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Lutando pela luz: depressão cristã e o uso de medicamentos |

Kathryn Butler
RESUMO: O mundo da depressão clínica é sombrio e complexo, um emaranhado de
problemas biológicos, emocionais e espirituais que faz com que nos sintamos presos nas
sombras. Nos casos mais graves, a recuperação total requer uma abordagem holística
que envolve aconselhamento, exercícios espirituais e o uso correto de medicamentos
antidepressivos. Os cristãos que sofrem com a depressão clínica podem receber a
medicação, como qualquer outra dádiva da bondade de Deus, como uma forma, entre
outras, de obterem ajuda para colocar sua esperança nEle.
Uma conhecida minha, Becky, é uma avó que diz ter sua maior alegria em “agradar ao
Senhor e andar em fé com Ele”. Ela medita na Palavra diariamente, e há décadas vem
guiando outras pessoas através de estudos bíblicos. Seu coração pertence a Cristo, e Ele
aviva sua mente todos os dias. Mesmo assim, períodos de culpa e incertezas têm
interrompido a caminhada de Becky com o Senhor, pois, mesmo se mantendo totalmente
devota a Cristo, ela também luta com a depressão clínica. Para manter a clareza e o foco
na Palavra de Deus, ela depende da ajuda de medicamentos antidepressivos.

Assim como acontece com frequência, a depressão é algo comum na família de Becky.
Quando tinha vinte e poucos anos e o desespero a atacou pela primeira vez, Becky já
havia visto sua mãe sucumbir à escuridão profunda e sofrer surtos mentais. Ela havia
testemunhado, de primeira mão, como a depressão pode destruir uma vida, além de
perceber o papel importante que a medicação e o aconselhamento podem desempenhar
ao trazer de volta aqueles que sofrem.

Mas mesmo essas experiências não foram capazes de diminuir a preocupação de Becky
em tomar os antidepressivos sozinha. Ela se perguntava se estaria fazendo o certo ao
tomar remédios para ajudar com algo parecia ser de origem espiritual. Sua culpa só
aumentou quando alguém de autoridade, na igreja, disse: “É raro alguém realmente
precisar de antidepressivos, porque normalmente as coisas podem ser resolvidas
biblicamente”.

“Ouvir aquilo do púlpito me fez cair nas profundezas da culpa”, ela disse. “Eu me sinto tão
culpada que preciso tomar esse medicamento que tem me feito sentir melhor há anos”.

Um assunto preocupante

As dúvidas que assolam Becky incomodam muitos de nós que sofremos de depressão.
Alguns de nós pensam que, se dependemos de medicamentos, é porque nossa fé é fraca.
Outros confundem antidepressivos com opioides e temem ficar viciados. Por outro lado,
nossa cultura avessa à dor, que prioriza o conforto e a gratificação instantânea, pode nos
induzir a procurar prescrições químicas para a aflição comum. Surgem perguntas por
todos os lados: antidepressivos são lícitos? São suficientes? O fato de precisarmos deles
reflete uma fé débil? Qual o lugar deles no meio de outras formas da graça com a qual
Deus nos abençoou, como a oração, o estudo da Palavra e o aconselhamento?

Após um exame minucioso da depressão, seu tratamento, e como a Bíblia nos guia em
meio ao sofrimento, essas perguntas deveriam dar lugar ao discernimento e à gratidão.
Nenhum medicamento tem o poder de apagar a sujeira dos nossos corações. Mas, em
Seu amor longânimo e em Sua misericórdia para conosco, Deus nos presenteou com a
ciência médica como sendo um meio de bondade comum. Dentro das circunstâncias
corretas, quando cuidadosamente somados ao aconselhamento e a disciplinas espirituais,
os antidepressivos podem nos levar vagarosamente em direção à luz do dia. Nunca
devemos confiar exclusivamente em medicamentos, como também não devemos
condenar aqueles que os usam como parte de uma abordagem abrangente.

Mais do que tristeza

A essa altura da discussão, precisamos definir alguns termos. No mar agitado que é
nossa vida, todos podemos passar por períodos de luto, choro e tristeza. Na maioria dos
casos, esses vales têm limites. Podemos até nos deixar afundar, mas continuamos
capazes de escalar, e depois de um tempo conseguimos respirar ar puro novamente.

Depressão clínica, também chamada de transtorno depressivo maior, se encontra fora


dessas variações normais de humor. O fato de que a depressão aumenta a taxa de
suicídio em 27 vezes comparada com a do resto da população deveria nos alertar sobre
algo terrivelmente errado.1 Na depressão maior, a falta de esperança, o desespero e a
falta de motivação persistem muito tempo após as feridas terem se curado, por motivos
que nem mesmo a vítima consegue identificar. Ela não consegue controlar sua descida à
escuridão, nem se livrar de suas muletas por pura e espontânea vontade, porque os
fatores sociais, espirituais e práticos que podemos ver com facilidade interagem com
partes do cérebro que são profundas e difíceis de se ver. As consequências disso são não
apenas espirituais, mas também físicas (veja a tabela abaixo) 2, impedindo a vítima de
conseguir fazer as coisas mais básicas do cotidiano. Ela passa a sentir que é impossível
rir, conversar e interagir, mesmo com aqueles a quem ama. 3 Os cuidados pessoais
rotineiros oprimem a vítima, e alguns de nós nos vemos entrevados a nossas camas,
privados de alegria a ponto de não conseguirmos encarar o mundo. De várias formas,
viver com depressão lembra muito a morte.
É muito importante diferenciar essa doença da aflição e tristeza comuns, porque Deus
trabalha através do nosso sofrimento para nos refinar (Gênesis 50:20; Jonas 2; Romanos
5:2-5). Nunca devemos usar de meios químicos para nos ajudar a lidar com os picos e
vales típicos de nossas emoções. A melancolia e a angústia podem, não apenas, ser
reações dignas às labutas de um mundo caído, como também Deus nos disciplina, nos
molda e nos traz mais perto de Si através de nossas tribulações. Até Jesus chorou à face
da perda (João 11:34-36).
Entretanto, a depressão não é uma aflição típica. Ela pode persistir mesmo quando não
passamos por uma catástrofe em nossos dias. É uma fera complexa, cujas vítimas
precisam desesperadamente de oração, amor cristão e ajuda profissional.

Um problema complicado

Pouquíssimas vítimas da depressão maior recebem, realmente, a ajuda que necessitam.


A culpa, que é um traço do transtorno (vide tabela), e a vergonha impedem muitas vítimas
da depressão de procurarem ajuda.4 Em uma pesquisa feita com 5,4 milhões de adultos
nos EUA, que mostra uma carência por serviços de saúde mental não suprida, 8,2% não
procuram tratamento porque não querem que os outros saibam, 9,5% porque “pode ser
que os vizinhos ou a comunidade tenham uma opinião negativa sobre isso”, e 9,6%
devido à preocupação com confidencialidade. 28% acreditam poder lidar com o problema
sem tratamento, e 22,8% não sabem onde devem ir para receber tratamento. 5 Essas
estatísticas revelam que a estrada que leva à cura é uma ladeira íngreme. Muitos a trilham
sozinhos.
E mesmo os que procuram ajuda precisam enfrentar um caminho tortuoso, sem soluções
fáceis. Não temos uma cura instantânea para a depressão, porque os fundamentos
neurobiológicos que causam nosso desânimo são muito mais elaborados do que um
simples desequilíbrio químico. Na depressão, as regiões do cérebro responsáveis pela
memória e pela execução de funções encolhem, assim como os caminhos que conectam
essas áreas às que controlam humor, medo e motivações. 6 A perda de células cerebrais é
acelerada entre os deprimidos.7 As ações dos sinais químicos entre neurônios são
interrompidas, principalmente a serotonina, um neurotransmissor que ajuda a regular
humor, sono, apetite e dor.8 Embora não saibamos, em todos os casos, se essas
mudanças causam a depressão ou se são resultado do transtorno, elas sugerem o motivo
pelo qual as vítimas têm dificuldade de se recuperar. Na depressão, a arquitetura dos
nossos próprios cérebros nos aprisiona na escuridão.
E mesmo que a depressão contenha muitas mudanças neurológicas, a biologia, por si só,
não conta a história toda. Embora algumas pessoas tenham predisposição genética para
desenvolver depressão maior,9 um primeiro episódio requer uma combinação desse risco
com gatilhos sociais, psicológicos e espirituais. Doenças médicas contribuem em até 15%
dos casos, e a depressão aumenta o risco de um futuro ataque cardíaco em duas ou três
vezes entre as pessoas com doenças cardíacas.10 Pessoas com transtorno afetivo
sazonal, que lutam com a depressão durante os meses de inverno, reagem bem à
fototerapia com luz brilhante, ao passo que outros que não possuem esse padrão
temporal não reagem da mesma forma. Algumas vítimas lutam contra a ansiedade na
depressão, outras contra a melancolia, e outros ainda contra catatonia ou psicose. Essa
variedade sugere que o diagnóstico a que atualmente chamamos de depressão
maior talvez seja um termo genérico, que abrange múltiplas síndromes relacionadas,
possuindo efeitos parecidos, mas com mecanismos causativos distintos.
Essa diversidade na depressão cria desafios no tratamento, já que a luta de uma pessoa
pode não se assemelhar à de outra. Pesquisas promissoras sugerem que ressonâncias
magnéticas do cérebro podem apresentar resultados diferentes entre subtipos
depressivos e permitir tratamentos mais precisos.11 Mas essa pesquisa é preliminar.
Enquanto isso, a depressão continua a destruir suas vítimas, ganhando o décimo primeiro
lugar na lista da Organização Mundial de Saúde de enfermidades que mais causam
deficiência e morte.12 O tratamento para um transtorno tão complicado, variado e
debilitante não progride de maneira simples.

Opções imperfeitas

Os dois pilares do tratamento para depressão clínica são medicamentos antidepressivos e


psicoterapia ou aconselhamento. Embora essas duas frentes possam prover apoio
estimulante, nenhum oferece um alívio imediato. E embora ambos desempenhem papéis
vitais na recuperação, nenhum deles diminui a importância de disciplinas espirituais
enquanto lutamos para recuperar nossa alegria.

A maioria dos antidepressivos funciona aumentando a concentração de serotonina no


cérebro. Dada a forte evidência de baixa transmissão de serotonina em vítimas da
depressão, esperamos, por décadas, que restaurar a serotonina pudesse reverter o
transtorno. Com o que sabemos atualmente sobre a estrutura cerebral e de sua rede
neural em vítimas da depressão, não é de se surpreender que antidepressivos produzam
pouco efeito. Embora esses medicamentos possam prometer melhoras críticas nos
sintomas, eles facilitam a remissão total em somente cerca de 50% dos casos se usados
sozinhos.13 Embora esse efeito possa ser estimulante para metade das vítimas, é uma
decepção para uma classe de medicamentos que esperávamos poder tratar
definitivamente a doença. (Imagine que nosso predicamento de insulina reduzisse o
açúcar no sangue em apenas metade dos diabéticos, ou que os antibióticos erradicassem
as infecções bacteriais mais comuns em apenas metade dos casos). Uma pesquisa
também revela apenas um pequeno benefício da terapia antidepressiva contra pílulas de
placebo. Só o fato de encontrar com um prestador de saúde para receber um placebo
constitui cuidado e conexão pessoais, e alivia os sintomas em até 35% dos casos.14
Essa pesquisa, acompanhada pelas críticas que estudos que favorecem antidepressivos
normalmente sofrem do viés de publicação, fomentou uma discussão se antidepressivos
realmente funcionam. No ano passado, um grupo de pesquisa tentou acabar com essa
discussão conduzindo uma meta-análise grande dos dados da FDA (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária dos Estados Unidos) sobre antidepressivos, e descobriu que todos os
vinte e um agentes estudados tinham melhor efeito do que o placebo. O estudo chamou a
atenção da mídia, com manchetes exuberantes que diziam “A Discussão Acabou!”. Mas
os dados garantem uma resposta mais contida. A partir desses resultados, podemos
dizer, com confiança, que os antidepressivos podem reduzir os sintomas da depressão
após oito semanas de terapia. Isso é uma boa notícia para quem luta para tentar sair das
trevas, para os quais mesmo uma pequena melhora pode dar estabilidade para encarar o
mundo. Mas ainda não significa que os antidepressivos tenham ganhado uma reputação
de proporcionarem curas milagrosas.15
No total, as pesquisas sobre antidepressivos favorecem o seu uso como um dos
componentes de uma abordagem abrangente. Antidepressivos normalmente
são necessários para nos prepararmos para o árduo trabalho que é a recuperação, mas
geralmente não são suficientes. Embora os antidepressivos possam melhorar nosso humor
sombrio, a recuperação total também requer atenção a elementos que a farmacologia não
consegue penetrar: nosso apoio social, nossos padrões de pensamento, nossos hábitos e
histórias, e principalmente nossa caminhada com Cristo. Embora os antidepressivos
melhorem a transmissão de serotonina, a psicoterapia e o aconselhamento podem nos
ajudar a passar pelas barreiras cognitivas que atrapalham a recuperação. E uma vida rica
em oração e leitura da Bíblia, com o apoio do corpo de Cristo, é essencial para nos
guiarmos através da tempestade.

Apoio não farmacológico

Geralmente, o termo psicoterapia assusta os cristãos, que automaticamente o associam a


Sigmund Freud, um ateu. Entretanto, o termo se refere a várias abordagens na psicologia
clínica, muitas das quais são bem diferentes da psicodinâmica Freudiana. De acordo com
a literatura médica, as terapias cognitiva-comportamental e interpessoal são as que
causam maior efeito contra a depressão, mas outros métodos também ganham favor.16
A psicoterapia e o aconselhamento podem ser cruciais em manter a depressão sob
controle. Estudos mostram que os antidepressivos e a psicoterapia possuem eficácia
parecida no tratamento da depressão aguda, mas, depois que o tratamento termina, os
pacientes que param de tomar antidepressivos geralmente sofrem uma recaída. 17 Em
contrapartida, os benefícios da psicoterapia persistem por um longo tempo depois do fim
do tratamento. A Dra. Karen Mason, professora associada de aconselhamento e
psicologia no Seminário Teológico Gordon-Conwell, testemunhou esse fenômeno em
primeira mão. “Existe uma vulnerabilidade biológica da qual os antidepressivos tratam,
mas a pessoas também lidam com problemas sociais e comportamentais que reforçam
sua depressão”, relatou ela por meio de correspondência pessoal. “Você pode fazer o uso
somente de antidepressivos por seis meses, e eles ajudam, mas, assim que você para de
usá-los, você fica deprimido novamente, porque os padrões de pensamento continuam
presentes”.
Na experiência da Dra. Mason, o apoio espiritual também pode ser crucial para se chegar
à recuperação. “As pessoas lutam através das lentes da fé que possuem”, ela observou.
“Na depressão, normalmente a pessoa tem muito pouco valor próprio, e a fé pode
influenciar isso”. Para o crente, criado à imagem e semelhança de Deus, nosso valor em
Cristo nos ajuda a nos desvencilhar das sombras e nos agarrar à vida. Quer façamos
psicoterapia ou usemos antidepressivos, a nossa identidade em Cristo, e o que Deus fez
por nós na cruz, se mantêm fundamental.

Uma abordagem multifacetada

Para aqueles entre nós com casos leves de depressão maior (diagnosticado por um
profissional usando instrumentos validados), faz sentido começar com terapia ou
aconselhamento somente, e considerar o uso de antidepressivos após vários meses, se
não houver melhora. Mas aqueles com casos graves correm um alto risco de suicídio.
Nessas circunstâncias perturbadoras, a precaução de um antidepressivo unida ao
aconselhamento pode salvar vidas. Realmente, dados os benefícios de se fazer
psicoterapia junto com antidepressivos, a APA (Associação de Psiquiatria Americana)
recomenda politerapia em casos moderados ou graves de depressão maior.18

A APA também recomenda que os pacientes que melhoram com antidepressivos


continuem tomando-os de quatro a nove meses depois do primeiro episódio, porque o
risco de recorrência é maior antes desse período. Para aqueles que tiveram três ou mais
episódios mais graves, a APA recomenda continuar tomando algum antidepressivo pelo
resto da vida. Essas recomendações podem nos desanimar. Podemos nos preocupar em
ficar viciados, e também questionar a força da nossa fé. Lemos manchetes dizendo que
clínicos gerais têm prescrito 40% de antidepressivos ultimamente, quase sempre sem
documentar um diagnóstico psiquiátrico, e nos perguntamos se estamos nos juntando à
epidemia de automedicação para entorpecer os problemas comuns da vida.19
Antes de punirmos uns aos outros, considere que, embora metade das pessoas se
recupere do primeiro episódio de depressão sem maiores problemas, depois de três
episódios a chance de recorrência se aproxima dos 100%. 20 Nas depressões crônica e
recorrente, os antidepressivos de manutenção não implicam em vício, mas sim em uma
precaução vital contra futuros episódios. Drogas viciantes produzem euforia,
entorpecimento ou outros estados que causam um distanciamento da realidade e
desonram a Deus (1Coríntios 6:19-20). Nosso desejo por essas substâncias nunca
diminui contanto que as continuemos ingerindo. Poucas pessoas, por outro lado, cobiçam
antidepressivos. Aproximadamente 60% das pessoas que tomam antidepressivos se
queixam de efeitos colaterais desconfortáveis, incluindo diarreia, náusea, vômitos, insônia,
sonolência, aumento de peso, disfunção sexual e ansiedade. 21 Dados esses efeitos
desagradáveis, a taxa de abandono de terapias antidepressivas é alta, pois vários
pacientes param de tomar os medicamentos antes que seus sintomas depressivos sejam
curados.22 O vício nem é uma consideração apropriada.

Quando usados com sabedoria para combater a depressão severa, os antidepressivos


não oferecem um escape para o sofrimento, mas sim nos preparam para lidar com ele.
Quando usados com discernimento, esses medicamentos podem nos enraizar na
realidade, e nos ajudar a nos concentrar com clareza em nosso Senhor ressurreto. Becky,
que compartilhou suas experiências no começo desse artigo, enfatiza o papel deles
dizendo: “Esse problema criou amarras entre o Senhor e eu, enquanto eu O busco e
medito em Sua Palavra – eu sei que preciso fazer isso!”.

A depressão e o sofrimento cristão

Mesmo quando compreendemos que a depressão maior não é a mesma coisa que a
tristeza corriqueira, ainda assim podemos lutar contra equívocos que afirmam que a
depressão é, de alguma forma, algo “não cristão”. “Como pode um crente como eu lutar
com a depressão se eu tenho o evangelho?”, uma vítima me perguntou. Outra admitiu:
“Eu sinto que existe algo errado comigo e com a minha suposta ‘fé’. Eu acabo me punindo
por não ter o tipo de fé que me tiraria dessa depressão”. Esses comentários ressoam com
os da Dra. Beverly Yahnke, diretora executiva do Centro Luterano de Cuidados e
Conselhos Espirituais:

Inúmeros cristãos bem-intencionados são convictos de que pessoas fortes na fé


simplesmente não ficam deprimidas. Alguns passaram a crer que, se alguém possui a
virtude do batismo, ela é protegida dos perigos da mente e do humor. Outros sussurram,
de forma rude, que aqueles que colocam suas preocupações nas mãos do Senhor
simplesmente não se tornam alvo de uma doença que deixa suas vítimas
emocionalmente desoladas, desesperadas e que consideram o suicídio como um refúgio
e conforto – um meio mais do que certeiro de acabar com uma dor implacável.23
Uma suposição comum dentre essas dúvidas é de que a esperança do evangelho deveria
nos proteger contra os males da mente. Mas essas afirmações carecem de empatia e de
fundamentos bíblicos. Cristo triunfou sobre a morte (1Coríntios 15:55; 2Timóteo 1:10) e,
quando Ele voltar, todas as manifestações infelizes da morte serão lavadas (Isaías 25:7-8;
Apocalipse 21:4). Mas, por enquanto, ainda vivemos no despertar da Queda. Não devemos
nunca pensar que a vida cristã é um mar de rosas. Jesus nos alerta de que sofreremos
perseguição no mundo que o rejeitou (Mateus 16:24-25; João 1:10-11; 15:20). Toda a
criação geme (Romanos 8:22-28). O pecado ainda fervilha nos quatro cantos do mundo,
incitando calamidades, infiltrando-se nas sinapses do nosso cérebro para confundir
nossos pensamentos e sentimentos. Até nosso Salvador era homem de dores,
experimentado nos sofrimentos (Isaías 53:3), mesmo tendo perfeita comunhão com o Pai.
Embora o pecado cause sujeira no mundo, até os mais devotos a Cristo podem afundar
no desespero.
O evangelho não nos promete uma libertação do sofrimento, mas sim um dom mais
precioso e abundante: a certeza do amor de Deus, que prevalece sobre o pecado e
nos carrega em meio às tempestades. Cristo nos oferece a esperança que transcende a
devassidão desse mundo caído. O sofrimento pode nos abater. A depressão pode destruir
até mesmo os mais fiéis dentre nós. Mas, em Cristo, nada pode nos separar do amor de
Deus (Romanos 8:38-39).

A fonte da nossa esperança

Os cristãos deveriam se sentir autorizados a considerar tratamentos médicos – sejam


antidepressivos ou não – como bênçãos, dadas por Deus como uma demonstração de
Sua misericórdia. Vemos claramente, no ministério de Jesus, que a cura mostra o amor de
Deus por nós (Marcos 1:40-41; 3:1-5; Mateus 8:1-3; João 9:1-7). Talvez o melhor exemplo
seja a parábola do bom samaritano, quando ele interrompe sua jornada para cuidar de um
homem ferido com curativos, óleo e vinho (Lucas 10:25-37). Essas passagens devem
afugentar nossa culpa se precisamos fazer uso de medicamentos antidepressivos como
parte de uma abordagem contra a depressão que seja multifacetada e repleta de oração.

E, mesmo que participemos dessas formas comuns de graça, elas não podem nos
oferecer o renovo que encontramos em Cristo. Somente podemos matar a sede de
nossas almas com a água viva que nasce do evangelho. Fazemos certo ao aceitar
avanços medicinais pelo que são: bênçãos de Deus, dádivas que nos ajudam a nos curar
e prosperar. Ao buscarmos tratamento, entretanto, devemos continuar a fixar nossos
olhos em Deus (2Crônicas 16:12). A necessidade de olhar para Deus não se limita apenas
à depressão, mas a qualquer enfermidade da mente, do corpo ou da alma. Como cristãos,
nos agarramos a uma esperança que excede, de longe, todo e qualquer protocolo ou
prescrição.

Quer usemos medicamentos ou não, uma resposta vital para quando nos afundamos no
desespero é orar e meditar (o máximo que nossas mentes confusas nos permitirem)
nessa Palavra viva e eficaz (Filipenses 4:6; Tiago 1:5; Hebreus 4:12). Quando nos
ajoelhamos perante Deus em humildade e súplica e levamos nossos fardos a Ele com as
mãos abertas, Ele se achega a nós (Salmo 34:18), mesmo quando fazemos uso de
medicamentos ou buscamos aconselhamento. Na era vindoura, nosso Salvador irá
afugentar os espectros que pairam sobre a criação (Apocalipse 21:4). Enquanto isso,
podemos nos consolar no fato de que Ele também andou na escuridão. Ele também
suportou duro sofrimento, não por causa de um cérebro com problemas, mas
voluntariamente, por nossa causa, com um abundante amor por nós (João 3:16). E nos
agarramos a essa verdade, mesmo quando as trevas descem, mesmo quando fazemos
uso de medicamentos ou terapias, e, sem fôlego, lutamos pela luz.

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