Paulo Silas Taporosky Filho 22/10/2017 O § 1º do artigo 110 do Código Penal prevê que “a prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada, não podendo, em nenhuma hipótese, ter por termo inicial data anterior à da denúncia ou queixa”. Com isso, estabelece-se como marco da contagem da prescrição não mais a pena máxima em abstrato cominada ao crime, mas sim aquela em concreto que foi estipulada na sentença condenatória.
Essa prescrição gera efeitos retroativos, ou seja, com base naquela
pena fixada na sentença condenatória, caso não ocorra recurso por parte da acusação, é necessário analisar se entre a data do recebimento da denúncia e a da decisão não transcorreu tempo superior ao da prescrição de acordo com a pena em concreto, pois caso tenha ultrapassado nesse período o tempo previsto para tanto, ocorrerá a prescrição retroativa.
Esse tipo de prescrição, portanto, “se regula pela pena em
concreto, após o trânsito em julgado para a acusação, e tem seu prazo contado de frente para trás (regressivamente)”[1].
Eis um exemplo: cidadão é acusado pelo crime de furto. Em
sendo a pena máxima prevista para esse delito 4 (quatro) anos, o tempo de prescrição é de 8 (oito) anos (conforme estipula o inciso IV do artigo 109 do Código Penal). Assim, recebida a denúncia, o Estado tem o prazo máximo, num primeiro momento, de 8 (oito) anos para que a sentença seja prolatada. Pode ocorrer, porém, de que passados 5 (cinco) anos de tramitação desse processo, o acusado seja condenado a pena mínima, a saber, 1 (ano). Nessa situação, e em não havendo recurso apresentado pela acusação, há de se observar justamente se é caso de prescrição retroativa. No caso, esta teria ocorrido, visto que a prescrição prevista para uma condenação de 1 (um) ano é o prazo de 4 (quatro) anos (conforme estipula o inciso V do artigo 109 do Código Penal), e tendo se passado 5 (cinco) anos entre o recebimento da denúncia e a prolação de sentença, a prescrição retroativa se faria presente, devendo, nessa hipótese, ocorrer a extinção da punibilidade do acusado, conforme prevê o artigo 107, IV do Código Penal.
Há ainda uma questão importante nessa modalidade de prescrição
que merece a devida observância. Diz-se ao considerar a redação atual do dispositivo (§ 1º do artigo 110 do Código Penal), pelo que se tem que “o primeiro marco para essa contagem, levando-se em consideração a pena em concreto, ou seja, aquela efetivamente concretizada na sentença ou no acórdão condenatórios recorríveis, é, efetivamente, a data do recebimento da denúncia ou da queixa”[2], ou seja, no caso da prescrição retroativa, não se pode tomar como marco inicial qualquer data anterior ao recebimento da denúncia. Deste modo, para a prescrição que se regula pela pena máxima em abstrato cominada ao crime, esta pode ocorrer entre a data do fato e o recebimento da denúncia, mas esse período não pode ser compreendido quando se tratar da prescrição retroativa.
Há, entretanto, a necessidade de se analisar este impedimento com
esmero. Isso porquê até 5 de maio de 2010 o período entre a data do fato e o recebimento da denúncia era compreendido na possibilidade de aplicação da prescrição retroativa. Assim previa o atualmente revogado § 2º do artigo 110 do Código Penal: “a prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial a data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa”. Assim, diferente de agora, era expressamente permitido reconhecer a prescrição retroativa tomando como termo inicial data anterior ao recebimento da denúncia.
A importância de se levar isso em conta reside naquilo que
estabelece o inciso XL do artigo 5º da Constituição Federal (“a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”). Considerando que a lei penal não pode retroagir em prejuízo de ninguém, tem-se que o impedimento de se aplicar a prescrição retroativa entre a data do fato e a do recebimento da denúncia só pode ter vez a partir de fatos posteriores a data da mencionada modificação legal.
Deste modo, tem-se que para fatos ocorridos antes de 5 de maio
de 2010 (data da Lei n.º 12.234/2010 – que alterou os artigos 109 e 110 do Código Penal), é perfeitamente possível e devida a aplicação da prescrição retroativa no período compreendido entre a data do fato e a do recebimento da denúncia, pois situados quando ainda vigentes o texto legal atualmente revogado (§ 2º do artigo 110 do Código Penal e a redação original do seu § 1º).
Eis a atenção que deve ser tomada quando da análise da
possibilidade ou não da prescrição retroativa entre o fato e a denúncia. EMENTA: AGRAVO EM EXECUÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA DEFESA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE EM RAZÃO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA NA MODALIDADE RETROATIVA. POSSIBILIDADE. MAJORAÇÃO EM 1/3 PELA REINCIDÊNCIA. INVIABILIDADE. SÚMULA 220 DO STJ. RECURSO PROVIDO. 1. Consoante o art. 110, §1º e a Súmula 146 do Supremo Tribunal Federal, a prescrição retroativa, espécie da prescrição da pretensão punitiva, é calculada pela pena concreta, ou seja, pela pena aplicada na sentença condenatória. 2. Como a pena fixada na sentença condenatória é de 07 (sete) anos e 08 (oito) meses de reclusão, a prescrição ocorre em 12 (doze anos), conforme art. 109, inciso III, do Código Penal. A prescrição da pretensão punitiva retroativa deve ser contada da publicação da sentença para trás. Desse modo, como a sentença foi publicada em 25 de junho de 2018 e a denúncia foi recebida em 30 de novembro de 2005, transcorreu-se o lapso temporal superior a 12 (doze) anos, tendo a prescrição da pretensão punitiva em concreto se consumado em 30 de novembro de 2017, data anterior à prolação da sentença, que só foi proferida em 25 de junho de 2018. 3. A causa de aumento de 1/3 em razão da reincidência não deve incidir no caso em apreço. Isso porque, de acordo com entendimento jurisprudencial e doutrinário pacíficos, esse aumento é aplicável exclusivamente à prescrição da pretensão executória, que não é o caso. Súmula n. 220/STJ diz: a reincidência não influi no prazo da prescrição da pretensão punitiva. 4. Recurso a que se dá provimento.