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DA FANTASIA À REALIDADE:
PERFORMANCES E TRANSGRESSÕES DE GÊNERO EM ANIMAÇÕES DISNEY
COMO CONDICIONANTES MORAIS DO PÚBLICO INFANTO-JUVENIL
SÃO PAULO
2021
DA FANTASIA À REALIDADE:
PERFORMANCES E TRANSGRESSÕES DE GÊNERO EM ANIMAÇÕES DISNEY
COMO CONDICIONANTES MORAIS DO PÚBLICO INFANTO-JUVENIL
SÃO PAULO
2021
RESUMO
Este artigo buscou analisar dez títulos de filmes produzidos pelos estúdios cinematográficos
Disney, bem como artigos a respeito das obras escolhidas, que exibissem papeis de gênero
socialmente aceitáveis e desviantes atribuídos aos vilões de cada narrativa. Através de análise
estética das obras selecionadas, fez-se um comparativo entre os estereótipos que se repetem
em diferentes figuras de heróis e princesas, além de elencar marcos desviantes de
performance de gênero tidos pelos vilões. Ao correlacionar os artigos analisados com as obras
estudadas, ficou evidente um padrão doutrinador de moral embutido nos filmes da produtora e
que se repete em diversas obras. Este padrão visa reforçar o que se entende por “natural" no
contexto da heteronormatividade, bem como denunciar os comportamentos excêntricos e
perversos dos antagonistas. Dada a grande relevância cultural que os estúdios Disney
representam para o público infanto-juvenil, essas manifestações distintas de performance têm
efeito condicionador negativo sobre a forma como o público passa a compreender e julgar
personalidades gênero-discordantes nas telas e no mundo real. Diante desse efeito
historicamente consolidado nas obras do estúdio, faz-se necessária uma nova forma de pensar
a respeito de como a diversidade pode e deve ser abordada para as futuras gerações nas
animações infantis.
ABSTRACT
This article sought to analyse ten film titles produced by Disney film studios, as well as
articles about the chosen works, which exhibited socially acceptable and deviant gender roles
attributed to the villains of each narrative. Through an aesthetic analysis of the selected
works, a comparison was made between the stereotypes that are repeated in different figures
of heroes and princesses, in addition to listing deviant milestones of gender performance held
by the villains. When correlating the articles analysed with the works studied, a doctrinal
pattern of morality embedded in the producer's films was evident and which is repeated in
several works. This standard aims to reinforce what is understood by "natural" in the context
of heteronormativity, as well as to denounce the eccentric and perverse behaviours of
antagonists. Given the great cultural relevance that Disney studios represent for children and
adolescents, these distinct manifestations of performance have a negative conditioning effect
on the way the audience comes to understand and judge gender-discordant personalities on
screen and in the real world. Given this historically consolidated effect on the studio's works,
a new way of thinking about how the diversity can and should be addressed for future
generations in children's animations is necessary.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO……………………………………………………………………… 05
2. MÉTODO…………………………………………………………………………..… 06
2.1. Delineamento do estudo ……………………………………………………………. 06
2.2. Objetivos……………………………………………………………………….…… 06
2.3. Objetivos específicos……………………………………………………..………… 06
2.4. Critério de seleção das obras abordadas………………………………………….… 07
3. DISCUSSÃO………………………………………………………………………… 08
3.1. Gênero: um conceito em construção…………………………………………..…… 08
3.2. Heróis, princesas e a heteronormatividade reforçada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 08
3.3. Vilões: cartas fora do baralho cis. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
3.4. A diversidade em cena transferida para a realidade……………………………..… 14
4. CONCLUSÕES……………..……………………………………………………… 15
5. REFERÊNCIAS………………………………………………………………….…. 16
1. INTRODUÇÃO
Fundada em outubro de 1926, a Companhia Walt Disney (The Walt Disney Company)
é uma multinacional norteamericana de entretenimento criada pelos irmãos Walt e Roy
Disney. Mais famosos por serem a maior referência em filmes de animação e de computação
gráfica, os estúdios Disney consolidaram um verdadeiro império cultural, produzindo filmes e
seriados, além de expandirem suas atividades para parques de diversões temáticos distribuídos
pelo mundo todo.
Pioneiros em suas produções cinematográficas em animação, os estúdios Disney
sempre se sobressaíram na qualidade de suas narrativas e nas tecnologias inovadoras
investidas, que abriram caminhos para que outros estúdios de animação surgissem
posteriormente. Em 1937, deram início à sequência de sucessos de bilheterias com Branca de
Neve e os Sete Anões, primeira animação da empresa, que viria a conquistar gerações de fãs
de todas as idades, ao longo de décadas, no mundo do cinema.
De todas as gerações que se encantaram com o "jeito Disney de fazer cinema",
certamente o público infanto-juvenil foi e é, até hoje, o maior foco dos produtores do estúdio.
Por meio de narrativas fantasiosas, estética colorida e números musicais diversos, as
animações Disney criaram a receita perfeita para cativar os jovens espectadores e fundar uma
legião de fãs. E é indiscutível que as mensagens e concepções veiculadas pelo estúdio através
de suas animações viriam a repercutir profunda e imutavelmente no processo de formação de
opinião das crianças.
Diante da diversidade de narrativas e de personagens exploradas no universo Disney, é
inegável que as mais variadas características e personalidades abordadas produzam efeitos
distintos nas percepções de gênero e de seus papéis sociais no imaginário do público infanto-
juvenil. E é sobre estes reflexos que este trabalho pretende se pautar.
Tendo em vista o caráter educativo dessas obras no desenvolvimento social de
crianças, faz-se necessário explorar mais atentamente os impactos de figuras de heróis,
princesas e vilões na formação de opinião de seus telespectadores, com ênfase nas
construções de imagem e gênero de suas personagens principais.
2. MÉTODO
2.2. Objetivos:
3. DISCUSSÃO
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masculino, as mulheres representadas como obesas refletem o aspecto cômico, menos atraente
e de aparência repugnante (TOWBIN ET AL, 2004).
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heróis (LI-VOLLMER e LAPOINTE, 2003). Vilões como Hades (Hércules), Juíz Frollo (O
Corcunda de Notre-Dame) e Jafar (Aladdin) são mais delgados e expressam menor força bruta
do que seus rivais. Scar, o algoz Shakespeariano de Mufasa e Simba em O Rei Leão é
indubitavelmente o oposto de seu irmão e sobrinho. Apesar de pertencerem à mesma família
de leões, Scar possui uma juba menos volumosa, de cores mais escuras e seu biotipo é mais
alongado e magro comparado aos outros leões. Ademais, os vilões tendem a ser desenhados
com diferentes tonalidades em suas faces e, por vezes, aparentam usar sombras nos olhos e
outras formas de maquiagem. Essa pintura facial realça os olhares maquiavélicos e aproxima
os vilões das figuras femininas, ao passo que os distingue ainda mais dos heróis. Os vilões
também costumam exibir cabelos mais volumosos, longos ou com penteados considerados
não-masculinos. O Governador Ratcliffe (Pocahontas) é um exemplo emblemático: ele usa
seus cabelos longos com tranças amarradas por pequenos laços vermelhos, semelhante a uma
menina.
Passando à análise dos corpos dos vilões, estes habitualmente são mais esguios e
longilíneos, não são dotados de músculos salientes e não possuem muitas partes do corpo à
mostra. Do contrário, estão na maioria das vezes trajando longas vestimentas acinturadas e
esvoaçantes. No longa Hércules, Hades apresenta uma silhueta andrógina graças a sua longa
toga, ao passo em que Zeus traja uma toga mais curta e que evidencia seu corpo musculoso.
Em Pocahontas, o Governador Ratcliffe ainda vai além, vestindo roupas típicas da aristocracia
do período das grandes navegações. Ele usa vestes púrpuras, capa, joias extravagantes,
mangas com babados e sapatos de salto. Li-Vollmer e LaPointe (2003) ainda acrescentam que
o ápice da feminização da figura de um vilão se concentra em suas mãos. Vilões possuem
mãos magras, pulsos finos e dedos alongados e pontudos, por vezes com unhas compridas, o
que lhes garante um ar ainda mais diabólico.
O comportamento dos vilões também muito difere dos heróis. Nas obras analisadas, os
vilões portam-se de forma mais contida e menos ativa do que os protagonistas. Li-Vollmer e
LaPointe (2003) reconhecem que os vilões limitam seus movimentos à parte superior de seus
troncos, quase não apresentando grandes gestos da parte inferior. O que mais chama atenção
nessas figuras são os gestos efusivos com suas mãos, que apresentam maior amplitude e
atividade mais enérgica. A postura dos vilões também é vista como mais contida. Eles
costumam se portar com a coluna ereta, pescoço alongado e ombros para trás, o que lhes
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1 Harris Glenn Milstead, conhecido por seu nome artístico Divine, foi um ator, cantor e drag queen
famoso no meio cultural e que atuou nas décadas de 60, 70 e 80. É tido como um importante ícone
cult da cultura LGBTQIA+ devido a sua performance bizarra e exagerada do feminino, seu senso de
humor irreverente e pelo teor excêntrico dos principais filmes de que participou, sob direção de John
Waters.
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4. CONCLUSÃO
Por mais que, nos últimos anos, a Disney tenha tentado se desvincular do
conservadorismo em suas obras e passado a focar na figura das heroínas protagonistas que
assumem o controle de seus destinos impondo-se contra as normas esperadas, o histórico de
longas que dialogam e frisam a heteronormatividade ainda possui um grande peso no
currículo do estúdio. Foram décadas de sucessos de bilheteria sustentados nos costumes
conservadores visando reproduzir um entretenimento de qualidade que pudesse pregar a
receita da dicotomia de gênero às crianças. Por meio de exemplos positivos e recompensas
por sua benevolência, os heróis e princesas não somente moldam o jeito de se comportar e
agir de seu público jovem como também enfatizam o que é considerado moralmente aceitável
em acordo com a cisnormatividade.
Em contrapartida, os vilões carregam consigo as mais implícitas nuances de desvio de
gênero que de forma indireta ajudam as crianças a identificar quem é bom e quem é ruim. É
evidente que essas figuras não são maléficas em si graças única e exclusivamente a estes
traços desviantes. Suas inclinações para causar sofrimento e problematizar a narrativa partem
da própria personalidade e das motivações pessoais de cada vilão. Entretanto, não se pode
ignorar o fato de que atribuir características discordantes às do gênero presumido de um vilão
tem um propósito singular de realçar as distinções que podem ser inferidas de um protagonista
e um antagonista. Ao submeter seus espectadores a essa associação de vilania com
performances gênero-discordantes, o império Disney planta a semente que estabelecerá
fundamentos na moral de cada indivíduo, que cresce acostumado a repetidas exposições de
padrões heteronormativos. Com o tempo, estas crianças desenvolverão um conceito de
“natural" ou “normal" socialmente pregado e seus desconfortos diante de figuras trans
poderão evoluir para uma transfobia velada ou mesmo explícita.
Posto isto, é de suma importância que não somente as animações infantis como todas
as demais formas de entretenimento em massa passem cada vez mais a se alinhar com a
diversidade de gênero existente na sociedade. Por meio de exemplos não-discriminatórios, as
futuras gerações poderão compreender de forma mais abrangente e inteligível a complexidade
de corpos, sexualidades e etnias que compõem o mundo contemporâneo. E talvez assim, as
figuras vilanescas não sejam mais tão aterrorizantes quanto antigamente.
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5. REFERÊNCIAS
A BELA Adormecida. Direção: Clyde Geromini, Eric Larson, Wolfgang Reitherman e Les
Clark. Produção de Walt Disney. Estados Unidos: Walt Disney Productions, 1959. DVD (88
min).
A PEQUENA Sereia. Direção: Ron Clements e John Musker. Produção de John Musker e
Howard Ashman. Estados Unidos: Walt Disney Pictures, 1989. DVD (83 min).
ALADDIN. Direção: Ron Clements e John Musker. Produção de Ron Clements e John
Musker. Estados Unidos: Walt Disney Pictures, 1992. DVD (90 min).
BELL, E.; HAAS, L.; SELLS, L. From Mouse to Mermaid: The Politics of Film, Gender, and
Culture. Bloomington: Indiana University Press, p. 1-20, 1995.
BRANCA de Neve e os Sete Anões. Direção: David Hand, William Cottrell, Wilfred Jackson,
Larry Morey, Perce Pearce e Ben Sharpsteen. Produção de Walt Disney. Estados Unidos: Walt
Disney Productions, 1937. DVD (83 min).
BUTLER, J.. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 11ª ed.. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2016. 288p.
FISKE, S. T.; TAYLOR, S. E. Social cognition. Menlo Park, CA: McGraw-Hill Book
Company, 1991.
GIROUX, H. Are Disney movies good for your kids? Kinderculture: The corporate
construction of childhood, p. 53–67, 1997.
GROSS, L. P.; WOODS, J. D. The Columbia Reader on Lesbians and Gay Men in Media,
Society, and Politics. [s.l.] Columbia University Press, p. 3-22, 1999.
HÉRCULES. Direção: Ron Clements e John Musker. Produção de Alice Dewey, Ron
Clements e John Musker. Estados Unidos: Walt Disney Pictures, 1997. DVD (93 min).
HOERRNER, K. L. Gender Roles in Disney Films: Analyzing Behaviors from Snow White to
Simba. Women’s Studies in Communication, v. 19, n. 2, p. 213–228, 1996.
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NORDEN, M. F. Introduction: The changing face of evil in film and television. Journal of
Popular Film and Television, v. 28, n. 2, p. 50–53, 2000.
O REI Leão. Direção: Roger Allers e Rob Minkoff. Produção de Don Hahn. Estados Unidos:
Walt Disney Pictures, 1994. DVD (89 min).
PINSKY, M. I. The Gospel According to Disney: Faith, Trust and Pixie Dust. Louisville:
Westminster John Knox Press, 2004.
POCAHONTAS. Direção: Mike Gabriel e Eric Goldberg. Produção de Jim Pentecost. Estados
Unidos: Walt Disney Pictures, 1995. DVD (81 min).
TARZAN. Direção: Kevin Lima e Chris Buck. Produção de Bonnie Arnold. Estados Unidos:
Walt Disney Pictures, 1999. DVD (88 min).
TOWBIN, M. A. et al. Images of gender, race, age, and sexual orientation in disney feature-
length animated films. Journal of Feminist Family Therapy, v. 15, n. 4, p. 19–44, 2004.
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