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Problema Filosófico: O que é ser feliz? É possível ser feliz em nossa sociedade contemporânea?
Aristóteles, em sua obra Ética a Nicômaco, discute a finalidade de toda arte, indagação,
ação e propósito da vida humana e conclui que é sempre o bem a que todas visam. Ao
discutir qual seria este bem que é a finalidade da vida humana, Aristóteles nos apresenta
a felicidade. Só que ao mesmo tempo em que afirma que a felicidade é o bem supremo,
pergunta-se pela função própria do homem.
[...] o bem para o homem vem a ser o exercício ativo das faculdades da alma de conformidade
com a excelência, e se há mais de uma excelência, de conformidade com a melhor e mais
completa entre elas. Mas devemos acrescentar que tal exercício ativo deve estender-se por toda
a vida, pois uma andorinha não faz verão [...]; da mesma forma um dia só, ou um certo lapso
de tempo, não faz um homem bem-aventurado e feliz. (ARISTÓTELES,2001, p. 24-25)
[...] Parece que a felicidade, mais que qualquer outro bem, é tida como este bem supremo, pois
a escolhemos sempre por si mesma, e nunca por causa de algo mais; mas as honrarias, o
prazer, a inteligência e todas as outras formas de excelência, embora as escolhamos por si
mesmas /.../, escolhemo-las por causa da felicidade, pensando que através delas seremos
felizes. Ao contrário, ninguém escolhe a felicidade por causa das várias formas de excelência,
nem, de um modo geral, por qualquer outra coisa além dela mesma. (ARISTÓTELES, 2001, p.
23).
Aristóteles fundamenta a ética, arte de bem viver, tendo como referência a função do
homem, ou seja, da vida humana, pois não se trata da vida de um homem, mas do ser
humano, e aponta para a felicidade como sendo a busca, em si mesma, da vida humana,
ou seja, o bem supremo a que toda arte, indagação, ação e propósito devam ter em vista.
A partir da obra Ética a Nicômaco busca-se entender o que, segundo Aristóteles, é
preciso para ser feliz.
[...] Devemos observar que cada uma das formas de excelência moral, além de proporcionar
boas condições à coisa a que ela dá excelência, faz com que esta mesma coisa atue bem; por
exemplo, a excelência dos olhos faz com que tanto os olhos quanto a sua atividade sejam bons,
pois é graças à excelência dos olhos que vemos bem. De forma idêntica a excelência de um
cavalo faz com que ele seja ao mesmo tempo bom em si e bom para correr e levar seu dono e
para sustentar o ataque do inimigo. Logo, se isto é verdade em todos os casos, a excelência
moral do homem também será a disposição que faz um homem bom e o leva a desempenhar
bem a sua função. (ARISTÓTELES, 2001, p. 41)
O termo excelência utilizado por Aristóteles é corriqueiramente entendido também por virtude.
Há duas espécies de excelência: a intelectual e a moral. A intelectual nasce e se desenvolve
com a instrução, ou seja, com o processo educativo e formativo. Por isso, desenvolvesse com o
tempo e a experiência. É o que de certa forma estamos fazendo desde que iniciamos nossa vida
escolar e que vai se aprimorando à medida em que nos dedicamos mais aos estudos. Cada um de
nós pode perceber o quanto se aprimorou desde o dia em que esteve pela primeira vez em uma
sala de aula.
Já a excelência moral é produto do hábito, é tudo aquilo que podemos alterar pelo hábito.
Observe que a palavra ética tem sua raiz grega – ethiké e ethos - que significam hábito.
Então a excelência moral é adquirida através da prática, assim como as artes, por
exemplo, você toca violão na medida em que passa a praticar e quanto mais tempo
praticar, maior será sua habilidade e chances de se tornar um exímio tocador.
Por que o desenvolvimento da excelência moral é tão importante para nós? Porque está
relacionada com as ações e emoções, que por sua vez estão relacionadas com o prazer
ou sofrimento e por isso, a excelência moral se relaciona com os prazeres e sofrimentos.
Pode-se dizer que a excelência moral é a capacidade que vamos desenvolver para lidar
com nossas emoções e ações na relação direta com o prazer e o sofrimento. E disso
resultará o bom uso que faremos ou não do prazer e do sofrimento.
Para Aristóteles “toda a preocupação, tanto da excelência moral quanto da ciência
política, é com o prazer e com o sofrimento, porquanto o homem que os usa bem é bom,
e o que os usa mal é mau”. (ARISTÓTELES, 2001, p.38)
Fala-se que a excelência moral é o desenvolvimento de hábitos que nos farão escolher nossas
ações e emoções, que são marcadas pelo excesso, falta e meio termo. Mas o que é o meio
termo?
De tudo que é contínuo e divisível é possível tirar uma parte maior, menor ou igual, e isto tanto
em termos da coisa em si quanto em relação a nós; e o igual é um meio termo entre o excesso e
a falta. Por “meio termo” quero significar aquilo que é equidistante em relação a cada um dos
extremos, e que é único e o mesmo em relação a todos os homens; por “meio termo em relação
a nós” quero significar aquilo que não é nem demais nem muito pouco, e isto não é único nem
o mesmo para todos. (ARISTÓTELES, 2001, p. 41)
Portanto, para Aristóteles a busca é pelo meio termo, ou seja, o equilíbrio entre o excesso e a
falta. É o desafio e enfrentamento diante de cada ação e emoção. É por isso, que a formação da
excelência moral é uma busca constante e depende da capacidade racional, pois exige a todo o
momento reflexão e escolha. A mediania não é algo pronto e dado, mas escolhido e que precisa
ser entendido para que se chegue a atingi-la.
Sêneca e a Felicidade
Vimos o caminho proposto por Aristóteles para que o homem possa viver bem e, portanto,
atingir a finalidade de sua vida: a felicidade. Enquanto Aristóteles distingue felicidade de
virtude, entendendo a felicidade como fim último do homem, e a virtude como meio para atingi-
la, os estóicos entendem felicidade e virtude como uma coisa só.
Portanto, para os estóicos, a felicidade consiste em viver segundo a natureza, pois “(...)
postulam que a Natureza é permeada de racionalidade: o mundo é um todo orgânico, solidário e
dirigido por uma razão universal que é deus. [...] Tudo se submente a essa ordem universal: na
filosofia estóica, não há lugar para o acaso, a desordem e a imperfeição como Aristóteles e
Platão” (WILLIAN, p. 14).
Devemos igualmente mostrar docilidade e não ser escravos demais das resoluções que
tomamos; ceder de boa vontade à pressão das circunstâncias e não temer mudar, seja de
resolução, seja de atitude, contanto que não caiamos na versatilidade, que é de todos os
caprichos o mais prejudicial à nossa tranquilidade. Porque se a obstinação é inevitavelmente
inquieta e deplorável, visto que a fortuna (sorte) lhe arranca a todo o momento qualquer coisa,
a leviandade é ainda muito mais penosa, porque ela não se fixa em nada. Estes dois excessos
são funestos à tranquilidade da alma: recusar-se a toda alteração e nada suportar. (SÊNECA,
1973, p. 71)
Mas não adianta nada ter eliminado as causas da tristeza pessoal, pois algumas vezes acontece
que um desgosto pelo gênero humano se apossa de nós, quando percebemos quão grande é a
quantidade de crimes felizes; quando refletimos até que ponto é rara a retidão e desconhecidas
a inocência e a sinceridade, desde que ela não convenha... (SÊNECA, 1973, p. 73-74)
Além do “desgosto pelo gênero humano”, que segundo Sêneca deve ser superado, para
que nosso espírito não “mergulhe em noite escura”, Sêneca alerta para mais um motivo
que pode afligir espírito.
Vem em seguida uma consideração que muitas vezes, e não sem motivo, entristece nosso
espírito e o mergulha na maior inquietude: quando vemos pessoas de bem acabarem mal –
Sócrates constrangido a morrer prisioneiro; Rutílio a viver no exílio; Pompeu e Cícero a se
entregarem aos seus clientes; e Catão, este Catão, enfim, viva imagem da virtude, reduzido a
testemunhar publicamente, atirando-se contra sua espada, que a República perecia ao mesmo
tempo que ele. Como não se afligir com a idéia de que a fortuna paga tão injustamente os
méritos dos homens? E que esperar para si mesmo, quando os melhores dentre eles são os mais
maltratados? (SÊNECA, 1973, p. 73-74)