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php/porescrito
http://dx.doi.org/10.15448/2179-8435.2017.2.28841

Gestão democrática na universidade pública:


A rtigo influências de outros campos na
construção de um modelo
Democratic management in the public university: influences of other fields
in the construction of a modelo

Editores Raimunda Maria da Cunha Ribeiroa


Maria Inês Côrte Vitoria
PUCRS, RS, Brasil Resumo
Pricila Kohls dos Santos Considerando a universidade como uma instituição complexa, implica atentarmos para a exigência de uma gestão
PUCRS, RS, Brasil profissional, cujos fundamentos estão balizados pelos princípios da administração. O objetivo deste estudo se configura
Equipe Editorial em compreender o modelo de gestão democrática na universidade pública a partir de elementos advindos do campo
Rosa Maria Rigo
da administração de empresas, da sociologia e das políticas educacionais. A metodologia se baseia na abordagem
PUCRS, RS, Brasil
qualitativa e a técnica de coleta de dados é a entrevista, realizada com reitores de 10 universidades, incluindo federais
e estaduais. As instituições contempladas são: UFC, UECE, UFAM, UEA; UFRGS, UERGS, UFMG, UEMG, UFG,
e UEG. Da forma como organizam e estruturam a gestão, as universidades públicas brasileiras tornam-se instituições
semelhantes; em alta medida, adaptam-se, de maneira a atender às necessidades de seu contexto, confrontando-o, por
vezes, ou em conformidade com ele.
Palavras-chave: Gestão democrática; Universidade pública; Construção de um modelo.

Abstract
Considering the university as a complex institution, it implies attending to the requirement of a professional
management, whose foundations are based on the principles of the administration. The purpose of this study was to
understand the model of democratic management in the public university based on elements from the field of business
ISSN 2179-8435
administration, sociology and educational policies. The methodology was based on the qualitative approach and the
technique of data collection was the interview conducted with rectors of 10 universities, including federal and state.
The institutions contemplated were: UFC; UECE; UFAM; UEA; UFRGS; UERGS; UFMG; UEMG; UFG; UEG.
Brazilian public universities, in the way they organize and structure management, become similar institutions; to a
large extent, adapt to meet the needs of their context, sometimes confronting or conforming to it.
Keywords: Democratic management. Public university. Construction of a model.
Este artigo está licenciado sob forma de uma licença
Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional,
que permite uso irrestrito, distribuição e reprodução a Doutora em Educação. Professora da Universidade Estadual do Piauí no curso de Pedagogia. Coordenadora do Grupo de
em qualquer meio, desde que a publicação original
seja corretamente citada.
Estudos e Pesquisas Educacionais (CNPq). Membro da Rede Mapa, uma pesquisa em rede, cuja temática é a gestão dos
http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR sistemas municipais de ensino.

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Ribeiro, R. M. C. Gestão democrática na universidade pública

Introdução

A s concepções de gestão da universidade, em alta medida, sofrem influência dos princípios das teorias da
administração de empresas. Taylor (1990), Fayol (1965), Drucker (1975) e Chiavenato (2004) fundamentam
esse debate. Administração significa organização de um processo através de planejamento, cujos objetivos, metas e
estratégicas são claramente definidos. O termo gestão é um viés da administração, porém, com o foco no processo
político-administrativo, na prática social, histórica e cultural. Este estudo tem por objetivo compreender o modelo de
gestão democrática na universidade pública, a partir de elementos advindos do campo da administração de empresas,
da sociologia e das políticas educacionais.
A metodologia se baseia na abordagem qualitativa, e a técnica de coleta de dados é a entrevista semiestruturada.
Como pesquisa qualitativa, a princípio, propôs-se fazer um estudo de ordem teórica acerca de alguns conceitos
fundamentais para se delinear a discussão sobre gestão democrática na universidade pública, cujas representações
estão nos Quadros 1 a 7, extraídas das falas dos sujeitos na ocasião das entrevistas. Com a finalidade de manter um
contato direto com o objeto de estudo, foram realizadas entrevistas com reitores de 10 instituições, cinco federais
e cinco estaduais (UFC, UECE, UFAM, UEA, UFRGS, UERGS, UFMG, UEMG, UFG e UEG), nas cidades de
Fortaleza, Manaus, Porto Alegre, Belo Horizonte e Goiânia. Dentre outros aspectos abordados durante as entrevistas,
um está contemplado, especificamente, neste artigo: como está estruturada e como funciona a gestão da universidade.
As entrevistastinham por objetivo conhecer, a partir de certa aproximação com a instituição, a natureza da gestão
das universidades selecionadas.
Os dados foram analisados a partir da técnica de análise de conteúdos na perspectiva de Bardin (2009). Essa
técnica refere-se a um conjunto de procedimentos de análise, com vistas a descrever o conteúdo de uma dada
mensagem. Trata-se da análise da descrição de conteúdos de entrevistas ou de documentos, como é o caso deste
estudo, com a perspectiva de compreender, inclusive, elementos subjacentes ao texto.

Gestão da universidade pública: perspectiva teórica


Para iniciar esta reflexão, parte-se de definições do termo administração à luz de pensadores clássicos, como
forma de entender as influências desses conceitos no campo da gestão da universidade, especialmente a pública,
objeto deste estudo. Tomem-se como exemplo as teorias de Taylor (1990), Fayol (1965), Drucker (1975) e Chiavenato
(2004). A abordagem clássica da administração cobre duas áreas distintas: a operacional, de Taylor (1990), com
ênfase nas tarefas; e a administrativa, de Fayol (1960), com ênfase na estrutura organizacional. Para Drucker (1975),

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administração é uma arte liberal, na qual pode-se entender que a arte está na prática e na aplicação. Chiavenato (2004)
traduz o conceito de administração como a condução racional das atividades de uma organização, seja ela lucrativa
ou não lucrativa.
Como, então, dizer que aspectos da administração e do campo econômico influenciam na estrutura da gestão da
universidade pública, cujas influências, via de regra, vêm do campo político, cultural, social e pedagógico? Se não
há resposta totalizadora para esta pergunta, pode-se dizer que a história da universidade brasileira tem se pautado por
elementos os mais diversos, de forma que a organização da gestão dessa instituição tem se delineado em conformidade
cominfluências históricas, sociais, políticas e também econômicas.
A institucionalização da universidade brasileira ocorreu por processo de unificação de instituições e, como tais,
já traziam consigo certa estrutura funcional, administrativa e acadêmica, comportando, assim, certas diferenças. Ao
longo do tempo foi preciso juntar esforços para homogeneizar procedimentos, práticas e rotinas administrativas.
Fávero (2006) reconhece, entretanto, que a universidade é convocada a ser palco de discussões sobre a sociedade,
tanto do ponto de vista teórico quanto prático. A universidade nasce, portanto, para se constituir em espaço de
investigação científica e de produção de conhecimento, em alta medida, em atendimento às demandas dos campos
social e econômico.
O ensino superior no Brasil, a princípio, não se organizou sob a forma de universidade, e seu formato permaneceu
sendo o dos cursos voltados para a formação de profissões de cunho mais tradicional. Dados de Sampaio (1991,
p. 7) demonstram que, nas três primeiras décadas do século XX, o número de estabelecimentos de ensino superior
passou de 24 para 133, sendo que 86 deles foram criados ao longo do século. Barreto e Filgueira (2007) trazem essa
discussão no sentido de se compreender que o nome universidade somente passou a ser utilizado para conjuntos
de escolas superiores, ao mesmo tempo em que se reconhece que as universidades brasileiras fundadas no século
passado não surgiram do nada.
A transferência da sede do poder metropolitano para o Brasil, e a emergência do Estado Nacional geraram a
necessidade de se modificar o ensino superior herdado da Colônia (CUNHA, 2007). Assim, o ensino superior nasceu
sob o signo do estado nacional, dentro ainda dos marcos da dependência cultural em relação a Portugal. Somente
no ano de 1915, a Reforma Carlos Maximiliano dispõe sobre a criação de uma universidade, através do Decreto
nº 11.530/1915.
Vale lembrar que da proclamação da República, em 1891, até o início da era Vargas, a educação brasileira
vivia sob a influência positivista. Foi também sob essa influência que surgiram os primeiros estabelecimentos
de ensino superior no Brasil com o nome de universidade, sendo a do Rio de Janeiro (1920) e a de Minas Gerais
(1927) as que vingaram (FÁVERO, 2006). Segundo Cunha (2007), a proclamação da República criou uma ordem

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jurídica que, liberando antigos anseios federativos, propiciou iniciativas de criação de instituições de ensino
superior em diversos estados. Como exemplos, podem-se citar: a Universidade de Manaus (Manaós), criada
em 1909, no auge da prosperidade resultante do ciclo da borracha; a Universidade de São Paulo (1934); e a do
Paraná (1912).
Com a instituição, em 1930, do Ministério da Educação e Saúde Pública, o então, ministro Francisco
Campos, elaborou e implementou reformas no ensino, inclusive no ensino superior. A universidade teria uma
função para além do ensino, devendo, portanto, envolver preocupações de pura ciência e de cultura desinteressada
(FÁVERO, 2006). Cunha (2007) destaca que a universidade desse período necessitaria promover uma
rigorosa articulação entre instituições de ensino, mútua comunicação de professores, formando docentes para
o ensino secundário e, principalmente, contendo institutos nos quais se desenvolvesse a cultura livre e desinte-
ressada.
Podemos citar, pelo menos, dois dispositivos legais, à época, decisivos para a reorientação e reorganização
do ensino superior no país: o Decreto-Lei nº 19.851/1931 e o Decreto-Lei nº 19.852/1931. O primeiro diz respeito
à criação do Estatuto das Universidades Brasileiras, o qual estabelecia os padrões de organização das instituições
de ensino superior no país. O segundo dispunha a respeito da organização da Universidade do Rio de Janeiro.
O Estatuto admitia duas formas de organização do ensino superior: a universidade, forma própria desse ensino,
e o instituto isolado. A universidade poderia ser oficial ou livre. Segundo Cunha (2007), a oficial seria aquela
mantida pelo governo federal ou pelo estadual. A universidade livre seria mantida por fundações ou associações
particulares.
Em 1937, foi criada a Universidade do Brasil, para dar sentido a uma função de caráter nacional e tornar-se
padrão; dava continuidade à Universidade do Rio de Janeiro, criada na década de 1920. Com isso, o governo pretendia
implantar em todo o país um padrão nacional de ensino superior e estabelecer, em certa medida, um sistema de
controle de qualidade desse ensino. Para Mendonça (2000), tal questão remete, por um lado, à discussão sobre as
finalidades dessa instituição e, por outro, à complicada relação entre a universidade e o Estado. No final dos anos
1940 e início dos anos 1950, conforme dispõe Fávero (2006), começavam a se esboçar nas universidades algumas
tentativas de luta por uma autonomia universitária. É considerado um dos períodos mais críticos da universidade
brasileira, assim afirma Mendonça (2000), quando se refere ao período de 1920 a 1968. Porém, foi a partir de 1964
que o cenário cultural nas universidades passou a sofrer drásticas mudanças, principalmente, por causa do impacto
surtido pelo golpe militar, como repressão e privatização.
A Reforma Universitária de 1968 produziu efeitos paradoxais no ensino superior brasileiro. Segundo Martins
(2009), por um lado, modernizou uma parte significativa das universidades federais e determinadas instituições

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estaduais e confessionais, que incorporaram gradualmente as modificações acadêmicas propostas pela reforma. Por
outro lado, abriu condições para o surgimento de um ensino privado, outro sistema de ensino estruturado nos moldes
de empresas educacionais voltadas para a obtenção de lucro econômico e para o rápido atendimento de demandas
do mercado educacional.
Após experimentar um forte impulso expansionista durante os anos 1970, na década seguinte passou por um
período de franco arrefecimento, chegando quase a uma situação de estagnação do número de matrículas na graduação
(MARTINS, 2009). Mudanças significativas na área do ensino superior vêm sendo implementadas desde o governo de
Fernando Henrique Cardoso, particularmente, pela Reforma do Estado na década de 1990. Sguissardi (2009) chama
a atenção para a compreensão das reformas pontuais, que nos últimos anos, por obra e consequência das ações, estão
sendo implementadas, por hipótese bastante plausível, em boa medida, sob pressão dos ajustes do capitalismo global,
da mundialização do capital e da lógica do mercado.
As universidades públicas continuam passando por períodos de transformações, resultados de significativas
mudanças de comportamento da sociedade, mudanças no setor da economia, da política e da ciência. Percebe-se
que tais mudanças podem não ser tão intensas ou tão rápidas, assim como se refere Finger (1997), ao reconhecer
que a universidade se caracteriza como uma instituição conservadora por excelência, de forma que a gestão
universitária ainda é bastante centralizadora, burocrática e governamental. Em outra direção, Lindo (1998) explica
que a sociedade atual experimenta mudanças em diversos paradigmas – científicos, culturais, políticos e sociais –
que devem ser devidamente incorporados pela universidade no momento de rever sua missão, suas funções e seus
objetivos.
A partir dessas considerações teóricas, passa-se à análise das representações contidas nas falas dos sujeitos sobre
a temática gestão da universidade pública.

Gestão da universidade pública: vozes dos sujeitos


Os quadros a seguir demonstram o que os sujeitos consideram importante no debate sobre o modelo de gestão da
universidade pública. Para a organização da análise, levou-se em consideração as seguintes categorias: diálogo com
o poder público, estrutura e funcionamento, participação, autonomia financeira, democracia, unidades acadêmicas,
desafios.
O Quadro 1 demonstra exemplos de que a universidade tem se organizado para estabelecer o diálogo com a
sociedade e com o governo, no sentido de adequar-se ao seu tempo.

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Quadro 1. Gestão da universidade e o diálogo com o poder público


Gestão da universidade
O diálogo da universidade com o poder público é bom, ótimo, facilita muito. Agora com o governador anterior era um drama, ele ajudou muito
financeiramente, nosso investimento, nosso custeio, mas vida política, o relacionamento [...]. Ele nunca recebeu nenhum reitor (P1).
Diálogo com o
poder público

Para alguns setores do governo, a universidade seria passível de uma forma de gestão muito dada pela alternância de poder do Estado, como se o
governador pudesse nomear, e ele tem poder de nomear, porque a nomeação passa por ele, mas feita a partir de uma eleição, formada a lista tríplice
[...]. Está fora de cogitação a nomeação do governador sem processo democrático. Há a expectativa de indicação para cargos de diretor de campus e
a gente começou também a trabalhar internamente e dizer que as regras da universidade não são essas, são de outra ordem. O governo foi assimilando
que a universidade tem autonomia de gestão balizada por instrumento legal (P7).

Fonte: Entrevista com os gestores das IESs.

Para que a relação entre a universidade e a sociedade seja dialógica, alguns critérios precisam ser respeitados:
promoção da cultura científica, técnica e humana; proposições de alternativas para os problemas sociais; democracia
e luta contra a exclusão social; promoção da ética e da responsabilidade social; concepção emancipatória. É nesse
sentido que Finger (2006) aponta algumas soluções alternativas de gestão, para que a universidade seja realmente
essa instituição posta a servir à sociedade. Do contrário, a complexidade, que é própria de uma instituição pública,
suscita questionamentos referentes à área da gestão, o que provavelmente inclui a busca de soluções, para que possam
se adequar a uma sociedade em constante mutação.
Nesse sentido, a universidade tem características peculiares, as quais consideram a estrutura da capital e a
estrutura do interior. Essa estrutura está disposta no Estatuto da instituição, que a define como sendo ou não multicampi
ou regionalizada, como se pode perceber a partir das falas do Quadro 2.

Quadro 2. Gestão da universidade: estrutura e funcionamento


Gestão da universidade

Trabalhamos em sete regiões, cada região tem um diretor regional; cada região pode ter mais de um campus (P5).
funcionamento
Estrutura e

O antigo campus [...] é chamado de Regional [...]; para essa Regional tem mais de um campus, assim como outras. Após a reformulação do Estatuto, é
essa a terminologia que adotamos. Então temos a Universidade [...] estruturada em Regionais. [...] Nós temos a estrutura muito semelhante às demais
universidades brasileiras: pró-reitorias, assessorias, pró-reitor adjunto e órgãos vinculados a cada uma das pró-reitorias [...]. Isso vale para todas as
regionais, que estão estruturadas em termos de unidades acadêmicas, não em termos de centro, como acontece em algumas universidades (P10).

Fonte: Entrevista com os gestores das IESs.

Tanto as “regionais” quanto os “campi” são dependentes da administração central, apesar de a universidade
já considerar certo grau de descentralização na estrutura e no funcionamento da gestão. Uma questão que se pode

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observar é que administração superior nem sempre consegue chegar diretamente atodas as unidades do interior e,
quando chega, não significa que a presença seja frequente. A comunicação entre a administração central e as unidades,
os campi ou as regionais localizadas no interior de cada estado, por vezes, acontece pela via do uso da tecnologia da
comunicação. Ocorre por meio de videoconferências, dadas as dificuldades de acesso que a reitoria tem de chegar
até esses espaços, muitas vezes, pela distância e, também, pela precariedade de acesso.
Outro aspecto diz respeito à representatividade, prevista no Estatuto e no Regimento Interno dos vários
segmentos: docentes, discentes e técnicos administrativos. A sociedade civil participa por intermédio de órgãos
ligados ao governo, ao setor produtivo, ao setor educacional e às Fundações de Apoio e Amparo à Pesquisa. Essa
representatividade se replica nas estruturas do interior, seja regional ou campus. A gestão democrática, como
paradigma de governança da universidade pública, implica a participação dos agentes sociais nela envolvidos.
Pode-se, assim, perceber o demonstrativo do Quadro 3.

Quadro 3. Gestão da universidade e participação


Gestão da universidade
É uma gestão participativa, porque é pautada numa estrutura colegiada. As decisões são todas tomadas nos Conselhos (P4).
O Conselho Superior é o órgão máximo nas tomadas de decisão (P10).
Em cada regional do interior, nós temos um diretor regional, e nas regionais se procura replicar um pouco essa estrutura que nós temos aqui [...] também, muito
embora não sejam chamadas de pró-reitorias, mas são chamadas de coordenações correspondentes: de graduação, pós-graduação, de pesquisa e inovação,
administração e finanças [...]. Há semelhança, seguindo a mesma estrutura (P10).
Estamos pautados numa proposta de trabalhar uma gestão compartilhada (P5).
De acordo com o estatuto, a gestão da universidade deve ser democrática e de maior transparência possível. A atual gestão colocou em seu plano de gestão
a ampliação da gestão democrática, das possibilidades de participação de toda a comunidade, reforçando aquilo que está presente no estatuto, mas de uma
Participação

forma prática. O modelo de gestão da universidade se baseia basicamente por decisões colegiadas [...] nos campi e as decisões colegiadas também na gestão
da administração central (P9).
[...] um aspecto importante a frisar é o grau de descentralização das decisões da universidade. Isso tem a ver com uma influência histórica e tem a ver com uma
decisão política. [...]. As coisas não procedem de uma forma linear e burocrática em que o administrador mais alto determine e a instância lá na base cumpra.
[...] você tem um processo em que cada uma dessas instâncias, cada departamento, cada unidade se faz representada nos órgãos colegiados superiores e nos
órgãos colegiados que são próprios, que por sua vez, decidem o futuro da universidade e leva, então, para as unidades as determinações, mas que sempre
contempla a diversidade (P8).
Além dos diretores, tem também representação por segmentos de docentes, pelo nível de vinculação deles dentro da universidade (especialistas, mestres e
doutores); eles têm que é dada pelo Regimento [...]. Eu avalio como sendo um espaço democrático pela representação docente, não só na capital, como também
no interior [...] (P7).
Na área da administração orçamentária e financeira da universidade, a descentralização aparece com bastante ênfase. A universidade tem 44 unidades gestoras.
Desde a implantação do Ceaf (1986), a universidade já começou a trabalhar essa descentralização, que é histórica (P8).

Fonte: Entrevista com os gestores das IESs.

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A diversidade na gestão democrática conflui para uma estrutura de representatividade dos segmentos docente,
discente e técnico administrativo, assim como para as diferentes unidades, configurando-se no caráter descentralizador
que traduz a gestão colegiada. Talvez seja este o aspecto mais desafiador no contexto da gestão, mas que é, ao mesmo
tempo, um aspecto que responde pela natureza mesmo da vida universitária. O que transforma a universidade,
conforme Zabalza (2004), ao menos a universidade pública, em um ambiente absolutamente atípico no âmbito das
organizações, é o alto nível de democracia que se impregnou em sua gestão e em sua dinâmica interna.
A organização da universidade pública é pautada por uma forma de gestão específica, considerando sua
complexidade e suas contradições. Entende-se, portanto, que a universidade, especificamente a pública, precisa
estabelecer democraticamente suas regras e suas normas para que, assim, possa, segundo Durhan (2006), ser
reconhecida externamente pelos poderes constituídos, na dupla dimensão da política e da ideologia. Nesse sentido,
reportam-se alguns sujeitos da pesquisa, através de suas falas contidas no Quadro 4.

Quadro 4. Gestão da universidade e autonomia financeira


Gestão da universidade
A inovação que nós promovemos na última reforma do estatuto foi feita no sentido de dar mais autonomia e independência às regionais. Eu diria é uma inovação
em relação a outras universidades. Em cada regional, nós temos as câmaras correspondentes aos nossos conselhos superiores (P10).
Nas questões que afetam única e diretamente a regional, as discussões são terminais ali; nas decisões que têm impacto na universidade como um todo ou que
Autonomia financeira

dependem de regulamentação mais geral, as decisões desses Conselhos sobem para as Câmaras Superiores ou para o Conselho Universitário (P10).
De certa forma, nós temos uma matriz interna para distribuir os recursos da universidade. [...]. A gente procura reproduzir o modelo internamente (P10).
As grandes despesas comuns são centralizadas na administração central, mas as despesas específicas ficam nas unidades gestoras. A gente conhece outras
universidades que compram tudo de forma centralizada, mas na [...] não. Desde o início do Ceaf, cada unidade faz suas próprias compras, e isso dá mais agilidade
e mais autonomia. Já os contratos grandes, é econômico que eles sejam feitos na administração central (P8).
Tem autonomia financeira, mas nem sempre tem disponibilidade de recurso (P7).
Nós não temos nenhuma autonomia de gestão financeira, nenhuma autonomia administrativa, nenhuma autonomia patrimonial (P1).
A universidade [...] é sustentada por um percentual do Polo Industrial [...]; hoje, a nossa arrecadação financeira vem do nosso Polo Industrial (P3).

Fonte: Entrevista com os gestores das IESs.

A forma como é elaborado e aprovado o orçamento da universidade varia entre as esferas. Na esfera federal, o
orçamento é elaborado pelo MEC, ou seja, as universidades federais recebem os recursos por meio de uma matriz, na
quala principal variável para definir qual é o valor do orçamento da universidade é o número de alunos que ela tem.
Há outras variáveis também, mas esta é a mais importante, que leva em conta os alunos com algumas qualificações,
quer dizer, não é o aluno-cabeça, é o aluno equivalente. Nesse modelo, o aluno do curso de Medicina tem maior peso

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que o aluno de Pedagogia, por exemplo (quem define isso é o MEC). Com base nesses critérios, nessas definições,
a universidade do sistema federal, a depender do número de alunos equivalentes que tem, receberá uma fração
equivalente dentro do orçamento designado pelo MEC. Embora a própria universidade federal consiga ver esse
procedimento como democrático, as singularidades e as especificidades replicam as desigualdades.
Já as universidades estaduais dependem diretamente dos recursos que advêm do orçamento estadual, sendo a
Assembleia Legislativa Estadual a instituição que define e aprova quanto a universidade vai poder gastar por ano.
Entre as universidades estaduais, os recursos são extremamente desiguais, já que se tem, no Brasil, uma desigualdade
social e econômica muito visível entre os estados. De um lado, os estados mais ricos podem disponibilizar, para a
sociedade, uma universidade de excelência; de outro lado, os estados mais pobres, de limitada condição econômica,
também limitam consideravelmente a definição da política universitária das universidades estaduais.
Como bem diz Durhan (2006), a autonomia administrativa tem como corolário a autonomia de gestão financeira.
Isso quer dizer que, sem a possibilidade de distribuir internamente os recursos de seu orçamento, sem a capacidade
de decidir sobre o montante relativo a ser dispendido com a melhora das condições salariais, aumento do corpo
docente e de servidores técnico-administrativos, equipamentos, laboratórios, bibliotecas, assistência aos estudantes, as
universidades dificilmente podem estabelecer suas próprias prioridades, confrontando as demandas diversas. Dentro
do debate, apoia-se também nos argumentos de García,Libien e Maldonado (2009), quando se reportam à ideia de
que a autonomia é a faculdade que possuem as universidades públicas para autogovernar-se, ter suas próprias normas,
designar suas autoridades, determinar sua política universitária.
Quanto aos aspectos relacionados à temática da democracia, os participantes fazem também referência a
democracia do ensino, democracia e desenvolvimento e uso da tecnologia a favor da democracia, como se pode
constatar nas falas do Quadro 5, como indicações propositivas da universidade pública.
Para Meyer Jr. (2014), as universidades têm em sua complexidade e gestão dois de seus maiores desafios: a
complexidade está relacionada à natureza dessas organizações, sua estrutura, processo e comportamento de atividades
intelectuais; a administração, por seu papel de promover a captação de recursos e utilizá-los de forma que a instituição
possa cumprir sua missão social e educacional.
A democracia da universidade pública se traduz através da operacionalização dos Conselhos. Gestão democrática
e autonomia universitária são princípios defendidos na Constituição Federal de 1988, assim como na LDB
nº 9.394/96, como possibilidade de promover a participação e o envolvimento dos diversos segmentos da comunidade
acadêmica. No entanto, a legislação não especifica as normas reguladoras do paradigma da gestão democrática.
Por isso, a universidade tem acreditado na democracia como uma forma de expansão de seus campi ou regionais,
como possibilidade de vez e voz dos segmentos da comunidade acadêmica e, ainda, como forma de aprimorar a
comunicação e aproximar as pessoas.

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Quadro 5. Gestão da universidade e democracia


Gestão da universidade
Nós temos uma sala dos Conselhos equipada para videoconferência. [...]. É uma forma de todos participarem dos processos. Nós, do Conselho de Ensino,
Pesquisa e Extensão, estamos dialogando com quem está lá na unidade do interior. Como professor, eu vejo isso como participação. A tecnologia também facilita
muito, para que a gente possa dar conta dos processos que são, às vezes, complexos, de uma forma mais democrática e participativa (P7).
A gente ministra outros cursos através de uma tecnologia que a universidade desenvolveu internamente, que até foi premiada pela Unesco[...]. Esse processo de
nós levarmos educação para esses municípios (do interior) em que nós não temos um prédio físico (P3).
Ela tem já uma estrutura física muito espalhada (pelo interior do estado). [...]. E sempre seus cursos voltados para as demandas regionais, e isso é excelente do
ponto de vista do desenvolvimento regional (P5).
Democracia

Os cursos não são perenes. Então alguns cursos têm ingresso, no mínimo três turmas, e depois, talvez, encerre ali e, então, dificulta a aquisição de pessoas, mas
em termos de desenvolvimento é excelente (P5).
A gente tem que inventar o tempo todo sem perder de vista a autonomia regulada pelos órgãos [...], ao mesmo tempo em que a gente tem que ter muita criatividade
para poder garantir o processo mais democrático na universidade. [...]. Temos a exata impressão de que é preciso fortalecer a universidade no interior. Não
podemos abandonar demandas que são legítimas e históricas da capital (P7).
A gente procura reproduzir o mesmo modelo internamente. Essa autonomia e independência vale para o orçamento da universidade, e de novo eu diria que esta
é a prática mais comum entre as universidades. [...]. Quando implantamos essa medida alguns anos atrás, acho que foi uma das primeiras a tomar essa atitude
de descentralizar os recursos orçamentários (P10).

Fonte: Entrevista com os gestores das IESs.

Outra questão observada quanto à organização da gestão das universidades, especificamente as federais, é
quanto à criação de unidades acadêmicas em substituição àdepartamentalização. Essas mudanças ocorrem mediante
mudanças no próprio Estatuto da universidade, documento que prevê a organização da instituição, porque, de uma
forma ou de outra, a universidade tem adotado em seu modelo de organização da gestão práticas de interações sociais,
ideológicas e políticas, como se pode ver no Quadro 6.

Quadro 6. Gestão da universidade e unidades acadêmicas


Gestão da universidade
Não é o mais comum hoje. Nós tivemos alguns anos atrás uma reforma estatutária anterior à política de diminuir a departamentalização da universidade. E aí
acadêmicas

nós nos estruturamos em torno das unidades acadêmicas (P10).


Unidades

Hoje nós contamos com dois tipos de estrutura: a estrutura departamental e a outra que são os colegiados e o conselho diretor. Essa estrutura nasceu lá com as
unidades do interior, ou seja, o interior não tem estrutura departamental, ele tem as coordenações acadêmicas administrativas e o Conselho Diretor. Na capital, a
maioria são as estruturas de departamentos. E algumas delas já aderiram à estrutura do interior, com o Conselho Diretor e as coordenações administrativas (P4).

Fonte: Entrevista com os gestores das IESs.

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Para Dias Sobrinho (2015), a universidade é um dos espaços públicos cuja função é suscitar o pensamento
crítico a partir das diferentes visões de mundo e de diferentes ideologias. Por isso, reconhece-se a necessidade
de a universidade se reconfigurar, para dar conta de exercer seu papel na promoção do desenvolvimento e na
descentralização da produção do conhecimento e do saber. De outra feita, Lindo (1998) recupera a necessidade de
uma articulação orgânica entre a comunidade científica, o Estado, os atores econômicos, as organizações sociais, a fim
de evitar a dissociação entre o discurso e a ação. Nessa discussão, estão os argumentos de Chiarini e Vieira (2012),
considerando a universidade como espaço vital, não somente na formação profissional, mas também na geração de
conhecimentos técnico-científicos para o desenvolvimento socioeconômico.
Uma universidade fechada em si mesma não atende à sociedade no que se considere o desenvolvimento em
suas múltiplas dimensões, uma vez que a eficácia dessa instituição depende fundamentalmente da articulação com
a sociedade. É nesse sentido que Dias Sobrinho (2015) argumenta que a universidade justifica a sua existência ao
cumprir suas responsabilidades sociais. Isso é feito, continua, por meio da vivência de valores existenciais e humanos
e, por vocação e demanda, pela produção e socialização dos conhecimentos. Nessedebate, concorda-se com Chiarini
e Vieira (2012) por considerarem a universidade como espaço vital, não somente na formação profissional, mas
também na geração de conhecimentos técnico-científicos para o desenvolvimento socioeconômico. São, portanto,
agentes basilares e auxiliam o processo de criação e disseminação, tanto de novos conhecimentos quanto de novas
tecnologias.
Defendendo a ideia de que o papel da universidade é desenvolver os processos relacionados à produção do
conhecimento, Suarez (2009) discute que os processos de inovação, descoberta e produção de conhecimento estão
localizados fundamentalmente nas instituições universitárias e que a produtividade acadêmica está associada
não somente à busca de saberes, mas à formação de produtores cognitivos identificados com as necessidades do
desenvolvimento nacional e local.
São muitos os desafios da gestão da universidade para manter-se em pleno funcionamento, no que diz respeito
ao atendimento às demandas sociais, em atenção ao conhecimento que produz e para quem produz e na ênfase que
dá ao desenvolvimento. Para Dias Sobrinho (2015), compete à universidade a missão de formar pessoas com alto
sentido cultural, moral e político de cidadania e contribuir para a solução de problemas da coletividade.Portanto, a
universidade precisa ter uma missão mais ampla, indo além do desenvolvimento econômico local e regional. Toda essa
discussão permite entender que a universidade se encontra diante de desafios, os quais precisa superar para, assim,
promover suas responsabilidades públicas. O Quadro 7 apresenta, com vistas nas falas dos sujeitos, os principais
desafios da universidade pública no Brasil.

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Quadro 7. Gestão da universidade: desafios


Gestão da universidade
Ser proativa não significa pensar o futuro. Você pode ser proativo para tentar resolver a herança do passado também (P1).
Esta universidade cresceu de forma muito evidente nestes últimos anos, cresceu também com alguns problemas, algumas demandas e serem resolvidas, e uma
Desafios

delas, talvez a principal neste momento, seja a constituição de um corpo docente estável, permanente, ou seja, professores concursados. [...] Sou formado em
Educação, professor da Faculdade de Educação, e lá nós temos 115 professores [...]. Nós temos 11 professores efetivos, menos de 10%. Isso considerando os
professores que estão vinculados ao mestrado e à graduação (P7).
Nós temos que estar abertos para a necessidade de estruturas que permitam que as pessoas busquem conhecimentos novos e busquem novos caminhos (P8).

Fonte: Entrevista com os gestores das IESs.

Para Suarez (2009), a universidade, em cumprimento de seus objetivos, é multifuncional e está consagrada por
sua natureza à busca da excelência; é uma das maiores geradoras de conhecimento na sociedade; é chamada a liderar,
em boa parte, os processos de transformação e desenvolvimento da sociedade atual; encontra-se diante de desafios,
tensões e futuros possíveis, os quais podem impactar, sobremaneira, o modelo de gestão. Entende-se que o principal
desafio em relação à universidade está em compreender em que realmente consiste essa dinâmica e a quem está a
servir: ao desenvolvimento e à promoção humana ou ao desenvolvimento econômico e à lógica do mercado.
A universidade se encontra diante de desafios, tensões e futuros possíveis, os quais podem impactar, sobremaneira,
o modelo de gestão, nas ações estratégias e nos discursos institucionais, afetando, em alta medida, a dinâmica da
vida universitária. Além de um desafio, é também e, principalmente, um dos pontos mais nevrálgicos do campo
acadêmico. Para Dias Sobrinho (2015), a universidade é um desses espaços da convivência plural da sociedade.
Tem muitas e diferentes responsabilidades, correlacionadas com demandas contraditórias dos diversos setores
da população. De todo modo, para além das disputas de poder e acima dos interesses e projetos fragmentados, é
radical a responsabilidade da universidade, enquanto espaço de formação de cidadãos-profissionais pela mediação
dos conhecimentos. A integralidade da formação é uma exigência existencial e faz parte do sentido público da
universidade como instituição social.
Quando se fala em desafios a serem enfrentados pela gestão universitária hoje, toma-se como exemplos os
apontados por Tavares (2011) e Sousa (2011), quais sejam: processo decisório e forma de participação por meio
de colegiados; autonomia; dimensão política; performance institucional; controle institucional e social; indicadores
qualitativos e quantitativos; financiamento; perspectiva de longo prazo; superação de condutas e modelos
conservadores; criação de mecanismos eficientes nos programas institucionais; acompanhamento da rápida evolução
das políticas de governo.

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Se for se pensar que esse é um processo fácil, certamente se está equivocado. Acrescenta-se aqui mais um
desafio quanto à gestão democrática na universidade pública: considerar pressupostos da administração pública em
um contexto de sociedade capitalista. Para Melo (2007, p. 186), a escola “reproduz relações sociais, mas é também
espaço, no qual se realizam contradições inerentes a essas relações.” Trazem-se suas considerações para o contexto
da universidade como um espaço de lutas, conflitos, contradições e ideologias. A dimensão coletiva da educação
é expressão de luta de classes sociais. Luta, conflito, necessidade de tornar homogêneo um projeto específico da
sociedade e de educação, de conservar ou transformar a sociabilidade. Um exemplo é o discurso do neoliberalismo,
tomando ares de triunfalismo a partir dos anos 1990. O discurso de seus defensores torna-se uma vitória inconteste,
abrangente, não somente hegemônica como também homogênea. Durante a década de 1990, as políticas econômicas,
sociais e educacionais continuaram sendo direcionadas pelas ideias neoliberais. Assim, reconhecem Rodríguez
e Martins (2011) que o processo de transformação educativa respondia especialmente às demandas dos setores
produtivos, preparando os sujeitos para o mundo do trabalho e deixando, em certa medida, aspectos fundamentais de
lado, como o cultivo da solidariedade, da democracia, da igualdade e da consagração da cidadania.
Essa discussão diz respeito ao papel da universidade e à forma como esta deve responder às demandas do campo
social e político que atravessa a sua própria história. A universidade deve firmar todo o seu trabalho de reflexão e
transformação acadêmica e organizacional, no sentido de obter uma maior integração social e política e, de forma
incisiva, promover a sua responsabilidade social.

Considerações finais
As universidades públicas brasileiras, da forma como organizam e estruturam o modelo de gestão, tornam-
se instituições semelhantes. Em alta medida, a universidade se adapta, de forma a atender às necessidades de seu
contexto histórico, confrontando-o, por vezes, ou em conformidade com ele. Por isso, diz-se que a universidade é
paradoxalmente espaço de construção de conhecimento, ao mesmo tempo em que é desconstrução.
A estrutura da gestão universitária deve ser no sentido de favorecer a comunicação e facilitar o desenvolvimento
de ações de ensino, pesquisa e extensão, calcadas no princípio da indissociabilidade.Convém à universidade pública
que a escolha de seus dirigentes (reitor e vice-reitor, diretor de unidade, diretor de centro, coordenador de curso) seja
via eleição direta, com a participação dos membros da comunidade acadêmica. Esse processo facilita a comunicação
entre a universidade e o poder público, o qual deve ser pautado na democracia e no diálogo; do contrário, há a
possibilidade de atrapalhar o andamento da universidade e o funcionamento, em geral, da gestão. Assim, entende-se
que o desenvolvimento da gestão universitária democrática depende do poder de liderança e do compromisso dos

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gestores com a implementação de um modelo de governança alinhado aos princípios da democracia, coerente com
a missão, com os valores, com os objetivos e finalidades institucionais.
Acredita-se, diante das exposições aqui apresentadas, tanto de ordem teórica quanto de ordem empírica, partindo
das falas dos sujeitos, que a universidade,diante da organização de sua gestão, requerida democrática e compartilhada,
vê-se diante de algumas questões, as quais não deveria perder de vista: a universidade, aqui referida, é uma instituição
pública, inserida numa sociedade capitalista, a qual está a servir, inclusive trabalhando na e para a lógica do mercado;
por ser pública, segue a lógica burocrática e princípios da administração pública legalmente validados; mesmo
sendo pública, vê-se tomada por conceitos advindos do campo da administração, ou seja, do campo empresarial; a
democracia da gestão da universidade exige participação de todos os segmentos da comunidade acadêmica, com
consciência política e ética e, sobretudo, com responsabilidade e compromisso.
A universidade é um organismo social vivo, pois se reconhece essa instituição como um espaço dinâmico de
interações sociais, onde o aspecto humano deve ser posto em primeiro plano. Nessa direção está o pensamento de
Chauí (2003), ao defender que a universidade pública, como uma instituição social, uma ação social, uma prática
social fundada no reconhecimento público de sua legitimidade e de suas atribuições, num princípio de diferenciação,
confere-lhe autonomia perante outras instituições sociais, e estrutura por ordenamento, regras, normas e valores
de reconhecimento e legitimidade internos a esta. Nessa perspectiva de instituição pública, a universidade tem se
esforçado para adotar para si o modelo de gestão democrática, por acreditar que este possibilita o seu desenvolvimento
pelo viés da valorização da participação dos atores nesta e por esta envolvidos. A gestão democrática e participativa
implica superar desafios, por exigir exercício autônomo de suas atividades e organização e administração colegiada
por intermédio dos conselhos.
Diante desse contexto, a universidade encontra-se perante o desafio de interpretar as transformações e as
demandas da sociedade contemporânea. Assim, acredita-se que a universidade precisa assumir uma postura proativa
em relação à organização de sua própria gestão.

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Recebido em: outubro/2017


Aceito em: novembro/2017

Endereço para correspondência:


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64980-000 Centro, Corrente, PI
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