reprodutora mas também
afirmadora do racismo, nos ajuda a desmistificar a ideia da educação como um lugar de
libertação e emancipação. Como pontuado por Dutra, os becos representam esses preconceitos
que se afirmam nos espaços escolares. Não tem como pautar esses becos e as práticas
pedagógicas sem apontar os preconceitos, caso do racismo, como parte integrante da escola.

1
Doutor e Pós-doutor pelo departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Político e Econômico e Bacharel em Direito pela
Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduado em Filosofia pela Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Autor do livro “Racismo
Estrutural”.
Aos becos encontram-se os marginais, pretos, indígenas, os periféricos, os queers,2 e todos
aqueles que não se encaixam nos padrões eurocêntricos que se encontram também nas
escolas.
Sob essa perspectiva, Dutra pontua que “Não se constrói consciência histórica com uma
semana ou um dia, não se desconstrói estereótipos negativos, preconceitos e processos
discriminatórios em duas ou três aulas”(p. 257). Com isso, entende-se que não se desconstrói
os becos de segregação em um curto processo. Os becos são frutos de uma estrutura, de um
sistema de construção de subjetividades. Para Almeida, no que tange o racismo estrutural, “a
escola reforça todas essas percepções ao apresentar um mundo em que negros e negras não
têm muitas contribuições importantes para a história, literatura, ciência e afins”(ALMEIDA,
2019, p. 41). Essa negligência das práticas corrobora para o reforço do imaginário social que
fortalece o princípio dos becos. Ao refletirmos sobre as práticas pedagógicas, então, devemos
nos atentar para retirar esses indivíduos desses becos educacionais de maneira efetiva, e não
apenas mascarar os becos com temáticas de diversidade. Para combater preconceitos que
constituem a escola estruturalmente, dado seu papel como instituição do Estado, a
problematização deve ser mais profunda. Assim, deve-se pensar, politicamente, de maneira
crítica a formação desses lugares de fuga, os reconhecendo como parte das escolas, e como
elementos das práticas sociais.
No que tange às práticas pedagógicas, a figura docente possui um papel essencial nessa
tomada curricular que traga abordagens que se perdem no cotidiano das escolas. A cultura
afro-brasileira como bem marcado por Dupla, assim como outras culturas marginais, deve ser
abordada de maneira mais contínua. Em conformidade, essa continuidade deve ser
interdisciplinar, pois não se trata apenas da história, mas também da literatura, das ciências e
de outras áreas do saber em uma perspectiva mais pluriétnica. Entretanto, o esforço não deve
ser esperado só dos docentes, como apontado pela autora. Como observamos, o racismo
estrutural se deságua no que se entende como racismo institucional. A educação, como
instituição, reflete em si esse racismo. Ao se reformular as práticas e abordagens, é preciso
que institucionalmente se busque refletir e remediar essas questões, como iniciativa para a
preparação e subsídio desses docentes para desenvolver as novas demandas. Assim,
entende-se que uma educação pluriétnica demanda uma reflexão crítica na formação dos
alunos, embasando-se em uma educação proporcionalmente cidadã. Em conformidade, como

2
Palavra proveniente do inglês usada para designar pessoas que não seguem o modelo de heterossexualidade ou
do binarismo de gênero.
bem pontuado por Dupla, a formação cidadã também compreende o entendimento das
mazelas que constituem as nossas escolas.
Em suma, compreendendo a complexidade da formação racista de nosso país, o artigo
“Preconceitos e diversidade: pelos becos da escola inclusiva” possui o respaldo da
necessidade de sua discussão. Entendendo as escolas como lugares de múltiplas vivências e
presenças, e como um ambiente que (re) produz preconceitos e estigmas da sociedade, a
discussão que Dupla nos traz é de impacto aos educadores e a todos que permeiam a esfera
educacional, tendo que propõe aos mesmos repensar suas práticas docentes. Pode-se marcar
que a atualidade do artigo se constrói no histórico de uma demanda que já se faz necessária a
muito tempo. Dessa forma, refletir a formação das escolas e repensar o ensino é necessário
para qualquer educador que ingresse nas escolas brasileiras. Assim, o artigo de Dupla pode
ser visto como um ponto de partida para que os professores reconheçam a existência desses
becos, e logo, ampliem suas abordagens em relação a identidade de seus alunos. Desse modo,
esse ponto de partida possibilitará aos professores das diversas áreas de formação explorar os
diversos intelectuais que discorrem sobre o assunto. Entre esses intelectuais podemos citar
Kabengele Munanga, Glória Moura, Antonio Sant’ana, entre outros, trazidos por Dutra em
seu artigo.
Dessa maneira, para compreender o pensamento de Dupla podemos recorrer a sua
produção acadêmica ligada à temática. A autora, especialista em História e Cultura
Afro-brasileira, discorre em seus artigos “Lei 10639/03, a representação do negro e o contexto
escolar”3, “África e africanidades: arte e literatura na construção de uma representação
positiva do negro no Brasil”4, entre outros, sobre a formação das identidades afro-brasileiras,
pautadas para entender as escolas inclusivas. Com isso, explorar a temática possibilita
compreender a necessidade de se repensar as abordagens, no que tange às identidades
afro-brasileiras, nas escolas, para assim, de fato, a educação tornar-se emancipadora.

João Caleber Batista Martins é graduando do curso de História Licenciatura da


UNICENTRO.

3
Disponivel em: Vista do Lei 10.639/03, a representação do negro e o contexto escolar<br>Law 10.639/03,
representation in the context of school<br>Ley 10.639/03, representación en el contexto de la escuela (uepg.br)
4
DUPLA, S. A. ; OLIVEIRA, L. A. . ÁFRICA E AFRICANIDADES: ARTE E LITERATURA NA
CONSTRUÇÃO DE UMA REPRESENTAÇÃO POSITIVA DO NEGRO NO BRASIL. In: 3º Encontro de
Comunicação e Educação de Ponta Grossa, 2013, Ponta Grossa. 1º ENCONTRO JOVEM DE MÍDIAS E
EDUCAÇÃO :Comunicação e Educação numa Sociedade Multitelas, 2013. p. 089-096.
REFERÊNCIAS:
ALMEIDA, Silvio Luiz de. Racismo estrutural. São Paulo : Pólen, 2019, p. 38-53.

DUPLA, Simone Aparecida. Preconceito e diversidade: pelos becos da escola inclusiva.


Revista TEL, Irati, v.11, n.2, p.244-260, jun./dez. 2020. Disponível em:|Vista do Preconceito
e diversidade (uepg.br). Acesso em: 21 Ago. 2021.

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