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O

SOCIALISMO
EA
EDUCAÇÃO DOS FILHOS
SUMÁRIO
Nota Sobre o Autor .................................................................................. 3
Primeira Conferência - Condições Gerais da Educação Familiar ............ 26
Segunda Conferência - A Autoridade dos Pais ....................................... 39
Terceira Conferência - A Disciplina ........................................................ 54
Quarta Conferência - Os Jogos ............................................................... 72
Quinta Conferência - A Economia e a Vida Familiar ............................... 87
Sexta Conferência - Educação para o Trabalho .................................... 102
Sétima Conferência - A Educação dos Hábitos Culturais...................... 118
Oitava Conferência - A Educação Sexual .............................................. 133
NOTA SOBRE O AUTOR
Ao julgar Makarenko, podemos incorrer em dois erros
opostos. Podemos cometer o erro de considerá-lo como o criador
de um "sistema pedagógico” pessoal, de uma "experiência
pedagógica” ligada essencialmente à sua personalidade, e que, por
isso mesmo poderia ter-se desenvolvido em Genebra ou em Paris,
Poltava ou Karkov, e tanto há cinquenta anos como em nossos dias.
Também se pode cometer o erro oposto: o de reduzir toda a
pedagogia soviética ao pensamento de Makarenko, identificando-
a com suas ideias e suas experiências educativas, é certo que a
pedagogia de Makarenko é uma parte, e muito importante, da
pedagogia soviética: suas experiências e suas conclusões são
fundamentais e, podemos dizer, modelares no desenvolvimento da
escola e da pedagogia socialistas. Mas são sempre uma parte, não
tudo; uma experiência e uma fase, não um surpreendente sistema
fechado e definitivo. Em poucas palavras, pensamos que Anton S.
Makarenko pode ser definido como a mais forte e rica
personalidade da escola e da pedagogia soviéticas em suas
primeiras fases de desenvolvimento, desde a Revolução de
Outubro até a vitória da edificação do socialismo (1936).

A personalidade de Anton Semiônovitch é


extraordinariamente forte, rica e apaixonada. Makarenko
desenvolve nos cinquenta e um anos de sua curta, mas intensíssima
vida (1888-1939), um imenso trabalho. Em primeiro lugar estão
suas duas grandes experiências, ou melhor, seus dois grandes
"poemas pedagógicos”: a Colônia Górki, para menores
delinquentes, transformada em poucos anos em uma coletividade

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laboriosa, sadia e feliz (1920-1927); na Comuna Dzerjinski (1927-
1935), na qual o menino abandonado o besprizorniki, torna-se, sob
a direção de Anton Semiônovitch, operário culto e altamente
qualificado, construtor de modernos implementos industriais
(verrumas elétricas, aparelhos fotográficos). A estas grandes
experiências estão ligadas as duas obras narrativas mais
importantes de Makarenko: Poema Pedagógico (1935), de que
falaremos a seguir, e Bandeiras Sobre as Torres (1958). Em seguida,
está uma verdadeira série de obras literárias menores, não só
novelas e relatos pedagógicos, como também, por exemplo, obras
teatrais (destinadas ao conjunto de amadores de sua colônia, pois
Anton Semiônovitch considerava o teatro como poderoso meio de
educação dos jovens e do povo), e roteiros cinematográficos.
Ligados a elas estão também seus artigos, discursos, intervenções,
ensaios, etc. Testemunhas da infatigável atividade de Makarenko
como organizador e propagandista da educação socialista. Está,
enfim, sua obra sistemática, certamente incompleta, dos últimos
anos, e em primeiro lugar Conselhos aos Pais no qual Anton
Semiônovitch alcança a completa maturidade, sintetizando e
aprofundando a grande experiência educativa dos primeiros vinte
anos da escola e da sociedade soviéticas.

A obra de Makarenko se torna mais concreta volume após


volume e sobre ela muitos volumes foram escritos; não podemos
pretender de modo algum, seja explicá-la, nem sequer resumi-la
em breve intervenção neste Encontro. Podemos, apenas, procurar
dar algumas perspectivas ou esboços dessa intensa atividade
criadora.

4 | ANTON MAKARENKO
Anton S. Makarenko continua uma grande tradição
pedagógica progressista da Rússia e vem somar-se também — não
sem atravessar duras polêmicas — à pedagogia de vanguarda da
Europa Ocidental dos últimos cento e cinquenta anos.

Quando falamos de uma tradição pedagógica progressista


russa não queremos referir-nos aos estudiosos da pedagogia de
1800 (que também mereceriam um cuidadoso estudo), e sim da
corrente literária russa do século XIX, que, em sua luta
democrática, elevava a primeiro plano o problema da instrução e
da educação.

É um filão da literatura democrática russa ainda


insuficientemente conhecido na Itália. Vê-se, de um lado, a luta
contra a escola do envilecimento da época tszarista, a denúncia da
opressão e do sufocamento do ser humano, que assume particular
aspereza e eficácia no Retrato do Seminário, de Pomiálvski. Por
outro lado, começa a surgir o homem novo, o revolucionário que
luta por libertar a humanidade humilhada e se converte no mestre
da nova vida, como Rachmelon em Que Fazer?, de Tchernitchévski;
como os heróis de alguns contos famosos de Turguenev ou
Nekrássov; como Pável, o herói operário de A Mãe de Górki.

"Nossa literatura passada, de Pomialvski a Tchekov


forneceu uma amplíssima galeria de retratos com
pedagogos de palmatória, burocratas desalmados e
de homens ressentidos. Mas, nessa literatura de
ficção ou biográfica, brilha, embora rápida e
episodicamente, aqui e ali, a figura do professor que

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ama seus alunos, compreendendo que as crianças
de hoje serão os construtores de uma vida nova.”

Isto dizia Máximo Górki no discurso pronunciado na reunião


dos sovietes em 1929; e pensava seguramente também em seu
amigo e discípulo Anton Semiônovitch, com que se havia
encontrado pouco antes, ao visitar a colônia que tinha o seu nome:
Colônia Górki.

Justamente, Górki conclui e resume a literatura democrática


de interesse pedagógico do século XIX na Rússia e a que já nos
referimos. A obra literária de Górki tem extraordinária importância
para a pedagogia soviética. O herói operário, o homem do povo
ligado ao povo, que se forma e amadurece através de sofrimentos
e de dura luta, que vê na libertação de todos os trabalhadores a sua
própria: este é o protagonista das novelas de Górki, este é o próprio
Górki, homem do povo, professor, amigo e poeta do povo. Em seu
pensamento se encontra já a ideia central que guia a obra
pedagógica de Makarenko e a pedagogia soviética:

"Antes... educava-se o homem individualista. Nós


somos inimigos do individualismo burguês.
Esforçamo-nos por criar o homem coletivista,”
(Górki, 1952).

E o próprio Górki encarna já o homem novo.

A trilogia autobiográfica de Górki teve enorme importância


para Makarenko e seus a!unos. O próprio Makarenko descreve as
impressões que a leitura de Infância e Entre Estranhos produziu nos
rapazes da colônia que logo tomará o nome de Górki.

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"Os rapazes ouviram-na prendendo a respiração e
pedindo que continuássemos a leitura, mesmo que
fosse ‘até às doze horas’. A princípio, não me
acreditavam quando lhes contava a história da vida
real de Górki. Ela os deixava estupefatos; mas, logo
se sentiram atraídos por esta pergunta: — ‘Então,
Górki é como nós? Isto é formidável!’ Isto
despertou neles profunda e alegre emoção. A vida
de M. Górki tornou-se parte integrante de nossa
vida. Alguns de seus episódios se transformaram
em elementos de comparação, base para diversos
apelidos, temas para discussões, escalas para
medição da qualidade humana.” (Poema
Pedagógico.)

Através do intercâmbio epistolar e do contacto direto, Górki


muito ajudará Makarenko e seus rapazes a encontrar seu caminho,
o caminho da educação soviética. No início de sua atividade,
naquele mês de setembro de 1920, que viu o "começo inglório da
Colônia Górki"(1) Makarenko, e como ele a maioria dos pedagogos
soviéticos, era todo ímpeto, capaz de qualquer esforço ou
sacrifício; mas suas ideias sobre a teoria pedagógica eram
extremamente confusas. A luta pela liquidação da velha escola com
seus princípios e métodos autoritários e brutais, de disciplina
passiva e humilhante, característica da "educação cara ao tzar e ao
Santo Sínodo", levara a escola soviética do primeiro ano depois da
revolução à afirmação dos métodos e das teorias libertárias. Esta
"onda libertária" foi positiva no sentido em que destruiu
rapidamente os resíduos daquele espírito de humilhação, de

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submissão passiva, de personalidades apagadas, que tornavam
sufocante a velha "escola dos súditos". Mas, ao mesmo tempo, e
por esse mesmo motivo, firmou-se como teoria pedagógica
"revolucionária" a teoria do desenvolvimento espontâneo e livre da
personalidade humana; e como modelo de educação nova, livre e
progressista, alguns propunham o Emílio de J. J. Rousseau.

Emílio — lembrai-vos? — é afastado da sociedade familiar


normal para ser educado em contacto com a natureza, em absoluta
"liberdade". Sua primeira leitura, e por muitos anos a única, é o
Robinson Crusoe: a epopeia do homem só frente a natureza, é o
ideal do homem livre concebido como homem solitário, próprio da
sociedade capitalista. Historicamente progressista, como
rompimento com o conformismo feudal e jesuítico, o naturalismo
rousseauniano, consequentemente, representa uma ideologia
retrógrada, reacionária na construção da nova sociedade socialista,
que não se baseia no homem individualista, mas no homem
coletivista, no cidadão trabalhador.

Makarenko elaborou e fundiu a fogo vivo sua crítica a


Rousseau, à teoria naturalista do desenvolvimento espontâneo e
ao individualismo na educação, através de dura luta contra os
pedagogos de escritório (o "Olimpo pedagógico”, usando uma
expressão de Makarenko), crítica que termina, pode-se dizer, em
1933-36. Seu trabalho mais longo, o Poema Pedagógico, se
contrapõe consciente e explicitamente ao Emílio, como o poema
do coletivo contra a utopia do homem solitário, como a exaltação
da nova sociedade educadora contra o mito de uma educação
puramente natural.

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"Vivi durante alguns anos — diz Makarenko em um
de seus discursos em 1938 — cheio de ódio contra
os pedólogos (como a si próprios chamavam os que
apoiavam a teoria naturalista e libertária). Foi o
período em que escrevi a primeira parte do Poema
Pedagógico. Em particular, meu sentimento se
voltava diretamente contra Rousseau.”

O que diziam os pedólogos? O que afirmavam as divindades


do Olimpo pedagógico? De acordo com o Olimpo:

"a criança era considerada como um ser enchido


por um gás de composição especial, cujo nome nem
sequer tiveram tempo de estabelecer... Supunha-
se, como hipótese de trabalho, que este gás possuía
a faculdade de se desenvolver sozinho, não se
devendo, por isso, colocar-lhe obstáculos. Muitos
livros se escreveram a respeito, mas todos eles,
afinal de contas, repetiam as máximas de Rousseau:

‘Tratai com veneração a infância...

‘Temei opor obstáculos à natureza...’

O dogma básico desta doutrina era o de que,


respeitando estas condições de venerarão e
previsão ante a natureza, do gás acima mencionado
obrigatoriamente sairia uma personalidade
comunista. Mas, na realidade, nas condições da
natureza pura, surgia unicamente o que podia

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brotar naturalmente, isto é, as vulgares ervas
daninhas do campo.” (Poema Pedagógico.)

A crítica radical de Makarenko à teoria do desenvolvimento


espontâneo, da não-intervenção do adulto, etc., não era uma
critica preconcebida, mas que se desenvolveu através da
experiência. É interessante fazer notar que Anton Semiônovitch,
nos primeiros meses "inglórios” da Colônia Górki, buscou uma
orientação, uma ajuda nos clássicos da pedagogia, de Rousseau a
Pestalozzi. "Nunca lera em toda a minha vida tanta literatura
pedagógica como no inverno de 1920” — diz ele nas primeiras
páginas do Poema Pedagógico. Foi seu instinto de educador, sua
necessidade de não permitir que a colônia nascente se
transformasse em um "ninho de bandidos", que o levaram a tomar,
cheio de ansiedade e de dúvidas, um caminho oposto; pressente
que a crítica é feita em primeiro lugar pela realidade na ação
pedagógica cotidiana e somente mais tarde, se torna consciente. O
instinto de educador e o instinto de classe (Makarenko nasceu de
família proletária, conservando em sua atividade os costumes, a
mentalidade, a sólida objetividade próprias do operário) levaram-
no a criticar com fatos a teoria da não-intervenção e da
autodisciplina: intervindo com vigor, exigindo uma disciplina
coletiva. O problema da disciplina é o que em primeiro lugar leva
Makarenko às suas novas posições. Os partidários da não-
intervenção do adulto procuravam escudar-se na palavra de ordem
de Lênin: "disciplina consciente".

"O que significa ‘disciplina consciente’? — diz


Makarenko —. Para qualquer pessoa de senso
comum estas palavras encerram uma ideia simples,

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compreensível e praticamente indispensável; a
disciplina deve ser acompanhada da compreensão
de sua necessidade, utilidade, de seu caráter
obrigatório, de seu sentido de classe. A teoria
pedagógica dava-lhe sentido completamente
diverso; a disciplina não devia surgir da experiência
social nem da atividade prática e amistosa da
coletividade, mas da consciência pura, do mero
convencimento intelectualista, da emanação da
alma, das ideias. Depois, os teóricos continuaram
aprofundando e decidiram que a ‘disciplina
consciente’ de nada serve, se provier da influência
dos adultos; que, desse modo, deixava de ser uma
disciplina verdadeiramente consciente para
converter-se em disciplina forçada, em uma
violência, que significaria propriamente, violentar a
exalação da alma. Da mesma forma inútil e perigosa
era toda espécie de organização de crianças, sendo
imprescindível a auto-organização.” (Poema
Pedagógico.)

Os adversários de Makarenko acusavam-no de voltar a


introduzir no sistema de educação a disciplina de caserna da velha
escola tzarista, o velho método autoritário militarista, de sargento.
A acusação é ainda hoje repetida, é verdade que em tom mais
brando, por um ou outro "pedólogo” ocidental. Mas é um projétil
mal lançado, que não chega a ferir Makarenko. O fato de na colônia
dirigida por Makarenko terem sido utilizados termos militares
(destacamento", "chefes”, "conselhos de chefes") para indicar a

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forma organizativa do coletivo, ou usar-se o toque de corneta como
sinal para as diversas tarefas, não significa de modo algum que
existisse "espírito de caserna", "disciplina militar", mas
simplesmente regularidade e vivacidade no ritmo de uma
coletividade laboriosa. Ao contrário, Anton Semiônovitch tinha
uma ideia profundamente democrática da disciplina, de modo
algum autoritária. A oposição não está entre "autoridade" e
"liberdade”, mas entre a concepção coletivista e a individualista. Na
colônia de Makarenko, a disciplina surge da necessidade vital de
desenvolvimento da coletividade, do objetivo a que esta se propõe,
objetivo que se torna próprio de cada membro, dia a dia, porque,
dia a dia, compreende que seu futuro está intimamente ligado ao
desenvolvimento da coletividade. E uma disciplina democrática,
que também se torna enérgica, e não exclui nem a crítica nem os
castigos. Mas,

"um castigo só é benéfico quando surge das fileiras


dos próprios companheiros e se apoia num
julgamento correto e justo da coletividade”.
(Poema Pedagógico.)

Nas narrações pedagógicas de Makarenko, vemos que os


castigos mais duros para o castigado e pedagogicamente mais
eficazes são os decretados pelo próprio coletivo de colonos,
reunidos em assembleias gerais, quando o coletivo em seu
conjunto já é sólido e consciente e sua "opinião pública” se tornou
uma tradição. Trata-se de uma disciplina democrática que significa
capacidade de obedecer e de dirigir, de ser organizado e
organizador. O a!uno:

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"deve ser capaz de subordinar-se ao companheiro e
deve ser capaz de dar-lhe ordens... deve saber
dominar-se e influenciar os demais”.

Para Makarenko, no entanto, a democracia do coletivo e a


correspondente disciplina democrática não são exercícios puros e
artificiais. Não se trata de "brincar de democracia", de exercitar
artificialmente a disciplina e a responsabilidade. Os órgãos do
coletivo na Colônia Górki ou na Comuna Dzerjinski nada têm que
ver com os artificiosos "cargos públicos” imaginários de certas
cidades ou repúblicas infantis. A organização do coletivo vem
sempre ligada às exigências de uma tarefa concreta; a disciplina do
coletivo é sempre uma disciplina de trabalho, de luta e de
superação.

O coletivo está sempre no centro da experiência e do


pensamento de Makarenko. O coletivo não é um conjunto de
pessoas, mas um organismo complexo, que possui sua
personalidade, sua tradição, sua história; que tem suas próprias leis
de formação e de desenvolvimento. O objetivo imediato da ação
educativa não é o indivíduo em particular, mas o coletivo, tenha
este o nome de colônia ou de classe escolar. Cada indivíduo é
educado com o coletivo e através dele. A relação entre o indivíduo
e a coletividade, entre o coletivo e seu núcleo central — composto
pelos elementos mais ativos, capazes e tenazes, — a relação entre
o coletivo e o adulto (professor, capataz, administrador, etc.): eis
alguns dos problemas fundamentais que Makarenko enfrenta e
resolve, expondo-os com maravilhosa vivacidade em suas
narrativas pedagógicas e com clareza científica nos estudos e
artigos dos seus últimos anos de vida. É matéria por demais rica

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para poder ser comprimida em uma intervenção deste Encontro;
limitar-nos-emos, portanto, a indicar dois únicos pontos: Um é a
necessidade de perspectivas amplas e felizes para o coletivo e para
todos os seus membros. O outro é a necessidade de caminhar
sempre, de não se conformar com o que já se obteve, de fixar
continuamente novas exigências: isto é, o perene movimento para
frente, como lei fundamental do desenvolvimento do coletivo.

"O homem é incapaz de viver no mundo sem


perspectivas de felicidade no futuro. O verdadeiro
estímulo da vida humana é a felicidade do amanhã.
Na técnica pedagógica esta felicidade do amanhã é
um dos objetivos mais importantes do trabalho. Em
primeiro lugar como uma realidade. Em segundo
lugar, é preciso marchar-se insistentemente para a
realização das mais simples facetas da felicidade,
até chegar às mais complexas e importantes do
ponto de vista humano (...) Educar um homem
significa abrir-lhe caminhos de perspectiva, pelos
quais se distribui sua felicidade futura. Sobre este
importante trabalho, pode-se escrever uma
verdadeira metódica. Consiste na organização de
novas perspectivas, na utilização das que já se
possui e no planejamento paulatino de outras mais
valiosas. Pode-se começar por uma boa refeição,
por um espetáculo de circo, ou com a limpeza do
tanque, mas é sempre preciso despertar para a vida
e dilatar gradualmente as perspectivas de toda a
coletividade, até conseguir que alcancem as de

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todo o país.” Com efeito: "O que estamos
acostumados a admirar principalmente no homem,
é o valor e a beleza... Quanto mais ampla é a
coletividade cujas perspectivas são para o homem
perspectivas pessoais, tanto mais elevado e belo
será o resultado.” (Poema Pedagógico.)

Assim é a educação do coletivo através da contínua exigência


do movimento para a frente, da luta e da superação. É pois, uma
pedagogia exigente, em uma sociedade que exige muito do
homem, justamente porque respeita e estima profundamente o
homem. Dois exemplos nos explicarão, melhor que muitas
palavras, este princípio fundamental não só da escola, como
também da sociedade socialista. Quando o coletivo da Colônia
Górki se firmou e tornou-se consciente, disciplinado e laborioso,
Makarenko não se deteve nos resultados obtidos. Expõe a seus
colonos a exigência de dar o máximo esforço para o
desenvolvimento e a difusão da cultura entre os habitantes da
cidade vizinha, e indica o meio: o teatro. Renunciando ao descanso
dominical, renunciando todas as noites a algumas horas de sono,
os jovens gorkianos se transformaram em atores, cenógrafos,
eletricistas, carpinteiros e costureiros do teatro da Colônia Górki.
Todos os domingos, durante meses e meses, diante de um atento
público de aldeões muitos dos quais vinham de longe, ávidos de
horizontes mais amplos, de uma vida civilizada e culta, —
Makarenko e seus colonos ofereciam os espetáculos teatrais,
renovando as representações cada semana, porque o público
queria sempre coisas novas. Apresentavam ora obras dos clássicos
do teatro russo democrático do século XIX, ora dramas e comédias

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escritos pelo próprio Makarenko, nos seus pequenos intervalos
livres. É uma nova tarefa, um pesado compromisso que o coletivo
assume. Mas também é um novo passo para a frente, uma nova e
importantíssima etapa do "caminho para a vida" que transformará
os meninos recolhidos na rua — pequenos ladrões, desordeiros,
salteadores — em laboriosos cidadãos de vanguarda.

Mais tarde, quando o ritmo da vida na Colônia Górki é


normalmente harmonioso, Makarenko se preocupa com o estado
de desorganização, de quase dissolução, de uma vizinha colônia de
crianças abandonadas, a Colônia Kuriaj. Anton Semiônovitch expõe
a situação a seus colonos e propõe que os gorkianos deixem ao
kolkhoz da aldeia os campos de trabalho tornados fecundos, as
oficinas de conserto, os depósitos, o rico conjunto da Colônia Górki
e recomecem novamente, enfrentando o compromisso da
reeducação das crianças abandonadas, "marchando para a
conquista de Kuriaj”. Os gorkianos não vacilam: entregam aos
camponeses magníficas terras e um rico instrumental de trabalho,
fruto de muitos anos de fadigas e se mudam para Kuriaj.

"A conquista de Kuriaj" é um magnífico triunfo; e não só


porque se recuperam dezenas e dezenas de crianças transviadas,
como também porque constitui um amplo salto dos gorkianos para
a frente. Makarenko, dissemos, exigia muito dos colonos, porque
os respeitava profundamente: e m está, como também já se disse,
a dialética da pedagogia soviética, sua lei de movimento.

Em 1955, é publicada a íntegra do Poema Pedagógico, no


mesmo ano em que Makarenko deixa a direção da Comuna
Dzerjinski para dedicar-se inteiramente a suas atividades de

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escritor, orador, organizador da pedagogia, de educador dos
educadores e pais. Inicia-se uma nova etapa na vida de Makarenko:
uma etapa breve mais intensa, que a morte interrompe quando
Anton Semiônovitch atingia a plena maturidade (1939). Poderia
parecer que no período de que falamos, isto é, nos quinze anos que
vão de 1920 a 1935, (o período da Colônia Górki e da Comuna
Dzerjinski), Makarenko não passasse de um genial especialista em
menores delinquentes, em crianças abandonadas, em
adolescentes difíceis ou transviados. Este ponto merece um breve
parêntese. A experiência pedagógica viva tinha feito de Makarenko
um decidido, adversário, como já vimos, da teoria da liberdade, da
não-intervenção e do mito do desenvolvimento natural. Essa
experiência viva de quinze anos entre crianças consideradas difíceis
(ladrões, e prostitutas, desordeiros e ratoneiros) fez de Makarenko
um furibundo opositor do determinismo biológico e da escola de
criminologia positivista de Lombroso e Ferri.

"É muito possível que o método de trabalho com


crianças antes vagabundas deva diferir em certos
aspectos do método para as crianças normais. Mas,
admitindo esta possibilidade, não estou convencido
quanto às dessemelhanças do resto. E por que não
o estou? Porque, seguindo a mesma lógica de meu
trabalho, se eu partisse do fato de que eles tinham
violado as leis ou eram de procedência vagabunda
antes de serem presos, e tivesse elaborado meu
método na base de uma supervalorização de seus
reais ou hipotéticos caracteres criminais, ter-me-ia
afastado de nossa ideologia soviética para aderir às

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teorias de Lombroso. Por isso não tive a tentação de
criar um método pedagógico baseado na opinião de
que o fato de cometer um determinado delito
produz uma tal deformação do caráter infantil que
torna habitual nele o estado de delinquência. Isto
provém de minha confiança no homem, ou melhor
ainda, de meu amor pelo homem.”

Esta posição de Makarenko já foi qualificada, justamente,


aliás, como otimismo pedagógico. No trabalho pedagógico os
resíduos humanos devem ser reduzidos a zero, era a palavra de
ordem preferida por Anton Semiônovilch: aquele otimismo
pedagógico significa então, confiança no homem e na capacidade
transformadora da ciência e da ação educativa. Alias, a fé de
Makarenko queria dizer por acaso que na tarefa educativa não se
encontrarão crianças incorrigíveis ou insanas, com taras biológicas
ou sociais? Nunca encontrou Anton Semionovitch nos 32 anos de
seu trabalho educativo, crianças irrecuperáveis? Não,

"não encontrei — diz Makarenko aos educadores


soviéticos. — Além disso, estou profundamente
convicto de que daqui a quinze anos, nossa
pedagogia e vós mesmos, com vossas forças frescas
e vossa teoria bem elaborada, agradecereis o não
admitirmos a existência de crianças incorrigíveis”.

Foi assim que, em sua colônia para menores delinquentes e


crianças abandonadas, Makarenko se comportou como se
estivessem diante de si crianças normais. A ação educativa de
Makarenko demonstrou que na verdade eram normais jovens que

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um discípulo da escola criminalista "positiva" teria classificado
como delinquentes por conformação craniana e taras hereditárias.
Isto fez com que as experiências da Colônia Górki e da Comuna
Dzerjinski servissem de base para enfrentar o problema geral da
educação.

"Hoje a ciência pedagógica já é mais fácil. Longe,


muito longe está meu primeiro dia gorkiano, cheio
de vergonha e impotência, assemelhando-se-me a
um quadro pequenino visto através da janelinha de
um sótão. Agora já é mais fácil. Em muitos lugares
da União Soviética já se tornaram sólidos os laços
de uma séria obra pedagógica, e o Partido dirige a
última batalha contra os restos de uma infância
desafortunada e falida. E talvez, muito em breve se
deixe de escrever ‘poemas pedagógicos’ em nosso
país, para se escrever um livro simples e concreto:
‘a metodologia da educação comunista’.”

Estas são as palavras com que Makarenko termina o Poema


Pedagógico e elas selam todo o primeiro período, tão difícil, não só
da atividade de Makarenko, como, também do desenvolvimento da
escola soviética.

1936. Ano da Constituição staliniana, que consagra a vitória da


construção do socialismo.

"A Constituição staliniana é um documento único


na história do mundo, que tem o caráter de
passaporte histórico da maior das criações

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humanas: uma nova sociedade humana. E somente
com o surgimento desta sociedade é possível falar
da solução do problema sociedade e
personalidade”

diz Makarenko, comentando a Constituição de 1936. Toda a


atividade escolar e pedagógica se desenvolve agora numa solida
base material e humana. Uma vez liquidado o analfabetismo e
garantida a instrução primária gratuita e obrigatória(2), são
formados, aos milhares, quadros pedagógicos correspondentes aos
primeiros graus. Isto constitui um salto qualitativo da escola
soviética, da sociedade em movimento para um novo e grandioso
objetivo: a construção do comunismo. É também um salto
qualitativo na atividade pessoal de Makarenko. Não é mais a dura
luta contra os representantes do Olimpo pedagógico de um
educador isolado, encerrado em seu pequeno mundo educativo,
mas a plena afirmação pública, a possibilidade de ser educador dos
educadores de toda a União. Não é mais o fatigante caminhar nas
trevas da teoria pedagógica, em meio à incerteza e à solidão; mas
a completa clareza do conhecimento teórico, baseado em
riquíssima experiência pessoal, na experiência de toda a escola
soviética em seu primeiro período de desenvolvimento,
tumultuoso e heroico.

Nasce para Makarenko a possibilidade de enfrentar a


pedagogia como ciência e técnica, não só como pesquisa, arrojo e
poesia.

"O homem continuava, para mim, homem com toda


a sua complexidade, riqueza e beleza. Mas, parecia-

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me necessário fazer com que se usassem medidas
exatas e se comportasse diante dele com o máximo
sentido de responsabilidade e consciência, não
mais enfrentando sua educação com métodos
primitivos e histéricos. Esta profunda analogia entre
produção e educação não significava para mim
envilecer o homem: ao contrário, esta ideia me
enchia de particular respeito humano, uma vez que
o apreço maior e complicado necessita atenção
respeitosa.”

Entenda-se bem: estamos muito distantes da psicometria, do


positivismo psicológico, da psicologia de laboratório, que
Makarenko sempre combatia. O paralelo entre a fabrica e a escola
é uma comparação entre uma atividade criadora e outra atividade
criadora. Como a experiência da fábrica faz surgir uma técnica que
permite diminuir os resíduos, que dá um melhor produto, do
mesmo modo a experiência educativa deve dar vida a uma técnica
pedagógica capaz de enfrentar a ação em bases sólidas,
sistemáticas e seguras.

"Muitos detalhes da personalidade do homem e de


sua conduta podem ser obtidos com um trabalho
comum, em série, sendo necessário para isto um
trabalho preciso de maquinaria, com penosos
esforços de atenção e exatidão. Em outros é
necessário um trabalho pessoal e delicado por
parte de um educador altamente qualificado, de um
homem hábil e observador. Para muitas
particularidades se empregam complicados

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dispositivos especiais que reclamam uma grande
capacidade inventiva, e alto voo de imaginação do
gênio humano. Mas para todas e cada uma das
partes do trabalho do educador em toda a sua
complexidade é necessário uma ciência particular.”

Em 1935 Makarenko iniciará o programa exposto no final do


Poema Pedagógico, escrevendo o livro Metodologia da
Organização no Processo Educativo. Prossegui-lo-á intensamente,
até as vésperas de sua morte. Não nos podemos deter nesta última
e importantíssima fase de sua obra e de seu pensamento
educativo. Deveremos contentar-nos em remeter nossos ouvintes
à leitura do livro Conselhos aos Pais, que representa
indubitavelmente a obra mais madura de Anton Semiônovitch.

A personalidade de Makarenko está, por certo, inteiramente


espelhada nesta última obra; mas, eu, educador italiano, filho de
educadores, ligado por tradição familiar à luta heroica de nossos
professores contra o analfabetismo, a degradação cultural e social
de nosso povo, não posso deixar de sentir como particularmente
próxima a figura do jovem mestre que, naquele longínquo mês de
setembro de 1920, sozinho e pobre, abandonou a cidade para
combater na "terceira frente": a frente da escola e do livro.

"Na terceira frente, ergueu-se firmemente (na


terceira frente do ensino, na frente do livro) o
mestre; como um heroico soldado, foi também
combatente de vanguarda. Também ele se
enregelou na trincheira da escola; com sua mochila
às costas, levando como arma o livro, foi para as

22 | ANTON MAKARENKO
aldeias, percorrendo milhas e milhas descalço e
seminu. Com um pedaço de pão, uma cebola crua,
sentindo assobiar os spranels, combateu, lutou com
toda sua inteligência, conduzindo ao ataque uma
multidão de rapazes.”

Este trecho de Maiakóvski nos traz espontaneamente à


memória os primeiros e difíceis anos da atividade de Anton
Semiônovitch. E parecem escritos, ao mesmo tempo, para os
laboriosos apóstolos da escola italiana, os quais, "descalços e
seminus, com um pedaço de pão com a mochila às costas”,
sozinhos, mal pagos, abandonados a suas próprias forças, mantêm
heroicamente sua trincheira avançada. Reverenciando Makarenko,
reverenciando os homens que desde os alhores da Revolução de
Outubro fundiram e caldearam suas vidas na ação e na construção
educadora, reverenciamos ao mesmo tempo a maravilhosa força
viva que trabalha na base de nossa escola. Não cremos que existam
diferenças entre os homens; acreditamos que também a escola
italiana contém imensas energias. A diferença não está nos
homens, mas na sociedade. Enquanto a Revolução de Outubro
libertou a energia do povo trabalhador e da escola russa, o Poder
soviético, entre as mil e uma dificuldades iniciais, dedicou à escola
o máximo de seus esforços, para prevenir os grandiosos resultados
atuais, um regime conservador e restritivo sufoca ainda a
sociedade e a escola italiana, comprimindo e deprimindo o arrojo
de milhares de seus apóstolos e obreiros.

Mas, as nossas energias, como as daquele povo e daqueles


educadores, poderão libertar-se e expandir em uma sociedade
baseada no trabalho; chegará para a Itália, sem dúvida, o dia em

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 23


que nós não mais precisaremos encarar os mesmos problemas que
afligiram nossos pais (o analfabetismo e a miséria de escolas) e
poderemos construir unidos uma sólida e definitiva base para a
escola italiana, sobre a qual novas gerações poderão apoiar-se para
edificar e elevar-se.

Lucio Lombardo Radice

Palestra pronunciada em dezembro de 1951 no


Encontro Sobre Escola e Pedagogia Soviéticas.
Publicado no volume Seugla e Pedagogia nell'URSS,
ed. de Italia-URSS.

24 | ANTON MAKARENKO
Notas de rodapé:

(1) Título do II capitulo do Poema Pedagógico. vol. 1.

(2) O sexto plano quinquenal estabelece a extenso do ensino


médio (dez anos) obrigatório e gratuito, a toda a União Soviética,
bem como medidas para intensificar a passagem ao ensino
politécnico obrigatório. Além disso, foram suprimidas as taxas
escolares que ainda subsistiam nos últimos anos do ensino
secundário e no ensino superior. (N. da Ed. Bras.)

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 25


PRIMEIRA CONFERÊNCIA
CONDIÇÕES GERAIS DA EDUCAÇÃO
FAMILIAR
A educação das crianças é um domínio muito importante de
nossa vida. Nossos filhos são os futuros cidadãos do país e do
mundo. Eles serão os forjadores da história. São os futuros pais e
mães, e serão por sua vez os educadores de seus filhos. Devem
tornar-se bons cidadãos, bons pais. Eles encarnam também a
esperança de nossa velhice. Uma educação correta nos
proporcionará uma velhice feliz, enquanto uma educação
deficiente será para nós fonte de amarguras e lágrimas e nos
tornará culpados ante todo o país.

Queridos pais, nunca vos esqueçais da grande importância


desse problema e de vossas responsabilidades.

Iniciamos, hoje, um ciclo de conferências sobre educação


familiar. Seus diversos aspectos, como a disciplina e a autoridade
paterna, os jogos, a alimentação e o vestuário, a urbanidade, etc.,
são todos muito importantes e seu desenvolvimento, que exige
métodos adequados, será tratado mais adiante em modo
minucioso. Hoje consideraremos previamente alguns princípios
gerais que devem sempre ser levados em conta.

Antes de mais nada, devemos salientar que educar correta e


normalmente a criança é muito mais fácil que reeducá-la. Uma

26 | ANTON MAKARENKO
educação correta desde a mais tenra infância não é uma tarefa tão
difícil como muitos acreditam. Não há pai nem mãe que não possa
realizá-la com facilidade se realmente se empenhar em fazê-lo e é,
por outro lado, uma tarefa grata, agradável e feliz. A reeducação é
uma coisa completamente diferente. Se o processo educativo
sofreu sérias falhas e omissões, se foi realizado improvisadamente,
de modo negligente ou leviano, será necessário reformar e corrigir
muita coisa. E a tarefa de correção, de reeducação já não é coisa
fácil. Exige esforços, conhecimentos e paciência que nem todos os
pais possuem. Em certos casos a família se sente impotente para
aplainar as dificuldades da reeducação e se vê obrigada a internar
o filho ou a filha em uma colônia de trabalho. Por vezes, até mesmo
a colônia nada mais pode fazer, daí resultando um homem
inadaptado para a vida. E mesmo no caso de a reforma ter sido
eficaz e dela resultar um homem trabalhador, todos ficariam
satisfeitos porque vêem a parte positiva, mas ninguém calcula o
quanto se perdeu. Se a educação do mesmo indivíduo tivesse sido
correta desde o início, teria aproveitado mais experiências
construtivas da vida e seria melhor dotado, mais preparado e,
portanto, mais feliz. Além disso, o trabalho de reeducar, de
reformar, não só é difícil como também penoso. Mesmo no caso
de completo êxito, ocasiona constante amargura aos pais, desgasta
seu sistema nervoso e altera frequentemente seu caráter.

Recomendamos aos pais recordarem sempre a necessidade


de educar de modo a não ser necessário reformar mais tarde, que
tudo se processe corretamente desde o próprio início.

Muitos erros no trabalho familiar provêm do fato de os pais se


esquecerem dos tempos em que vivem. Agem como bons cidadãos

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 27


da União Soviética, como membros de uma sociedade nova,
socialista, em seu emprego e na sociedade, mas no lar, entre os
filhos vivem à antiga. Desde logo não se pode afirmar que na velha
família de antes da Revolução tudo era mau; muito pode ser
aproveitado de sua experiência, mas é necessário recordar sempre
que nossa vida difere muito da antiga do. ponto de vista dos
princípios em que repousa. Vivemos em uma sociedade sem
classes que por enquanto só existe na URSS, temos diante de nós
grandes batalhas com a burguesia agonizante, e uma grande
construção socialista. Nossos filhos devem converter-se em
construtores ativos e conscientes do comunismo.

Os pais devem pensar em que se diferencia a família soviética


da antiga. Antigamente, por exemplo, o pai tinha mais poder e os
filhos viviam submetidos a seu arbítrio incontrolado, sem poder
eludir sua autoridade. Muitos abusavam dela e tratavam seus filhos
com crueldade, despoticamente. O Estado e a Igreja Ortodoxa
apoiavam essa autoridade porque convinha a uma sociedade de
exploradores. Em nossa família, ao contrário, a situação é
diferente. A moça, por exemplo, não esperará que os pais lhe
busquem um noivo, o que não significa que nossa família não deva
guiar os sentimentos dos filhos. Mas, é evidente que esta direção
já não pode mais prender-se aos mesmos métodos e deve elaborar
novos, de acordo com nossos princípios.

Na sociedade antiga cada família pertencia a uma classe, e


seus filhos, em regra geral, permaneciam na mesma classe. Filho
de camponês tomava-se camponês e de operário, também
operário. Nossos filhos, ao contrário têm amplas possibilidades de
escolha, em que desempenham papel decisivo unicamente sua

28 | ANTON MAKARENKO
capacidade e preparo e não as possibilidades materiais da família.
Nossos filhos, assim, gozam de possibilidades incomparáveis. E isso
o sabem pais e filhos. Em tais condições torna-se impossível
qualquer arbitrariedade paterna e existe a necessidade de uma
direção mais racional, cuidadosa e hábil.

A família deixou de ser patriarcal. Nossas mulheres gozam dos


mesmos direitos que os homens e os da mãe são iguais aos do pai.
O lar constitui uma coletividade soviética, não sendo mais
submetido à autocracia paterna. Os pais possuem no lar certos
direitos. Qual a sua fonte?

Antigamente considerava-se que a autoridade paterna tinha


origem divina: a vontade de Deus, e um mandamento especial
prescrevia o acatamento aos pais. Os sacerdotes explicavam-no nas
escolas, contando às crianças como Deus castigava cruelmente aos
que não obedeciam a seus pais. No Estado soviético não
enganamos as crianças. Os pais possuem autoridade no seio de sua
família porque são por ela responsáveis ante a sociedade e a lei.
Apesar de todos os seus integrantes constituírem um coletivo de
membros sociais de iguais direitos, a diferença consiste em que os
pais o dirigem, enquanto os filhes nele se educam.

É necessário que os pais tenham uma ideia perfeitamente


clara sobre tudo isto.. Cada qual deve compreender que não é
senhor absoluto da família, mas unicamente o membro mais velho
e o mais responsável. Se isto for completamente compreendido,
todo o trabalho educativo se desenvolverá acertadamente.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 29


Sabemos que esta tarefa nem sempre se realiza com êxito
igual. Depende de muitas causas, fundamentalmente da aplicação
de métodos educativos corretos; mas a própria organização e a
estrutura da família constituem fator muito importante. E isto
depende, em certa medida, de nossa vontade. Pode-se, por
exemplo, afirmar categoricamente que a educação de um filho
único é muito mais difícil do que a educação de vários filhos.
Mesmo quando a família atravessa certas dificuldades materiais
não deve limitar-se a um só filho. O filho único rapidamente se
transforma no centro da família. Provoca nos pais preocupações
que geralmente excedem o normal. O amor paterno se caracteriza
nesses casos por certo nervosismo. A doença ou a morte desse filho
se tornam extraordinàriamente penosos aos pais e só o temor de
tal desgraça provoca neles permanente e profunda preocupação,
privando-os da tranquilidade necessária. Com muita frequência o
filho único se acostuma a sua situação excepcional e se transforma
em verdadeiro déspota da família. Para os pais é por vezes muito
difícil moderar seu amor e preocupação por ele e sem querer
formam um egoísta.

Só numa família com vários filhos a preocupação paterna pode


ter um caráter normal e distribuir-se uniformemente entre todos.
Numa família numerosa, a criança se acostuma desde a infância à
vida coletiva, adquire a experiência de conviver com outros, e se
estabelece entre os mais velhos e menores a amizade e o amor.
Num tal ambiente a vida proporciona à criança a possibilidade de
exercitar-se nas diversas formas das relações humanas. Tem a
oportunidade de passar por experiências inacessíveis aos filhos
únicos: o amor ao irmão mais velho e ao menor — sentimentos que

30 | ANTON MAKARENKO
são completamente diferentes — e a capacidade de partilhar com
eles as coisas e os afetos. Numa família numerosa a criança se
acostuma a cada passo, até nos brinquedos, a viver em ambiente
social, fator importantíssimo para a educação soviética. Este
problema não tem a mesma influência na família burguesa, uma
vez que a sociedade é estruturada em princípio egoísta.

Existem também outros casos de família incompleta, como o


de pais separados. A separação dos pais tem um reflexo muito
prejudicial sobre a educação da criança, principalmente quando os
pais fazem disso um motivo de brigas e não ocultam sua
animosidade recíproca.

O casal que quer separar-se deve pensar em seus filhos. As


desavenças, quaisquer que sejam, precisam ser resolvidas
discretamente, e, uma vez separados, os pais devem ocultar aos
filhos a hostilidade e o rancor pelo ex-cônjuge. Um pai que
abandona sua família, não pode continuar encarregado da
educação dos filhos, e, não podendo por isso influir beneficamente
em sua família anterior, será melhor que se faça esquecer por ela,
o que será mais honesto. Isto não significa, no entanto, que se
extinguem suas obrigações materiais para com os filhos
abandonados.

o problema da estrutura familiar é muito importante e precisa


ser encarado com toda seriedade.

Se os pais amam verdadeiramente seus filhos e querem


educá-los da melhor forma possível, procurarão evitar com que

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 31


suas desavenças os levem à separação, que sempre cria uma
situação difícil para as crianças.

Outro problema igualmente sério é o dos objetivos da


educação. Observa-se por vezes total despreocupação a respeito:
os pais se limitam simplesmente a conviver com os filhos e confiam
em que tudo se resolva por si mesmo. Não têm objetivos claros e
um programa definido. É lógico que, em tais condições, os
resultados são sempre contingentes, o que não impede que os pais
fiquem mais tarde assombrados com os defeitos dos filhos.
Nenhuma tarefa pode ser bem realizada se não se sabe quais são
seus objetivos.

O pai e a mãe devem saber exatamente como querem educar


seu filho. Devem determinar claramente suas aspirações a
respeito. Desejam formar um verdadeiro cidadão soviético, um
homem preparado, enérgico, honesto, fiel a seu povo, à causa
revolucionária, trabalhador, corajoso, cortez? Ou querem que o
filho se converta em um pequeno burguês, avaro, covarde, num
negocista astuto e mesquinho? Bastará ter o trabalho de meditar
bem a respeito para ver imediatamente os inúmeros erros que se
cometem e os caminhos certos a seguir.

Ao mesmo tempo, a paternidade não se reduz à educação dos


filhos e a ser uma fonte de alegria pessoal. O filho que se forma sob
nossa direção é o futuro cidadão, um homem que participará ativa

mente na vida social, um lutador. Se o educarmos mal, o


prejuízo não será só nosso, mas também de nosso pais. Não
podemos deixar de lado este aspecto ou considerá-lo

32 | ANTON MAKARENKO
simplesmente como secundário. Envergonhamo-nos quando, em
nossa fábrica ou estabelecimento, produzimos artigos inferiores.
Muito mais vergonhoso é produzir para a sociedade homens
deficientes ou daninhos!

Bastará meditar com seriedade sobre este problema para que


ressalte sua importância e se tornem desnecessárias muitas
palestras sobre educação, e também para que se verifique
imediatamente o que deve ser feito. Mas nem todos os pais
meditam sobre este problema. Amam seus filhos, sentem prazer
em sua companhia e se orgulham deles, mas esquecem
completamente sua responsabilidade moral pela formação do
futuro cidadão.

Um mau cidadão, que se desinteressa completamente pela


vida do país, por suas lutas e triunfos, e que nunca se preocupou
com os ataques dos inimigos, poderia, por acaso, ter semelhante
cuidado? É evidente que não. Mas não vale a pena falar de tais
tipos; são poucos em nosso país.

Mas existe também outra espécie de pessoas. São as que se


sentem como cidadãos quando estão em sociedade ou no
ambiente de trabalho, mas que são indiferentes aos problemas
domésticos: em casa se limitam a silenciar os problemas, ou, ao
contrário, se comportam de modo indigno a um cidadão soviético.
Antes de se iniciar a educação dos filhos é preciso que se analise a
própria conduta.

Não se deve separar as questões familiares das sociais. A


atividade que se desenvolve no trabalho ou no ambiente social

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 33


deve refletir-se também no lar, onde a personalidade civil e política
do pai deve identificar-se com a familiar. Os filhos devem
acompanhar os êxitos do país através do espírito e do pensamento
dos pais. Tudo o que acontece na fábrica, as coisas promissórias ou
afligentes também devem interessar aos filhos. Estes devem saber
que o pai é um homem de atuação social e orgulhar-se disso, de
seus êxitos e de seus méritos perante a sociedade. Mas esse
orgulho será sadio se compreenderem sua essência social e não se
alegrarem simplesmente porque o pai possui uma boa roupa, um
automóvel ou uma espingarda de caça.

O modo de agir dos pais é um fator decisivo. O exemplo é o


melhor método educativo. Não se pense que se educa uma criança
apenas quando se conversa com ela, se lhe ensina ou manda. Os
pais a educam em todos os momentos, até mesmo quando estão
ausentes. Tudo possui grande importância para a criança: a forma
com que os pais se vestem, conversam com os outros ou sobre os
outros, exteriorizam sua alegria ou aborrecimento, o modo de
tratar os amigos e os adversários, sua maneira de rir, ler o jornal. A
criança percebe ou sente a menor modificação no tom dos pais;
todas as mudanças em seus pensamentos a alcançam por
caminhos invisíveis que não se percebem à primeira vista. Quando
o pai se comporta grosseira ou jactanciosamente em casa, se se
embriaga ou, pior ainda, se ofende à esposa, causa muito mal aos
filhos, os educa mal, e seu comportamento indigno terá as mais
lamentáveis consequências.

O respeito do pai à família, o controle de cada ato seu, o


cumprimento do próprio dever, constituem o primeiro e o mais
importante método de educação.

34 | ANTON MAKARENKO
Também existem pais que acreditam poder resolver o
problema por meio de uma inteligente receita educativa. Pensam
que com essa receita um ocioso pode educar de modo construtivo,
um patife poderá formar um cidadão honesto, um mentiroso uma
criança que ame a verdade.

Tais milagres não acontecem. Não há receita que produza


efeito se o educador não possui as condições necessárias.

Em primeiro lugar, deve-se dedicar séria atenção aos próprios


defeitos e deixar de lado os pretensos recursos das artimanhas
pedagógicas. Infelizmente há pessoas que crêem nelas. Um inventa
um castigo especial, outra apela para prêmios, o terceiro faz
gracinhas para divertir as crianças, o quarto 85 seduz com
promessas.

A educação exige um tcan sério, simples e sincero. São


qualidades que devem servir de base para nossa vida. A menor
falsidade, artifício, bufonaria ou frivolidade condenam ao fracasso
o trabalha educativo. Isto não quer dizer, absolutamente, que se
deva ser sempre severo, afetado; é preciso, ser simplesmente
sincero, que o estado de ânimo da pessoa corresponda ao
momento e à essência do que acontece no seio da família.

Os artifícios dissimulam a realidade e dispersam a atenção dos


pais, fazendo com que percam tempo.

E quantos se queixam de falta de tempo!

É muito bom que os pais passem com os filhos o maior tempo


possível e é muita ruim quando nunca os vêem. Mas isto não

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 35


significa que não se deva tirar os olhos de cima deles. Uma
educação assim só pode ser prejudicial; desenvolve um caráter
passivo; os filhos se habituam demasiado à companhia dos adultos
e seu desenvolvimento espiritual se torna muito acelerado. Os pais
gastam de se vangloriar disso, mais tarde, no entanto, se
convencem de que erraram.

É necessário que se saiba o que o filho faz, onde está, com


quem está, mas é precisa dar-lhe a liberdade necessária para que
não viva exclusivamente sob a influência pessoal dos pais, mas que
experimente também as diferentes influências da vida. Não se creia
que se deva resguardá-lo das influências negativas e mesmo das
hostis, pois, de qualquer maneira, terá que deparar, em sua vida,
com as mais diversas tentações, com homens e circunstâncias
estranhas ou prejudiciais. È necessário formar nele a capacidade de
se orientar no meio delas, lutar contra elas, aprender a conhecê-
las no momento oportuno. Com uma educação de estufa, com o
isolamento é impossível formar essa capacidade. Para isso é
conveniente que a criança conheça diversos ambientes, sempre
com a devida vigilância.

É necessário ajudar a criança no devido momento, detê-la


oportunamente quando se desvia e orientá-la. É uma tarefa em que
a constância é decisiva, mas sem se chegar ao extremo de levar,
como se usa dizer, a criança pela mão. Referir-nos-emos
oportunamente a este problema, de modo mais pormenorizado. A
educação não exige muito tempo; o que importa é seu
aproveitamento racional. E cabe aqui repetir: a educação se
processa em todos os momentos, mesmo quando os pais estão
ausentes.

36 | ANTON MAKARENKO
A verdadeira essência do trabalho educativo não consiste, na
realidade — como se deverá ter depreendido — nas conversas com
a criança, na influência direta sobre ela, mas na organização da
família, na organização da vida da criança e no exemplo nue se lhe
dá com a vida privada e social. O trabalho educativa é acima de
tudo um trabalho de org?,nização. Neste assunto não existem, por
isso, pequenezas. Nunca se deve considerar uma coisa como sem
importância e relegá-la ao esquecimento. É lun erro grosseiro
pensar que se deva concentrar a atenção numa coisa que se iulgue
importante, deixando de lado tudo o mais. Não há pequenezas na
tarefa educativa. Uma fita aue se amarra nos cabelos da menina,
um chapeuzinho, um brinquedo, tudo isso são coisas que podem
desempenhar um papel de grande importância em sua vida. Uma
boa organização consiste precisamente em não omitir as menores
minúcias e circunstâncias. Os pormenores agem com regularidade,
diàriamenfe, em todas as horas, e são os componentes da vida.
Guiar e organizar essa vida é o problema paterno de maior
responsabilidade.

Nas conferências seguintes examinaremos de forma mais


detalhada os diversos métodos da educação familiar. A de hoje foi
uma introdução.

Façamos um breve resumo do que dissemos.

A educação deve ser correta desde o início, para que mais


tarde não seja necessário reeducar, o que é muito mais difícil.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 37


Os pais devem lembrar-se de que dirigem a nova família
soviética. Na medida do possivel devem conseguir que ela se
estruture corretamente.

É preciso estabelecer objetivos e programas precisos para a


tarefa educativa.

Ter sempre em mente que a criança não é só um motivo de


alegria para os pais, mas que é o futuro cidadão, o que encerra uma
responsabilidade para com o país.

É preciso, antes de tudo, que se seja um bom cidadão e


infundir na família o sentido da própria dignidade cívica.

É necessário ser o mais exigente possível em relação à própria


conduta.

Não se deve confiar em nenhum tipo de receitas nem


artifícios. Deve-se ser sério, simples e sincero.

É um erro pensar que a educação exige muito tempo; é


preciso saber guiar a criança e não colocá-la à margem da vida real.

No trabalho educativo o principal é a organização da vida


familiar, levando-se em conta atentamente todos os detalhes.

38 | ANTON MAKARENKO
SEGUNDA CONFERÊNCIA
A AUTORIDADE DOS PAIS
Dissemos, na conferência anterior, que a família soviética
diferia muito da família burguesa. Essa diferença está, acima de
tudo, no caráter da autoridade dos pais. A sociedade conferiu aos
pais a missão de formar os futuros cidadãos de nossa pátria e a
responsabilidade que isto encerra serve de base à sua autoridade
diante dos filhos.

No entanto seria incômodo viver lembrando às crianças que a


autoridade dos pais no seio da família vem dos plenos poderes que
a sociedade lhes conferiu. A educação das crianças começa numa
idade em que são geralmente impossíveis quaisquer
demonstrações lógicas ou proclamações de direitos sociais, sem
que, por isto, possa haver educador sem autoridade.

Finalmente, a autoridade só tem sentido quando não exige


qualquer explicação, quando é aceita como qualidade indiscutível
do mais velho, cuja força e valor, são visíveis por assim dizer a olho
nu, para a criança.

As crianças devem sentir esta autoridade do pai e da mãe.


Frequentemente se ouve esta pergunta: O que fazer com a criança
se ela não obedece? É justamente este «não obedece» que indica
que os pais não têm autoridade sobre ela.

De onde vem a autoridade dos pais? Como se estrutura? Os


pais cujos filhos «não obedecem» por vezes se inclinam a pensar

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 39


que a autoridade vem da natureza, que é uma aptidão especial. Se
não a possuem, nada podem fazer a não ser invejar os que a
possuem. Esses pais se enganam. A autoridade pode ser formada
em todas as famílias e não é uma coisa difícil de ser realizada.

Infelizmente muitos pais há que a apóiam em princípios falsos.


Querem que seus filhos obedeçam e fazem disso seu único
objetivo. Isto é, na realidade, um grave erro. A autoridade e a
obediência não podem ser um fim em si mesmos. Só pode haver
um único objetivo: uma boa educação. Eis o único objetivo a se
atingir. A obediência da criança é apenas um meio para alcançá-lo.
São justamente os pais que não pensam nos objetivos da educação
que se esforçam por obter a obediência pela obediência. Fundam
sua tranquilidade na obediência dos filhos. Este o seu verdadeiro
objetivo. Os fatos demonstram que nem esta tranquilidade, nem
esta obediência duram muito. A autoridade que se baseia em
fundamentos falsos tem vida curta, desmoronando-se em pouco
tempo, desaparecendo juntamente com obediência. Existem
também pais que procuram obter a obediência em detrimento de
todos os outros objetivos educativos; criam-se assim crianças
obedientes, mas seres fracos.

Muitas são as variedades desta falsa autoridade.


Examinaremos aqui, mais ou menos detalhadamente, uma dezena
delas. Confiamos em que depois deste exame nos será mais fácil
definir em que deve consistir a verdadeira autoridade. Comecemos
pois.

40 | ANTON MAKARENKO
Autoridade Pela Repressão

É a mais terrível, embora não a mais nociva forma de


autoridade. É principalmente o pai que se entrega a ela
injustamente. A autoridade pela repressão se manifesta quando o
pai vive resmungando pela casa; se ele está sempre colérico, se se
exalta por qualquer coisa, se lança mão da vara ou da correia por
todos os motivos, se responde às perguntas com uma grosseria, se
castiga cada erro dos filhos.

Este terror paterno faz toda a família tremer, tanto a mãe


como as crianças. Este tipo de autoridade é terrível não só porque
intimida a criança, como também porque reduz a zero o papel da
mãe, fazendo com que ela desempenhe as funções de mera
empregada. Não é preciso demonstrar o quanto é nociva esta
autoridade. Ela em nada educa, servindo apenas para habituar as
crianças a se afastarem o máximo de tão temível pai, para
engendrar na criança a mentira e desenvolver a covardia,
despertando ao mesmo tempo a crueldade infantil. Estas crianças
maltratadas e desprovidas de vontade se transformarão em
indivíduos inúteis, farrapos humanos ou em déspotas que se
vingarão toda a vida de sua infância oprimida. É a forma mais
selvagem da autoridade, encontrada apenas nos pais incultos e
tende felizmente a desaparecer em nossa época.

Autoridade Pelo Distanciamento

Existem pais e mesmo mães que estão seriamente


convencidos de que, para tornar a criança obediente, é necessário
dirigir-se a ela o menos possível, manter-se afastado, somente

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 41


aparecendo uma vez ou outra, com ar de mando. Esta fórmula
gozava de especial preferência em algumas antigas famílias de
intelectuais. O pai tinha sempre seu gabinete particular,
mostrando-se raramente, com ar de pontífice. Tomava suas
refeições separadamente, distraía-se sozinho, indo a ponto de
transmitir por intermédio da mãe as suas ordens. Existem mães
neste estilo: têm sua vida, seus interesses, seus pensamentos. Os
filhos são confiados à avó ou mesmo a uma governanta.

Desnecessário é dizer que nada traz de bom tal autoridade e


que uma família assim não pode ser considerada como uma família
soviética.

Autoridade do Orgulho

É um tipo especial da autoridade pelo distanciamento, talvez


mais daninho. Todos os cidadãos da União Soviética têm seus
próprios méritos. Mas alguns se consideram superiores aos outros,
acham suas atividades mais importantes, se enchem de pose a cada
instante, assim se apresentando diante dos filhos. São ainda mais
afetados e vaidosos em casa do que no trabalho, só falam em seus
méritos e tratam todos com superioridade. Acontece
frequentemente que, impressionados com o ar paterno, as
crianças também começam a se encher de importância. Gabam-se
sempre diante de seus companheiros, repetindo a cada passo:
«meu pai é um chefe, meu pai é escritor, meu pai é comandante,
meu pai é uma celebridade». Nesta atmosfera de arrogância, um
pai orgulhoso e importante não pode discernir o caminho que
tomam seus filhos, nem que tipo de pessoa está educando.
Algumas mães também sofrem desse tipo de autoridade: uma

42 | ANTON MAKARENKO
roupa muito original, relações importantes, uma estação de águas,
tudo lhes serve de pretexto para se vangloriarem, ocasião de se
afastarem dos demais e de seus próprios filhos.

Autoridade Pedante

Nesse caso os pais dedicam mais atenção aos filhos,


trabalham mais, mas trabalham como burocratas. Estão
convencidos de que as crianças devem tremer ao som de sua voz.
Dão ordens em tom frio e uma vez dada, a ordem deve-se
transformar em lei.

Estes pais temem acima de tudo que os filhos pensem que o


pai pode enganar-se ou que não tem firmeza. Se o pai disse:
«Choverá amanhã, não iremos passear», mesmo que amanheça
um dia esplêndido, ninguém sairá a passeio.

Se um filme não agrada ao pai, é o suficiente para que proíba


os filhos de irem ao cinema em geral, mesmo para ver bons filmes.
O pai castigou o filho e depois descobriu que este não tinha tanta
culpa quanto pensara? Não voltará atrás por nada deste mundo:
uma vez imposto o castigo, deve ser cumprido. Este tipo de pai está
o dia inteiro ocupado, cada gesto da criança lhe parece uma
violação da ordem e da legalidade e não deixa a criança em paz,
sempre a ditar novas leis e ordens: a vida da criança, seus
interesses, seu crescimento passam-lhe despercebidos: o pai só vê
diante de si a administração burocrática de sua família.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 43


Autoridade pelo Raciocínio

Neste caso, os pais envenenam literalmente a vida da criança


com eternos conselhos e preleções edificantes. Em vez de dizer
poucas palavras à criança, preferentemente em tom de
brincadeira, os pais a fazem sentar-se diante deles e enveredam em
discursos aborrecidos e cansativos.

Esses pais pensam que suas lições contêm toda a sabedoria


pedagógica. Nessas famílias a alegria e o sorriso são pouco
conhecemos. Esses pais se esforçam sinceramente em ser
virtuosos; querem ser perfeitos aos olhos de seus filhos. Mas
esquecem que as crianças não são adultos, que têm uma vida que
lhes é própria e precisa ser respeitada. As crianças vivem de medo
mais emocional, mais apaixonado que o adulto, e preocupar-se
com raciocínios é o que menos sabem. O hábito de pensar lhes
chega progressivamente e de modo bastante lento, e as contínuas
perorações de seus pais, esta repetição tediosa e interminável e
esse palavrório, não deixam traços em sua consciência. As crianças
não pedem ver autoridade nos raciocínios dos pais.

Autoridade pelo Amor

É a mais frequente entre nós e a mais falsa. Muitos pais


acreditam piamente que para serem ouvidos é preciso serem
amados pelos filhos e para merecer esse amor é indispensável
demonstrar constantemente aos filhos seu amor paternal.
Enchem, por vezes excessivamente a criança de palavras ternas,
abraços intermináveis, carinhos, declarações de amor. Se a criança
não dá atenção é logo interpelada: «Então não gostas do papai?»

44 | ANTON MAKARENKO
Os pais vigiam ciumentamente o olhar da criança e exigem dela
carinho e amor. A mãe conta sempre a seus amigos, diante das
crianças: «Ele adora o pai e me adora, é uma criança tão
carinhosa.»

Uma família assim se afoga a tal ponto num mar de


sentimentalismo e ternura que nada mais vê diante de si. Passam-
lhes despercebidos muitos detalhes importantes da vida familiar.
Todos os atos do filho devem ser inspirados no amor aos pais.

Muitos são os pontos perigosos nessa linha de conduta. É


assim que se desenvolve o egoísmo familiar. As crianças não estão
seguramente à altura de um tal amor. E depressa descobrem que
podem enganar o pai e a mãe quando quiserem, que basta para
isso adotar uma expressão carinhosa. Pode-se mesmo fazer manha
e mostrar menos amor por eles. Desde a mais tenra idade o menino
ou a menina começa a compreender que pode insinuar-se nas boas
graças das pessoas. E como não pode gostar tanto dos outros,
começa a simular amor, por cálculo frio e cínico. Por vezes, o amor
pelos pais se conserva por muito tempo, mas todas as outras
pessoas são consideradas acessórias, sem simpatia nem
sentimento de camaradagem.

É um aspecto muito perigoso da autoridade. Forma seres


egoístas, falsos e mentirosos e os pais são frequentemente as
primeiras vítimas desse egoísmo.

Autoridade pela Bondade

É o aspecto menos inteligente de autoridade. Nesse caso,


obtém-se a obediência dos filhos também por meio de apelos a seu

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 45


amor, mas não se exprime em carinhos e grandes expansões, mas
pela doçura, a bondade dos pais que cedem em tudo. Papai e
mamãe desempenham junto à criança o papel de anjo da guarda.
Estão prontos a tudo permitir e a nada negar, não são avaros, são
pais notáveis. Temem todos os conflitos, preferem a paz familiar e
estão prontos a tudo sacrificar desde que tudo corra bem. As
crianças em breve assumem o posto de comando nessas famílias e
a submissão dos pais deixa o campo livre a todos os desejos da
criança, seus caprichos, suas exigências. Por vezes os pais tentam
reagir um pouco, mas já é muito tarde, a experiência má já se fixou.

Autoridade pela Amizade

Acontece muito frequentemente que os pais se põem de


acordo antes do nascimento dos filhos no seguinte princípio: eles
serão nossos amigos. Em princípio isto é uma boa coisa. O pai e o
filho, a mãe e a filha podem e devem ser amigos, mas isto não deve
impedir que o pai e a mãe sejam os membros mais velhos da
coletividade familiar e que as crianças sejam seus pupilos. Se a
amizade toma proporções exageradas, a educação termina, se é
que não começa o processo inverso: as crianças principiam a
querer ensinar aos pais. Entre os intelectuais encontram-se por
vezes famílias desse tipo. Nessas famílias as crianças chamam seus
pais pelos nomes, caçoam deles, os interrompem grosseiramente,
dão-lhes lições a cada passo e não obedecem de modo algum. E,
finalmente, a amizade deixa de existir, uma vez que ela só é possível
quando existe respeito mútuo.

46 | ANTON MAKARENKO
Autoridade pelo Suborno

É a forma mais imoral da autoridade: a obediência é comprada


pura e simplesmente com presentes e promessas. Os pais dizem
sem se perturbar: «Se obedeces, comprar-te-ei um cavalinho, se
obedeces, iremos ao circo.»

É evidente que se deve usar um estímulo traduzido em


prêmio. Mas de nenhum modo deve-se premiar a obediência ou o
bom comportamento em relação aos pais. Pode-se dar prêmios por
um bom trabalho escolar, pela execução de um trabalho realmente
difícil. Mas, ainda nesse caso não se deve prometer a recompensa
e estimular a criança com promessas tentadoras em seu trabalho
escolar ou em qualquer tipo de trabalho.

Analisamos alguns aspectos da falsa autoridade. Ainda


existem vários outros. A autoridade pela alegria, pela sabedoria,
pela lufa-lufa, pela beleza. Mas acontece também que os pais não
pensam em geral em qualquer espécie de autoridade, não pensam
sobre o assunto, arrastando como podem a tarefa educativa. Hoje
um dos pais se aborrece e pune a criança por uma tolice e no dia
seguinte, faz-lhe uma declaração de amor, no outro dia promete-
lhe coisas a título de suborno, no outro castiga-a novamente e
censura-lhe ainda por cima suas boas ações passadas. Esses pais
correm por todos os lados, como possessos, completamente
impotentes, e ultrapassados por seus próprios atos. As vezes
acontece que o pai se prende a uma forma de autoridade e a mãe
a outra, colocando a criança no transe de ser antes de tudo
diplomata e aprender a se equilibrar entre o pai e a mãe.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 47


Há casos também em que os pais simplesmente não dão
atenção aos filhos, preocupando-se apenas em sua própria
tranquilidade.

Em que deve consistir uma real autoridade paterna na família


soviética?

O principal fundamento da autoridade dos pais reside na vida


e no trabalho dos pais, em sua personalidade cívica e em sua
conduta. A família é uma coisa importante e plena de
responsabilidades; são os pais que a dirigem e por ela respondem
perante a sociedade, ante sua própria felicidade e a vida de seus
filhos. Se os pais realizam esta tarefa de modo honesto, racional, se
se propõem objetivos importantes e belos, se analisam seus
próprios atos, terão uma autoridade real e não sentirão
necessidade de recorrer a receitas ou artifícios de nenhuma
espécie.

À medida que as crianças crescem, vão-se interessando pelo


trabalho de seus pais e mães, por sua condição social. Convém que
conheçam quanto antes seus meios de vida, seus interesses e o
ambiente em que atuam. A ocupação dos pais deve revestir diante
dos filhos o caráter de uma coisa séria e digna de toda estima. Seus
méritos deverão aparecer aos olhos da criança coma méritos
diante da sociedade, valores verdadeiros e não superficiais. É muito
importante que as crianças vejam que seus méritos não são
isolados, mas fazem parte dos planos gerais de nosso país. Não é a
soberba, mas um sadio orgulho soviético que deve animar as
crianças. A criança deve orgulhar-se não somente de seus pais
como também conhecer o nome dos cidadãos célebres e

48 | ANTON MAKARENKO
destacados de nosso país. Seus pais devem surgir em sua
imaginação como membros de uma longa linhagem de homens de
ação.

A esse respeito, é preciso que não se esqueça de que em toda


atividade humana existe um esforço e uma dignidade. Em nenhum
caso devem os pais parecerem aos filhos pessoas insuperáveis em
sua atividade, gênios incomparáveis, e os filhos devem saber
valorizar ao mesmo tempo os méritos dos demais, particularmente
dos companheiros de trabalho de seus pais. A autoridade cívica do
pai só adquire verdadeira grandeza quando se cimenta na condição
de um membro ativo da coletividade e não de um adventício ou
gabolas. Se conseguirdes educar vosso filho para que se sinta
orgulhoso da fábrica em que trabalhais, se ele se alegra com os
êxitos de toda a fábrica, vós o tereis educado corretamente.

Mas os pais não devem aparecer somente como membros


ativos de um setor reduzido da coletividade. Nossa vida é uma vida
em sociedade socialista. O pai e a mãe devem surgir aos olhos do
filho como participantes desta vida. Os acontecimentos
internacionais, os sucessos literários, tudo deve refletir-se nos
pensamentos do pai, em seus sentimentos e aspirações.
Unicamente os pais que vivem uma vida plena, que são verdadeiros
cidadãos de nosso, país, terão real autoridade sobre os filhos. Mas,
por favor, não penseis que deveis viver esta vida propositalmente
para que vossos filhos vos vejam e se impressionem com vossas
virtudes! Seria uma orientação completamente falsa. Vivei vossa
vida com toda sinceridade, sem procurar exibi-la ante vossos filhos!
Tranquilizaí-vos, eles verão perfeitamente por si mesmos o que
convém.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 49


Mas não sois apenas um cidadão, sois também pai: No
cumprimento de vossa tarefa de pai está a raiz de vossa autoridade.
Antes de tudo deveis conhecer a vida de vosso filho, seus
interesses, as coisas que o agradam ou desagradam, o que ele quer
e o que não quer. Deveis saber quais são os seus amigos, com quem
e com o que brinca, quais as suas leituras e suas impressões sobre
elas. Quando ele estuda na escola, deveis saber que sentimentos o
animam em relação à escola e os professores, quais as suas
dificuldades, qual o seu comportamento nas aulas. Tudo isto deveis
conhecer desde os primeiros anos da vida de vosso filho. Que não
venhais a descobrir repentinamente aborrecimentos ou conflitos,
deveis prevê-los e preveni-los.

Tudo isto deveis saber, o que não significa, no entanto, que


persigais incessantemente vosso filho com perpétuos e
aborrecidos interrogatórios, ou o submetais a uma espionagem
mesquinha e pertinaz. O problema deve desde o início ser colocado
em tal plano que a própria criança seja levada a vos contar
espontaneamente suas atividades, o que tem vontade de fazer e se
interesse em saber vossa opinião. Deveis convidar de vez em
quando os colegas de vossos filhos a visitá-lo, oferecer-lhes alguma
coisa, frequentar as suas famílias, travando relações com elas na
primeira ocasião.

Isto não toma muito tempo, requer apenas um pouco de


preocupação por vossos filhos e sua vida.

Vossos filhos sentirão que vós os conheceis e velais por eles.


As crianças gostam de se sentirem conhecidas e amam os pais por
isto.

50 | ANTON MAKARENKO
A autoridade do conhecimento levará obrigatoriamente à
autoridade da ajuda. Na vida da criança ocorrem frequentemente
casos em que ela não sabe o que deve fazer, em que necessita de
conselhos e de ajuda. Não vos pedirá que a ajude, muitas vezes
porque não sabe fazê-lo, cabendo a vós acorrer em sua ajuda.

Esta ajuda pode ser dada sob a forma de conselho direto


muitas vezes sob a forma de uma brincadeira, outras de uma
situação arranjada, e até mesmo numa ordem. Se conhecerdes a
vida de vossos filhos vereis por vossos próprios olhos qual a melhor
coisa a fazer. Frequentemente esta ajuda deve ser dada sob uma
forma especial. Por vezes é necessário participar da brincadeira da
criança, travar conhecimento com seus colegas ou ir à escola e falar
com os professores. Se tendes muitos filhos, o que é muito bom, os
irmãos e irmãs mais velhos podem participar desta tarefa. Que a
ajuda dos pais não seja insistente, aborrecida, cansativa. Em certos
casos é absolutamente indispensável deixar que a criança encontre
por si própria uma saída para suas dificuldades, é preciso que ela
se habitue a vencer os obstáculos e a resolver os mais complexos
problemas. Mas deve-se sempre acompanhar o modo pelo qual a
criança o consegue a fim de evitar que ela fique confusa ou se
desespere. Por vezes é importante que a criança sinta que estais
vigilante e atento e que confiais em suas forças.

A autoridade da ajuda, de uma direção atenta e plena de


precauções se completará perfeitamente com uma autoridade do
conhecimento. A criança sentirá a vossa presença, vosso cuidada
equilibrado por ela, representareis uma garantia de segurança, mas
ao mesmo tempo saberá que dela exigis certas coisas e que não

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 51


estais disposto a tudo fazer por ela, a desincumbi-la de qualquer
responsabilidade.

Este traço de responsabilidade constitui precisamente a


característica mais importante da autoridade dos pais. Em caso
algum deve a criança pensar que é para vosso próprio prazer ou
como divertimento que dirigis a família e os filhos. Estes devem ter
conhecimento de que sois responsáveis perante a sociedade
soviética não só por vós mesmos, mas também por eles. Não há
porque temer declarar aberta e firmemente a vosso filho ou filha
que estão sendo educados, que muito têm ainda que aprender
para se tornarem cidadãos bons e honestos. Que nesse sentido os
pais são responsáveis por eles e não temem tal responsabilidade. É
nesta responsabilidade que se apóiam tanto o auxílio quanto a
exigência. Em certos casos a exigência deve exprimir-se na forma
mais severa, sem admitir réplicas. Devemos dizer, aliás, que a
exigência só produz resultado quando a autoridade derivada da
responsabilidade já se plasmou no espírito da criança, a qual, desde
a mais tenra infância, deve sentir que não vive com seus pais numa
ilha deserta.

Para terminar esta conferência, resumamos brevemente o


que foi dito.

• A autoridade é indispensável na família.

• É necessário distinguir a autoridade


verdadeira da falsa, baseada em princípios
artificiais e tendente a criar a obediência por
qualquer meio.

52 | ANTON MAKARENKO
• A verdadeira autoridade apóia-se na
atividade e nos sentimentos cívicos dos pais, em
seu conhecimento da vida da criança, na
assistência que lhes prestam e na
responsabilidade por sua educação.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 53


TERCEIRA CONFERÊNCIA
A DISCIPLINA
A palavra disciplina tem vários sentidos. Para uns corresponde
ao conjunto de regras de conduta outros chamam disciplina os
hábitos já formados educados no homem, outros ainda só vêem na
disciplina obediência. Todas essas opiniões se aproximam mais ou
menos da verdade, mas é indispensável, para um bom trabalho
pedagógico, ter uma idéia mais exata da «disciplina».

Costuma-se chamar de disciplinado um homem que se


distingue por sua obediência. É evidente que na maioria dos casos
exige-se do homem que cumpra rápida e exatamente as ordens e
as disposições dos organismos ou indivíduos que lhe são
superiores, mas, no entanto, na sociedade soviética, a obediência
é um aspecto muito deficiente da disciplina; a simples obediência
não nos pode satisfazer e a obediência cega, como a que era em
geral exigida antigamente na escola de antes da revolução, o é
ainda menos.

Nós exigimos do cidadão soviético uma disciplina muito mais


complexa. Exigimos não só que ele compreenda como e porque é
preciso cumprir esta ou aquela ordem, mas que se esforce
ativamente por cumpri-la do melhor modo possível. Ainda mais,
exigimos que todo cidadão esteja disposto a cumprir, em todos os
momentos de sua vida, seu dever, sem esperar uma ordem ou
diretriz dada por outros, exigimos que possua iniciativa e forças
criadoras. Esperamos também que faça verdadeiramente o que é

54 | ANTON MAKARENKO
útil e necessário à nossa sociedade, à nossa pátria, e que não recue
diante de nenhuma dificuldade ou obstáculo. Ao contrário,
exigimos que nosso cidadão saiba se abster de qualquer conduta
ou ação que sejam úteis ou agradáveis apenas a ele próprio, e que
possam ser prejudiciais aos outros ou à toda a sociedade.

Além disso, exigimos sempre que ele não se limite nunca ao


estreito círculo de seu próprio trabalho, de seu setor de interesses,
de sua mesa de trabalho ou de sua família, mas que aprenda a ver
os problemas dos que o cercam, sua vida, seu modo de agir, saiba
vir em sua ajuda, não só com palavras, mas com atos, mesmo se
para isso tiver que sacrificar uma parte de sua tranquilidade
pessoal. Mas, no que se refere ao inimigo comum, exigimos de cada
homem uma resistência tenaz, uma contínua vigilância, sejam
quais forem os contratempos ou perigos.

Em uma palavra, consideramos como disciplinado o homem


que em qualquer circunstância sabe adotar a justa posição, a mais
útil a toda a sociedade, que possui a firmeza de prosseguir sua ação
até o fim, sejam quais forem os contratempos ou dificuldades.

É óbvio que é impossível formar um indivíduo assim


disciplinado fazendo uso apenas da disciplina, isto é, do exercício
da obediência. Um cidadão soviético disciplinado só pede ser
formado pela soma das influências construtivas, das quais
desempenham o papel mais importante, uma ampla educação
política, a instrução geral, os livros, os jornais, o trabalho, a atuação
social e inclusive as influências aparentemente secundárias, como
o passatempo, a distração, o repouso. Da ação recíproca de todas

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 55


essas influências resultará o verdadeiro cidadão bem disciplinado
de nossa sociedade socialista.

Recomendamos especialmente aos pais que não esqueçam


este importante princípio: não se cria a disciplina por meio de
medidas disciplinares particulares, mas por todo o sistema de
educação, por toda a organização da vida, pelo conjunto das
influências que se fazem sentir sobre a criança.

Nesta concepção, a disciplina não é uma causa ou método,


nem um processo educativo, mas seu resultado.

A disciplina correta é o objetivo a que deve aspirar, com todas


as suas forças, o educador, utilizando-se para alcançá-lo de todos
os meios em seu poder.

Por isso, todos os pais devem saber que ao dar a seu filho ou
filha um livro, ao apresentá-los a novos amigos, ao conversar com
eles sobre problemas internacionais ou sobre sua fábrica ou os
êxitos stakhanovistas, estão procurando, entre outras coisas,
comunicar-lhes uma disciplina mais ou menos elevada.

Para nós, pois, a disciplina é o resultado geral de todo o


trabalho educativo.

Mas existe um setor mais estreito de trabalho pedagógico que


se aproxima ainda mais da formação da disciplina e
frequentemente se confunde com ela; é o regime.

Se a disciplina é o resultado de todo o trabalho pedagógico, o


regime é apenas um meio, um processo de educação. A distinção

56 | ANTON MAKARENKO
entre regime e disciplina é muito importante e os pais a devem
estabelecer perfeitamente.

A disciplina, por exemplo, pertence ao tipo de fenômenos dos


quais exigimos perfeição. Desejamos sempre que reine a mais
severa disciplina em nossa família e em nosso trabalho. Não pode
ser de outro modo: a disciplina é um resultado e em todo o nosso
trabalho estamos habituados a lutar pelos melhores resultados.
Será difícil encontrar quem diga; «Nossa disciplina não é nenhuma
maravilha, mas ela nos basta.»

Uma pessoa assim seria ou um pobre de espírito ou um


inimigo de nosso sistema. Todo ser normal deve lutar para obter a
melhor disciplina, isto é, o melhor resultado.

Outra coisa completamente diferente é o regime(1). Este,


como já dissemos, não passa de um meio e sabemos, de um modo
geral, que todo meio, qualquer que seja o domínio da vida, deve
ser empregado quando serve aos fins desejados, quando é
oportuno.

Eis porque podemos conceber a melhor disciplina e nos


esforçarmos para alcançá-la mas não podemos conceber um
regime ideal, um regime que seja o melhor para todos os casos. Um
regime determinado pode ser conveniente em certos casos e não
sê-lo em outros.

Não deve haver um só e único regime familiar válido para as


mais diversas circunstâncias.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 57


A idade das crianças, suas aptidões, o meio circundante, seus
vizinhos, a dimensão de sua casa, seu conforto, o caminho que leva
à escola, a animação das ruas e uma quantidade enorme de
circunstâncias determinam e modificam o caráter do regime.

Para uma família de muitos filhos o regime deve ser um,


diferente do regime de uma família com filho único. Um regime útil
para uma criancinha pode ser prejudicial se aplicado a crianças
mais velhas. Há também regimes particulares para as meninas,
sobretudo para as mais velhas.

Desse modo, o regime não pode ser concebido como uma


coisa Constante e imutável. Algumas famílias cometem este erro;
acreditando firmemente no valor de um regime determinado,
velam por sua invulnerabilidade, em detrimento dos interesses das
crianças e dos interesses pessoais. Um regime imutável torna-se
rapidamente letra morta, sem qualquer utilidade, só pode ser
prejudicial.

Um regime não pode ser permanente, justamente porque não


passa de um meio educativo. Cada educação persegue fins
determinados, fins estes submetidos a um processo de
modificação constante e de complexidade crescente.

Na primeira infância, per exemplo, um sério problema se


coloca diante dos pais: como criar na criança o hábito da limpeza?
Para atingir esse objetivo, os pais estabelecem um regime
particular para os filhos, isto é, regras para a toalete, o uso do
quarto de banho, do chuveiro, da banheira, regras para arrumar o
quarto, a cama, a mesa.

58 | ANTON MAKARENKO
Esse regime deve ser observado regularmente; os pais nunca
devem esquecê-lo, devem velar por sua execução, ajudar as
crianças quando estas não podem fazer uma determinada coisa,
exigir dos filhos uma boa qualidade na execução dessas tarefas. Se
tudo isso for bem organizado, será muito útil, pois chegará o tempo
em que os hábitos de limpeza e de ordem se fixaram, em que as
próprias crianças se negam a sentar-se à mesa com as mãos sujas.
Então pode-se dizer que o objetivo foi alcançado» O regime
necessário para isso torna-se supérfluo, o que não quer dizer
absolutamente que deva ser abolido da noite para o dia.

Pouco a pouco esse regime deve ser substituído por outro,


que servirá para fortalecer o hábito de limpeza que se formou e,
quando este hábito se enraizou, novos objetivos se colocam diante
dos pais, objetives mais complexos e importantes.

Continuar a se ocupar somente com a limpeza é um desgaste


inútil de energia para os pais, desgaste que pode ser nocivo, pois
que pode formar maníacos desalmados, que nada mais têm no
coração que seus hábitos de limpeza e que, com medo de sujar as
mãos, fazem seu trabalho de qualquer jeito.

Vimos, com esse exemplo sobre o regime da limpeza que a


regularidade do regime é um acontecimento momentâneo e
passageiro, e o mesmo se dá com qualquer outro método, uma vez
que o regime não passa de um método.

Não se pode recomendar aos pais um só e único regime. Há


muitos regimes que devem ser escolhidos segundo as
circunstâncias.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 59


Malgrado essa variedade de regimes possíveis, é preciso que
se diga que o regime de nossa família soviética deve sempre se
distinguir por propriedades particulares, obrigatórias, sejam quais
forem as circunstâncias. Devemos ainda definir, nesta palestra,
estas propriedades comuns.

Eis a primeira coisa sobre a qual chamamos a atenção dos


pais: seja qual for o regime que escolhestes para vossa família, ele
deve ser conforme ao objetivo determinado: as normas de vida
devem ser introduzidas na família não porque foram adotadas por
outra pessoa, nem porque seja mais agradável viver de acordo com
estas normas, mas exclusivamente porque são indispensáveis para
atingir o objetivo a que aspirais.

É essencial que esse objetivo seja bem definido, e na grande


maioria dos casos, as crianças devem conhecê-lo.

De todas as maneiras, é conveniente, para vós e para vossos


filhos, que esse regime tenha um fundamento racional.

Se exigis que as crianças se reúnam em uma hora determinada


para fazer sua refeição ao mesmo tempo que os demais, as crianças
devem compreender que esta ordem é indispensável para facilitar
o trabalho da mãe ou da ajudante doméstica, e também para que
toda a família tenha ocasião de se reunir diversas vezes por dia, ter
unidade, compartilhar idéias e sentimentos.

Se exigis que as crianças não deixem restos nos pratos, elas


devem compreender que isso é indispensável por respeito ao
trabalho, dos que produzem artigos alimentícios, por respeito pelo
trabalho dos pais e por razões de economia doméstica.

60 | ANTON MAKARENKO
Conhecemos casos de pais que exigem que "seus filhos façam
silêncio à mesa; as crianças se submetem a isso, mas nem elas, nem
os pais sabem porque essa regra foi adotada. Quando perguntam
aos pais, estes explicam que se as crianças falam durante as
refeições, podem se sufocar com a comida, o que é evidentemente
absurdo, pois se sabe que todo mundo permite que se fale à mesa,
sem que por isso tenha havido acidentes.

Quando recomendamos que os pais se esforcem por


estabelecer um regime familiar razoável e de acordo com uma
finalidade, devemos ao mesmo tempo prevenir aos pais que isto
não quer dizer que devam viver explicando à criança a razão de tal
ou qual norma, pois que se pode aborrecê-las com explicações e
demonstrações contínuas.

É preciso procurar, na medida do possível, fazer com que as


crianças venham a compreender, por si sós, as coisas.

Somente em caso extremo convém sugerir-lhes a idéia


correta.

Convém, de um modo geral, procurar obter a fixação de bons


hábitos na criança e o exercício, contínuo de atos corretos é o mais
seguro meio para obtê-la: as contínuas explicações e perorações
sobre o comportamento justo podem levar ao fracasso qualquer
boa experiência. A segunda particularidade importante do regime
é a de ser bem fixado.

Se se escova os dentes hoje, é preciso escová-los amanhã; se


se arruma a cama hoje, deve-se repeti-lo amanhã. Se ontem a mãe
exigiu que o filho, arrumasse a cama, não deve hoje deixar de exigi-

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 61


lo para que ela própria arrume. Esta irregularidade tira toda a
significação do regime e o transforma em um amontoado de
disposições desordenadas e acidentais. Um regime justo deve-se
distinguir por seu caráter determinado, sua precisão, e não deve
permitir exceções, salvo no caso em que estas sejam
verdadeiramente indispensáveis e provocadas por circunstâncias
importantes. É preciso que reine em cada família uma ordem tal
que a menor violação do regime seja logo notada. É preciso que se
aja assim desde a mais tenra idade da criança: quanto mais
severamente os pais velarem pela execução do regime, menos
violações haverá e será menos necessário fazer uso de punições.

Chamamos particularmente a atenção dos pais para esse


ponto: muitos imaginam erroneamente que não vale a pena criar
um caso apenas porque o filho deixou de arrumar sua cama pela
manhã. «É a primeira vez que isso acontece, e depois, não vale a
pena estragar os nervos da criança por uma coisa tão sem
importância como deixar de arrumar uma cama.» Este raciocínio é
errado de ponta a ponta. Uma cama não arrumada é sinal da
introdução de uma atitude descuidada e também de
despreocupação pelo regime estabelecido, é o início de uma
experiência que pode em seguida assumir a forma de hostilidade
direta em relação aos pais.

A constância de um regime, sua exatidão e sua


obrigatoriedade correm sério perigo se os pais não dão importância
à norma, se exigem das crianças uma execução impecável,
enquanto eles próprios vivem na desordem, sem se submeter a
qualquer regime. É evidentemente normal que o regime dos pais
seja diferente do das crianças, mas as diferenças não devem ser

62 | ANTON MAKARENKO
diferenças de princípios. Se exigis que vossos filhos não leiam à
mesa, também não o devereis fazer. Se insistes com vossos filhos
para que lavem as mãos antes das refeições, deveis exigir o mesmo
de vós. Procurai arrumar vós próprios vossa cama; é um trabalho
que nada tem de difícil ou vergonhoso. Esses detalhes são mais
importantes do que se pensa em geral.

O regime familiar deve conter obrigatòriamente normas sobre


os seguintes pontos: hora certa de levantar e de deitar, a mesma
tanto nos dias de trabalho como nos dias de descanso; regras de
asseio e limpeza, prazos e regras para mudança de roupa, modo de
trajar, de limpar as roupas; que a criança se habitue a ter todas as
coisas em seu lugar, a arrumar suas coisas depois de trabalhar e de
brincar; as crianças devem, desde a mais tenra idade, aprender a
fazer sozinhas a sua toalete, a utilizar a pia, o banheiro, a acender
e apagar a luz quando for preciso. É preciso ter um regime especial
na mesa. Cada criança deve saber seu lugar, apresentar-se à mesa
na hora certa, comportar-se como é devido, servir-se da faca e do
garfo, não sujar a toalha, não jogar comida sob a mesa, comer tudo
o que tiver em seu prato e, conseqüentemente, não pedir mais do
que o que pode comer.

Os períodos de trabalho da criança devem ser submetidos a


um regime severo, o que se torna particularmente importante
quando começa a freqüentar a escola. Mas, mesmo antes, é
conveniente que se marque com precisão as horas de comer,
brincar e passear.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 63


É necessário dar grande atenção às questões dos movimentes.
Muitos pensam que é indispensável para a criança correr muito,
gritar e manifestar de um modo geral sua energia com violência.

Não se pode negar que as crianças precisam movimentar-se


mais que os adultos, mas não se pode aceitar cegamente essa
necessidade. É indispensável desenvolver nas crianças hábitos de
movimentos orientados em direção a um objetivo, saber freá-la
quando necessário. Em todos os casos, não se pode tolerar que
corram e saltem pelo quarto; para isso existem as áreas e os jardins.
É também indispensável habituar as crianças a controlar sua voz:
os gritos, os uivos, os soluços são fenômenos da mesma natureza,
que denunciam mais um estado nervoso da criança do que uma
verdadeira e natural necessidade! Os pais são os principais
responsáveis pela gritaria nervosa dos filhos. Não lhes ocorre
erguer a voz até o grito, enervar-se, em vez de trazer uma
atmosfera de tranqüilidade para a família?

O regime interno da família dentro do lar se acha quase que


inteiramente nas mãos dos pais. O mesmo não acontece com a vida
externa, pois as crianças passam parte de seu tempo fora de casa
com os companheiros e patinando nas praças, e mesmo na rua. À
medida que a criança cresce, o convívio dos companheiros vai
tomando um papel cada vez mais importante. É evidente que os
pais não podem dirigir inteiramente as influências dos
companheiros do filho, mas resta-lhes a possibilidade de zelar por
elas, e isto é o suficiente na maioria dos casos, se já se formou na
família a experiência dos laços coletivos, da confiança e da
sinceridade, se a autoridade familiar se fixou corretamente. Neste
caso basta aos pais saber o mais exatamente possível o que rodeia

64 | ANTON MAKARENKO
seu filho ou filha. Muitos casos de mau procedimento da criança e
mais ainda de manifestações de despreocupação por parte da
criança teriam sido evitados se os pais conhecessem bem os amigos
de seus filhos, os pais desses amigos, se acompanhassem de vez
em quando os brinquedos das crianças, ou mesmo tomassem parte
neles, passeando com elas, indo ao cinema ou ao circo. Esta
aproximação ativa dos pais à vida dos filhos não é nada difícil e lhes
daria prazer. Ela permite que o pai ou a mãe conheçam melhor a
natureza das relações de amizade, permite aos pais se ajudarem
mutuamente, e sobretudo lhes dá a possibilidade de trocar suas
impressões com os filhos ou de exprimir em conversa com eles uma
opinião sobre seus companheiros, sobre sua conduta, sobre o
aspecto certo ou errado de um ato determinado, sobre a utilidade
ou o aspecto prejudicial deste ou daquele divertimento infantil.

Eis, pois, a metodologia geral da organização do regime


familiar.

Utilizando estas indicações gerais, cada pai e mãe podem


elaborar sua organização de vida familiar do modo que melhor
convém à sua família. O problema da forma das relações entre pais
e filhos é dos mais importantes.

Neste terreno podemos encontrar os mais diversos exageros


e desviações, que causam grande prejuízo à educação. Alguns pais
abusam dos pactos, outros das palestras explicativas, outros dos
apelos à ternura, ou ainda das ordens, dos incentivos, do castigo,
alguns cedem em tudo, outros abusam da firmeza. Evidentemente,
dentro da vida familiar há lugar para a ternura, para a conversa e
para a firmeza e para os momentos em que é preciso ceder. Mas,

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 65


quando se trata de regime todas essas formas devem ceder lugar à
mais importante, à única e a melhor, a das disposições bem
tomadas com antecedência.

A família é um problema muito importante que traz grandes


responsabilidades. A família dá plenitude, felicidade, mas cada
família, sobretudo em nossa sociedade socialista, se reveste de
grande importância para todo o país. O regime familiar deve pois
ser edificado, desenvolver-se e agir antes de tudo como uma
verdadeira empresa. Os pais não devem temer adotar um tom
formal. Não devem pensar que esse tom está em contradição com
os sentimentos do pai ou da mãe, que pode levar a relações secas,
à frieza. Afirmamos que só um tom sério e formal pode dar a
atmosfera calma que é necessária à educação correta da criança no
lar e ao desenvolvimento do respeito e do amor recíprocos entre
os membros de uma família.

Os pais devem acostumar-se o mais depressa possível a


empregar um tom calmo, equilibrado, afável, mas sempre firme,
quando dão ordens e as crianças devem habituar-se, desde a mais
tenra idade, a esse tom, habituar-se a se submeterem à ordem
dada e a cumpri-la de boa vontade. Pode-se ser tão carinhoso
quanto se quiser com a criança, caçoar com ela, brincar, mas
sempre que for necessário, é preciso saber dar ordens breves, uma
só vez, transmiti-las com ar e tom tais que a criança não duvide da
correção dessas ordens e da necessidade de bem cumpri-las.

Os pais devem habituar-se a dar ordens muito cedo, por volta


dos 18 meses ou 2 anos. Não é nada difícil. Basta que elas sejam
conformes a estes princípios:

66 | ANTON MAKARENKO
1. Não devem ser dadas colericamente, com gritos ou
enervamento, mas também de forma que não se assemelhem à
súplica;

2. devem estar à altura da criança, sem exigir-lhe demasiado


esforço;

3. devem ser sensatas, não entrarem em contradição com o


bom-senso;

4. não devem contradizer outras ordens dadas pelo pai ou a


mãe;

5. uma ordem dada deve ser cumprida. Não se deve dar uma
ordem e esquecê-la.

Tanto para a família quanto para qualquer outra coisa é


necessário um controle e uma verificação constantes. É evidente
que os pais devem fazer o possível para que a criança não se
aperceba desse controle; a criança não deve duvidar, de um modo
geral, da necessidade de cumprir a ordem dada. Mas, por vezes,
quando se confia à criança uma coisa mais complexa, em que a
qualidade da execução tem grande importância, o controle visível
é perfeitamente oportuno.

O que fazer se a criança não cumpre uma determinação? É


preciso fazer, antes de tudo, que isso não ocorra. Mas, uma vez
ocorrido, quando a criança vos desobedeceu pela primeira vez, é
preciso repetir a ordem dada, mas em tom mais oficial, mais frio,
mais ou menos nestes termos:

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 67


«Pedi a você para que fizesse isto, e você não o fez. Faça-o
imediatamente, e que isto não se repita.»

Repetindo esta ordem pela segunda vez, e velando para que


seja realmente executada, é preciso ao mesmo tempo observar
melhor e refletir nas razões da aposição. Examinareis, ao mesmo
tempo, em que medida, vós mesmos errastes, onde não agistes
corretamente, o que não notastes e o que omitistes! Procurai
evitar esses erros.

O mais importante é velar para que a criança não se habitue a


acumular desobediências, e a violar o regime familiar. É mau, muito
mau, permitir uma tal acumulação de experiências e deixar que a
criança pense que não é indispensável executar vossas ordens.

Se atendeis a isto desde o princípio, não haverá necessidade


de apelardes para o castigo.

Quando o regime se desenvolve corretamente desde o início,


quando os pais velam atentamente pelo seu desenvolvimento, as
punições não se tornam necessárias. Numa família bem organizada
não surgem motivos para castigos, o que constitui o melhor
método de educação familiar.

Mas, famílias há, em que a educação já está tão descuidada,


que não se pode passar sem castigos. Geralmente nesses casos as
famílias recorrem de modo inábil às punições, e pioram, mais do
que melhoram as coisas. Castigar é muito difícil e exige muito tato
e precaução da parte do educador e, por isso, recomendamos aos
pais que o evitem o mais possível e procurem de preferência
restabelecer um regime correto. Certamente é preciso muito

68 | ANTON MAKARENKO
tempo para consegui-lo, mas é preciso ser paciente e esperar
tranquilamente os resultados.

Em alguns casos extremos pode-se admitir certas formas de


castigo: privar de um prazer ou de uma distração (adiar uma ida ao
circo ou ao cinema), suprimir a mesada, se ela é dada, proibir de
sair com os amigos.

Mas, que os pais atentem para isto: as punições não farão


nenhum bem, se não existe um regime correto. Se o regime é
correto, não há necessidade de castigos, basta uma grande
paciência.

Em todos os casos, na vida familiar, é muito mais importante


e útil organizar uma experiência correta do que ter de corrigir as
conseqüências de uma experiência errada.

É preciso também ser prudente com os incentivos. Nunca se


deve anunciar com antecedência prêmios e recompensas. Vale
mais se deter num simples elogio ou numa aprovação. A alegria
infantil, o prazer, a distração nunca devem parecer à criança como
recompensas por uma boa ação, mas como a satisfação natural de
necessidades justas.

É preciso dar à criança o que lhe é indispensável, sem


quaisquer condições, sem levar em consideração os serviços
prestados, e não se lhe deve dar o que lhe é inútil ou nocivo, sob o
pretexto de recompensa.

Resumamos o que foi dito.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 69


Disciplina e regime são duas coisas diferentes. A disciplina é o
resultado da educação, o regime é um processo educativo. Por isso,
o regime pode assumir características diversas de acordo com as
circunstâncias. Todo regime deve caracterizar-se por seu espírito
racional, preciso, pontual. Deve abarcar tanto a vida familiar
quanto a vida externa. A ordem dada e o controle de sua execução
devem ser a expressão do regime numa organização familiar séria.
A principal finalidade do regime é provocar uma acumulação de
experiências bem disciplinadas, e é preciso temer acima de tudo
uma experiência incorreta. As punições não são necessárias
quando o regime é bom, e de um modo geral é preciso evitá-las,
como também os incentivos exagerados. É melhor confiar num
regime correto e esperar pacientemente os resultados.

70 | ANTON MAKARENKO
Notas de rodapé:

(1) O conjunto de regras de organização da vida diária (N. da trad.


francesa.)

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 71


QUARTA CONFERÊNCIA
OS JOGOS
Os jogos têm grande importância na vida da criança, a mesma
que, para o adulto, assume sua atividade, seu trabalho, sua
profissão. No trabalho do adulto reflete-se frequentemente seu
comportamento infantil nos folguedos e é por isso que nestes deve
iniciar-se a educação do futuro homem de ação.

A história de todo indivíduo, como participante da vida social


e como trabalhador, pode ser prefigurada no desenvolvimento da
atividade lúdica e em sua transição progressiva para o trabalho.
Esta se processa lentamente.

Na mais tenra infância, a criança dedica-se principalmente a


brincar. Os trabalhos que executa são insignificantes e não vão
além do limite de alguns serviços consigo mesma: começa a comer
sozinha, a proteger-se com a coberta, a vestir as calcinhas. Mas
ainda introduz muitos elementos de brincadeira neste trabalho. Em
uma família bem organizada estas tarefas tornam-se gradualmente
mais complexas, a princípio unicamente para que a criança aprenda
a bastar-se a si mesma, e, mais tarde, encarregando-se a criança de
trabalhos de importância para toda a família. Mas o
entretenimento continua a ser a ocupação favorita da criança,
aquilo que a apaixona e que mais lhe interessa.

Na idade escolar o trabalho já ocupa lugar muito importante


e envolve maior responsabilidade, já se aproxima bastante da
atividade social e está ligado a ideias mais claras e precisas a

72 | ANTON MAKARENKO
respeito da vida futura da criança. Nesta fase a criança ainda brinca
muito, gosta de brincar e passa mesmo por conflitos bastante
complexos por achar os folguedos mais atraentes que o trabalho,
por querer abandonar o trabalho para brincar. Se tais conflitos
surgem, isto quer dizer que não se processa bem a educação da
criança no que diz respeito aos jogos e ao trabalho, que os pais
cometeram erros de orientação. Isto torna evidente a importância
de orientar com acerto os jogos infantis.

Na vida real encontramos muitos adultos que deixaram a


escola há tempos, mas que preferem as diversões ao trabalho.
Deve-se incluir nesta categoria aqueles que procuram sempre
novos prazeres e esquecem seu trabalho, bem como os que
assumem poses e ares de importância, os que vivem brincando e
os que mentem a todo pretexto. As pessoas dessa natureza
transplantaram seus hábitos no brincar para a vida séria, sem que
os mesmos se transformassem adequadamente em hábitos de
trabalho. Isto quer dizer que foram mal educados e esta má
educação se expressou principalmente na má organização da
atividade lúdica.

Tudo o que dissemos não significa em absoluto que se deva


afastar a criança dos folguedos o mais cedo possível para
encaminhá-la aos esforços e preocupações do trabalho. Essa
mudança não lhe faria nenhum bem, representa para ela uma
coerção, faria com que perdesse o gosto pelo trabalho e
fortaleceria seu desejo de brincar.

A educação de um futuro homem de ação consiste não em


afastá-lo dos folguedos, mas em organizá-los de tal modo que as

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 73


brincadeiras não passem de brincadeiras e, ao mesmo tempo,
permitam formar as qualidades do homem de amanhã.

Para bem orientar a atividade lúdica da criança e saber educar


por seu intermédio, os pais devem refletir sobre o assunto, saber
em que ela consiste e em que se distingue do trabalho. Se os pais
não pensarem neste assunto não saberão guiar a criança e se
perderão em detalhes, mimarão a criança ao invés de educá-la.

Digamos antes de mais nada que entre o trabalho e os


folguedos a diferença é menor do que parece.

Brincar bem muito se assemelha a trabalhar bem, e vice-versa.


Esta semelhança é muito grande e podemos dizer, também, que
trabalhar mal se parece mais com brincar mal do que com trabalhar
bem. Todo folguedo benéfico exige esforços físicos e mentais. Se
comprais para a criança um ratinho mecânico e passais o tempo a
dar-lhe corda para fazê-lo correr, enquanto a criança assiste e se
diverte, nada de bom haverá nesse passatempo. A criança
permanece passiva, sua participação se limita a assistir de boca
aberta. Se vosso filho só se interessa por brincadeiras desse gênero,
tornar-se-á um homem passivo, habituado a apreciar o trabalho
alheio, carente de iniciativa, desprovido do costume de criar, de
vencer dificuldades. Brincar sem esforço, sem participação ativa é
sempre brincar mal. Como vedes, sob este aspecto, os
entretenimentos assemelham-se ao trabalho.

Brincar proporciona alegria à criança, a alegria de criar, de


vencer ou a do prazer estético, da qualidade. Trabalhar bem

74 | ANTON MAKARENKO
proporciona esta mesma alegria. Nisso também, a analogia é
completa.

Alguns pensam que a diferença entre trabalhar e brincar


consiste em que o trabalho implica em responsabilidade. Não é
exato. Ambos implicam na mesma responsabilidade, desde que, é
claro, se trate de uma atividade lúdica correta, coisa de que
falaremos adiante.

Em que, pois, se distingue o folguedo do trabalho? A única


diferença existente é que o trabalho representa a participação do
homem na produção, na criação de valores materiais ou culturais,
ou seja, de valores sociais. A atividade lúdica não tem tais objetivos,
não se relaciona com os objetivos sociais de forma direta, mas,
indireta, habituando o homem aos esforços físicos e psíquicos
indispensáveis ao trabalho.

Agora já podemos perceber claramente o que se deve exigir


das crianças ao orientar os jogos infantis. Em primeiro lugar, deve-
se velar para que eles não se tornem a única aspiração da criança,
que esta não os desligue inteiramente das finalidades sociais. Em
segundo lugar, deve-se cultivar por meio dos folguedos os hábitos
físicos e psíquicos indispensáveis ao trabalho.

O primeiro objetivo é alcançado, como já dissemos,


orientando-se progressivamente a criança para o domínio do
trabalho, que lenta e inelutàvelmente deve substituir a brincadeira.
O segundo objetivo é atingido por meio da orientação correta dos
próprios folguedos, por sua escolha acertada e pelo auxílio que
durante eles se presta à criança.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 75


Nesta conferência, falaremos somente do segundo objetivo.
O problema de educar para o trabalho será tratado em outra.

Frequentemente os pais incorrem em erros ao orientar os


jogos infantis. Esses erros são de três tipos. Certos pais
simplesmente não se interessam pelo assunto e acham que a
criança sabe espontaneamente como se divertir melhor. Seus filhos
brincam como e quando querem, escolhem seus próprios
brinquedos e organizam sozinhos seus folguedos. Outros pais dão
muita atenção, talvez mesmo excessiva, às brincadeiras de seus
filhos, interferem nelas, dão indicações, explicam, impõem regras,
se antecipam à criança na solução dos problemas, fazendo assim
com que a criança se limite a escutar os pais e a imitá-los. Nesse
caso os pais brincam mais do que a própria criança. Numa família
desse tipo, quando a criança encontra dificuldade em fazer alguma
coisa, o pai ou a mãe lhe dizem: «Não é assim que se faz. Deixe que
eu lhe mostre.? Se a criança recorta papel, o pai ou a mãe observam
seus esforços durante algum tempo, terminando por tomar-lhe a
tesoura, dizendo; «Deixe que eu recorto. Olhe como ficou bonito.»
A criança olha e observa que realmente o que o pai fez é mais
bonito; entrega-lhe outra folha e pede que faça outro recorte, e o
pai cede pressuroso, satisfeito com seu êxito. Nestes casos, os
filhos se limitam a imitar os pais, não se habituam a vencer as
dificuldades, não se esforçam por conseguir melhorar a qualidade
de seu trabalho e desde cedo se habituam a pensar que somente
os adultos são capazes de tudo fazer bem. Em tais crianças
desenvolve-se a falta de confiança em si mesmas e o temor do
fracasso.

76 | ANTON MAKARENKO
Outros pais imaginam que o importante é que haja muitos
brinquedos, gastam muito comprando toda espécie de brinquedos
e o lugar onde a criança brinca fica parecendo um bazar. Esses pais
geralmente gostam de brinquedos mecânicos engenhosos e
enchem com eles a vida do filho. Desse medo, no melhor dos casos,
convertem-no num colecionador e, no pior — que é o mais
frequente — a criança deixa um brinquedo por outro, sem nenhum
interesse, estraga e quebra os brinquedos, e exige outros novos.

Para que a atividade lúdica seja bem orientada, é mister que


os pais atuem de modo cuidadoso e refletido.

Os jogos infantis atravessam vários estágios. No primeiro a


criança brinca dentro de casa; é a época do brinquedo e dura até
cinco ou seis anos. Caracteriza-se pelo fato de que a criança prefere
brincar sozinha, aceita raramente a participação de um ou dois
companheiros, apega-se a seus brinquedos e não brinca de boa
vontade com o brinquedo dos outros. Não se deve temer que a
criança que brinca sozinha se torne egoísta. É a etapa da
experimentação sensível e do desenvolvimento das aptidões
pessoais. Deve-se dar à criança a possibilidade de brincar só, mas
cuidando de que esta etapa não se prolongue em demasia, e de
que a criança passe no seu devido tempo para a segunda etapa.

Essa preferência por entreter-se sozinha transforma-se, mais


cedo ou mais tarde, conforme a criança, em interesse pelos
companheiros ou pelos jogos coletivos. Deve-se auxiliar a criança a
efetuar essa passagem com o máximo proveito. A ampliação do
círculo de companheiros deve processar-se nas circunstâncias mais
favoráveis. Geralmente essa mudança se efetua sob a forma de um

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 77


aumento do interesse da criança pelos brinquedos movimentados,
ao ar livre. É interessante que no grupo exista uma criança maior,
com autoridade sobre as outras, e que possa organizar os menores.

O segundo estágio dos jogos infantis é mais difícil de orientar


porque nele as crianças já não brincam sob as vistas dos pais, pois
já ingressaram num campo social mais amplo. Ele se prolonga até
onze ou doze anos, abarcando parte do tempo passado na escola.
A escola proporciona maior número de companheiros, um círculo
de interesses mais amplo e um campo mais difícil, especialmente
para as atividades lúdicas. Em compensação, oferece uma
organização pronta, melhor definida, um regime mais preciso e
mais fixado e, principalmente, o auxílio de educadores mais
qualificados. No segundo estágio, a criança já é membro da
sociedade, uma sociedade infantil, é verdade, não submetida a
uma disciplina severa nem a um controle social. A escola fornece
uma e outra coisa. Ela é, portanto, a forma de transição ao terceiro
estágio da atividade lúdica.

No terceiro estágio, a criança já é membro da coletividade,


que, aliás, não é apenas de folguedos, mas uma coletividade de
ocupações comuns e de estudo. Por essa razão, nessa etapa, os
jogos assumem formas coletivas mais severas e se tornam
gradualmente desportivos, isto é, ligados a objetivos precisos de
cultura física, a regras e, o que é mais importante ainda, a noções
de interesses e de disciplina coletivos.

A influência dos pais tem enorme importância nesses três


estágios de desenvolvimento dos jogos. Evidentemente, sua
influência é primordial no primeiro, quando a criança não participa

78 | ANTON MAKARENKO
de nenhuma coletividade, senão a familiar, e não recebe diretivas
outras que não a dos pais. Mas a influência destes pode ser muito
grande e muito útil igualmente nos outros estágios.

Durante a primeira fase, o centro material da atividade lúdica


são os brinquedos, dos quais existem diferentes tipos:

• o brinquedo pronto, simples ou mecânico como


automóveis, barcos, cavalos, bonecas, ratinhos, polichinelos, etc.;

• brinquedos semiprontos que a criança deve terminar:


estampas com perguntas, quebra-cabeças, cubos, blocos para
construção, modelos para montar, etc.;

• materiais para brincar: argila, areia, cartolina, mica,


madeira, papel, plantas, arame, pregos, etc.

Cada uma destas categorias possui suas qualidades e seus


defeitos. O brinquedo pronto tem a vantagem de familiarizar a
criança com coisas e noções complexas, de introduzi-la nas
questões técnicas e domésticas; os brinquedos desse gênero
provocam maior atividade e despertam a imaginação. Uma
locomotiva nas mãos de um menino volta seus pensamentos para
a questão dos transportes; um cavalo faz pensar na vida dos
animais e em problemas como sua alimentação e sua utilidade.

Os pais devem cuidar de que a criança observe os aspectos


sugestivos dos brinquedos e não se distraia apenas com um deles,
como seu caráter mecânico ou com o fácil manejo. É
particularmente importante conseguir que a criança não se gabe
de que o pai ou a mãe lhe comprou um brinquedo complicado ou

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 79


muitos brinquedos, enquanto as outras crianças só têm poucos. Em
geral, tais brinquedos só são úteis quando a criança realmente
brinca com eles e não se limita a guardá-los egoisticamente, a fim
de vangloriar-se diante dos vizinhos e também se não se limita a
observar simplesmente seus movimentos, mas os aproveita num
empreendimento mais complexo. Assim, os automóveis devem
transportar alguma coisa, o polichinelo deve viajar ou fazer algo, os
bonecos devem dormir e velar, vestir-se ou desnudar-se, fazer
visitas ou realizar qualquer tarefa útil no mundo dos brinquedos.
Estes contêm imensas possibilidades para a fantasia infantil e
quanto mais se aprofunde e se desenvolva esta atividade, melhor
é. Se o urso serve apenas para ser atirado de um para o outro lado,
sem nenhuma finalidade, a coisa não vai bem. Mas, se vive num
lugar especialmente preparado para ele, se atemoriza alguém ou
se torna amigo de outro brinquedo, o folguedo já é mais
proveitoso.

O segundo tipo de brinquedo tem de bom o fato de


apresentar um problema à criança. Geralmente é um problema
cuja solução exige certo esforço e que a criança não teria pedido
formular por si mesma. Sua solução já exige notável disciplina de
pensamento, certa lógica, determinada compreensão das relações
entre os fatos e não apenas imaginação. O defeito desses
brinquedos é apresentar sempre o mesmo problema, o que os
torna monótonos e cansativos pela repetição.

Os brinquedos da terceira categoria — materiais diversos —


são os mais baratos, porém os mais fecundos. São as mais próximos
da atividade humana normal, pois é com esses materiais que o
homem cria os valores e a cultura. Se a criança sabe valer-se deles,

80 | ANTON MAKARENKO
revela já possuir uma elevada capacidade de brincar e nela se
desenvolve uma atividade cultural mais elevada. Os materiais para
brincar possuem muito realismo sadio e, ao mesmo tempo, abrem
amplas perspectivas para a imaginação, não a simples imaginação,
mas a verdadeira fantasia criadora. Com um pedaço de vidro ou de
mica, pode-se fazer uma janela, mas para isto necessita-se do
caixilho, o que suscita o problema da construção de uma casa. Se
se dispõe de argila e de pequenas plantas, pode-se pensar num
jardim.

Qual é o melhor tipo de brinquedo? Pensamos que a melhor


solução é combinar os três tipos, sem nunca exagerar. Se o menino
ou a menina têm dois ou três brinquedos mecânicos, não
necessitam de mais. Acrescentai a isso um brinquedo desmontável,
a maior variedade possível de materiais, e o reino dos jogos estará
organizado. A superabundância é prejudicial, porque a criança se
dispersa e desorienta. Deveis dar poucas coisas, mas conseguir que
a criança organize com elas sua brincadeira. Em seguida observai-
a, atentai, sem vos fazerdes notar, velai para que ela própria sinta
a insuficiência e cuide de saná-la. Se comprastes um pequeno
cavalo, e a criança estiver interessada pelo problema do transporte,
logo sentirá falta de uma charrete ou de uma carroça. Não vos
apresseis em adquiri-la, mas procurai fazer com que ela consiga
desembaraçar-se com caixas, carretéis, e cartolina. Se isto for
conseguido, perfeito!, o objetivo terá sido alcançado. Mas, se ainda
necessitar de outras charretes, e lhe faltarem materiais, não é
indispensável que ela própria as fabrique, podereis comprá-las. O
principal é conseguir:

1. que a criança brinque realmente, crie, construa, combine;

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 81


2. que não se lance de uma tarefa a outra, sem terminar o que
começou, mas que leve até o fim o que empreendeu;

3. que compreenda o valor determinado e útil de cada


brinquedo, que cuide dele e o guarde. Deve haver ordem no reino
dos brinquedos; eles devem ser arrumados, não devem ser
quebrados e, quando isto acontecer, devem ser consertados; se o
conserto for difícil, os pais ajudarão.

Os pais devem prestar muita atenção à atitude da criança para


com o brinquedo. A criança não deve quebrar seus brinquedos,
mas amá-los, sem que sofra indefinidamente se o brinquedo se
estraga ou quebra.

Este objetivo será alcançado se a criança chegar a se


considerar como um bom proprietário que não teme um desajuste
e sente-se capaz de repará-lo. A tarefa do pai e da mãe é saber
sempre auxiliar a criança em tais casos, evitando que se desespere
e demonstrar-lhe que a inventiva e o trabalho humanos permitem
reparar a situação. Partindo daí, recomendamos aos pais cuidar
sempre do conserto dos brinquedos e não jogá-los fora antes do
tempo.

Durante os jogos, os pais devem deixar a criança na maior


liberdade possível, enquanto o folguedo se processar
normalmente. Se se apresenta alguma dificuldade, ou se o
brinquedo é simples demais, sem interesse, deve-se ajudar a
criança, incentivá-la, formular um problema interessante,
acrescentar um elemento novo, um material interessante, ou
mesmo, participar do jogo.

82 | ANTON MAKARENKO
São estes os aspectos gerais de nossos princípios relativos ao
primeiro estágio da atividade lúdica.

No segundo estágio, exige-se principalmente atenção por


parte dos pais. Vosso filho desceu para o pátio ou reuniu-se a um
grupo de meninos? Deveis examinar atentamente quem são esses
meninos. Vossa filha quer encontrar outras meninas? Deveis saber
quem são elas. Deveis conhecer as inclinações de vosso filho, seu
meio, o que lhe falta e a que pode haver de mau nos folguedos.
Frequentemente acontece que a atenção ou a iniciativa de um pai
ou mãe modifica em sentido positivo a vida de todo um grupo de
crianças. As vezes as crianças gostam de deslizar por um monte de
neve regelada. Nesse caso convém entender-se com os outros pais
e, se isso não for possível, arranjai tempo para construir vós
próprios uma pista verdadeira. Construí para vosso filho um
pequeno trenó e vereis que os outros conseguirão a mesma coisa.
Nesta fase da atividade lúdica, as relações entre os pais são
extremamente úteis e importantes; infelizmente, raras vezes os
pais entram em contacto. Há pais que não estão satisfeitos com o
comportamento de seus filhos fora de casa, mas não se dão ao
trabalho de conversar com os outros pais a fim de programar algo
para melhorar esta situação, coisa que, no entanto, é fácil e está ao
alcance de todos.

Nessa época as crianças já constituem um simulacro de


coletividade e seria muito útil que os pais a pudessem dirigir,
organizando-se. Nesse estágio as crianças frequentemente
discutem, brigam e fazem queixa uma da outra. Comete um erro o
pai que toma imediatamente o partido de seu filho e entra em
discussão com o pai do outro. Se a criança chegou chorando,

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 83


sentindo-se ofendida, ou se sofre e está colérica, o pai não deve
irritar-se e brigar com o agressor e seus pais. Primeiro convém
interrogar calmamente a criança, procurando formar uma ideia
exata do que se passou. É difícil que só uma das partes tenha culpa.
Provàvelmente o ofendido também agiu de modo exaltado. É útil
então explicar à criança que é preciso saber ceder e procurar
soluções pacíficas para os conflitos. Procure-se reconciliar a criança
com seu rival, que deverá ser convidado à casa, procure-se travar
conhecimento com seus pais e esclarecer a questão até o fundo.
Neste assunto, o mais importante é que não se leve em conta
exclusivamente o próprio filho, mas todo o grupo e que se eduque
todo o grupo com o auxílio dos outros pais. Só agindo desse modo
é que se pode ser útil ao filho. A criança compreenderá que o pai
não se deixa cegar pela parcialidade de família, que atua com
critério social e tomará isto como regra de conduta.

Nada é pior do que a agressividade aberta dos pais em relação


a uma família vizinha. Isto desenvolve na criança o ódio, a
desconfiança, o egoísmo feroz e cego.

No terceiro estágio, a orientação dos jogos já não depende


dos pais, mas da escola e da organização desportiva. No entanto,
os pais têm muitas possibilidades de influir favoravelmente sobre
os filhos. Antes de mais nada, deve-se velar para que o interesse
pelo esporte não se transforme em paixão, sugerindo ao filho
outras formas de atividade. Além disso, não se deve estimular nos
filhos o orgulho pelo êxito pessoal, mas pelo de sua equipe ou
organização. É necessário também moderar a vangloria e inculcar
o respeito pela força do adversário, dirigir a atenção para a

84 | ANTON MAKARENKO
organização, o treino e a disciplina da equipe. Finalmente, deve-se
conseguir uma atitude serena diante das vitórias e das derrotas.

Nesse estágio é muito bom que os pais travem conhecimento


com os companheiros de equipe de seus filhos e filhas.

Nos três estágios os pais devem zelar de perto para que o jogo
não absorva toda a vida espiritual da criança, a fim de que seus
hábitos de trabalho se desenvolvam paralelamente. Os filhos
devem ser educados de tal modo que busquem satisfações mais
completas que as da contemplação passiva ou do simples prazer.
Deve-se ensinar os filhos a vencer as dificuldades corajosamente,
desenvolvendo sua imaginação e seu entusiasmo. No segundo e no
terceiro estágio não se deve esquecer que o filho já está
ingressando na sociedade. Não se deve exigir apenas que saiba
brincar e jogar bem, mas que se comporte devidamente em relação
aos outros.

Resumamos o que dissemos nesta conferência.

• Os entretenimentos têm grande importância na vida do


homem. Constituem a preparação para o trabalho e devem ser
gradualmente substituídos pelo trabalho.

• Muitos pais não dão atenção suficiente à orientação a ser


impressa aos jogos. Quer abandonam a criança a si mesma, quer
acumulam-na de atenções e de brinquedos supérfluos.

• Os pais devem recorrer a métodos diferentes nas diversas


etapas da atividade lúdica, mas sem cercear as possibilidades de

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 85


iniciativa e de harmonioso desenvolvimento de suas aptidões, sem
que isto signifique renunciar a ajudar os filhos quando necessário.

• No segundo e no terceiro estágios, as preocupações dos


pais devem voltar-se não tanto para a orientação da atividade
lúdica, mas de preferência para as relações dos filhos com os outros
indivíduos e com a coletividade a que pertencem.

86 | ANTON MAKARENKO
QUINTA CONFERÊNCIA
A ECONOMIA E A VIDA FAMILIAR
Cada família tem seu orçamento. A família soviética,
diferentemente do que se passa na sociedade burguesa, baseia-se
numa economia de trabalho que não tem por objetivo a exploração
de outrem. Esta economia cresce e desenvolve-se não porque a
família perceba lucros, mas, exclusivamente, em virtude do
aumento dos salários dos seus membros. A família soviética possui
apenas objetos de uso pessoal, com exclusão de todo meio de
produção, que em nosso país é propriedade social.

Na sociedade burguesa, uma família rica frequentemente


transforma seu patrimônio em meios de produção a fim de
explorar a força de trabalho assalariada e desse modo enriquecer
mais ainda e aumentar a produção. Nossa família, composta de
trabalhadores, exclui esse gênero de riqueza. Portanto, se ela
enriquece, isto significa somente que os indivíduos vivem melhor e
de modo mais próspero, adquirem maior quantidade de objetos de
uso pessoal e satisfazem maior número de necessidades.

É perfeitamente natural que cada família procure melhorar


sua vida incrementando os bens que possui. Mas, não o faz
entregando-se à exploração, e sim participando da vida comum e
do trabalho comum de todo o povo soviético. A riqueza de uma
família não depende tanto dos êxitos dela própria como dos de
toda a União Soviética, de suas vitórias e realizações nas frentes
doméstica e cultural.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 87


A criança é membro da família e participa portanto de sua
economia, e, por conseguinte, em certa medida, de toda a
economia soviética. A educação econômica de nossos filhos não
deve limitar-se ao aspecto familiar, mas abarcar também a estatal.
Na sociedade burguesa, o educador não tem esse objetivo. Nela
cada proprietário só se interessa por seu enriquecimento pessoal e
a economia do Estado ocupa um lugar insignificante nessa massa
de unidades econômicas privadas.

Em nosso país, todo indivíduo deve participar


obrigatoriamente da economia estatal e quanto mais preparado
estiver para isto, mais útil será para a sociedade soviética e para si
mesmo.

Todos os pais devem conhecer e compreender perfeitamente


este problema, nele meditar com maior frequência e controlar
incessantemente seus métodos pedagógicos, utilizando para isto
noções políticas claras sobre os objetivos da educação.

Muitos pais imaginam que o trabalho educativo limita-se a


suas palestras e conversas com os filhos, à orientação de sua
atividade lúdica ou à vigilância de suas relações com os outros. É
verdade que do ponto de vista pedagógico muito de útil pode ser
feito nestes domínios, mas o proveito será pequeno se a criança
não se tornar um homem capaz de gerir seu próprio orçamento,
pois não deverá apenas tornar-se um homem honesto e bom, mas
um «proprietário» soviético dotado dessas qualidades.

A economia familiar oferece um campo propício para cultivar


muitas qualidades do futuro cidadão soviético. Na breve palestra

88 | ANTON MAKARENKO
de hoje não poderemos mencioná-las todas. Limitemo-nos às
principais.

Mediante a direção correta da economia familiar, educa-se o


coletivismo, a honestidade, a previsão, o cuidado, o senso de
responsabilidade, a perspicácia e o espírito prático. Examinaremos
cada uma destas qualidades.

COLETIVISMO

No sentido mais simples, o coletivismo corresponde à


solidariedade entre o homem e a sociedade, e tem sua antítese no
individualismo. Devido à atenção insuficiente dos pais, em algumas
famílias formam-se individualistas Se a criança ignora até a
juventude de onde provêm os recursos familiares, se se habitua
satisfazer suas necessidades sem levar em conta as dos outros
membros da família, se não se apercebe da relação entre sua
família e toda a sociedade soviética, se se torna um gozador, é
porque foi educado como individualista, o que será nocivo tanto a
ele próprio quanto à sociedade.

Sem se darem conta disso, certos pais formam individualistas


deste tipo, porque pensam exclusivamente nas necessidades da
criança, em que esteja bem alimentada, bem vestida, disponha de
brinquedos e de todos os prazeres. Fazem-no por bondade e
ternura infinitas, privando-se de tudo, mesmo do indispensável,
sem que a criança o saiba. Nestas condições, a criança se habitua a
pensar que vale mais do que os outros e que sua vontade é uma lei
para os pais. Em tais famílias é comum as crianças nada saberem
do trabalho dos pais, ignorando como ele é difícil, importante e útil

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 89


para a sociedade. Sabem menos ainda a respeito do trabalho dos
outros e só reconhecem seus próprios desejos e sua satisfação.

É uma educação muito errada e nociva, sendo que os pais


serão as suas primeiras vítimas. Em nosso país, a única educação
correta é a que imprime o senso do coletivismo e os pais devem
velar constantemente por isto.

A fim de alcançar este objetivo, recomendamos a seguinte


orientação:

1) A criança deve saber o mais cedo possível onde e em que


trabalham seus pais, quais são as dificuldades e quais as melhorias
introduzidas neste trabalho. Devem saber a que ramos de
produção pertencem e qual o papel desta produção no conjunto
do país. Na primeira oportunidade, os pais devem apresentar ao
filho seus colegas e companheiros de trabalho e explicar-lhe a
importância desse trabalho. Se os pais tiverem uma opinião
desabonadora a respeito de um colega, não devem ferir a
imaginação infantil com comentários pouco lisonjeiros.

Em geral, a criança deve ser levada a compreender o quanto


antes, que o dinheiro ganho pelos pais não é apenas um cômodo
elemento aquisitivo, mas o fruto de um trabalho social intenso e
útil. Os pais devem sempre encontrar tempo para explicar isto a
seus filhos, em termos simples. À medida que o filho cresce, ser-
lhe-á explicado em termos igualmente simples o que se passa em
outras empresas, através de toda a União Soviética, qual o trabalho
que nelas se realiza e quais são os seus resultados. Se possível,

90 | ANTON MAKARENKO
deve-se mostrar aos filhos o próprio local de trabalho e explicar-
lhes o processo de produção.

Quando a mãe não trabalha num escritório, nem na produção,


mas em casa, o filho deve conhecer este trabalho, respeitá-lo e
compreender que também exige esforços e energia.

2) A criança deve aprender o mais cedo possível qual é o


orçamento doméstico, qual o salário de seu pai e de sua mãe.
Longe de ocultar-lhe o plano financeiro da família, é necessária,
pouco a pouco, fazê-la participar das discussões a respeito das
necessidades comuns da coletividade; a compra de panelas,
móveis, rádio, livros, jornais, etc. Ela deve saber aquilo de que seu
pai e sua mãe necessitam, compreender a importância dessas
necessidades, e ser habituada a privar-se de certas coisas, a fim de
melhor satisfazer as necessidades dos outros membros da família.

3) Se a família se encontrar em excelentes condições


materiais, não se deve admitir que a criança se envaideça por isso
diante das outras, se habitue a gabar-se de sua roupa ou de sua
casa. Deve compreender que não há nenhuma razão para orgulhar-
se da riqueza. Quando a situação da família é folgada, é mais
conveniente gastar o dinheiro na satisfação das exigências comuns
do que nas necessidades secundárias da criança; é melhor comprar
livros do que mais uma roupa para a criança.

Mas, se por uma ou outra razão, a família tem dificuldade de


prover às suas necessidades, deve-se fazer com que a criança não
inveje as outras famílias. A criança deve saber que há mais
dignidade na luta pela melhoria geral do que no dinheiro. Nestas

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 91


condições deve-se educar a aspiração por um futuro melhor, o
hábito de ceder aos outros e a alegre disposição de partilhar com
seus companheiros. Os pais nunca devem queixar-se na presença
do filho, mas mostrarem-se alegres e otimistas, confiantes no
futuro e empenhados em melhorar a economia doméstica e em
elevar seus salários. Cada melhoria real deve ser assinalada e
sublinhada.

HONESTIDADE

A honestidade não cai do céu, mas se forma na família. Nela


também pode nascer a desonestidade: tudo depende do método
pedagógico dos pais.

Que é a honestidade? O homem honesto é o que aborda os


problemas de modo direto e simples. O desonesto é o
dissimulador. Se a criança deseja uma maçã e o diz abertamente,
age com honestidade. Se esconde o seu sentimento, mas não
renuncia à maçã e procura apanhá-la sem ser vista, age com
desonestidade. Se a mãe dá a maçã à criança em segredo.,
escondendo-a de outras crianças, mesmo de crianças estranhas, já
desenvolve nela uma atitude dissimuladora, e por conseguinte,
inculca-lhe a desonestidade. Agir em segredo no seio da família,
comer pelos cantos ou esconder manjares, já é favorecer a
desonestidade. Somente quando a criança for maior, é que será
necessário ensinar-lhe a utilidade do segredo, isto é, o que se deve
esconder aos inimigos e aos adversários, ou o que deve, em geral,
fazer parte da vida afetiva pessoal de cada um. Na primeira
infância, quanto menos segredos tiver a criança e quanto mais
franca for ela, melhor será para a sua educação.

92 | ANTON MAKARENKO
Os pais devem zelar cuidadosamente pelo desenvolvimento
da honestidade da criança. Nada devem esconder dela, mas
habituá-la a nada apanhar sem pedir, mesmo se o objeto cobiçado
estiver à vista. Pode-se deixar propositalmente coisas tentadoras
ao seu alcance e habituar a criança a vê-las tranquilamente, sem
avidez. Deve-se desenvolver esta atitude tranquila em relação às
coisas desde a primeira infância, mas, ao mesmo tempo, é
necessário cuidar de que haja ordem, de que em casa se saiba onde
está cada coisa. De fato, é na desordem que se desenvolve a falta
de disciplina em relação às coisas. A criança faz delas o que quer
sem falar com ninguém, habituando-se assim a dissimular suas
relações com as objetos. Quando se encarrega a criança de fazer
uma compra, deve-se verificar a compra e o troco, até que nela se
arraiguem sólidas normas de honestidade. Esta verificação deve ser
feita de forma discreta para que a criança não pense que se duvida
dela.

Novamente chamamos a atenção dos pais sobre a


necessidade de educar na honestidade desde a mais tenra infância.
Se isto foi descurado até os cinco anos, a correção já será mais
difícil.

PREVISÃO

Os objetos que integram o patrimônio familiar terminam


envelhecendo e devem ser substituídos por novos, em cuja
aquisição gasta-se certa quantidade do dinheiro ganho pelos pais
ou por outros membros da família. A criança percebe que certos
objetos se desgastam e são substituídos por outros. Um bom
administrador doméstico deve prever sempre as coisas que

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 93


começam a inutilizar-se, evitar seu desgaste prematuro e repará-
las a tempo, comprando unicamente o que for efetivamente
necessário e não o que viu casualmente na rua ou na casa dos
outros. Tudo isto faz parte do domínio da atividade humana que
chamamos de previsão.

Nem todos os seus aspectos são positivos, pois há pessoas que


exageram a previsão, em prejuízo de tudo o mais. Tal atitude
provoca preocupações desnecessárias e não deve existir no dono
de casa soviético. A previsão de nosso proprietário deve
caracterizar-se por sua tranquilidade, por um cálculo feito de
maneira racional e com muita antecedência, pela escolha serena
do que é necessário e a rejeição do resto.

Mas a principal característica da previsão é que ela não se


assemelha à avareza: é preciso que a criança dirija
preferentemente essa previsão aos outros membros da família e
não a si própria e sobretudo que o demonstre para com as coisas
pertencentes ao conjunto da família.

A previsão é a origem da planificação e do cuidado. Distingue-


se, desse modo, da necessidade de acumular que caracteriza a
família burguesa. Os pais devem habituar as crianças a traçar
planos desde pequeninas. De vez em quando devem discutir em
conjunto, examinar aquilo de que a família necessita e estabelecer
os meios de prover a estas necessidades. Se a criança sabe que um
objeto qualquer, o sofá por exemplo, se estraga, precisa ser
consertado e substituído, harmonizará por si mesma suas
necessidades pessoais com esta necessidade geral e será a primeira
a lembrá-lo aos pais. É importante que, ao mesmo tempo, se

94 | ANTON MAKARENKO
chame a atenção da criança para minúcias importantes e suas
relações recíprocas. Por vezes um objeto de valor se deteriora
simplesmente porque lhe falta um nada e é sobre isto que se deve
chamar a atenção do proprietário.

CUIDADO

É um aspecto particular da previsão. A diferença entre eles


reside em que esta se expressa sobretudo nos pensamentos e
cálculos do homem, enquanto que o cuidado é uma questão de
hábito. Pode-se ter muita previsão e ao mesmo, tempo carecer de
hábitos de cuidado, a cuja formação se deve proceder o mais cedo
possível.

Deve-se ensinar a criança, desde pequena, a comer sem sujar


a toalha e a roupa, a utilizar os objetos sem sujá-los nem quebrar.
Tais hábitos são difíceis de adquirir, mas devemos empenhar-nos
em formá-los. Nesse sentido nenhuma admoestação pode ser útil
se não existir o costume, que só pode ser adquirido por meio da
correta execução de exercícios. Se, ao correr pela casa, a criança
derruba uma cadeira, é inútil fazer todo um discurso a respeito,
mas se lhe deve dizer: «Vamos ver se você consegue passar sem
derrubar a cadeira. Experimente. Excelente! Você o conseguiu
muito bem.»

Se, por exemplo, uma criança de sete anos sujou ou rasgou a


roupa, deve-se consertá-la e devolvê-la, dizendo: «Tome sua
roupa, agora ela está limpa. Vamos ver como estará daqui a uma
semana.»

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 95


É necessário despertar na criança o desejo de ser sempre
cuidadosa, acostumá-la de tal modo a engraxar os sapatos, que se
sinta inibida de calçá-los quando estão sujos.

Particular cuidado deve se ter também com os objetos


pertencentes à família, com as coisas das outras pessoas e com os
objetos de utilidade pública. Nunca se deve permitir que a criança
seja negligente com os abjetos da rua, do parque ou do teatro.

RESPONSABILIDADE

O sentido de responsabilidade não consiste no temor ao


castigo, mas no sentimento de mal-estar que se experimenta
quando um objeto quebrou-se ou estragou-se per nossa culpa.
Este, o senso de responsabilidade que convém desenvolver no
cidadão soviético e é por esta razão que não é conveniente punir
ou ameaçar de castigo se um objeto se quebrou, mas, antes, fazer
com que a própria criança compreenda o prejuízo que causou aos
outros por sua conduta negligente com o objeto e fazer com que
se arrependa disso. Naturalmente, é necessário conversar a
respeito com a criança, explicar-lhe as consequências de seu ato,
mas, melhor ainda, é que ela o verifique por sua própria
experiência. Se quebrou um brinquedo, não deve haver pressa em
comprar-lhe outro, nem em jogá-lo fora, mas, importa que durante
algum tempo ela o tenha à vista e sinta a necessidade de consertá-
lo. É útil que os pais conversem sobre este conserto, para que a
criança veja a preocupação que lhes causou e que o interesse deles
pelo brinquedo é maior do que o seu. Uma vez consertado, é útil
que o pai ou a mãe diga em tom de brincadeira: «Agora ele está

96 | ANTON MAKARENKO
bom, mas convém dá-lo novamente a você? Você não vai ser
novamente descuidado e não vai quebrá-lo mais uma vez?»

Desse modo, a criança começa a compreender que seus atos


podem ter consequências desagradáveis, o que desenvolverá seu
senso natural de responsabilidade. À medida que a criança cresce,
esta responsabilidade natural deve converter-se em hábito e ser
obrigatória.

Se ela continua a dar provas de negligência já então


inadmissível, não se deve falar em tom de brincadeira, mas utilizar
um tom mais sério para despertar seu senso de responsabilidade,
exigir mais ordem e chegar mesmo a dizer, por exemplo: «Isto é
inadmissível. Que não se repita.»

É particularmente importante inculcar o espírito de


responsabilidade nos casos que envolvem interesses dos outros
membros da família ou interesses sociais. Isto não será difícil se
existir um justo espírito coletivo na família.

A PERSPICÁCIA

É uma das particularidades mais importantes das qualidades


familiares, e sem a qual estas não podem existir. Ela consiste em
saber sentir e compreender todas as circunstâncias que envolvem
um caso determinado. Se uma pessoa está fazendo algo, não deve
esquecer que os que a rodeiam também têm suas ocupações. Uma
pessoa não pode orientar-se bem, se está habituada a perceber
apenas o que tem diante dos olhos, se só vê e sente o que ocorre
diante de si. A perspicácia tem imensa importância na vida
doméstica. Quando a criança faz alguma coisa, não deve esquecer

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 97


as outras coisas que tem a fazer, nem as ocupações dos que a
cercam.

Quando brinca, não deve esquecer de que esta cercada de


objetos dos quais precisa cuidar. Se lhe mandam fazer uma compra,
deve voltar com presteza por saber que em seguida deverá fazer
outras coisas para si ou para sua família. A fim de desenvolver esta
faculdade, é útil confiar à criança duas ou três tarefas, dar-lhe
tarefas condicionais ou combinadas. Eis alguns exemplos simples
de tarefas deste tipo:

«Arrume a estante e ao mesmo tempo classifique os livros por


autor.» «Vá comprar arenques, mas, se por acaso vires um bom
robalo, compra-o em vez dos arenques.»

A perspicácia se forma à medida em que a criança se torna


mais cuidadosa e se orienta melhor em todas as particularidades e
detalhes da vida doméstica.

ESPÍRITO PRÁTICO

Esta particularidade é indispensável à execução das tarefas


domésticas mais prolongadas que excedem os limites das
incumbências simples. A partir da idade de 7 a 8 anos, e às vezes
antes, já se pode confiar à criança tarefas complexas, como regar
as plantas, manter os livros em ordem, alimentar o gato, cuidar do
irmão menor.

Questão particularmente importante é a dos gastos.


Recomendamos insistentemente a cada família que se dê à criança
certa independência no emprego de seu dinheiro pessoal e, em

98 | ANTON MAKARENKO
alguns casos, também nos gastos da família. Para isso deve-se
entregar-lhe, uma ou várias vezes no mês, determinadas quantias
estipulando-se com precisão em que devem ser empregadas. A
lista das despesas deve variar de acordo com a idade da criança e
os recursos da família. Eis um exemplo de incumbências adequadas
a um jovem de 14 anos; compra de cadernos, despesas de
transporte, compra de pão, açúcar ou qualquer outro gênero para
toda a família, gastos de cinema para ele e seu irmão mais moço. A
lista será mais complexa e envolverá maior responsabilidade
conforme a idade da criança. Ao mesmo tempo, é indispensável
zelar pela maneira por que o menino ou menina se desincumbem
de suas tarefas, certificar-se de que não abusam de sua liberdade
de gastar, prejudicando outras tarefas. Às vezes esses erros têm
origem na insuficiência da quantia dada, mas pode também
acontecer que o jovem não cumpra suas tarefas com seriedade.
Neste caso, basta falar-lhe, chamar a atenção para seus erros e
aconselhá-lo a corrigir-se. Não se deve absolutamente incomodar
a criança com verificações intermináveis e, menos ainda, com uma
permanente desconfiança. O importante é saber como se conduz
nas atividades que lhe foram confiadas.

Terminamos o exame dos principais aspectos da vida


doméstica. Os pais encontrarão em sua própria experiência muitos
e variados exercícios para desenvolver corretamente o senso de
economia doméstica de seus filhos.

Ao fazê-lo, não devem esquecer que, educando um dono de


casa honesto e eficiente, educam ao mesmo tempo um bom
cidadão. É importante que a economia familiar seja organizada
num espírito coletivo, tranquilo e disciplinado, a fim de evitar o

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 99


nervosismo supérfluo, as lamúrias e para que haja mais energia e
entusiasmo nos esforços para melhorar a vida familiar.

Resumamos o conteúdo da conferência de hoje.

A atividade econômica da família é um dos domínios mais


importantes do trabalho educativo. Nela se formam:

• O senso coletivo ou a solidariedade real do


homem com o trabalho e o interesse dos outros,
com os interesses de toda a sociedade. (Este
sentimento se forma relacionando-se a criança
com o trabalho dos pais, fazendo-o participar do
orçamento da família, com a sobriedade nos
tempos de abundância e com a dignidade nas
épocas de dificuldade.)

• A honestidade, ou a atitude franca e sincera


em relação às pessoas e às coisas.

• A previsão, ou seja a atenção constante pelas


necessidades da família e pelo plano para
satisfazê-las.

• O cuidado, ou o hábito de zelar pelos


objetos.

• A responsabilidade, ou o sentimento de
culpa, de acanhamento por ter estragado ou
quebrado um objeto.

100 | ANTON MAKARENKO


• A perspicácia, ou, em outras palavras, a
capacidade de dar atenção simultaneamente a
um grupo de objetos e questões.

• O espírito prático, ou a boa repartição de seu


tempo e de seu trabalho.

Toda a economia doméstica deve ter caráter coletivista e ser


dirigida com calma, sem nervosismo.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 101


SEXTA CONFERÊNCIA
EDUCAÇÃO PARA O TRABALHO
Não se pode conceber uma educação soviética correta que
não seja uma educação dos hábitos de trabalho. O trabalho sempre
foi fundamental na vida do homem para assegurar seu bem-estar
e sua cultura.

Em nosso pais, o trabalho deixou de ser um objeto de


exploração e converteu-se numa questão de honra, de glória, de
valor, de heroísmo. Nosso Estado é um Estado de trabalhadores e
inscreveu em sua Constituição: «Quem não trabalha não come.»

Por isso o trabalho deve ser também um dos elementos


básicos da educação. Procuraremos analisar pormenorizadamente
o sentido e o alcance da educação para o trabalho, na família.

Os pais nunca devem esquecer que seu filho será membro de


uma sociedade de trabalhadores e que seu papel nesta sociedade,
seu valor como cidadão dependerão exclusivamente do grau de sua
participação no trabalho. Seu bem-estar e seu nível material de
vida também dependerão de sua contribuição, pois nossa
Constituição estabelece: «De cada um segundo sua capacidade, a
cada um segundo seu trabalho»

Sabemos que, por natureza, todos os indivíduos possuem


aproximadamente as mesmas possibilidades de trabalho, mas que

102 | ANTON MAKARENKO


na vida real, uns trabalham melhor, outros pior; enquanto uns são
capazes de realizar apenas tarefas muito simples, outros podem
efetuar trabalhos mais complexos e, por conseguinte, de mais
valor. Estas diferentes capacidades de trabalho não são inatas, se
educam durante a vida, especialmente durante a juventude.

Disso resulta que a preparação para o trabalho, a formação


das qualidades de trabalho do homem não representam apenas a
preparação e educação de um futuro bom ou mau cidadão, mas
significam a formação de seu futuro nível de vida, de seu bem-
estar.

Pode-se trabalhar por necessidade vital. Na história da


humanidade o trabalho teve quase sempre um caráter coercitivo,
de esforço penoso, necessário para não se morrer de fome. Mas,
desde os tempos antigos, os homens procuravam não ser apenas
força de trabalho, mas uma força criadora. Nem sempre isto lhes
foi possível, nas condições de desigualdade e de exploração de
classe.

No Estado soviético, todo trabalho deve ser um trabalho


criador, pois todo ele se volta para a criação de riquezas sociais e
culturais. Ensinar a trabalhar criadoramente é tarefa particular do
educador.

O trabalho criador só é possível quando o homem trabalha


com amor, quando o homem sente real prazer em seu trabalho e
compreende a utilidade e a necessidade desse trabalho, quando
este se torna para ele uma forma fundamental de expressão de sua

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 103


personalidade e de seu talento. Somente quando se formou
profundo hábito de esforço de trabalho é possível esta atitude
relativamente ao trabalho; nesse caso, nenhuma tarefa se torna
difícil quando possui um sentido.

O trabalho criador é completamente impossível nos homens


que têm medo de trabalhar, que temem a sensação de esforço, e
receiam em suma o suor em sua fronte e que procuram
constantemente se verem livres do trabalho o mais depressa
possível para poderem fazer outra coisa, que, imediatamente
começada, deixa de atraí-los.

Ao comunicar-se o hábito e o prazer do esforço, não se está


apenas educando o homem para o trabalho, mas formando-se,
também o camarada, isto é, preparando-se relações justas entre os
homens. É também uma formação moral. Na União Soviética, o
homem mais imoral é aquele que procura a cada passo se furtar ao
trabalho, que se limita tranquilamente a observar como trabalham
os outros e exploram os frutos de seus esforços.

Pelo contrário, os esforços de trabalho em comum, o trabalho


coletivo, a ajuda mútua no trabalho e a interdependência
constante dos trabalhadores só podem criar sadias relações entre
os homens, relações estas que não consistem unicamente em
consagrar à sociedade todas as suas forças, mas em exigir o mesmo
esforço da parte dos outros, em não tolerar parasitas a seu lado.
Unicamente a participação no trabalho coletivo permite que o
homem mantenha relações corretas com os outros homens:

104 | ANTON MAKARENKO


afeição e amizade familiar para com todo homem trabalhador,
indignação e repúdio para com o preguiçoso, o homem que foge
ao trabalho.

Seria falso crer que a educação dos hábitos de trabalho só


desenvolve os músculos e as qualidades dos sentidos (visão, tato,
habilidade manual).

O desenvolvimento físico no trabalho tem evidentemente


também grande significação: é um elemento importante e
indispensável da cultura física, mas a sua utilidade principal é o
desenvolvimento psíquico e espiritual do indivíduo. É esse
desenvolvimento espiritual produzido por um trabalho harmonioso
que distingue o cidadão de uma sociedade sem classes do cidadão
de uma sociedade dividida em classes.

É indispensável assinalar outra particularidade, à qual


infelizmente pouca importância é dada entre nós: o trabalho não
tem apenas importância social e produtiva, tem grande
importância também na vida individual.

Vemos o quanto são felizes e alegres os homens que sabem


fazer muitas coisas, que têm êxito em tudo e que prosperam em
tudo, que são capazes e serenos, que sabem dominar e governar
as coisas. Ao contrário, nos inspiram pena as pessoas que se detêm
ante o menor obstáculo, que não sabem bastar-se a si próprios,
mas vivem precisando dos caridosos serviços e da ajuda dos outros,

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 105


e se ninguém as ajuda, vivem incomodamente, sem conforto, na
sujeira e na desordem.

Estas coisas precisam ser bem meditadas pelos pais, que


verão, a cada passo, em sua vida e na de seus amigos, a
confirmação da grande importância de que se reveste a educação
dos hábitos de trabalho. Em sua tarefa de educadores, os pais
jamais devem esquecer-se deste princípio. É, na verdade, difícil
proporcionar aos filhos uma educação profissional no seio da
família, pois que esta carece dos recursos necessários para isto; ela
se obtém nas organizações do Estado: escola, fábrica,
administração e universidade. À família não cabe, em nenhum
caso, dar às crianças uma qualificação nesta ou naquela
especialidade.

Antigamente, se o pai era sapateiro, o filho devia aprender o


mesmo oficio; se era carpinteiro, o filho também devia aprender
carpintaria. As filhas, como se sabe, eram sempre destinadas a ser
donas de casa e não podiam ambicionar mais nada.

Agora é o Estado que se preocupa em dar qualificação aos


futuros cidadãos; ele dispõe, para isto, de inúmeros Institutos
poderosos e bem aparelhados.

No entanto, não devem os pais pensar que a educação familiar


nada tem a ver com a qualificação. Ao contrário, é precisamente a
preparação familiar que tem a maior importância na qualificação
futura do indivíduo. A criança que no seio de sua família foi educada
para o trabalho está melhor preparada para adquirir uma
especialização. Ao contrário, as crianças que não se educaram para

106 | ANTON MAKARENKO


o trabalho dentro de suas famílias não poderão, por si sós, alcançar
qualquer qualificação; sofrerão frequentes fracassos e se tornarão
maus trabalhadores apesar dos esforços dos organismos públicos.

Os pais também não devem pensar que entendemos por


trabalho apenas o esforço físico, o trabalho muscular. Com o
desenvolvimento da produção, o trabalho físico vem perdendo
pouco a pouco sua antiga importância na vida social. O Estado
soviético se esforça por abolir completamente o trabalho físico
penoso. Já vemos, na construção, os tijolos serem transportados
por máquinas, e se tornar cada vez mais desnecessário o transporte
manual. Em nossas fábricas, principalmente nas construídas depois
da Revolução, já desapareceu inteiramente todo trabalho físico
penoso.

O homem domina cada vez melhor imensas forças físicas


organizadas, para o que se exige dele crescente desenvolvimento
não físico, mas intelectual: organização, atenção, previsão,
inventiva, presença de espírito, mestria.

Nosso movimento stakhanovista, um dos mais notáveis


fenômenos de nossa pátria, não representa absolutamente a
mobilização das forças físicas da classe operária, mas, justamente,
a mobilização criadora de suas forças morais, libertadas da
opressão pela Grande Revolução Socialista. O verdadeiro
stakhanovista não deposita grande confiança em seus músculos,
mas organiza seu êxito empregando novos métodos para dispor o
material e preparar os instrumentos, pondo em prática novos
arranjos, novos métodos de trabalho. Que os pais não o esqueçam.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 107


Não devem educar em sua família homens de força bruta, mas
stakhanovistas, homens aptos ao trabalho e aos êxitos socialistas..

Por isto, não devemos pensar que existem, na educação,


diferenças fundamentais entre o trabalho manual e o trabalho
intelectual. A organização do trabalho, seu lado mais humano,
existe tanto no trabalho intelectual como no manual. Se confiamos
ao menino ou à menina apenas uma coisa a fazer, sempre a mesma,
um trabalho físico que só dependa de energia muscular, este
trabalho terá uma diminuta significação pedagógica, se bem que
não se possa dizer que este esforço tenha sido inteiramente inútil.
A criança se habituará ao esforço de trabalho, participará do
trabalho social, educar-se-á normalmente trabalhando como todo
o mundo. Mas, não será uma educação stakhanovista, se não
acrescentarmos a este esforço de trabalho, tarefas interessantes e
organizadas.

Passaremos a falar sobre um aspecto do método que possui


grande importância na educação para o trabalho: é preciso que se
encarregue a criança de uma tarefa para cuja realização ela deva
escolher um processo de trabalho. Esta tarefa não deve ser
realizada num prazo curto de um ou dois dias. Pode ter um caráter
mais prolongado que exija meses ou anos. O que importa é deixar
à criança uma certa liberdade na escolha dos meios e que essa
tarefa envolva uma certa responsabilidade e exija qualidade no
trabalho. Isto é muito mais proveitoso do que dizer: «Eis um
espanador, tira o pó da sala e fá-lo deste ou daquele modo.»

É melhor confiar à criança a limpeza de uma peça determinada


da casa, e deixá-la escolher sozinha o modo de fazê-la. No primeiro

108 | ANTON MAKARENKO


caso, indicamos à criança uma tarefa puramente muscular, e no
segundo, lhe colocamos um problema de organização, o que é
muito mais útil e elevado.

Por conseguinte, quanto mais complexa e independente for a


tarefa, maior será seu valor pedagógico. Muitos pais não se dão
conta disto. Confiam ao filho tal ou qual trabalho mas se perdem
nos menores detalhes: mandam o filho ou a filha comprar-lhes uma
coisa no armarinho, quando teria sido melhor confiar-lhe uma
tarefa contínua, como, por exemplo, a de zelar para que não falte
sabão ou pasta de dentes para a família.

A participação da criança nas tarefas familiares deve começar


bem cedo. Ela se iniciará nos brinquedos. Deve-se mostrar à criança
que ela é responsável por seus brinquedos, pela limpeza deles e
pela ordem do lugar onde se entretém e onde os guarda. Esse
trabalho deve ser-lhe proposto de forma geral: tudo deve estar
limpo, as coisas em ordem, não se deve derramar água, os
brinquedos não devem estar cheios de pó. Pode-se, é certo,
indicar-lhe como fazer algumas coisas, mas seria bom que a criança
adivinhasse por si mesma que é preciso um pano limpo para tirar o
pó, que é necessária pedi-lo à mamãe, conservá-lo limpo, que
precisa pedir um bom esfregão, etc.... Da mesma forma deve
competir-lhe, na medida de suas forças, bem entendido, o conserto
de seus brinquedos com os materiais colocados à sua disposição.

As tarefas podem ir-se tornando cada vez mais complexas,


desligando-se dos folguedos. Enumeremos alguns aspectos do
trabalho infantil, deixando a cada família o cuidado de corrigir ou

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 109


estender nossa lista, de acordo com suas condições de vida e a
idade das crianças:

1. — Regar as plantas de seu quarto ou de toda


a casa.

2. — Tirar o pó do parapeito das janelas.

3. — Arrumar a mesa para as refeições.

4. — Encher os saleiros e as pimenteiras.

5. — Cuidar do escritório do pai.

6. — Cuidar da estante de livros ou do armário


e conservá-los em ordem.

7. — Receber os jornais e colocá-los no lugar,


separando-os dos velhos.

8. — Dar comida ao gatinho ou ao cachorrinho.

9. — Limpar a pia, comprar sabão, pasta de


dentes e as lâminas de barba do pai.

10. — Encarregar-se da arrumação de um


quarto ou de uma parte do quarto.

11. — Repregar os botões de sua roupa e manter


em ordem a caixa de costura.

12. — Responsabilizar-se pela ordem do armário


da sala.

110 | ANTON MAKARENKO


13. — Escovar as roupas do irmão ou da mãe e
do pai.

14. — Adornar o quarto com retratos, cartões


postais ou quadros.

15. — Quando a família tem uma horta ou uma


estufa, se responsabilizar por um canteiro,
semeando, cultivando e colhendo.

16. — Zelar para que a casa esteja sempre


florida (se necessário, ir à cidade comprar flores,
o que será feito pelas crianças mais velhas).

17. — Se o apartamento tem telefone, tomar


nota dos recados e manter o caderno de
endereços em dia.

18. — Ter o itinerário dos transportes e poder


indicar o meio de chegar aos diversos lugares
onde a família costuma ir mais frequentemente.

19. — Quando a criança é mais velha, deve


organizar sozinha os passeios da família ao teatro
ou ao cinema, estar a par dos programas,
comprar as entradas, guardá-las, etc.

20. — Manter arrumada a farmácia da casa e


cuidar de que não falte nada.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 111


21. — Cuidar para que não haja insetos na casa:
pulgas, percevejos. Tomar medidas enérgicas
para eliminá-los.

22. — Ajudar a mãe ou a irmã nos trabalhos


domésticos.

Cada família encontrará muitas ocupações semelhantes, mais


ou menos divertidas ou complicadas. É evidente que não se pode
sobrecarregar de trabalho a criança, mas em todo caso, é
necessário que não salte aos olhos uma diferença muito grande
entre as responsabilidades domésticas dos pais e as das crianças.
Se o pai ou a mãe estão doentes, os filhos devem ser levados a
ajudá-los. Ocorre diferentemente quando a família tem uma
auxiliar doméstica: as crianças se habituam completamente a
contar com o seu trabalho, em coisas que elas próprias pediam
fazer. Os pais devem controlar cuidadosamente isto e obter que a
auxiliar doméstica não faça as tarefas que a criança possa assumir.

É preciso sempre lembrar que as crianças já podem estar


sobrecarregadas de trabalhos escolares. Evidentemente este é o
trabalho mais importante, o primeiro de todos. As crianças devem
compreender que ao cumprir o trabalho escolar, não estão apenas
se desincumbindo de uma função pessoal, mas de uma função
social, e que não é só diante dos pais que elas respondem por seus
êxitos, mas diante do Estado. De outro lado, não é justo que só
deem valor a seu trabalho escolar e negligenciem todos os outros.
A dedicação exclusiva ao trabalho escolar é perigosa porque faz
nascer na criança um desprezo total pela vida e o trabalho da
coletividade familiar. A atmosfera de coletividade deve sempre ser

112 | ANTON MAKARENKO


visível na família e se manifestar o mais frequentemente possível
na ajuda mútua de seus integrantes.

Como se pode e se deve provocar na criança um esforço de


trabalho? Nas mais variadas formas. Na primeira infância é preciso,
bem entendido, sugerir e mostrar muitas coisas à criança, mas em
geral a fórmula ideal consiste em que ela note por conta própria a
necessidade de fazer um determinado trabalho, veja que a mãe ou
o pai não têm tempo de fazê-lo e procure por iniciativa própria
ajudar à coletividade familiar. Desenvolver a boa vontade para o
trabalho e a atenção às necessidades do grupo familiar é educar
um verdadeiro cidadão soviético.

Acontece, por vezes, que uma criança, por sua inexperiência


ou má orientação, não possa notar por si própria a necessidade de
um determinado trabalho. É necessário, então, indicar-lhe
habilmente, de modo que ela possa determinar sua atitude para
com a tarefa e tomar parte em sua solução. Frequentemente isto é
feito do melhor medo, suscitando um simples interesse técnico
pelo trabalho, mas não se pode abusar de tal processo, pois a
criança deve saber executar as tarefas que não a interessam
particularmente e que, naquele instante, lhe parecem mesmo sem
interesse. De um modo geral, deve-se educá-la de modo que o
aspecto decisivo do esforço de trabalho não seja o divertimento,
mas a utilidade, a necessidade. Os pais devem desenvolver na
criança a capacidade de executar, pacientemente e sem reclamar,
tarefas desagradáveis. À medida que a criança se desenvolve, o
trabalho mais desagradável termina por lhe trazer alegria, se sua
utilidade social é evidente.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 113


Quando a necessidade ou o interesse não são suficientes para
despertar na criança o desejo de fazer um esforço, recorrer-se-á ao
pedido. Esta forma de se dirigir à criança distingue-se das outras
porque a deixa inteiramente livre para escolher. É desse modo que
se concebe um pedido. É preciso mesmo que se o formule de tal
medo que a criança pense que realizou a tarefa por vontade
própria, sem nenhuma pressão. É preciso dizer: «Tenho algo a
pedir-te, é difícil, sei que tens outras coisas a fazer... mas...»

O pedido é a melhor e a mais suave maneira de se proceder,


mas é preciso não abusar, é preferível se recorrer a ele quando se
tem certeza de que a criança o executará com prazer.

Se tendes dúvida a respeito, recorrei a uma ordem simples,


calma, num tem seguro e prático. Se, desde a primeira idade, sois
hábil em alternar ordens e pedidos, e se sobretudo sabeis
despertar a iniciativa pessoal da criança, se vós a habituais a sentir
por si só a necessidade da tarefa e a executá-la de boa vontade,
sabereis dar vossas ordens com suavidade, mas, se negligenciais
vossas tarefas educativas, ser-vos-á necessário recorrer à coerção.

A coerção pode ter diferentes formas: da repetição simples de


uma ordem à reiteração imperiosa e exigente. Em todos os casos,
nunca se deve recorrer à coerção física, pois é o que menos convém
e só pode despertar o desgosto pela tarefa.

O que mais preocupa os pais é o que fazer com uma criança


preguiçosa. É preciso que se diga que só raramente a preguiça ou
o desgosto por um esforço físico se explicam por um mau estado
de saúde, pela fraqueza física ou a falta de entusiasmo. Nesse caso,

114 | ANTON MAKARENKO


é evidente ser melhor consultar um médico. Mas, na maioria dos
casos, a preguiça se deve a um mau hábito que se inicia quando os
pais não desenvolvem a energia da criança, desde a idade mais
tenra, não a habituam a superar as dificuldades, não despertam seu
interesse pelas tarefas domésticas, não a acostumam ao trabalho
nem às satisfações que ele proporciona.

Só existe um meio de lutar contra a preguiça, ou seja atrair


progressivamente a criança para a atividade, despertando
lentamente seu interesse pelo trabalho.

Mas, ao mesmo tempo que se luta contra a preguiça, é


necessário lutar também contra os outros defeitos. Existem
crianças que realizam qualquer tipo de trabalho, mas sem
entusiasmo, sem interesse, sem satisfação ou alegria. Trabalham
porque querem evitar aborrecimentos ou queixas, etc. Esse
trabalho lembra frequentemente o esforço dos animais de carga.
Trabalhadores desse tipo podem perder todo controle de seu
trabalho, habituar-se a não exercer seu senso crítico: tornam-se em
consequência, homens que só sabem servir e ajudar a todo mundo,
mesmo aos que nada fazem. O Estado soviético não pode cultivar
tal submissão quase animal, pois pessoas desse tipo não têm
exigência moral em relação a seu trabalho, nem em relação ao dos
outros.

É verdade que em nosso sistema de produção é impossível a


exploração do homem pelo homem, mas há ainda muitos
espertalhões dispostos a explorar o trabalho de outrem na vida
familiar.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 115


A educação de nossos filhos não pode dar à sociedade seres
dispostos a se deixarem explorar; evitemos desenvolver na vida
familiar uma tendência a explorar os outros.

Eis porque os pais devem cuidar de que os filhos mais velhos


não explorem os mais novos e só devem admitir os casos de ajuda
mútua; devem zelar para que reine total equidade na divisão das
tarefas.

Resta-nos dizer poucas palavras sobre a qualidade do


trabalho. A qualidade do trabalho deve ter a mais decisiva
importância: é preciso sempre exigir a mais alta qualidade, exigi-la
com seriedade. É certo que a criança é ainda inexperiente,
frequentemente incapaz do ponto de vista físico de realizar uma
tarefa com perfeição. Por isso, só se deve exigir dela uma qualidade
que esteja à altura de suas forças e de sua compreensão.

Não se deve repreender uma criança por seu trabalho mal


feito, envergonhá-la ou censurá-la. Deve-se dizer-lhe simples e
tranquilamente que o trabalho não é satisfatório, que deve ser
modificado, corrigido, refeito. Muito menos se deve fazer o
trabalho por ela. Somente em alguns casos raros os pais podem
terminar o que está acima das forças da criança, corrigindo desse
modo o erro que cometeram encarregando-a de uma tarefa muito
difícil.

Somos absolutamente contra as recompensas e as punições


no trabalho: a tarefa e sua solução devem proporcionar à criança
tal satisfação que a torne contente. Constatar que seu trabalho
está bem feito é sua melhor recompensa. Elogiar uma criança por

116 | ANTON MAKARENKO


seu espírito de inventiva e empreendimento, por seus métodos de
trabalho, é também recompensá-la. Mas não se deve nunca abusar
dessas aprovações verbais, nunca se deve felicitá-la por um
trabalho feito, diante de seus amigos e conhecidos.

Menos ainda se deve castigar a criança por um trabalho mal


feito e não terminado. O mais importante neste caso é obter que o
trabalho seja, apesar de tudo, levado a bom termo.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 117


SÉTIMA CONFERÊNCIA
A EDUCAÇÃO DOS HÁBITOS CULTURAIS
Enganam-se tremendamente os pais que julgam que a escola
e a sociedade são os únicos responsáveis pela verdadeira educação
cultural e que a família nada pode fazer nesse sentido. Deparamo-
nos, por vezes, com famílias que dedicam grande atenção à
alimentação da criança, a suas roupas e folguedos e estão
convencidas, ao mesmo tempo, de que a criança não deve fazer
outra coisa senão brincar e armazenar força e saúde para o período
escolar, era que terá bastante tempo para entrar em contacto com
a cultura.

Na verdade, a família deve não somente começar o mais cedo


possível a educação cultural, como também utilizar do melhor
modo possível os grandes meios de que dispõe para fazê-lo.

É fácil cultivar a criança no próprio seio da família; mas que os


pais não pensem que somente a criança deve beneficiar-se desta
cultura, que se trata apenas de uma obrigação pedagógica.

Numa família em que os próprios pais não leem livros nem


jornais, não vão ao teatro e ao cinema, não se interessam pelas
exposições e museus, é evidentemente dificílimo dar à criança a
cultura necessária. Nesses casos, por maiores que sejam os
esforços dos pais, estes serão artificiais e falsos e a criança o sentirá
e pensará que tudo isso não possui a importância que lhe queriam
fazer crer.

118 | ANTON MAKARENKO


Numa família em que, ao contrário, os pais levam uma vida
cultural ativa, em que o jornal e o livro fazem parte integrante da
vida cotidiana, em que todos se interessam pelas questões de
teatro e cinema, se processará a educação cultural sem que os pais
pareçam mesmo notar. Mas, não se pode deduzir daí que a
educação dos hábitos culturais se possa dar espontaneamente e
que este é o melhor método. O espontaneísmo pode fazer muito
mal neste como em todos os outros assuntos, baixar o nível da
educação, permitir que muitos erros e pontos obscuros subsistam.
É justamente o espontaneísmo que se encontra na base de
situações em que os pais começam a erguer os braços ao céu,
perguntando: «Mas, de onde vem isto? Onde meu filho e minha
filha aprenderam tais ideias? Tais hábitos?»

Somente é útil a educação cultural organizada


conscientemente, segundo um plano determinado, um método
correto de controle. A educação cultural da criança deve começar
muito cedo, quando ela ainda está longe de saber ler, quando
apenas começa a ver e ouvir com clareza e a balbuciar algumas
palavras.

Uma história bem contada pode ser o início da educação


cultural. Seria aconselhável que se tivesse um livro de histórias na
estante de cada família!

Nos últimos tempos têm surgido muitos livros infantis. É


preciso encurtar as histórias para que as crianças as compreendam,
modificar o estilo, tornar a narração inteiramente compreensível.
Os pais talvez se lembrem das histórias que ouviram quando
crianças.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 119


A escolha das histórias tem grande importância. É preciso
rejeitar as que falam em espíritos maus, diabos, da fada Carabossa,
de demônios das florestas e das águas, das ondinas. Estas podem
ser contadas às crianças mais velhas, mais armadas contra as
sombrias histórias de antanho. Assim armadas, elas podem
apreciar o lado artístico do conto, escondido sob a aparência de
monstros de intenções hostis e malévolas para o homem. As
crianças mais novas podem aceitar essas fantasmagorias como
coisas reais, voltando sua imaginação para um misticismo sombrio
e apavorante.

As melhores histórias para crianças serão sempre as histórias


de animais. O folclore russo está cheio dessas belas histórias. Da
mesma forma, os outros povos da URSS têm um rico repertório
desses contos. Mais tarde, quando as crianças crescerem, passar-
se-á aos contos sobre as relações humanas. Há muitas histórias
interessantes sobre Ivãzinho, o Inocente, mas é necessário
escolher as que a tolice humana não está colocada em primeiro
plano e em que Ivãzinho é tratado de inocente ironicamente. A esta
série podem-se acrescentar o belo conto de Erchov: Koniok
Gorbounok (O Cavalinho Corcunda). Um gênero mais sério já vem
ilustrar a luta entre ricos e pobres, em que já se reflete a luta de
classes. Recomendamos aos pais prudência na escolha dessas
histórias, afastar as histórias sinistras, histórias que narram a morte
de pessoas honestas e de crianças. De um modo geral, é preferível
escolher as que despertem a energia, a confiança em suas forças, a
visão otimista da vida, a esperança na vitória. A simpatia pelos
oprimidos não deve ser acompanhada de um sentimento de
fatalidade ou de profundo desespero. As imagens dolorosas que

120 | ANTON MAKARENKO


representam os pesadelos da opressão e da exploração só podem
ser mostradas às crianças muito mais velhas.

As gravuras também têm enorme importância para


desenvolver a imaginação infantil e dar ideias amplas a respeito da
vida. Para isso não é preciso escolher revistas infantis, podendo
utilizar-se qualquer reprodução, de quadros, ilustrações e
fotografias, mas de bom conteúdo. Examinando as gravuras, a
criança faz, geralmente, muitas perguntas, interessa-se pelos
detalhes, relações e causas. Mas sempre é indispensável
responder-lhe de modo acessível à sua compreensão. Se faz uma
pergunta à qual não podemos responder, basta dizer-lhe
simplesmente; «Não o compreenderás agora, sabê-lo-a quando
cresceres.» Respostas desse tipo não podem fazer nenhum mal;
habituam a criança a medir suas forças ao fazer as perguntas e lhe
prometem um futuro mais sério e mais interessante!
Encontraremos gravuras interessantes para mostrar-lhe em
qualquer revista e em jornais como Smena, Ogoniok.

Somente em casos excepcionais, e quando existem programas


destinados especialmente a crianças se deve permitir às
criancinhas irem ao cinema ou ao teatro. Mas, de um modo geral,
é melhor abster-se do teatro e do cinema, pois são ainda poucas as
peças bem adaptadas. Por exemplo, a peça simbólica de
Maeterlinck, O Pássaro Azul, não é nada boa para as crianças-.
Evidentemente os pais consideram que, sendo O Pássaro Azul uma
história de fadas, é preciso levar as crianças para assisti-la! Na
realidade, é uma peça completamente incompreensível para as
crianças e, por vezes, até para os mais velhos. Esta peça é animada
por um simbolismo complicado e forçado, as coisas e os animais

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 121


possuem características complexas e contêm muitas imagens
rebuscadas e irreais («terrores»).

A época da aprendizagem da leitura marca uma nítida


transição no trabalho cultural da família. Essa transição se efetua
habitualmente numa atmosfera de coletividade infantil, na escola.
Esse momento tem grande importância na vida da criança. Ela
penetra no domínio do livro e da palavra impressa, algumas vezes
puxada pelas orelhas, deparando-se com dificuldades técnicas
representadas pela letra ou pelo próprio processo da leitura. Não
se deve forçar a criança nesse primeiro trabalho de aquisição da
leitura, mas também não se deve estimular a preguiça que se
manifesta na primeira batalha contra as dificuldades.

É preciso adquirir livros bem acessíveis, impressos em letras


grandes, com muitas ilustrações. Se a criança ainda não pode ler,
eles suscitam nela o interesse pela leitura e o desejo de vencer as
dificuldades.

Aprender a ler marca a segunda etapa da infância, a etapa


dedicada ao estudo e à aquisição de conhecimentos. Nesse período
a escola toma um lugar da maior importância na vida da criança; o
que não quer dizer absolutamente que os pais possam esquecer
suas responsabilidades e transferi-las completamente à escola. É
precisamente o interesse dos pais pela educação cultural das
crianças e o tom cultural geral da família que têm a maior
significação para o trabalho escolar da criança, para a qualidade e
o vigor da aprendizagem, para o estabelecimento de corretas
relações com os professores, os colegas e o conjunto da
organização escolar. É justamente neste período que adquirem

122 | ANTON MAKARENKO


maior sentido os livros, os jornais, o teatro, o cinema, os museus,
as exposições e as outras formas de educação cultural.
Examinemos cada um desses setores.

OS JORNAIS

O jornal já deve ocupar um lugar importante nas impressões


da criança, mesmo quando esta ainda não sabe ler, só pode escutar
a sua leitura. A família deve assinar um jornal. A leitura do jornal
não deve ser realizada sem a participação da criança; os pais não
devem lê-lo cada um para si. Em todo jornal existem matérias para
leitura em voz alta e assuntos que se prestam à conversação, senão
propriamente com a criança, pelo menos em sua presença. É
mesmo preferível falar do que lestes, diante da criança, com ar de
não notar sua presença; ela vos escutará da mesmo forma e com
tanto maior atenção, quanto mais naturais parecerdes. Em cada
jornal encontrareis elementos deste tipo: acontecimentos
internacionais, manifestações de trabalhadores sobre
comemorações, episódios ocorridos nas fronteiras, realizações
stakhanovistas, ações heroicas e corajosas de alguns indivíduos,
edificação e embelezamento de nossas cidades, novas fábricas.

O jornal deve adquirir cada vez maior importância à medida


que a criança se desenvolve e a partir do momento em que
aprendeu a ler. É melhor, evidentemente, fazer uma assinatura de
um jornal de pioneiros para a criança, mas se isto for impossível por
esta ou aquela razão, o mal não é muito grande: os jornais
soviéticos se expressam numa linguagem acessível a todos os
indivíduos que saibam ler e neles sempre se encontrará um
elemento indispensável de sua vida. Mas é forçoso que haja uma

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 123


discussão na família sobre o que se leu ou pelo menos uma
conversa a respeito. Esta discussão não deverá jamais se tornar
uma formalidade, realizada em hora certa, nem levar muito tempo.
Os pais não devem tomar um ar pedante durante ela; a discussão
do que foi lido deve ser feita em tom de conversa livre, e sempre é
melhor que ela nasça ao acaso, de qualquer assunto relativo à vida
doméstica, ou de um assunto levantado por qualquer um. Se não
encontrardes um bom pretexto desse tipo, perguntai
simplesmente; «O que traz de interessante, hoje, o jornal?»

Mais tarde o jornal deve se tomar uma manifestação habitual


e necessária da vida cultural soviética, ser objeto de um interesse
ativo e vivo, desse interesse constante e ardente que o menino e a
menina dedicam à pátria.

OS LIVROS

As crianças também travam conhecimento com os livros


através da leitura em voz alta. E, consequentemente, mesmo
quando a criança já sabe ler, a leitura coletiva deve continuar como
uma das grandes ocupações da família. É bom que a leitura coletiva
seja habitual e que marque uma hora agradável na vida de
trabalho. A princípio a leitura será feita pelos pais, mas, depois,
deve competir às crianças. É muito útil que essa leitura, desde o
início e também mais tarde, não seja feita especialmente para as
crianças, mas no círculo familiar, contando com reações e troca de
ideias coletivas. Somente através dessas leituras em comum pode-
se orientar os gostos das crianças e desenvolver seu senso crítico
era relação a elas.

124 | ANTON MAKARENKO


Além da leitura em voz alta, é indispensável desenvolver
progressivamente na criança o gosto pela leitura individual. A
escola orienta a leitura independente da criança, principalmente
quando já é mais velha, mas os pais também podem desempenhar
um papel muito útil não se mostrando indiferentes a esta leitura.
Sua atenção deve-se expressar do seguinte modo:

a. Controle da escolha da literatura (pois se


constata que ainda agora as crianças têm em suas
mãos livros que não se sabe de onde vieram!).

b. Os pais devem saber como leem as crianças;


é preciso evitar principalmente que a criança
devore página após página sem refletir sobre
elas, seguindo passivamente o desenvolvimento
do enredo.

c. É imprescindível habituar a criança a zelar


por seus livros.

Inúmeros pais são muito tímidos com os livros, pensam que


isto exige estudos especiais, que é necessário ser um alfarrabista
especializado. Não é verdade. Como o demonstrou uma enquete
sobre leitura, o nosso pessoal sabe escolher admiravelmente os
livros, e tão bem quanto as críticas literárias. Em todo caso, os
mestres e o bibliotecário podem e devem sempre aconselhar sobre
a escolha dos livros.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 125


O CINEMA

Em nossa época o cinema é o mais importante fator


educativo, não só para as crianças como também para os adultos.
Na União Soviética todos os filmes são produzidos em empresas do
Estado e mesmo em caso de flagrante fracasso artístico, não
podem fazer nenhum mal às crianças. Na sua maioria servem de
excelente meio educativo, de alto valor artístico.

lsto não quer dizer, no entanto, que se possa deixar que as


crianças frequentem assiduamente o cinema e sem qualquer
controle.

Os pais devem observar, em primeiro lugar, como reage a


criança no cinema. Constata-se, frequentemente, que o cinema se
torna o principal conteúdo de sua vida, levando-a a esquecer todos
os outros deveres e seu trabalho escolar, fazendo com que gaste
todo o seu dinheiro e mesmo que tome emprestado dos pais.

Pode-se também constatar comumente nesses casos outros


aspectos pouco simpáticos desta atração. A criança habitua-se aos
prazeres passivos, que não vão, em geral, além de uma impressão
visual desprovida de qualquer elemento de vontade. Limita-se a
olhar, e as impressões artísticas são superficiais, não atingem sua
personalidade, não lhe despertam pensamentos nem lhe colocam
problemas. Desta forma, a utilidade da frequência ao cinema é
mínima e, por vezes, transforma-se num grande mal.

Por isso, recomendamos aos pais darem atenção ao cinema e


orientarem sempre o filho a respeito.

126 | ANTON MAKARENKO


Aconselhamos aos pais não permitirem que a criança vá ao
cinema mais de duas vezes ao mês. Até os 14, 15 anos, é
conveniente que a criança só vá ao cinema na companhia dos pais
ou dos irmãos mais velhos. Isto é necessário não só para controlar
seu comportamento, mas pelas mesmas razões que nos fazem
recomendar a leitura em comum. Cada filme deve ser o objeto de
discussões que durem pelo menos alguns minutos e de
interpretações feitas em família. Os pais devem fazer com que o
filho expresse sua opinião, conte o que mais lhe agradou ou
desagradou, o que o impressionou. Se os pais veem que a criança
só se apaixona pelos acontecimentos exteriores, como o enredo, a
história das aventuras de tal ou qual herói, devem levá-la, por uma
questão ou outra, aos aspectos mais importantes e profundos do
filme. Por vezes, é inútil fazer perguntas, bastam simplesmente
alguns comentários diante da criança. Numa certa medida, os pais
devem escolher os filmes que convêm à criança. Sempre se tem a
possibilidade de encontrar alguém que já viu o filme e possa dar
uma opinião sobre ele. É preciso evitar certos filmes por tratarem
de temas muito difíceis, uma vez que a criança não compreenderá,
ou outros que tratam de assuntos que possam provocar falsas
reações, filmes outros que colocam muito cedo para a criança
histórias que tratam de amor ou de medicina. Naturalmente, é
preciso fazer a escolha levando-se em conta o estado da criança,
seu trabalho escolar e seu comportamento. Em certos casos, muito
raros, pode-se proibir uma ida ao cinema, se a criança se
comportou mal ou se não fez seus deveres escolares. Mas
acontece, com frequência que um bom filme ajuda a criança a criar
melhores hábitos na escola ou no seu trabalho. Os filmes científicos
são particularmente úteis nesse domínio.

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 127


O TEATRO

O que dissemos sobre o cinema é válido para o teatro. Mas a


teatro coloca mais frequentemente temas acima das forças
intelectuais e da sensibilidade da criança. Espetáculos como Otelo
ou Ana Karenina são absolutamente contraindicados para a
adolescência. É preciso também ser cauteloso no que se refere à
frequência dos balés. Em nossa sociedade se proíbe a entrada nos
teatros noturnos às crianças muito novas.

A questão da escolha das peças não apresenta qualquer


dificuldade, uma vez que muitas cidades possuem teatros especiais
para crianças, com repertórios próprios a elas. A frequência ao
teatro é muito conveniente. Uma peça de teatro exige da parte da
criança uma atenção mais séria, prolongada e contínua. Nesse
sentido as relações com o teatro são muito mais complexas do que
com o cinema. O próprio fato de apresentar um espetáculo com
intervalos atrai muito mais a atenção do espectador pela variedade
dos temas e o leva a uma análise mais ativa. A ida ao teatro exige
toda uma noite e é um acontecimento na vida da criança. Os pais
devem aproveitar esta circunstância. A peça de teatro, ainda mais
que o filme, deve ser acompanhada de discussões e trocas de ideias
na família.

MUSEUS E EXPOSIÇÕES

Quase todas as nossas cidades têm seu museu ou sua galeria


de quadros. Há muitos museus em algumas cidades, mas os pais os
utilizam pouco. E, no entanto, o museu, a exposição, a galeria de
arte nos oferecem importantes meios pedagógicos. Estas visitas

128 | ANTON MAKARENKO


exigem da criança uma atenção contínua, ininterrupta, organizam
seu trabalho intelectual e despertam-lhe sentimentos elevados e
profundos. Ir ao museu não deve ser uma simples ocasião para uma
rápida vista, como dissemos a respeito do cinema. Por isso, não se
deve ir apenas uma vez a um grande museu. É preciso dedicar
muitos dias à galeria Trétiakov. É necessário também visitar duas
ou três vezes os museus da Revolução.

OUTRAS FORMAS DE EDUCAÇÃO CULTURAL

Tocamos até aqui apenas nas principais formas de educação


cultural, sobretudo nas que são organizadas por nosso Governo
soviético. Os pais nada têm a inventar nesses domínios, bastando
utilizar do melhor modo as riquezas culturais de nosso país.

Se os pais utilizam bem o jornal, a livro, o cinema, o teatro e


os museus, muito terão dado a seus filhos nesse domínio dos
conhecimentos e da educação do caráter.

Mas eles podem acrescentar ainda muitas coisas. São mais


variadas do que parecem, à primeira vista, as formas de educação
cultural que a família tem em suas mãos.

Tomemos, por exemplo, um simples dia de passeio no inverno


ou no verão. Um passeio pelos arredores da cidade, com temas tão
magníficos como a reconstrução das cidades, das casas, o traçado
das estradas, a edificação das fábricas, ótimos assuntos para se
encher um dia de repouso! Inútil se torna, evidentemente,
transformá-los em conferências e exposições! O passeio deve ser
um passeio, antes de tudo um descanso; não deveis forçar a
atenção da criança e obrigá-la a ouvir vossos ensinamentos. Mas

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 129


nesses passeios a atenção da criança se fixa espontaneamente no
que vê e algumas palavras, mesmo jocosas, uma narrativa
qualquer, estabelecendo um paralelo com o passado, mesmo uma
história cômica, fixam sua atenção e produzem, sem que se
aperceba, um grande efeito.

A família deve estimular por todos os meios o interesse pelo


esporte. Mas é preciso velar para que esse interesse não
transforme a criança num apaixonado pelo esporte. Se vosso filha
se precipita com paixão para todas as partidas de futebol, conhece
o nome de todos os campeões e as marcas de todos os recordes
atingidos, mas não faz parte, ele próprio, de nenhum clube
esportivo, não patina, não pratica o esqui, não sabe o que é um
volibol, seu interesse pelo esporte não tem qualquer utilidade e
pode ser até prejudicial. O interesse pelo xadrez também não tem
sentido se vosso filho não joga xadrez. Toda família deve procurar
ter filhos esportivos. Evidentemente, seria melhor ainda que os
próprios pais o fossem. Não se pode ter tais pretensões
relativamente a uma determinada geração, mas os jovens pais têm
toda facilidade de se integrar num setor ou noutro do esperte, e
assim será melhor traçado para os filhos o caminho esportivo. É o
momento de lembrar que nossos pais de família pagam um certo
tributo aos esportes, mas que as mães raramente se preocupam
com eles, se bem que o esporte seja muito útil às jovens mães; da
mesma forma, nossas moças são muito menos exercitadas nos
esportes que nossos rapazes,

Existem outras formas de educação cultural na família, além


do passeio e do esperte: organizar espetáculos a domicílio, jornais
murais, manter um diário, organizar correspondência com amigos,

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fazer com que a criança participe nas campanhas políticas e na
arrumação da casa, organizar equipes de jogos infantis, encontros,
passeios, etc.

É preciso distinguir o conteúdo e a forma de todos os aspectos


da educação cultural no lar. É preciso desenvolver, em cada
trabalho, o máximo de atividade por parte da criança, educar não
só sua maneira de ver e ouvir, mas de desejar, querer, lutar e de se
esforçar para obter a vitória, vencer as dificuldades, arrastar os
colegas e as crianças mais novas. Esse método ativo deve-se
distinguir, ao mesmo tempo, pela ausência total de gabolice e de
orgulho.

Acontece frequentemente que o primeiro êxito da criança


num ou noutro trabalho desperta nela uma ideia exagerada de sua
força, desprezo pelos outros e o hábito de vitórias fáceis. Isto pode
traduzir-se mais tarde em dificuldades a vencer obstáculos
repetidos. Sempre é bom que os pais tracem para a criança o plano
de um futuro próximo, interessem-na nesse plano e velem por sua
execução. A leitura de livros e jornais, a frequência ao teatro e aos
museus podem fazer parte desse plano.

Em todo caso os pais devem cuidar atentamente de que esse


interesse pela distração, o simples desejo de matar o tempo não
passem a predominar na criança. Evidentemente cada iniciação na
cultura deve trazer alegria. A principal preocupação dos pais deve
ser a de unir esta alegria com a maior utilidade pedagógica. Os pais
devem demonstrar certa habilidade, sem buscar complicações. Há
sempre uma maneira nova e agradável de a criança ler o jornal.
Pode-se, por exemplo, sugerir-lhe que faça recortes sobre

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 131


determinados assuntos ou ensinar-lhe a fazer o mapa da Espanha
com a indicação das fronteiras. Quando a criança é mais velha,
pode-se fazer com que se interesse pela feitura de um álbum de
recortes de jornal e de desenhos sobre este ou aquele assunto.

Pode-se tornar o trabalho cultural na família muito


interessante e importante, e de grande significação para a
educação, com a ajuda dos mais variados métodos. Mas é sempre
muito importante, mesmo indispensável, que, em todo tema
cultural e em toda atividade, os pais e as crianças vejam o povo
soviético e nossa construção socialista. Todo esse trabalho deve
orientar-se, continuamente, da atividade cultural à atividade
política. A criança deve ver cada vez mais os atos heroicos de nosso
povo, seus inimigos e saber que é responsável, juntamente com os
outros, por sua vida cultural consciente.

132 | ANTON MAKARENKO


OITAVA CONFERÊNCIA
A EDUCAÇÃO SEXUAL
A educação sexual é considerada como um dos mais difíceis
problemas pedagógicos. Na verdade, nunca uma questão foi tão
confundida nem foi objeto de tantas opiniões erradas. Na prática,
no entanto, não é tão difícil e é resolvida, em muitas famílias, de
modo simples, sem vacilações mortificantes. Ela se torna difícil,
quando é focalizada separadamente, desvinculada do conjunto dos
outros problemas educativos, e recebe importância excessiva.

A educação sexual não oferece dificuldades quando os pais


têm um conceito definido de seus objetivos e sabem, portanto, ver
claramente os meios de alcançá-lo.

Todo ser humano, ao atingir uma determinada idade, tem vida


sexual. É um aspecto comum à maioria dos seres vivos.

A vida sexual do homem difere substancialmente da do


animal, e nesta diferença encontra-se o objetivo da educação
sexual. O animal sente necessidade da vida sexual na medida em
que ela tende à procriação, e praticamente não é susceptível de
corrupção.

O homem, ao contrário, busca o prazer sexual


independentemente do desejo de procriação, tendência que pode
adquirir formas muito desordenadas e moralmente reprováveis, e
que provoca sua própria desgraça e prejudica os demais. O homem
percorreu uma longa história de desenvolvimento evoluindo como

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 133


tipo zoológico e também como ser social. Durante esse processo,
elaboraram-se ideais humanos sobre muitos aspectos da moral,
entre os quais, os relativos às relações sexuais. Na sociedade
dividida em classes, esses ideais são violados no interesse das
classes governantes. Tais violações observam-se na estrutura da
família, na situação da mulher e na despótica autoridade do
homem. Países há em que existe uma verdadeira compra e venda
de mulheres; conhecemos muitas formas históricas de poligamia
em que a mulher era considerada como simples objeto de prazer
para o homem; existe o fenômeno degradante da prostituição, em
que o homem compra temporariamente a carícia feminina;
finalmente, conhecemos os marcos coercitivos da família
indissolúvel, em que o homem e a mulher são constrangidos a
viverem em comum mesmo contra sua vontade.

A Revolução Socialista de Outubro liquidou esses restos


disformes da sociedade de classes. Destruiu as cadeias da
convivência forçada e libertou a mulher de muitos envilecimentos
que lhe impunha o homem.

Somente depois da Revolução de Outubro a vida sexual do


homem se tornou próxima dos ideais com que a humanidade sonha
há séculos. Não faltaram os que interpretaram mal essa nova
liberdade, pensando que a vida sexual pode consistir numa troca
desordenada de pares conjugais, no chamada «amor livre». Numa
sociedade bem organizada, socialista, tal prática da vida sexual
conduz necessariamente a uma simplicidade de relações indigna
do homem, à vulgaridade, a vidas difíceis de viver, a desgraças, à
destruição da família e à orfandade de crianças.

134 | ANTON MAKARENKO


Em sua vida sexual, da mesma forma que nos outros aspectos
da vida, o homem jamais deve esquecer-se de que pertence à
sociedade, é cidadão de sua pátria e participa da construção
socialista. Por isso, em todas as suas atitudes, tanto em relação à
mulher quanto em relação ao homem, não deve esquecer as
exigências da moral comunista, a qual protege sempre os
interesses de toda a sociedade e exige de cada cidadão o
cumprimento de normas definidas, também na esfera sexual. A
educação das crianças se fará de modo que sua conduta futura não
entre em choque com esta moral.

O que exige a moral comunista em matéria de vida sexual?


Exige que a vida sexual de cada homem e de cada mulher esteja em
harmonia constante com as duas expressões tão importantes da
vida humana, como sejam a família e o amor. Considera como
normal e moralmente justificável unicamente a vida sexual que se
baseia no amor recíproco e que se manifesta no casamento, ou
seja, na união civil pública e aberta do homem e da mulher, cujos
objetivos são a felicidade humana, a procriação, e a educação dos
filhos.

Daí surgem claramente os objetivos da educação sexual:


configurar a formação espiritual da criança de tal forma que ela
venha, no futuro, a considerar o amor como um sentimento
profundo e sério, e que o realize em busca de sua felicidade e
prazer dentro dos limites da família.

Desse modo, ao considerar a educação do futuro sentimento


sexual de nosso filho, devemos concebê-la como a sua formação
emocional em matéria de amor e sua educação como futuro

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 135


homem de família. Encarada de outro modo, a educação sexual
será daninha e antissocial. Todo pai deve compreender claramente
— e, consequentemente, agir para que isso aconteça — que o
futuro cidadão que está educando só pode encontrar a felicidade
no amor familiar, única fonte também de alegria sexual para ele. Se
não tiverdes este objetivo, ou não o alcançardes, vossos filhos
serão desordenados na vida sexual, sofrerão toda sorte de dramas,
infelicidades, e sua vida será suja e prejudicial para a sociedade.

Uma educação social correta, da mesma forma que qualquer


outro aspecto da formação do caráter, é fundamentalmente o
efeito de uma boa organização familiar, da orientação construtiva
do desenvolvimento de um autêntico homem soviético, que se
opera lenta, mas permanentemente.

Os fatores decisivos em matéria de amor e vida familiar são a


personalidade moral e política do indivíduo, seu desenvolvimento
geral, sua capacidade de trabalho, honestidade, aptidões, sua
lealdade para com a pátria e amor à sociedade. Por isso se pode
afirmar que a educação sexual do futuro homem processa-se a
cada passo, até mesmo quando nela não pensam os pais e
educadores. O velho provérbio: «A preguiça é a mãe de todos os
vícios» reflete muito bem essa lei geral, mas os vícios têm mais de
uma mãe. Não só a preguiça, mas todo desvio da conduta social
leva inevitavelmente a um modo de agir vicioso na sociedade e a
uma vida sexual desordenada.

Por isso, em matéria de educação sexual o decisivo é o


conjunto do trabalho educativo, todos os seus aspectos e não
alguns procedimentos isolados considerados como especiais.

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A educação sexual da criança se realiza quando se inculca nela
a honestidade, a franqueza, a retidão, o hábito de asseio, a
sinceridade, o respeito aos outros, o amor à pátria, a lealdade às
ideias da Revolução Socialista, quando se lhe dá capacitação para o
trabalho. Entre todos esses fatores educativos, alguns têm relação
mais direta com a educação sexual, mas todos, tomados em seu
conjunto, determinam em grande medida o êxito da educação dos
futuros cônjuges.

Algumas pessoas creem na existência de métodos e


procedimentos especiais para a educação sexual, depositam neles
grandes esperanças, pensando que são a mais sábia expressão da
criação pedagógica.

Em tudo isto é necessário proceder com muito tino e


submeter estas opiniões a um cuidadoso, exame crítico, porque
podem conter orientações errôneas.

É muito antiga a preocupação com a educação sexual. Muitos


pensavam que a esfera sexual é a mais importante e decisiva na
constituição física e psíquica do homem e que toda a sua conduta
depende do fator sexual. Os partidários dessas teses «teóricas» se
empenham em demonstrar que toda a educação de um jovem ou
de uma jovem é essencialmente uma educação sexual.

Muitas dessas «teorias» ficaram sepultadas nos livros, sem


alcançar a massa de leitores, mas algumas infiltraram-se em
amplos círculos e engendraram opiniões daninhas e perigosas.

Sua principal finalidade era preparar racionalmente a criança


para a vida sexual, de modo que nada visse de secreto nela, nada

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 137


de «vergonhoso». Com esse objetivo, procuravam iniciar o quanto
antes a criança em todos os seus mistérios, explicar-lhe o processo
da procriação. Apontavam com verdadeiro «terror» os
«simplórios» que enganam as crianças com fábulas sobre cegonhas
e outras coisas responsáveis pela procriação. Ao fazê-lo, partiam da
premissa de que se se conta e explica tudo à criança, se se elimina
de seu conceito de amor sexual tudo o que há de vergonhoso,
consegue-se uma educação sexual correta.

É preciso examinar com muito cuidado tais opiniões. Os


problemas da educação sexual devem ser encarados com muita
calma, sem raciocínios duvidosos. É verdade que a criança
pergunta com muita frequência de onde vêm os bebês. Mas isto
não basta para justificar a pretensa necessidade de explicar-lhe
tudo desde a primeira infância. A ignorância da criança não se limita
a isto. Ignora muito a respeito dos outros aspectos da vida e nem
por isso nos apressamos a sobrecarregá-la prematuramente com
conhecimentos que não está em condições de adquirir.

Não explicamos a uma criança de três anos a causa do calor


ou do frio, porque os dias ora são mais longos e ora mais curtos. Da
mesma forma, não explicamos a uma criança de sete anos a
estrutura de um motor de avião mesmo que ela se interessa em
saber. Todo conhecimento tem seu tempo e não existe perigo em
responder-lhe: «És ainda muito pequeno, quando fores mais velho
sabê-lo-as.»

Por outro lado, é preciso ver que a criança não tem nem pode
ter qualquer interesse especial pelos problemas sexuais. Esse
interesse vem a surgir verdadeiramente na puberdade, mas,

138 | ANTON MAKARENKO


comumente, nessa época as questões sexuais já nada têm de
misteriosas para o adolescente.

Vemos por aí que não existe uma necessidade imperiosa de


lhe revelar «o mistério da procriação» por causa de uma pergunta
casual. São manifestações que não contêm ainda nenhuma
curiosidade sexual especial, e o fato de não se lhe revelar «o
mistério» não lhe causa o menor sofrimento. Pode-se fugir à
resposta com uma brincadeira ou um sorriso, e a criança esquecerá
a pergunta, preocupando-se com outra coisa. Mas, se se conversa
com ela sobre os mais íntimos detalhes das relações entre homem
e mulher, desperta-se nela a curiosidade pelo problema sexual e se
torna necessário, depois disso, conter sua imaginação
prematuramente despertada. O conhecimento que se lhe possa
comunicar a respeito, lhe é completamente desnecessário e inútil,
mas, em troca, o jogo de imaginação que se lhe despertou pode ser
o começo de prematuras experiências sexuais.

Não se deve temer que a criança venha a conhecer o segredo


da procriação através de seus companheiros e amigas e mantenha
esse conhecimento em reserva. Muitos aspectos da vida formam
uma região íntima, reservada, que não se pode compartilhar com
todos e exibir diante da sociedade, e a criança deve saber disso. O
momento de se falar com ela sobre a vida sexual chegará apenas
quando já se formou nela essa atitude em relação à vida intima,
quando adquiriu o hábito do sábio silêncio a respeito de algumas
coisas. Essas conversas devem ser estritamente reservadas entre o
pai e o filho ou entre a mãe e a filha. Serão úteis porque
corresponderão ao natural despertar da vida sexual do jovem, e
não poderão prejudicar, porquanto pais e filhos estarão de acordo

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 139


em que se trata de um assunto importante, cuja análise é
necessária por múltiplas razões e tem utilidade real, embora se
trate de uma questão íntima. Estas conversas devem versar sobre
problemas de higiene sexual e em particular sobre a moral sexual.

Ao se reconhecer a necessidade dessas conversas no período


da puberdade, não se deve superestimar sua importância. Seria
melhor até que fossem realizadas pelo médica ou organizadas na
escola. É sempre preferível que entre pais e filhos exista uma
atmosfera de delicadeza e pudor, que pode alterar-se com
conversas muito francas sobre temas tão difíceis.

Existem outros motivos que condenam as conversas


prematuras com os filhos sobre questões sexuais; elas podem fazer
com que a criança focalize o problema de modo. grosseiramente
realista, e podem engendrar o cinismo com que, às vezes, os
adultos compartilham frivolamente com os outros suas
experiências sexuais mais íntimas.

De um modo geral, essas conversas colocam o problema em


sua expressão, fisiológica mais estreita e ele não é dignificado com
os temas do amor, que eleva a atitude do homem para com a
mulher, e torna esta atitude socialmente mais valiosa.

Quer se queira ou não, tais conversas serão de caráter


fisiológico, uma vez que não há maneira de explicar a uma criança
que as relações sexuais são justificadas pelo amor, dado que a
criança carece de todo conceito relativo ao amor.

Quando se aborda o problema com os filhos no momento


justo, já existe uma possibilidade de colocá-lo no terreno do amor

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e infundir-lhes o devido respeito por estas questões, baseado num
sentimento cívico, estético e humano. Nossos jovens de ambos os
sexos se familiarizam com os temas sobre o amor através da
literatura, da vida ambiente e de sua experiência social. Esses
conhecimentos devem servir de base aos pais para sua ação
educativa.

A educação sexual consiste precisamente na educação do


amor, o maior e mais profundo sentimento, ornado pela
identificação nas aspirações, esperanças e na vida toda. Essa
educação deve desenvolver-se sem análises muito realistas — de
certo modo cínicas — dos aspectos puramente fisiológicos.

Como se desenvolve essa educação? Neste assunto, o


principal fator é o exemplo. Um autêntico amor entre os país, seu
respeito mútuo, os cuidados que se prodigam, as expressões de
ternura e carinho admissíveis abertamente, se tudo isto ocorre à
vista dos filhos desde os primeiros anos, serve de meio educativo
mais eficaz, provoca necessariamente a atenção dos filhos para
relações tão sérias e belas entre o homem e a mulher.

O segundo fator é a educação geral do sentimento de amor.


Se a criança não aprendeu a amar seu pais e irmãos, sua escola, sua
pátria, se, em seu sentimento., se arraigaram princípios de um
grosseiro egoísmo, é muito difícil acreditar-se que quando crescer
será capaz de amar honradamente à mulher que eleger. De um
modo geral, tais homens se caracterizam por seus intensos
impulsos sexuais, mas não respeitam a mulher por quem se sentem
atraídos, e desprezam sua vida espiritual, que não lhes desperta o
mínimo interesse. Por isso mudam com facilidade seus afetos e não

O SOCIALISMO E EDUCAÇÃO DOS FILHOS | 141


estão longe da corrupção vulgar. Naturalmente, isto não é um
fenômeno exclusivamente masculino; ocorre também entre as
mulheres,

O amor à margem do sexo, a amizade, a experiência deste


«amor-amizade» vivida na infância, a experiência de afetos
duradouros por diversas pessoas, o amor à pátria, são sentimentos
que, bem educados desde a mais tenra infância, constituem o
melhor método para a formação da futura atitude para com a
mulher amiga, uma atitude de alto valor social. Se não se consegue
educar uma relação com este caráter, será muito difícil disciplinar
e dominar o setor sexual.

Por isso, aconselhamos aos pais que dediquem muita atenção


ao problema dos sentimentos da criança para com os demais e para
com a sociedade. É preciso procurar fazer com que tenha amigos
(os pais, os irmãos, os companheiros), que suas relações com eles
não sejam ocasionais e egoístas e que não lhes sejam indiferentes
os interesses dos amigos.

É conveniente despertar o quanto antes o interesse da criança


por sua cidade ou aldeia, pela fábrica em que trabalha o pai e,
finalmente, por todo o nosso país, sua história e seus heróis. É
evidente que não é suficiente conversar com ela a respeito destas
coisas. É necessário que a criança veja muitas coisas, pense e viva
experiências interessantes. O cinema, o teatro e a literatura são
meios muito adequados para esses objetivos.

Uma educação como a que descrevemos também será


positiva no sentido sexual. Criará condições de caráter e os traços

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de personalidade próprios ao homem coletivista que se conduzirá
com moralidade também no campo sexual.

No mesmo sentido gravitará também um regime familiar


correto. Quem foi acostumado à ordem desde a mais tenra infância
e não teve experiências de vida desordenada e irresponsável,
comportar-se-á no futuro do mesmo modo em suas relações com
as pessoas do outro sexo.

Um regime correto influi de modo benéfico na educação


sexual também por outros motivos. A experiência desordenada
neste sentido começa em muitos casos em encontros casuais de
rapazes e moças devido ao ócio, ao tédio, a uma desocupação
incontrolada. Os pais devem saber com quem e com que objetivo
se encontra seu filho. Finalmente, um regime correto contribui
para um maior equilíbrio físico da criança, equilíbrio que evita a
eclosão precoce das experiências sexuais. Deitar-se e levantar-se
na hora certa, não ficar na cama sem necessidade, contribui para
uma boa têmpera moral e, portanto, para a sobriedade sexual.

Outro fator positivo na educação que estamos considerando


é o fato de ter a criança tarefas e preocupações normais, de acordo
com sua idade e suas possibilidades. Já nos referimos a isto em
outras oportunidades, mas trata-se de uma questão que tem
importância também para a educação sexual.

Certo cansaço normal e agradável ao anoitecer, e a ideia dos


trabalhos e obrigações do dia seguinte, são fatores que criam uma
base valiosa para o curso normal da imaginação e para uma
apropriada distribuição das energias da criança durante o dia.

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Em tais condições, não aparecem na criança tendências físicas
nem psíquicas para a ociosidade, para um excessivo voo da
imaginação e para os encontros e impressões fortuitos.

As crianças que passam sua primeira infância num ambiente


de regime correto e preciso, adquirem comumente simpatia por
esse regime, habituam-se a ele e nelas se forma uma atitude
correta para com os demais.

O esporte faz parte também de uma educação geral correta


que se reflete inevitavelmente na esfera sexual. As práticas
esportivas bem organizadas, especialmente a patinação, o esqui, o
remo, a ginástica regular, trazem proveitos que não requerem
demonstrações.

Todas essas medidas educativas não parecem ter relação


direta com os objetivos da educação sexual, mas levam a eles, uma
vez que contribuem de modo muito eficaz para a educação do
caráter e integram a experiência física e psíquica da juventude. São,
portanto, recursos muito eficientes para a educação sexual.

Quando esses métodos e princípios são aplicados na família,


torna-se mais fácil e efetiva a influência direta dos pais sobre a
juventude por meio de conversações. Se, ao contrário, não existem
estas condições, se não se educam os sentimentos de solidariedade
para com os outros e para com a coletividade, se não se organiza o
regime e o esporte, não poderá haver conversações produtivas por
mais engenhosas e oportunas que forem.

Estas conversas devem surgir em consequência de um caso


concreto. Nunca devem ser realizadas adiantadamente, a título de

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prevenção, quando o comportamento da criança não dá motivo
para tal. Mas, ao mesmo tempo, o menor desvio deve ser
apontado, para evitar omissões inconvenientes e que se venha a
deparar com um fato consumado.

Podemos considerar como motivos adequados para tais


conversas: as expressões ou falas cínicas, o excessivo interesse
pelos escândalos familiares dos outros, pela atitude suspeita e não
totalmente honesta para com os casais de namorados, a amizade
frívola com as meninas, impregnada visivelmente pelo simples
interesse sexual, a falta de respeito para com a mulher, a inclinação
excessiva pelos enfeites, a coqueteria precoce, o interesse por
livros que tratam com crueza as relações sexuais.

Quando a criança já é mais velha, estas conversas podem


encarar com mais amplitude a análise do problema, indicar
soluções concretas e positivas, invocando também diversos
exemplos de outros jovens.

Tratando-se de rapazes e mocinhas muito jovens, tais prédicas


devem ser breves, devendo apelar-se, às vezes, diretamente para
a repreensão, para a proibição, exigindo uma conduta limpa.

Mais úteis ainda são as referências de diferentes casos de


problemas sexuais ocorridos no lugar e que provocam um
sentimento de repulsa e de franca condenação. Em tal ocasião, é
conveniente manifestar que se espera dos filhos outro
comportamento, do qual se está tão seguro que nem se o
menciona. Era semelhantes ocasiões, não se deve dizer: «Nunca

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façam isto., pois está errado»; é útil usar uma expressão como: «Sei
que nunca procederás deste modo; não és assim.»

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