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$ Sobreviver, mais uma vez! Maio


Ernani Chaves 
6 de maio de 2020 LEIA

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pandemia-covid-19/) DICOES/257-

PANDEMIA-COVID-

19/)

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TLOJA.COM.BR/CAT

EGORIA-
“A doença é a zona noturna da vida, uma cidadania mais onerosa. Todos que nascem
têm dupla cidadania, no reino dos sãos e no reino dos doentes. Apesar de todos PRODUTO/REVISTA
preferirmos só usar o passaporte bom, mais cedo ou mais tarde nos vemos obrigados,
pelo menos por um período, a nos identificarmos como cidadãos desse outro lugar.”
-

CULT/EDICOES/ASS
É com essas palavras que Susan Sontag abre seu livro Doença como metáfora, escrito
em 1978, quando a autora fazia seu primeiro tratamento contra o câncer. Tratava-se, INATURA/)
diz ela, menos de querer analisar esse deslocamento, uma espécie de migração que
nos leva do mundo dos sãos para o mundo das doenças, e mais de entender a COMPRE
construção dos estereótipos que as cercam, das “fantasias sentimentais e punitivas”
que giram em torno delas. Principalmente quando se trata da tuberculose e do câncer, (HTTPS://WWW.CUL
assim como, posteriormente, da aids. Seu tema, continua Sontag, não é a doença física
em si, seu entendimento e sua descrição médica, mas os usos que fazemos dela como
TLOJA.COM.BR/PRO
figura ou metáfora. Esses usos, por sua vez, precisam ser revertidos em seu contrário,
na medida em que a autora afirma, peremptoriamente, que a enunciação das doenças
por metáforas não é a melhor maneira de lidar com elas. Em vez disso, se faz DUTO/CULT-257-
necessário e urgente desmontar as metáforas, para que possamos enfrentá-las e
sermos mais resistentes a elas. Eu diria que tal desmonte implica um gesto, que seria ETICA-EM-TEMPOS-
ao mesmo tempo ético e político. Ético na medida em que pressupõe outras formas de
convivência social, assim como a aquisição de novos hábitos que implicam, muitas
DE-PESTE/)
vezes, numa mudança radical, uma espécie de reeducação. Político uma vez que todas
essas discussões só ganham pleno sentido quando passam a apontar para a situação
do atendimento à saúde da população, à necessidade de financiamento urgente e
crescente para a pesquisa científica, assim como para a formulação de uma política
pública de apoio incondicional aos doentes.

As inúmeras analogias que têm sido feitas entre a pandemia da Covid-19


(https://revistacult.uol.com.br/home/tag/coronavirus) e epidemias em outras épocas
da nossa história são, evidentemente, muito procedentes e em vários aspectos
(https://revi (https://revi (https://revi
bastante esclarecedoras da situação atual. Há, sem dúvida, de uma maneira geral,
stacult.uol. stacult.uol. stacult.uol.
procedimentos muito semelhantes se compararmos, por exemplo, as formas de
contenção e tratamento relativas às epidemias que acometeram as cidades europeias com.br/ho com.br/ho com.br/ho
no final do século 17, formas que tinham sido sucessivamente elaboradas a partir da me/categor me/categor me/categor
“peste negra”, que atingira Ásia e Europa no século 13. Uma cidade “pestificada” era ia/edicoes/ ia/edicoes/l ia/edicoes/
obrigada a fechar suas fronteiras, era submetida a um policiamento espacial estrito, as cult-256/) elia- 254-
atividades dos citadinos rigorosamente acompanhadas e registradas, as possibilidades gonzalez- macumba-
de contágio, o controle das visitas aos doentes e a purificação das casas cult-255/) filosofia-
supervisionadas pelos médicos, a quem cabia a palavra final. Era preciso sempre cult/)
conter a possibilidade do contágio e, ao mesmo tempo, prevenir as desordens, as
revoltas, os crimes, a vagabundagem, as deserções e as mortes não notificadas. A
VER TODAS +
“cidade pestilenta” passa a ser então uma espécie de laboratório, um local de
experimentação permanente, no qual são testadas as eficácias dessas medidas, seu ( H T T P S : / / R E V I S TA C U L T. U O L . C O M . B R /
alcance real, sobre as quais se teorizam, se pensam e se constroem códigos de
atuação, procedimentos de conduta, assim como se exige de todos não exatamente a
compreensão racional da importância dos cuidados, mas a obediência, o medo e a
ARTIGOS RELACIONADOS
servidão.

De Thomas Hobbes a Jean-Jacques Rousseau ANACRONISMO E OUTROS ERROS

(http://revistacult.uol.com.br/home/notas-rousseau-cartas-de-baralho/), a filosofia
política clássica procurou responder a essa urgência, que implicava em dar conta do “AS INSTITUIÇÕES ESTÃO FUNCIONANDO”
paradoxo da “comunidade”, como querem alguns autores contemporâneos –
paradoxo que insiste em dizer que a comunidade é ao mesmo tempo o que nos é
A REVOLTA DE ALBERT CAMUS CONTRA
necessário, mas também perigosa e hostil. Lembremos, rapidamente, da crítica de A PESTE
Rousseau a Hobbes em Do contrato social: a submissão de homens dispersos ao mando
de um só constitui tão somente um “agregado”, jamais uma “associação”. Em suma,
ÉTICA E PESTE: UMA PERSPECTIVA
“não há nela nem bem público, nem corpo político”. Dessa perspectiva, era como se TEOLÓGICA FEMINISTA
os homens hobbesianos só pudessem salvar a própria vida se a morte fosse seu bem
comum. Em oposição a isso, sabemos, Rousseau coloca as ideias de liberdade, justiça e
OS LIMITES DO CARISMA: ÉTICA,
igualdade. O que não significa dizer que, com isso, ele tenha resolvido o problema do
TRABALHO E NECROPOLÍTICA
paradoxo, pelo contrário, de certo modo o aprofunda, levando a questão para outro
rumo: se não é possível a existência de uma “comunidade” – por essa espécie de
fratura, de ferida, constitutiva das associações humanas, que parecem só se reunir, se
juntar, se agregar, quando se está diante da morte, não da morte individual, de cada
um, mas da morte em massa, coletiva –, então só nos restaria a solidão, a TV CULT
proclamação da própria solidão, um tema reiterado nos últimos escritos. A exigência
da solidão se constitui assim como uma espécie de revolta silenciosa contra a ausência
da “comunidade”.
TV CULT | O que é fascismo, com …
Se retomo aqui, de forma ligeira e apressada, esse aspecto tão importante da filosofia
política clássica, é porque penso que ele retorna, sob as formas próprias de nossa
época e a despeito das enormes diferenças, nos intensos, inúmeros e infinitos debates
a que assistimos hoje a propósito da pandemia que nos assola. Vida e morte, medicina
e política, participação do Estado, exigência de controle e, ao mesmo tempo, de
contenção das desordens e dos delitos cometidos durante o período de isolamento
estão na ordem do dia. Ao mesmo tempo, a conclamação à união, ao estar acima das
ideologias, à solidariedade irrestrita, acena para o sonho da “comunidade” unida e
feliz. Entretanto, somos a todo momento lembrados de que estamos em guerra, de que
lutamos contra um inimigo comum, cuja letalidade ainda não podemos enfrentar
integralmente com as armas poderosas da ciência e ao qual sucumbimos aos milhares
– um inimigo que é, principalmente, “invisível”. A proposição de Susan Sontag,
segundo a qual era preciso desmontar as metáforas para que pudéssemos enfrentar
melhor as doenças, revela-se, mais do que nunca, um relativo fracasso. Parece, ao
contrário, que sempre precisamos de metáforas, como se, por meio delas, fosse (https://revistacult.uol.com.br/home/lugar-de-fala-
possível combater a morte ou ainda encontrar um lenitivo eficaz. Como se as palavras, cult/)
enfim, não tivessem perdido sua eficácia simbólica em meio a um mundo dominado
pelos algoritmos. As metáforas guerreiras parecem, então, nos transportar para um
cenário de guerra total. Mas qual é nossa posição nesse cenário? Somos soldados de
quê, contra o quê, de quem, a quem obedecemos, por que obedecemos ou devemos
obedecer?

(https://revistacult.uol.com.br/home/onde-vende-
revista-cult/)

(https://www.sescsp.org.br/?
utm_source=cult&utm_medium=banner&utm_cam
paign=emcasa&utm_content=200)

A filosofia política mais recente gira em torno de um conceito que, neste momento,
tem sido referido à exaustão e atingido um nível elevado de saturação e, portanto, de
equívocos e apropriação apressada: o de biopolítica. Com ele, pretende-se explicar o
modo como o poder é exercido em nossa época, garantindo com isso, que
determinadas estratégias fortaleçam as relações de dominação. Um conceito,
igualmente, que procura explicar como a dinâmica do capitalismo se metamorfoseia
para manter sua hegemonia e como procura garantir essa hegemonia. A ideia de que o
limiar de nossa modernidade é marcado por uma nova forma de imbricação entre vida
e política, cujo objetivo primordial é a “população” e seus movimentos biológicos
transformados em estatísticas, as quais geram políticas de prevenção e enfrentamento (http://premioedpnasartes.institutotomieohtake.or
de doenças – imbricação essa que ainda suscita uma nova forma de g.br/)
“governamentalidade” –, passou a se constituir numa poderosa chave explicativa.
Não há espaço, nem tempo aqui, para que possamos analisar e discutir os meandros,
as divergências, os deslocamentos que o conceito de biopolítica sofreu desde que foi
retomado em nova chave, no hoje mais que célebre último capítulo do primeiro
volume da História da sexualidade, de Michel Foucault
(https://revistacult.uol.com.br/home/tag/michel-foucault).

Entretanto, em meio a esse debate apaixonado que se instalou desde março de 2020,
eu gostaria de destacar a contribuição que me parece das mais importantes e que
passou quase que despercebida em meio à avalanche de críticas, de réplicas e tréplicas
à posição de Giorgio Agamben (https://revistacult.uol.com.br/home/tag/giorgio-
(https://masp.org.br/eventos/emcasa)
agamben) no texto “O estado de exceção provocado por uma emergência infundada”.
Trata-se da contribuição de outro filósofo italiano, Roberto Esposito, no breve texto
“Tratados a todo custo”, publicado logo após a primeira polêmica entre Agamben e
Jean-Luc Nancy. Para Esposito, a explosão da pandemia da Covid-19 leva ao extremo, TWITTER
às últimas consequências: a relação direta que se estabeleceu entre a vida biológica e
as intervenções políticas. Ora, mas o que há de propriamente singular agora? O que
essa explosão desnuda, ilumina, traz à tona de forma tão avassaladora, tão cruel, tão
sem condescendência para com elevados sentimentos como comiseração,
solidariedade, empatia, enfim, todos esses ideais comunitários?

Em primeiro lugar, não se trata, necessariamente, de atingir com as mesmas medidas


profiláticas, por exemplo, a população como um todo, mas sim parcelas da população
consideradas com um potencial elevado de risco de contágio, de tal modo que não se
trata de combater, pura e simplesmente, o “mal”, mas também, e principalmente, de
combater sua circulação descontrolada e, por outro lado, de procurar proteger o corpo
social exposto a processos de contaminação generalizada. Isso é levado ao paroxismo
quando a guerra é contra um inimigo invisível. Em termos freudianos – e agora sou
eu quem faz o complemento –, o medo se transforma facilmente em angústia, aquela
que sentimos quando não estamos de luvas e tocamos o botão de nosso andar no
elevador do prédio onde moramos. Um gesto tão cotidiano, tão “natural”, mas que
Tweets por ​@revistacult
pode disparar um profundo sentimento de angústia. Afinal, será que o inimigo está
Revista CULT
aqui, comigo, no elevador? Trata-se, portanto, de uma nova confrontação com a
@revistacult
morte, pois embora o agente tenha nome, ele não tem, por outro lado, visibilidade. A
Raphael Luiz de Araújo para a Cult 257 - Ética em
“síndrome imunitária”, como chama Esposito, assume certa proporção delirante: toda
tempos de peste. Dezoito pensadores escrevem
proteção será inútil se ela não for visível e reconhecível por todos, combate-se o
sobre o vírus, as relações sociais e o capitalismo.
inimigo invisível por meio de um regime de visibilidade total de nossas armas, a
Disponível para assinantes digitais em
começar pelas máscaras e luvas que usamos; o inimigo não é apenas o vírus invisível,
revistacult.com.br. Para comprar, acesse
mas o outro que não torna visível sua proteção, seu escudo, sua arma. Entretanto,
cultloja.com.br #revistacult
como bem lembra Esposito, não podemos esquecer que por trás desses eventos do
cotidiano – que talvez se reduzam demasiadamente à esfera da parte da população
que mora em prédios e condomínios aparelhados por complexos sistemas de Incorporar Ver no Twitter
vigilância –, trata-se principalmente de enfrentar um medo que as dinâmicas da
globalização infiltraram definitivamente entre nós, o medo das migrações, do afluxo
de refugiados, desses “outros” sempre perigosos e que podem trazer consigo toda
sorte de doenças.

Em segundo lugar, a medicalização da política e a politização da medicina atinge um


patamar inigualável, que remonta ao nascimento da medicina social. Ganha hoje uma
enorme materialidade o princípio foucaultiano de que toda medicina, seja ela qual for,
em qualquer regime político, será sempre uma medicina social, isto é, uma medicina
que visa a estratégias de prevenção em nível mais amplo e mais global como forma de
conter epidemias e pandemias. A prática médica mostra, mais do que nunca, que não
opera apenas a partir de uma zona indiferenciada e neutra, a serviço da verdade
científica, mas que está enraizada em contextos históricos e culturais claramente
definidos, que não a excluem do debate, ao contrário, ela está inteiramente imersa
nele, pelas consequências econômicas das medidas protetivas. Contudo, sempre
pensando no paradoxo trágico entre nossa necessidade de estreitar laços comunitários
e os perigos que esses laços trazem consigo, não podemos deixar de assinalar que, em
países como o Brasil, os embates entre a medicina e a política, suas proximidades e
suas distâncias, revelam o estado precário do atendimento à saúde das populações
mais vulneráveis, desde que o desmonte progressivo do Sistema Único de Saúde (SUS)
vem se concretizando nos últimos anos. Nossas condições de vulnerabilidade biológica
à pandemia não são resultado, portanto, apenas de uma deficiência, de uma
fragilidade biológica própria deste ou daquele indivíduo, por questões genéticas; num
país de extrema desigualdade social, a prevenção e o tratamento das doenças
respiratórias, por exemplo, não pode ser eficaz diante das precárias formas de
atendimento à população que só pode recorrer ao SUS, das precárias formas de
higienização das cidades, que vão da coleta irregular de lixo que se acumula nas
periferias à ausência de um sistema eficiente de esgotos.

Em terceiro lugar, há o perigo de que esse entrelaçamento entre política e processos


biológicos incite a prática abusiva de deslocar procedimentos democráticos ordinários
para disposições de caráter emergencial. Em face do alto risco que a comunidade corre
diante desse invasor mortífero, se impõe e naturaliza a necessidade de medidas
emergenciais. Ou seja, em nome da síndrome imunitária, é o próprio corpo
democrático que corre perigo, de tal modo que o risco se torna ainda maior:
deslizarmos de um regime “emergencial”, isto é, provisório, enquanto durar a
pandemia, para um “estado de exceção”, quando o provisório se torna permanente,
quando a exceção se torna a regra. Mais cauteloso que o Agamben das primeiras
declarações, Esposito faz uma diferença sutil entre “emergência” e “exceção”. As
sucessivas manifestações em apoio à volta da ditadura no Brasil, endossadas pelo
presidente, mostram que esse perigo é real. Entretanto, em relação à pandemia, elas
ocorrem aqui com o sinal trocado: enquanto diversos autores – além de Esposito,
Byung-Chul Han, por exemplo – apontam para o fato de que as sociedades ocidentais,
orientadas pelos ideais da democracia, caminhariam para a adoção de medidas
autoritárias próprias de regimes autoritários como a China, no nosso caso a volta ao
regime militar garantiria ao presidente não o combate ao vírus pelo uso de medidas
autoritárias, que diminuiriam o espaço de liberdade das pessoas controladas e
obedientes ao regime, mas sim pela atitude contrária, de descrédito à ciência, de
repúdio às determinações da Organização Mundial da Saúde (OMS), pois afinal de
contas se trataria apenas de um mal menor, passageiro, nada que pudesse vencer a
preparação atlética de um soldado. A defesa intransigente do isolamento vertical e da
subordinação do social ao econômico sinaliza para o princípio quase normativo da
biopolítica contemporânea: deixar morrer – “alguns têm de morrer… paciência”,
disse o presidente – para poder viver. Assim, está inteiramente legitimada a morte
dos que constituem um perigo biológico para os outros.

Desse modo, esses três aspectos se completam e se explicam conjuntamente: há uma


parcela da população que precisa ser excluída dentro das próprias cidades (e não
mandadas para um “vale” ou para uma instituição fechada fora dos muros da cidade,
como durante a epidemia da lepra), há um controle médico permanente, regular e
contínuo, de tal modo que a medicina deveria ditar a ação do Estado, e finalmente há a
adoção de medidas de emergência por parte do Estado, que podem deslizar para
formas autoritárias e ditatoriais de governar. Entretanto, no caso do Brasil, esses três
aspectos ganham uma conotação própria, devido às enormes desigualdades que nos
constituem e que culminam num enfrentamento político com consequências danosas
para o controle e o enfrentamento da pandemia da Covid-19 entre nós.

Têm-se atribuído aos filósofos, desde que Platão resolveu ser o conselheiro do tirano
em Siracusa, incompetência absoluta para resolver os problemas que eles mesmos
criaram. Assim, a ideia de que fazer filosofia significaria mais problematizar que
apresentar soluções constitui uma espécie de salvo-conduto que nos redime dessa
falta de talento para intervenções práticas. Vou fazer uso desse salvo-conduto para
finalizar este breve texto. Como todos os outros que trataram dessa mesma questão,
este artigo surge para indicar possíveis caminhos de compreensão e até mesmo de
respostas – em primeiro lugar a mim mesmo – a uma série de questões e problemas
que alguns filósofos, já há algum tempo, levantaram. Respostas toscas provavelmente,
a serem questionadas e criticadas, provisórias decerto, que procuram exorcizar o
medo e diminuir a angústia – sou parte de grupo de alto risco, pela idade e pelas
comorbidades –, orientadas por meus estudos e pesquisas. Não sei como será o “day
after”. Sou cético quanto aos abalos profundos que tudo isso deixará no
neoliberalismo triunfante de nossa época. E se é verdade que todo trauma ocorre a
posteriori, então o futuro próximo e o distante serão marcados por essa experiência, na
qual medo e angústia se alternam – o que será, certamente, atenuado, mas nunca
apagado por inteiro de nossa memória, mesmo quando houver vacina. Sei,
principalmente, que nunca desejei fazer parte, mais uma vez, de um grupo de risco,
como já tinha sido quando do aparecimento da aids. Enfim… sobreviver, mais uma
vez!

Ernani Chaves é doutor em Filosofia pela USP e professor titular da UFPA. Membro do
Nietzsche-Gesellschaft (Naumburg/Alemanha) e do GT Nietzsche da Associação
Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (Anpof), é um dos editores da revista Estudos
Nietzsche (UFES).

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