200-Texto Do Artigo-712-3-10-20170827

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Scire 

Salutis, Aquidabã, v.1, n.2, 
  setembro, 2011. 
   
RESPOSTA IMUNE CONTRA INFECÇÕES VIRAIS ISSN 2236‐9600 
RESUMO  
SEÇÃO: Artigos 
Os vírus são responsáveis por milhares de mortes no mundo todos os TEMA: Biomedicina  
anos. O HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) é atualmente o vírus que
causa mais mortes. No ano de 2004 causou 4,9% das mortes ocorridas no  
mundo (WHO 2005) e pelo menos 13320 mortes ocorridas no Brasil em
2002 (WHO 2005). Por essa razão, o estudo da interação dos vírus com  
sistema imune é de extrema importância. Os vírus têm como característica DOI: 10.6008/ESS2236‐9600.2011.002.0004 
marcante a obrigatoriedade de parasitar uma célula, para iniciar e  
completar seu ciclo de proliferação. Essa necessidade se dá, pois os vírus  
apenas possuem a informação genética mínima para realizarem sua
duplicação. Essa informação está contida em moléculas de DNA ou RNA e  
para que essa informação seja transformada em ação, isto é, para que as  
proteínas codificadas pelos ácidos nucléicos sejam produzidas, os vírus
têm que necessariamente manipular e utilizar a maquinaria celular a fim de Julio Cesar Cetrulo LORENZI  
completar seu estágio de reprodução. O sistema imunológico humano http://lattes.cnpq.br/2178004203327401  
tenta de diversas maneiras inibir esse ciclo, seja neutralizando os vírus julioclorenzi@gmail.com    
pela produção de anticorpos ou ativando diferentes tipos de resposta  
imune contra os mesmos. Nesta revisão serão abordados os aspectos Arlete Aparecida Martins 
mais importantes da resposta imune contra as infecções virais e os
mecanismos que os vírus utilizam para escapar dessa defesa do COELHO‐CASTELO  
hospedeiro. http://lattes.cnpq.br/0762754534759707  
accastel00@gmail.com 
PALAVRAS-CHAVE: Vírus; Sistema Imunológico; Mecanismo de Evasão.  
 
IMMUNE RESPONSE AGAINST VIRAL INFECTION  
 
ABSTRACT
 
The viruses are responsible for thousands of deaths worldwide every year.  
HIV (Human Immunodeficiency Virus) is currently the virus that causes a  
high number of deaths. In 2004, it was responsible for 4.9% of deaths in
the world (WHO 2005) and at least 13,320 deaths in Brazil in 2002 (WHO  
2005). For this reason, the study of the interaction of viruses with the Recebido: 16/07/2010 
immune system is very important. The hallmark of the viruses are the Aprovado: 30/09/2011 
requirement to infect a cell to start and complete its proliferation cycle. That
occurs because the viruses only have minimal genetic information to make  
its duplication. This information is enclosed in molecules of DNA or RNA.  
So, when a virus infects cells the proteins encoded by nucleic acids are
produced and the viruses have to necessarily manipulate and use the  
cellular machinery in order to complete its stage of reproduction. The  
human immune system tries to inhibit the various forms of the virus cycle,  
either by neutralizing the virus by the production of antibodies or enabling
the immune system to produces different types of molecules against them.  
In this review, the most important aspects of immune response against  
viral infections and the mechanisms that viruses use to evade the host
defense will be considered.  
 
KEYWORDS: Virus; Immune System; Escape Mechanisms.
Referenciar assim: 
 
LORENZI, J. C. C.; COELHO‐CASTELO, A. A. 
M.. Resposta imune contra infecções virais. 
Scire Salutis, Aquidabã, v.1, n.2, p.35‐44, 
2011. 
LORENZI, J. C. C.; COELHO‐CASTELO, A. A. M. 

INTRODUÇÃO

Os vírus são pequenos agentes subcelulares que não são capazes de se multiplicar fora
de uma célula hospedeira (parasitismo intracelular obrigatório). Cada vírus é composto por dois
tipos de estruturas; O capsídeo viral e o ácido nucléico. Os ácidos nucléicos contêm a informação
genética necessária para programar as maquinaria de síntese protéica da célula hospedeira para
a replicação viral sendo que o vírus pode conter DNA (Ácido Desoxiribonucléico) ou RNA (Ácido
Ribonucléico), em todas as configurações possíveis, isto é, DNA ou RNA positivo ou negativo,
sense ou anti-sense. O capsídeo viral é composto por proteínas que têm duas funções principais:
em primeiro lugar, proteger os ácidos nucléicos dos insultos do ambiente extracelular, como
nucleases; segundo, permitir a ligação do capsídeo à membrana da célula hospedeira. Após a
interação do capsídeo viral com a célula hospedeira ocorre a penetração do genoma viral e
posteriormente a replicação do vírus na célula parasitada.
Essa replicação depende da produção de diversos componentes dentro da célula, que em
seguida são montados para formar novas partículas virais. Este tipo de replicação é exclusivo
para os vírus e os distingue de todos os outros parasitas intracelulares. A estrutura básica do vírus
permite que sejam simultaneamente flexíveis e seletivos. Muitos genomas virais são muito
adaptáveis, uma vez que eles tenham penetrado na membrana celular, a replicação viral pode
ocorrer em quase qualquer célula. Por outro lado, os vírus são também muito seletivos uma vez
que a maioria deles pode infectar apenas uma gama limitada de tipos de células. Esta seletividade
existe em grande parte devido à penetração dos ácidos nucléicos que normalmente exige uma
reação específica para a fixação do capsídeo à membrana celular do hospedeiro.
Embora algumas infecções virais possam ter um caráter não muito letal para as células
hospedeiras, a sua multiplicação intracelular geralmente provoca danos ou morte, no entanto, uma
vez que dependem dos hospedeiros para sua sobrevivência, os vírus tendem a estabelecer
infecções leves em que a morte do hospedeiro é mais uma aberração do que um resultado
regular. Notáveis exceções são o HIV, vírus Ebola, Hantavírus e Vírus da raiva que podem
eliminar o hospedeiro após uma infecção aguda. Esses caracteres dimensionam a evolução desse
vírus. Uma teoria corrente na virologia diz que quanto mais ‘evoluído’ é o vírus menor é sua
letalidade (COFFIN et al. ,1997).
Os vírus são distintos entre os microorganismos na sua extrema dependência das células
do hospedeiro. Uma vez que um vírus deve crescer dentro de uma célula hospedeira, os vírus
devem ser considerados conjuntamente com o seu hospedeiro em qualquer consideração sobre
patogênese, epidemiologia, resposta imune ou terapia. Por exemplo, os Rhinovirus exigem uma
temperatura não superior a 34°C; esta exigência restringe o seu crescimento perfeito somente às
células na camada exterior da mucosa nasal, impedindo assim a propagação de células mais
profundas onde as temperaturas são mais elevadas (BARON et al., 1996).

 
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Resposta imune contra infecções virais 

Dessa forma a resposta imune deve sempre se adaptar as características de cada infecção
viral buscando sempre o controle do crescimento desse agente infeccioso. Os próximos tópicos
vão relacionar as principais características da resposta imune contra as infecções virais.

DISCUSSÕES

Resposta Imune Inata

A maioria dos vírus infecta seus hospedeiros pelas mucosas, principalmente pelas vias
aéreas, o trato gastrintestinal e o trato urogenital. Desse modo a primeira barreira contra a
infecção é a queratina da pele, uma vez rompida essa barreira as células de Langherans
presentes na derme podem capturar o agente invasor, dando inicio a resposta imune. Outro fator
de proteção importante presente nas mucosas, são os ambientes ácidos existentes na mucosa
gástrica e no ambiente vaginal os quais atuam como barreiras químicas contra a penetração dos
vírus. Outro mecanismo de defesa contra os vírus são as defensinas, proteínas expressas por
células epiteliais e neutrófilos. Esses polipeptídios formam poros em membranas ricas em
fosfolipídios aniônicos como as dos vírus causando a destruição dos mesmos (TANG et al., 1999).
Passadas essas primeiras barreiras os vírus tem como objetivo final penetrar nas células,
normalmente essa ação é mediada por interação com receptores específicos expressos pelo tipo
celular ao qual o vírus é específico, esse é o chamado tropismo celular, isto é, cada vírus tem uma
especificidade para sua célula alvo. O mecanismo de interação com receptores pode explicar o
tropismo dos vírus por determinadas espécies e até por determinadas células. Um exemplo
clássico desse tipo de tropismo é o do vírus que causa a Poliomielite, conhecido como Poliovirus,
que só infecta humanos e camundongos transgênicos que expressam o receptor para esse vírus
chamado Polioreceptor (MENDELSHON et al., 1989).
Outro exemplo de interação com receptores celulares ocorre na infecção pelo vírus HIV.
Esses vírus penetram em linfócitos da linhagem T CD4+ através da interação de uma
glicoproteína viral com o receptor CD4 e os receptores de quimiocina CCR5 e CXCR4, presentes
nessas células. Pesquisas demonstram que humanos desprovidos de CCR5 têm maior resistência
contra a progressão da infecção pelo HIV (MARTIN et al., 1998). A infecção pelo vírus HIV leva a
destruição dos linfócitos T CD4 por efeito citopático do vírus, induzindo apoptose nessas células.
Em conseqüência ocorre uma diminuição da quantidade de células T CD4+, associada a uma
diminuição de IL-12 (Interleucina 12), TNF-alfa (Fator de Necrose Tumoral Alfa e IFN-gama
(Interferon Gamma). Com a diminuição desse tipo celular, que tem grande importância nas
infecções causadas por patógenos intracelulares, a evolução da doença leva a um quadro de
infecções oportunistas causadas por Mycobacterium tuberculosis, Pneunocistis carinii,
citomegalovirus, Candida albicans e Criptoporidium sp. De forma contrária a infecção causada
pelo vírus HTLV-1 (Vírus Linfotrófico Humano do Tipo I) induz uma intensa ativação e proliferação
 
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dos linfócitos T infectados devido ação da proteína Tax viral que interfere com a produção de IL-2
(Interleucina 2), citocina que induz a proliferação de linfócitos. Esse descontrole pode levar ao
aparecimento de leucemias em células T de adultos ou autoimunidade (BARMAK et al., 2003).
Dentro da imunidade inata, deve-se destacar a importância dos receptores do tipo Toll
(TLR). Esses receptores presentes em vários tipos de células do sistema imune são capazes de
ativar essas células gerando uma potente resposta imune (ABBAS, 2008). Existem 7 tipos de TLR
envolvidos na resposta contra vírus (FINBERG et al., 2007). Esses TLRs têm como principal alvo
de reconhecimento os ácidos nucléicos. Devido à grande variação do tipo de ácido nucléico que
os vírus podem conter, o sistema imune desenvolveu variações de TLRs específicas para cada
tipo de DNA ou RNA presente nos mesmos. A tabela 01 mostra uma relação entre o vírus, o tipo
de ácido nucléico presente nos mesmos, e o tipo de TLR que reconhece esse vírus.

Tabela 01: Receptores do tipo Toll associados a vírus.


Genoma Viral Receptor do tipo Toll

TLR2 TLR7/8 TLR9 TLR3

HSV HSV
DNA VZV CMV MCMV
HCMV
MCMV
RNA dupla Fita REO
RNA simples fita + Measles
Coxsackie B
RNA simples fita - VSV Sendai VSV West Nile
Influenza
Ambi sense RNA LCMV LCMV
HCMV - Citomegalovirus Humano; HSV - Vírus Herpes Simplex; MCMV - Citomegalovirus Murino; Reo -
ReoVirus; Measles - Vírus da Rubéola; West Nile - Vírus do Oeste do Nilo parte do complexo do Vírus da
Encefalite Japonesa; LCMV - Vírus da Coriomeningite Linfocítica.

Toda essa variedade de TLRs é importante para que o sistema imune se mantenha
informado e responda às infecções virais de maneira adequada. Vírus que possuem RNA de
dupla fita são reconhecidos pelo TLR3 que leva a uma cascata de respostas que culmina na
produção de IFN do tipo I principalmente pelas células dendríticas, outro tipo celular de grande
importância na resposta imune. Já vírus que apresentam RNA de simples fita ou que tem
modificações CPG em seu DNA, são reconhecidos pelos TLR7/8 e TLR9 respectivamente. Esse
tipo de reconhecimento também leva a produção de IFN-α (Interferon Alfa) principalmente pelas
células dendríticas plasmocitóides, como ocorre em infecções pelo vírus do Herpes simplex do
tipo 1 causador de encefalite (AKIRA et al., 2007). Porém essas vias de reconhecimento viral
podem se somar, pois os vírus que contém DNA obrigatoriamente têm uma fase de seu
desenvolvimento intracelular em que a produção de RNA de simples fita é necessária para a
produção de suas proteínas, o que também ocorre com os vírus que contém RNA de dupla fita
(BARBER et al., 2001).

 
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Outro tipo de interação com TLR é causada, por exemplo, pelo MCMV (Citomogalovirus
Murino), reconhecido pelo TLR2, presente na membrana celular, e também por TLR 3 e 9
intracelulares. Essas interações causam uma resposta imune baseada na produção de citocinas
inflamatórias, principalmente TNF α, IL-1(Interleucina 1), IL-6 (Interleucina 6), IL-12 (Interleucina
12), IL 15 (Interleucina 15), IL18 (Interleucina 18) e a quimiocina MIP 1- Proteína Inflamatória
de Macrófagos 1 Alfa). Camundongos geneticamente modificados para não expressarem TLR 3
ou 9 são mais susceptíveis à infecção causada pelo MCMV, devido principalmente a diminuição
da produção de interferon do tipo I e de IL-12. Por outro lado, quando o camundongo é modificado
para TLR2, a susceptibilidade diminui devido a falta de ativação de células NK. Portanto esses
três receptores têm uma importante ação conjunta na resposta contra o MCMV. Qualquer tipo de
anomalia em um desses receptores tem como conseqüência uma resposta falha contra esse tipo
de vírus (VIDIGAL et al., 2006).
Recentemente foram descobertos outros mecanismos de interação vírus célula os quais
são independentes de receptores do tipo Toll. Um desses mecanismos tem como base a interação
da proteína citoplasmática RIG-I (gene induzido por acido retinóico I) com RNA de dupla fita, essa
interação tem como conseqüência a produção de interferon do tipo I. De modo semelhante atua a
proteína MDA-5 que interage com poly I:C e também leva a produção de INF tipo I (AKIRA et al.,
2007).
A partir da produção de interferons de tipo I e citocinas inflamatórias ocorre a ativação das
células matadoras naturais ou NK (Natural Killer). Essas células têm grande importância na
resposta imune inata contra vírus, pois são capazes de eliminar células infectadas por esse
patógeno. A interação com a célula parasitada somada ao sinal proveniente das citocinas
inflamatórias induz a célula NK a liberar seu conteúdo citolítico de perforinas e granzimas que
levarão à morte da célula infectada (DOMMELEN et al., 2006). Outro mecanismo utilizado pelas
células NK para inibir a infecção viral é a lise de células que não expressam MHC de classe I, uma
vez que a expressão dessa molécula pode ser inibida pelo vírus infectante, esse mecanismo de
alteração da apresentação de antígeno será discutido posteriormente. Dessa forma pode-se
perceber que a resposta imune inata tem diferentes maneiras de reconhecer e combater a
infecção viral, porém os vírus sempre tentam escapar dos ataques dessa primeira linha de defesa
do sistema imune, por isso o sistema imune tem que ativar um tipo de resposta mais potente a
resposta imune adaptativa.

Resposta Imune Adaptativa

Muitos vírus conseguem sobrepujar a resposta imune inata devido principalmente a sua
alta taxa de replicação, por isso, paralelamente à resposta inata, também ocorre a ativação da
resposta antígeno específica. Normalmente células dendríticas e macrófagos realizam esse papel.
Devido à natureza de infecção intracelular dos vírus, os antígenos dos mesmos são apresentados
 
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principalmente em contexto de MHC de classe I desencadeando uma resposta de linfócitos T


CD4+. A ativação desse tipo de linfócito pode seguir diferentes caminhos dependendo do
ambiente da infecção. Esse ambiente é formado por todos os fatores imunológicos presentes no
sítio da infecção como citocinas, quimiocínas, hormônios, glicose e oxigenação local. Atualmente
são conhecidos diversos padrões de resposta imune adaptativa como Th1, Th2, Th17, Th0. A
decisão do sistema imune por seguir algum desses caminhos depende dos fatores imunes citados
anteriormente. Já se sabe que a maioria das infecções virais induz a produção de interferons
pelas células NK, esse fato leva a uma preferência para ativação do padrão Th1. No entanto
podem ocorrer respostas mistas, como no caso do vírus da rubéola que induz uma resposta do
padrão Th1 no inicio da infecção, já na fase final da doença essa resposta muda para o padrão
Th2 (KARP et al., 1996).
Porém, o mecanismo de defesa mais ativo contra a infecção viral é o mediado por linfócitos
T CD8+ específicos. Esse tipo celular tem a capacidade de reconhecer as células infectadas,
eliminando-as por indução de apoptose ou pela liberação de proteínas citolíticas como a perforina.
Outra propriedade dessa célula, na infecção viral, é a produção de interferon gama que reduz
diretamente a replicação de certos vírus com o LCMV (Vírus da Coriomeningite Linfocítica) e o
HBV (Vírus da Hepatite B) (KAPLAN et al., 2000).
Outro mecanismo da imunidade adaptativa contra vírus também muito eficiente é a
produção de anticorpos. Essa produção é realizada pelas células B do sistema imune e depende
da captura do vírus por essa célula, reconhecimento das proteínas virais e conseqüente produção
de proteínas (anticorpos) específicas para cada tipo de vírus. Os anticorpos antivirais atuam
principalmente como moléculas neutralizantes, isto é, os anticorpos evitam a ligação do vírus ao
seu receptor específico, na célula hospedeira, impedindo a posterior entrada do vírus nessa
célula. Anticorpos do tipo IgA são importantes para a neutralização de vírus que entram em
contato através das mucosas respiratória e intestinal. Além da neutralização, os anticorpos podem
ter a ação de opsonização das partículas virais facilitando a fagocitose desses vírus. Por fim os
anticorpos também podem ativar a via clássica do complemento levando a lise das cápsulas virais
um exemplo dessa inativação ocorre na infecção pelo Papiloma vírus Humano (HPV), causador
do câncer cervical, que é decorrente da ação de IgA e IgG, presentes mucosa cervical. Entretanto,
essas atividades dos anticorpos ocorrem somente na fase extracelular do ciclo viral, pois nela os
vírus estarão expostos aos anticorpos que normalmente circulam no sangue ou na linfa (ABBAS et
al., 2008).

Mecanismos de Escape Viral

Os vírus, especialmente os maiores e mais complexos que carregam moléculas de DNA,


tem diversas estratégias para escaparem do sistema imune. Uma delas é camuflar sua identidade
por meio de mutações. Essa variação genética, em geral, leva à mudança de antígenos presentes

 
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na da cápsula viral inibindo ação de anticorpos previamente formados. A infecção de células que
não são alvo para o sistema imune, por exemplo, os neurônios, também é um mecanismo de
escape. A Raiva Canina causada pelo Rhabdovirus infecta células nervosas, uma vez ocultos
nessas células podem causam sérias conseqüências como a encefalite que decorre da inflamação
dos tecidos nervosos. O mecanismo de escape pode ser direto também pois alguns vírus infectam
e matam células do sistema imune. O mais conhecido exemplo desse tipo de escape é o vírus
HIV-I causador da AIDS ou SIDA (Síndrome da imunodeficiência adquirida). Como já descrito
anteriormente esse vírus interage especificamente com linfócitos T CD4+. Essa infecção
específica proporciona ao vírus uma grande vantagem, pois a ausência desse tipo celular leva a
diminuição da produção de IL-2 e de seu receptor, levando a uma menor proliferação de outros
tipos celulares do sistema imune (PAUL et al., 2001).
Dentre os processos imunes, a apresentação de antígeno é a etapa na qual mais tipos
virais podem interferir. O processo de apresentação antigênica é um evento chave para uma
perfeita ativação do sistema imune e conseqüente controle da infecção viral. Como descrito na
tabela 02 muitos vírus alteram diversas etapas desse processo, desde o processamento dos
antígenos virais até a montagem e expressão na membrana plasmática, principalmente das
moléculas de MHC de classe I. Porém já foi demonstrada a interferência de vírus em algumas
etapas da formação de moléculas de MHC de classe II. Desse modo pode-se dizer que os vírus
tiveram um co-evolução com seus hospedeiros, pois interferem em pontos específicos da defesa
destes contra o crescimento viral (PAUL et al., 2001).

Tabela 02: Inibição da apresentação de Antígeno inibida por vírus


Vírus Proteínas Virais Função
Lentivirus Vpu Inibição síntese da molécula MHC de Classe I
HCMV US6 Inibição de TAP
HSV ICP47 Inibição de TAP
EBV Homolog IL-10 Inibição da expressão de TAP
HCMV UL111A Homólogo de IL-10 que inibe a expressão de TAP
HCMV US3 Retêm a molécula de MHC de classe I no retículo
endoplasmático
Adenovirus E3-19K Retêm a molécula de MHC de classe I no retículo
endoplasmático
MCMV M152 Retêm a molécula de MHC de classe I no
compartimento pré-golgi
HVMV US11, US2 Desloca a molécula de MHC de classe I para o
citoplasma
MCMV M6/gp48 Desloca a molécula de MHC de classe I para o
lisossoma
MCMV gp34 Liga a molécula de MHC de classe I na superfície
celular
HIV-I NEF Aumenta a endocitose de moléculas de MHC de classe
I
HHV-8 K3, K4 Aumenta a endocitose de moléculas de MHC de classe
I
EBV, Vírus Epsten Barr; ER, Retículo endoplasmático; HCMV, Citomegalovirus Humano; HHV-8,
Herpesvirus Humano 8; HIV-I Vírus da Imunodeficiência Humana; HSV, Vírus Herpes Simplex; ICP47,
Proteína de Célula Infectada 47; IL-10, Interleucina 10; MCMV, Citomegalovirus Murino; MHC, Complexo de
histocompatibilidade; TAP, Transportador associado ao processamento antigênico.
 
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Por fim deve-se salientar a mais importante característica de escape dos vírus contra a
resposta imune: a extraordinária capacidade mutagênica viral. Diversos mecanismos de controle
da infecção viral dependem do reconhecimento de padrões protéicos presentes nos vírus pelo
sistema imune. Seja para o reconhecimento pelos TLR, seja para a produção de anticorpos ou
mesmo na resposta imune mediada por apresentação de antígenos, as células do sistema
imunológico tem que reconhecer determinadas proteínas nos vírus e produzir uma resposta imune
específica para essas proteínas. É nesse ponto que os vírus se diferenciam de outros patógenos.
Devido a sua pequena complexidade em termos de conteúdo de ácidos nucléicos os vírus em
geral têm uma grande capacidade de mudar, ou seja, gerar mutações em seu conteúdo de ácido
nucléico seja ele DNA ou RNA. (BRUMME ZL et al., 2008).
Essa capacidade limita grandemente a ação do sistema imune contra a infecção viral, visto
que o grande alvo das células imunes: as proteínas virais mudam quando ocorre a mutação no
genoma viral. Mais uma vez temos como um exemplo impar de capacidade viral o vírus HIV-I. O
vírus causador da AIDS tem mutações freqüentes e assim tende a fugir da resposta imune. Essa
capacidade é relacionada com seu conteúdo genético capaz de gerar mudanças nas proteínas
que constroem o capsídeo viral impedindo a construção de uma resposta imune específica. Desse
modo muitas infecções virais têm um comportamento cíclico, pois tem um pico de infecção
seguido pela formação de uma resposta imune que tende a eliminar a infecção, porém quando a
resposta imune montou uma resposta específica os vírus podem gerar mutações gerando um
novo pico de infecção que leva a um recomeço da resposta imune. No caso do vírus da AIDS
esses picos de infecção podem ter intervalos longos ao longo dos anos, pois o sistema imune
tende a controlar os primeiros tipos virais, porém com o tempo e com o acúmulo de mutações os
vírus mudam de uma forma decisiva e fogem da resposta gerando um pico de infecção decisivo.
No caso do HIV esse pico de infecção gera a destruição das células T CD4+ e com isso o
hospedeiro fica totalmente susceptível a infecções oportunistas como a Tuberculose. Geralmente
essas infecções levam o paciente a óbito mascarando assim a real causa da falência do sistema
imune (STREECK et al., 2008).

CONCLUSÕES

Diante do exposto fica patente que o sistema imune tem uma grande capacidade de
impedir a proliferação viral. As diferentes células componentes desse sistema têm variadas formas
de evitar o aprofundamento da infecção viral. Na resposta imune inata a principal arma imune é a
degradação das células infectadas e o reconhecimento dos vírus pelos receptores das células
imunes. Já na resposta imune adaptativa ocorre a produção de anticorpos neutralizantes e a
produção de células específicas capazes de impedir a disseminação da infecção. Porém os vírus
têm uma grande capacidade adaptativa, seu mecanismo de infecção tem a capacidade de se

 
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moldar a resposta imune de forma a sobrepujar a mesma, levando a uma doença crônica. Cabe
ressaltar, a capacidade de mutação que os retrovírus, como o HIV, apresentam, escapando da
resposta imune formada e se tornando resistente a algumas drogas anti-virais. Dessa forma
confirmamos a necessidade do aprofundamento das pesquisas sobre a interação vírus-sistema
imune, importante para o desenvolvimento de terapias mais eficazes para o controle das infecções
virais.

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