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Em Má Companhia

(To Tame a Texan)


Georgina Gentry

Clássicos Históricos Especial nº 210

Estados Unidos, 1900


Maus rapazes não fazem seu estilo...

Lynnie McBride tem apenas um motivo para ir ao baile do Dia dos Namorados,
na capital, e esse motivo não é romance: ela pretende fazer um protesto para chamar a
atenção do governador e dos deputados presentes a esse baile. Acompanhada do
charmoso malandro Ace Durango, um homem que considera extremamente irritante,
Lynnie desfila diante das autoridades ostentando uma faixa com os dizeres "Direito ao
Voto para as Mulheres". O tumulto provocado causa sua prisão e a de Ace, além de ela
perder o emprego de professora em sua cidade.
Passar algum tempo com o irresponsável Ace é para Lynnie um castigo, embora
seja difícil ignorar a beleza e o charme desse homem. Mas viver perigosamente ao lado
dele começa a se tornar algo muito divertido... até ela descobrir quem exatamente é
Ace Durango!

Digitalização e Revisão: Alice Akeru


— Com você por perto não há tédio nem monotonia. As outras moças, mesmo
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as mais lindas, são tolas, vazias, maçantes.


O modo como Ace olhava para Lynnie deixou-a trêmula.
— Ace, dizem que até uma mulher muito feia parece bonita para um caubói que
está na estrada há muitas semanas.
Ele colocou gentilmente as mãos nos ombros dela.
— Acredite ou não, Lynnie, há outras coisas mais importantes do que a beleza.
— Não é o que a maioria dos homens diz. — Ela engoliu com dificuldade, pois
sentia a garganta seca. — Eu sei que não sou e nunca serei bonita como as garotas
com quem você estava flertando no baile do governador.
— Mas foi você que eu levei ao baile. E devo dizer que me diverti com toda
aquela confusão — Ace lembrou.
Sem que Lynnie esperasse, ele puxou-a para junto dele e beijou-a. Foi um
momento tão maravilhoso que ela esqueceu que Ace Durango era um rapaz rico e
presunçoso; um machista que só a levara ao baile do governador porque fora obrigado.
Correspondeu ao beijo com ardor e toda a emoção que, como garota solitária e
vulnerável, aprendera a reprimir. Roçou a língua pelos lábios dele, fazendo-o entreabri-
los com um arquejo. Deliciado, ele apertou-a mais nos braços.

A revista Romantic Times considerou Georgina Gentry "como uma das melhores
escritoras americanas da década de 1990". Seu primeiro romance foi merecedor de
vários prêmios. Famosa por criar cenas com muitos detalhes, ela constantemente
apresenta convenções e workshops sobre a "arte de escrever romances".

Copyright © 2003 by Lynne Murphy


Originalmente publicado em 2003 pela Kensington Publishing Corp.
PUBLICADO SOB ACORDO COM KENSINGTON PUBLISHING CORP.
NY, NY - USA Todos os direitos reservados.
Todos os personagens desta obra são fictícios.
Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.
Título original: To Tame a Texan
Tradução: Ercília Magalhães
Editora e Publisher: Janice Florido
Editora: Fernanda Cardoso
Editoras de Arte: Ana Suely S. Dobón, Mônica Maldonado
Paginação: Dany Editora Ltda.
Ilustração da Capa: Hankins + Tegenborg, Ltd.
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Rua Paes Leme, 524 – 1O° andar CEP 05424-010 - São Paulo - Brasil
Copyright para a língua portuguesa: 2004
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Impressão e acabamento: RR DONNELLEY
Tel.: (55 11)4166-3500
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Prólogo

Vocês irão conhecer Ace Durango, o valente herdeiro do império Durango


Texas, e condutor-chefe de um grande rebanho bovino que segue pela trilha Chisholm
até Dodge City, no Estado do Kansas. Esse belo e charmoso malandro gosta de beber,
de jogar cartas e sabe lidar com as mulheres. Bem, com a maioria das mulheres. Com
Lynnie McBride ele não quer nem mesmo tentar. Para dizer a verdade, Ace não
suporta a srta. McBride.
O sentimento é mútuo. A altiva professora e sufragista acha Ace desprezível. O
comportamento desse texano rude a deixa horrorizada, mas ela quer,
desesperadamente, chegar a Dodge City para participar de um encontro em favor dos
direitos das mulheres. Isto significa que Lynnie está determinada a acompanhar o
rebanho conduzido por Ace e seus homens, quer ele queira ou não.
Acreditem, essa poderá ser uma viagem l-o-n-g-a, muito l-o-n-g-a...

Capítulo I

Texas
Final de janeiro, 1885

Cimarron parou à porta da biblioteca de sua casa, na fazenda.


— Ace está na prisão novamente — informou ao marido.
— Oh, não! — exclamou dom Diego e resmungou uma praga em espanhol. —
Não sei mais o que fazer com nosso filho.
Ele deixou saltar de seu colo para o chão o pequenino chiuaua castanho e
levantou-se do sofá de couro colocado à frente da enorme lareira.
— Meu querido, não se irrite — pediu Cimarron suavemente, aproximando-se do
marido, homem alto, forte, meio cheyenne.
Com quase cinqüenta anos, dom Diego de Durango III, conhecido como Trace,
era ainda tão bonito quanto no dia em que Cimarron o conhecera, durante a Guerra
Civil, apesar de agora seus cabelos, antes tão negros, se entremearem com fios
grisalhos. Dom Diego tinha temperamento explosivo, porém jamais se exaltava com a
esposa.
— Não estou irritado — ele falou alto, começando a andar de um lado para outro
da sala. Tequila, o cãozinho, afastou-se depressa, mantendo-se longe das botas do
dono. — Nós mimamos nosso filho e veja o resultado. Quem lhe deu a notícia da prisão
de Ace?
— Comanche.
Ao ouvir seu nome, o rapaz apareceu, temeroso, à porta da biblioteca.
— Comanche! — Trace rugiu. — mandei você e Ace até o México para comprar
alguns cavalos de meus primos. Como, infernos, meu filho foi parar na prisão?
Comanche, ajudante de vaqueiro, torceu nervosamente o chapéu Stetson.
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— Bem, senhor, logo que atravessamos a fronteira, Ace quis prolongar os


festejos do Ano-Novo...
— Ano-Novo! Pelo amor de Cristo! — Trace ergueu as mãos, exasperado. —
Estamos quase no fim de janeiro! Ace é um irresponsável. Só quer saber de jogo de
cartas, de bebida e de mulheres.
— Ora, querido, não seja tão severo. — Cimarron afastou da testa uma mecha
de cabelos loiros começando a ganhar fios prateados. -— Ace é ótimo vaqueiro.
— Sim, mas apenas quando conseguimos mantê-lo interessado em cavalos e
bois. — Trace atirou no fogo da lareira a cigarrilha que estava fumando e dirigiu-se a
Comanche. — Estarei errado ao supor que havia uma mulher envolvida nessa história?
Desolado, o rapaz olhou para Cimarron e amassou ainda mais o chapéu.
— Bem... não está errado, não, senhor.
Notando a fúria nos olhos escuros do marido, Cimarron tentou acalmá-lo.
— Querido, você sabe que as mulheres amam Ace e aquele seu jeito
encantador...
— Ah, eu sabia! — Trace mal ouviu a esposa. — Comanche, conte-me o que
aconteceu.
— Ela... a mulher... era muito bonita, senhor. Um tipo meio exótico. Desses que,
em geral, causam problemas...
— E meu filho se envolve com outro tipo de mulher? Por outro lado, que garota
sensata e respeitável arriscaria sua reputação aceitando a companhia de um libertino
como Ace? — Trace suspirou e voltou para o sofá. Tequila saltou imediatamente para o
colo do dono.
— Ace não tem culpa, senhor — tornou Comanche. — Um vaqueiro mexicano
zangou-se ao ver a mulher sentar-se no braço da poltrona de Ace durante o jogo de
cartas e empurrou-a. O senhor sabe, nenhum texano atura uma ofensa dessas. Ace
jogou o brutamontes para fora do bar, quebrou o grande espelho e todos começaram a
brigar.
— Está vendo, querido? Ace comportou-se como um cavalheiro. Ele não tolera
que desrespeitem uma lady — alegou Cimarron.
— Essa mulher, certamente, não era uma lady. Nosso filho nunca se interessou
por jovens bem-nascidas e recatadas. — Trace acendeu outra cigarrilha. — Comanche,
pode voltar para o alojamento.
— Está bem, senhor — respondeu o rapaz, afastando-se depressa.
— Pobre garoto. Você o assustou, Trace. — Cimarron sorriu. — Ace não é muito
diferente do pai. Na idade dele você também teve uma longa série de aventuras.
Trace pareceu desconfortável diante da veracidade daquelas palavras. Ficou
durante vários segundos em silêncio, olhando para o grande retrato da esposa que
pendia sobre a cornija da lareira havia mais de vinte anos, recordando os bons e maus
momentos da vida a dois. Por fim, declarou:
— Sim, eu tive minha cota de aventuras no meu tempo de solteiro, mas nunca fui
irresponsável. Aos vinte anos eu já cuidava do rancho para meu pai.
Cimarron olhou pela janela. O dia nublado de inverno deixou-a tristonha e
saudosa. Fazia um ano que o grande patriarca, Durango II, do Rancho Durango,
falecera.
— Seu filho não é irresponsável, querido. Você terá orgulho dele — disse
Cimarron.
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— Talvez isso aconteça se pudermos mantê-lo fora da cadeia. — Trace suspirou


e fez sinal para a esposa sentar-se do lado dele.
— Ace precisa apenas encontrar uma jovem sensata e respeitável — tornou
Cimarron sentando-se junto do marido e abraçando-o.
Só não mencionou que tinha em mente uma candidata que julgava perfeita para
esposa de um homem como Ace.
— A reputação de nosso filho é tão ruim que nenhuma garota respeitável se
arriscará a ser vista com ele. Chego a pensar se não seria mais sensato deixá-lo
apodrecer naquela prisão mexicana.
— Oh, não! Você não pode nem pensar num absurdo desses! — protestou
Cimarron, beijando o rosto do marido.
— Era o que eu devia fazer. O malandro merece uma boa lição. — A expressão
de Trace suavizou-se ao olhar para a esposa. -— Mas, diga-me, você já tomou as
providências para que o libertem, não é mesmo?
Cimarron mordeu o lábio inferior.
— Bem, você sabe como Ace gosta de conforto.
— Ele é mimado. Esta é a verdade. Quando eu tinha a idade dele achava muito
natural dormir ao relento e comer perto de uma fogueira. Ace precisa viver como um
verdadeiro caubói dos velhos tempos. Isso o deixará mais vigoroso.
— Tem razão, querido. — Cimarron abraçou o marido e beijou-o.
— Espere — Trace pediu. — Cimarron Durango, você está tentando me distrair.
— O quê?!
— Sabe do que estou falando. Você já mandou alguém com dinheiro para pagar
a fiança de Ace, não mandou?
— Trata-se do nosso filho. Eu sei que a comida naquela prisão deve ser
péssima...
— Por que essa preocupação com ele? Ace é bem capaz de seduzir a filha do
xerife a ponto de receber dela a melhor comida da casa do pai e de propiciar-lhe outros
confortos também.
Podia ser verdade, Cimarron admitiu. Ace era não apenas sedutor, mas um
demônio com as mulheres.
— Espero que, desta vez, nosso filho tenha aprendido a lição.
— Pois sim! É mais fácil o inferno congelar — Trace resmungou. — Mas, quem
você mandou ao México?
— Pedro. Ele conhece o xerife. Disse que o homem é primo de seu cunhado.
A raiva de trace desapareceu. Abraçou a esposa e sorriu.
— Querida, você é maravilhosa. Todos aqui tremem quando eu ergo a voz.
Todos, menos você e Tequila.
O cãozinho abanou a cauda e lambeu a mão do dono.
— Isto é porque Tequila e eu conhecemos você melhor do que ninguém —
afirmou Cimarron.
— Meu receio é que o nosso filho inconstante jamais se torne responsável,
capaz de assumir a administração de um império como este. Já a irmã, felizmente, é
muito diferente.
— Ace precisa apenas encontrar a garota certa — Cimarron tornou a dizer. —
Sei que, apesar de sua má reputação, toda jovem do Texas sente atração por ele.
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— É natural. Que jovem não quer tornar-se a senhora da maior e mais rica
propriedade do Texas? — questionou Trace.
— Mesmo que fosse pobre, Ace teria muitas mulheres ansiosas por merecer sua
atenção..
— Sim, claro. Ele é um mulherengo indomável.
— Mas é encantador. Tudo o que temos a fazer é encontrar uma garota capaz
de domar nosso texano.
— Não creio que seja possível. Bem, o malandro em breve estará de volta e
deve isso a você. Por mim, ele ficaria pelo menos mais um pouco na cadeia.
— Está certo. Ace deve sua liberdade a mim e ele pagará sua dívida — disse
Cimarron, pensando no plano que tinha em mente.
O marido desabotoou a blusa dela e sugeriu:
— Vamos namorar um pouco. Não há ninguém por perto e este sofá é bem
grande. O que acha da idéia?
— Não podia ser melhor — aprovou Cimarron, olhando dentro dos olhos
apaixonados do marido.

Dois dias depois, Ace, todo amarrotado, os cabelos escuros em desalinho,


reuniu sua coragem e entrou, cabisbaixo, na copa, o chapéu Stetson na mão. Apesar
da forte dor de cabeça, forçou um sorriso.
— Olá, pessoal. Muito obrigado por me tirarem da cadeia.
— Meu querido, você está bem? — Cimarron levantou-se, abraçou o filho e deu-
lhe um beijo na testa. — Oh, seu olho está roxo.
— Não é nada. — Ace levou a mão ao rosto. — Nem está doendo.
— Não precisa me agradecer. Você deve sua liberdade à sua mãe — tornou
Trace em tom severo. — Pra mim chega. Cansei. Eu o teria deixado preso por um bom
tempo.
— Oh, Trace, você não está falando sério — reclamou Cimarron, tornando a
abraçar o filho.
Ace dirigiu à mãe um sorriso cativante.
— Por Deus, papai, eu só estava tentando cuidar dos meus negócios...
— Seus negócios? Você estava encarregado de ir até o rancho de nosso primo
para buscar alguns cavalos.
— A minha intenção era apenas jogar uma ou duas mãos. — Ace sorriu. — Mas
surgiu aquela garota...
— Mulher bonita, do tipo que causa problemas — Trace completou. —
Comanche já nos contou a história.
Ace suspirou ao lembrar-se da mulher.
— Muito bonita, realmente, morena, ardente e sensual.
— Poupe-me. Não preciso ouvir essas tolices — Cimarron zangou-se. — Vamos,
sente-se e tome seu desjejum.
Sentando-se à mesa, Ace notou no prato do pai o bacon queimado e os ovos
mexidos quase crus.
— O que está acontecendo? A velha Juanita errou a mão?
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— Juanita foi visitar a irmã. Cookie a está substituindo — a mãe explicou.


— Cookie? Aquele bode velho vem envenenando nossos vaqueiros há anos e
agora vai matar nossa família — reclamou Ace.
— Ouvi o que você disse! — tornou o velho barbudo aparecendo à porta da
copa.
— Se ouviu é porque adora espionar — retrucou Ace.
— Olhe aqui, seu garoto malcriado, cozinho no Rancho Triplo D desde que você
nasceu...
— Ora, ora, Cookie, deixe disso. Ace está cansado. Traga-lhe o desjejum, como
só você sabe preparar—pediu Cimarron.
O velho de cabelos e barba grisalhos sorriu para a patroa. Todos sabiam que ele
adorava a sra. Durango.
— Certo, madame. Vou atendê-la, mas diga a ele pra não reclamar da minha
comida.
— Além de péssimo cozinheiro, ele é mal humorado e sorrateiro como uma
cascavel.
— Estou ouvindo! — Cookie protestou, a caminho da cozinha.
Cimarron olhou para o marido que deu de ombros e continuou a tomar seu café.
Acostumara-se com as provocações do filho ao velho empregado. Ace e Cookie viviam
às turras. Desde pequeno o herdeiro dos Durango divertia-se pregando peças no velho
caubói que havia décadas fazia parte do Rancho Triplo D. Pertencia ao lugar. Ali
nascera, se criara e envelhecera. Trace reconhecia que o filho sempre fora terrível e
Cookie, quando exasperado, o chamava de "pequeno diabo".
— Não se esqueça de trazer um bule de café, Cookie! — Ace pediu, alteando a
voz.
— Café? Você vai se arrepender — advertiu o pai terminando de tomar a bebida
intragável que tinha na xícara.
— Ouvi isso também, patrão — Cookie gritou, já na cozinha.
Ace levou a mão à cabeça e gemeu.
— Hum... tenho a sensação de que uma boiada passou sobre mim.
— Não pense que tenho pena de você — replicou o pai.
— Tenha paciência, Trace, querido — disse Cimarron suavemente. — Ele
aprendeu a lição e agora vai melhorar. Não vai, meu filho?
"Melhorar? Será que ele melhora?", Trace questionou-se.
Tinha suas dúvidas. O filho amava seu estilo de vida. Achava tudo tão excitante.
Só não gostava quando ia parar na cadeia ou quando era perseguido pelo irmão
furioso de uma garota.
— Sinto muito, mamãe, por lhe causar tanta preocupação e por ter sido um mau
garoto. — Ace desculpou-se, tendo nos lábios um sorriso encantador. Um daqueles de
amolecer o coração de uma mulher.
Sabia por experiência própria que as mulheres amavam maus garotos. No fundo,
adoravam regenerá-los. Todas elas viam-no como um candidato ideal para ser
transformado em perfeito e gentil cavalheiro.
— Devo-lhe muito, mamãe. Eu lhe sou eternamente grato por ter-me livrado da...
— Nesse caso, tenho um pedido a lhe fazer — disse Cimarron depressa.
— Farei qualquer coisa, mamãe.
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Surpreso, Trace olhou para a esposa, em seguida para o filho. Naquele instante
Cookie entrou na copa, mancando, e aproximou-se de Ace.
— Aqui está seu desjejum — declarou, colocando um prato sobre a mesa. — E
não me venha com reclamações.
O rapaz olhou com uma careta para os ovos queimados e o bife quase cru.
Espetou o garfo na carne e comentou:
— Tive a impressão de que ouvi o berro do novilho.
— Ora, pare com isso, seu desaforado — Cookie zangou-se. — Você não
merece respeito. Não é um cavalheiro como seu pai. Não passa de um garoto mimado
e sem modos.
"Em parte é verdade. Nunca serei como meu pai, por isso, nem vou tentar", Ace
pensou. Em voz alta reclamou:
— E o meu café?
— Vou buscar — respondeu o velho senhor e afastou-se, deixando no ar um
aroma de álcool e baunilha.
— Coitados dos nossos vaqueiros! Os pobres-diabos são obrigados a comer,
todo santo dia, a bóia preparada por esse velho incompetente.
— Filho, ouça o que eu tenho a lhe dizer — interveio a mãe, para evitar mais
discussões entre Ace e Cookie. — Fiquei sabendo que o governador vai oferecer um
grande baile no dia de São Valentim, em Austin.
— Que boa notícia! — alegrou-se o rapaz. Acabara de mastigar um pedaço de
ovo e sentia na boca um gosto de borracha queimada. — As mais belas garotas do
Texas estarão presentes!
— É claro que sim — confirmou a mãe. — Recebi uma cartinha de sua tia
Cayenne.
— Ah! E como estão tio Maverick e toda a família do oeste do Texas?
— Segundo Cayenne, todos estão muito bem.
— Será que estão muito bem mesmo? — Trace afastou o prato e acendeu uma
cigarrilha. — A família de Maverick é tão numerosa. Nunca vi tantas crianças. Até
parece que aquele casal nunca sai da cama.
— Trace! — O rosto de Cimarron ficou vermelho. — Que jeito de falar de seu
irmão adotado e da esposa.
Novamente Cookie apareceu na copa e colocou rudemente sobre a mesa, na
frente de Ace, o bule de café, a xícara e o pires.
— Ei! Precisa fazer esse barulho? Estou com dor de cabeça!
— Tequila barata e mulheres ordinárias provocam dor de cabeça. Você não
sabia disso? — desferiu o velho senhor.
Ace serviu-se do café. Estava grosso, parecia lama negra.
— E você não sabe que nas grandes casas os empregados respeitam o patrão?
— Você não é o patrão. Dom Durango, sim, é o patrão que merece todo o
respeito. Trabalho neste rancho antes mesmo de você nascer. — Cookie olhou para
Trace. — Não é mesmo, patrão?
— É verdade, Cookie — Trace confirmou. — Eu não poderia administrar a
propriedade sem você.
Satisfeito, o velho senhor voltou para a cozinha no seu andar claudicante.
Cookie era, de fato, péssimo cozinheiro e muito ranzinza, mas leal e de inteira
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confiança. Quando jovem trabalhava como vaqueiro, mas depois de sofrer uma queda,
na qual o cavalo caíra por cima dele, ficara manco e passara a cozinhar para os peões.
Um dos rapazes o ajudava. Além de cozinhar mal, o velho andava bebendo muito,
principalmente uma bebida forte, preparada com destilado de alto teor alcoólico e favas
de baunilha.
O chiuaua ganiu debaixo da mesa e Ace jogou para ele um pedaço do ovo.
Trace inclinou-se e sussurrou para o filho:
— Cuidado. Tequila é delicado, já é velho e a comida de Cookie...
— É. Tem razão. O animalzinho pode morrer — concluiu Ace.
— Essa não! Agora são dois a confabular. — Cimarron protestou. — Será que
não podemos voltar ao assunto sobre o qual estávamos falando, meu filho?
— Certo, mamãe. Eu gostaria muito de ir a esse baile de São Valentim. — Ace
passou manteiga em um pãozinho e comeu-o.
— Ótimo.
— Mas... é só isso que a senhora quer que eu faça? Ir a um baile é sempre um
prazer.
— Acho que aí tem coisa — opinou Cookie, da cozinha. — Cuidado, rapaz.
— Não se intrometa, Cookie. O assunto não lhe diz respeito — zangou-se
Cimarron.
— Mulheres! — resmungou o velho senhor do outro lado da porta.
Ace sorriu. A dor de cabeça tinha diminuído e seu bom-humor estava de volta.
Devia isso à mãe. Ela o compreendia e o confortava. Só havia duas mulheres em quem
ele confiava: Cimarron e tia Cayenne.
— Como eu estava dizendo, mamãe, quero ir ao baile.
— Claro, um baile com muitas garotas... Será como mandar um coiote para um
redil de ovelhas — comentou o pai gravemente.
— Dispenso a sua opinião e a de Cookie — tornou Cimarron em tom cortante.
Ace presenteou a mãe com um belo sorriso.
— Conte-me mais alguma coisa sobre esse baile — pediu Ace, já pensando em
conquistar uma ou duas garotas. Graças a seu charme, não seria difícil levá-las para o
terraço ou para o interior confortável de uma carruagem.
— Creio que você não entendeu. Quero que você acompanhe alguém a esse
baile.
Imediatamente Ace pressentiu que podia cair em uma armadilha, mas era
esperto como um coiote quando se tratava da própria sobrevivência.
— Quem?
— Uma jovem brilhante, com muita personalidade.
Cauteloso e cheio de desconfiança, Ace olhou para o pai.
Este encolheu os ombros e fez com a cabeça um movimento negativo.
Evidentemente Durango III ignorava o que a esposa estava tramando.
— Quem, mamãe? — Ace insistiu.
— Em primeiro lugar, me ouça, filho.
— Oh, não! — Ace sacudiu a cabeça. — Quando a mãe de alguém começa a
falar sobre uma jovem de personalidade e mente brilhante, é porque a pobrezinha é
feia de doer.
— A beleza é superficial e efêmera.
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— E a feiúra é profunda e permanente. Cookie tinha razão. Aqui tem coisa. O


que é, mamãe?
— E essa agora! — Cimarron exclamou, zangada. — Você usa as palavras do
velho Cookie contra sua mãe? Ace, você disse que me deve muito. A palavra de um
texano não tem valor?
— Tem, claro. Especialmente a palavra de um Durango. — Ace voltou-se para o
pai. — Papai, o que ela pretende?
— Não faço a menor idéia. — Trace recostou-se na cadeira e deu uma baforada
de sua cigarrilha. — Mas o aconselho a jamais subestimar sua mãe.
Tendo agora a nítida sensação de que a armadilha ia se fechar sobre ele, Ace
levantou-se da mesa.
— Diga quem é essa garota, mamãe — pediu, sentindo um arrepio.
Se a moça em questão fosse do tipo que o agradava, a sra. Durango não estaria
fazendo tantos rodeios e mistério. Por outro lado, aquelas do interesse dele não seriam
aceitas em nenhum evento respeitável como o baile oferecido pelo governador.
— Lembre-se de que está livre da prisão porque eu paguei sua fiança. Se fosse
por seu pai, você ainda estaria lá.
— Sim, jamais me esquecerei disso. Mas quem é a tal moça? — Ace tornou a
indagar, quase em pânico. — Quem precisa de um acompanhante? Quem quer que
seja deve estar em caso desesperador, senão a senhora não iria valer-se de uma
armadilha para me obrigar a levá-la a esse baile.
— É uma jovem adorável.
— "Adorável" com o significado de "bonita" ou "adorável" no sentido de sem
beleza nenhuma, mas com espírito?
— Oh, Ace, deixe de pensar na aparência. Vai ser uma noite muito agradável.
— Já vi que essa moça é do tipo com quem eu jamais sairia se não fosse
chantageado por minha própria mãe. Mas, diga-me, essa "adorável" garota tem nome?
Cimarron suspirou e deu-se por vencida.
— Muito bem. É Lynnie McBride.
— Lynnie McBride?! — Ace e o pai repetiram ao mesmo tempo, ambos atônitos.
Reinou na copa um instante de silêncio. Ace achou que tinha ouvido mal. Sua
mãe não iria fazer uma coisa daquelas com ele.
— Lynnie McBride? A irmã de tia Cayenne?
Chegou até eles uma gargalhada vinda da cozinha.
— Eu não disse, seu tolo? Era uma armadilha! As mulheres estão sempre
montando ciladas.
— Cookie! Isto é assunto de família! — gritou Cimarron.
O velho senhor apareceu à porta da cozinha.
— Eu sei. E vocês são a única família que eu tenho.
— Volte para a cozinha — Cimarron ordenou e Cookie desapareceu.
Ace não prestou atenção à troca de palavras entre a mãe e o velho senhor.
Sentia enjôo e a garganta seca como se estivesse no meio de uma tempestade de
areia. Ficou sem saber se o mal-estar era causado pela comida de Cookie ou pela idéia
de ver-se obrigado a sair com a ruiva e teimosa Lynnie McBride. Mal conseguia
respirar. Agora podia imaginar qual era a sensação de um condenado quando o
alçapão se abria sob seus pés e o laço da corda lhe apertava o pescoço.
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— Mamãe, a senhora quer mesmo que eu leve Lynnie McBride ao baile?


— Bem, ela precisa de um acompanhante. Cayenne e eu achamos que você
seria o cavalheiro perfeito...
— Por Deus, não! Serei objeto de riso de todo o Texas se tiver de sair com
aquela solteirona.
— Ora, meu filho, Lynnie tem apenas vinte anos. E, lembre-se, ela é inteligente...
— Inteligente? Homem nenhum se sente atraído por garotas porque elas são
inteligentes. — Ace ergueu as mãos e olhou Para o pai. — Papai, o senhor não diz
nada?
Trace ficou carrancudo.
— Cimarron, você perdeu o juízo? Lynnie é ótima garota, mas muito ingênua. Se
Ace arruinar a reputação dela, terei de enfrentar a cólera de meu irmão Maverick.
— Arruinar a reputação dela? — Ace indagou, indignado. — O senhor acha que
pretendo me aproximar de Lynnie ou tocar nela?
— Ela é ótima moça. E tem diploma de professora — Cimarron mencionou.
— Mamãe, além de sem graça, ela é teimosa, mandona e obstinada. Quando
éramos crianças ela queria brincar de escolinha e obrigava todos nós, garotos, a nos
sentar bem eretos, a escrever e fazer exercícios de aritmética.
— Discordo, querida — Trace abanou a cabeça. — Se nosso filho acompanhar
aquela moça inocente ao baile, Maverick será capaz de matá-lo.
— Tio Maverick não fará isso simplesmente porque não levarei Lynnie a esse
baile.
— Ouviu isso, querido? O que você tem a dizer a nosso filho?
Trace fumou sua cigarrilha por um momento antes de observar:
— Ace, a palavra de um Durango é um compromisso de honra. A meu ver, você
terá de mantê-la.
— Exatamente. Meu filho, não só você, mas os homens em geral deviam se
interessar por garotas inteligentes — a mãe insistiu. — Dessa forma seus filhos seriam
mais inteligentes.
— Filhos com Lynnie? Não me agrada a idéia nem mesmo de beijá-la, quanto
mais de me deitar com aquela professorazinha puritana. Por favor, mamãe, todos irão
rir de mim quando me virem com aquela solteirona afetada e mandona.
— Ora, um homem que já tomou parte em tantas brigas e tantos duelos, tem
medo de ser objeto de riso? — Cimarron indagou- — Além de estar tentando faltar com
sua palavra, você é um poltrão desprezível, não parece um texano.
— Homem nenhum ousaria dizer essas palavras se quisesse continuar vivo. Mas
a senhora é minha mãe, por isso vou relevar — tornou Ace, irritado.
— E você tem uma dívida para comigo.
— Sei disso, mas peça outra coisa. Qualquer outra coisa, mamãe. Lynnie é sem
graça, magricela, uma tábua, não tem seios nem curvas. E os olhos dela, atrás
daqueles óculos, parecem mais verdes ainda. Gosto de mulheres de olhos escuros,
bem grandes e também com grandes... Bem a senhora me entende. — Ele levou as
mãos em concha na frente do peito.
— Sim, eu entendo. Você acaba de descrever uma de nossas vacas — alfinetou
a mãe. — E as garotas do seu agrado são também tão brilhantes e inteligentes quanto
uma vaca.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 12

— Sua mãe tem razão, Ace — Trace concordou com a esposa. — Lynnie pode
não ser uma beldade, mas é muito inteligente.
— É mais inteligente do que eu, reconheço. Mas é insuportável. Fala o tempo
todo que homens e mulheres devem ter os mesmos direitos. — Ace deixou o
guardanapo sobre a mesa, levantou-se e começou a andar de um lado para o outro. —
Não consigo entender como uma mulher com o talento de Lynnie possa estar
interessada em bailes. A meu ver, ela achava que dançar era coisa fútil, perda de
tempo.
— Admito que também fiquei surpresa quando Cayenne me escreveu pedindo
para você acompanhar a irmã ao baile de São Valentim. Talvez Lynnie esteja
pensando em arranjar um namorado ou marido.
— Que homem se casaria com uma mulher feia e sem graça como Lynnie
McBride?
— Toda mulher é linda para o homem que a ama — argumentou a mãe.
— Bem, eu nem sequer gosto dela.
— Filho, você está sendo rude! — Cimarron repreendeu o filho — Será tão
terrível fazer a gentileza de levar uma jovem ao baile?
— Minha reputação ficará arruinada.
— E quanto à reputação dela? Ser vista na companhia do maior conquistador do
Texas poderá comprometê-la.
— Se o problema é esse, ela que dispense minha companhia. Muito me alegraria
ficar livre de aparecer num salão com uma mulher que só pensa em ler e em defender
o voto das mulheres. Aposto que ela não sabe nem dançar. Está aí! Será que ela
dança, mamãe?
— Não. Lynnie não sabe dançar.
— Eu sabia! — Ace correu os dedos pelos cabelos escuros.
— Vou levar a um baile uma mulher feia, que nem ao menos sabe dançar.
— É justamente por isso que temos de chegar a Austin com alguma
antecedência. Nos hospedaremos no hotel e você terá a tarde toda para ensinar a
Lynnie alguns passos de dança, antes do baile. Também confio em você para
convencer todos os rapazes a preencherem o cartão de danças dela.
— Mamãe, isso é pedir demais. — Ace voltou-se para o pai. — O senhor acha
justo o que ela está fazendo?
— Pense um pouco, filho, se Lynnie estiver comprometida com outros
cavalheiros, você estará livre para dançar com as moças do seu interesse.
— Ei! É verdade! — Os olhos de Ace brilharam. — Quem sabe Emma-Lou Purdy
irá ao baile...
— Você sabe o que penso da família Purdy, filho. — Trace franziu a testa. —
Eles não têm nada, só pose. O irmão tenta arranjar um bom casamento para Emma-
Lou. Além disso, ele é um fanfarrão, um gabola e, como se não bastasse, é capacho
dos Forrester.
Os Forrester eram velhos inimigos dos Durango. Ainda assim Ace desejava levar
Emma-Lou para o banco traseiro de uma carruagem para uma agradável sessão de
beijos e troca de carinhos.
— Olhe lá, rapaz, trate de não abandonar Lynnie durante o baile — a mãe falou
em tom de ameaça.
— Pelo que eu sei, ela é capaz de se cuidar. Por que a senhora não me pede
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 13

para acompanhar uma das irmãs de Lynnie? Stevie e Grace são muito bonitas.
— Você sabe muito bem que as duas estudam no colégio interno, com sua irmã.
— Mamãe, se eu tivesse idéia do que a senhora estava planejando, teria ficado
naquela cadeia, no México. Lá, pelo menos, a filha do carcereiro, além de bonita, me
tratava bem; me trazia tortilhas e churrasco de cabrito.
— Você deu sua palavra, Ace — o pai lembrou.
Ace parou na frente da janela e ficou por um momento olhando para as colinas
ondulantes, ao longe. Depois suspirou.
— Tenho a sensação de que entrei neste jogo com cartas muito boas e acabei
perdendo a partida.
— Espero que você tenha aprendido que não se deve apostar com uma mulher.
Elas são sorrateiras e mais espertas do que nós — aconselhou o pai com um sorriso.
Cookie pôs a cabeça para fora da porta da cozinha.
— Seu pai está certo, ô rapaz insignificante. As mulheres não merecem
confiança. Até eu sei disso.
— Cookie! Trate de lavar a louça em vez de se intrometer — ordenou Cimarron.
Em seguida dirigiu-se ao filho. — Já chega, Ace. Você levará Lynnie ao baile de São
Valentim. Depois disso pode voltar para suas ardentes senhoritas.

Na tarde de 14 de fevereiro, dia de São Valentim, em que se festeja também o


Dia dos Namorados, Ace inspirou fundo e hesitou antes de bater na porta da suíte do
hotel. Estava pensando que seria impossível ensinar alguns passos de dança a uma
mulher sem traquejo, em menos de duas horas. Céus, em que enrascada fora se
meter? Essa noite prometia ser longa e muito desagradável.
— O que está esperando? Bata na porta! — Cimarron ordenou, empurrando o
filho para frente.
Ace obedeceu. Alguns segundos se passaram e a porta abriu-se, revelando uma
visão horrível. Ace deu um passo para trás, boquiaberto, os olhos fixos na criatura de
óculos de aro grosso, o rosto coberto com uma pasta esbranquiçada, pegajosa. Os
cabelos ruivos estavam presos com dezenas de papelotes. Para piorar, a figura usava
um roupão cor-de-rosa, desbotado e chinelos felpudos, velhos. A vontade de Ace foi
sair correndo dali. Logo percebeu que os pais bloqueavam o caminho. Cimarron
empurrou-o sem clemência, obrigando-o a dar mais um passo à frente. Ele estava
preso. Sem saída. Agora podia avaliar o que seus heróis, William Travis, James Bowie
e o lendário Davy Crockett haviam sentido naqueles minutos desesperadores, no Forte
Álamo.
— Lynnie? — perguntou, desalentado.
— Claro, seu tolo. Quem mais poderia ser? Alô, tia Cimarron e tio Trace. — A
figura magricela, cheirando a banha de porco, fez um gesto indicando para os três
entrarem.
Senhor, Lynnie McBride estava ainda mais assustadora do que a imagem que
guardava dela, Ace pensou.

Capítulo II
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 14

Observando melhor o rapaz à sua frente, Lynnie ficou tão maravilhada que mal
pôde falar. Estivera estudando fora e há algum tempo não via Ace Durango. Até se
esquecera de que ele era tão atraente e másculo. Entretanto, lembrava-se bem de sua
fama de conquistador, de ser um demônio com as mulheres. Em resumo, Ace era o
tipo de homem que ela mais odiava, refletiu, mas precisava muito dele naquela noite.
— Vocês chegaram cedo — Lynnie observou quando Ace e os pais entraram no
hall da suíte.
— Achei melhor vir vê-la para acabar logo com isso — replicou Ace, amassando
o Stetson que segurava, o rosto porejado de suor.
— Como? Não entendi.
— Eu... quis dizer que estava ansioso para ver você de novo.
— Hum! — Lynnie murmurou com pouco-caso. Não acreditava naquelas
palavras que soaram tão falsas. — Vamos até a sala onde está a família.
Os três ainda estavam olhando para ela, pasmados. Só então Lynnie lembrou-se
de sua aparência tão bizarra. Que droga! Pretendia estar apresentável quando Ace e
seus pais chegassem.
— Tia Cimarron e tio Trace, é uma grande alegria ver vocês. Não, não me
abracem! — Ela fez um gesto para afastar o casal. — Suas roupas podem ficar
manchadas de banha.
— Banha?! — Ace repetiu. Sua expressão dizia claramente que ele gostaria de
desaparecer.
Lynnie ficou imaginando o que Cimarron devia ter feito para conseguir convencer
o filho irresponsável a acompanhá-los a Austin. Ao passar por um espelho, viu a
própria imagem e assustou-se.
— Oh, desculpem-me por não estar apresentável. Ouvi dizer que esta máscara
com banha amacia e embeleza a pele.
Ace deu uma risadinha.
— Nunca vi um porco bonito — murmurou por entre os dentes.
"Ora, que miserável!", Lynnie pensou, furiosa. Ace continuava arrogante e
insuportável. Se não precisasse dele naquela noite, seria capaz de lhe dar um murro...
— Cimarron! Trace! Há quanto tempo não nos vemos! — exclamou Maverick
indo ao encontro dos visitantes. Com ele estavam a esposa e o bando de filhos.
Cayenne estava grávida novamente.
Cimarron sorriu.
— Receio termos chegado um pouco cedo. Ace estava ansioso para ensinar
Lynnie a dançar.
— É mesmo? — questionou Lynnie, observando Ace. O covarde parecia
ansioso, sim, mas para fugir dali o mais depressa possível. — Nesse caso, Ace,
podemos ensaiar na sala.
— Na sala? Com todos nos observando? — ele indagou, horrorizado.
— Por que não? Vai ser divertido — Lynnie argumentou.
— Ace, você vai casar com tia Lynnie? — quis saber Jefferson Davis, um dos
filhos gêmeos de Maverick e Cayenne.
— É claro que não! — Lynnie apressou-se em responder. — Ele só irá me levar
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 15

ao baile do governador.
— Cimarron, não sei o que deu em Lynnie para querer ir a esse baile —
Comentou Cayenne. — Mas estou contente por Ace ter-se oferecido para acompanhá-
la.
— Eu não me ofereci coisa nenhuma — Ace resmungou, mas Lynnie o ouviu e
dirigiu-lhe um olhar glacial.
— Não pense que a sua companhia me dá algum prazer. Mas não posso ir ao
baile sozinha — ela replicou baixinho.
Chegou até ela a voz de Cimarron, que conversava com Cayenne, ambas
sentadas no sofá, do outro lado da sala.
— Ace ficou realmente muito entusiasmado com a idéia de levar Lynnie ao baile.
"Que mentira", Lynnie pensou e voltou-se para Ace.
— Quando podemos começar?
— Você não sabe dançar mesmo? — ele perguntou com ar de dúvida.
— Não sei nenhum passo de dança. Sempre tive coisas mais importantes para
fazer. Não podia perder tempo com futilidades. Eu me preocupo mais em aprimorar a
mente, compreende?
Naquele instante reinou na sala silêncio total e Ace notou, angustiado, que todos
olhavam para ele, esperando pelo começo das aulas de dança. Além dos pais e tios de
Ace, ali estavam as crianças Annie Laurie, os gêmeos Sam Houston e Jefferson Davis,
e os três menores: Bowie, Crockett e Travis, cujos nomes eram uma homenagem aos
heróis do Forte Álamo.
— Parece que todo o condado está presente para assistir ao espetáculo —
murmurou Ace. — Só faltam mesmo suas irmãs mais novas.
— Stevie e Gracie estão no colégio com Rachel, sua irmã. Angel ficou em casa
com meu pai. E então, vamos começar?
Ace suspirou.
— Em primeiro lugar, trate de tirar do rosto essa coisa pegajosa. Não quero sujar
meu casaco.
— Ace, não seja rude — observou Trace.
— Ele tem razão — Lynnie admitiu e foi para o quarto.
Vendo-se diante do espelho, deu de ombros. Estava realmente horrível, mas e
daí? O homem capaz de fazer seu coração pulsar com mais força haveria de se
interessar por sua mente brilhante, não por sua aparência. Voltou para a sala onde Ace
a esperava, o suor brilhando no belo rosto. Ele dirigiu-se ao grupo.
— Vocês devem entender que não vai ser fácil nos apresentarmos tendo a
metade do Texas nos observando.
Maverick, homem forte, moreno, meio-comanche, riu.
— Tenho a impressão de que isto vai ser mais divertido do que uma corrida de
cavalos. O que acha, mano?
— Concordo com você. Que tal uma dose de tequila para acompanhar a
brincadeira?
— Era exatamente o que eu ia propor — disse Maverick levantando-se. — Vou
pegar a bandeja. Há refresco para as senhoras e as crianças.
Ace observou os expectadores. Tinham os olhos arregalados, pareciam um
bando de corujas. Sentiu-se inibido, desconfortável. Voltou-se para Lynnie.
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— Está pronta? Espero que não se sinta constrangida.


— Não se preocupe. Sou uma mulher liberada. Não tenho medo de parecer
ridícula. Confio em mim mesma. Quem não parece confiante, nem à vontade, é você.
— Lynnie, está sendo indelicada! — Cayenne censurou a irmã.
Lynnie encolheu os ombros.
— Indelicada?! Imagine! Um mulherengo como Ace merece ouvir coisas bem
mais pesadas.
Ace teve vontade de jogar Lynnie pela janela, mas controlou-se.
— Precisamos de música — observou.
— Esqueça a música. Ensine-me os passos básicos.
Ace enlaçou Lynnie pela cintura, segurou a mão dela e pediu-lhe para apoiar a
outra mão em seu ombro. Ao fazer o que lhe fora ordenado, ela teve consciência da
virilidade daquele homem. Precisou erguer a cabeça para olhar para ele e sentiu-se tão
pequena e frágil. Isso a desagradou. Gostava de se manter sempre no controle da
situação. Inspirou fundo para acalmar o súbito nervosismo que a acometera e sentiu a
agradável fragrância de loção de barba. Ah, e aquela mão tão grande na sua cintura...
Não se lembrava de um homem tê-la tocado com tal intimidade.
— Agora vou guiá-la e você deve seguir cada passo que eu der. Vou começar
movendo o pé esquerdo para frente; você deve mover o direito para trás, na mesma
direção — Ace explicou.
— É sempre o cavalheiro que deve guiar a dama? Por que não pode ser o
contrário? — Lynnie indagou, dada sua obsessão pelos direitos das mulheres.
— Lá vem você com suas idéias feministas! — Ace reclamou. — Se quer
aprender a dançar, tem de seguir as regras. Portanto, faça o que eu disser.
— Está bem. Mas quando nós, mulheres, tivermos direito ao voto, muita coisa
vai ser mudada.
— Ah, você é sufragista! — Ace exclamou com expressão de menosprezo.
— Sou mesmo. Que mal há nisso? — Lynnie revidou, irritada.
— Lynnie, não temos muito tempo. É melhor você deixar esse debate para
depois — Cayenne interveio. — Só resta uma hora para Ace lhe dar algumas lições.
— Esta vai ser a hora mais longa da minha vida — ele queixou-se.
— Eu digo o mesmo — Lynnie retorquiu.
Mal os dois deram alguns passos, Ace pisou no pé de Lynnie.
— Lynnie, você não sabe distinguir o pé direito do esquerdo?
— Então a culpa é minha? Foi você quem pisou no meu pé com essa bota
enorme. Se eu tivesse um par melhor e mais atencioso, aprenderia com facilidade.
— O quê?! Saiba, srta. McBride, que metade das moças do Texas ficaria
radiante se pudesse ter, no baile desta noite, um par como eu.
— Ora, seu convencido, egoísta!
De repente, Lynnie calou-se. Precisava de Ace para realizar seu plano, portanto,
era melhor não hostilizá-lo. Não fosse por isso, acabaria com aquela arrogância dele.
Suspirou e pediu ao sobrinho:
— Houston, por favor, dê corda no fonógrafo.
Desalentado, Ace retomou a lição interrompida. Lynnie, por sua vez, olhou para
os chinelos felpudos e prometeu a si mesma dar o melhor de si para seguir
atentamente os passos do instrutor. Precisava desesperadamente ir àquele baile; o
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jeito era conformar-se com a companhia de Ace Durango, que tinha em todo o estado a
reputação de libertino e mulherengo de primeira ordem. Um texano indomável que
desafiava o esforço de toda moça que tentava prendê-lo.
Bem, muitas mulheres diziam que Ace era encantador e Lynnie não entendia
como era possível alguém ter essa opinião a respeito de um homem farrista e
irresponsável. Ela o conhecia de longa data e sempre que se encontravam, nas
reuniões de família, Ace Durango dava provas de que não passava de um bruto.
O pequeno Houston terminou de dar corda no fonógrafo, colocou o cilindro de
cera, e o som da valsa Danúbio Azul encheu o ar.
— Atenção, Lynnie, lembre-se do que eu disse e apenas me acompanhe — Ace
pediu. — E, por favor, não me pergunte por que é o homem quem guia a dama.
Quando vocês, mulheres ganharem o direito de voto, poderão mudar as regras da
dança, certo?
— Pode acreditar que haverá muitas mudanças na sociedade E para melhor! —
Lynnie retrucou.
— Por enquanto, concentre-se na dança. Em outra ocasião poderemos debater
sobre os direitos das mulheres.
— Está certo, bobalhão — Lynnie cedeu e deixou-se levar pela sala ao
compasso da valsa.
Teve de admitir que Ace era exímio dançarino e estar nos braços dele era muito
agradável. Além disso, o cheiro masculino, uma mistura de loção de barba, tabaco e
uma bebida, talvez bourbon, deixou-a ligeiramente trêmula e perturbada. Não estava
acostumada a ficar tão próxima de um homem. Ou melhor, nunca permitira que um
homem a tocasse daquele jeito.
Os dois estavam tão absortos, concentrados na dança, que se surpreenderam
quando Cimarron e Cayenne os aplaudiram. Mas as crianças estavam rindo e
assobiando.
— Muito bem, irmã. Pelo jeito você fará sucesso no baile.
Ace sussurrou ao ouvido de Lynnie:
— Para fazer sucesso você não pode querer conduzir o cavalheiro.
— Cale a boca! — Lynnie ordenou.
— Uma moça educada não diz para alguém calar a boca — Ace argumentou
baixinho.
— Se você fosse um cavalheiro seria tratado com educação. Mas é um texano
rude.
— A maioria das mulheres gosta de mim do jeitinho que eu sou — tornou Ace
com um sorriso encantador.
— Posso imaginar que tipo de mulheres são essas. Certamente você se diverte
com prostitutas de saloons e estas não sabem fazer a distinção entre um cavalheiro e
um aventureiro qualquer.
— Garotas bem-nascidas nada sabem sobre a vida em saloons, nem dizem o
que você acaba de me dizer — ele assinalou, chocado. — É bom que meu pai não nos
ouça. Para dom Durango III, você é a criatura mais doce que existe.
Lynnie olhou para Ace com ar de pura inocência e então, deliberadamente, pisou
no pé dele com força.
— Ei! Pare com isso! Desse jeito você arranha minhas botas novas!
— É o que você merece.
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A música terminou e a agulha ficou arranhando o cilindro. Ace deu graças a


Deus por interromper a dança e baixou o braço depressa.
— Já chega. Praticamos bastante.
— Que tolice, filho — Cimarron discordou. — Lynnie está indo bem, mas ainda
tem muito que aprender.
Houston, mais do que depressa, pôs o fonógrafo para tocar.
— Estou pronta — avisou Lynnie.
Ace tomou-a nos braços e anunciou:
— Então, lá vamos nós.
Infelizmente, os dois foram para frente ao mesmo tempo, tropeçaram e por
pouco não se estatelaram no chão.
— Lynnie, quantas vezes eu lhe disse que é o cavalheiro quem guia? Você só
precisa me seguir, nada mais. Vamos, e preste atenção.
— Estou atenta.
Ambos deram os primeiros passos, hesitantes. Percebendo que Lynnie sentia-se
mais segura, Ace incentivou-a.
— Está indo muito bem. Ótimo. Podemos valsar com maior desenvoltura — ele
propôs e segurou a cintura de Lynnie com mais firmeza.
— Não precisa me agarrar desse jeito. Não gosto disso — ela protestou.
— E você pensa que eu gosto? Esse seu rosto melado de gordura está
manchando meu casaco.
— Imagino que você iria adorar se tivesse nos braços uma bisca qualquer e nem
se importaria se ela lhe sujasse toda a roupa — Lynnie revidou.
— Eu não sei o que vem a ser uma bisca, mocinha afetada e pretensiosa. O que
eu sei é que estou cansado de suas provocações e falta de modos.
— Nesse caso, vamos acabar logo com este tormento.
Eles deram mais duas voltas pela sala e pararam quando a música terminou.
Cimarron era toda sorrisos.
— Eles formam um belo par de dançarinos. Lynnie se saiu muito bem, não é
mesmo, pessoal?
Todos concordaram com a sra. Durango. No entanto, naqueles semblantes
Lynnie não viu aprovação. Quando muito vislumbrou uma expressão de dúvida.
— Se eu me saí bem, o mérito é do professor. Obrigada, Ace.
A súbita amabilidade de Lynnie deixou Ace pasmado.
— Lynnie, não seria interessante vocês treinarem mais um pouco? — indagou
Cayenne.
—Já sei o bastante. E está ficando tarde, mana. Vou demorar muito para me
aprontar.
O pensamento de Lynnie não estava no baile, mas nos planos que havia feito.
Planos muito importantes.
— E eu? Estou dispensado? Posso ir agora? — Ace indagou.
Cimarron ia protestar, mas Lynnie falou antes dela:
— Ele deve ir, tia Cimarron. Seu filho já me ajudou muito.
— Espere, filho — pediu Trace ficando de pé. — Seu tio e eu queremos um outro
drinque. Vamos descer para o bar do hotel.
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— E nós? — Cimarron protestou. — Cayenne e eu também queremos beber


alguma coisa.
— Ora, deixe-os ir — disse Cayenne despedindo os três com acenos da mão.
Eles não se fizeram de rogados e desapareceram. Cimarron abraçou Lynnie.
— Gostei de vê-la dançando com meu filho. E estou muito contente porque ele
irá acompanhá-la ao baile esta noite.
— Tia Cimarron, a senhora é muito gentil e não duvido que esteja sendo sincera.
Mas nós duas sabemos que Ace não está nem um pouco feliz. Não imagino o que a
senhora fez para que ele concordasse em me levar a esse baile. Mas, o que quer que
tenha sido, me ajudou muito e lhe sou imensamente grata por isso.
Cimarron e Cayenne trocaram olhares que Lynnie entendeu muito bem.
Conhecia a irmã e sabia que ela estava querendo dizer à cunhada:
"Você acha que há alguma chance de minha irmã encontrar, naquele evento
social, alguém com intenção de se casar? Afinal, ela já fez vinte anos, está passando
da idade, e não tem um candidato em vista".
Para Lynnie isso era irritante. Por que essas duas mulheres não entendiam que
há na vida coisas muito mais importantes do que se casar com um caubói rude e gerar
um bando de filhos? Bem, depois dessa noite elas iriam saber. Era só esperar.
Com esse pensamento Lynnie foi para o banheiro. Iria mergulhar na banheira
com bastante espuma e rever seus planos.

Maverick, Trace e Ace ficaram no bar por longo tempo. Conversaram sobre
assuntos importantes para os texanos, tais como touros, vacas, cavalos e armas,
enquanto eram servidos por uma garota loira, muito bonita e com seios fartos. Como
não podia deixar de ser, ela se interessou por Ace e ambos ficaram flertando.
— Esqueça a moça, rapaz. Você está comprometido esta noite — Trace lembrou
o filho ao notar os sorrisos e olhares que ele e a garçonete trocavam.
— Sei disso, meu pai. — Ace olhou para o grande relógio da parede e sentiu um
mal-estar. Como o tempo voava. — Só vou tomar outro Bourbon.
— Filho, você já tomou três. Acho melhor irmos embora. Se nos atrasarmos sua
mãe ficará aborrecida.
Ace tentou focalizar bem o pai.
— Por Deus, papai, o senhor lutou com índios e pistoleiros; enfrentou touros
bravos e cavalos selvagens. Não me diga que está com medo de mamãe!
Trace Durango hesitou.
— Digamos que um texano esperto sabe escolher com quem pode lutar. Ou o
que deve enfrentar.
— O mesmo serve pra você, rapaz. — Tio Maverick riu. — Se for um texano
esperto, trate de descobrir o que Lynnie pretende indo ao tal baile. Minha cunhada não
é do tipo que gosta de festas.
— Será que em todo oeste do Texas não havia um cavalheiro disposto a
acompanhar Lynnie ao baile? Por que eu?
— Lamento, Ace. Minha cunhada é um pouquinho obstinada. Cabeça dura,
entende?
— Um pouquinho? — Ace virou seu Bourbon. — Já vi mulas menos teimosas.
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— Você está certo — Maverick concordou bem-humorado. — Mas é melhor eu


subir para a suíte. Nos vemos mais tarde, hombres.
— Vamos também, filho. — Trace levantou-se. — Você precisa se aprontar.
— Quero mais um drinque — pediu Ace olhando para o tio que saía do bar. —
Só mais um, por favor.
— Um drinque a mais não vai melhorar a sua situação.
— Mas vai me ajudar a não pensar nela.
— Está certo. Eu o acompanho.
— Papai, ela é feia como um coiote, o senhor não acha?
No Texas, a expressão "feia como um coiote" era um grande insulto. Ela era
empregada quando um homem, bêbado demais, com o senso estético embotado,
levava uma mulher para a cama e, pela manhã, ao acordar com ela nos braços,
assustava-se; então a empurrava para o lado, tratando de escapar sem acordá-la.
— Não acho — Trace discordou. — Você ficou impressionado porque Lynnie
estava com aquela máscara horrorosa no rosto e aqueles papelotes medonhos nos
cabelos. Garanto que bem limpa e arrumada ela é bonita.
Por um instante Ace tentou imaginar Lynnie com aparência bem melhor do que a
daquela tarde. Pareceu-lhe que nada que ela fizesse poderia torná-la menos feia.
— Espero que mamãe, pelo menos, esteja satisfeita. Juro que nunca mais me
meterei em encrenca. A sra. Durango não tem piedade quando se trata de cobrar uma
dívida ou um favor.
— Jamais tente vencer em esperteza uma texana ou passar-lhe a perna, pois
não conseguirá — Trace advertiu o filho. — Elas são tinhosas.
— Mamãe sabe que o senhor pensa assim? — Ace indagou, perplexo.
Trace assumiu um ar grave.
— Filho, há algumas coisas que um homem inteligente guarda só para si.
— Compreendo. — Ace olhou novamente para o relógio. Sorriu para a garçonete
e ficou de pé, já pensando em dar um jeito de trazer Lynnie para casa mais cedo.

Cimarron estava à porta da suíte esperando pelo marido e o filho, sua expressão
tão tempestuosa quanto o vento Norte.
— Ora, que dupla! Onde vocês estavam? E o que faziam até agora?
— Estávamos no bar com Maverick, jogando conversa fora — respondeu o
marido e afastou-se, indo sentar-se confortavelmente numa poltrona.
Cimarron aproximou-se do filho.
— Hum, que cheiro de uísque! Você bebeu além da conta — Cimarron queixou-
se e puxou o filho pelo braço até o lavatório do quarto.
Apesar dos protestos dele, obrigou-o a curvar-se e jogou a jarra de água fria
sobre sua cabeça.
— Lynnie será bem capaz de mudar de idéia se vir você desse jeito.
— Será? — ele indagou, esperançoso, diante dessa possibilidade.
Infelizmente, estava quase sóbrio quando terminou de se arrumar. A imagem no
espelho refletia um cavalheiro vestido e penteado com o esmero de um garanhão
premiado numa feira de gado.
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A mãe afastou-se um pouco e deu seu parecer.


— Oh, você está uma beleza! Vai atrair os olhares de todas as moças do baile.
Ace sorriu, esperançoso novamente. A mãe, ao contrário, ficou carrancuda.
— Ouça bem, Ace Durango, trate de não flertar com as garotas e deixar Lynnie
tomando chá de cadeira.
— Você ouviu sua mãe, filho. Sabe que ninguém irá dançar com aquela pobre
moça, portanto, não a abandone — aconselhou Trace.
Essa noite prometia ser longa, muito longa, Ace previu, sombrio.
— Mas é claro que será maravilhoso se você conseguir que seus amigos
preencham o cartão de danças de Lynnie — acrescentou Cimarron.
— Se eu fizer isso, meus amigos se tornarão inimigos. E lembre-se, mamãe, a
senhora e eu estaremos quites depois desta noite.
— Sim, desde que você não se meta em outra encrenca.
— Isso não acontecerá. Aprendi a lição. Sou um novo homem — Ace falou sem
entusiasmo.
— Que cara é essa? Alegre-se, rapaz. Você irá adorar o baile.
— Duvido.
— Oh, esqueci-me das flores. Antes de ir buscar Lynnie, desça até o saguão e
compre um pequeno buquê para ela pôr no vestido. Há uma vendedora na frente do
hotel.
— E não se esqueça de voltar — o pai recomendou.
A esposa fuzilou-o com o olhar.
— É claro que ele voltará. Ace é um cavalheiro. Jamais deixaria uma mulher à
sua espera, não é mesmo, filho?
Francamente, a idéia era bem agradável, Ace pensou, mas respondeu:
— Eu prometi levar Lynnie ao baile e a palavra de um texano vale ouro.
— Divirta-se, então. — Cimarron beijou o filho e o acompanhou até a porta.
"Divertir-me? Ha! Ha! Ha!"
— Eu me divertiria muito mais se fosse sozinho. Por que a senhora, o papai, tia
Cayenne e tio Maverick não vão a esse baile?
— Porque seu pai não gosta do governador. Acha que ele é um idiota. E tia
Cayenne não tardará a ter seu bebê. A família será bem representada por você, que
sabe ser encantador.
— Lynnie não me considera encantador.
— É a única, não? — Cimarron riu. — Você se convenceu de que toda mulher do
Texas o acha irresistível.
Era verdade, ele admitiu. Lynnie McBride não gostava dele nem sequer o achava
atraente. Aliás, parecia que ela não gostava de homem nenhum.
— Lynnie é tão estranha. Não entendi por que ela faz tanta questão de ir ao
baile.
— Talvez ela esteja pensando em se casar. Esse baile costuma ser um grande
acontecimento social. Nele estarão presentes os melhores partidos do Texas. Mas
agora vá, querido.
Relutante, Ace desceu a escada até o saguão e saiu para a calçada onde estava
a vendedora de flores. Não tinha a menor idéia do que comprar, mas ao ver um
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 22

pequeno buquê de rosas vermelhas ficou com ele. Os botões de rosa lembravam os
lábios pintados da garçonete. Voltando ao saguão decidiu ir até o balcão do bar. Uma
bebida forte iria reanimá-lo. Tomou dois drinques, depois subiu sem pressa para a suíte
dos tios, no terceiro andar.
Quando chegou, ajeitou a gravata, inspirou fundo para criar coragem, e deu uma
batida na porta, que se abriu imediatamente.
— Está atrasado, Ace Durango — Lynnie reclamou. — Eu já estava começando
a pensar que você não viria mais.
Ace ficou parado, emudecido, apenas olhando para ela. Estava diferente.
Parecia outra pessoa. Usava um vestido cor-de-rosa de fina seda, os cabelos ruivos
estavam puxados para trás e caíam numa cascata de cachos. E claro que sendo uma
moça respeitável não usava pintura, mas a pele tinha brilho e maciez. Ela não usava
óculos e os olhos verdes, orlados de cílios escuros e espessos, eram extraordinários.
Apesar de magra, o vestido de baile, franzido, caía-lhe muito bem, dava-lhe graça, e o
decote baixo realçava os seios bem proporcionais à altura dela e ao peso.
— Pare de olhar para meu busto — Lynnie reclamou. — Vocês, homens, têm
fixação nos seios de uma mulher.
— Eu só a estava admirando. Você está muito bem — Ace falou um tanto
encabulado. — Eu lhe trouxe este buquê.
— Você também está muito elegante — ela o elogiou, hesitante. Não estava
acostumada a receber visita masculina, muito menos a sair com um rapaz. Ace devia
estar sendo gentil porque tinha pena dela. Vinte anos e solteira! — Obrigada pelas
flores.
Ao entregar o pequeno buquê, Ace notou que vermelho e cor-de-rosa não
combinavam de jeito nenhum. Como fora estúpido! Devia ter perguntado com
antecedência qual a cor do vestido que ela iria usar. Ele jamais se descuidara desses
detalhes. Como pudera cometer aquele erro?
— Vejo que as rosas não combinam com seu traje. Desculpe. Você não precisa
usá-las — ele murmurou.
— É claro que vou usá-las. Por que não? Vamos, não fique aí parado. Entre.
Ace entrou no hall e ao passar bem perto de Lynnie constatou que ela estava
realmente bonita.
"Bonita? Ace, meu rapaz, receio que você tenha exagerado nos seus drinques",
disse ele a si mesmo.
Lynnie, por sua vez, inspirou fundo e observou:
— Você cheira a destilaria.
— Tomei dois drinques minutos atrás. Sinto muito. Quer que eu prenda as rosas
no seu vestido?
— Pra você tocar no meu busto? Nunquinha! Eu mesma prendo o buquê.
Obrigada.
Ele sentiu o sangue subir-lhe no rosto queimado de sol. Certo, ele já havia
tocado em partes impróprias do corpo de muitas mulheres, provocando o riso delas.
Mas jamais lhe passara pela cabeça tocar no busto de Lynnie McBride. Se fizesse isso
com certeza levaria um murro. Ele olhou sobre o ombro dela que toda a família os
observava.
— Acho melhor irmos andando.
— You pegar a bolsa e meu xale.
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Acompanhando-a com o olhar enquanto se afastava, Ace gostou do que viu.


Afinal, Lynnie McBride era graciosa. Também não era feia. É, não seria difícil
convencer alguns amigos a dançar com ela. Muitos deles lhe deviam um bom dinheiro.
Dívida de jogo. Era a hora de exigir o que era seu. Assim, ele não ficaria a noite toda
preso à professorazinha autoritária e obstinada.
— Notei que você não está usando óculos. Onde eles estão? — Ace perguntou
quando Lynnie voltou.
— Na minha bolsa.
— Você não precisa deles?
— Enxergo melhor com eles, claro, e preciso deles para ler. Mas para dançar
não são necessários. Além disso, tenho certeza de que nesse baile não haverá nada
interessante para ser visto.
“Tem razão. Será um baile desinteressante e uma longa noite".
Ele ofereceu o braço a Lynnie e ia sair quando o tio aproximou-se deles.
— Lembre-se, rapaz, Lynnie é membro da minha família. — A voz forte de
Maverick continha uma advertência. — Espero que você se comporte como um
verdadeiro cavalheiro.
O que poderia tio Maverick estar insinuando? Será que ele imaginava que o
sobrinho seria capaz de... Com Lynnie?
— Trarei Lynnie cedo para casa, tio Maverick. Não se preocupe — tornou Ace
com novo ânimo. Quanto antes conseguisse livrar-se dela, melhor. Assim, quem sabe,
teria a chance de passar o resto da noite com a garçonete de seios grandes.
— Não precisa trazê-la cedo demais — observou tia Cayenne.
— Bem, podemos ir. A carruagem está à nossa espera — disse ele e saiu com
Lynnie para o corredor.
A sorte estava lançada. Lá iam eles para o grande baile de São Valentim, na
mansão do governador.

Capítulo III

Apesar do frio, o céu estava límpido e havia luar. Se estivesse na companhia de


outra mulher, Ace pensou enquanto a carruagem seguia pelas ruas de Austin, poderia
até achar a noite bonita e romântica.
Ele suspirou. Mesmo que aparecesse no salão de baile alguma beldade do seu
interesse, não poderia aproximar-se dela. Recebera ordens expressas de não
abandonar Lynnie. Na carruagem fechada o forte cheiro de álcool sobrepujava o suave
perfume feminino.
— Por Deus, Ace, quantas doses de Bourbon você tomou? —Lynnie indagou,
depois de aspirar com expressão de repulsa o cheiro da bebida.
— Bem poucas, se quer saber — ele respondeu com certa rispidez.
Imediatamente arrependeu-se. Um texano era sempre gentil, ainda que tivesse
vontade de torcer o pescoço da mulher que o acompanhava. Se estivesse com outra
garota naquela carruagem fechada, em noite tão fria, ele arranjaria um pretexto para
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 24

abraçar a moça e, com sua arte e um pouco de sorte, até roubaria um ou dois beijos.
Observou Lynnie com o canto do olho. Ela estava sentada na extremidade do banco,
ereta como um poste, a boca firme, determinada, parecia com o pensamento distante
dali. Com certeza nunca fora beijada na vida. Bem, beijo de pai, de irmãs, tios e
sobrinhos não contavam. Sendo assim, ele não queria se aventurar a ser o primeiro a
tocar naquela boca virgem.
Eles mantiveram-se calados por longo tempo. Só o barulho dos cascos dos
cavalos e do ranger das rodas da carruagem rompia o silêncio. Ace começou a sentir
sono. Por fim, Lynnie perguntou, numa tentativa evidente de iniciar uma conversa:
— Como estão as coisas no Rancho Triplo D?
— Tudo bem, na rotina de sempre. Cuidar dos rebanhos, comprar e vender
gado... — Ace sufocou um bocejo.
Ele percebeu que ela mordeu o lábio. Não parecia nem um pouco entusiasmada,
o que não deixava de ser estranho, uma vez que partira dela o desejo de ir àquele
baile. Qualquer outra, no lugar dela, estaria exultante, conversando animadamente e
rindo à toa. Lynnie, ao contrário, estava compenetrada, séria como um juiz que vai dar
a sentença condenando o réu à forca.
— Por que é que todos chamam seu pai de Trace, se o nome dele é Diego?
Até mesmo essa fraca tentativa de puxar conversa era melhor do que um
incômodo silêncio.
— Pensei que você soubesse.
— Creio que me explicaram anos atrás, mas devo ter esquecido.
— Meu pai é descendente de espanhóis. Seu nome é Diego de Durango
Terceiro. Ou seja, o Durango número três. O avô dele, dom Durango I, espanhol,
chamava o neto de Três. E assim, em inglês, ficou Trace, cuja pronúncia é a mais
próxima de três em espanhol.
— Nesse caso, pela lógica, seu apelido devia ser Quatro, já que seu nome é
Diego de Durango IV.
— Meu apelido não vem da infância. É mais recente. Gosto de jogo de cartas e
como sou muito bom nisso, sou Ace, ou seja, um ás no baralho.
— E parece que você tem orgulho disso. Também ouvi dizer que você passa a
maior parte do seu tempo em saloons, bebendo e em salas de jogo fazendo altas
apostas — Lynnie falou em tom desaprovador.
Ace dirigiu a ela um silêncio maroto.
— Como eu disse, gosto de jogar e sou um ás.
Ela ficou em silêncio por mais alguém tempo. Depois mudou de tom, chegando a
ser até afável.
— Eu lhe sou muito grata por se oferecer para levar-me a esse baile. Saiba que
isso é muito importante para mim. Nunca fui a um baile antes.
Ace controlou seu impulso de dizer que a mãe lhe impusera aquela tarefa. Afinal,
ele era um cavalheiro e devia ser gentil.
— O que a fez decidir ir a esse baile? Por que ele é tão importante?
Lynnie hesitou.
— Porque nesse baile estarão presentes o governador, políticos importantes e
os homens mais influentes da cidade.
— Meu pai acha que o governador é um idiota.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 25

— Eu também acho. — Lynnie sorriu e apertou nervosamente a pequena bolsa.


O sorriso dela era muito bonito, Ace admitiu. Devia sorrir mais. No mesmo
instante lembrou-se de que havia bebido além da conta e não devia confiar no seu
julgamento. Como diziam nos bares, "Ao fim do expediente toda mulher fica mais
bonita".
— Como está frio! — Lynnie exclamou, estremecendo. Tais palavras,
pronunciadas por outra mulher, poderiam ser entendidas como um convite para um
abraço protetor. No entanto, em se tratando da empertigada e séria srta. McBride, a
frase tinha sido dita apenas para quebrar o silêncio. Veio-lhe à mente a figura da linda
e curvilínea Emma-Lou Purdy e ele suspirou. Ah, se pudesse tê-la do seu lado naquele
momento... A carruagem parou na frente da mansão do governador, toda iluminada.
Havia carruagens dos dois lados da rua e delas desciam pessoas elegantemente
trajadas, usando jóias deslumbrantes. O cocheiro deu a volta, abaixou o degrau da
carruagem e abriu a porta para os ocupantes. Ace desceu e estendeu a mão para
Lynnie. Ela tropeçou e cairia caso ele não a segurasse. Ao ver-se nos braços dele, com
a cabeça encostada no peito musculoso, ela ficou tensa e protestou.
— Me solte, seu abusado!
— Lynnie, se você estivesse usando os óculos não tropeçaria no degrau.
— E se você fosse um cavalheiro não me agarraria daquele jeito.
Ace não retrucou. Apenas segurou na mão dela com firmeza para não deixá-la
tropeçar nas pedras do caminho até a mansão. Chegando ao hall, deixaram os
agasalhos no vestiário e o mordomo os avisou que o salão de baile ficava no segundo
andar. Enquanto subiam a escada chegava até eles o som da orquestra, de vozes e
risos. Ace pensou com tristeza no castigo que a mãe lhe impusera. Haveria no baile
dezenas de moças bonitas, mas ele teria de ficar amarrado à insípida Lynnie McBride.
Olhou para ela e quase se enterneceu. Lynnie continuava segurando na mão
dele e, sem os óculos, parecia tão cega quanto um gatinho recém-nascido. Além disso,
perdera aquela expressão de desafio, de pessoa autoritária e obstinada. Ele poderia
afirmar que ali estava uma moça insegura e muito vulnerável. Seria possível? Lynnie
era capaz de arrasar um homem com seus argumentos inteligentes e sua língua
cortante.
No grande e suntuoso salão muitas beldades dirigiram a Ace sorrisos amplos e
mais do que convidativos. E ele, claro, por força do hábito, também sorriu para elas.
Ah, se pudesse entregar sua acompanhante a um conhecido, quem sabe conseguiria
dançar com uma ou duas daquelas suas admiradoras.
— Lynnie, quer um pouco de ponche? — ele ofereceu.
— Sim, aceito.
Novamente Ace achou que Lynnie estava diferente. Parecia confusa e tímida.
Então ele lembrou-se de que sua vida social era quase nula. Bem, a culpa era dela por
ser afetada, pudica e inteligente.
Ace deixou Lynnie em um canto do salão e foi até a mesa onde estava a
poncheira. Ali encontrou três amigos que bebiam e flertavam com as moças que iam
chegando.
— Alô, rapazes! — saudou-os. — Que bela noite para um baile, não?
— O baile promete ser muito animado — observou Bob Anderson, um jovem
dândi. — Vim desacompanhado. Quero esta noite ter a liberdade de escolher para
dançar as garotas do meu agrado.
— Nós também — disseram Sam e Howard. — E você, Ace? Está sozinho?
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Bob riu e respondeu antes de Ace:


— Ele está acompanhando Lynnie McBride. Vocês não viram? Ei, Ace, o que
aconteceu para você trazer a professora ao baile?
Ace quase revelou que a mãe o chantageara. Mas olhou para Lynnie, que estava
com aquela expressão de desamparo, e seu coração amoleceu.
— Cansei-me de mulheres bonitas, mas tolas, de cabeça vazia. Lynnie é uma
companhia muito agradável. Sabe falar sobre política, arte e todo tipo de assunto.
— E desde quando um homem sai com uma mulher pra conversar? —
questionou Willis Forrester, que se juntou ao grupo. — Eu vim com Emma-Lou Purdy,
vocês sabem, aquela com grandes...
Ele não precisou terminar, pois todos entenderam e riram. Os olhos de cor azul-
turquesa de Forrester fixaram-se em Ace.
— Posso apostar que o pai de Durango obrigou-o a trazer a professora.
Ace encarou Forrester. Antipatizava com ele, não apenas por ser inimigo da
família Durango, mas também porque ele era um almofadinha convencido, provocador
e covarde.
— Forrester, um homem como você não serviria para acompanhar uma moça
inteligente e culta como Lynnie. Ela estudou na universidade. Tem diploma de curso
superior.
— De que adianta tanto estudo se ela não for boa na cama?
Os outros riram, mas Ace agarrou o braço de Forrester.
— Controle essa língua, hombre.
— Está bem, está bem. — O covarde ergueu as mãos, rendendo-se. — Falei por
falar. É que eu conheço a sua reputação com as mulheres. Todos nós ficamos
surpresos ao vê-lo com aquela solteirona afetada.
Sua reputação estava sendo questionada, Ace pensou. Os quatro homens
olhavam para ele como se esperassem uma explicação. Porém, por mais que se
sentisse inclinado a dizer a verdade, olhou para Lynnie, que estava de pé entre as
moças mais lindas da cidade e, pela primeira vez, teve pena dela.
— Como eu disse há pouco, me cansei de mulheres de cabeça oca que nada
mais têm a oferecer do que a bela aparência e beijos ardentes — ele mentiu. Esperou
um instante para ver a reação dos quatro. Como todos aceitaram sua palavra e
Forrester se afastou, prosseguiu: — O cartão da srta. McBride ainda não está cheio; se
vocês três quiserem marcar uma dança, tratem de se apressar.
Ninguém se mexeu.
— Eu disse para vocês três tratarem de se apressar. Lembrem-se de que me
devem um bom dinheiro desde o último jogo de pôquer. O que estão esperando?
Os rapazes olharam para Ace e depois para Lynnie, que agora assumira a velha
expressão de desafio.
— Posso até perdoar a dívida de jogo do homem que tenha uma atitude de
cavalheiro.
Os três suspiraram e foram ao encontro de Lynnie.
Satisfeito, Ace provou um pouco do ponche e fez uma careta. Precisava de um
Bourbon, bem mais ao gosto de um texano. Quem sabe alguém teria uma garrafa da
bebida. Ele estava observando os três amigos que no momento cercavam Lynnie,
quando Emma-Lou Purdy aproximou-se dele.
— Olá, Ace Durango. Pretende dançar comigo esta noite?
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— É claro, srta. Purdy — afirmou Ace curvando-se respeitosamente. — Reserve


uma dança para mim no seu cartão.
— Está prometido. — Emma-Lou riu e foi ao encontro de Willis Forrester, que
estava carrancudo porque ela conversara com Ace.
Ace correu os olhos para as beldades do salão, suspirou, e foi levar o ponche
para Lynnie.
— Está se divertindo?
— Seus amigos me convidaram para dançar — ela respondeu, parecendo muito
surpresa com o interesse dos rapazes. — Obrigada pelo ponche..
Como seu plano estava dando certo, Ace alegrou-se. Estaria livre para dançar
com três garotas e isso iria fazê-lo sentir-se ainda melhor. Uma dessas garotas seria
Emma-Lou Purdy com aqueles seios, nos quais ele teria a chance de encostar.
Pensando nisso, olhou para o decote de Lynnie e constatou que os seios dela
não eram tão pequenos.
— Pare de olhar nos meus seios — ela repreendeu-o.
— Eu não estava olhando — Ace negou, desconcertado.
— É claro que estava. Não adianta ficar com essa cara de safado e os olhos
gulosos no meu decote porque meu busto não é grande como você está pensando.
Como a blusa do vestido é franzida e o corpinho tem enchimento, dá a impressão de
que os seios são maiores.
Céus, Lynnie era mesmo direta e franca, Ace refletiu. Nunca, em sua vida,
conhecera uma garota assim. Não se contendo, comentou:
— Por Deus, esta sua franqueza me deixou sem graça. Como uma garota pode
dizer isso a um rapaz?
— Você não sabia que as mulheres têm certos artifícios? Metade das garotas
neste salão tem corpinhos com enchimento, acredite.
Ace olhou com desejo para Emma-Lou, que piscou para ele descaradamente,
apesar de estar dançando com Willis Forrester.
— Inclusive ela — Lynnie completou.
— Emma-Lou?!
— A própria. Sei disso porque ela e outras garotas deste salão são minhas
alunas.
— Então... aquelas formas admiráveis são falsas?
— Como eu o conheço, Ace Durango, e conheço sua reputação, posso apostar
que, sempre que olha para uma dessas garotas, pensa em levá-la para o banco
traseiro de uma carruagem.
Ace sentiu o sangue subir-lhe ao rosto.
— Oh, srta. McBride, este tipo de conversa não fica bem para uma jovem lady.
— Reconheço que não. Então, mudemos de assunto. Quando será o grande
desfile que precede a quadrilha?
— Quando o governador aparecer e o baile estiver bem animado.
— Ótimo. Nós dois podemos ser os primeiros.
— Os primeiros? — Ace indagou, admirado. Lynnie querendo ir à frente do
desfile?
— Quer dançar, Ace? — ela convidou-o.
— É o cavalheiro quem deve convidar a dama para dançar.
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— Por que tem de ser assim? Por que é sempre o homem que tem de fazer o
pedido?
— Lá vem você com suas idéias. Eu não sei por quê. Há coisas que são
convencionais. Apenas isso.
— Sendo assim, muitas coisas precisam ser mudadas.
A moça era mesmo teimosa e autoritária. Não era à toa que tinha aqueles
cabelos cor-de-fogo, Ace pensou. Curvando-se diante dela, perguntou-lhe:
— Srta. McBride, poderia dar-me o prazer desta dança?
— Sim, cavalheiro.
Eles deixaram as taças de ponche sobre uma mesa e foram para o centro do
salão.
— Convém manter-se a uma distância respeitável. Não sou como as outras
garotas.
— Não tenha medo, srta. McBride. E lembre-se de que sou eu quem deve guiá-
la.
A orquestra tocava uma valsa e eles se saíram bem, exceto por um ou dois
pisões.
— Todas as moças estão olhando para você — Lynnie observou. — Elas não
conseguem esconder que gostariam muito que você as tirasse para dançar.
— Como posso querer dançar com elas se tenho alguém como você nos meus
braços?
Esse tipo de lisonja Lynnie não esperava. Ela sorriu e falou em tom descuidado:
— Eu sei que está mentindo, Ace Durango, mas é sempre agradável ouvir
palavras gentis. Mas agora dê uma olhada na irmã de Forrester. Até ela está sorrindo
para você.
De fato, a moça de olhos azuis dirigia a Ace um sorriso tranco e convidativo. Ele
também sorriu para ela.
— Ora, Ace, não há necessidade de encará-la desse jeito.
— Só estou sendo gentil. O Livro Sagrado não diz que devemos amar nossos
inimigos?
— A Bíblia fala de amor cristão, amor puro e desinteressado — Lynnie rebateu.
— Lynnie, vamos conversar menos; temos de nos concentrar na dança. Por
favor, não tente me guiar.
— Está bem — ela murmurou. — Ace?
— O que é?
— Você pediu a seus amigos para marcarem o nome deles no meu cartão de
danças?
— Não. Eles apenas me perguntaram se poderiam dançar com você.
— Por que eles precisariam da sua permissão para dançar comigo?
— Porque sou seu acompanhante.
— É meu acompanhante, mas não manda em mim. Sou capaz de tomar minhas
decisões — Lynnie zangou-se. — Não preciso da sua autorização pra nada.
— Senhor! Você está indo longe demais com essa história de direitos das
mulheres. Se continuar assim, nunca arranjará um marido.
— Marido? — Lynnie parou de dançar. — Você acha que todas as moças só
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pensam em se casar, em ter filhos e em ser donas de casa?


— Bem, você, obviamente, não é desse tipo. — Ace levou Lynnie para um canto
do salão. — Aceita mais um pouco de ponche?
— Aceito. Obrigada.
Assim que Ace se afastou, Penélope Dinwiddy, uma das alunas de Lynnie, foi ao
encontro dela. Penélope era alta, meiga e simpática. Naquela noite usava um vestido
de baile creme que fazia um lindo contraste com seus cabelos negros.
— Oh, srta. Lynnie, está mesmo decidida a levar seu plano adiante?
— Psiu, Penny, ou você estragará tudo. — Lynnie colocou dedo indicador sobre
os lábios. — Só estou esperando a grande marcha, Penny sorriu.
— Você é tão corajosa! Deixe-me ajudar a causa.
— Não. Você tem apenas dezessete anos, é minha aluna, o que me torna
responsável por você. Além disso, poderá haver confusão.
— Lá está Ace Durango. — Penny olhou na direção da mesa, de ponche onde
estava Ace conversando com amigos. — Dizem que o rapaz é um conquistador e deixa
as moças loucas por ele.
— Comigo ele é muito correto. Sei impor respeito.
— Todas as garotas ficaram admiradas ao vê-la com Ace. Como você conseguiu
que ele a trouxesse ao baile?
—Pedi a minha irmã para me ajudar. Você sabe, ela é casada com o tio dele.
— Cayenne não desconfiou de nada?
— Ela ficou tão entusiasmada quando falei em vir a este baile, que não me fez
perguntas. Acho que toda a família tem medo de que eu me torne uma solteirona.
— Você, hem? Tendo como acompanhante o charmoso Ace Durango!
— Eu só queria que ele me trouxesse até aqui, nada mais.
— E ele sabe disso?
— Que pergunta, Penny! Ace não desconfia de nada. Você acha que ele viria se
soubesse de alguma coisa? Ace Durango não seria capaz de mover um dedo em favor
da nossa luta. A Propósito, por que você está aqui? Deixei bem claro que não devia
tomar parte na manifestação.
— Meu cunhado me trouxe. — Penélope suspirou. — Ele espera que eu arranje
um novo namorado.
— E Hank Dale? Vocês terminaram? Sua família não gosta dele?
— Meu pai acha que Hank não tem futuro. Sua propriedade é pequena, a terra
não é das melhores. Aquele óleo viscoso está minando da terra e destruindo as
pastagens. Hank e eu estamos desesperados, pois nos amamos muito.
— A vida da família Dale vai melhorar. — Lynnie dirigiu a Penny um sorriso
encorajador. — Eu sei que aquele óleo negro, que agora só serve para lubrificar rodas
de veículos e outras engrenagens, terá outros usos.
Ace aproximou-se das duas e Penélope sorriu para ele como boba.
— Boa noite, sr. Durango.
— Boa noite, srta. Penélope — respondeu Ace com um sorriso amável.
Amável demais, Lynnie pensou.
— A srta. Penélope só veio me cumprimentar e já está indo. — Lynnie lançou à
mocinha um olhar de advertência. Não queria que uma de suas alunas se envolvesse
no que estava para acontecer.
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Penny entendeu a mensagem e despediu-se.


— Foi ótimo ver vocês, srta. Lynnie e sr. Durango.
— Quem sabe você pode me reservar uma dança — pediu Ace, os olhos
brilhando.
— Não é possível — Lynnie cortou. — Todas as danças estão comprometidas.
Até logo, Penny, conversaremos mais tarde.
Ace acompanhou com o olhar a moça que se afastava, depois se voltou para
Lynnie.
— Aqui está seu ponche. Mas, por Deus, como você foi rude! Praticamente
enxotou a garota.
— E você só faltou babar ao vê-la. Penny é muito jovem e inocente; não serve
para um conquistador como você.
Naquele instante a orquestra parou de tocar; o maestro ergue as mãos pedindo
silêncio e anunciou:
— Senhoras e senhores, o governador e a primeira-dama acabam de chegar.
Por favor, queiram tomar seus lugares para a grande marcha.
Seguiu-se uma rápida movimentação. As moças, entre risinhos e trejeitos, foram
depressa com seus pares para o fundo do enorme salão, ansiosas para exibir os lindos
vestidos de baile. Ace notou a presença de repórteres com seus blocos de notas e
lápis, escrevendo rapidamente. No dia seguinte, as colunas sociais estariam cheias
com os nomes das lindas debutantes, e com a descrição dos respectivos trajes de gala.
— Isto é muito empolgante, Ace! Vamos ficar lá na frente — Lynnie pediu.
— Se é o que você quer, não vejo mal nenhum — ele respondeu alegremente.
Ofereceu o braço a Lynnie e foram ambos ao encontro dos outros pares.
Um dos amigos de Ace deixara o ponche dele mais forte, adicionando uma boa
dose de bourbon, de modo que ele estava alegre e com ótimo humor. Apesar de um
pouco bêbado, conseguia falar claramente e caminhar com segurança. Notando que as
beldades mais velhas sorriam e piscavam para ele, convenceu-se de que a noite não
iria ser tão aborrecida como havia pensado. Ainda assim, continuava intrigado diante
do entusiasmo de Lynnie para participar da grande marcha.
— Guarde nosso lugar na fila, Ace — ela pediu e afastou-se por um instante.
O regente da orquestra pediu silêncio novamente e perguntou:
— Estão todos prontos?
Ace andou depressa e ocupou o primeiro lugar da fila. Ninguém se opôs a isso,
pois ele era um Durango. A grande fortuna e o poder de sua família lhe asseguravam o
direito de liderar o desfile. Ele olhou para os políticos grisalhos e formais,
acompanhados das respectivas esposas, sentados no tablado para a apresentação
das moças e rapazes da sociedade. Naquele instante ele caiu em si. E agora? Todo o
Texas iria vê-lo com Lynnie McBride e concluiriam que ele não conseguira companhia
melhor do que a da afetada professora.
— Lynnie? — ele chamou-a.
— Estou aqui. — Ela apresentou-se e agora tinha presa no vestido cor-de-rosa
uma larga faixa de cetim que ia do ombro à cintura, com os dizeres: Direito ao voto
para as mulheres do Texas.
— O quê? Você vai desfilar assim? — Ace indagou, pasmado.
— Claro! — Os olhos verdes brilhavam, desafiadores. — Foi este o único motivo
que me trouxe ao baile.
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Ele tinha sido usado. Sentia-se como uma prostituta barata no dia seguinte. O
interesse de Lynnie McBride não tinha sido pelo baile em si, nem desejara dançar com
ele. A dissimulada queria apenas aproveitar aquele evento social que contava com a
presença de políticos para erguer a bandeira daquela maldita luta pelos direitos das
mulheres.
— Está ciente, srta. McBride, de que vai provocar à maior confusão?
— E daí? Está com medo? Se estiver, tomarei parte na marcha sozinha.
Lynnie estava até bonita com aquele brilho desafiador nos olhos verdes:
— Que modo agressivo. Estamos juntos nessa, não estamos? Se você quer
mesmo levar sua campanha adiante, não podemos recuar.
Lynnie inspirou fundo e ergueu a cabeça altivamente antes de segurar no braço
que Ace lhe estava oferecendo. Ele notou que, apesar daquela atitude de desafio, ela
estava trêmula. Eles iam causar um sério tumulto naquele salão. Era melhor nem
pensar nas conseqüências.
A música começou; Ace e Lynnie iniciaram a marcha. Tinham dado mais de dez
passos diante das autoridades quando as esposas dos políticos fixaram o olhar na
faixa presa no vestido de Lynnie; as expressões sorridentes tornaram-se carrancudas.
As senhoras começaram a se abanar com seus lindos leques e a cochichar umas com
as outras. Os jornalistas pararam de escrever como se não acreditassem no que
estavam vendo. A orquestra continuou a tocar, mas o murmúrio tomou conta do salão.
A primeira-dama sussurrou algo para o marido, que franziu o rosto como um velho
buldogue e acenou para um dos criados.
— Lá vem encrenca — Ace murmurou.
— Que venha — Lynnie replicou sem interromper a marcha.
— Jovem lady... — começou o criado, aproximando-se. — O governador pede
que...
— Não! — Lynnie o interrompeu e continuou andando.
O criado seguiu do lado de Ace, muito constrangido. Olhando para Ace,
perguntou, incrédulo:
— Ela está desafiando o governador?
— É o que parece. — Ace encolheu os ombros e seguiu em frente.
— Mas ela não pode fazer isso. — O pobre homem estava horrorizado.
— Você não conhece Lynnie McBride.
Ace pouco se importava com a luta pelos direitos das mulheres, mas a parte boa
de tudo aquilo era que eles seriam convidados a deixar o baile. Então ele levaria Lynnie
para o hotel e seu compromisso com ela estaria terminado. Ele pensou na garçonete
de seios grandes, lábios bem vermelhos, e sorriu. Quem sabe ela já estaria de folga
quando ele chegasse ao hotel.
O criado voltou para junto do governador, que parecia uma morsa grande e
gorda com bigode cinzento. A morsa ficou indignada e acenou para diversos guardas
que se postaram na frente de Ace e Lynnie, bloqueando-lhes a passagem. A orquestra
continuou a tocar mas como a fila não andava, os casais começaram a reclamar. Um
guarda grandalhão segurou no braço de Lynnie.
— Ouça bem, senhorita, o governador insiste...
— Tire sua mão do braço dela — Ace ordenou.
Ele não estava nem um pouco feliz por ter sido usado por Lynnie para participar
daquele protesto. No entanto, era um cavalheiro e não iria permitir que ninguém
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maltratasse uma lady.


A música cessou e a confusão foi geral. Lynnie libertou-se do guarda, subiu no
tablado, tirou a faixa, jogou-a no colo do governador e gritou:
— Liberdade para as mulheres! Direito ao voto, já!
Forrester saiu da fila e protestou, furioso:
— O que é isto? Que falta de respeito! Mas o que se poderia esperar de
desordeiros como os Durango e McBride?
— Como você ousa insultar minha família? — Ace questionou, irado.
— Parece que a lady fez isso antes de mim.
Ace deu um murro em Forrester, atirando-o na poncheira. A mesa virou e o
ponche vermelho espalhou-se pelo assoalho. Os criados que correram para tirar Lynnie
do tablado escorregaram no líquido viscoso.
— Direito de voto para as mulheres! — Lynnie repetiu. — Governador,
senadores, os senhores deviam se envergonhar de sua omissão. Concedam às
mulheres o direito de votar.
Com esforço Forrester ficou de pé e Lynnie gritou:
— Dê outro murro nele, Ace!
— Aí está uma coisa que farei com prazer. Afinal, a noite está ficando muito
divertida.
Acabando de falar, Ace desferiu um murro com toda sua força no petulante
Forrester.
A confusão foi geral. As pessoas que estavam na fila começaram a dar
empurrões e cotoveladas umas nas outras. Ace esmurrou Forrester mais uma vez, em
seguida foi abrindo caminho entre a multidão para chegar até Lynnie; ela estava
lutando com dois criados que queriam arrastá-la para fora do tablado. A orquestra
voltou a tocar, mas só aumentou o barulho e a desordem. Punhos se movimentavam a
torto e a direito, as mulheres gritavam.
Conseguindo chegar ao tablado, Ace empurrou para longe o criado, agora
empenhado em afastar Lynnie do tambor da bateria que ela chutava como doida só
para causar confusão ainda maior.
— Eu avisei que você iria nos meter em encrenca — Ace lembrou-a.
— Se está preocupado com isso, saiba que eu não estou — ela respondeu e deu
um chute entre as pernas do criado que se curvou e caiu de joelhos, gemendo.
Preocupado? Que nada, Ace pensou. Estava gostando da gritaria e da luta.
Nada como ter a chance de se exercitar. Desceu do tablado, ergueu um dos criados e
arremessou-o no assoalho, fazendo-o deslizar sobre a superfície melada, indo
aterrissar alguns metros adiante, quase aos pés de Emma-Lou Purdy. Ela virou-se e ia
sair correndo do salão, mas escorregou e caiu sentada sobre o ponche.
— Isto, sim, é digno de ser visto! — Lynnie gritou para Ace.
— Temos de dar o fora daqui — tornou ele, segurando no braço dela para tirá-la
do tablado.
— O quê? Não vou perder o melhor da festa por nada!
A polícia não tardou a invadir o salão. Várias mulheres tinham desmaiado; os
homens continuaram a brigar simplesmente porque estavam achando a luta divertida.
O jovem Howard chegou a agredir um senador, deixando-o caído no tablado.
— Uau! — o rapaz gritou. — Ace, que noite! Achei que este baile iria ser um
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tédio, mas me enganei. Eu devia saber que estando você presente a festa fica sempre
animada!
Ace não respondeu. Acabara de nocautear um gorducho metido a lutador e
estava entretido olhando para a irmã de Willis Forrester, que tinha o vestido de baile
encharcado de ponche e lutava com Lynnie. Mas a coitada apanhava de dar pena.
Lynnie a agarrara pelos longos cabelos loiros e a sacudia com violência. Duas jovens
elegantes juntaram-se à loirinha, mas também sobrou para elas. Levaram tapas e
socos. Para uma moça tão magra, Lynnie McBride era, sem dúvida, boa de briga e
tinha muita coragem, Ace pensou com admiração. Valera a pena ter vindo ao baile com
ela.
Que noite! Que grande briga!
Foram necessários quatro policiais para arrastar Ace para fora do salão. Logo à
frente dele dois outros soldados levavam Lynnie pelo braço. O bonito vestido cor-de-
rosa ficara rasgado, os cabelos ruivos estavam despenteados e caídos ao redor dos
ombros.
— Liberdade para as mulheres! — ela gritou. — Mulheres, levantem-se! Lutem!
Exijam seus direitos!
Dois repórteres correram para ela.
— Seu nome, senhorita...
— Não diga! — Ace gritou.
— McBride. M-c-B-r-i-d-e — soletrou. — Podem publicar. Estou fazendo este
sacrifício por uma causa nobre. Pelos direitos das mulheres do Texas.
Ela continuou gritando até ser levada, juntamente com Ace, para o veículo da
polícia.
— Como pode ver, você conseguiu! — observou Ace assim que um dos policiais
fechou a porta da carruagem e os cavalos colocarem-se em marcha. Sua cabeça
latejava embora ele estivesse sóbrio. — Lynnie, seu olho está roxo. Quem lhe deu um
murro tão certeiro?
— Este olho roxo é uma espécie de troféu pela minha luta. Eu o conquistei — ela
falou cheia de orgulho, os olhos faiscando.
— Oh, Senhor! — Ace suspirou. — O que meu pai vai dizer?

Capítulo IV

Cimarron entrou no quarto da suíte do hotel e acendeu a luz de gás.


— Ace foi preso novamente.
— O quê? — Trace resmungou, sonolento.
— Ace está preso, de novo. — Cimarron esperou para ver a reação do marido.
Houve uma longa pausa e, por um momento, ela achou que ele não tinha
escutado o que ela dissera.
— Repita o que você disse — Trace pediu, abrindo os olhos.
— Você me ouviu desde a primeira vez.
— Então eu não estava tendo um pesadelo. — Trace levantou-se e começou a
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praguejar em espanhol. — Como isso pôde acontecer? E Lynnie? Aposto como a


pobre moça passou vergonha por causa daquele...
— Lynnie também foi detida. — Cimarron cruzou os braços. — Maverick está
esperando no saguão. Vocês dois têm de ir pagar a fiança.
— Sou capaz de matar aquele rapaz. Nunca me passou pela cabeça que Ace
pudesse arranjar alguma encrenca, indo a um baile elegante na companhia de uma
moça tão encantadora.
— Meu querido... — Cimarron começou, mas o marido interrompeu-a.
— Não o defenda. Ace é louco e irresponsável. Mas agora foi demais! Imagine,
causar a prisão de uma moça inocente e respeitável. Maverick vai acabar com nosso
filho.

Indo para a carruagem, com o irmão, Trace desculpou-se.


— Sinto muito, Maverick, não sei o que fazer com meu filho.
Maverick deu de ombros.
— Não se desculpe antes de saber o que aconteceu. Ace pode não ser o único
culpado.
— Por que diz isso, mano?
— Vamos esclarecer tudo quando chegarmos ao tribunal de justiça.
Quando a carruagem parou na frente do imponente prédio, Trace viu com
desgosto, à luz dos lampiões de gás, um grupo de repórteres. Eles vieram correndo ao
encontro dos dois importantes criadores de gado, assim que os reconheceram.
— Tem alguma coisa a declarar, senhor?
— Não! — Trace rugiu, erguendo a gola do casaco para se proteger do vento
gelado que lhe desmanchava os cabelos, uma vez que esquecera o chapéu no hotel.
— Também quero saber o que aconteceu. Deve haver algum engano.
— É verdade que o Rancho Triplo D e o Lazy M, juntos, formam perto de um
milhão de acres?
— No Texas, é falta de educação perguntar a um proprietário qual é a extensão
de suas terras — Trace vociferou.
Ignorando outras perguntas, ele dirigiu-se com Maverick Para a escadaria de
entrada do prédio, mas ambos foram seguidos pelos irritantes repórteres.
— É verdade que Ace Durango transformou o baile do governador num campo
de luta?
— Sem comentários! — Maverick gritou, seguindo o irmão que acabara de entrar
em um gabinete.
Eles foram atendidos por um funcionário amável, pagaram as fianças e pouco
depois Ace e Lynnie foram liberados. Ace tinha um corte no lábio e sangue no elegante
casaco. O vestido de Lynnie estava quase reduzido a farrapos e ela ostentava um olho
roxo.
— Meu filho, quando será que vai tomar juízo? — Trace olhou com desgosto
para o filho desordeiro. — Como se não bastasse meter-se numa briga, você ainda
envolveu nela esta pobre e ingênua moça!
"Pobre e ingênua! Pois sim!", Ace pensou.
Olhou para Lynnie esperando que ela assumisse sua culpa, mas ela sorriu
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cândida e timidamente para o cunhado que a agasalhava com o próprio casaco.


— Há repórteres lá fora? — ela perguntou.
— Há, mas não se preocupe — Trace tranqüilizou-a. — Sairemos pelos fundos e
seu nome não será arrastado na lama.
Vendo que o pai o encarava, zangado, Ace não agüentou. Não se importava de
ser repreendido quando realmente tinha culpa. Mas era revoltante ver Lynnie, a
responsável por tudo, sair-se daquele incidente cheirando como uma rosa.
— Por Deus, papai, eu segui seus conselhos e estava me comportando muito
bem quando...
— Ora! Ele estava bêbado como um gambá quando saímos do hotel — Lynnie
acusou-o.
— É verdade? — Trace cerrou os dentes. — Olhe, Maverick, eu não me zangarei
se você der umas chicotadas neste meu filho.
Em vez de responder, Maverick observou Lynnie atentamente, desconfiado.
— Papai... — Ace olhou para Lynnie, esperando que ela desse alguma
explicação, mas recebeu dela apenas um sorriso meigo — Se Lynnie não usasse
aquela faixa...
— Agora você está tentando culpar esta moça inocente? — Trace trovejou. — É
difícil acreditar que você seja meu filho. Um cavalheiro texano jamais lança a culpa em
uma lady.
— É melhor sairmos daqui — Maverick sugeriu.
— Lady? Quem é uma lady? — Ace resmungou.
Lynnie dirigiu-lhe um sorriso angelical.
De nada adiantava defender-se, Ace concluiu. O pai nunca iria acreditar nele.
Era incrível como aquela feminista detestável conseguia parecer tão inocente e
recatada, quando começara toda a confusão.
O pai e o tio apressaram o passo, ansiosos para sair dali. Ace ficou para trás,
andando cabisbaixo, os olhos fixos no piso de mármore, refletindo que não havia
justiça. Eles chegaram à porta dos fundos e Trace olhou ao redor. Em seguida
perguntou ao filho:
— Onde está Lynnie?
— Não sei.
— Não sabe? Como é possível? Ela estava do seu lado! — Maverick rugiu.
— Estava, mas agora não está. — Ace suspirou.
— Para onde ela pode ter ido? — Maverick falou, preocupado. — Lynnie não
enxerga bem sem os óculos.
— Que droga! A culpa é sua! — Trace dirigiu ao filho um olhar destruidor. — A
pobre moça é responsabilidade sua! Encontre-a!
Olhando para o rosto colérico do pai, Ace compreendeu que seria melhor não
argumentar. Mas não se conteve e arriscou:
— Como posso saber para onde ela foi?
A expressão de Trace tornou-se mais ameaçadora.
— Está bem! Está bem! Vou voltar para procurá-la — disse Ace, resignado,
girando nos calcanhares.
Lynnie se distanciara dos três cavalheiros deliberadamente. Trace dissera que
os repórteres estavam na frente do prédio e ela, uma mulher corajosa que lutava por
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uma causa nobre, jamais aceitaria escapar sorrateiramente como um ladrão de


galinhas. A oportunidade era excelente para ela divulgar sua mensagem para o mundo.
Bem, pelo menos para a área ao redor de Austin. Para isso, nada melhor do que a
imprensa. Abriu a bolsa, pegou os óculos e correu para a porta da frente do prédio. Os
repórteres cercaram-na assim que a viram.
— Srta. McBride?
— Sim, sou Lynnie McBride.
— Conte-nos o que aconteceu no baile, senhorita. Ganhou esse olho roxo
lutando?
— Sim. Eu estava tentando mostrar ao governador e aos legisladores presentes
que as mulheres do Texas exigem direitos iguais aos dos homens. Elas também
querem votar.
— Qual a sua opinião sobre o governador?
— Bem, meu cunhado e Trace Durango acham que o governador é um idiota. E
eu, depois de conhecer o homem, concordo com os dois.
— Podemos publicar suas palavras?
— Naturalmente! E publiquem que todas as mulheres do Texas querem e
merecem ter direitos iguais aos dos homens. Eu simplesmente aproveitei o baile para
defender a nossa causa.
Os repórteres chegaram mais perto de Lynnie e fizeram-lhe tantas perguntas que
ela começou a ficar alarmada. Receou ter sido imprudente em suas declarações. As
conseqüências da sua precipitação poderiam ser desastrosas. Na verdade, queria
apenas dar sua mensagem. Mas começaram a empurrá-la, os homens mostravam-se
cada vez mais insistentes e falavam muito alto, deixando-a em pânico. Afinal, ela era
pequena, muito magra e estava exausta.
Felizmente Ace apareceu e desceu de dois em dois os inúmeros degraus da
escadaria.
— Que droga, Lynnie! O que está fazendo?
— Falando com os repórteres — ela respondeu com a costumeira expressão de
desafio. Por nada no mundo iria demonstrar que estava aliviada ao vê-lo.
— Oh, Senhor! Por sua causa papai e tio Maverick vão arrancar minha pele. Não
chegava o que já aprontou? Precisava falar com a imprensa?
Ace passou o braço ao redor dos ombros dela e abriu caminho entre os
repórteres e outros curiosos. Lynnie suspirou. Sentia-se tão bem e tão protegida junto
de Ace. Eles chegaram à esquina onde Trace e Maverick os esperavam e entraram na
carruagem, ignorando o grupo que os seguira. Começava a amanhecer.
— Filho — disse Trace com voz cansada. — Lynnie estava sob a sua
responsabilidade. Seu dever era protegê-la. — Ace olhou para Lynnie, evidentemente
esperando que, desta vez, ela se manifestasse. Ela hesitou. Podia explicar o que
acontecera, assumir a maior parte da culpa e inocentar Ace. Mas devia fazer isso?
Decidiu que não. O bruto merecia o castigo. Ace Durango, o belo e alto caubói, julgava-
se um presente de Deus para o sexo feminino; a antítese do homem que aceitava a
luta pelos direitos iguais entre os sexos. Depois dessas considerações, Lynnie bateu os
cílios e sorriu, toda inocência.
Os olhos de Ace dardejaram. Ele movimentou as grandes mãos como se
estivesse torcendo o pescoço dela, longo e delicado.
— Ace, o que está fazendo? — o pai indagou.
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— Nada.
Trace dirigiu-se a Lynnie.
— Jovem lady, lamento que meu filho incorrigível não se tenha dado ao trabalho
de protegê-la. Sei que você passou por maus momentos ao sair, por engano, pela
porta da frente e ver-se assediada pelos homens da imprensa.
Novamente Lynnie sorriu de modo inocente. Diante de tamanha desfaçatez, Ace
ficou por uns minutos pensando em como seria divertido agarrar aquela feminista
dissimulada e dar-lhe tantos safanões até seus dentes baterem e os grampos e
graciosas presilhas saltarem dos cabelos cor-de-fogo. Ela era ardilosa e mais esperta
do que todas as mulheres que ele conhecia. Chegava a ser injusto uma moça poder
manobrar um hombre como Ace Durango e causar-lhe tantos problemas.
Maverick suspirou.
— Vamos tentar conseguir os jornais antes que Cimarron e Cayenne os vejam.
— Quem sabe toda a história será abafada — opinou Ace, esperançoso.
— Hum! Vá esperando. — Trace torceu o nariz com pouco caso. — E você,
Diego de Durango Quarto, pode esquecer por bom tempo as festas, jogo de cartas e
qualquer outra coisa que não seja limpar as cocheiras.
Pior do que o castigo imposto pelo pai era ter de agüentar o sorriso irônico de
Lynnie. Ace teve de fazer um grande esforço para não abrir a porta da carruagem e
atirá-la na frente da carroça de uma cervejaria que no momento passava pela rua, no
sentido contrário ao deles. Infelizmente, se fizesse alguma coisa, iria arranjar mais
confusão ainda. Não podia derrotar Lynnie. O jeito era conformar-se. Desde criança ela
se mostrava superior a ele em inteligência, talento e esperteza. Acabava sempre se
saindo bem por ser mulher. E agora, quando ele pensava que fazia um grande favor
acompanhando ao baile uma pobre solteirona, fora usado. Servira apenas para ela
levar avante seu plano que era chamar a atenção dos políticos para a luta pelos
direitos das mulheres. Não era de admirar que aquela feminista não arranjasse
namorado, muito menos marido. Que homem poderia tolerar uma mulher que fazia
questão de se mostrar superior a ele?
Bem, o incidente dessa noite lhe servira de lição. Seria mais fácil o inferno
congelar do que ele, Ace de Durango, envolver-se em outra encrenca com Lynnie
McBride.

Naquela manhã, as duas famílias voltaram para as respectivas fazendas. Ace


cuidou de limpar as baias das cocheiras, sem protestar, embora se sentisse injustiçado.
Não merecia aquele castigo. Trace, indignado, andava de um lado para outro, na frente
da lareira da biblioteca, o pequenino chiuaua seguindo-o.
— Nosso filho é um desordeiro, Cimarron, um castigo para nós.
Cimarron deixou de lado a costura que fazia e falou calmamente:
— Ele é jovem. E como um potro selvagem, um dia será domado.
— Se viver até lá — Trace resmungou, parando para acender uma cigarrilha. —
Não sei o que fazer para transformar aquele dândi sem juízo em um homem. Estou
começando a acreditar que ele nunca terá condições de administrar um império como o
nosso. A irmã, por outro lado...
— Querido, Rachel saberá cuidar da parte dela; temos certeza disso. —
Cimarron levantou-se e abraçou o marido. — Tenho certeza de que, se você atribuir
alguma responsabilidade a nosso filho, ele se sairá muito bem e não o desapontará.
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— Ele não tem a menor experiência. Não sabe o que é lutar com índios ou
enfrentar feras.
— Ace atira muito bem e é exímio cavaleiro. É impetuoso, reconheço, e talvez
seja um pouco irresponsável...
-— Um pouco? Na idade dele eu assumia tarefas de grande responsabilidade.
Antes dos vinte anos eu já conduzia com Maverick grandes rebanhos pela perigosa
trilha Chisholm.
— As coisas mudaram desde então. — Cimarron foi até a porta de vidro e ficou
olhando para a grande fonte do jardim — O mundo está ficando civilizado. Temos as
ferrovias para transportar o gado e currais para abrigá-lo estão sendo construídos aqui
no Texas. Portanto, conduzir rebanhos por terra é uma atividade que está
desaparecendo.
— Infelizmente. Mas essa tarefa era uma espécie de prova que transformava um
rapaz em homem. Conduzir o gado por alguns milhares de quilômetros até o Kansas,
tendo de atravessar o Território índio, era uma façanha e tanto. Noites e mais noites
Maverick e eu dormimos no chão ou tivemos de permanecer na sela durante horas sem
fim, vigiando o rebanho assustado para evitar o estouro da boiada.
Quantas e quantas vezes Cimarron ouvira essas histórias!
— E tinha mais: os criadores do estado do Kansas se queixavam, diziam que o
gado procedente do Texas era portador de febre aftosa e contaminava seus rebanhos.
As pastagens passaram a ser cercadas com arame farpado — Cimarron lembrou. —
Creio que esses dias terminaram para sempre.
Trace foi até uma mesinha e serviu-se de uma dose de tequila.
— Quando a trilha Chisholm foi aberta, logo depois da guerra civil, imaginei que
iria durar para sempre. Mas você está certa. Em breve não haverá razão de se usar a
trilha.
— Talvez seja interessante você reunir alguns vaqueiros para conduzir um
rebanho pela última vez — Cimarron sugeriu. — O que acha da idéia?
— Hum... Não sei. — Trace juntou-se à esposa. — Creio que não tenho mais
idade para esse tipo de aventura. Ficar sobre uma sela durante dias e mais dias, dormir
ao relento...
Cimarron riu.
— Você está certo. Uma aventura dessas é para os jovens, não para homens de
meia-idade como você. Ace perdeu uma das maiores e melhores experiências do
Velho Oeste.
— Conduzir um rebanho até Dodge City certamente fará bem a ele. Irá torná-lo
um homem. — Trace tomou um gole de sua bebida e sorriu, lembrando-se dos anos da
juventude.
— O irmão do velho Sanchez é um bom chefe de comitiva.
Acredito que Pedro irá gostar de fazer uma viagem de despedida pela trilha
Chisholm até Dodge City.
— Você não pode estar falando sério. São mais ou menos dois mil quilômetros
daqui a Dodge City.
— Não sei. Segundo as leis do estado do Kansas, os rebanhos não podem mais
passar por Abilene e Wichita. Se organizarmos uma comitiva, teremos de fazer um
desvio e seguirmos pela trilha Oeste, até Dodge.
— É melhor você não ficar muito entusiasmado nem fazer planos. Receio que
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essa idéia não agrade Ace.


— É certo que não. Os interesses dele são saloons, jogos de cartas e mulheres.
Veja a confusão que ele arranjou para a pobre Lynnie. Eu não ficaria surpreso se os
McBride nunca mais falassem conosco.
— Bem, eu não jogaria toda culpa em Ace. Você sabe como Lynnie é teimosa.
Como sufragista...
— Não acredito que você esteja tentando arranjar desculpas para o
comportamento dele!
— Ora, Trace, o que eu quis dizer é que aquela garota de cabelos ruivos pode
não ser tão inocente quanto parece.
Trace ficou chocado.
— O que está insinuando? Você acha que uma criatura tão meiga tenha...
— Eu posso estar enganada — Cimarron interrompeu o marido —, mas sou
mulher e conheço Lynnie melhor do que você. Ela e Ace são bem parecidos. Para mim,
a culpa não foi só dele.
— Como você é insistente. Mas não posso esperar que você entenda que Ace
devia ter protegido a lady...
— Não use esse tom superior comigo, hombre. E, francamente, creio que as
mulheres terão o direito de votar. É só uma questão de tempo.
— Nunca pensei que fosse ouvir você dizer uma coisa dessas! — Trace
exclamou, pasmado.
— Isto é para mostrar que há muitas coisas que você não sabe sobre as
mulheres. Com seu filho acontece o mesmo, mas ele pensa que conhece a alma
feminina.
Cimarron beijou o rosto do marido e voltou para o sofá, retomando o trabalho de
costura interrompido.
Trace ficou na frente da lareira olhando para o fogo e revivendo o passado.
— Sabe, querida, aposto que muitos dos antigos vaqueiros vão adorar a idéia de
mandar seus filhos e netos numa última viagem, levando um grande rebanho para
Dodge City.
— Estamos de volta ao assunto?
— Sim. Para Ace será uma boa experiência. Concorda comigo, querida?

Na manhã seguinte, ao sentar-se à mesa para o desjejum, Ace tinha o corpo


todo dolorido por causa do extenuante trabalho de limpar as cocheiras. Assim que
experimentou o café, estremeceu.
— Está horrível! Juanita ainda não voltou?
A mãe levou o dedo indicador aos lábios pedindo silêncio e fez com a cabeça um
movimento negativo.
Ace ficou desconsolado. O dia começara mal. Para piorar, o pai resolveu falar
sobre a organização de uma última viagem conduzindo um grande rebanho ao Kansas.
Ace, claro, detestou a idéia. Olhou carrancudo para o pai e indagou:
— Como é? O senhor quer que eu tome conta de um bando de vacas por uma
trilha poeirenta de centenas e centenas de quilômetros?
— Isso mesmo. Até Dodge City — Trace concordou. — Será divertido, acredite.
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— Pra mim não vai ser nem um pouco divertido. — Ace passou a mão pelos
cabelos negros. — Não vejo graça nenhuma em dormir no chão e comer poeira dia
após dia. Nada de mulheres, nem de cartas ou saloons. E quem cuidará do rango?
— Mandarei Cookie com o carroção cheio de mantimentos.
— Cookie? Isto quer dizer que o que já era ruim ficará ainda pior. O velho não
sabe fritar um ovo!
— Ouvi o que você disse! — gritou Cookie pondo a cabeça grisalha para fora da
cozinha. — Fique sabendo que antes de você nascer eu já cozinhava para caubóis em
comitivas.
— E deixou dezenas de caubóis envenenados pelo caminho — Ace provocou o
velho senhor.
— Há alguém que eu gostaria, realmente, de envenenar — replicou Cookie
voltando para suas panelas.
— Veja o que você fez. Deixou o pobre homem aborrecido — Cimarron interveio.
— Isso tornará a comida dele melhor ou pior?
— Você ficará surpreso ao constatar que depois de um longo dia cavalgando, o
rango de Cookie é muito gostoso — Trace observou.
— Pode dizer o que quiser, papai; o senhor não me convence.
— Seja como for, se eu conseguir organizar a comitiva, você irá nela — o pai
falou em tom severo.
— Mamãe...
Cimarron não se comoveu com o olhar suplicante do filho.
— Seu pai está certo. Um vaqueiro de verdade deve tomar parte em, pelo
menos, uma comitiva. Você vai ver como é fácil a vida que você leva.
Fácil? Ele estava com bolhas nas mãos de tanto tirar o esterco com a pá e
perdera suas melhores botas por causa da sujeira e da umidade.
— Falei sério sobre essa viagem a Dodge City conduzindo o gado, filho. Será
bom para você assumir um pouco de responsabilidade e fazer alguma coisa além de
jogar e ir atrás de mulheres.
— E se alguma coisa der errado? Eu e os outros vaqueiros somos jovens e
inexperientes. Nada sabemos sobre conduzir uma boiada.
— Maverick, Pedro e eu os acompanharemos.
— Ainda não entendi, papai, por que o senhor teve essa idéia. É por causa
daquela briga na mansão do governador, não é? Ah, Lynnie, aquela...
— Lynnie é uma moça decente e recatada. Você, provavelmente, arruinou sua
reputação e ela nunca arranjará um pretendente — o pai repreendeu Ace.
— A culpa é minha? Por Deus, papai, Lynnie não arranjaria marido nem se
tivesse uma mina de ouro e a maior fazenda do Texas. Nunca vi uma pessoa tão
teimosa, autoritária...
— Pois eu acho que ela não é mais teimosa do que você — opinou a mãe.
— Se Lynnie fosse inocente como vocês insistem em dizer, ela não causaria
problemas para o cavalheiro que estava acompanhando.
O pai sacudiu a cabeça.
— Eu não sabia que você precisava de ajuda para se meter em encrenca.
— Papai, eu não consigo convencê-lo de que aquela professorazinha é uma fera
e luta como ninguém quando se trata de defender suas idéias, não é mesmo?
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Acabando de falar, Ace surpreendeu-se ao perceber que sentia admiração pela


pequena ruiva. Ela podia não ser uma beldade, mas tinha garra, coragem, e muito mais
talento do que qualquer mulher que ele conhecia.
—- Chega. Não quero mais ouvi-lo falar mal daquela gentil garota — o pai
ordenou.
Ace dirigiu à mãe um apelo tácito. Cimarron disse o que pensava sobre Lynnie.
— Reconheço que Lynnie, de fato, é um pouquinho obstinada.
— Um pouquinho? — A voz de Ace soou muito alta. Vendo que seus protestos e
argumentos de nada adiantavam, pegou um pãozinho meio queimado e comeu-o,
desgostoso. Imaginou-se comendo, durante três ou quatro meses de viagem, a comida
preparada por Cookie. O pensamento deixou-o horrorizado.
— Acabe logo seu café. Ainda faltam duas cocheiras para você limpar —
lembrou Trace.
— Já vou. — Ace empurrou a cadeira e pegou o chapéu.
Havia uma coisa que tornava sua odiosa tarefa mais suportável: Ao jogar fora
cada pá com esterco, imaginava que estava enterrando, até o pescoço, uma certa
professora ruiva.

Capítulo V

Três dias depois, pela manhã, Cimarron entrou na copa com uma carta na mão.
— O correio acaba de chegar — disse ao marido.
Trace, que saboreava ovos mexidos e enchiladas, interrompeu o desjejum.
Estava sorridente porque Juanita tinha voltado e assumira o comando da cozinha.
— De quem é a carta?
Cimarron sentou-se à mesa e fez sinal para uma das criadas mexicanas servir-
lhe café.
— Cayenne me escreveu. Ela diz na carta que Lynnie foi chamada à presença
do diretor da escola. Talvez perca o emprego.
— Pobrezinha. Mas não é de surpreender que isso aconteça depois de toda a
confusão em que se envolveu naquele baile, por causa de nosso filho delinquente.
— Conheço Lynnie bem melhor do que você. Estou convencida de que ela teve
boa parte de culpa.
— Como pode dizer uma coisa dessas? — Trace questionou, indignado. — Ora,
ela é uma professora inocente...
— Conheço Lynnie — Cimarron insistiu. — Ela e Ace formam uma boa dupla
quando se trata de arranjar encrenca. Cayenne nos pede para comparecer à reunião
da escola como sinal de solidariedade.
— Sim, iremos. Mas não sei o que poderemos fazer para ajudar. Lynnie foi presa
como desordeira e esta é uma acusação muito grave para uma professora.
A criada mexicana serviu a Cimarron ovos mexidos com bacon e pãezinhos, e
colocou diante da patroa a torta de frutas e geléia de ameixa.
— Não sei o que será de Lynnie se ela perder o emprego. Ela precisa mesmo é
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de um marido.
Trace inclinou a cabeça para trás e riu.
— Deus! Quem se casará com Lynnie McBride? Ela é meiga, educada e
inteligente, mas não é nenhuma beldade.
— Você também não pode dizer que ela seja feia. Além disso, quem o feio ama,
bonito lhe parece. O problema é que a maioria dos homens acha que Lynnie é
autoritária e teimosa.
— Eu sou um desses homens, mamãe — anunciou Ace entrando na copa. —
Depois do que Lynnie McBride me fez passar, espero nunca mais vê-la.
— Não culpe a moça. Você é mestre em arranjar confusão sozinho — apontou
Trace.
— Aí está mais uma razão para eu querer Lynnie bem longe de mim.
— Lynnie vai encontrar um bom rapaz que a ame e queira casar com ela —
afirmou Cimarron.
—Não aposte nessa possibilidade — aconselhou Ace olhando com satisfação
para o prato com o bife suculento e ovos que a criada colocara à sua frente.
— Não sei por que você diz isso. Lynnie é inteligente e tem algum atrativo. Ela
dará a um homem belos filhos.
— Penso em ter filhos algum dia, mamãe, mas a idéia de dormir com Lynnie me
dá arrepios.
— Não seja grosseiro — Cimarron zangou-se. — Se querem saber, acaba de me
ocorrer uma idéia. Vamos oferecer um grande churrasco para Lynnie e convidar o
pessoal de dois condados. Ela há de encontrar um bom rapaz que se interesse por ela.
— O que é isso, mamãe? Não é justo preparar esse tipo de cilada para hombres
de boa-fé.
— Filho, as mulheres agem assim o tempo todo. Elas passam a vida tentando
enrolar e prender os homens.
— O que você disse, Trace?
— Refiro-me às mulheres em geral. Você é exceção, querida — o marido
emendou depressa. — Tive muita sorte de encontrar alguém como você.
— Então está combinado. — Cimarron dobrou a carta, deixou-a de lado e sorriu
com satisfação. — Falarei com Cayenne sobre o assunto.
— O que está combinado? — Pai e filho olharam para ela, atônitos.
— Como?! Ficou resolvido que faremos um grande churrasco e convidaremos
pessoas dos dois condados vizinhos. Assim Lynnie encontrará seu futuro marido.
Ace não gostou do modo como a mãe o encarou.
— Mamãe, nós concordamos com essa grande festa?
Mais uma vez Trace riu.
— Meu filho, sua mãe decidiu oferecer o churrasco e ele será realizado com ou
sem o nosso consentimento.
— Um churrasco para Lynnie McBride? Acho que não estarei presente. Pretendo
viajar — Ace resmungou.
— Não, não, filho. Você estará aqui, sim. E não se arrependerá. Convidarei
muitas garotas para esse churrasco.
Notando o repentino sorriso do filho, e o brilho em seus olhos, Trace avisou:
— Não são do tipo ao qual você está acostumado. Sua mãe refere-se a ladies.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 43

— Oh...
— Temos de ir à reunião na escola onde Lynnie leciona — Cimarron lembrou.
Vamos tentar convencer o diretor a maneia no emprego.
— Eu não quero fazer nada para ajudar Lynnie McBride — disse Ace,
carrancudo.
— Pois você irá à escola conosco, sim — ordenou o pai. — Você soube envolver
a pobre moça num escândalo. Agora é seu dever ajudá-la a, pelo menos, não ser
despedida.
— Eu? — Ace ia protestar, mas viu que de nada adiantaria.
Tinha sido posto contra a parede e qualquer desobediência às ordens do pai
representaria mais baias para limpar. Decididamente, Lynnie McBride era uma pedra
no seu sapato.
— O churrasco será em março — Cimarron declarou, levantando-se da mesa.
A caminho do quarto, a fim de fazer as malas para a viagem ao oeste do Texas,
Cimarron tinha o pensamento voltado para a grande festa que pretendia oferecer. Na
primavera as colinas do Texas estariam coloridas pelas centáureas azuis e as
castillejas de colorido vivo. A cunhada, Cayenne, ficaria muito feliz. Naquele churrasco
os homens teriam a chance de se reunir e conversar sobre a organização de uma
comitiva para levar o gado a Dodge City. Melhor ainda do que isso seria a possibilidade
de Lynnie conhecer o eleito do seu coração.

Na última semana de fevereiro realizou-se a reunião especial da escola, na


cidadezinha de McBride, oeste do Texas. Cayenne tinha dado à luz mais um bebê, e
papai Joe, patriarca do clã McBride, estava doente. Assim, Maverick e os filhos mais
velhos acompanharam Lynnie à escola, onde já se encontravam os Durango do
Rancho Triplo D.
Lynnie fez questão de ignorar Ace e ele também fingiu não tê-la visto. Quando se
sentaram na primeira fileira de bancos, Ace ficou na extremidade oposta à dela.
A notícia de que naquela noite iriam decidir se a srta. Lynnie McBride continuaria
ou não lecionando atraiu uma multidão para a escola.
O presidente da mesa, o jovem banqueiro Ogle, bateu o pequeno martelo e
gritou.
— Ordem! Vamos dar início a esta audiência.
Quando os pretensiosos membros do conselho escolar tomaram seus assentos,
Lynnie sentiu um pouco de medo. Mesmo assim, ergueu a cabeça altivamente. Não se
arrependia do que tinha feito. Só não imaginara que a notícia do tumulto ocorrido na
capital do estado chegasse tão depressa à distante McBride, no oeste, e acabasse
como notícia de primeira página do jornal semanal da cidade. Não tardou a entender
que o dono do jornal, Clifford Schuate, ainda estava furioso porque pretendia comprar
alguns acres de ótima terra, mas Joe McBride e Maverick Durango fecharam o negócio
antes dele.
Acontece que muitas famílias, entre elas a dos Billings, eram agradecidas a
Maverick Durango e a Joe McBride por salvarem a cidade durante o assalto ao banco e
à diligência, onze anos atrás. Maverick, Joe e alguns de seus homens conseguiram
prender os bandidos e todo o dinheiro fora recuperado. Infelizmente, o jovem banqueiro
Ogle controlava grande número de fazendeiros e pequenos comerciantes que lhe
deviam dinheiro.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 44

Elmer Ogle ficou de pé, sorriu, e olhou para as pessoas sentadas à mesa para
certificar-se de que todos os membros do conselho estavam presentes. Era evidente
que ele se julgava um homem bonito e elegante, mas para Lynnie ele não passava de
um careca presunçoso. Ogle havia tentado fazer a corte a Lynnie, mas ela o
desprezara e toda a cidade sabia disso.
Ele pigarreou e falou com ares de importância:
— Estamos aqui para tratar de um assunto muito sério. Mas antes, quero
convidá-los para a inauguração da estátua de meu pai, na praça central, no próximo
sábado. É para mim uma honra saber que os cidadãos de McBride quiseram prestar
uma homenagem a ele por seu ato de heroísmo no grande assalto ao banco e à
diligência.
Angel, a irmã caçula de Lynnie, não se conteve e falou em alto e bom som:
— Ele não foi herói coisa nenhuma. Todos sabem que Maverick e meu pai
salvaram a cidade naquele dia. Quanto ao sr. Ogle, foi morto acidentalmente porque
estava passando pela rua quando começou o tiroteio.
— Angel, fique quieta! — Maverick ordenou. Todos riram disfarçadamente,
reconhecendo a veracidade das palavras da menina. Elmer ficou vermelho de raiva.
— Há pais que não sabem controlar seus filhos — o banqueiro desferiu —, é por
isso que estamos aqui esta noite...
— Peço licença para discordar. — Lynnie ficou de pé, apesar de toda a família
abanar a cabeça desaprovando a atitude dela. — A desordem na mansão do
governador não teve nada a ver com minha família.
Ela viu Trace dar um cutucão em Ace, que se levantou com má vontade.
— Eu... eu fui o responsável pelo tumulto. A srta. McBride é inocente.
— O quê? Desculpe, mas isso não é verdade — Lynnie rebateu. Não precisava
de defensor nenhum. — Eu planejei tudo sozinha.
Um murmúrio excitado circulou pela sala lotada e Lynnie lançou a Ace um olhar
de triunfo. Ace ia falar, mas decidiu sentar-se. A sra. Winifred Leane, membro do
conselho da escola, levantou-se.
— Lynnie McBride, você voltou para esta cidade com um olho roxo. É verdade
que a acertaram no meio da briga?
— Para mim aquele olho roxo foi como um troféu conquistado na luta. Pena que
dele só restem umas sombras pálidas e esverdeadas.
Os presentes riram e cochicharam uns com os outros. Maverick abanou a
cabeça e olhou para a cunhada com expressão desaprovadora, mas Lynnie pouco se
importou. Ia perder o emprego mesmo, pois o banqueiro Ogle tinha poder suficiente
para obrigar os membros do conselho a despedi-la. Mas não deixaria seu cargo sem
antes dizer o que pensava.
O sr. Schwatz encarou-a com olhos dardejantes.
— Você admitiu que foi ao baile com um plano em mente. E esse plano era criar,
com a ajuda desse Durango desordeiro, um tumulto na mansão do governador?
— Não. Não é verdade. Fui ao baile com a intenção de, simplesmente, usar,
durante o desfile, a faixa proclamando que as mulheres têm o direito de votar.
— Isso é um pecado! — protestou a gorda sra. Huffington, também membro do
conselho escolar. — A Bíblia diz que as mulheres não devem votar e eu respeito à
palavra divina.
— Sra. Huffington, há uma Bíblia sobre a mesa. Por favor, mostre-nos o capítulo
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 45

e o versículo em que está escrito o que acaba de afirmar — Lynnie pediu calmamente.
A sra. Huffington hesitou.
— Bem... não sei exatamente. Mas tenho certeza de que está na Bíblia.
— Basta! — Maverick falou em tom estentóreo e ficou de pé. — Esta discussão é
inútil. A srta. McBride é uma professora extraordinária. Vejo que todos os alunos dela
estão nessa sala. Sugiro que eles digam o que pensam dela.
— Está certo! — aprovou Susan Leane.
— Ela é ótima professora — asseverou Billy Huffington. — O que mamãe disse
não importa!
Reinou na sala grande barulho e confusão. Ogle bateu o martelo pedindo ordem
e silêncio. Maverick continuou de pé.
— Devo lembrar ao conselho que meu sogro, Joe McBride e eu somos donos do
maior rancho deste condado, o Lazy M. A grande maioria dos alunos desta escola
procedem de nossas famílias e das famílias que moram e trabalham em nossas terras.
— Sim, sr. Maverick, só a sua prole quase daria para manter a escola — a sra.
Huffington falou em tom gélido, provocando risos.
Elmer Ogle bateu o martelo novamente.
— Voltemos ao assunto que motivou esta reunião: a dispensa da professora
Lynnie McBride de seu cargo, por motivo de comportamento duvidoso e falta de
decoro.
— Falta de decoro? — questionou a sra. Leane.
— A professora McBride foi presa — esclareceu o editor do jornal.
— Queremos a srta. McBride! — gritaram vários alunos. — Ela é ótima
professora. Nós a amamos!
Penélope Dinwiddy ficou de pé.
— A professora Lynnie é muito corajosa. O que ela fez naquele baile foi louvável.
Ela está lutando pelos direitos da mulher. É a porta-voz das mulheres do Texas. Não é
justo negarem às mulheres o direito de votar.
O sr. Dinwiddy, fazendeiro sisudo e careca, levantou-se.
— Ignorem minha filha. Ela idolatra sua professora. Toda a família também gosta
da srta. McBride, mas ela acabou sendo presa... Bem, isso é muito sério.
Nelbert Purdy, gordo, atarracado e careca, também era membro do conselho e
atacou:
— A garota McBride não é, realmente, uma pessoa idônea. Não tem o
comportamento exemplar de minha irmã, Emma-Lou.
Emma-Lou, que estava de pé, de um lado da sala, deu um largo sorriso, cheia de
orgulho por ter sido apontada como modelo de virtude.
Elmer Ogle bateu seu martelo mais uma vez.
— Espero que o conselho já tenha ouvido o suficiente.
— O suficiente? — Lynnie protestou. — Como, se eu nem comecei?!
A queixuda sra. Huffington sorriu, complacente.
— Todos sabem que tenho um sobrinho na Filadélfia. Clarence Kleinhoffer é um
rapaz de caráter, um defensor da moral e dos bons costumes. Pois bem, ele concluiu o
curso superior recentemente. Acredito que não será difícil convencê-lo a aceitar a vaga
de professor.
Houve entre os presentes acenos com a cabeça e sorrisos de aprovação. Trace
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 46

Durango pediu a palavra.


— A srta. McBride não tem culpa. Ela foi influenciada...
— Por seu filho — completou o editor do jornal. — Conhecemos a fama do
rapaz, sr. Durango. Ele é um desordeiro, jogador, irresponsável. E isso é só para
começar.
Vermelha até a raiz dos cabelos, tal sua raiva, Cimarron ficou de pé.
— Está denegrindo a reputação de meu filho, senhor?
— Como se isso fosse preciso! — falou a sra. Leane com ironia. — Pelo que ouvi
dizer, Ace Durango tem arruinado a própria reputação com seu comportamento
vergonhoso e imoral. Eu jamais permitiria que uma de minhas filhas fosse a algum
lugar com ele.
— Sra. Leane, duvido que meu charmoso filho queira chegar perto de uma
daquelas suas filhas deselegantes e sem graça.
— Ora... eu nunca fui tão ofendida.
Risadas e discussões criaram um pandemônio na sala, Ogle batia o martelo
pedindo, em vão, ordem e silêncio. Por fim, conseguiu falar.
— Nós, do conselho, devemos nos retirar por alguns minutos para discutir o
veredicto.
Reinou silêncio na sala. Lynnie sabia que não seria poupada. O veredicto estava
pronto. Quase todos os membros do conselho deviam dinheiro a Elmer Ogle. Além
disso, a inimizade entre a família dele e a de McBride vinha de longe.
Pela primeira vez Lynnie pensou seriamente em perder o emprego. Enfim, se
tivesse de ser despedida não iria chorar. Tinha sido sacrificada por uma boa causa.
Olhou para Ace e ele também a encarou. Ela o havia usado e isso o deixara furioso.
Bem feito. Não duvidava que ele havia usado muitas garotas inocentes para alcançar
seus objetivos.
Em menos de cinco minutos os membros do conselho estavam de volta. Ogle
pediu silêncio.
— O conselho desta escola decidiu que a srta. McBride, tendo se comportado de
maneira inaceitável para uma pessoa com suas responsabilidades, está despedida. O
emprego será oferecido ao professor Clarence Kleinhoffer, homem honesto, pilar de
virtude.
— Vocês não podem me despedir, eu peço demissão! — Lynnie ficou de pé e
começou a movimentar os braços, gritando ao mesmo tempo. — Liberdade para as
mulheres! Direitos iguais para as mulheres! Direito ao voto para as mulheres do Texas.
Todos os jovens presentes passaram a repetir com ela os mesmos dizeres, para
assombro e desalento dos membros do conselho escolar.
Elmer Ogle, não conseguindo manter a ordem, por mais que tentasse, começou
a gritar:
— Os Durango e os McBride são um bando de bárbaros...
— Você não pode falar de minha família desse jeito! — Zangado, Maverick foi
até a mesa e desferiu um soco em Elmer Ogle, deixando-o com o nariz sangrando e
chorando como urna garota.
Lynnie subiu em uma das carteiras segurando a bandeira do Texas que acabara
de tirar do mastro.
— Direito ao voto! As mulheres do Texas exigem o direito de votar! — Ela
gritava, ao mesmo tempo em que agitava a bandeira.
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O grupo de jovens e crianças continuou a fazer coro com a professora.


— Vejam todos vocês! — a sra. Leane gritou, horrorizada. — Aí está! Vejam
como Lynnie McBride corrompe nossas crianças e nossos jovens!
— Ora, feche essa matraca, velha gorducha, faladeira — Lynnie ordenou.
A sra. Leane sentiu-se mal e as outras senhoras cercaram-na oferecendo-lhe
sais aromáticos. O tumulto na sala tornou-se incontrolável.
— Lynnie, saia já de cima dessa carteira! — Maverick ordenou.
Ela ignorou o cunhado e continuou a gritar.
— Direito ao voto para as mulheres! Texanas, unam-se! Lembrem-se do Álamo!
O forte Álamo, na opinião de Ace, nada tinha a ver com o direito das mulheres ou
com sufragistas. Mas a frase mexia com os brios dos texanos e todos que estavam na
sala deram vivas. Até os que eram contra o voto feminino.
Cada vez mais empolgada, Lynnie desceu da carteira cantando, a plenos
pulmões, A Rosa Amarela do Texas. Os jovens e as crianças seguiram-na e todos
saíram marchando ao redor da sala, sempre cantando.
— Isto é um ultraje! — Elmer Ogle gritou. — Essa mulher não tem compostura!
— Ora, cale-se, seu agiota, sanguessuga, avarento! — Lynnie revidou.
Conduziu o grupo para fora da sala e todos continuaram a marchar ao redor da
escola. Lynnie deixou a liderança e ficou do lado observando os alunos que
marchavam e cantavam compenetrados.
Maverick chamou os filhos e foi com eles para a carruagem. Lynnie dispensou os
outros alunos.
Penélope Dinwiddy, sua aluna predileta, ficou para trás. Estava muito séria.
— Lamento o que aconteceu, srta. McBride. O que pretende fazer, agora que
perdeu o emprego?
— Quero ir a Dodge City, Penny.
— Dodge City? — a mocinha repetiu, surpresa.
— Não se lembra que no dia 4 de julho haverá naquela cidade uma grande
manifestação a favor dos direitos das mulheres? Espero estar presente para apoiar a
causa. Além disso, tentarei conseguir ajuda para as oprimidas e humildes mulheres do
Texas.
— Sua família não a deixará ir.
— Tem razão. Esse será o maior obstáculo. — Lynnie suspirou. — Cayenne,
Maverick e papai serão ainda mais severos comigo depois do que aconteceu aqui esta
noite. Eles não entendem que é minha missão lutar pelos direitos das mulheres.
— Quando fiquei sabendo que Ace Durango, aquele homem tão bonito, ia levá-la
ao baile, cheguei a pensar que você pretendia deixar tudo e se casar.
— Casar com Ace Durango? — Lynnie deu uma sonora risada. — Aquele
jogador idiota, mulherengo e cabeçudo seria o último homem que uma mulher
independente haveria de querer para marido.
— Não é o que muitas garotas pensam. Conheço várias delas que dariam tudo
para ir ao baile com ele.
— Isso é porque não o conhecem. Ace é o mais egoísta, mais arrogante e o
mais indomado biltre de todo o Texas. Não consigo ficar perto dele durante cinco
minutos sem brigar, para ele as mulheres servem apenas para uma coisa.
Penny revirou os olhos e deu uma risadinha travessa.
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— Muitas garotas gostariam de ficar a sós com ele para descobrir que coisa é
essa.
— Penny! — Lynnie zangou-se. — Já vi que você não leva a sério nossa causa.
Não é uma feminista convicta.
— Sou, sim, srta. McBride. — Penélope segurou no braço de Lynnie. — Mas Ace
Durango é tão encantador! Toda garota do Texas é louca por ele.
— Bem, eu não tenho o menor interesse nele. E, se tivesse, o bruto me
desprezaria, pois só tem olhos para beldades, de preferência as cheias de curvas.
Sinceramente, Penélope, procuro um homem que admire minha inteligência, minha
sensibilidade.
— Você está certa! — Penélope olhou para a multidão que saía da escola,
inclusive Ace Durango com os pais. Os três reuniram-se a Maverick que estava de pé,
junto da carruagem.
— Veja, srta. McBride, seu cunhado e a família parecem furiosos. Acho melhor
você esquecer o comício em Dodge City.
— Tem razão. — Lynnie mordeu o lábio. — Reconheço que desta vez fui longe
demais.
— E Dodge City fica a alguns milhares de quilômetros daqui, srta. McBride. Se,
pelo menos, fosse possível ir de trem...
— Mas é possível ir de diligência. Não vou desistir.
— Amo você, professora, por ser determinada e persistente.
— Reconheço que fazer uma viagem tão longa de diligência é um desafio e
tanto.
— Lynnie, venha! Entre na carruagem! — Maverick chamou-a enérgico.
Lynnie despediu-se da aluna e amiga e reuniu-se aos Durango.
Os quatro conversavam perto da carruagem de Maverick. Mesmo à luz do luar
Lynnie notou que todos estavam sérios, inclusive Ace. Na verdade o demônio mal
conseguia disfarçar um sorriso.
— Ora, cale-se! — ela ordenou, mordaz.
— Eu não disse nada! — Ace defendeu-se.
— Mas estava pensando. — Lynnie voltou-se para Trace e Cimarron. —
Obrigada, tio Trace e tia Cimarron, por terem vindo de tão longe para me dar apoio.
Sinto muito se os fiz perder a viagem. Eu não queria causar tanto tumulto.
— Lynnie, onde quer que você vá há sempre confusão — Maverick desabafou.
— Não sei o que seu pai e Cayenne irão dizer.
— Pois eu sei perfeitamente que tipo de sermão terei de ouvir.
Trace cutucou o filho.
— Eu... lamento, Lynnie, por você ter perdido o emprego.
Ele lamentava coisa nenhuma, Lynnie pensou, mas procurou ser amável.
— Obrigada pela solidariedade. Encontrarei o que fazer, não se preocupe.
Maverick contou as crianças e verificou se estavam bem acomodadas na
carruagem, em seguida disse à cunhada em tom severo:
— Não sei o que vai ser de você, Lynnie. Já fez vinte anos, está solteira, não tem
perspectiva de arranjar um marido, perdeu o emprego e agora está com a reputação
arruinada.
— Já decidi meu futuro, Maverick. Até hoje usei apenas parte do meu tempo na
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cruzada pelos direitos das mulheres. Mas agora posso dedicar-me a essa nobre causa
em tempo integral.
— Oh... — todos murmuraram, desalentados.
Lynnie ignorou-os. Cimarron abraçou-a.
— Lynnie, não pudemos ajudá-la. Foi uma pena.
— Pelo menos vocês tentaram. Obrigada.
— No mês que vem, vou oferecer um grande churrasco em sua homenagem —
Cimarron avisou-a.
— É muito gentil de sua parte, tia Cimarron — Lynnie falou distraidamente.
Em sua cabeça já fervilhavam idéias para dar impulso à sua grande cruzada.
Poderia ter seu próprio jornal. Ou, quem sabe organizaria uma liga feminina e faria
piquete na frente do jornal da cidade.
— Maverick, pense no convite que lhe fiz e decida quanto antes se quer nos
acompanhar.
— Pode contar comigo. Será como nos velhos tempos — falou o irmão tomando
seu assento no banco alto da carruagem.
Lynnie arregaçou as saias para subir no veículo. Ace hesitou por um instante,
mas decidiu estender a mão para ajudá-la.
— Não preciso de ajuda! — Ela empurrou a mão dele.
— Eu só tentava agir como um cavalheiro.
— Um cavalheiro? — Lynnie repetiu com ar de desdém. — Todos sabem que
você só pensa em tirar a calcinha de uma mulher.
— Desde que essa mulher não seja você! — Ace retrucou, irritado.
Todos acenaram as mãos, despedindo-se e Maverick pegou as rédeas para
tocar os cavalos. Lynnie olhou para trás e viu os tios se acomodando na carruagem
deles. Teve a impressão de que Ace sorria como se estivesse contente porque ela
recebera o castigo merecido. Esquecendo as boas maneiras, mostrou-lhe a língua e
fez uma careta.
— Tomara que a sua cara fique paralisada desse jeito! — ele gritou.
— O que é isso? — Maverick perguntou.
Lynnie olhou para o cunhado, toda inocência.
— Não tenho a menor idéia. Você sabe que Ace Durango é um mal-educado.
Tenho pena da garota que cair na lábia dele!

Trace entrou na copa, pendurou o chapéu no cabide da parede e sentou-se à


mesa.
— Onde está a criada? E o café?
Cookie veio mancando da cozinha e colocou abruptamente o bule sobre a mesa.
— Você podia ir pegar o café na cozinha. Estou com um bolo no forno.
— O que aconteceu a Juanita? — Trace perguntou à esposa.
— Foi cuidar de uma outra prima que vai dar à luz. A criada a acompanhou —
Cimarron respondeu e voltou a atenção à lista que estava preparando.
— Vou despedir esse velho bastardo por ser tão atrevido, além de péssimo
cozinheiro.
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— Estou ouvindo! — Cookie gritou da cozinha.


— Trace, você sabe que seu pai rolaria no túmulo se você despedisse Cookie.
Ele está na fazenda desde que você era criança. Cookie foi cozinheiro das comitivas
durante anos e continua a cozinhar para os peões.
— Ele envenenou centenas de bons caubóis. — Trace virou a cabeça na direção
da cozinha. — Ouviu isso, velho?
Cookie pôs a cabeça para fora da cozinha.
— Se continuar gritando o bolo vai murchar.
— Pior do que está o bolo não fica.
— Ora, Trace, você está ferindo a sensibilidade do pobre homem.
— Sensibilidade é coisa que o velho não tem. — Trace tomou o café e sentiu um
arrepio. — Onde está nosso filho? Faz tempo que amanheceu.
— Seria bom se ninguém tivesse de se levantar tão cedo —-falou Ace entrando
na copa bocejando.
— Tão cedo? Estou de pé há mais de duas horas — o pai resmungou.
— O senhor sempre se levanta com as galinhas. Mas também, o senhor não
esteve jogando cartas quase a noite toda.
Trace ficou carrancudo e a esposa entrou no meio da conversa.
— Você ganhou, filho?
— Tirei dois mil de Willis Forrester.
Cookie apareceu à porta da cozinha novamente.
— Se quiser café, vem pegar. Será que os Durango não podem fazer nada?
— Papai, você tem de despedir esse velho bastardo — Ace reclamou e foi ao
aparador pegar uma xícara.
— Esqueça o velho, filho. — Trace sorriu, evidentemente mais bem humorado
porque mais uma vez um Durango levava a melhor sobre um Forrester.
Os Forrester tinham se estabelecido em Austin e não eram muito escrupulosos
quando se tratava de adquirir terras e dinheiro. Trace inclinou-se sobre a mesa e pediu
a Ace:
— Filho, preciso de sua ajuda. Pedro e eu temos de ir hoje ao sul buscar um
rebanho.
— Hoje? Está mais frio do que...
— Não complete a frase na frente de sua mãe. Eu sei que está frio. Levantei-me
antes do sol nascer.
— Ace, meu filho, você é, afinal, um criador de gado — Cimarron interveio. —
Não vai morrer se ajudar seu pai.
— Nosso filho não passa de um garoto rico e mimado. Só pensa em cartas,
mulheres e bebida.
— Papai, o senhor esqueceu de mencionar cavalos de raça bem velozes. — Ace
riu e gritou: — Ei, Cookie, estou morrendo de fome.
— Já vou! Estou indo! — O velho senhor apareceu na copa manquitolando,
tendo na mão um prato com bife e ovos. — Aqui está, menino enjoado. Se o velho dom
Diego fosse vivo, a esta hora estaria no campo com os filhos, marcando o gado ou
organizando uma comitiva.
—- E você estaria cozinhando para os nossos caubóis — completou Ace
piscando para o velho senhor. Cookie piscou de volta.
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Toda família gostava de Cookie, embora reconhecesse que ele era intratável e o
pior cozinheiro de toda aquela região de colinas. Quando Juanita se ausentava, Cookie
insistia em substituí-la e não queria ajudante, para desalento de todos da família e dos
empregados da casa.
Ace comeu com gosto os ovos queimados e o bife meio cru. Estava faminto e
muito feliz, pensando na grande quantia ganha na noite anterior. Iria gastar parte dela
na companhia da linda señorita que conhecera no saloon.
— Cookie, você falou há pouco sobre a organização de uma comitiva — disse
Trace. — Pois saiba que estou pensando em fazer uma viagem de despedida até o
Kansas levando uma grande boiada.
Ace quase engasgou.
— Papai, o senhor deve estar brincando. Eu não estou disposto a perder tempo
com um trabalho desses.
— Isso, pelo menos, o manteria fora da prisão e longe dos bares por algum
tempo — o pai falou, mordaz.
— Qual, patrão! Os jovens precisam cometer algumas diabruras — Cookie falou
em defesa de Ace. — O senhor também fez das suas antes de conhecer esta lady que
o domou.
Cimarron baixou a cabeça e disfarçou um sorriso que ao filho não passou
despercebido. Um dia, ele pensou, haveria de encontrar uma mulher com as
qualidades de sua mãe. Mas isso não precisava acontecer muito depressa. Por
enquanto, havia muitas garotas e mulheres ardentes com quem ele poderia beber,
dançar e se divertir. Ainda não estava preparado para ser laçado e marcado a ferro.
As palavras de Cimarron interromperam as divagações do filho.
— Já estou planejando o grande churrasco. Será uma festa à moda antiga aqui
do Texas.
— Nada melhor do que uma grande festa com muita carne, cerveja e garotas
bonitas — Ace aprovou a idéia.
— Você está mesmo disposta a oferecer esse churrasco? — indagou o marido.
— Claro. Cayenne já entrou em contato comigo. Ela pretende vir para cá com
toda a família.
— Tio Maverick, tia Cayenne e as crianças poderão vir nos visitar quando
quiserem. Eles não precisam esperar que haja uma festa.
— Sua tia e eu queremos fazer alguma coisa em homenagem a Lynnie.
— Nem mencione o nome dela perto de mim, mamãe — Ace pediu.
— Depois de se ver envolvida em tanta confusão por sua causa, filho, é Lynnie
quem não deve querer ouvir o seu nome — observou o pai.
— Então a culpa é minha? Foi ela quem me usou.
— Já ouvi muitas garotas dizerem o mesmo a seu respeito — acentuou a mãe.
— Vocês não acreditam em mim, não é mesmo? Pois saibam que Lynnie é
esperta, dissimulada e sorrateira como um coiote.
— Não fale assim. A pobrezinha perdeu o emprego — Cimarron falou,
penalizada.
— Tinha de perder mesmo, depois de provocar tamanho tumulto no baile do
governador.
— Está certo, Lynnie é boa de briga — Trace reconheceu. — Mas nós, os
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Durango, gostamos de mulheres decididas, valentes. Por isso me casei com sua mãe.
—- Pois eu quero distância de Lynnie McBride. Felizmente, ela não é do tipo que
está atrás de casamento. Também, já passou da idade...
— Ela tem apenas vinte anos. Se ainda não se casou é por ser exigente; ela não
se contenta com qualquer um. Quer escolher o melhor — Cimarron apontou.
— Exigentes são os homens. Quem escolheria para esposa uma mulher
obstinada, autoritária e magricela?
— Por que você não admite que não pode com ela? — o pai questionou.
— Parem com isso, vocês dois — Cimarron ordenou. — E saiba, meu filho, que
Lynnie também quer distância de você. Cayenne me disse que a irmã não se casaria
com você, nem que fosse o último homem do Texas.
O queixo de Ace caiu.
— Pois diga pra aquela antipática e insignificante que há dezenas de garotas
loucas por mim e pelo meu charme.
— Lynnie não pensa assim. O assunto está encerrado. Vou oferecer o churrasco
e convidar jovens de dois ou três condados. Cayenne e eu esperamos que Lynnie
arranje um namorado nessa festa.
— Se a finalidade do churrasco é essa, pode esquecer, mamãe. Todos os
rapazes já sabem quem é Lynnie McBride e estão a par do que ela aprontou no baile
em Austin.
— Deve haver no Texas um rapaz sensato que saiba dar valor às qualidades
dela.
— Qualidades...?
— Não discuta com sua mãe — Trace cortou. — De mais a mais, quando
Cimarron põe na cabeça que vai fazer uma coisa, ninguém a faz mudar de idéia.
Portanto, poupe seu tempo e seu fôlego.
— Isso é verdade — Cookie gritou da cozinha.
— Cookie, não é educado se intrometer em assunto de família.
— A família que eu conheço é esta, a Durango.
— É verdade, Cookie. E vou precisar de você e de Juanita para organizar o
grande churrasco.
— Quando será a festa?
— No fim de março, quando estará mais quente e as centáureas azuis estarão
florescendo. É uma época muito romântica.
— Hum! — Ace murmurou. — Será preciso muito mais do que centáureas para
inspirar algum incauto a ponto de fazê-lo se interessar por aquela solteirona teimosa.
— Ace, por favor! Eu só espero que você apresente seus amigos a Lynnie e
peça a eles que a convidem para dançar.
— Essa, não! Ainda estou em débito com meus amigos por causa do baile do
governador.
— Se você não pode contar com seus amigos, encarregue-se de fazer
companhia a Lynnie e de dançar com ela.
A idéia de passar horas e horas discutindo com a cansativa srta. McBride era
intolerável.
— Está certo, mamãe, você venceu. Ainda bem que a senhora não joga pôquer,
mamãe, pois seria uma adversária terrível.
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— Filho, é melhor enfrentar o estouro de uma boiada do que uma mulher


teimosa — Trace aconselhou. — Eu acho que o churrasco é uma grande idéia. Será
uma ótima oportunidade para trocar idéia com os criadores vizinhos sobre a viagem a
Dodge City. Agora, termine seu desjejum. Temos muito trabalho à nossa espera.
— Mas, papai, está um frio de congelar — Ace queixou-se, prestando atenção ao
vento cortante que assobiava lá fora.
— O exercício o aquecerá. Vamos! — ordenou o pai.
— Isso mesmo, patrão! — Cookie gritou da cozinha. — Quantas vezes o velho
dom Diego e eu conduzimos milhares de vacas com o tempo muito pior do que o de
hoje.
Vendo os dois homens da sua vida pegando os respectivos chapéus, Cimarron
sorriu. O marido estava certo em atribuir tarefas pesadas ao filho. Ace era mimado e
preguiçoso. Trace devia mesmo mandá-lo ao Kansas como condutor de um rebanho.
Isso iria torná-lo disciplinado, mais maduro e responsável. Quando voltasse dessa
longa viagem ele precisaria apenas de uma esposa ajuizada e honesta. Bem, dessa
parte ela cuidaria.

Capítulo VI

Fim de tarde de um sábado Março, 1885

Ace reuniu-se ao pai, encostou-se em um dos barris de cerveja, e ficou


observando o movimento no pátio e no extenso gramado dos fundos da casa. Dezenas
de homens bebiam e jogavam malha. Carruagens, carroças e troles, lotados de
convidados, subiam pelo longo e bem cuidado caminho de acesso ao rancho. Tio
Maverick acabara de chegar com a família e da carruagem estavam saindo as crianças
ruivas e barulhentas. Lynnie continuou sentada, esperando o cunhado reunir a
criançada. Usava um vestido verde de algodão, tinha os cabelos puxados para trás,
amarrados com uma fita e estava de óculos.
— Ali estão eles. Lembre-se do que sua mãe disse — Trace recomendou ao filho
e foi receber o irmão e a família.
— Como eu poderia esquecer? — Ace resmungou, acompanhando o pai.
Depois dos cumprimentos, Maverick levou a esposa e o bebê, Joey, para a casa.
Os filhos e as irmãs mais novas de Cayenne correram pelo gramado para brincar com
amiguinhos.
— Precisa de ajuda para descer? — Ace perguntou a Lynnie, esforçando-se para
mostrar-se amável.
Percebendo que ele não estava sóbrio e oscilava um pouco, Lynnie não perdeu
a chance de lhe dar uma resposta mordaz.
— Parece que é você quem precisa de ajuda. Mal consegue ficar em pé e cheira
como uma cervejaria.
Irritado, Ace ia dizer alguma coisa ofensiva, mas pensou melhor e ficou calado.
Não tinha a presença de espírito nem a língua ferina da professora e acabaria
perdendo aquela parada. Segurou-a pela cintura minúscula e colocou-a no chão. Seu
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perfume era delicioso e ele, não resistindo, inclinou-se para aspirar a agradável
fragrância.
— Quer parar de bufar em cima de mim? Está parecendo um cão farejador —
Lynnie zangou-se.
Se ele não fosse um cavalheiro teria o maior prazer de erguê-la e atirá-la na
fonte que havia no pátio. Também não queria saber de criar problemas com os pais e
os tios. Foi então que reparou no traje dela.
— O que deu em você, Lynnie, para usar esse vestido tão curto? Sua roupa
íntima está aparecendo!
— Você não entende de moda feminina. Sr. Durango, estou usando um conjunto
formado de um vestido curto sobre calça comprida, bem solta, amarrada nos
tornozelos. Este traje tem o nome de bloomers e foi criado há alguns anos pela
feminista e sufragista Amélia Bloomer, como protesto contra as roupas que tolhiam os
movimentos das mulheres.
— Então a srta. Amélia protestava mostrando a calcinha?
— Praga! Não sei por que perco meu tempo lhe dando explicações.
Ela olhou ao redor. O churrasco ia ser um grande acontecimento e já havia
centenas de pessoas ao redor da fonte e do barril de cerveja colocado junto do muro
de pedras. Parecia que todos tinham feito uma pausa e decidido encará-la. Sem
dúvida, a notícia do escândalo que ela havia causado se espalhara pelos condados
vizinhos. Bem, ela não ligava a mínima para o que pensavam ou diziam a seu respeito.
Sua luta pelos direitos das mulheres era o que importava.
— Lynnie! Você pode trazer as tortas? — Cayenne gritou para a irmã antes de
entrar na casa.
— Claro. Já vou.
A grande cesta estava na parte de trás da carruagem e Lynnie decidiu carregá-la
sozinha. Não confiava naquele bêbado.
— Deixe-me ajudá-la. — Ace ficou na frente dela, impedindo-lhe a passagem.
Oh, ela até se esquecera de que o bruto tinha aquela altura e ombros tão largos.
Mas lembrava-se muito bem de sua arrogância e convencimento; como se ele fosse
um presente de Deus para as mulheres.
— Não, obrigada. Você está bêbado e pode derrubar a cesta.
— Bêbado? — Ace piscou para Lynnie. — Bêbado eu vou ficar à noite, no final
da festa.
Ela olhou para aquele debochado, tentada a jogar o bolo de coco na cara dele.
Considerou que seria uma pena desperdiçar um bolo delicioso no qual havia
trabalhado durante horas.
— Hum, torta ruibarbo! A minha favorita! — Ace exclamou, olhando o que havia
na cesta.
— Ah, é mesmo? Se eu soubesse disso teria feito torta de maçã.
— Também adoro torta de maçã — ele deu um sorriso provocativo.
— Me deixe em paz! — Ela virou-se e caminhou na direção da cozinha.
Com suas largas passadas, Ace logo a alcançou.
— Meu pai recomendou-me que a ajudasse. Espero que você não arranje
encrenca pro meu lado.
— Você arranja encrenca sozinho.
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— Por favor, me dê a cesta. — Ace tirou a cesta da mão dela. — Nunca imaginei
que você soubesse cozinhar. Essa torta de ruibarbo deve estar uma delícia.
— Você não sabe muita coisa a meu respeito, Ace Durango.
— Por Deus, Lynnie, você é a criatura mais intratável que eu conheço. Veja,
todas as outras garotas estão sorrindo e sendo gentis.
— As idiotas querem chamar sua atenção. Tudo o que elas querem da vida é
arranjar um marido.
— E você não quer?
— Tenho grandes planos para o futuro. Não quero passar a vida cuidando da
casa, cozinhando, lavando e passando para algum porco como você.
— Lynnie, você sabe ferir um homem!
Ela ignorou-o e entrou na cozinha. Cimarron desviou a atenção da enorme
travessa de ovos apimentados que preparava e sorriu para Lynnie.
— Alô, querida. Vejo que Ace a está ajudando. Não se esqueça de lhe reservar
uma dança esta noite.
— Duvido que algum rapaz queira dançar comigo, tia Cimarron.
— Não diga isso. Tenho certeza de que todos os amigos de Ace irão pedir-lhe
que lhes reserve pelo menos uma dança, não é mesmo, filho?
— S-sim... mamãe. — Ace deixou a cesta na cozinha e saiu dali o mais depressa
possível.
"Senhor, se eu não arranjar alguns dos hombres para dançar com Lynnie, ficarei
preso a ela a noite toda", ele pensou.
E havia na festa dezenas de lindas moças para ele escolher. Bastava ele se
lembrar dos amigos e conhecidos que lhe deviam algum favor e o assunto "Lynnie"
estaria resolvido.
Na cozinha, Lynnie não ficou parada. Ajudou a fazer sanduíches, a arrumar os
pratos e travessas com picles, molhos apimentados, salada de batata, feijão assado e
condimentado.
— Já chega, Lynnie — Cimarron protestou. — Deixe esta tarefa para as
senhoras casadas e vá reunir-se aos jovens. Ah, eu convidei o pessoal da sua escola.
Espero que você não se importe. Já se passaram tantos dias; eles devem estar mais
calmos e talvez reconsiderem.
— Duvido, tia Cimarron.
— Hum, só agora eu reparei no seu conjunto — Cimarron observou, franzindo a
testa.
— Estou usando bloomers. Este tipo de traje foi criado há bastante tempo, mas
aqui no Texas ainda é novidade — Lynnie explicou. — Bem, vou ver se encontro minha
amiga, Penélope.
Ela não queria deixar a segurança da cozinha. Sabia que lá fora os comentários
sobre ela corriam soltos. Apesar de sua aparente indiferença, ficava magoada. No
fundo, era tímida e usava sua agressividade como forma de defesa. Chegando ao
pátio, olhou ao redor. Havia grupos de pessoas por toda parte. Umas estavam
sentadas sobre mantas estendidas no gramado, outras conversavam, quase todas
bebiam cerveja ou refresco, crianças brincavam. Lynnie contornou a casa e deu de
encontro com Ace. Ele cheirava a cerveja e a abraçou, beijou-a no pescoço sem ao
menos olhar de quem se tratava.
— Olá, doçura, que perfume agradável!
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 56

— Ace Durango, você perdeu o juízo? — Lynnie esbofeteou-o.


Ele deu dois passos cambaleantes para trás e esfregou o rosto.
— Acho que perdi por um momento.
Ele franziu as sobrancelhas e piscou algumas vezes para poder enxergar a
pessoa à sua frente. O belo rosto ganhara uma expressão tão engraçada que Lynnie
teve vontade de rir. Ela só não saberia dizer se aquela expressão era de raiva ou
desapontamento.
— Por quem você me tomou, Ace Durango? Por uma das prostitutas com quem
você se diverte nos saloons?
Ace endireitou-se.
— Pois eu vou provar que mulheres respeitáveis também gostam de mim.
— Aí está uma coisa difícil de acreditar. E, se me der licença...
Ele agarrou o braço dela.
— Você é a única garota que não me acha encantador.
— Vaqueiros bêbados não fazem o meu tipo. Prefiro cavalheiros inteligentes e
responsáveis. E, por favor, solte meu braço.
— Você acha que eu não sou inteligente? — Agora a expressão de Ace era de
desgosto.
— Se você fosse inteligente teria outro comportamento e melhores companhias.
— Melhores do que a pessoa com quem fui para a prisão, em Austin?
— Não se mostre tão indignado. Você já esteve em metade das cadeias desde
Austin até a Cidade do México. Adeus, sr. Durango.
Lynnie puxou o braço que Ace segurava e afastou-se. Não queria ser mais uma
das muitas conquistas dele. Quando pensasse em se casar, escolheria para marido um
cavalheiro civilizado, culto, conhecedor da obra de Shakespeare, e que acreditasse na
luta das mulheres pelos seus direitos. Encontrou-se com Penélope e as duas ficaram
observando os casais andando ao redor da fonte.
Penélope suspirou.
— Espero que Hank Dale apareça para o baile. A banda mexicana é muito boa.
Com quem você quer dançar?
— Com ninguém. Dos homens quero distância. Perto deles perdemos nossa
concentração e descuidamos da luta pelos direitos das mulheres. Além disso, os
homens só querem uma coisa de nós e isso nada tem a ver com o direito de votar.
Os grandes olhos escuros de Penélope fixaram-se em Lynnie.
— Srta. McBride, você já foi beijada alguma vez?
— Pode me chamar de Lynnie, uma vez que não sou mais sua professora.
Quanto à pergunta, nunca experimentei um beijo do tipo ao qual você se refere. E acho
que não perdi grande coisa.
Acabando de falar, ela franziu a testa ao ver Ace Durango rindo, cercado de
garotas tolas que davam risadinhas e tagarelavam, excitadas como um bando de
pássaros.
— Se você nunca foi beijada, como pode saber que não perdeu grande coisa? —
foi a pergunta lógica de Penélope, que também observava as garotas ao redor do alto
e musculoso caubói.
-— Imagino que o beijo não seja uma coisa agradável nem higiênica. Receber
um beijo deve causar a sensação de ter sido lambida por um cachorro.
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— Hum! — Penélope fez uma careta. — Olhe para Emma-Lou Purdy! Veja como
ela se aproxima de Ace. Parece até que não vê a hora de ser beijada.
— Emma-Lou Purdy é uma idiota. Não tem cérebro nem juízo. E Ace Durango é
mais idiota ainda porque se derrete com os olhares dela e suas risadinhas tolas.
Por alguma razão que ela não entendeu, o fato de Emma-Lou estar tão perto de
Ace deixou-a irritada. Vieram-lhe à lembrança os momentos que havia passado nos
braços dele. O homem era, sem dúvida, um libertino, mas não podia negar que ele lhe
transmitia segurança.
Penélope interrompeu-lhe o devaneio.
— Não estou muito certa de que os homens têm alguma atração pelo cérebro de
uma mulher. Tudo indica que o interesse deles é por outra coisa.
— Isso demonstra que eles não são inteligentes. Enquanto perdem tempo
namorando e beijando tolinhas como Emma-Lou, nós avançamos na nossa luta pelos
direitos das mulheres.
— Sim... mas parece que ser beijada é bom demais.
— Penélope, o que está dizendo? Você não pode abandonar a nossa causa —
Lynnie advertiu a garota. — Temos de lutar com todas as nossas forças. Se
vacilarmos, sucumbiremos aos desejos de algum bruto e acabaremos à beira de um
forno quente preparando dúzias de tortas de ruibarbo.
— Tortas de ruibarbo?
— São as favoritas daquele ali. — Lynnie fez um movimento com a cabeça
indicando Ace. — Outra coisa que você deve saber é que, quando der por si, estará
com a casa cheia de bebês.
— Bebês? Só por assar tortas de ruibarbo?
Ou a garota estava se fazendo de tola ou era mesmo inocente.
— Eu quis dizer que os beijos acabam levando aos bebês.
— Ah, os bebês são maravilhosos. Eu gostaria de ter alguns, e você?
Por um segundo Lynnie imaginou-se com um bebê nos braços. Ele teria um
sorriso cativante e cabelos bem escuros. Oh, devia estar ficando maluca.
— Não... não penso em nenhum homem com quem eu gostaria de... ficar... Bem,
você sabe... para ter um bebê.
— Eu não tenho nem idéia do que é preciso fazer para ganhar um bebê.
Lynnie pensou em Ace, aquele grandalhão imprestável, e tentou imaginá-lo sem
roupas. A partir daí a mente criou asas; os lábios dele tocavam-lhe o rosto, a
garganta... Ela sentiu o rosto queimar de rubor.
— Srta. Lynnie, você tomou muito sol? Está vermelha como um pimentão.
— Não, Penélope. — Ela olhou para Emma-Lou Purdy, que estava segurando no
braço de Ace. — Veja aqueles dois. Riem como um casal de hienas loucas.
— Se ele chegar mais perto de Emma-Lou terá de enfrentar o irmão dela.
— Nelbert Purdy? — Lynnie falou com desdém. — Ora, Ace Durango é capaz de
acabar com ele e com todos que estão aqui fora.
— É emocionante ver um homem lutar para defender sua honra, não é mesmo?
— Penélope suspirou.
— Oh, Penny, você jamais será uma mulher moderna se continuar com essas
idéias. — De repente Lynnie sentiu um nó no estômago; o belo caubói estava adulando
as tolas risonhas. — Bem que eles poderiam servir a comida. Estou cansada de ficar
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aqui olhando para aquele grupo de idiotas.


— Podemos assistir ao jogo de croque que está havendo no lado sul do gramado
— Penélope sugeriu.
— Croque? Esse é um jogo sem graça, para mulheres melindrosas.
— Então é melhor ficarmos por aqui. Do outro lado os homens estão jogando
malha ou ao redor do barril se encharcando de cerveja.
Mal Penélope acabou de falar, o gongo soou e a velha cozinheira apareceu no
pátio.
— Cheguem-se às mesas, pessoal! Há churrasco de boi e de porco à vontade!
— Vamos Penélope. Temos de ajudar a servir os convidados.
Durante uma hora Lynnie esqueceu o detestável Ace Durango e a luta pelos
direitos das mulheres. Concentrou-se em servir a comida e ignorou os olhares curiosos
que lhe dirigiam por causa de seu traje. Muitas pessoas a encaravam como se
estivessem pensando: "Então essa moça causou um tumulto e foi parar na prisão". E,
talvez ela tivesse ido longe demais, admitiu.
Continuou a servir churrasco, chá gelado e limonada. Ace Durango fez de conta
que não a conhecia. Estava cercado de moças bonitas, filhas de fazendeiros vizinhos,
e todas elas disputavam entre si a honra de levar para ele o prato de comida.
"Francamente, nunca vi escravas tão tolas e risonhas como essas", Lynnie
pensou.
Emma-Lou Purdy, evidentemente a vencedora, aproximou-se da mesa, toda
sorrisos e afetação.
— Encha o prato, Lynnie; Ace está faminto.
— Com prazer — Lynnie também sorriu.
Aproveitou o momento em que a pedante Emma-Lou se virou para o caubói
bêbado e colocou sobre a comida, especialmente sobre a torta de ruibarbo, um
exagero de molho de pimenta. Emma-Lou pegou o prato e afastou-se rebolando de
modo indecente.
— Por que ela não rebola com o traseiro virado para ele? — Lynnie sussurrou
para Penélope.
A garota observou a beldade de seios grandes entregando o prato ao sorridente
Ace.
— Acho que ele não está interessado no traseiro, mas sim no volumoso dianteiro
— Penélope criticou.
— Já chega, Penélope. Vamos nos servir antes que esses glutões acabem com
a comida — disse Lynnie, os olhos fixos em Ace.
Ao ver o caubói engolindo o que tinha no prato, sem reclamar, pensou, maldosa:
"Tomara que tenha dor de barriga".
Ace, no entanto, não demonstrou estar sentindo algum mal-estar. Pelo contrário,
parecia feliz com seu harém. Isso foi deixando Lynnie cada vez mais irritada. Será que
ele não tinha um mínimo de discernimento para perceber o ridículo da situação?
Quando ele foi até a mesa para pedir mais um pedaço da torta de ruibarbo, Lynnie não
se conteve.
— Se você pensa que aquelas garotas realmente o admiram e o consideram o
máximo, está enganado.
— Ah, estou, é? — Ace riu. Parecia estar tendo dificuldade de focalizar as
pessoas.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 59

— Claro, seu imbecil. Não vê que elas querem apenas se exibir e agradá-lo? O
sonho de cada uma é tornar-se a sra. Ace Durango. — Lynnie cortou um bom pedaço
de torta. Só não o encheu de molho de pimenta porque Ace estava olhando.
— Sabe, Lynnie, você é mais incômoda do que uma sela com calombo, mas pelo
menos é honesta comigo. — Ele provou a torta. — Hum, você sabe cozinhar. Mas o
pedaço que você me mandou anteriormente estava ainda melhor.
Ela ia contar sobre o molho apimentado, mas achou melhor guardar segredo.
— Você está tão bêbado, como pode saber a diferença entre o outro pedaço e
este?
— Será que você tem de estar sempre brigando?
— Isto não é uma briga. Estamos apenas conversando.
— Ah...
— Eu o vi com Emma-Lou, perto da fonte. Ela quase se debruçava sobre você.
— Que garota! Ela não sabe cozinhar, mas tem outras coisas capazes de deixar
um homem louco.
Lynnie ficou vermelha.
— Ace Durango, você não é um cavalheiro.
— Nem faço questão de ser, srta. Não-me-toques. Sou um homem, com pelos
no peito e bárbaro; o tipo que a maioria das mulheres adora.
-— Um bruto! Tipo que tem prazer de humilhar as mulheres e vê-las submissas.
— Olhe quem fala! — Ace inclinou a cabeça para trás e riu. —- Lynnie McBride,
você é a mulher mais obstinada, mais autoritária...
— Ora, pare com isso! Se a sua mãe souber...
— Ah, você pretende correr até ela para me enredar? Quer me envolver em
encrenca de novo?
— Eu já disse e repito: você sabe arranjar encrenca sozinho. E agora, é melhor
se apressar; seu harém está esperando.
Ele piscou para ela, sorriu e voltou para junto das garotas que o aguardavam,
impacientes, à sombra da alta sebe de espirradeiras floridas.
"Vá para o inferno, Ace Durango! Que se dane!", Lynnie pensou.
No mesmo instante lhe ocorreu que as espirradeiras eram venenosas. Pena não
se lembrar disso antes. Se tivesse lembrado, seria bem capaz de pôr na comida dele,
em vez de molho de pimenta, leite da planta, bem como pedacinhos das folhas e flores.
Depois de todos terem sido servidos, Lynnie fez seu prato e foi para a cozinha
onde poderia apreciar sossegada a comida deliciosa. O churrasco estava macio e
suculento, o pão quentinho, com farta camada de manteiga fresca, estava crocante.
Quando quis comer um pedaço de torta de ruibarbo, a cozinheira informou que Ace
tinha pegado a última fatia. Ela desejou que ele engasgasse.
A noite desceu sobre a região das colinas ondulantes do Texas. Lynnie saiu para
o pátio. No tablado, a banda mexicana preparava-se para o baile. A caminho da fonte,
Lynnie acenou com a cabeça para algumas pessoas, sorriu para outras, mas várias ou
fingiram não vê-la, ou se calaram quando ela se aproximou e continuaram a conversa
depois que ela havia passado. Não foi difícil entender que falavam dela. Pela milésima
vez desejou ter ficado em casa. Bem, pelo menos poderia ter usado outro traje.
Assim que a viu, Penélope foi ao encontro dela.
— Será que Hank virá para o baile?
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— Você sabe o que eu penso, Penny. Podemos nos divertir muito mais sem os
homens.
— Mas eu queria tanto dançar com Hank.
— Por falar em homens, onde eles estão? Há poucos deste lado.
— A maioria está em volta do barril de cerveja. Também sei que um grupo
reuniu-se na biblioteca com dom Diego para fumar charutos, falar de negócios e de
política. Há pouco vi Ace indo para lá.
— Política? — Lynnie repetiu com entusiasmo. — Isso me parece bem mais
interessante do que ficar aqui esperando que nos tirem para dançar.
— Oh, Hank Dale acaba de chegar a cavalo! — Mal terminou a sentença,
Penélope saiu correndo ao encontro do jovem rancheiro.
Ao ver a namorada o rosto dele iluminou-se. Lynnie sentiu-se completamente só.
Sabia que ninguém iria convidá-la para dançar. Mas isso não a aborrecia. Tinha
consciência de suas limitações naquele departamento. De mais a mais, não queria ficar
discutindo com algum idiota, tampouco conversando sobre futilidades.
Política. Ela entrou na casa e foi para a biblioteca. A porta estava aberta, o ar
impregnado de fumaça de charuto, o que a deixou sufocada, mas levou a mão à boca
para não tossir. Ela ouviu dom Diego dizer:
— É claro que o preço da carne vai depender do tempo. Precisamos de chuva
para ter boas pastagens.
— Trace, você está mesmo decidido a organizar uma comitiva, como nos velhos
tempos? — Maverick perguntou.
— Sim, mano, e conto com você.
— Por Deus, papai, desista disso — Ace pediu. — Será uma viagem miserável.
— Engana-se, rapaz — discordou um fazendeiro. — Fazer parte de uma
comitiva é embarcar numa aventura excitante.
— Ouvi dizer que Willis Forrester ficou sabendo dos seus planos, Trace, e
também resolveu formar um grupo para conduzir uma grande boiada — comentou
outro fazendeiro.
— Forrester é assim mesmo. Não tem idéias próprias — Trace apontou com
pouco caso. — Eu soube que ele anda muito ligado ao governador.
Cada vez mais interessada no assunto, Lynnie, que estava perto da porta, foi
discretamente para o fundo da biblioteca. Ao passar pelo criado mexicano que servia
bebida, tirou da bandeja um copo de uísque. Nunca havia tomado bebida forte, mas
estava se sentindo corajosa e agitada.
— Ele está certo. O governador é um homem inteligente, com idéias brilhantes
— opinou o jovem proprietário,de um rancho.
Lynnie não se conteve e falou bem alto:
— O governador é um idiota!
Todos os homens olharam para ela. Até o momento não tinham notado sua
presença. Reinaram na biblioteca alguns segundos de silêncio. Em seguida dom Diego
dirigiu-se a Lynnie:
— Senhorita, jovens educadas não costumam...
— Não costumam reunir-se com os homens para participar de uma conversa
interessante? Não é o que o senhor ia dizer, tio Trace? Por favor, quero outro uísque.
O criado mexicano serviu-a. Trace fez sinal para o filho que se levantou e foi até
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Lynnie.
—Esta bebida é forte demais para uma lady — ele advertiu-a.
— É a que todos estão bebendo — ela replicou. — Mas eu gostaria de continuar
a conversa sobre o governador. Quero saber qual a posição dele no que diz respeito à
causa pelos direitos das mulheres.
Ninguém disse uma palavra. Certamente não tinham argumentos, o que era uma
pena, pois ela entendia de política e da história do Texas muito mais do que a maioria
dos homens. No entanto, os que estavam ali reunidos esperavam que ela saísse e se
juntasse às senhoras para conversar sobre crianças e toalhinhas de crochê.
— Eu... quero tomar outro uísque — ela pediu, apesar de já sentir o estômago
revirando.
Como, em nome de Deus, os homens tomavam aquela coisa horrível? Esperou
que o jovem criado não a servisse. Ledo engano. O rapaz mexicano olhou para Ace,
que fez um aceno com a cabeça.
— Se a srta. McBride quer se comportar como homem, sirva-lhe outro uísque. —
Ace sorriu para ela. — E charuto? Gostaria de fumar um, senhorita?
— Charuto? — Todos os homens estavam olhando para ela, inclusive o
cunhado, que demonstrava seu descontentamento. — Eu... sim, claro. Costumo fumar
charutos.
— É mesmo? — Ace tirou um charuto do bolso e entregou-o a Lynnie.
Ela não soube o que fazer em seguida. E todos continuavam com os olhos fixos
nela. Bem, não tinha saída. Dom Diego parecia querer protestar, mas não se
manifestou.
— Eu... vou guardar o charuto para mais tarde. Lembrei-me de que não tenho
fósforos — alegou procurando mostrar-se altiva.
— Permita-me, srta. McBride. — Ace curvou-se com exagero diante dela e tirou
do bolso do paletó uma caixa de fósforos prateada.
Lembrando-se do que os homens faziam antes de fumar um charuto, ela aspirou
o aroma do tabaco, e, com alguma dificuldade, arrancou a ponta do charuto com uma
mordida. O tempo todo Ace a observou em silêncio, segurando a danada caixa de
fósforos, esperando que ela levasse o charuto à boca para ele acendê-lo.
Evidentemente, estava achando aquilo muito divertido.
Lynnie deu a primeira baforada tentando corajosamente não tossir.
— Aceita outro uísque, srta. McBride?
— Não, obrigada — ela conseguiu dizer, quase sufocada com a fumaça ao seu
redor.
Por que os homens gostavam de coisas tão repulsivas? A droga do charuto tinha
gosto de feno queimado. Não, muito pior. De esterco queimado. Agora os olhares fixos
nela eram de desaprovação. O problema era que não sabia como sair daquela situação
com dignidade. Portanto, deu outra baforada e tentou falar em tom casual:
— Cavalheiros, podem continuar a conversa. Creio que ouvi alguém me
chamando.
Ela sentia náuseas. Saiu da biblioteca e seguiu pelo corredor quase
cambaleando, ansiosa para respirar o ar fresco da noite. Assim que se viu lá fora,
atirou longe o charuto, contornou a casa para fugir das centenas de pessoas reunidas
ao redor do tablado onde estava havendo o baile, e encostou-se na parede.
Ace não tardou a aparecer diante dela. Parecia mais sóbrio à luz da lua.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 62

— Lynnie, você está bem? Seu rosto está mais verde e mais estranho do que
esta sua roupa.
— Droga! Por que eu não estaria bem? Posso fazer qualquer coisa que um
homem faz.
— Então, tudo bem.
Ele ia afastar-se, mas naquele instante Lynnie sentiu uma forte ânsia e lançou o
que tinha no estômago sobre as botas de Ace.
— Mas que inferno! Minhas melhores botas! Garotas não deviam experimentar
bebida forte nem charutos. — Aproximando-se de Lynnie, abraçou-a para não deixá-la
cair.
— Vá embora! — ela falou em tom lamentoso. — Deixe que eu morra sozinha.
Não acha que já me humilhou demais?
Ace desapareceu. Voltou em poucos minutos com um balde de água fria e
começou a passar um lenço molhado no rosto dela.
— Logo estará bem, sua pequena orgulhosa e afetada.
— Não preciso de sua ajuda.
— Precisa, sim. Vamos, tome um pouco d'água e faça um bochecho. — A voz
dele soou quase gentil ao entregar uma caneca a Lynnie. — Enquanto isso, cuido das
minhas botas.
A água fria acalmou um pouco o estômago de Lynnie.
— Sinto muito, eu não devia tê-la exposto daquele jeito — Ace desculpou-se
assim que ficou de pé. — Agora, deixe-me levá-la para dentro.
Antes de ouvir um protesto, ele ergueu-a nos braços.
— Eu o odeio! — Lynnie murmurou. Sentia vontade de chorar. — Você é um
bruto, um machista desprezível...
— Por que você não tenta se comportar como uma lady? — Ace interrompeu-a.
— Se tivesse modos, não se envolveria em tanta confusão.
— Vá embora! Me deixe!
— Oh, quietinha, Lynnie! Só estou tentando ajudar.
— Não preciso da sua ajuda — ela gemeu.
— Eu sei que precisa.
Ace carregou-a para dentro da casa sob os olhares curiosos de todos que
encontraram pelo caminho.
— Você está me deixando constrangida.
— Garota, você está constrangida, e eu? Pode apostar que terei problemas com
meu pai por ter-lhe dado aquele charuto.
— Eu só queria conversar sobre política — ela murmurou com voz débil.
Continuava sentindo náuseas.
— Eu sei disso, mas os homens ainda não estão acostumados com mulheres
teimosas, autoritárias e afetadas.
Ace subiu a escada e levou Lynnie para um dos quartos.
— O quê? Você acha que eu sou tudo isso?
— Acho. Você é a garota mais obstinada, mais mandona, mais pedante que eu
conheço. E também é exibida e encrenqueira!
Assim dizendo, ele jogou-a na cama sem cerimônia e saiu do quarto, deixando-a
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entregue à sua tristeza.

Capítulo VII

Lynnie olhou para o grande caubói que se afastava meio cambaleante e saía do
quarto. Em seguida ouviu-o descer pesadamente a escada. Poderia sofrer humilhação
pior do que aquela? Levantou-se da cama, foi até o lavatório, despejou água na bacia
de porcelana e lavou o rosto. Chegou até ela o som de risadas e da alegre música
tocada pela banda.
Ocorreu-lhe que muitas pessoas tinham visto Ace carregando-a para cima. Será
que todos estavam pensando que eles dois...? Que ela e aquele depravado... Não!
Não! Impossível! Mas por que se aborrecer com isso? Pouco se importava com o que
os outros pensavam a seu respeito. Cayenne, sim, preocupava-se com os comentários
que as pessoas podiam fazer. Bem, Lynnie refletiu, era melhor não envergonhar a irmã.
Também devia dar bom exemplo para Penélope e as garotas que tinham sido suas
alunas.
Voltou para a cama e ficou deitada até sentir a cabeça parar de rodar. Então se
arrumou como foi possível, desceu a escada e foi para o pátio.
A festa estava muito animada. Os pares dançavam, havia muitas pessoas ao
redor do tablado ouvindo a banda ou passeando pelo gramado. À luz das lanternas
chinesas Lynnie viu Emma-Lou Purdy abraçada ao pescoço de Ace, rindo como uma
hiena.
Naquele mesmo instante Nelbert Purdy apontou no outro lado do pátio. Lynnie ia
dar um grito para avisar Ace, mas ficou calada. Queria ver o grandalhão imbecil ter o
que merecia. Nelbert atravessou o gramado como uma locomotiva a pleno vapor, e
agarrou o braço de Ace, fazendo-o virar-se e encará-lo.
— Como você ousa abusar de minha irmãzinha inocente?
— Inocente? Ela estava me beijando — Ace defendeu-se. — Eu...
— Nelbert, ele estava mesmo se aproveitando de mim — Emma-Lou declarou,
amuada. — Mas eu sei, mano, que as intenções dele são as melhores.
— São?! — Ace abanou a cabeça e piscou algumas vezes. Evidentemente, tinha
voltado ao barril de cerveja antes do encontro com Emma-Lou.
— Espero que esteja pensando em se casar com a doce Emma-Lou — Nelbert
Purdy falou, indignado. — Casamento, ou terei de exigir uma satisfação.
Nelbert devia estar muito bêbado para fazer um desafio daqueles, Lynnie
pensou. Ele era mais velho e bem mais baixo do que Ace, conhecido como briguento e
invencível numa luta.
— Casamento?! — Ace empalideceu. — Não estou pensando em casamento,
coisa nenhuma.
Emma-Lou começou a chorar, mas o choro soou falso. Várias pessoas se
aproximaram dos três e algum bêbado gritou:
— Luta! Luta!
Não foi preciso mais do que isso para atrair a multidão que formou um círculo ao
redor de Ace e Nelbert. Para os caubóis texanos, além de bebida, mulheres levianas e
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cavalos, nada melhor do que uma boa briga para diverti-los.


— Ora, Nelbert, eu não estava fazendo nada — Ace sorriu bem-humorado.
— Mas estava pensando em safadezas.
— Eu seria um grande mentiroso se dissesse que não estava — Ace admitiu
com um sorriso malandro, ao mesmo tempo em que tentava focalizar o oponente.
Nelbert, claro, atingido em sua honra, deu um murro em Ace, atirando-o na
mureta da fonte. A multidão começou a gritar encorajando os dois a continuarem a luta.
Sempre disposto a exercitar os músculos, Ace não se fez de rogado. Limpou o sangue
da boca e avançou em Nelbert. Os dois se atracaram e trocaram murros, animados
pelos gritos dos homens que os cercavam. Vendo o irmão apanhar, Emma-Lou
começou a dar socos nas costas e na cabeça de Ace, gritando:
— Como você ousa bater no meu irmão? Aproveite, Nelbert, dê uma surra nele!
Aquela não era uma luta justa, Lynnie pensou. Ace estava em desvantagem
tendo de se defender dos tapas e socos de Emma-Lou e de lutar com Nelbert Purdy.
Ainda mais estando bêbado. Era do feitio de Lynnie ir sempre em defesa dos
oprimidos, por isso, tratou de ajudar Ace. Agarrou os longos cabelos da garota de seios
grandes e puxou-a para trás. Agora eram quatro lutando e gritando ao redor da fonte.
— Me solte, solteirona ridícula! — Emma-Lou gritou, arranhando Lynnie e dando-
lhe tapas.
Mas Lynnie sabia como lidar com alunas daquele tamanho e empurrou Emma-
Lou com força. Infelizmente, a garota puxou a saia dela, fazendo com que ela perdesse
o equilíbrio; e ambas caíram na fonte. Droga, a água estava gelada! Com essa
brincadeira acabaram encharcadas, ofegantes e tossindo. Como se não bastasse,
tinham a roupa colada ao corpo, modelando-o de maneira escandalosa.
Livre de Emma-Lou, Ace deu um murro em Nelbert; em seguida os dois se
atracaram e também caíram na fonte. Não demorou muito, Trace apareceu correndo e
abrindo caminho entre a multidão. Maverick vinha logo atrás dele.
— O que está havendo aqui? — indagou Trace.
Em resposta Ace esmurrou Nelbert mais uma vez. Ele caiu para trás com tal
violência que espirrou água em todos os que estavam ali perto.
— Seu filho arruinou minha honra e não quer se casar comigo — queixou-se
Emma-Lou.
— O que está dizendo, Emma-Lou? Todos sabem que a sua família está louca
para que você se case com um homem rico. Os Purdy querem dar o golpe do baú —
disse Lynnie.
Ela bateu em Emma-Lou mais uma vez e a garota começou a choramingar.
— Oh, o meu vestido. Você estragou meu vestido.
— Pare de chorar. Eu não a machuquei.
Cimarron e Cayenne acabavam de sair da casa e vinham andando na direção da
fonte. Trace e Maverick entraram na água e separaram os dois pares de briguentos.
— Acabou o espetáculo! — Trace gritou. Em seguida disse as palavras mágicas:
— Há mais comida para todos e outro barril de cerveja!
A multidão deu vivas e foi aos poucos se dispersando. Um caubói bêbado
afastou-se dizendo:
— Muita cerveja e uma boa luta! Pode haver vida melhor?
De pé, na fonte, Lynnie encarou com a cabeça erguida Cimarron e Cayenne que
a fitavam, horrorizadas. Com a ajuda de amigos os irmãos Purdy também saíram da
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água. O pequenino Tequila correu latindo para Nelbert e enterrou os dentinhos afiados
na perna dele.
— Maldição! — ele praguejou. — Até o vira-lata Durango é perigoso! Eu só quis
proteger a honra de minha irmã.
— É isso mesmo. Pensei que as intenções de Ace fossem sérias — Emma-Lou
queixou-se.
— Quem conhece Ace sabe que ele não leva nada a sério — Lynnie retrucou. —
E Ace não pode ter feito nada com você porque estava lá em cima, no quarto, comigo.
Houve um murmúrio e todos os olhares passaram da figura magricela para a da
garota curvilínea. O que Lynnie acabara de dizer não devia ser verdade.
A expressão de Ace era de incredulidade. Compreendendo o sacrifício dela,
sorriu e ofereceu-lhe a mão.
— Posso ajudá-la a sair da fonte, Lynnie?
Tarde demais ela teve consciência do erro que cometera. Oh, Deus, aquela
gente poderia pensar que ela, de fato... E com um bruto como Ace Durango. Os
comentários iriam correr soltos e sua reputação estaria arruinada.
— Não, obrigada — ela agradeceu.
No mesmo instante arrependeu-se de ter recusado a ajuda, pois Emma-Lou
começou a se lamuriar.
— Emma-Lou, ele não vai casar com você. Portanto, pare de miar como um gato
que prendeu o rabo debaixo de uma cadeira de balanço.
— Vocês, Durango, se julgam superiores e poderosos! — Nelbert falou por entre
os dentes, dirigindo-se a Ace. — Acham que são bons demais para se unir a pessoas
comuns...
— Vamos, Nelbert, está tudo bem — Trace interveio. — Sirva-se de churrasco e
tome mais um drinque.
— Seu filho é um depravado, no entanto, você acha que ele é bom demais para
se casar com minha pobre irmã, tão inocente — Nelbert continuou.
Lynnie teve vontade de dizer que Emma-Lou nada tinha de inocente. Todos no
condado sabiam que ela namorava desde os doze ou treze anos. Mas ficou calada
para não atirar mais lenha na fogueira.
Trace quis acalmar o vizinho, mas não teve chance. O homem estava vermelho
de raiva.
— De agora em diante, Trace Durango, esqueça a nossa amizade. Vou fazer
parte da comitiva de Forrester. Chegaremos a Dodge City antes de vocês.
Os Purdy afastaram-se com toda a dignidade que conseguiram reunir, o que não
foi muito, considerando-se que seus sapatos chiavam a cada passo e eles deixavam
atrás de si um rastro de água.
Trace voltou para a fonte murmurando uma praga em espanhol.
— Veja, filho, o que você aprontou.
Ace sorriu.
— Obrigado, Lynnie, pelo que fez por mim. E agora, posso ajudá-la?
Antes que ela pudesse protestar, ele segurou no braço dela e saíram ambos da
fonte. O pessoal já se afastara e o acerto de contas ia ser com Trace.
— Tio Trace, deixe-me explicar — Lynnie começou, cautelosa. Conhecia o
humor de Trace Durango quando irritado.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 66

— Não se preocupe, srta. Lynnie. Tenho certeza de que você não tem culpa de
nada. Vocês dois tratem de entrar na casa para trocar de roupa. Amanhã seremos o
assunto de todo o condado.
— Mas a briga até que foi divertida, hem, Lynnie? Eu não sabia que você lutava
tão bem — disse Ace, sorridente.
— Lynnie, este foi o último acontecimento ao qual você compareceu — Cayenne
avisou, segurando no braço da irmã. — Não sairá de casa durante algum tempo.
— Isso quer dizer que não poderei ir a Dodge City para o encontro pelos direitos
das mulheres?
Cayenne dirigiu-lhe um olhar fulminante.
— E precisa perguntar? Você não irá a lugar nenhum, jovem lady. E agora, ande.
Vá para dentro.
— Acho que estamos quites, srta. McBride — disse Ace quando caminhava para
a casa com Lynnie. — A ajuda de hoje paga o tumulto de Austin.

Fiel à sua palavra, Cayenne manteve a irmã sob severa vigilância. Durante duas
semanas Lynnie não saiu de casa. Entretanto, quando a máquina nova de costura
chegou à fazenda dos Dinwiddy, Penélope procurou a amiga para pedir-lhe que a
ajudasse a fazer roupas para os pobres assistidos pela Associação Cristã de Caridade.
Cayenne compreendeu que a causa era nobre e consentiu que Lynnie fosse a cavalo
até a fazenda para fazer o trabalho.
— O de casa! — Lynnie chamou, desmontando.
Vários cachorros saíram da varanda latindo e correram para a visitante.
Penélope apareceu à porta.
— Alô, Lynnie! O que esteve fazendo nas duas últimas semanas?
— Pouca coisa — Lynnie respondeu sem entusiasmo enquanto amarrava o
cavalo ao varão, do lado da casa. — Continuo tentando encontrar um meio de ir a
Kansas para a manifestação do Dia da Independência.
— Você não desiste nunca, hem? Sua irmã não a deixará ir.
— Se as mulheres desistirem, nós jamais teremos o direito de votar. — Penélope
e Lynnie entraram na casa. — Tenho permissão de ficar na fazenda só até sábado.
Cayenne fez essa concessão porque é uma longa viagem até aqui e também porque
na fazenda de Maverick e de Trace é grande a agitação. Todos estão atarefados com
os preparativos para aquela caravana absurda, para levar o gado ao Kansas.
— Quando eles pretendem partir?
— Na próxima semana. Mas estou ansiosa para ver a tal máquina de costura.
Penélope levou a amiga até a sala de estar onde a máquina nova ocupava lugar
de destaque.
— Veja, ela tem pedal. É muito mais cômodo movimentar a máquina com os pés
— Penélope explicou. — Papai a mandou vir de St. Louis.
— Isto é tecnologia! — exclamou Lynnie ajeitando os óculos para examinar a
maravilha. — Poderei fazer um vestido novo, talvez dois. O conjunto verde ficou
praticamente perdido por causa daquele mergulho na fonte.
— Como vai Ace Durango? — Penélope quis saber, os olhos brilhando de
curiosidade. — Todos estão falando sobre vocês.
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— Não me importo com o que estão dizendo. — Lynnie empertigou-se. — E


nada sei sobre Ace Durango.
— Quando vocês dois se juntam há sempre confusão.
— Tudo porque Ace é o exemplo típico do machista imbecil. Eu gostaria de
conhecer um homem bem educado e culto com quem seja possível discutir assuntos
como filosofia, literatura...
— Parece que você está descrevendo o novo professor, Clarence Kleinhoffer.
Aquele que foi contratado para substituí-la.
— Ah, ele foi mesmo contratado?
— Sim, foi. Ele virá nos visitar, uma vez que meu irmão Billy e eu continuamos
na escola.
— Qual a sua opinião sobre ele? É educado? Será que nos ajudaria na luta pela
emancipação feminina?
Penélope arqueou uma sobrancelha.
— Não sei. Estive com ele só uma vez. É do Norte. Um ianque.
As duas trocaram olhares e franziram a testa.
— Ianque?!
O termo não soava bem no Texas, depois da guerra civil.
— E tem mais. O sr. Kleinhoffer me pareceu antiquado, puritano e presunçoso.
Não é como os nossos caubóis.
— Os nossos caubóis são uns ignorantes. Especialmente aquele rústico e
selvagem Ace Durango.
— Conheço inúmeras garotas que adorariam domar esse selvagem.
— Domar aquele bruto? Impossível.
Elas interromperam a conversa porque os cães começaram a latir na frente da
casa.
— Deve ser o professor — presumiu Penélope, indo até a janela.
Lynnie seguiu-a depressa. Ao ver o professor, ficou desapontada. O jovem
Clarence Kleinhoffer estava ainda em seu trole, olhando assustado para os cães, como
se esperasse que alguém o socorresse. Sua figura não impressionava uma mulher.
Nada de ombros largos como os daquele depravado Ace Durango, mas devia ter
qualidades que o recomendassem como boas maneiras e educação. Pelo menos o
professor parecia impecável. Usava um terno elegante, tinha os cabelos repartidos no
meio e sem um fio fora do lugar por causa da brilhantina.
— Hum, nunca vi por estas bandas um homem tão bem vestido — Penélope
comentou.
— Vê-se que o professor é um cavalheiro e veio de uma cidade grande — Lynnie
lembrou. — Também é evidente que o pobre homem não sabe lidar com os cães. Peça
para Billy ir socorrê-lo.
Pouco depois, o professor entrou na sala. Feitas as apresentações, os pais de
Penélope se afastaram deixando os filhos e Lynnie entretendo o visitante. Billy tocou
órgão e recitou alguns versos até o jantar ser servido. Clarence mostrou-se gentil e
flertou abertamente com as duas moças.
O professor estava sentado no sofá, perto de Lynnie, e ela sentiu o cheiro de
água de rosas da loção capilar que ele usava.
— Das suas famílias, qual delas tem a fazenda maior? — Clarence quis saber.
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Penélope e Lynnie se entreolharam, chocadas. No Texas, considerava-se falta


de educação perguntar a um fazendeiro qual o tamanho de sua propriedade ou
quantas cabeças de gado ele possuía. Mas, tendo o sr. Kleinhoffer vindo de uma
cidade grande do Norte, devia ser desculpado.
— As maiores fazendas do Texas são a Lazy M e a Triplo D. A família de Lynnie
é dona da Lazy M — Penélope informou.
Nem bem ela acabou de falar o sr. Dinwiddy apareceu para avisar que o jantar
estava servido.
— Muito bem. — Os dentes de Clarence brilharam. — Srta. McBride, permita
que eu a acompanhe até a sala de jantar.
Lynnie segurou no braço que o professor lhe ofereceu e todos seguiram para a
enorme sala vizinha. A gorda e simpática sra. Dinwiddy se ocupou em servir a comida.
Quanto ao sr. Dinwiddy, não parecia muito contente com a visita do novo professor.
Mas, afinal, ele tinha sido um soldado da cavalaria texana na guerra civil, era natural
que não simpatizasse com ianques.
Lynnie ficou impressionada com o apetite do sr. Kleinhoffer. O homem consumiu
a generosa porção de galinha frita, de pãezinhos e torta de chocolate servida pela
anfitriã, e pediu mais. Até Billy, que estava em crescimento e era um bom garfo,
admirou-se com a voracidade do mestre.
Por fim, o sr. Kleinhoffer suspirou, limpou elegantemente os lábios com o
guardanapo e encostou-se no espaldar da cadeira.
— O jantar estava delicioso, sr. Dinwiddy. Parabéns, sra. Dinwiddy. A senhora
cozinha divinamente. Bem, antes de nos sentarmos à mesa as jovens e eu
conversávamos sobre as maiores fazendas do Texas. A sua propriedade é muito
grande?
O anfitrião ficou carrancudo.
— Não, sr. Kleinhoffer, não é grande como eu gostaria que fosse. Espero que
minha filha faça um bom casamento. Isso ajudará a aumentar um pouco a propriedade.
— Papai, o senhor sabe que estou prometida a Hank Dale — Penélope lembrou
o pai.
— Ainda não. O compromisso não é oficial. As terras dele não são valiosas.
Clarence sorriu para Lynnie.
— Mas a sua família, srta. McBride, é dona de uma grande fazenda, não?
O sr. Dinwiddy franziu a testa.
— Minha filha explicou-lhe, sr. Kleinhoffer, que a srta. McBride é a professora
cujo emprego o senhor tomou?
O jovem ianque ficou boquiaberto.
— Eu... lamento... eu não fazia idéia...
— Asseguro-lhe, sr. Kleinhoffer, que não estou aborrecida — afirmou Lynnie com
um sorriso. — Fico feliz em saber que meu cargo foi ocupado por um homem culto,
atualizado e dinâmico. Com certeza o professor está disposto a realizar simpósios para
ensinar às senhoras que devem lutar pelos seus direitos.
— Direitos das mulheres? Refere-se ao movimento pela emancipação feminina?
Minha cara lady, você é uma dessas sufragistas?
— Sou.
— Eu também — Penélope declarou.
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— É uma pena. — O tom do professor tornou-se gelado. — Quando eu decidir


me casar procurarei uma jovem que seja pura e que saiba qual é o seu lugar.
— E esse lugar é...? — Lynnie questionou, controlando-se para manter-se
calma.
— O lar e a igreja. Essas mulheres tolas que se intrometem na política deviam
ser colocadas de bruços sobre os joelhos de um homem...
— Ah, está insinuando que elas deviam apanhar? Pois saiba, professor, que o
homem que tentar fazer isso comigo terá de enfrentar a minha fúria e deverá estar
disposto a lutar.
— Caros amigos, acho que todos nós precisamos de outra xícara de café — a
sra. Dinwiddy manifestou-se e foi depressa para a cozinha.
A atmosfera ao redor da mesa ficou tensa e o sr. Dinwiddy propôs:
— Podemos tomar o café na varanda.
— Na varanda? Com aqueles cães horríveis? — indagou o professor.
O sr. Dinwiddy não escondeu seu descontentamento. Todo texano tinha especial
apreço por seu cavalo, sua esposa e suas armas. Em seguida vinham seus cães. Bem,
naquela lista a esposa podia até vir numa posição inferior.
A sra. Dinwiddy voltou à sala com o café, mas o visitante levantou-se. Os outros
fizeram o mesmo.
— É melhor eu ir andando. Seu jantar estava excelente, sra. Dinwiddy.
Billy adiantou-se para prender os cães. O pretensioso sr. Kleinhoffer tomou seu
assento no trole e partiu.
— Que desapontamento! — Lynnie desabafou quando ficou sozinha com
Penélope na sala de estar. — O homenzinho, além de interesseiro e pernóstico, é
contra o movimento de emancipação da mulher.
— Esqueça-o. Você encontrará o homem dos seus sonhos. Um cavalheiro
educado, amável, elegante.
— Pare com isso. — Lynnie riu. — Você anda lendo muitos romances. Não há
homem assim no Texas.
— Quem sabe você conhecerá seu príncipe encantado quando for a Dodge City.
Mas vamos costurar um pouco. Enquanto trabalhamos, podemos conversar sobre a
viagem.
— Estou pensando em fazer outro bloomer para usar no Dia da Independência.
Isto é, se eu descobrir um meio de ir a Dodge City.
A primavera havia chegado com todo o seu esplendor na região central do
Texas. Com ela chegaram também novos bezerros, potros e muitas flores. Para Lynnie
e Penélope a semana seguinte foi muito agradável; pena que passou depressa. Na
véspera de Lynnie voltar para a fazenda Lazy M, um dos caubóis de Maverick
apareceu a cavalo na casa dos Dinwiddy.
— Srta. Lynnie, não se aproxime — ele gritou e ergueu a mão indicando para ela
manter distância.
— O que aconteceu, Bob?
— Há um surto de varicela na fazenda e sua irmã pede para a senhorita ficar
pelo menos mais uma semana longe de casa.
— Varicela! E Maverick? Ele e outros homens iam viajar esta semana com os
Durango.
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— Infelizmente, todos nós estamos de quarentena. Não podemos ir — Bob


informou. — Ah, a senhorita não deve estar sabendo de mais uma notícia triste. Trace
Durango foi jogado da sela de um cavalo chucro e quebrou algumas costelas. Ele
também não irá com a comitiva.
— Então a viagem foi cancelada? — Penélope perguntou.
— Que nada. Ace e Pedro serão os condutores. Com ele irão Cookie, Comanche
e um grupo de caubóis novatos que nunca tomaram parte numa comitiva.
— Quando eles pretendem partir? — Lynnie indagou.
— No domingo. Ou seja, depois de amanhã. O rebanho estará reunido junto da
grande fonte natural.
Lynnie conhecia bem o lugar.
— Obrigada, Bob. Diga a Cayenne que estarei muito bem aqui.
O rapaz tocou na aba do chapéu e afastou-se.
— Quanta coisa aconteceu, hem? — Penélope comentou.
Lynnie mal ouviu a amiga. Uma idéia começava a se formar em sua mente.
— Alguém desta fazenda vai tomar parte na viagem dos Durango?
— Não. Papai tem reumatismo e não pode dormir ao relento. Billy é muito novo e
os empregados têm muito serviço na primavera.
— Raciocine comigo, Penélope: Eu quero ir a Dodge City. Então, posso muito
bem fazer parte da comitiva de Ace sem o menor problema. Seus pais irão pensar que
voltei para a fazenda, e lá em casa todos estarão tranqüilos, imaginando que eu
continuo aqui.
— Que idéia maluca! Não vê que será uma viagem longa e cansativa demais?
Todo aquele pó da estrada... Você, uma mulher, no meio de vaqueiros...
— Posso vestir-me como um rapaz. As roupas de Billy devem servir em mim. No
início da viagem há sempre confusão, ninguém notará que sou uma mulher.
— Não sei... Você vai arranjar encrenca.
— Tenho de me arriscar. Participar do encontro pelos direitos das mulheres
valerá todo sacrifício.
— Não vai dar certo. Seu cavalo tem a marca do rancho Lazy M. Todos hão de
querer saber onde você o arranjou.
— É verdade. — Lynnie franziu a testa, pensativa. — Podemos esconder meu
cavalo. Eu montarei um dos animais de seu pai.
— Também não vai dar certo. Os homens da comitiva veriam a marca da nossa
fazenda no cavalo e logo perceberiam que você não é um de nossos vaqueiros.
Impaciente, Lynnie andou de um lado para outro da varanda.
— Tem de haver um jeito.
— Esqueça, Lynnie. Sua idéia é absurda.
— Não vou desistir. Não posso perder a única chance de ir a Dodge City.
— Você já fez parte de uma dessas caravanas que conduzem boiada?
— É claro que não! Você sabe disso. Mas para tudo há sempre uma primeira
vez. Você ouviu o que Bob disse: Ace irá com vários caubóis novatos que nunca
viajaram conduzindo o gado.
— A viagem será longa, irá durar várias semanas. E todos comentam que é
muito difícil resistir a tanto desconforto. Até homens fortes ficam exaustos — Penélope
continuou a argumentar. — Depois de poucos dias você não conseguirá esconder que
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é mulher.
— E daí? Até isso acontecer estaremos bem longe e Ace não vai permitir que eu
volte para casa sozinha; também não há de querer dispensar um dos homens para me
acompanhar. Portanto, será obrigado a me deixar seguir com eles.
— E você pensa que será fácil cavalgar durante semanas, sem o menor
conforto, no meio de caubóis sujos, barbudos e rudes? E não se esqueça de que Ace
Durango estará entre eles.
Dessa vez o argumento da amiga fez Lynnie parar para refletir mais um pouco.
Semanas e semanas com aquele selvagem. Quem sabe seria mais sensato desistir da
viagem. Não. Chegar a Dodge City para o encontro era muito importante. Para isso
estava disposta até a cavalgar com aquele desagradável Ace Durango.
— Penny, tenho de fazer essa viagem. Não vou desistir. O maior problema é
arranjar um cavalo.
Os olhos de Penélope brilharam; em seguida ela abanou a cabeça.
— Não. Pode não ser uma boa idéia.
— O que é? Diga! — Lynnie agarrou o braço da amiga.
— Não adianta, Lynnie. É loucura.
— Vamos, diga logo!
— Bem... lembrei-me de que papai comprou recentemente uma égua cinzenta.
Parece que é veloz.
— E a marca?
— É desconhecida por aqui. Talvez seja a marca de um rancho do Novo México.
Ainda não recebeu a marca da nossa fazenda.
— Quero vê-la. Onde está?
— Num pasto no lado leste. Papai lhe deu o nome de Bonny e está tentando
engordá-la, mas continua bem magra.
— Posso trocar meu cavalo, que também é cinzento, pela égua. Você acha que
seu pai irá ao pasto e verá que a égua foi trocada?
— Ninguém está montando Bonny. Como eu disse, ela precisa engordar. Mas é
claro que a troca logo será descoberta.
— Estou desesperada e disposta a tentar tudo. Vamos ao tal pasto.
As duas foram de trole ao pasto. Ao ver a certa distância um animal cinzento
pastando, Lynnie arregalou os olhos.
— Não me diga que aquela é Bonny. A pobre é só pele e osso.
— Pode não parecer, mas ela é veloz. Papai quer inscrevê-la na corrida de
outono e espera ganhar um bom dinheiro.
Lynnie observou bem o animal.
— Penny, essa égua não é capaz de competir nem com sua avó.
— Eu a vi correndo. Acredite em mim, Bonny é melhor do que aparenta.
Ao ouvir seu nome, a égua desajeitada aproximou-se da cerca e relinchou.
Lynnie abanou a cabeça.
— Esta é a égua mais feia que eu já vi. Tem cascos enormes e os ossos
salientes.
— Fale baixo. Bonny é muito sensível. Vamos até lá. É melhor você vê-la de
perto.
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As duas desceram do trole e chegaram até a cerca. Penélope cocou a cabeça do


animal. Em seguida deu-lhe um pedaço de broa de milho que tirou do bolso.
— Bonny é louca por broa de milho e biscoitos. Também gosta mais de mulheres
do que de homens. E adora ouvir elogios.
— Como vai garota? — Lynnie sussurrou e passou a mão na cabeça da égua. —
Você tem cílios longos e bonitos.
Em resposta, Bonny esfregou o focinho no braço de Lynnie.
— Penny, gostei de Bonny, apesar de sua feiúra. Mas duvido que ela agüente a
viagem até Dodge City.
— Você não confia em mim, hem? Eu já disse que a vi correr.
— Se você garante... — Lynnie cocou as costas do animal. — De fato, a marca
na anca de Bonny não é conhecida. Ela deve ter sido roubada pelos apaches.
— Quem sabe? — Penélope encolheu os ombros. — Seja como for, ela é a
alegria e o orgulho de meu pai. Isso me faz pensar que será melhor esquecermos a
idéia de trocar os animais. Estarei em maus lençóis quando ele descobrir que Bonny
desapareceu.
— Penélope, você está a favor da luta pela emancipação da mulher, ou não? —
Lynnie perguntou em tom severo.
— Estou, mas...
— Todas nós temos de fazer sacrifícios. Afinal, só vou tomar Bonny emprestada.
Pense no que terei de suportar cavalgando durante tantos dias com um bando de
caubóis rudes.
— Ah, se Hank Dale fizesse parte dessa caravana, acho que eu teria coragem
de ir com você.
— Você é muito jovem. Já basta a ajuda que está dando. Agora vamos voltar.
Precisamos ver se as roupas de Billy servem em mim. E não podemos nos esquecer
de deixar Bonny numa das baias e trazer meu cavalo para cá.
— Faremos isso amanhã, depois do jantar. A essa hora os empregados da
fazenda já estarão no alojamento ou em suas casas.
— Ótimo.
— Lynnie, sinto um arrepio só de pensar na reação de Ace quando descobrir que
você está na comitiva. Ele vai querer matá-la.
— Vai mesmo, não? — Lynnie riu.
A idéia de enfurecer o grande malandro deixou-a eufórica. As duas subiram no
trole e voltaram para a casa da fazenda. Tinham de traçar cuidadosamente os planos
da viagem e do importante encontro em Dodge City.

Capítulo VIII

Naquele começo de abril, assim que os primeiros raios do sol surgiram no


horizonte, Lynnie vestiu as roupas de Billy e foi para a varanda com Penélope. Bonny já
estava à espera, entre alguns arbustos. Na véspera as duas tinham avisado a sra.
Dinwiddy que, pela manhã, Lynnie iria voltar para casa. Antes de montar a égua,
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Lynnie enterrou bem seu chapéu na cabeça, desceu a aba sobre os olhos.
Estava apreensiva, insegura, com maus pressentimentos. Aquela viagem era
uma temeridade.
— Oh, Penélope, estou com medo de não ser forte o suficiente para suportar
esta aventura.
— Sua aparência não é das melhores. Está se sentindo mal? — indagou a
garota, preocupada.
— Um pouco. — Lynnie tossiu. — Talvez seja um começo de gripe ou resfriado.
Minha garganta está dolorida.
— E você está rouca. Sua voz parece de homem. Bem, isso pode até ser uma
coisa boa.
— E verdade. Acho que será mais fácil eu me fazer passar por rapaz.
— Por que tirou os óculos? Pode ver sem eles?
— Não enxergo muito bem, mas se eu usá-los logo serei reconhecida. Guardei-
os no bolso da camisa.
— Lynnie, você não está bem; além disso, certamente será descoberta muito
antes de chegar a Dodge City. Não seria melhor reconsiderar?
— Tenho de me arriscar. É pela causa. — Lynnie endireitou os ombros magros.
— Deseje-me boa sorte.
— Ah, eu ia me esquecendo. — Penélope tirou várias fitas coloridas do bolso. —
Se você chegar a Dodge City, poderia comprar cortes de tecidos que combinem com
estas cores?
— Francamente, Penélope! Você acha que terei tempo de fazer compras?
— Não se irrite. Se não for possível, paciência — Penélope apressou-se em
dizer. — É que no armazém da cidade não há muito que escolher, e se eu continuar
namorando Hank...
— Está bem — Lynnie cedeu, tendo notado a expressão desapontada da amiga.
— Guarde as fitas numa das bolsas da sela. Caso eu chegue a Dodge City, verei o que
posso fazer.
— Boa sorte — desejou Penélope, sorridente.
— Obrigada. Não deixe que descubram a verdade sobre minha partida. Quanto
mais tarde ficarem sabendo para onde fui, melhor. — Lynnie acenou com a mão. —
Pela causa!
Tocou Bonny e logo alcançou a estrada. Pensou com certo humor que devia
estar uma figura e tanto usando aquelas roupas velhas, de homem, calçando botas e
luvas de couro, com o chapéu caído sobre os olhos, e montando aquela égua que
parecia prestes a cair morta. Os outros caubóis iriam caçoar de sua montaria. Talvez
isso não fosse de todo mau, pois eles prestariam mais atenção em Bonny do que no
cavaleiro.
Era muito cedo, e sobre a grama que ladeava a estrada as gotinhas de orvalho
brilhavam. A manhã, tão bonita e fria, convidava a um galope. Lynnie, porém, conduziu
Bonny a trote com receio de exigir muito do pobre animal. Nada a convencia de que
aquele saco de ossos fosse veloz. Mas se a égua pudesse mesmo correr, seria mais
prudente deixar para forçá-la quando fosse necessário.
Depois de cavalgar alguns quilômetros, Lynnie avistou o arvoredo que ficava
perto da grande fonte natural, ao norte da cidade, onde deviam estar reunidos os
cavaleiros e a boiada. De fato, quando se aproximou viu uma multidão no local. Além
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dos caubóis que cuidavam do rebanho, havia ali pessoas que tinham vindo para se
despedir dos viajantes ou, simplesmente, para ver o movimento e a partida da comitiva.
O tempo estava muito seco e a movimentação dos animais provocava tanto pó
que os caubóis cobriram a metade inferior do rosto com suas bandanas vermelhas.
Pareciam bandidos, Lynnie pensou, mas teve de fazer o mesmo. Ficou contente
porque, graças ao lenço e ao chapéu, quase nada do seu rosto era visível.
Reunidos ao redor do fogo, onde estavam os ferretes em brasa, alguns caubóis
se ocupavam em pôr no quarto superior esquerdo das últimas reses a marca da
estrada. Isso porque, no caso de os animais se dispersarem durante o percurso, seriam
facilmente identificados e recapturados.
Apesar de não enxergar bem sem os óculos, Lynnie reconheceu Ace debaixo de
uma árvore, conversando com a mãe. Deu também para ver que ele estava quase
verde e tinha um olho arroxeado. Pelos gestos e pela expressão de Cimarron não foi
difícil entender que ela passava uma descompostura no filho. Lynnie aproximou-se
mais dos dois.
— Você é mesmo incorrigível! — Cimarron estava dizendo, zangada. — Tinha de
ficar bêbado e se meter numa briga, sabendo que ao amanhecer devia estar com a
comitiva, pronto para seguir viagem?
— Sinto muito, mamãe.
Lynnie supôs que a señorita em cuja companhia Ace estivera, devia ser muito
bonita e especial para merecer que um homem lutasse por ela. Ace parecia prestes a
cair e morrer ali mesmo. E esfregava as têmporas como se estivesse com uma ressaca
fantástica. Desordeiro depravado!
— Ace, seu pai ficará muito desapontado se você não se comportar como um
Durango — Cimarron continuou.
— Eu avisei que não queria fazer esta viagem estúpida.
— Seu pai adoraria acompanhá-lo, não fosse ter caído daquele cavalo selvagem
e quebrado algumas costelas.
— Sorte dele.
— Ora, não diga isso e pare de se lamentar! Trate de ir ajudar Comanche e
Pedro.
Ace virou sobre a cabeça o cantil com água fria e caminhou sem o menor
entusiasmo e tropeçando, na direção do grupo que estava marcando o gado. Cimarron
subiu na carruagem e partiu.
— Ei, Ace! — Comanche gritou. — Parece que você foi atropelado e depois o
jogaram numa poça d'água.
— É assim que me sinto — Ace gemeu.
Pedro, um mexicano forte e experiente, que impunha respeito, era o chefe da
comitiva. Estava marcando o gado com outros homens e chamou Ace para ajudá-los.
Ace arregaçou as mangas sem discutir. Pouco depois, apesar da manhã fria, estava
suado e com a camisa grudada ao corpo musculoso. Era, positivamente, másculo e
primitivo.
Lynnie reconheceu alguns rapazes vindos de vários ranchos, mas estavam todos
tão atarefados que nem sequer notaram sua presença. Ela calculou que haveria cerca
de quatro mil cabeças no vale, além de uma grande tropa de cavalos extras. De um
lado, a uma distância segura do ajuntamento, estava o velho carroção com os víveres,
puxado por duas mulas e conduzido pelo intratável Cookie.
Os cães latiam, chicotes estalavam no ar, o gado berrava e mugia quando era
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marcado, os cavalos relinchavam, e com tanta agitação o pó aumentava. Consciente


de que não podia ficar sem fazer nada para não chamar a atenção, Lynnie desmontou
e observou os grupos por um instante para saber em qual deles deveria se misturar.
Amarrou as rédeas de Bonny, o que nem seria necessário. A égua parecia estar
dormindo em pé, completamente alheia à confusão ao seu redor.
— Ei, você, rapaz! — Ace gritou. — Saia do caminho! — Ele fez um gesto
impaciente e aumentou o volume da voz. — Não ouviu? Você aí com esse cavalo
velho, saia da frente!
Demorou vários segundos para Lynnie perceber que era com ela que Ace estava
gritando. Por pouco não foi derrubada por dois homens que arrastavam um novilho
para perto do fogo.
Indignada, ela ia dar uma resposta por estar sendo tratada com tanta grosseria,
mas percebeu a tempo que não podia dizer nada; para todos os efeitos, ela era agora
um dos caubóis. Ace continuou olhando para ela e, pelo jeito, a ressaca o estava
deixando com péssimo humor.
— Por que está aí parado, rapazinho? Não tem o que fazer? Você parece ter
menos utilidade do que tetas num touro.
Os que estavam por perto riram e Lynnie teve de engolir o insulto. De fato, só ela
estava parada e ociosa. Mas que tipo de tarefa poderia assumir? Foi a passos largos
até o fogo procurando imitar os modos masculinos.
— Como eu posso ajudar?
Sua voz baixa e enrouquecida devia ter soado convincente, pois Ace nem
ergueu a cabeça. Ordenou apenas:
— Ajude a segurar este novilho danado.
Aquele era um trabalho bruto e Lynnie teve de usar toda sua força para dar conta
do recado. Mesmo assim, não deve ter agradado Pedro e Ace, que a encarregaram de
levar uma caixa até a grande carroça de Cookie. A caixa era tão pesada que ela teve
grande dificuldade para carregá-la e cambaleou. Ace, que a observava, gritou:
— Depressa rapaz! Até parece que você tem chumbo no traseiro.
"Que se dane", Lynnie pensou.
Cumpriu mais essa penosa tarefa e tratou de sair da frente de Pedro e de Ace.
Foi até Bonny, que continuava como se estivesse dormindo em pé, tendo as orelhas
caídas. O único sinal de vida da feiosa égua era o movimento ocasional do rabo para
espantar moscas e o adejar das longas pestanas. Lynnie montou o animal e deu
algumas voltas fingindo estar ocupada. Todos tinham algum trabalho a cumprir e não
prestaram atenção nela.
Afinal, chegou a hora de a comitiva iniciar a marcha. Todos os caubóis estavam
montados. As pessoas que se protegiam do sol à sombra das árvores acenaram,
desejaram boa viagem a todos. Pedro, o experiente vaqueiro dos Durango, gritava
dando ordens, metade delas em espanhol da fronteira. A aparência de Ace era a de
quem estava se sentindo péssimo. Seu rosto ainda tinha uma tonalidade esverdeada.
Ele suava tanto que tirou a camisa. Montada na égua, Lynnie ficou observando-o,
maravilhada com sua musculatura que se retesava e saltava a cada movimento que ele
fazia. Nunca havia reparado naquele tórax com musculatura tão desenvolvida. Mas... e
aquelas marcas nas costas? Lynnie contraiu as pálpebras para enxergar melhor.
Seriam arranhões? Só podiam ser marcas de unhas.
Não foi difícil imaginar aquele dissoluto em uma cantina na companhia de
alguma ardente señorita que tinha prazer com aquele corpo viril. As cenas que lhe
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vieram à mente chocaram-na. Uma lady certamente não devia ter tais pensamentos.
Entretanto, era difícil olhar aquele bruto tão musculoso e com aqueles arranhões nas
costas, sem dar largas à imaginação. Lynnie franziu o nariz, irritada consigo mesma.
Se um dia, finalmente, estivesse decidida a se casar, só aceitaria para marido um
cavalheiro bem educado e gentil, incapaz de fazer alguma coisa que levasse uma
mulher a se comportar de modo tão leviano.
Para sua tranqüilidade, o homem musculoso, objeto de suas tentações, lavou-se
na fonte e vestiu uma camisa limpa. Em seguida tocou o cavalo e reuniu-se a Pedro,
que já se achava na frente do rebanho tentando iniciar a longa jornada. Mas o barulho
dos latidos dos cães, do estalar dos chicotes, e todos os gritos, mugidos, berros e
relinchos aumentavam a confusão.
Por fim, entre acenos, com lenços e chapéus, acompanhados de votos de boa
sorte e boa viagem, a comitiva foi aos poucos se organizando. Lynnie notou que era
para Ace que a maioria das mulheres acenava. E o conquistador parecia estar
adorando toda aquela demonstração de simpatias, pois, em retribuição, curvava-se em
sua montaria e desmanchava-se em sorrisos.
"Ora, o bruto", Lynnie murmurou por entre os dentes e esporeou a égua
sonolenta impelindo-a para frente.
Estava feliz porque, com toda aquela agitação e euforia, ninguém prestou
atenção nela. Seguiu do lado do rebanho, entre os outros caubóis, procurando imitá-
los.
Saindo do lado de Pedro, Ace tocou seu cavalo.
— Eia, rapazes, vamos! — ele gritou, incentivando os vaqueiros. — O velho
Twister está pronto para liderar o rebanho nesta última viagem a Dodge City.
Twister era um touro já velho, com longos chifres retorcidos, famoso em todo o
condado por ter liderado inúmeras boiadas dos Durango, do Texas até o Kansas.
Os caubóis tiraram os chapéus, deram vivas, hurras, e cuidaram de tocar a
manada adiante. Com receio de tirar seu Stetson e deixar à mostra os cabelos ruivos,
Lynnie limitou-se a gritar, fazendo coro com os demais:
— Hip, hip, hurra! Para Dodge City!
Mais vivas ecoaram da multidão. Todos, adultos ou crianças, pareciam sentir que
presenciavam um grande momento.
Um momento histórico. Houve até lágrimas de velhos caubóis que, não podendo
mais fazer uma viagem tão longa e cansativa, contentavam-se em assistir à partida da
comitiva que conduzia uma enorme boiada e iria se tornar uma lenda naquela parte do
Texas.
Com milhares de reses levantando poeira e a tropa de cavalos empinando e
batendo os cascos, demorou algum tempo para todo o rebanho se pôr em marcha. O
gado seguia devagar, o que Lynnie apreciou, pois não precisava forçar a égua. Atrás
dela ia Cookie conduzindo a grande carroça e reclamando dos solavancos causados
pelos sulcos fundos existentes na estrada. Montado num dos belos quarto-de-milha,
pelos quais a fazenda Durango era famosa, ia Ace do lado de Pedro, ambos à frente do
rebanho.
O pó era tão denso que chegava a sufocar.
De repente, Ace virou o cavalo e galopou até o fim da manada, supervisionando
tanto o pessoal quanto os animais, chamando a atenção de um caubói distraído e
ordenando-lhe que impedisse uma rês assustada de fugir. Não parecia mais tão verde.
Lynnie ficou alarmada ao vê-lo se aproximando dela. Será que a descobrira? Se fosse
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isso, seus planos iriam por água abaixo. Havia confiado tanto na sorte, achando que
sua farsa só iria ser descoberta quando já estivesse a várias dezenas de quilômetros
do condado.
— Ei, rapazinho! — Ace gritou —, você me parece familiar. De onde veio?
— Eu... — Lynnie inspirou fundo. Então lhe veio à memória a marca de Bonny.
— Rancho Double X.
— Double X? — Ace coçou a cabeça. — Nunca ouvi falar nele.
— De Panhandle — Lynnie informou, mantendo a voz rouca.
— Você veio de tão longe nesta égua velha e imprestável? — Ace indagou,
incrédulo.
— Eu queria muito fazer parte desta comitiva.
— Pois eu não queria, pode ter certeza disso. — Ace levou a mão à testa e
esfregou-a como se sentisse dor. Em seguida murmurou uma praga. — A idéia foi de
meu pai. O pior é que a comitiva de Forrester está um dia à nossa frente. Isso quer
dizer que iremos comer poeira deles durante toda a viagem.
— Infelizmente.
Ace continuou seu galope. Não se contendo, Lynnie virou-se na sela e seguiu-o
com o olhar. Ele podia ser mulherengo, irresponsável, mas era excelente cavaleiro.
Além disso, tinha um belo porte e autoridade. Talvez fosse por isso que tantas moças
suspiravam por esse grandalhão primitivo, com maneiras de homem das cavernas.
No meio da tarde Pedro deu permissão para os cavaleiros descansarem para
comer; enquanto isso o gado podia pastar. Cookie serviu pão e carne para todos.
Lynnie deixou o chapéu caído sobre o rosto e comeu em silêncio. A maioria dos
homens mascava fumo ou enrolava seu cigarro. Ace aproximou-se dela, parecendo
ainda intrigado.
— Você não fuma nem masca?
— Eu... eu não trouxe material nenhum.
— Tome. — Ace ofereceu a ela um saquinho com tabaco.
— Muito obrigado. — Ela pegou o saquinho e também a folha de papel. Suas
mãos tremiam ao tentar enrolar um cigarro.
— O que é isso, garoto? Está desperdiçando fumo — Ace reclamou.
Ele tirou o material da mão dela, enrolou um cigarro com a maior rapidez e
entregou-o a ela. Sem ter alternativa, ela levou-o à boca. Pediu a Deus que Ace não
tivesse fósforos. Mas, quando viu, o cigarro estava aceso.
— Posso jurar que o conheço de algum lugar, rapazinho — Ace falou, o olhar
fixo em Lynnie.
— Receio que não. — Ela sentiu vontade de tossir ao inalar a fumaça acre. O
cigarro tinha gosto de feno queimado.
— Qual é seu nome?
— Ly... Lee. Lee Smith. — Ela não se atreveu a erguer a cabeça.
— Certo, Lee, vamos "tirar água do joelho" e depois continuaremos a viagem.
Quero ver até onde chegaremos antes do anoitecer.
— O quê? — Lynnie olhou ao redor e viu, horrorizada, que vários caubóis tinham
desabotoado a braguilha para urinar.
Vermelha, desviou depressa o olhar.
— Eu já fiz... xixi — alegou.
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Sem a menor cerimônia, Ace Durango desabotoou a calça e pôs para fora seu...
Céus, como era grande! O homem parecia um garanhão. Bem, não podia ficar ali
parada. Meio zonza, foi até Bonny. Naquele instante Pedro deu ordens para todos
montarem. E a viagem continuou, rumo ao Norte.
Lynnie esmagou o cigarro na sela e quando teve certeza de que estava
completamente apagado, deixou-o cair no chão. Por nada no mundo iria provocar um
incêndio na pradaria. Um incêndio era sempre muito difícil de controlar e causava
grande destruição. O pó vermelho sufocava-a e ela estava tendo dificuldade para
enxergar, mas não se arriscava a pôr os óculos, certa de que Ace a reconheceria.
Passou a língua pelos lábios e sentiu-os ásperos; seus dentes rilhavam, parecia haver
areia neles. Ela pensou em um banho com água morna e limpa, em toalhas macias e
roupas que não cheirassem a suor de cavalo. Oh, esta iria ser uma viagem muito,
muito longa e eles mal haviam começado. O pior seria ter de lidar com Ace Durango,
homem pretensioso que se considerava um presente para as mulheres.

Capítulo IX

Com o passar das horas o desconforto de Lynnie aumentava. A sela tornava-se


cada vez mais dura. E aquele dia parecia nunca chegar ao fim. Ela olhou para o sol
desejando poder empurrá-lo para poente de modo que seus raios não castigassem
tanto. Só de pensar que teria de suportar mais calor e ainda mais desconforto durante
semanas, estremeceu. Será que agüentaria a viagem? Afastou depressa o
pensamento. Teria de aguentar. O importante era que até o momento ninguém prestara
muita atenção nela.
Quando, finalmente, as sombras do crepúsculo se estenderam pelas campinas,
Comanche cavalgou ao longo da boiada avisando:
— Riacho à nossa frente! Pedro manda dizer que acamparemos ali esta noite.
A notícia não podia ser melhor. Os caubóis começaram a assobiar e a gritar ao
conduzir a boiada até o riacho para matar a sede. Lynnie tocou a égua a passo e
seguiu atrás da carroça de Cookie, que tinha saído da estrada. Sentia o corpo dolorido,
as pernas adormecidas, o que lhe dava a sensação de que não conseguiria andar. Ace
também não tinha boa aparência. A bebedeira devia ter sido um exagero para deixá-lo
com aquela ressaca, ela deduziu.
Alguns dos caubóis desmontaram, desabotoaram a calça e começaram a urinar,
fazendo desenhos na terra. Lynnie já tinha visto os filhos de Cayenne fazerem o
mesmo. Mas como era possível adultos acharem isso divertido?
— Ei, rapazinho — o velho Cookie chamou-a. — Arranje algumas placas de
estrume seco para o fogo.
Ela desmontou e puxou a égua pelas rédeas até o riacho. A pobre Bonny
também parecia prestes a desfalecer de cansaço.
— Trate de andar depressa, garoto — Ace gritou para ela. — Temos fritada de
novilho para o jantar!
"Fritada de novilho! Que nojo!", Lynnie pensou com repulsa.
O prato, também chamado de ostras das montanhas, e considerado uma delícia
pelos caubóis, era uma fritada de testículos de novilho. E isso ela não queria nem ver,
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quanto mais experimentar. Amarrou Bonny num arbusto, onde havia boa faixa de relva,
e saiu à procura de esterco seco para alimentar o fogo. Devia haver bastante nas
redondezas daquela estrada boiadeira. Nos velhos tempos os pioneiros usavam
esterco seco de búfalos. "Carvão da pradaria" era o nome que davam ao esterco
encontrado nas extensas planícies desprovidas de árvores. Mas os búfalos tinham sido
caçados e mortos, e presentemente eram raros. Lynnie encontrou um monte de esterco
bem velho e olhou para aquilo com repugnância.
Ace passou por ela, a cavalo.
— Ei, garoto, ande depressa ou não provará nem um pouco da deliciosa fritada.
Ela agradeceria se isso acontecesse. Ia pedir para ele ser gentil e ajudá-la
naquela tarefa desagradável. Porém lembrou-se de que, para todos efeitos, era um
caubói como os outros.
— Já vou — respondeu.
Sua vontade, no entanto, era atirar em Ace um pedaço do esterco duro e
arrancar-lhe o elegante chapéu. Como não tinha escolha, recolheu as placas que,
apesar de secas, fediam demais. Amontoou nos braços quanto pôde carregar e voltou
tropeçando ao lugar onde o carroção estava estacionado e Cookie acendia uma
fogueira.
Ace, que deixara o cavalo pastando e a observava, advertiu-a:
— Cuidado, rapazinho! Olhe bem por onde anda. Pode ser que encontre alguma
cascavel no meio do mato.
"Cobras!", ela pensou, horrorizada, derrubando alguns pedaços do esterco que
carregava.
Só faltava essa! Mas não podia menosprezar a advertência. De fato, naquela
região havia muitas cobras. Cascavéis, principalmente. Passou a andar devagar e com
o maior cuidado entre a relva alta.
Chegando perto da grande carroça, deixou as placas de esterco no chão. Cookie
havia acendido a fogueira, fizera café, abrira várias latas de feijão e começara a fazer a
fritada, uma iguaria para os caubóis. No Norte ninguém acreditaria que testículos de boi
pudessem ser tão apreciados.
Um caubói bem jovem aproximou-se de Lynnie e estendeu-lhe a mão.
— Olá, já nos falamos, mas não me apresentei. Sou Comanche Jones.
— Olá, Comanche. — Ela apertou meio desajeitadamente a mão do rapaz. —
Lee. Lee Smith, de Panhandle.
Comanche dirigiu um olhar crítico para a égua que pastava a pouca distância
dali.
— Aquilo é o que há de melhor por aquelas bandas?
— A égua é bem melhor do que aparenta — Lynnie respondeu, com uma
vontade louca de chutar a canela do caubói mestiço de índio.
— É mesmo? — Ace entrou na conversa. — Pois me parece que não pode haver
montaria pior.
Ele e Comanche riram como idiotas.
— Mas eu vim até aqui para dizer que Pedro quer que você, Comanche, e Lee
fiquem cuidando da boiada — disse Ace encarando Lynnie de maneira curiosa. —
Garoto, você tem certeza de que não nos vimos antes?
— Não que eu me lembre. Mas quem sabe já nos encontramos em algum bordel
por aí.
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Comanche ficou vermelho até a raiz dos cabelos negros. Ace deu uma
gargalhada.
— Você não parece ter idade para cobrir uma potranca, Lee, muito menos para
entrar numa dessas casas de tolerância.
Era melhor encerrar o assunto com aquele garanhão. Que homem insuportável!
Agora começava a duvidar se aguentaria viajar tantas milhas com o arrogante Ace
Durango. E o cretino não queria largar de seu pé.
Cookie começou a bater numa panela, chamando o pessoal.
— A bóia tá pronta! Venham comer antes que eu jogue tudo prós coiotes.
— O que é isso? Por que envenenar um bando de coiotes indefesos? — Ace
provocou o velho senhor.
— Estou ouvindo, seu malcriado! — Cookie gritou.
— É pra ouvir mesmo. — Ace encolheu os ombros e dirigiu-se a Lynnie. —
Acredite, Lee, esta viagem vai acabar sendo um desastre. Estamos com um bando de
jovens inexperientes. Cookie pode ser péssimo cozinheiro, mas só ele e Pedro sabem
o que é uma comitiva como esta.
Lynnie murmurou uma resposta e afastou-se. Pegou um prato de folha-de-
flandres, uma caneca e aproximou-se de Cookie. Quis recusar a fritada, mas o velho
senhor não a ouviu. Os caubóis, em compensação, comiam com grande prazer e
lambiam os beiços. Entre os jovens Lynnie viu Hank Dale, mas ele não a reconheceu.
Lynnie comeu os feijões, mas não tocou na fritada. Mais uma vez Ace
intrometeu-se.
— Ei, Lee, coma tudo! Testículos de boi o tornarão um homem!
Com tantos olhares voltados para ela, Lynnie não teve saída. Fechou os olhos e.
deu uma mordida, mas sentiu a garganta se fechar. Pegou um pedaço de pão, que
estava duro, molhou-o no caldo do feijão e comeu-o. Aproveitando que os caubóis
tinham deixado de prestar atenção nela, jogou para os cães o resto do prato.
Todos terminaram de comer e Pedro ficou de pé.
— Señores, eu sei que a maioria de vocês nunca teve uma experiência como
esta, por isso vou ensiná-los. Depois de alguns dias, a viagem será mais fácil, si!
Todos assentiram com um movimento de cabeça, no entanto, tinham suas
dúvidas.
— Como podemos ter certeza de que estamos seguindo na direção certa? —
Ace questionou.
— Eu sei me orientar — Cookie respondeu com afetação. — Deixo a carroça
sempre voltada para a estrela polar.
— O que vamos fazer durante a noite? — quis saber um rapaz.
— Temos de vigiar o rebanho o tempo todo. Isso será feito em turnos. A cada
duas horas dois caubóis cavalgarão ao redor da boiada para verificar se está tudo em
ordem e para manter os animais calmos — Pedro explicou.
Comanche deu um passo à frente.
— Eu fico com o primeiro turno.
— Ótimo. Eu fico com o segundo. — Ace bocejou. — Vou dormir um pouco para
me recuperar da noite anterior. Lee, você vai ajudar Comanche.
— Está bem — ela murmurou.
Foi feita a escala para os turnos seguintes e o grupo se dispersou. Ace pegou o
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colchonete, usou a sela como travesseiro, e deitou-se perto do fogo. Em pouco tempo
estava roncando. Lynnie e Comanche foram até suas montarias.
— Ei, Lee, se não estou enganado, amanhã à noite chegaremos a um ribeirão
onde poderemos nadar e tomar um bom banho — disse Comanche quando cavalgava
com Lynnie na direção do rebanho.
— Ótimo — ela falou procurando demonstrar entusiasmo.
Na verdade, se perguntava como poderia nadar com um bando de caubóis nus.
Bem, não devia perder tempo com esse problema. Teria de resolvê-lo quando ele se
apresentasse. Subitamente lhe ocorreu que teria a chance de ver Ace Durango pelado.
A imagem que se formou em sua mente chocou-a.
Separou-se de Comanche, indo cada um numa direção, cavalgando devagar, ao
redor da boiada. De tempos em tempos eles se cruzavam, faziam um aceno.
Comanche estava sempre cantarolando uma velha canção.
O turno parecia não ter fim. Lynnie sentia sono, o corpo doía, mas não podia
protestar, muito menos desobedecer às ordens do chefe. Pela primeira vez desejou ser
uma dessas moças arrojadas que sabiam atirar, usar o laço e cavalgar como um
homem. Bem, esse tipo de mulher certamente só existia nos romances baratos. Ela,
pelo menos, não conhecia nenhuma moça que se comportasse desse modo.
Era noite fechada, o gado deixara de pastar, se acomodara e ruminava satisfeito.
Só o velho touro Twister, que devia ser muito guloso, estava perto da carroça
empanturrando-se com os pãezinhos duros que Cookie lhe dava. Começava a soprar
um vento frio que enchia o ar com o cheiro das castillejas e das centáureas. Um coiote
solitário uivou ao longe. Ao redor de Lynnie grilos cricrilavam. Tudo isso a ajudou a
manter-se desperta. Também não podia negar que sentia alguma satisfação por
terminar aquele longo dia com sucesso. Afinal, tinha trabalhado arduamente e sua
verdadeira identidade não fora descoberta. Começava a acreditar que conseguiria
chegar a Dodge City.
Foi com alívio que viu Ace vir a cavalo na sua direção, bocejando e esfregando
os olhos.
— Meu turno, Lee. Pedro me acordou, interrompendo meu sono. Eu sonhava
com as garotas da casa da srta. Fancy, em San Antone. Já esteve lá?
— Nunca.
Será que o idiota devasso não pensava em outra coisa que não fosse mulheres?
— Pois você não sabe o que perdeu. — Ace suspirou. — Eu gostaria de estar lá.
Eles servem a melhor cerveja e o jogo de cartas dura a noite toda.
Lynnie não fez nenhum comentário. Aprendera a jogar pôquer com os rapazes
que trabalhavam no Lazy M e jogava bem, mas certamente não poderia comparar-se
àquele libertino. Despediu-se de Ace com um aceno e foi para perto da fogueira.
Deixou Bonny com os outros cavalos, pegou seu colchonete, as cobertas, e olhou ao
redor. Comanche já estava se enrolando num cobertor. E ela? Onde poderia dormir?
Certamente não iria estender o colchonete entre os homens. Afastou-se, mas ao ouvir
o uivo de um lobo, mais do que depressa voltou para perto do fogo. Andou com
cuidado entre os homens sujos que roncavam, improvisou sua cama e deitou-se.
Apesar do cansaço, não conseguiu dormir. Pensou nos romances sobre o Velho Oeste
e desejou poder esganar os almofadinhas imbecis que viviam na cidade, nada sabiam
sobre a dureza da vida no campo e escreviam sobre o charme e a sensualidade dos
caubóis, o romantismo, a poesia e a emoção que havia nas viagens conduzindo o
gado. Que diferença da realidade!
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 82

Bem, ela começara aquela aventura e iria até o fim. Lynnie McBride nunca
desistia de seus projetos. Estava cochilando e despertou com a movimentação dos
homens que estavam perto dela e se levantaram para fazer a vigia. Ace e Hank
chegaram em seguida e deitaram-se justamente no espaço que ficara vago.
Instintivamente Lynnie puxou o colchonete para o outro lado, querendo manter-se
distante do bruto.
— O que foi, Lee? Viu alguma tarântula?
A imagem de uma aranha gigante, negra e peluda que se formou na mente dela
causou-lhe um estremecimento. Murmurou algo ininteligível, mas Ace já estava
dormindo. Ali deitado, parecia uma montanha.
O lobo uivou novamente. Certa de que a fera estava bem perto, Lynnie foi para
junto de Ace em busca de proteção, sem pensar no que estava fazendo. Além do
perigo do lobo, a fogueira estava quase apagada e fazia frio. Nada melhor do que o
calor daquele grande corpo para aquecê-la. Fechou os olhos e adormeceu ouvindo a
respiração de Ace. De certa forma, era confortador saber que poderia contar com o
grande bruto se fosse preciso.
Ainda não amanhecera quando Lynnie acordou. No Leste o céu ganhava os
primeiros tons róseos. Era uma cena linda, teve de admitir. Concluiu que a vida dos
caubóis não deixava de ter alguma poesia. Virou o rosto e viu cerca de meia dúzia de
homens no meio da relva com a calça desabotoada. Também precisava fazer xixi, mas
onde? Olhou ao redor, desesperada, e, vendo uma moita de arbustos, correu para lá.
Quando voltou, Ace perguntou-lhe:
— Sentiu frio durante a noite, garoto?
— Não sei. Por que a pergunta?
— Quando acordei você estava encolhido, encostado em mim, como um gatinho
perto de um tijolo quente.
— Talvez tenha sido você quem encostou em mim.
Horrorizado, Ace ficou de pé e pegou suas botas.
Cookie bateu a panela várias vezes.
— O café está pronto. Venham logo ou jogo tudo fora.
— O que será uma bênção —- resmungou um rapaz magricela.
Cookie não o ouviu. Com a fome que estava, Lynnie comeu com prazer sua
porção de bacon frito, os pãezinhos duros assados no forno de ferro. Pelo menos
estavam quentes. Achou o café muito forte, mas era assim que os texanos apreciavam
a bebida.
Ace, que tomava seu café ali perto, perguntou a Pedro:
— E agora, compadre? Que tal esquecer esta aventura maluca? Não seria
melhor voltarmos para casa?
O mexicano alisou o bigode escuro e franziu a testa.
— Prometi a seu pai transformar você em um verdadeiro caubói. E fique
sabendo que hoje viajaremos cerca de vinte quilômetros.
A expressão de Ace era de desalento.
— É triste pensar que fui obrigado a deixar as cartas e todas aquelas lindas
mulheres de Laredo e Austin para tomar conta destas estúpidas vacas.
Pedro encolheu os ombros e riu.
— Como diria o señor Durango, "sele seu cavalo e siga adiante, hombre!”
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 83

Ace colocou no ombro a sela que havia usado como travesseiro e afastou-se.
resignado. Lynnie também foi selar Bonny. Sentia tanta dor no corpo que receou não
resistir à longa cavalgada daquele dia. Cerca de vinte quilômetros, dissera Pedro. E
mais quilômetros ainda, para o Norte, no meio daqueles caubóis rudes. Talvez fosse
melhor soltar os cabelos e revelar quem era. A farsa terminaria e ela seria levada de
volta para casa. Ace, pelo menos, ficaria muito feliz. O incidente lhe daria um bom
motivo para pôr fim àquela malfadada viagem; ele retornaria à sua vida de dissipações,
divertindo-se com prostitutas e jogo de cartas. Caindo em si, ela soube que não podia
desistir da viagem. Sua luta era pelo bem das mulheres do Texas que viviam sob o
tacão de todos os homens rudes que lhes negavam o direito de votar. Devia
prosseguir, por mais que lhe custasse.
— Ei, Lee! — Ace chamou-a. — Por que você não deixa para trás essa mula
velha para morrer e não monta um de nossos cavalos?
— De jeito nenhum — ela respondeu.
Ergueu a pesada sela com dificuldade, colocou-a no lombo de Bonny, prendeu
bem a cilha e montou o animal. Sentia os cabelos sujos e embaraçados, mas não se
atreveu a penteá-los. Limitou-se a enterrar o chapéu na cabeça e abaixar a aba sobre
os olhos. A grande carroça já estava na estrada e os homens tocavam a boiada para
frente. Lynnie olhou para o sol. O dia mal começava e prometia ser muito longo. Ace
cavalgou na direção dela.
— Vamos, garoto. Toque esse animal. Isto não é um piquenique.
Para não dar uma resposta ferina, mordeu o lábio. Odiava aquele homem,
pensou, olhando para as costas largas que foram desaparecendo à medida que ele
cavalgava, indo para frente do rebanho. Desejou maldosamente que o cavalo pisasse
em algum buraco e o jogasse fora da sela. Quem sabe num monte de esterco fresco
ou, melhor ainda, num ninho de escorpiões. Se isso acontecesse, teria prazer de
passar com Bonny sobre o corpo daquele homem primitivo e arrogante.

Capítulo X

Àquele dia de penosa cavalgada sucederam-se outros igualmente terríveis


naquela lenta viagem conduzindo o rebanho rumo ao Norte. Até o momento nenhum
dos caubóis dera a menor demonstração de estar suspeitando de que Lynnie era
mulher. Apenas Ace por vezes a olhava com atenção e coçava a cabeça, parecendo
intrigado.
Com a aproximação do mês de maio o calor aumentou. E também o cheiro
daqueles corpos sujos e suados. Lynnie sentia-se imunda, mas raramente passavam
por algum lugar onde fosse possível tomar um banho completo. Mesmo quando
encontravam um ribeirão, ela não se arriscava a tirar as roupas, ainda que fosse à noite
ou a boa distância do acampamento. Também não tirava o chapéu e imaginava que os
cabelos deviam estar parecidos com um ninho de ratos.
Além de sujos, os caubóis mais velhos estavam com a barba crescida. A maioria,
no entanto, era imberbe ou porque tinha sangue de índio ou pela pouca idade.
E um dia monótono, exaustivo e poeirento terminava, para se repetir no seguinte,
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 84

numa ciranda infernal. Mais de uma vez Lynnie desejou ser descoberta; assim voltaria
para casa onde teria uma cama limpa e confortável, comida excelente e fartura de
água.
O fato de a comitiva dos Durango estar seguindo atrás da de Forrester piorava a
situação. A outra boiada deixava a relva destruída, esterco por toda parte e a água dos
riachos barrenta. Lynnie não estava mais resfriada nem com dor de garganta, por isso
tinha de engrossar a voz ao falar e procurava manter-se calada. Isso não causava
estranheza; os caubóis eram conhecidos como homens de poucas palavras.
Certa tarde, Hank galopou do lado da boiada, no sentido contrário ao que eles
estavam seguindo, anunciando que iriam acampar à beira de um lago. Os caubóis não
contiveram sua alegria.
— Que boa notícia! — muitos gritaram.
— Esta noite podemos nadar em pelo! — outros exclamaram alegres.
E agora? O que fazer? Lynnie pensou, mas não deixou de dar vivas. Um bom
banho era mais do que bem-vindo. O jeito era descobrir um modo de evitar o bando de
homens nus. Pior ainda, como explicar que não queria entrar na água?
Entretanto, quando chegaram ao esperado lago, o desapontamento foi geral. Na
verdade não havia lago nenhum, e, sim, uma lagoa rasa com água suja.
— Malditos Forrester! — Ace praguejou. — Parece que eles, deliberadamente,
obrigaram a boiada a passar muitas vezes pela água só para deixá-la barrenta e cheia
de esterco de gado, de modo que não pudéssemos usá-la. Como é possível alguém
nadar nessa imundície?
— Então... nada de banho? — Comanche indagou.
— Olhe para a água. Está grossa. Se você entrar nela, sairá mais sujo do que
entrou. E mais fedorento — Ace respondeu.
Cookie tomou um gole de seu destilado com baunilha e reclamou.
— Temos de encontrar água limpa bem depressa. Os barris estão quase vazios.
Se não encontrarmos, terei de fazer café com água suja como esta.
Ace olhou para Pedro.
— O que me diz, amigo?
O mexicano coçou o bigode.
— Vamos acampar. Partiremos amanhã, ainda mais cedo do que de costume.
— Temos de apressar a marcha para passar na frente da boiada de Forrester.
— Não, hombre, se fizermos isso, certamente causaremos um estouro da
boiada. Só conseguiremos ultrapassá-los se eles concordarem em conter o rebanho
deles para que o nosso siga adiante.
— Eles nunca farão isso! — Ace exclamou e não perdeu a chance de desfilar
toda uma lista de pragas e impropérios que a raiva pela família de Willis Forrester lhe
ditava.
Lynnie ficou escandalizada, mas não o demonstrou. Sabia que Ace estava de
péssimo humor e quis sair de perto dele. Não adiantou. Foi justamente a ela que ele se
dirigiu.
— Ei, garoto, trate de arranjar esterco seco para o fogo.
— Não é justo, Ace. É sempre Lee quem faz esse trabalho. Deve haver um
revezamento — um rapaz sugeriu.
— Pois que faça de novo. Afinal, ele já está acostumado — Ace retrucou em tom
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 85

cortante.
Vários rapazes trocaram olhares, mas nenhum deles ousou discutir com o
colérico Ace Durango.
Que não era justo, não era mesmo, Lynnie pensou, irritada, desmontando.
Ultimamente Ace parecia querer descontar nela suas frustrações e sua raiva.
Resignada, levou Bonny para a beira do lago e começou a recolher esterco seco. Não
demorou muito estava de volta com uma pilha de placas, que entregou a Cookie.
— Obrigado, garoto. Esta noite você terá uma porção extra — o velho senhor
prometeu, amável.
Seu hálito era puro álcool com aroma de baunilha. Lynnie imaginou que se ele
bafejasse muito perto do fogo, poderia incendiar-se.
— Hum, obrigado, Cookie — ela agradeceu e saiu de novo à procura das placas
de esterco.
Os caubóis ainda cuidavam de acomodar o rebanho para passar a noite. Pedro
explicava a Ace quais eram as tarefas para o dia seguinte. Observando Pedro, o único
homem realmente experiente naquela comitiva, Lynnie teve de reconhecer o grande
valor do mexicano. Se alguma coisa lhe acontecesse, todos estariam em maus lençóis.
A maioria dos caubóis era jovem, Cookie vivia meio bêbado e Ace, além de
inexperiente, era um boa-vida mimado e irresponsável.
Ao cair da noite todos sentaram na relva para comer. Desta vez Cookie havia se
superado. A comida não podia estar pior. Só mesmo o velho Twister e Bonny
apreciavam os biscoitos e pães duros que recebiam. Bonny chegava a empurrar o
touro na disputa por mais uma daquelas delícias, provocando o riso dos caubóis.
Lynnie cozinhava bem e teve vontade de se oferecer para preparar as refeições para
aqueles pobres homens. O trabalho deles era árduo e eles mereciam um tratamento
melhor. Porém, se fizesse isso não apenas provocaria a ira do cozinheiro, como
levantaria suspeitas de todos.
Depois do jantar um dos rapazes tocou violão para animar a turma. Quando ele
terminou, Pedro foi ver um dos cavalos que estava mancando e Ace fez a escala dos
caubóis que iam vigiar o rebanho durante a noite.
— Joe, você e Lee serão os primeiros — declarou.
Lynnie suspirou. Estava morta de cansaço. Um dos rapazes não concordou com
a decisão e protestou:
— Ace, parece que você quer castigar o garoto. Ele não fez nada para merecer
isso.
— Não quero castigar ninguém. Quando Lee se dispôs a tomar parte nesta
viagem, sabia que ia ser dureza.
— Mas ele está fazendo tarefas além de sua obrigação — alegou Comanche.
— Lee andou se queixando para algum de vocês?
— Não me importo de fazer o turno — Lynnie interveio e foi depressa selar um
cavalo descansado.
Como gostaria de dormir pelo menos uma hora. Mas não estava disposta a
protestar. O que menos queria era dar àquele brigão motivo para mandá-la embora.
Quando montou o cavalo e olhou para trás, viu Ace com os olhos fixos nela, como se a
estivesse acusando de ter feito alguma coisa errada.
Tinha andado algumas centenas de metros quando o cavalo tropeçou e ela,
sonolenta, caiu da sela. Com medo de estar com algum osso quebrado, movimentou-
se com cuidado antes de tentar levantar-se. Poucos segundos depois Ace estava do
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 86

lado dela.
— Olá, garoto, você se machucou?
— Não sei... talvez meu tornozelo...
— Que diabo, Lee! Você está mesmo disposto a me fazer parecer cruel diante
do pessoal! — Ace ergueu-a do chão e antes de carregá-la para o acampamento, falou
em tom mais cortês: — Pode deixar, faço o turno por você.
— Você é maravilhoso! — Sem pensar no que estava fazendo, Lynnie deu-lhe
um beijo no rosto.
Ace parou de andar e arregalou os olhos, horrorizado.
— O que é isso? Se você pensa que sou um desses maricás, está enganado.
Acabando de falar, ele jogou-a no chão e foi pegar o cavalo dela.
"Vá para o inferno! Qual é o problema com ele?", Lynnie pensou.
Sentia o traseiro doendo por ter sido jogada no chão sem a menor cerimônia.
Bem, o que tinha havido entre eles não fora sério, e os homens que estavam reunidos
perto da fogueira não podiam ter visto nada daquela distância. E quanto a Ace? Teria
ele descoberto quem era ela por causa daquele beijo estúpido, embora espontâneo?
Não, não era possível.
Levantando-se, viu que Ace, já montado, tocava o cavalo na direção do rebanho,
para fazer seu turno de vigia. Ela voltou mancando para perto da fogueira, estendeu o
colchonete no chão e adormeceu embalada pelo cricrilar dos grilos e os pios de aves
noturnas.
Ace cavalgou ao redor do rebanho cantarolando. Tinha a mente tumultuada por
causa do tal Lee Smith. Podia parecer absurdo, mas o jovem caubói estava começando
a mexer com seus sentimentos. O pior é que ele tinha gostado daquele beijo que o
garoto lhe dera no rosto. Lee devia ser um desses jovens afeminados que gostavam de
homens. Bem, Ace Durango, certamente, não era maricas.
Por isso, desde que se sentira atraído pelo garoto, tratara de castigá-lo
atribuindo-lhe tarefas extras, esperando que ele se cansasse e abandonasse a
comitiva. Realmente, não estava gostando nem um pouco dos pensamentos ternos que
começava a ter sobre o rapazinho.
Quando seu turno terminou, Ace voltou para perto do fogo e acordou Comanche
para substituí-lo. Ficou horrorizado ao ver que Lee estava dormindo bem junto do lugar
onde ele tinha deixado o colchonete. Teria o garoto percebido que despertara nele
mais do que simples simpatia?
A resposta só podia ser positiva, senão o rapazinho não teria se deitado
justamente ali. Ace olhou para aquela pequena forma enrolada nas cobertas e sufocou
um forte desejo de se deitar aconchegado a ela.
Maldição, o que estava acontecendo com ele? Ergueu do chão o rolo com o
colchonete e as cobertas e foi deitar-se o mais distante possível de Lee Smith.
Adormecido, sonhou que estava em um saloon em Dodge City, cercado de mulheres
sensuais, ansiosas para lhe dar prazer. Beijou uma delas e, de repente, a mulher
tornou-se o rapaz chamado Lee. Ace deu um pulo e ficou sentado no colchonete,
ofegante e molhado de suor. E essa agora! Ninguém poderia jamais saber de sua
atração secreta pelo garoto. Mas isso tinha de passar. Ace Durango precisava de uma
mulher, nada mais. Assim que estivesse na cama com uma prostituta ficaria curado
daquela loucura. No entanto, naquela noite quase não dormiu. Quando se levantou seu
humor estava tenebroso. Novamente na estrada, manteve-se bem longe de Lee Smith.
Senhor, aquele dia, ao que tudo indicava, iria ser longo, penoso, decepcionante e
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confuso.

Certa tarde, antes do pôr-do-sol, eles chegaram, finalmente, a um ribeirão. Tinha


chovido e a água estava bem limpa. Os caubóis, entusiasmados, conduziram o gado e
os cavalos até a margem para dar-lhes de beber.
— Ei, rapaziada, podemos nadar esta noite, depois da bóia! — Ace gritou.
Desesperada, Lynnie tratou de arranjar um pretexto para não entrar na água com
os homens.
— Eu... eu posso ficar com o primeiro turno de vigia.
Os jovens caubóis olharam para Ace de modo acusador. Mas ele, simplesmente,
replicou:
— Ótimo! Você irá no meu lugar.
O que estaria afligindo o homem? Ace Durango passara a evitá-la como se ela
tivesse sido mordida por um cão raivoso e contraíra hidrofobia. Quando falava com ela,
era ríspido e descarregava nela seu mau humor. Desde aquele beijo impulsivo que
dera no rosto dele, Lynnie vivera agoniada, esperando que ele a desmascarasse na
frente de todos.
Entretanto, ele ficara calado e a tratava como se ela fosse um aventureiro
ianque. Não perdia a chance de se zangar com ela e de lhe atribuir tarefas extras. Não
entendia a razão daquele comportamento, mas estava feliz por continuar mantendo sua
verdadeira identidade em segredo.
O ribeirão era uma bênção do céu, mas ela não podia nadar nua no meio dos
homens. Por isso, foi ajudar Cookie a organizar-se no acampamento. Vários caubóis,
Ace inclusive, não resistiram e estavam tirando as roupas empoeiradas para caírem na
água.
Cookie parou para observar o pessoal.
— Um banho desses é muito bom, você não acha, garoto?
— Claro. — Lynnie virou-se e viu Ace de pé, na margem do ribeirão, usando
nada mais do que um sorriso. Admirou os ombros largos, a cintura estreita e... oh, que
grande...! Ela sentiu o rosto queimar de rubor. Voltou depressa a atenção para os
pãezinhos que Cookie começara a preparar.
— Vá dar um mergulho, garoto — Cookie incentivou-a. — Os rapazes estão se
divertindo como crianças. Posso cuidar de tudo sozinho.
— Obrigado, Cookie. Mas agora não estou com vontade de entrar na água.
— Não mesmo?
Lynnie olhou novamente para o ribeirão. Nunca, naqueles seus vinte anos de
vida, tinha visto tantos traseiros nus. Os jovens caubóis gritavam e riam enquanto
batiam uns nos outros com as roupas molhadas. Ela tentou não olhar para Ace, o bruto
magnífico, mas não conseguiu.
Em dado momento ele a surpreendeu observando-o e seu rosto fechou-se como
uma nuvem de trovoada.
— Ei, Lee, você quer me ajudar, ou não? — Cookie reclamou ao vê-la tão
distraída.
— Pois não, Cookie.
— Então descasque as batatas.
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— E os pães de minuto? Eu queria aprender como você os prepara. Você me


disse que põe fermento em pó na massa.
— Eu disse isso? — Cookie indagou, depois de tomar mais um gole do seu
destilado com baunilha.
— E não disse?
Cookie coçou a cabeça, pensativo, e adicionou o fermento à massa. Desta vez,
Lynnie pensou, os pães de minuto iam ficar gostosos e macios. Ela terminou de
descascar as batatas e começou a cortar o bacon em fatias grossas. De vez em
quando olhava para Ace, que tinha entrado na água.
— O que você tanto olha? — ele reclamou. — Pare com isso. Até parece um
bútio observando um bezerro morto.
— Eu não estava olhando pra você.
— Mentiroso!
— Eu estava olhando pra todos vocês.
— Vou fingir que acredito.
Ace voltou para as brincadeiras com os caubóis e Lynnie continuou a ajudar o
velho cozinheiro. Mais tarde, quando Cookie bateu uma panela para anunciar que a
comida estava pronta, os caubóis vestiram as calças e correram para perto da fogueira.
Pela primeira vez, apreciaram pães quentes e macios, fatias de bacon bem crocantes,
batata frita, molho e café forte.
Um dos rapazes não tardou a comentar:
— Estes pãezinhos não estão nada maus. Hum... macios e saborosos.
Cookie sorriu, feliz.
— Minha nova receita.
Lynnie alegrou-se, mas ficou em silêncio. Encontrara um modo de melhorar as
refeições sem ofender Cookie e sem levantar suspeitas sobre sua pessoa.
Mais tarde, a noite descera sobre a pradaria, os caubóis recostaram-se nas suas
selas, satisfeitos e arrotando alto. Os homens eram, sem dúvida, criaturas rudes e
bárbaras quando não havia por perto, uma mulher para civilizá-los e domá-los.
Por sugestão de Ace um grupo começou a jogar pôquer. Lynnie foi convidada
para fazer parte do grupo, mas recusou o convite, apesar de jogar muito bem.
Aprendera o jogo com os peões da fazenda do pai.
Ace olhou para ela.
— Você não ficou com o primeiro turno de vigia, Lee?
— Sim.
— O que está esperando?
Ela afastou-se para selar Bonny, e ao passar por Cookie viu que ele estava
molhando no seu destilado com baunilha os pãezinhos que tinham sobrado e os dava
para Twister. Um touro bêbado! Era só o que faltava! Não era de admirar que o velho
bovino não quisesse se afastar da carroça de Cookie. O animal tinha uma queda por
álcool.
Lynnie selou a égua, deu-lhe um pãozinho e tocou-a na direção do rebanho. Não
demorou muito ouviu o grito triunfante de Ace. Mais uma partida ganha por aquele
malandro pretensioso e arrogante. Os pobres rapazes só podiam perder, pois Ace era
praticamente um jogador profissional. Como gostaria de jogar com ele e fazê-lo perder
até as meias num jogo de pôquer. Mas isso só iria tornar as coisas mais difíceis para
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ela. Ace Durango era um autêntico texano e não iria tolerar ser superado por uma
mulher.
Enquanto cavalgava ao redor do rebanho, cumprindo seu turno, Lynnie pensava
no ribeirão, tentando encontrar um meio de dar um mergulho. Estava suada, sentia
coceira e o rosto parecia ter uma dezena de camadas de pó. Quem sabe, quando
terminasse seu turno e todos estivessem dormindo, poderia entrar na água.
Sim, faria isso. Não suportava mais aquela sujeira.
Olhou para as estrelas e admirou-se ao ver tanta beleza. Uma brisa suave
enchia o ar com o perfume das flores silvestres. Por um momento chegou até a achar
que aquela viagem não estava sendo tão ruim. Então se lembrou de que gostar ou não
de estar vivendo como um caubói era irrelevante. O trabalho que tinha para realizar,
esse, sim, era importante. Era a razão de todo aquele sacrifício.
Participaria da manifestação das sufragistas, assim estaria ajudando o Texas a
ocupar um lugar na história do país como um estado progressista e de vanguarda. Sim,
faria isso, mesmo que tivesse de lidar com brutos indomados como Ace Durango, com
seus coices e gritos de protesto. As mulheres eram inteligentes; já era mais do que
tempo de elas conseguirem direitos iguais aos dos homens.
Um jovem de Bandera, chamado Joe, veio substituir Lynnie e ela voltou para o
acampamento onde todos dormiam. Esse era o momento de tomar banho sem ser
vista. Pegou um pedaço de sabão, roupas limpas, e foi para o ribeiro.
Ace abriu os olhos e viu que Lee tirava alguma coisa da sela de Bonny. O que o
garoto estaria aprontando àquela hora? Curioso, acompanhou com o olhar o rapaz que
se afastava na ponta dos pés. Ace continuou deitado por alguns minutos, os ouvidos
apurados. O garoto não voltou. Teria resolvido abandonar o grupo por achar que
estava sendo tratado com muita severidade? Não, aquela égua cinzenta, horrorosa,
continuava onde o dono a deixara, pastando na campina. Lee só poderia ter ido até o
ribeirão. E se ele não soubesse nadar? Será que tinha caído na água e se afogara?
Ace começou a ficar preocupado com a segurança do rapazinho e isso o
aborreceu. Nunca tivera cuidados com ninguém exceto ele próprio.
Sentou-se no colchonete, calçou as botas e desceu para o ribeirão. Viu Lee
Smith de costas, na água, se ensaboando. Mesmo sabendo que não devia estar ali
espionando, continuou no mesmo lugar. Como estava escuro, não era possível ver a
cena muito bem. Mas dava para perceber que a pele de Lee era alva.
Em certo momento a lua saiu detrás de uma nuvem e as formas do rapazinho
ficaram bem delineadas contra a escuridão da noite. Aquela visão excitou Ace e ele
murmurou uma praga. Era demais o tormento que havia passado naqueles dias por
causa de Lee Smith.
Agora o garoto estava lavando os cabelos. Como? Cabelos longos? Longos e
ruivos? Por que um homem haveria de usar cabelos longos? Ele observou, incrédulo,
toda a operação de lavar e enxaguar aquela farta cabeleira. Por fim, quando o rapaz
virou-se e saiu da água, Ace ficou boquiaberto. Seus olhos deviam estar lhe pregando
uma peça.
Sem pensar no que estava fazendo, desceu para a margem do ribeirão com
raiva e alívio ao mesmo tempo. O som de passos assustou a figura, que tentou pegar
suas roupas. Tarde demais. Ace tropeçou, caiu sobre ela e ambos rolaram no chão.
— Uma garota! Você é uma garota! — ele exclamou, tendo sentido o contato
com a pele macia e as curvas daquele corpo.
— Tire suas patas de cima de mim — Lynnie gritou e começou a se debater.
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Ace não lhe deu atenção e segurou-a com força.


Os caubóis acordaram com os gritos, levantaram-se e desceram apressados
para o ribeirão. E Lynnie estava nua como viera ao mundo.
— Se você não me soltar, eu conto para seu pai e para seu tio Maverick.
Ace parou imediatamente, chocado e incrédulo, os olhos fuzilando de raiva.
— Ora, maldição! Você é Lynnie McBride. Sua farsante! Sua vadiazinha!

Capítulo XI

— Como se atreve a me chamar de vadia! Seu pai vai ficar sabendo disso! —
Lynnie exclamou, indignada, querendo livrar-se de Ace, que a encarava com ódio.
Os homens que chegaram ao ribeirão ficaram de olhos arregalados.
Desesperada, sem saber o que fazer, ela enterrou os dentes na mão dele.
— Você é pior do que um coiote! — Ace soltou-a e sacudiu a mão para aliviar a
dor.
Ainda estonteado por causa da situação inusitada, só pôde manter os olhos fixos
em Lynnie, que pegara suas roupas e começava a se vestir. Mal podia acreditar que a
moça a quem costumava se referir como uma solteirona, assim, despida, com aquela
cascata de cabelos ruivos molhados tocando-lhe os ombros, era uma verdadeira
tentação. Bem, ele reconhecia que aquele corpo não era dotado de curvas voluptuosas
como as das mulheres de sua preferência. Mas quando a agarrara e rolaram ambos no
chão, a suavidade dela despertara nele algo selvagem, apaixonado, um desejo
incontido de fazer amor com ela ali mesmo, na margem do ribeirão. Fazer amor com
Lynnie McBride? Será que ficara maluco? Não, tudo acontecera só Porque estava sem
mulher havia muito tempo.
Recuperando-se do espanto, ficou irado.
— Eu devia dar umas chicotadas no seu traseiro!
— Você não ousaria, seu texano bruto!
Assim zangada a mulher parecia mais tentadora. Ela estava acabando de vestir
as calças quando Ace viu os caubóis parados a pouca distância dali. É claro que não
iria deixar aqueles olhares curiosos pousados em Lynnie. Foi ao encontro deles.
— Voltem para o acampamento, hombres. Não há muito que ver; é apenas
Lynnie McBride.
Os homens ficaram calados, mas não foram embora.
Lynnie tateou procurando a camisa limpa que tinha deixado na relva. Os seios
dela podiam não ser enormes, mas não eram tão pequenos. E eram perfeitos, Ace
constatou, novamente irritado porque sentiu o endurecimento do membro viril. Ele
entregou-lhe a camisa.
O velho Cookie chegou perto deles e espantou-se com a cena.
— O que está acontecendo?
Mais do que depressa Ace ficou na frente de Lynnie e começou a abotoar a
camisa que ela acabara de vestir.
— Tire essas patas daí, Ace Durango — ela protestou e bateu nas mãos dele.
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— Mas que droga, só quero ajudar. Estou tentando proteger sua dignidade.
Realmente, zangada ela ficava quase bonita, ele pensou.
— Você também estava tentando proteger minha dignidade quando rolou comigo
no chão, estando eu nua?
Os homens cercaram os dois, ardendo de curiosidade.
— Nua?! — Joe arregalou os olhos. — Ela é uma garota?
— É apenas Lynnie McBride — Ace respondeu. Continuou olhando para aquele
rostinho zangado. Parecia que ela ia chorar. Ele não poderia dizer se estava sentindo
alívio porque, afinal, não era afeminado, ou com raiva por ter sido enganado durante
tanto tempo por aquela mulher ardilosa.
A expressão de Comanche era de divertimento e incredulidade.
— Então Lee Smith é uma garota?
Alguns homens riram.
— Temos uma garota viajando conosco?
— Ei! Mais respeito! Ela não é do tipo que vocês estão pensando — Ace
apressou-se em dizer.
Não queria que nenhum daqueles rapazes alimentasse idéias sobre entrar
debaixo das cobertas de Lynnie. É claro que todo esse cuidado era porque seu pai e tio
Maverick ficariam possessos se algum dos homens tocasse nela. Ele mesmo estava se
controlando para não sacudi-la com violência. Os olhos verdes estavam inundados de
lágrimas, mas Lynnie endireitou os ombros e afastou-as com as costas das mãos.
Pedro chegou até eles, carrancudo.
— Ace, foi você quem trouxe a señorita?
Ace sentiu-se ofendido.
— Se eu tivesse de trazer uma mulher às escondidas, certamente não seria ela.
Comanche espreguiçou-se.
— Pois pra mim, ela é muito boa e bonita.
— Comanche, acho que você está na estrada há muito tempo para dizer isso —
Ace replicou.
Diante do insulto, Lynnie chutou a canela de Ace. Ele ficou pulando num pé só e
Lynnie encarou os caubóis.
— Pessoal, entrei nesta comitiva fazendo-me passar por vaqueiro porque preciso
muito chegar a Dodge City para um grande encontro de mulheres. Estamos lutando
pelos nossos direitos. Como ninguém quis me ajudar, disfarcei-me de rapaz, vocês têm
de admitir que fui mais esperta do que todos, pois os enganei por mais de duas
semanas.
— Señorita, seu cunhado sabe disso? — Pedro indagou.
— É claro que não. Você acha que Maverick e Cayenne me deixariam vir? Sou
independente, planejei tudo sozinha.
— Eu devia esquentar seu traseiro com umas boas palmadas — disse Ace.
Lynnie ergueu bem a cabeça.
— Não se deve falar assim com uma lady. De qualquer forma, tente, seu
brutamontes.
Pedro suspirou.
— Eu dispensaria de bom grado este tipo de problema. Mas a questão, señorita,
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é: o que faremos com você?


— Ora, droga, que pergunta! Por que vocês teriam de fazer alguma coisa? Estou
dando conta de minhas tarefas como Lee Smith. Isso vocês têm de admitir. Tudo
continuará como antes.
Os rapazes se entreolharam e assentiram com um movimento da cabeça.
— Por Deus, garota! Isso foi antes. Não é correto nem decente para uma moça
viajar com mais de uma dúzia de homens — Ace alegou.
— Ace Durango, você, um libertino, tem autoridade para falar do que é correto e
decente?
— Lynnie, esqueça seu discurso empolado — disse Ace com desdém. —
Nenhum de nós sabe o que "libertino" quer dizer.
— Você é um exemplo típico de libertino, seu mulherengo, bruto e irresponsável
— Lynnie desferiu. — E vamos acabar com esta discussão. Não sei por que não posso
continuar a cuidar de minhas tarefas como antes.
— Veja bem, Lynnie, isso não é possível porque sua reputação ficaria arruinada
— disse Ace pacientemente como se estivesse falando com uma idiota.
— Hah! Por que essa preocupação comigo? Por sua causa fui parar na cadeia e
perdi meu cargo de professora. Você não acha que a minha reputação já está
arruinada?
Os caubóis olharam para Ace como se ele fosse algum vilão.
— Ouça, senhorita pedante, se bem me lembro, foi você quem me fez parar na
cadeia.
Um murmúrio de espanto saiu em uníssono dos lábios dos caubóis.
— Por favor, Ace, um verdadeiro texano não deve falar assim com uma lady —
lembrou Hank.
— Esta lady, amigo, está sempre me envolvendo em encrenca e quem leva a
culpa sou eu — Ace declarou.
Comanche foi logo em defesa de Lynnie.
— Ora, a srta. Lynnie é uma garota muito direita e amável.
— Hah! Pois sim!
Pedro ergueu a mão pedindo silêncio.
— Hombres, nada disso importa. Vamos tentar resolver esta situação. Estamos
muito longe de casa. Eu não sei o que fazer. O que vocês sugerem?
— Por que não voltamos para casa com a boiada? — Ace questionou. — Já me
enchi da comida de Cookie e estou farto de dormir no chão duro. Pra que isso, se as
garotas da srta. Fancy...
— Ace — interrompeu um dos caubóis mais velhos —, não fale sobre a srta.
Fancy na frente de uma jovem bem educada como a srta. McBride.
— Quietos, hombres — Pedro ordenou. — Estamos perdendo tempo. Temos de
pensar.
— A sugestão de Ace é absurda. Só podia mesmo partir de um irresponsável e
comodista como ele — disse Lynnie. — Não podemos voltar. Temos o compromisso de
levar o rebanho a Dodge City e é o que vamos fazer. Que belo papel faríamos se
desistíssemos da viagem! Forrester e Purdy chegariam a Dodge City vitoriosos,
enquanto nós voltaríamos para casa derrotados.
— Você está falando mal de mim, sua solteirona, mas quem está nos causando
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problemas é você.
— Será que vocês dois não vão parar de discutir? — Cookie interveio.
Lynnie dirigiu-se a Pedro.
— Pedro, você é um homem sensato e certamente entende que a viagem tem de
continuar. Não é por causa de um frouxo como Ace que iremos desapontar todos que
estão contando conosco para que este gado chegue a Dodge City.
— Si, está certa, señorita — Pedro concordou com Lynnie.
Vendo que os caubóis também a apoiavam, Ace não se conteve e gritou:
— Não caiam na conversa dela! Esta mulher matreira está querendo tapear
todos vocês. Temos de voltar para casa.
— Matreira? Eu? Sou uma lady frágil e inexperiente. Vocês, sim, entendem de
gado, são espertos, responsáveis, fortes, e saberão ó que fazer. A decisão fica por sua
conta.
— Sou a favor de deixar a jovem lady ir conosco — propôs Hank.
Vários rapazes apoiaram Hank, o que provocou ainda mais a raiva de Ace.
— Vocês são mesmo burros como uma porta! Não percebem o que está
acontecendo?
Lynnie fingiu estar chorando. Ficou até com os olhos úmidos e sufocou um
soluço.
— Por favor, Ace, não devemos influenciá-los. Vamos deixar que Pedro e os
rapazes decidam o que fazer, sem a nossa interferência.
Ace olhou ao redor e, percebendo que se houvesse uma votação ele perderia de
longe, propôs:
— Vamos decidir isso entre nós dois, Lynnie. Sugiro uma prova... um desafio. Se
você ganhar, continuaremos a viagem você irá conosco; se perder, voltaremos para
casa.
— Que tipo de prova?
— Um jogo de cartas.
Houve um murmúrio geral de protesto.
— Ora, Ace, não é justo. Nenhuma mulher vence um homem num jogo de
cartas. Especialmente você, que é considerado um ás.
Pedro coçou a cabeça.
— Nunca tive um problema desses antes. Não sei o que fazer.
— Então deixe que ela decida. Espero que você não esteja com medo de aceitar
o desafio, Lynnie McBride.
— Que jogo você propõe? — ela quis saber.
— Não aceite, srta. Lynnie! — Comanche advertiu-a. — Ace é o melhor de todo
o Texas.
— Obrigada pelo interesse, Comanche. Eu sei que Ace Durango tem muita
prática, pois não sai dos saloons. Entretanto, não vou me acovardar. Aceito o desafio,
señor Durango.
Os olhos de Ace brilharam como os de uma raposa astuta.
— Posso escolher o jogo?
Cookie abanou a cabeça.
— Isso é loucura, srta. Lynnie. Não deixe que ele escolha.
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Todos os caubóis olharam para Ace de modo reprovador por ele aproveitar-se de
uma jovem simpática e tão ingênua.
— Está feito. — Lynnie estendeu a mão. — Você escolhe o Jogo.
Ace sorriu.
— Nada de joguinhos tolos como uíste. Que tal pôquer?
O protesto foi geral.
— Pôquer? Não é justo! — exclamou um.
— Ace é um campeão nas cartas — murmurou outro.
E os demais comentários foram semelhantes.
Pôquer. O pretensioso estava caindo direitinho na armadilha. Lynnie disfarçou
um sorriso e assumiu uma expressão inocente.
— Pôquer? Pode ser, desde que alguns dos rapazes me ensinem as regras do
jogo.
— Feito! — Ace curvou-se e moveu o braço num largo gesto, indicando que
Lynnie devia precedê-lo. — Vamos para perto da fogueira.
Entusiasmado, Cookie liderou a marcha.
— Vou fazer café, já que iremos ficar acordados.
Ace pegou o baralho e todos se reuniram ao redor de uma grande rocha
achatada que um dos homens forrou com um cobertor.
— Corte — pediu Ace entregando a Lynnie as cartas que tinha acabado de
embaralhar.
Ela colocou os óculos e olhou para o baralho parecendo confusa.
— Como? Não sei o que...
Os caubóis dirigiram a ela um olhar de pena, mas Ace sorriu, complacente.
Comanche adiantou-se e pegou o baralho.
— Faça assim, srta. Lynnie. As cartas devem ficar bem misturadas. — Ele fez
uma demonstração e devolveu o maço a ela.
Sempre sorrindo inocentemente, Lynnie correu o polegar pela beirada do maço.
Como suspeitava, o baralho tinha cartas marcadas. Podia sentir em algumas delas os
sinais feitos com a unha.
— Eu gostaria de usar um baralho novo — pediu com um sorriso tímido.
— O quê? O que há de errado com este baralho? — Ace questionou.
— Está sujo, só isso — ela respondeu simplesmente. -— Talvez seja melhor
lavar estas cartas.
Os caubóis riram e Ace suspirou alto.
— Alguém tem um baralho bem limpo, novo e bonito para esta jovem lady usar
sem sujar as mãozinhas?
— Eu tenho — disse Comanche e correu a buscar o baralho.
— Aqui está.
— Ah, este é bem melhor — Lynnie aprovou ao receber o maço de cartas.
Tirou o curinga e começou a embaralhar as cartas. Olhou para Ace e adorou ver
a cara dele ao observar a perícia com que ela lidava com o baralho. A princípio os
olhos escuros demonstraram incredulidade, depois, estupefação. Na verdade ele tinha
a mesma expressão de choque de uma corça diante da lanterna do caçador. No
entanto, ela estava certa de que o machista não acreditava que uma mulher soubesse
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jogar pôquer tão bem quanto um homem.


— Aqui está — ela passou o baralho para ele cortar. — O que você prefere?
Ouvi dizer que o seu predileto é o stud de cinco cartas.
Alguns homens riram. Ace parecia ter perdido a fala.
— Escolha o que você quiser.
— Deuces wild, certo?
Ace concordou e devolveu o baralho para ela. Lynnie sorriu.
— Pronto para começar?
— Sim. — Ele pegou uma carta: três de ouros. Lynnie, por sua vez, pegou uma
dama de copas.
— Muito bem.
Ela embaralhou as cartas de novo e deu as cartas ocultas, depois virou uma
delas para cima: valete de ouros. A próxima foi um dez de espadas. Continuou a dar as
cartas e viu o sorriso de Ace tornar-se mais largo. Ele estava com dois valetes e duas
damas. Lynnie pegou as próprias cartas, ansiosa para saber qual seria a primeira carta
de Ace.
— Muito bem, srta. McBride, agora vou lhe ensinar corno se joga pôquer. — Ele
olhou para a primeira carta parecendo muito feliz; em seguida começou a morder o
lábio.
Lynnie o observou em silêncio. Tinha dois dez e dois oitos à vista. Não era
grande coisa. Virou a primeira carta e quase gritou de alegria. Controlou-se, claro, pois
não podia deixar o adversário saber que excelente mão era a sua.
— Muito bem, Ace, qual é a aposta?
— Você... você já jogou pôquer antes?
— Uma ou duas vezes com os rapazes do rancho — ela respondeu em tom
descuidado. Era muito fácil perceber que Ace estava perturbado, não conseguia se
concentrar. — E então? Você ainda não disse o que vai apostar.
— Meu relógio de ouro. — Ele tirou o relógio da algibeira e colocou-o de lado.
— Certo. Seu relógio contra meu camafeu italiano, também montado em ouro.
Lynnie colocou junto do relógio a jóia que tinha tirado da bolsa da sela antes do
início do jogo.
— O que eu vou fazer com um broche de mulher? — Ace resmungou.
— Não sei. Talvez seja uma boa idéia oferecê-lo à sua prostituta preferida do
bordel da srta. Fancy.
— Uma lady não sabe dessas coisas, muito menos fala sobre elas — Ace
censurou-a.
— Ora, deixe de ser pedante. Lembre-se de que moro em fazenda. Já passei
muito tempo ouvindo conversa de caubóis.
— Obviamente são caubóis mal educados, senão teriam respeito e não falariam
sobre o bordel da srta. Fancy a uma lady. Também não lhe ensinariam pôquer.
— Olhe aqui, Ace, vamos continuar o jogo?
— Sim, sim. Você sabe, com a minha primeira carta, eu posso ter full house, o
que significa...
— Não precisa explicar. Sei muito bem o que vem a ser full house. Você paga
pra ver, ou não?
Ele continuava desconcentrado. Olhou as cartas novamente e voltou a morder o
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lábio. Sinal de que a primeira carta era sem valor.


— Sim, pago pra ver.
Lynnie virou a primeira carta e o espanto foi geral.
— Full house! — ela exclamou, triunfante. — Pode ver e chorar. Você tem algo
melhor?
— Só dois pares — ele murmurou, desapontado.
— Foi o que imaginei. — Ela pegou o relógio, o camafeu, e passou as cartas
para Ace. — Sua vez. E desde já quero avisá-lo que conheço essa história de pegar a
carta debaixo...
— Como é? Está me acusando de trapaceiro?
Ela o encarou com ar de inocência.
— Ora, eu falei isso?
Quando Ace embaralhou as cartas Lynnie percebeu que as mãos dele tremiam.
— Corte.
Lynnie o atendeu e devolveu-lhe o monte. Todos estavam tão quietos que era
possível ouvir o crepitar do fogo e a respiração das pessoas.
Ace deu as cartas. Lynnie recebeu um ás, um rei, uma dama e um valete, todas
do mesmo naipe: copas. Ela espiou a carta oculta e franziu a testa, como se não fosse
boa.
Ace tinha três ases e um rei, todas de naipes diferentes. Ele virou o cantinho da
carta oculta e começou a morder o lábio novamente. Observando-o, Lynnie raciocinou
que, se a tal carta fosse um rei, ele teria full house. O nervosismo dele, no entanto,
revelava que ele estava blefando.
— O que você acha de apostarmos nossos colchonetes e nossas cobertas? —
Lynnie propôs.
— Meu colchonete?!
A nota de desespero na voz dele e o suor no belo rosto o denunciaram. Ele não
tinha o rei de que precisava. Lynnie não teve dó.
— Acho que vou aumentar as apostas. Além dos colchonetes e das cobertas,
que tal permitir que eu siga com vocês até Dodge City? Ah, e nada de chamar as
mulheres de tolas, idiotas ou irracionais.
Ace olhou para suas cartas e sorriu.
— Aceito. E, se eu ganhar, fico com seu colchonete, as cobertas, e mando você
para casa.
— Perfeitamente.
— Cuidado, srta. Lynnie — Joe alertou-a. — Ace é o melhor jogador de pôquer
do condado.
— Isso é o que ele pensa — ela rebateu.
Ace recostou-se numa pedra.
— Acho que você está blefando, srta. McBride. Pago pra ver.
Houve um momento de suspense quando Lynnie dispôs devagar as cartas sobre
a rocha e foi dizendo:
— É o que eu tenho: este ás, este rei, uma dama e esta carta aqui. Como
chama, mesmo?
— Valete — respondeu Ace, os olhos arregalados, parecendo em estado de
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choque.
— Ah, e tem esta com o número dez. Todas são de copas. Isso é importante?
— Royal straight flush! — exclamou Cookie, incrédulo.
Ace praguejou, os caubóis riram e um cutucou o outro.
Lynnie perguntou com ar de inocente, adejando os cílios:
— Isso quer dizer que eu ganhei?
— Maldição! Você sabe que sim! Não acredito que eu fui derrotado por uma
mulher! Nunca vi ninguém com tanta sorte.
— Sorte? Por que não admite que sou inteligente e esperta?
Não houve resposta porque Ace levantou-se tão zangado que deu um chute na
rocha que servira de mesa e ficou pulando num pé só, gemendo e praguejando.
— Isto serviu para provar que as mulheres são iguais aos homens e merecem ter
os mesmos direitos, inclusive o direito de votar.
— Você não embaralhou as cartas direito. Você trapaceou — Ace acusou-a.
— Quem deu as cartas foi você, não se lembra disso, não? Olhe aqui, seu
verme, admita que tentou usar no jogo aquele seu baralho com cartas marcadas. Mas
eu venci porque joguei melhor do que você. Foi um jogo honesto.
— Ouçam, hombres, vocês acham que podemos continuar a viagem com ela?
Esqueçam o jogo de pôquer. O meu voto é para cancelar da viagem e a mandar esta
solteirona de volta pra casa.
— Ora, você é desprezível, Ace Durango. Por que devo ser mandada embora?
Fizemos uma aposta, eu ganhei e você não mantém sua palavra? Não quer admitir que
jogo melhor do que você, não reconhece que desempenhei bem minhas tarefas e não
aceita que uma mulher possa estar em pé de igualdade com um homem.
— Quem usa saia não pode ser igual a um homem. E se eu quisesse trazer uma
mulher nesta viagem, não escolheria você, Lynnie McBride.
— Eu sei que tipo de mulher você escolheria — Lynnie retrucou e voltou-se para
Pedro. — O que você acha, Pedro?
O mexicano suspirou; não podia deixar de ir a favor dela.
— A srta. Lynnie tem razão, Ace. Vocês fizeram uma aposta e ela ganhou
honestamente. Além disso, ninguém pode negar que ela tem feito bem seu trabalho. E
nunca reclamou das tarefas extras que você mesmo lhe atribuiu.
— Pois eu digo não! N-Ã-O! — Ace rugiu. — Uma comitiva sempre foi masculina
e isso não vai mudar. Imaginem como a turma de Forrester vai rir quando chegarmos a
Dodge City com uma mulher entre nossos caubóis.
— Covarde! — Lynnie gritou.
— Lady, no Texas, quando alguém chama um homem de covarde, deve estar
disposto a brigar.
Ela cerrou os punhos.
— Ah, você quer bater numa mulher? Pois venha!
Ace olhou ao redor.
— Ei, rapazes, estão vendo com quem estamos lidando? — Ele virou-se para
Lynnie. — Você sabe que eu jamais lutaria com uma garota.
— Fique quieto e me ouça — ela ordenou. — Você fez aquela aposta porque
imaginou que eu não soubesse jogar, e perdeu por ser mau jogador. Percebi que,
quando suas cartas não eram boas, você mordia o lábio, mesmo que estivesse
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sorrindo. Qualquer bom jogador de pôquer presta atenção nesses tiques. Ace Durango,
você foi derrotado no jogo e superado em esperteza.
— Você é a mulher mais insolente que conheço. É ou não é muito azar ser
obrigado a fazer esta viagem com alguém assim? Você devia levar uma surra para
aprender a ter um pouco de respeito.
— Será que não se cansa de falar em bater, em brigar e coisas desse tipo? E
saiba que eu respeito quem merece ser respeitado.
— A jovem lady tem coragem e espírito — comentou Hank. — Os texanos
gostam disso numa mulher. Todos nós somos testemunhas de que ela o derrotou, Ace.
Pedro, eu acho que devemos permitir que ela continue conosco até o fim da viagem.
Frustrado, Ace deu um tapa na testa.
— Não! Esta mulher tem arruinado a minha vida desde que fui obrigado a levá-la
àquele baile. Ela vai continuar me infernizando até chegarmos a Dodge City.
Os homens trocaram idéias e concordaram com Hank. Cookie deu seu parecer:
— Ela ganhou honestamente. Ace tem de manter sua palavra.
— Si. E foi Ace quem fez a aposta — complementou Pedro.
— Hombres, vocês estão loucos? A questão não é a aposta. Não vêem que não
podemos tratá-la de igual para igual? Ela é mulher.
Lynnie forçou os olhos a se encherem de lágrimas.
— Você é mesquinho. Não leva em consideração o trabalho que eu fiz e não
aceita meus argumentos. E, pior ainda, não quer cumprir o que prometeu. Lembro-me
bem de que suas palavras foram: "Se você ganhar, continuaremos a viagem e você irá
conosco; se perder, voltaremos para casa". Eu ganhei, portanto você deve honrar sua
palavra.
Por um momento Ace ficou em silêncio, embaraçado. Depois, gaguejou:
— Bem... não é tão simples assim... Como eu já disse... o problema é que você é
mulher.
— Hombre, pare de aborrecer a pobre señorita — Pedro interrompeu-o.
— Foi ela quem começou. É sempre assim, ela arranja a confusão e eu levo a
culpa.
— Chega! — Pedro trovejou. — Hombres, a señorita continuará conosco até
Dodge City.
Os caubóis deram vivas. Ace sentenciou:
— Nós vamos nos arrepender. Vocês não conhecem Lynnie McBride tão bem
quanto eu.
Cookie bocejou.
— Vamos dormir. Logo vai amanhecer.
Lynnie enxugou os olhos e sorriu para Ace.
— Fingida — ele acusou-a. — Vocês, mulheres, se fazem de frágeis e usam as
lágrimas para conseguir o que querem Ao mesmo tempo, exigem direitos iguais aos
dos homens.
— Já acabou? Com licença.
Lynnie ia se afastar, mas ele a segurou pelo braço.
— Você é traiçoeira.
— E inteligente? Esperta?
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— Também. Você é ambas as coisas — ele admitiu a contragosto.


— Ah! Nunca imaginei que iria ouvi-lo dizer isso.
Ela tentou libertar-se, mas a mão de Ace era grande e forte. Os dois estavam
bem perto um do outro e ela podia sentir o cheiro dele e ver aqueles lábios cheios e
sensuais. Uma sensação estranha perturbou-a.
— A propósito, você perdeu no jogo o colchonete e as cobertas, lembra-se?
Ele soltou depressa o braço dela.
— Você vai me obrigar a dormir no chão duro?
— Não era isso que você pretendia fazer comigo se ganhasse a aposta?
— Compreenda, o chão é duro demais...
— Ora, você não quer pagar a aposta? — Lynnie se atreveu a perguntar.
Sabia que era uma grande ofensa insinuar que um homem seria capaz de
calotear.
— Você não acha que está exagerando?
Ele era tão alto e estava tão próximo que seu peito musculoso quase tocava os
seios dela. Com medo da própria reação, cruzou os braços.
— Admita que sou inteligente e esperta.
— Está bem. Para uma mulher até que você é inteligente e esperta.
— Nada de restrições.
— Não entendi.
— Quero que você admita que sou tão inteligente e esperta quanto você.
— Não. — Ele sacudiu a cabeça.
— Então me entregue o colchonete e as cobertas.
— Está bem. Você é quase tão inteligente e esperta quanto um homem.
— Quase?! — Lynnie arqueou uma sobrancelha.
— Está bem. Talvez você seja mesmo tão inteligente como alguns homens.
— Talvez? — Lynnie riu. — Como você é teimoso! Mas estou satisfeita, vou
considerar que você se deu por vencido. Pode ficar com o colchonete e as cobertas. E
aqui está seu relógio de ouro. Não vou usá-lo mesmo.
Lynnie afastou-se sorrindo. Estava feliz porque naquela noite tivera duas vitórias:
conquistara a simpatia dos caubóis e derrotara o arrogante Ace Durango: E esse era só
o começo.

Capítulo XII

Na manhã seguinte, Lynnie surpreendeu-se com a grande diferença no


comportamento dos caubóis. Embora ela continuasse vestida como homem, todos a
tratavam como mulher. Aqueles homens rudes sabiam ser civilizados. Quando a viram
erguendo a pesada sela para carregá-la até Bonny, vários rapazes correram para
ajudá-la.
— Pode deixar, srta. Lynnie, eu levo a sela.
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— Srta. McBride, será um prazer selar a égua.


— Srta. Lynnie, esta sela é pesada demais para uma jovem delicada como você.
— Ei, vocês! Cuidem do seu serviço e deixem que ela cuide do dela — Ace
ordenou, a voz tão carregada quanto sua expressão. — A srta. Lynnie não quer ser
igual a um homem? Pois trate de provar do que é capaz.
— Já provei. Nunca pedi ajuda para desempenhar minhas tarefas.
Os rapazes criticaram a atitude do patrão.
— O que o mordeu, Ace? Não está certo deixar uma garota carregar uma sela
pesada, enquanto ficamos aqui parados, apenas olhando para ela.
Até Cookie, sempre mal humorado, com Lynnie era muito atencioso. Ah, mas
Ace Durango, aquele grande bruto, iria pagar caro por mostrar-se tão superior.
O rebanho foi conduzido para a estrada e eles continuaram a viagem. Fazia
muito calor e a água era escassa. Como eles seguiam atrás da comitiva de Forrester, o
problema da água tornava-se mais sério. Lynnie procurava trabalhar mais do que era
seu dever e com isso ganhava cada vez mais a admiração de todos. Isto é, exceto de
Ace. Se os olhares pudessem matar, ela já estaria morta.
Naquela noite, quando acamparam perto de um pequeno curso d'água, os
homens foram muito educados. Tinham consciência de que havia uma moça entre eles
e nada de arrotos, gases, palavrões ou piadas sujas na sua presença. Só Ace
mostrava-se mais rude com ela. Parecia determinado a tornar a vida dela um inferno.
Bem, ela iria pagar na mesma moeda. O dele estava guardado, era só esperar.
A maior mudança talvez tivesse sido operada em Cookie. O velho senhor andava
até mais sóbrio.
— Você pretende cuidar da bóia do pessoal, srta. Lynnie? — ele perguntou, meio
encabulado.
— É claro que não, Cookie! Eu nunca serei capaz de cozinhar como você — ela
assegurou. — Mas, se você quiser, posso ajudá-lo nas tarefas menores, como fatiar o
bacon, lavar as panelas...
— Eu não me atreveria a pedir a uma lady para fazer isso — disse ele
timidamente.
— Cookie, eu me ofereci para ajudá-lo.
— Bem, nesse caso, srta. Lynnie, aceito a ajuda com prazer. Ouvi dizer que você
faz as tortas mais deliciosas do sul do Texas.
Ace entrou na conversa.
— Isso é verdade. E, de fato, o lugar da srta. McBride é na cozinha, preparando
a bóia para os infelizes caubóis que são obrigados a conviver com ela.
— Não ligue pra ele, srta. Lynnie — disse Comanche. — Nós temos é muita
sorte de viajar com uma pessoa como você.
— Comanche! Você não sabe o que está dizendo — Ace repreendeu o rapaz.
Lynnie sorriu agradecida. Todos os homens fuzilaram Ace com o olhar. Ele foi
sentar-se numa pedra e começou a enrolar um cigarro.
— Estávamos falando em torta e isso me fez lembrar que passamos perto de
uns pés de ameixas silvestres a menos de um quilômetro daqui. Vou até lá colher
algumas frutas para fazer uma torta.
Vários rapazes ficaram de pé.
— Terei prazer de acompanhá-la, srta. Lynnie.
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— Não, eu vou com ela.


— Droga, eu falei primeiro!
— Nada disso. Eu sou o melhor apanhador de ameixas que há.
— Calma — Lynnie ergueu a mão. — Todos podem me acompanhar.
Ace continuou carrancudo.
— Não olhem pra mim, porque não vou ajudar. Dez ou doze hombres é gente
demais para colher um punhado de ameixas.
— Você não vai fazer falta mesmo — tornou Lynnie com altivez.
Os rapazes se acotovelaram na disputa para ser o felizardo que a ajudaria a
montar Bonny. Por fim, todos partiram eufóricos.
— Essa maldita garota está semeando a discórdia, causando um tumulto entre a
rapaziada — Ace desabafou com Pedro.
Lynnie olhou para trás e gritou:
— Ouvi o que você disse!
Todos caíram na gargalhada e ela soube que vencera outro round. No entanto,
tinha consciência de que não devia provocar Ace Durango. O homem ficava intratável
quando se via na posição de perdedor. Ela também não ignorava que ele jamais fícaria
ao redor dela como um cachorrinho, como os outros rapazes estavam fazendo. Esse
texano era do tipo selvagem, que não aceitava ser domado e ela não estava disposta a
tentar amansá-lo. Nada em Ace Durango lembrava os cavaleiros galantes que
recitavam poemas sobre os quais ela havia lido nos romances. O homem dos seus
sonhos teria o nome de Percival ou Félix, a acompanharia a concertos de violino e a
apoiaria na luta pelos direitos das mulheres.
Eles voltaram para o acampamento com muito mais ameixas do que poderiam
usar. Os olhos de Cookie brilharam ao ver os chapéus cheios de frutas.
— Com toda essa ameixa, poderíamos até fazer vinho.
Pedro sacudiu a cabeça.
— Esqueça, hombre, nada de vinho.
— Não ficaremos na estrada tempo suficiente para você fazer seu vinho — Ace
completou.
Lynnie dirigiu-se aos caubóis.
— Quanto a vocês, cavalheiros podem ir se lavar, enquanto Cookie e eu
cuidamos do jantar.
Os homens se afastaram e Ace foi para perto de Lynnie, que estava começando
a fazer a massa da torta.
— Você está jogando meus homens contra mim.
— Não fiz nada. Seus homens acham que você está sendo injusto comigo.
— Engana-se. Acontece que eles estão na estrada há semanas, sem ver uma
mulher, e, de repente, você deixa seu disfarce e surge como se fosse Lillian Russell e
não uma professorazinha magricela.
Cookie parou de descascar as batatas.
— Isso não é jeito de falar com uma lady. Seu pai precisa saber de seu
comportamento.
Ace olhou com raiva para Lynnie.
— Está vendo? Entende o que eu quero dizer? Por sua culpa todos estão contra
mim.
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Ele praguejou e voltou para a pedra onde estivera sentado. Lynnie seguiu-o com
o olhar. Será que ele a odiava, realmente? Por que ele agia assim, quando os outros
eram tão gentis e mostravam-se ansiosos para agradá-la? Uma coisa era certa: uma
mulher respeitável acharia difícil colocar um freio naquele cavalo bravio.
Juntos, Cookie e Lynnie prepararam uma refeição de dar água na boca. Os
homens também estavam limpos e bem penteados quando se aproximaram do velho
fogão para serem servidos. Alguns tinham até passado brilhantina ou tônico nos
cabelos. Ace, ao contrário, recusara-se a ir ao arroio para se lavar.
— Você está parecendo um vagabundo de estrada — ela criticou-o ao servir-lhe
o guisado.
— E daí? Você pode até transformar esses tolos em maricas, Lynnie McBride,
mas não eu.
— Não se preocupe, essa não é a minha intenção.
— Melhor assim. — Ele começou a comer. — Hum... este guisado não está mau.
— Mesmo as mulheres modernas que lutam pela emancipação feminina podem
aprender a cozinhar — observou com altivez. — Isso as garotas da srta. Fancy
certamente não fazem.
— Nem precisam. Não é nos dotes culinários delas que os homens que as
procuram estão interessados — Ace rebateu.
— Hombre, deixe a jovem lady em paz — Pedro ordenou.
— Foi ela quem começou.
— Ela só pediu pra você se lavar — disse Cookie. — Temos uma lady entre nós
e devemos ser mais educados e elegantes.
— Vou odiar o resto desta viagem — Ace resmungou.
Ele ia se levantar, mas Lynnie avisou:
— É melhor continuar sentado para experimentar a torta de ameixa.
— Não quero essa droga de torta.
Ele foi para a outra extremidade do acampamento, fumando e soltando
baforadas. Lynnie anunciou que a torta ia ser servida. Os caubóis foram depressa até
ela e não pouparam elogios à sobremesa e à cozinheira.
— O cheiro está muito bom, srta. Lynnie.
— Aposto que você faz a melhor torta de todo o Texas.
— Bem, já ganhei alguns prêmios em feiras do condado — ela admitiu.
Ela serviu os caubóis generosamente e esperou que Ace deixasse o mau humor
e voltasse para junto dos outros. Mas ele continuou distante, sentado na pedra e
fumando. Que arrogante, orgulhoso e obstinado! Ela pensou um pouco e levou a última
fatia da torta para a carroça. Ao vê-la com o prato na mão, Cookie perguntou:
— Vai guardar essa torta pra aquele mal educado?
Ela sentiu o sangue afluir-lhe ao rosto.
— É claro que não. Mas sobrou este pedaço e, se você quiser, pode dar para ele
quando sarar do mau humor.
— Ele é muito orgulhoso, srta. Lynnie.
— E eu não sei disso? Além de orgulhoso, é rude e teimoso. Isso mesmo.
Parece um desses cavalos selvagens que se tornam excelentes quando alguém
consegue domá-los. Eu quero distância de cavalos e homens selvagens.
Ela desceu da carroça e foi para perto da fogueira. Os homens pararam de falar
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e se levantaram assim que ela se aproximou.


— Sentem-se e continuem a conversa — ela pediu.
— Srta. Lynnie, estávamos contando piadas não muito próprias para os ouvidos
de uma lady — Hank falou um tanto constrangido.
— Vocês não se acanhavam de contá-las perto de mim quando eu era Lee
Smith.
— Pedimos desculpas, srta. Lynnie, por deixá-la constrangida — disse
Comanche.
— Por que vocês não cantam?
Hank pegou o violão e começou a tocar músicas country bem conhecidas para
que todos pudessem cantar. Apesar de estar cantando também, Lynnie não deixou de
observar Ace. Viu quando ele se levantou da pedra onde estava sentado. Cookie fez
sinal para ele se aproximar da carroça. Ace hesitou, mas diante da insistência do velho
senhor, cedeu. O cozinheiro deu-lhe o pedaço de torta e uma caneca de café. Ele
comeu a torta e tomou o café com evidente prazer. Só faltou lamber o prato.
Poderia haver homem mais obstinado do que aquele? Ele não dava mesmo o
braço a torcer. Bem, em matéria de obstinação, tinha de admitir, ela não era muito
diferente. Se Ace Durango pretendia tornar o resto da viagem um inferno para ela,
haveria de encontrar um meio de quebrar a resistência dele para obrigá-lo a tratá-la
com civilidade. Para isso não lhe faltavam inteligência nem esperteza.
Na manhã seguinte, o rebanho estava sendo conduzido para a estrada, quando
um dos caubóis galopou até Pedro e Ace, alvoroçado.
— Ei, Pedro, nasceram quatro bezerros esta madrugada.
O rosto do velho mexicano ficou sombrio.
— Você sabe o que fazer, hombre, não tem outro jeito.
Vendo a expressão penalizada dos três, Lynnie indagou:
— Espere aí, o que temos de fazer num caso desses?
Ace sacudiu a cabeça.
— Lynnie, não podemos seguir com os bezerros. Eles não conseguem
acompanhar a marcha da boiada.
Ela olhou ao redor com mau pressentimento. Os homens evitaram encará-la.
— Então... o que vamos fazer com os bezerrinhos?
Pedro ia falar, hesitou, e olhou para Ace num apelo mudo.
Ace mordeu o lábio.
— As vacas seguirão conosco, os bezerros terão de ficar para trás, mas não
sobreviverão. Portanto...
— Portanto, o quê?
— Lynnie, seu cunhado não lhe explicou o que acontece com bezerros que
nascem durante uma viagem?
— Não. Você não está querendo dizer que vai matá-los, não é mesmo?
— Não temos outra saída, señorita — Pedro falou, consternado.
— Tem de haver um jeito! Vamos levá-los, nem que seja na carroça de
provisões.
— Como? O velho Cookie terá um ataque se souber disso — Ace replicou.
— Ouvi o que você disse — Cookie gritou. — Mas, se a srta. Lynnie quer lotar a
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parte de trás do carroção, com os bezerros, pra mim tudo bem.


Os homens se entreolharam, estupefatos.
— Mesmo assim, não adiantaria — Ace observou. — Todo caubói sabe que é
quase impossível uma vaca não rejeitar um bezerro que não seja o dela. Ela só aceita
seu próprio bezerro mamando nela. E, estando todos eles misturados na carroça, como
cada uma poderá identificar seu filhote?
— Não me conformo! Tem de haver um jeito — Lynnie insistiu.
— Ouça, Lynnie — a voz de Ace era quase gentil. — Nenhum de nós gosta de
matar bezerrinhos, mas...
— Espere! Já sei o que fazer. — Ela riu de contentamento — Tenho várias fitas
coloridas na bolsa da sela. Penélope Diniwiddy pediu para eu comprar tecidos que
combinem com as fitas.
Pedro mostrou-se confuso.
— Fitas?! No comprendo, señorita...
Lynnie tirou as fitas da bolsa da sela e explicou:
— É simples. Amarro uma fita no chifre da vaca e outra, da mesma cor, no
pescoço do bezerro. Assim, a mãe e o filho ficam identificados.
— Não acredito que estou ouvindo isso! — Ace falou empurrando o chapéu para
trás. — Você quer que caubóis rudes enfeitem umas vacas e seus bezerros com
fitinhas, como meninas faceiras?
— Por favor, Ace, pense nos pobres bezerros.
Ele ficou pensativo, depois olhou para Pedro.
— É... talvez funcione. O que acha, Pedro?
— Podemos tentar, pelo menos faremos a vontade desta lady.
— Está certo, pegue suas fitas e venha comigo — Ace convidou-a. — Vamos
enfeitar as vacas como se fossem damas indo a um baile.
O caubói levou-os ao lugar onde encontrara os bezerrinhos. Eles não tinham as
pernas muito firmes e tremiam enquanto mamavam na mãe.
— Oh, eles são preciosos! — Lynnie exclamou ao vê-los.
— Lynnie, não desmonte — Ace advertiu-a. — Estas chifrudas não gostam de
ninguém mexendo com seus bebês. Dê-me as ridículas fitas.
— Acho que cor-de-rosa vai bem nesta primeira dupla — ela opinou estendendo
para Ace um pedaço de fita cor-de-rosa.
Ao pegá-lo a mão dele tocou na dela e eles se olharam demoradamente. Mais
uma vez ela reparou que ele tinha lábios cheios e sensuais. Por fim, ele virou-se e
aproximou-se do bezerro. A vaca mugiu.
— Devo estar louco para me arriscar a morrer por causa de um bezerrinho que
não vale um dólar.
— Acho que você tem muita coragem.
— Hum, diga isso pro meu pai quando levarem meu corpo pra casa. — Ele
passou a fita ao redor do pescoço do animalzinho e deu um nó. — Está bem assim?
— Um laço ficaria melhor.
— Droga! Você quer me ver morto? — ele reclamou, mas deu o laço. — Me dê a
outra fita.
Ela inclinou-se sobre a sela para entregar-lhe a fita. Ao fazer isso, teve
consciência de que ele não perdeu a chance de olhar na curva dos seios dela. Com a
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pequena tira na mão, ele virou-se para a desconfiada vaca.


— Eia, vaquinha — ele falou mansamente. — Me deixe amarrar isto no seu
chifre sem me espetar, está bem?
A vaca pareceu não ter a menor intenção de cooperar.
— Ace, faça um laço com a fita e jogue no chifre dela — Lynnie sugeriu.
— Não dê palpite — ele cortou.
— Eu pensei que...
— Deixe que eu penso. Já me dei mal muitas vezes por causa de suas idéias. —
Bem devagar ele amarrou a fita no chifre pontudo da vaca. — Agora distraia a chifruda
enquanto eu pego o bezerro.
Lynnie tirou o chapéu e ficou agitando-o na frente da vaca. Imediatamente o
animal disparou na direção dela. Lynnie esporeou Bonny, que partiu a galope. A vaca
continuou a persegui-la até ouvir o berro do bezerro. Então voltou para trás, mas Ace já
estava montado e acomodara o animalzinho na frente da sela. Com o bezerrinho
berrando e a vaca mugindo atrás deles, Ace e Lynnie voltaram para a carroça grande.
— Pronto, Cookie, aqui está. — Ace entregou o bezerro ao velho senhor. —
Acomode-o.
A vaca continuou perto da carroça, mugindo.
— Estão vendo? A vaca seguirá perto do carroção sem nos causar problemas.
— Lynnie sorriu e virou-se para o animal. — Não se preocupe mamãe vaca, mais tarde
você terá seu filhote de volta.
Ace olhou para o céu como se pedisse paciência ao Todo-Poderoso.
— Certo, rapazes, onde estão os outros?
Eles trouxeram para a grande carroça o segundo e o terceiro bezerros, seguidos
pelas respectivas mães, sem nenhum incidente. Ganharam laços cor-de-lavanda e
azuis. Finalmente foram atrás do quarto. Encontraram um animalzinho raquítico, com
as pernas em X, e tão fraco que não conseguia ficar de pé. Para piorar, era vesgo.
— É fêmea — Ace declarou. — É a bezerra mais feia que já vi.
— Ela é minha — Lynnie anunciou. — Vou cuidar dela.
— Esta feiúra? — Ace zombou.
— Ela pode não ser bonita, mas tem personalidade. Vai se chamar Margarida.
A bezerrinha olhou para Lynnie e berrou. Isto é, a bezerra estava voltada para
Lynnie, mas sendo vesga, não era possível saber com certeza para quem ela olhava.
— Você viu? Ela gostou do nome.
— Hã! Me dê as fitas.
— Acho que amarelo vai combinar com Margarida.
Ace olhou sobre o ombro e viu a mãe de Margarida com a cabeça baixa, os
chifres apontados para ele de modo ameaçador.
— Lynnie, se você não der logo essa maldita fita...
— Pronto, aqui está. Não precisa ficar zangado.
— Você acaba com a paciência de qualquer um. Você nos fez atrasar duas
horas por causa de quatro bezerros sem valor. Eu avisei que seria um erro continuar
com uma mulher na comitiva. Mas o bando de bajuladores está se derretendo por
você...
— Ora, fique quieto e amarre logo uma fita amarela em Margarida e outra na
mãe.
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— Venha cá, bife ambulante, vou enfeitar você e seu bebê.


Lynnie observou-o enquanto amarrava as fitas na vaca, em Margarida, e
colocava com cuidado a bezerra na sela do seu cavalo. Quando seguiam para a
carroça com a vaca mugindo atrás deles, Ace comentou:
— Cookie vai reclamar das quatro mamães vacas acompanhando o carroção
todos os dias.
— Que nada. Cookie gosta de mim.
— Hã! Eu estava esquecendo que ele é outro que se derrete pela srta. Lynnie.
— Deixe disso, Ace. Quero aproveitar para lhe agradecer por ter feito o que eu
pedi. Eu não suportaria deixar os pobres bezerros morrerem.
— Não precisa me agradecer. Eu também não queria matá-los, mas eles vão dar
muito trabalho... bem mais do que valem. — Ace riu. — Quando voltarmos para casa e
eu contar o que aconteceu, ninguém vai acreditar em mim.
Eles puseram-se na estrada bem atrasados, com os quatro bezerros na carroça,
berrando, e as vacas do lado, mugindo. Foi um longo dia, mas venceram mais
quilômetros do que o esperado.
À noite, quando acamparam, Lynnie ajudou a tirar os bezerros do carroção para
deixá-los com as mães. Ace, que a observava, ficou impressionado com o carinho que
ela dispensava aos animais. Apesar da luta pelos direitos das mulheres, ela era
delicada e muito feminina. Ele chegou a pensar que Lynnie em muitas coisas lembrava
Cimarron. No mesmo instante ficou aborrecido por seu sentimentalismo; não podia se
enternecer, pois não pretendia facilitar as coisas para aquela mulherzinha abominável.
Cookie, que estava cada vez mais mudado e mais sóbrio, olhava sorridente para
os bezerros enfeitados.
— Não são umas gracinhas?
— Preciosos — Ace falou com sarcasmo e foi para trás de uns arbustos para
fazer uma necessidade.
Era uma amolação ter uma mulher viajando com eles. Todos eram obrigados a
maneirar nas palavras e nos modos; nenhum deles tinha mais a liberdade de
desabotoar as calças e cumprir despreocupadamente as funções biológicas.
O que mais o irritava, porém, era o fato de se surpreender olhando sempre para
Lynnie sem que ela percebesse. Achava incrível nunca ter notado que os cabelos dela
refletiam a luz como se fossem chamas; que a pele dela era macia e clara, com
algumas sardas que lhe emprestavam uma graça especial; que tinha um corpo muito
bem feito.
"Cuidado, hombre", ele disse a si mesmo. "Não deixe que ela o amoleça e o
transforme num capacho, como está fazendo com aqueles rapazes tolos. Pense nas
ardentes e bem-nutridas mulheres que esperam por você em Dodge City. Elas, sim,
sabem agradar um homem, enquanto Lynnie McBride nunca foi beijada.
Por um momento excitou-o a idéia de ser o primeiro a ensiná-la a beijar; a iniciá-
la na arte e nas delícias do amor. Em segundos, fantasias eróticas ocuparam-lhe a
mente e ele expulsou-as, aborrecido.
"O quê? Fazer amor com Lynnie McBride, aquela solteirona? Homem nenhum
haveria de querer passar a vida com uma mulher obstinada, autoritária, de nariz
empinado e com mania de limpeza".
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Lynnie adorou aquele dia de trabalho. Pela primeira vez ajudou os caubóis a ir
atrás das reses extraviadas para trazê-las de volta ao rebanho. Quando teve a
oportunidade, passou pelo carroção para saber como estavam os bezerros. Cookie
sorriu e lhe acenou.
— Estão ótimos, srta. Lynnie. Estou cuidando deles.
Ela lhe dirigiu o mais caloroso dos sorrisos.
— Eu tinha certeza de poder contar com você, Cookie. — Ela foi até Pedro. —
As coisas estão bem?
O mexicano assentiu com um movimento da cabeça.
— Si. Em dois ou três dias cruzaremos o rio Vermelho e estaremos no Território
índio.
—Mas você parece preocupado. Por quê?—ela questionou, tendo notado as
rugas na testa de Pedro.
— Atravessar o rio Vermelho é sempre motivo de preocupação. Muitos bons
caubóis já morreram afogados naquele rio quando o atravessavam com uma boiada.
Imagens do gado se debatendo, empinando e relinchando, homens lutando
contra a correnteza, formaram-se na mente de Lynnie.
— Temos você, Pedro, e confiamos na sua experiência para nos levar até a
outra margem do rio com sucesso.
— Si, já atravessei o Vermelho várias vezes. Conheço os trechos mais rasos.
— Ainda bem, porque os caubóis não têm experiência.
Ela afastou-se de Pedro e cavalgou até Ace. Ele estava suado, com a camisa
grudada ao corpo, modelando cada pedacinho do largo tórax. Ela foi descendo o olhar
e admirou os contornos das coxas musculosas bem marcados pela calça justa. Ao
focalizar a virilha, arregalou os olhos. Lembrou-se daquele fim de tarde em que o vira
completamente nu e sentiu o rosto queimar.
Ace percebeu aquele rubor e perguntou:
— O que aconteceu? Você está vermelha como um pimentão.
— Nada. Estou corada... por causa do sol — gaguejou. — Eu estava
conversando com Pedro e ele disse que chegaremos ao rio Vermelho em dois ou três
dias.
— Ainda bem que Pedro está conosco. Para atravessar o rio Vermelho um
condutor de boiada tem de saber o que está fazendo. Esse rio já matou muita gente.
Lynnie estava prestando mais atenção no corpo de Ace do que no que ele dizia.
Envergonhada, censurou-se:
"Que pensamentos impróprios são esses? Desse jeito você não parece muito
melhor do que as garotas da srta. Fancy".
Mas sua mente rebelde continuou livre e solta. Tentou imaginar o que Ace
poderia fazer quando estava com aquelas mulheres. De repente, uma fantasia
surpreendeu-a. Ace, forte, moreno, sensual, nu, a agarrava e a deitava sobre lençóis
alvos...
— Lynnie! O que há? Você parece nervosa e tensa.
— Nada. — Ela esporeou a égua e afastou-se.

No meio da tarde começou a ventar forte. Redemoinhos perturbavam o sossego


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da pradaria. O sol tornara-se vermelho.


— Isto não é bom. — Pedro abanou a cabeça, muito sério. — As folhas, o mato
e os gravetos trazidos pela ventania espantam o gado.
— Não seria melhor acamparmos mais cedo? — indagou Ace.
— Si, transmita o recado. Há um riacho logo adiante.
Lynnie respirou aliviada. Estava exausta, embora não quisesse admiti-lo. Queria
muito tomar um bom banho e lavar algumas peças de roupa.
O gado estava inquieto, batia os cascos e berrava.
— Esta noite dobraremos a guarda, hombres — Pedro avisou. — Temos de
manter o rebanho tranqüilo para evitar uma debandada. E todos devem deixar os
cavalos selados para qualquer emergência.
— Enquanto os homens cuidam do rebanho, eu gostaria de ir até o riacho lavar
algumas peças de roupa — Lynnie disse a Pedro.
— Pode ir, srta. Lynnie. Como sempre, hoje você já fez mais do que sua
obrigação.
Cookie emprestou-lhe um pedaço de sabão e ela desceu para o riacho. Lavou
suas roupas e não resistindo, decidiu tomar um banho completo, e não apenas se
lavar. Olhou ao redor. Não havia ninguém por perto. Tirou as roupas e entrou na água
fria. A sensação era deliciosa. Quando terminou o banho, vendo que a ventania tinha
abrandado um pouco, estendeu nos arbustos, para secar, a roupa lavada. Assustou-se
quando algumas peças foram arrancadas pelo vento e arremessadas longe. O gado
começou a berrar, a mugir, muito inquieto.
— O que é isto? — Ace perguntou, abismado ao ver passar por ele peças
femininas infladas como um balão.
Algumas dela foram cair no meio do rebanho já assustado. À medida que as
rajadas de vento tornavam-se mais fortes, as peças rodopiavam e o pânico aumentava.
Os homens não conseguiam controlar o gado desnorteado que se movia em círculos,
berrando.
— A boiada vai estourar! — Hank gritou.
Lynnie ficou semi-paralisada observando a cena assustadora. O imenso
rebanho, formado de milhares de reses agitadas, parecia um mar ondulante de chifres.
Não demorou muito o gado saiu em desabalada carreira.

Capítulo XIII

Estouro da boiada! — Ace gritou. — Maldição! Vamos! Temos de controlar o


rebanho!
Cada caubói saltou para a sela do seu cavalo. Lynnie fez o mesmo.
— Você, não! — Ace protestou, vermelho de raiva. — A culpa foi sua. Você já
causou muita confusão. Saia da frente!
— Não vou discutir com você, mas eu tive culpa e vou ajudar a reunir a boiada.
Ela montou Bonny e partiu a galope, seguindo do lado do rebanho em pânico. A
grande carroça de provisões estava no meio do caminho e ela gritou para Cookie ter
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cuidado. O velho senhor, que estava segurando um dos bezerros, agachou-se


depressa com o animalzinho junto da lateral da carroça. A boiada passou fazendo a
pesada carroça tremer e tombar de lado. Lynnie não parou para ver se Cookie estava
bem. No momento, o mais importante era deter aquela manada em pânico.
Todos os caubóis tentavam manter o rebanho unido; se o gado se dividisse e se
espalhasse pela pradaria, muitas cabeças se extraviariam, e nunca seriam
encontradas. No meio da nuvem densa de pó, não muito longe do carroção, Lynnie viu
Pedro galopando. De repente o cavalo dele tropeçou e ele caiu de lado, livrando-se de
ser pisado pelo animal. Pelo grito que ele deu, Lynnie soube que estava machucado.
Aquilo parecia um pesadelo. O barulho dos milhares de cascos dos animais
batendo no solo duro e seco, naquela disparada louca, era semelhante ao de um
tornado ou do estrondo de trovões. Lynnie sentia na boca o gosto de terra e os dentes
rilhando. Se quisesse enxergar, tinha de limpar de quando em quando as lentes dos
óculos que ficavam cobertas com uma camada do pó vermelho que levantava do chão.
Ace, e os outros homens galopavam na frente do rebanho tentando deter os
animais que guiavam a manada, expondo-se a grande perigo. Ela rezou para nada
acontecer com Ace nem com aqueles rapazes. Reconhecendo sua parte de culpa no
estouro da boiada, pois tinham sido suas peças de roupa que acabaram de espantar o
gado já inquieto, Lynnie esporeou Bonny e galopou até ficar ao lado do grande
garanhão preto de Ace.
— O quê? Você? Suma daqui! — ele falou, zangado, e acenou-lhe para se
afastar. — Isto aqui não é trabalho pra mulher.
Ela ignorou-o. Era boa amazona, não tinha medo, e Bonny, apesar da aparência
e da magreza, provara que era resistente e veloz. Lynnie tirou da bolsa da sela as
calças do bloomer verde que pretendia usar em Dodge City, e passou na frente de Ace.
Quando se viu diante daquela multidão de chifres que reluziam com os últimos raios de
sol, os grandes olhos se movimentando de terror, Lynnie sentiu o coração quase parar.
Respirou fundo e começou a agitar as calças verdes.
— Hah! Para trás! Hah!
— O que está fazendo, sua idiota! — Ace emparelhou seu cavalo com a égua e
começou a dar tiros para o alto com a pistola.
Hank e Comanche ficaram do outro lado atirando também, cercando o rebanho.
Com o estrondo dos tiros o gado hesitou, parou de correr, e começou a andar em
círculo. As reses que vinham atrás tropeçaram nas que estavam na frente.
Subitamente, Lynnie lembrou-se de uma frase que tinha lido numa das histórias antigas
de caubóis, e que dizia: "O gado, quase sempre, se move em círculos para a direita".
Sabendo disso, ela tocou Bonny para frente dos bois e, diante dos caubóis atônitos,
começou a agitar as calças verdes do bloomer. O gado também parecia espantado. Se
eles parassem de andar em círculo e disparassem de novo, ela e Bonny seriam
esmagadas pela grande massa marrom, e sobraria bem pouco para ser enterrado.
Naquele instante Bonny refugou e relinchou, quase derrubando Lynnie da sela,
deixando-a apavorada. Ela nunca sentira tanto medo em sua vida.
— Hah! Para trás! Hah! — Ace gritou e disparou a pistola novamente.
Vários homens, estalando os chicotes, conseguiram deter os líderes e obrigaram
o gado a parar. O rebanho tornou-se uma grande massa inquieta, nervosa, cansada e
suja, que mal conseguia andar. Os caubóis começaram a cantar para acalmar os
animais assustados. Lynnie respirou aliviada ao ver que o perigo tinha passado. Levou
a égua para a beira da estrada, desmontou e sentou-se no chão. Tremia tanto,
lembrando-se de que havia estado bem perto da morte.
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Ace galopou até ela.


— Sua irresponsável! Você quase matou todos nós. — Ele desmontou e ao olhar
no rosto dela, ficou preocupado. — Você está bem?
— Eu... eu não queria causar tudo isso... mas... aconteceu — ela gaguejou com
lágrimas nos olhos.
— Agora está tudo bem. Ninguém se feriu. — Meio desajeitadamente, Ace
puxou-a para junto do peito e passou a mão nos cabelos dela.
— O carroção! E Pedro! — ela lembrou. — Vi quando o carroção tombou.
Também vi o cavalo de Pedro derrubá-lo.
Ace levantou-se praguejando e saltou na sela do garanhão.
— Só me aparecem problemas!
Lynnie o ouviu. Reconheceu que Ace tinha razão de estar furioso; por causa dela
já se envolvera em tantas encrencas. Lembrando-se do conforto dos braços dele,
sentiu-se tão só e infeliz. Suspirou, enxugou as lágrimas e montou Bonny. Tinha de ver
se Cookie e Pedro estavam bem. Que fiasco! Quisera provar que as mulheres podiam
fazer as coisas tão bem quanto os homens e só causara confusão. Passou de cabeça
baixa pelos caubóis que estavam ocupados cercando e laçando os animais que se
haviam separado do rebanho durante o estouro da boiada. Como todos eles deviam
odiá-la por aquele desastre!
Lynnie viu Ace colocando Pedro encostado num toco e foi até eles. O cavalo do
mexicano continuava parado no lugar onde derrubara o dono. Ela desmontou.
— Oh, Pedro, sinto muito, muito mesmo. Eu não...
— Está tudo bem, señorita. Eu acabava de dizer ao rapaz aqui que não
aconteceu nada grave comigo.
— Você quebrou uma perna, amigo — Ace constatou ao examiná-lo. — Não vai
poder montar. Vou buscar um pouco de uísque na carroça.
— A carroça! E Cookie! Esquecemos dele. Será que está bem?
— Aquele velho bêbado está curtido demais para se machucar — observou Ace,
mas seu rosto demonstrava sua preocupação.
Nem bem acabou de falar ouviu a voz de Cookie.
— Ouvi o que você disse, seu malcriado.
Lynnie e Ace riram aliviados. A voz tinha vindo do carroção e eles correram até
lá. Espiaram por uma fresta e viram Cookie coberto de farinha, esparramado no meio
das latas de mantimentos, com os quatro bezerros enfeitados caídos por cima dele,
berrando em protesto.
— Você está ferido? — Lynnie quis saber.
— Não. Ferida está apenas a minha dignidade — o velho senhor queixou-se.
Hank, Joe e outro rapaz se aproximaram a cavalo.
— Ajudem-me a levantar o carroção. Depois vamos ver o que pode ser feito com
Pedro.
Os rapazes, empoeirados e exaustos, desmontaram.
— Pedro está muito ferido?
— Quebrou uma perna. Temos de mandá-lo de volta.
— Sinto muito. A culpa foi minha — Lynnie falou, realmente pesarosa.
— A culpa foi nossa por aceitarmos uma mulher numa viagem destas. Isto não é
vida nem trabalho para uma mulher — tornou Ace secamente.
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Hank foi em defesa de Lynnie.


— Ace, não seja tão severo com esta lady. Ela não teve a intenção de provocar o
estouro da boiada. Além disso, temos de admitir que o gado já estava agitado por
causa da ventania e dos redemoinhos; se não se assustasse com aquelas peças de
roupa, assustaria com qualquer outra coisa.
— Seja como for, o estrago está feito. — Ace virou-se para o cozinheiro. —
Segure firme, Cookie, vamos erguer o carroção.
Não demorou muito, os quatro homens endireitaram o veículo. Ace dispensou os
rapazes, verificou se o carroção não tinha sofrido nenhum dano sério e foi ver Cookie.
— Como você está, amigo?
— Bem. Só um pouco pisoteado por estes pestinhas — ele respondeu tirando
um dos bezerros do colo.
— Lynnie, suba no carroção e pegue algumas bandagens e uísque — Ace
ordenou.
— Uísque! Temos uísque? — Cookie indagou com os olhos brilhando.
— Como eu o conheço bem, seu beberrão, escondi o uísque na garrafa de
linimento — Ace revelou e foi para junto de Pedro.
— Truque sujo — Cookie resmungou. — Ainda bem que a minha garrafa de
baunilha está inteira.
Ele ficou de pé, sacudiu a farinha do corpo e passou a limpar os bezerros.
Margarida parecia um fantasma, tão branca de farinha estava. Lynnie pegou as
bandagens, a garrafa com uísque, desceu do carroção e foi atrás de Ace. Havia um
grupo ao redor de Pedro. Comanche estava agachado; tinha arranjado alguns galhos
caídos de choupo que podiam ser usados como tala.
— Como é? Dói muito, compadre? — Ace indagou a Pedro e entregou-lhe a
garrafa com o uísque.
O suor escorria do rosto trigueiro do mexicano. Ele tomou um bom gole da
bebida.
— Dói um pouco, mas com a bandagem acho que poderei continuar.
Lynnie e Ace entreolharam-se. Além de exausto, ele estava muito preocupado.
Pela primeira vez os largos ombros pareciam caídos. Todos sabiam que Pedro não
poderia cavalgar estando com a perna quebrada.
"Este é o fim da viagem, e tudo por minha culpa", Lynnie pensou.
Sem um homem experiente como Pedro, eles seriam obrigados a interromper a
viagem. Era verdade que Cookie tinha experiência, mas com sua paixão pela bebida,
não merecia confiança. Eles teriam de voltar para casa vencidos, como cães de caça
malogrados, com o rabo entre as pernas, enquanto Willis Forrester e Purdy chegariam
a Dodge City com sucesso. Alcançariam o preço mais alto por seu rebanho e
retornariam triunfantes para o Texas.
Com a orientação de Pedro, os rapazes imobilizaram a perna quebrada com as
talas e a enfaixaram bem. Colocaram o mexicano num cobertor e o carregaram para o
acampamento. Cookie já havia acendido o fogo para fazer café. Ele ainda estava meio
enfarinhado, mas sorria feliz. Lynnie, que se afeiçoara ao velho, sabia que ele tinha
prazer em ser útil e amava ouvir elogios.
— Os rapazes me disseram que um dos novilhos morreu por causa do estouro
da boiada. Portanto, teremos carne fresca para quem estiver com fome.
Os caubóis sorriram.
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— E alguém já viu um caubói que não esteja faminto? — indagou Hank.

Depois do jantar com muita fartura de carne, os homens se reuniram ao redor do


fogo para conversar e contar histórias. Lynnie sentia-se tão envergonhada que não
teve coragem de encará-los.
— Acho que eu posso me sentar numa sela — Pedro disse. Ace sacudiu a
cabeça.
— Gracias, compadre, mas não vou permitir que você nem ao menos tente fazer
isso. Há uma ferrovia aqui perto?
— Há um ramal a uns bons quilômetros daqui, ao Leste. Faz conexão com a
ferrovia principal — Pedro informou. — Por quê?
— Temos de embarcá-lo nesse trem, amigo.
— Não há outro chefe de comitiva experiente como eu! — Pedro protestou. —
Se você me mandar pra casa, terá de interromper a viagem.
Os caubóis também protestaram.
— Não! Desistir nunca! Não podemos deixar que os arrogantes Forrester e
Purdy levem a melhor!
— Lamento, mas creio que não temos escolha — assinalou Ace.
Fez-se um longo silêncio. Ace enrolou um cigarro e acendeu-o com um graveto
tirado da fogueira. Parecia perdido em seus pensamentos. A certa altura falou
distraidamente:
— Meu Deus, quantas vezes meu pai tentou me ensinar coisas sobre a lida com
o gado e eu nunca me interessei em aprender. Agora vejo que não sei nada, não tenho
a menor prática.
Pedro dirigiu-lhe um sorriso afetuoso.
— Está no seu sangue, não se preocupe. Os Durango têm sido criadores de
gado há muitas gerações. Você continuará essa linhagem, amigo. Dê tempo ao tempo.
Algum dia será tão bom quanto seu pai.
— Algum dia, Pedro? Estou com problemas agora e me sinto um inútil. — Ace
levantou-se abruptamente e deixou o grupo, indo olhar as estrelas.
Pedro seguiu-o com os olhos e abanou a cabeça.
— Ele sente culpa e remorso.
— Pois não devia — Lynnie replicou, sentindo pena de Ace.
— Eu causei o estouro da boiada e devo a vocês todos meu pedido de
desculpas.
— O que é isso, srta. Lynnie? Ninguém está contra você, não — disse
Comanche. — Você arriscou sua vida para obrigar o rebanho a parar de correr.
— Mas isso não me faz sentir melhor.
— Bem, Pedro, o que podemos fazer? — Hank perguntou.
— Você tem alguma idéia?
— Por mais que eu odeie admitir, Ace está certo. Não posso montar e serei um
fardo para vocês. Ao mesmo tempo, vocês não podem continuar a viagem sem um
chefe. A solução talvez seja juntar nossa boiada com a de Forrester. Nós voltaremos
para casa de trem.
— Nunca! — Lynnie quase gritou. — Não confio em Willis Forrester. Eu sei que a
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primeira coisa que ele há de fazer, será matar Margarida e os outros bezerros.
— Pedro, você acha que Ace seria capaz de terminar esta viagem? — indagou
Joe.
Pedro hesitou.
— Não sei. O trabalho de um chefe de comitiva é árduo e exige hombres
especiais. Hombres com garra, que põem a alma e o coração no que estão fazendo.
Está no sangue, sim, mas receio que Ace ainda não esteja pronto. Enfim, a decisão só
pode ser dele.
Reinou na roda um clima de incerteza. Lynnie imaginou que todos estavam
pensando que Ace Durango, moço rico, mimado, irresponsável, cujos interesses eram
o jogo, mulheres e bebida, seria incapaz de substituir Pedro.
Um dos homens arriscou-se a opinar:
— Mesmo que a gente quisesse que Ace assumisse o comando, ele não
aceitaria. Se vocês estão lembrados, ele vem insistindo para voltarmos para casa
desde o início desta viagem.
Isso era verdade, os caubóis reconheceram. Lynnie dirigiu-se a Pedro.
— O que você diz a isso?
— Ele é forte e corajoso. Só acho que lhe falta mais autoconfiança.
— Vou falar com ele. — Lynnie levantou-se e foi atrás de Ace.
Chamou-o, mas ele nem se virou para olhar para ela.
— O que você quer? — Ele parecia triste, deprimido.
— Conversar. Os rapazes estão considerando a possibilidade de continuarmos a
viagem sem Pedro.
Ace ficou em silêncio por vários segundos.
— Os homens devem ter confiança no seu chefe — disse ele, finalmente. —
Você acha que eles confiariam em mim? Todos me conhecem como um jogador,
mulherengo, desordeiro, entre outras coisas. Os vaqueiros sérios me consideram uma
piada, sei disso.
— Acho que você pode provar o seu valor. O momento é este — disse ela pondo
a mão no braço dele.
— Eu nunca senti, realmente, que tinha algum valor. Você pode imaginar o que
seja tentar corresponder às expectativas de um pai como o meu? Trace Durango é
uma lenda viva em todo o Texas. É respeitado, é maior do que sua própria vida. Eu
nunca achei que poderia ser um homem como ele.
— Pois errou no seu julgamento. Você pode ser como Trace.
Ace continuava de costas e virou-se bruscamente.
— Você, melhor do que ninguém, sabe que tipo de homem eu sou; um inútil,
uma piada.
Ele parecia tão arrasado que ela, não resistindo ao impulso, beijou-o. Os olhos
escuros mostraram-se surpresos. Em seguida, Ace enlaçou-a pela cintura e seus lábios
se apossaram dos dela. A princípio ela ficou atônita com a própria reação e a atitude
dele. Sentindo o calor do beijo de Ace e a maciez dos seus lábios, entregou-se no
círculo seguro daqueles braços fortes. Eles ficaram unidos experimentando sensações
inexprimíveis naquele momento que, para Lynnie, estava sendo o mais doce e perfeito
de sua vida.
O momento mágico terminou tão rapidamente quanto havia começado. Ace
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separou-se dela e deu um passo para trás.


— O que estou fazendo?
A expressão chocada dele e seu tom de voz fizeram com que Lynnie se sentisse
insultada e humilhada.
— Eu comecei isso, Ace. Você não deve estar acostumado com moças que
tomam a iniciativa de beijá-lo.
— Por certo que não. E é melhor você não se acostumar a fazer isso, pois terá
problema se beijar o homem errado.
Lembrando-se da maravilhosa sensação provocada pelo beijo dele, teve vontade
de perguntar a que tipo de problema ele se referia. Porém, conteve-se.
— Os... rapazes... querem que você volte para perto da fogueira. Eles acham
que você deve substituir Pedro.
— Droga! Não tenho experiência, muito menos coragem nem cabeça para
assumir uma responsabilidade dessas.
— Tem, Ace. Confio em você — ela falou com a maior convicção.
Diante da firmeza na voz dela, Ace arqueou as sobrancelhas.
— Lady, você me surpreende.
Sem outra palavra, ele voltou para junto dos outros. Lynnie seguiu-o mais
devagar, tentando acalmar os sentimentos confusos. Aquele fora seu primeiro beijo e
despertara nela uma paixão intensa que jamais imaginara que pudesse existir.
Subitamente parou de andar. Ace Durango? Não era possível. Devia ter levado uma
pancada na cabeça durante o estouro da boiada. E pancada bem forte.
Os homens ao redor da fogueira discutiam animadamente quando Lynnie voltou
a sentar-se no lugar onde estivera momentos atrás. Ace tinha acabado de propor que a
situação fosse analisada com cuidado para saber se haveria condições de a viagem
continuar.
— A sugestão de fazermos uma esteira para levar Pedro até o trem é muito boa
— Ace aprovou. — Bastarão dois rapazes para acompanhá-lo. Chegando à estação
eles enviarão um telegrama para meu pai mandar alguém, numa condução, buscar
Pedro.
Nos rostos sérios havia um vislumbre de esperança.
— Agora temos de decidir o ponto mais importante: vocês são loucos o bastante
para continuar com um chefe de comitiva sem a menor experiência?
Hank ficou de pé e passou a mão pelos cabelos castanhos encaracolados.
— Meu voto é "sim". Acho que você é capaz, Ace. Não quero voltar para casa
derrotado e de cabeça baixa.
Houve um murmúrio de aprovação.
— Também estamos com você, Ace. Confiamos na sua capacidade.
Foi a vez de Lynnie ficar de pé.
— Vamos continuar a viagem, tendo você como chefe.
— Senhorita, não importa o que os homens decidam, você não irá conosco —
Ace declarou.
Ela sentiu seu ânimo desabar.
— O... que... quer dizer com isso?
— Quero dizer que temos à nossa frente o trecho mais difícil da viagem. Não
posso me responsabilizar por você. Tio Maverick jamais me perdoaria se algo lhe
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acontecesse.
— Eu sei me cuidar. E, voltando ao jogo de pôquer, eu ganhei; se não estou
enganada,o nosso trato era que eu podia continuar com vocês.
Fez-se silêncio. Lynnie chegou a temer que cometera um erro ao mencionar que
tinha derrotado Ace nas cartas. Ele pigarreou.
— Digamos que, tendo sido você quem provocou o estouro da boiada, estamos
quites.
— Não é justo mudar o que foi tratado — Lynnie protestou. — Uma coisa não
tem nada a ver com a outra, mas você quer arranjar um pretexto pra se livrar de mim.
— Ei, Ace, a srta. Lynnie é uma garota de coragem — disse Cookie. — Eu
odiaria perdê-la.
Lynnie encarou Ace com expressão de desafio.
— Alguém aqui não pensa como você, Cookie. Mas você sabe do que é capaz
um perdedor ferido...
— Pense e diga o que você quiser. Amanhã cedo Pedro será levado para a
estação e você também irá para casa.
— Não é justo! Não é justo mesmo!
Os homens olharam para ela com simpatia.
— Ouça, jovem lady, atravessaremos alguns rios perigosos, entraremos no
Território índio e teremos outras dificuldades — Ace mencionou pacientemente. —
Espero que entenda que são problemas demais, mesmo sem a gente ter de lidar com
calças e outras peças íntimas femininas.
— Eu já disse não quis provocar o estouro da boiada. E já pedi desculpas.
— Não quis, mas provocou. E desculpas não remediam os estragos. Você vive
falando em igualdade de direitos, mas todos os homens irão cercá-la de cuidados e
atenções. Não, srta. McBride, não precisamos de distração feminina.
Lynnie voltou-se para Pedro com um apelo no olhar.
— Sinto muito, señorita, mas, se Ace é o novo chefe, sua palavra, de agora em
diante, é lei.
— Odeio você, Ace Durango! — Lynnie pegou o rolo com o colchonete e as
cobertas e foi deitar-se perto da égua.
— Você ouviu, Bonny? Amanhã cedo eles nos colocarão num trem. Posso
esquecer Dodge City.
A égua relinchou e esfregou o focinho no braço de Lynnie, recebendo dela um
agrado.
O pior, Lynnie pensou, era voltar para casa frustrada por não ter comparecido ao
grande encontro das sufragistas. Que Ace Durango se danasse, mesmo tendo ele a
beijado. Ou teria sido ela quem o beijara? Bem, uma coisa era certa, aquele beijo
jamais teria acontecido se ela soubesse que o miserável pretendia excluí-la da viagem.
Ela dormiu chorando. Sonhou que estava nos braços de Ace Durango e ele a
beijava apaixonadamente. Entre os beijos sussurrava no seu ouvido: "Acredito que
homens e mulheres devem ter os mesmos direitos". Acordou ciente de que só mesmo
em sonhos Ace diria algo semelhante. Machista, presumido e teimoso como uma mula!
Oh, Percival ou Félix, modelo de homem civilizado, onde você está?
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 116

Pela manhã, Pedro foi colocado na esteira, feita pelos rapazes com galhos de
salgueiro e forrada com cobertores, que já estava atrelada a um cavalo. Hank e Joe
foram designados para levar o chefe acidentado e Lynnie até a estação.
— Assim que embarcarem Pedro, a srta. McBride e as montarias, voltem para
esta estrada e nos encontrem, bem mais ao norte — Ace ordenou. — Deixaremos o
gado pastando mais duas horas, depois partiremos.
Lynnie tentou mais uma vez antes de montar Bonny.
— Por favor, Ace, dê-me outra chance.
— Não. — Ele nem olhou para ela. — Você só aumentaria meus problemas e
problemas já tenho demais. Diga a meu pai que telegrafarei quando chegarmos a
Dodge City. Isto é... se chegarmos lá.
Furiosa, ela atacou:
— Egoísta! Para você tudo o que importa é livrar-se de mim e concluir esta
viagem, só para mostrar do que é capaz.
— Você vai montar nessa égua ou prefere que eu a ponha na sela?
— Tente, seu...!
Antes de terminar a frase viu-se no ar e jogada em cima da sela, apesar dos
chutes, mordidas e gritos.
— Odeio você, Ace Durango!
Ace fez com a cabeça um sinal para os dois rapazes.
— Não saiam de perto dela e a coloquem naquele trem com Pedro. — Ele
inclinou-se para o amigo. — Você está bem? Acha que vai agüentar até chegar em
casa?
— Sim, estou muito bem. — Pedro estendeu a mão para apertar a de Ace. — Só
lamento não terminar a viagem com vocês.
— Também lamento. — Ace apertou a mão calejada e morena do mexicano. Por
um instante seus receios e sua insegurança espelharam-se no belo rosto. — Deseje-
nos sorte; vamos precisar muito dela.
A expressão dele sensibilizou Lynnie. Teve certeza de que poderia ajudá-lo caso
tivesse permissão de ficar. Mas o grande presunçoso nunca admitiria que poderia
precisar da ajuda de uma mulher.
Os caubóis acenaram com os chapéus e o pequeno grupo partiu.
— Adeus, Pedro, adeus, srta. Lynnie.
Lynnie olhou para trás.
— Cookie, cuide bem de Margarida.
O velho senhor tomou um gole de sua bebida com baunilha. Estava realmente
pesaroso.
Eles rumaram para o Leste, deixando para trás o acampamento e a enorme
manada pastando, mugindo, berrando.
Da esteira, Pedro ergueu a cabeça para poder olhar para Lynnie.
— A decisão de Ace foi a melhor, señorita. Eles têm pela frente grandes
desafios. A travessia do rio Vermelho é um deles. Depois há o Território índio onde,
muitas vezes, alguns guerreiros saem da reserva e causam problema. Mais para o
norte há o rio Cimarron, traiçoeiro, com areias movediças.
Lynnie sabia que Cimarron queria dizer "bravio": o perigoso rio era lendário. Ela
suspirou e virou-se na sela para olhar para trás.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 117

— Vocês acham que dará tudo certo? Ace ficará bem?


— Ele conseguirá conduzir o gado até seu destino, srta. Lynnie — Joe
tranqüilizou-a.
— Não estou preocupada com o gado... — ela falou sem pensar e os três
homens olharam para ela curiosos. Ela emendou: — Minha preocupação é com os
homens.
"Um homem", pensou com raiva de si mesma por não conseguir tirar da mente
aquele imbecil intratável.
Como eles viajaram devagar, porque o cavalo de Hank arrastava a esteira,
chegaram ao vilarejo onde ficava a estação no fim da tarde. Só uma hora depois o trem
parou na plataforma resfolegando e soltando grandes rolos de fumaça. Bonny e o
cavalo de Pedro foram levados para um dos vagões de carga. Hank foi passar o
telegrama e comprar os bilhetes.
— Bem, Pedro, creio que isto é tudo que pode ser feito — disse Joe
timidamente. — Você acha que dá para agüentar a viagem?
— Sim, não se preocupe. Os assentos do trem são bem confortáveis.
Joe voltou-se para Lynnie.
— É uma pena que tenha de ir, srta. Lynnie. Você sabe que todos nós
gostávamos da sua companhia. A viagem não será a mesma sem você.
— Está tudo bem. A culpa não é de vocês, e, sim, daquele asno que ficou lá no
acampamento.
Hank chegou com os bilhetes.
— O telegrama está sendo enviado. O pessoal do Triplo D estará à espera de
vocês com uma condução.
O chefe de trem ajudou os dois rapazes a levar Pedro para um dos bancos do
vagão de passageiros, e o acomodaram de modo que ele pudesse manter a perna
esticada. As poucas pessoas que estavam no vagão olharam para Lynnie com
curiosidade porque ela usava roupas de homem. Ela ignorou-as.
Hank consultou seu relógio.
— O trem partirá em poucos minutos. Srta. Lynnie, por favor, dê lembranças à
srta. Penélope.
Lynnie sorriu para ele.
— Não me esquecerei, Hank. E agora, rapazes, voltem para alcançar o rebanho
antes do escurecer. Quanto mais ficam aqui, conversando, mais aumenta a distância
entre vocês e a comitiva.
— Vocês têm certeza de que estão bem? Não precisam de mais nada? — Joe
indagou.
— Podem ir, amigos. Tudo o que temos a fazer é nos sentar nestes assentos
macios e apreciar a paisagem enquanto o trem nos leva a nosso destino.
— Se é assim... Adeus. Boa viagem.
Hank e Joe desembarcaram e ficaram mais alguns segundos na plataforma
acenando. Em seguida montaram seus cavalos e rumaram para o Oeste. Pela janela
Lynnie ficou olhando para os dois até perdê-los de vista. Sentia-se derrotada. Para
aumentar seu desalento, não deixava de pensar em Ace. Receava que ele não
conseguisse chegar a Dodge City sem a ajuda dela.
— Vamos voltar para casa. — Lynnie suspirou.
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— Si, e isto me deixa muito triste, señorita. Ace é um homem obstinado.


— Obstinado é um termo muito leve para se referir àquele bruto.
— Você gosta dele?
Lynnie piscou algumas vezes.
— Está brincando, Pedro? Como eu poderia gostar de Ace Durango? Ele tem
sido uma pedra no meu sapato desde que me levou ao baile de São Valentim. E
quando éramos crianças ele não se cansava de me aborrecer. Estou feliz por me ver
livre dele. Pobre da moça que se casar com ele.
Pedro não disse nada. Sua atenção voltou-se para uma espanhola rechonchuda,
de meia-idade, que estava sentada no banco do lado. Sorriu para ela e recebeu um
sorriso tímido de volta.
Lynnie inclinou-se e sussurrou para a mulher:
— Señora, este é o condutor-chefe de rebanhos do Triplo D. Já ouviu falar nesse
rancho?
— Oh, si, si! — A mulher assentiu, evidentemente impressionada. — Ele está
ferido?
— Quebrou a perna. O señor Pedro é um herói. Acidentou-se durante o estouro
da boiada e temos de mandá-lo de volta para casa; vamos terminar a viagem sem ele.
— Ohh. — A mulher olhou para Pedro com simpatia e sorriu para ele novamente.
Lynnie continuou a conversa, sempre falando baixo.
— O trem vai partir e eu terei de desembarcar. Estou muito preocupada porque
não conheço ninguém que possa cuidar do señor Pedro durante a viagem.
A mulher endireitou os ombros.
— Pois não se preocupe, señorita, eu, Maria Sanchos, cuidarei para que ele
tenha neste trem o melhor tratamento.
Lynnie sorriu. Assim que vira a simpática senhora tivera a idéia de confiar Pedro
a ela e desembarcar. Como havia pensado, tudo estava saindo de acordo com seu
plano. Voltou-se para Pedro.
— A amável señora do assento ao lado ficou penalizada quando eu lhe contei
que você quebrou a perna e se ofereceu para cuidar de você durante a viagem.
— Ahh! — Pedro admirou-se e sorriu. — Isto quer dizer que você não irá
comigo?
— O que você acha? — Ela sorriu também e levantou-se. — Pensei bem e
concluí que Ace Durango não chegará ao Kansas com aquele rebanho sem a minha
ajuda.
Pedro deu uma sonora risada.
— Oh, señorita, Ace ficará bravo como um touro com a sua desobediência.
Ela sacudiu os ombros.
— Pode ficar bravo à vontade. O que eu sei é que ele não poderá dispensar
seus homens para me pôr no trem novamente. Diga à minha irmã que estou bem e
entrarei em contato com ela assim que chegar a Dodge City. — Inclinando-se, ela
beijou o rosto de Pedro. — Boa sorte e boa viagem.
— Adios, vaya con Dios, señorita. Boa sorte pra você também. Vai precisar dela
quando aparecer no acampamento. Eu gostaria de estar lá pra ver a cara de Ace.
Realmente, ele ficaria louco de raiva, Lynnie sabia disso. A imagem dele furioso
fez com que ela hesitasse por uns segundos. Poderia enfrentar Ace Durango?
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O chefe da estação gritou:


— Embarquem todos! O trem vai partir! Embarquem todos!
Lynnie correu pelo corredor do vagão.
— Um momento! Esperem, por favor! Estou desembarcando. Alguém precisa
tirar minha égua do segundo vagão. É um animal cinzento.
Minutos depois, montada em Bonny, acenou para Pedro e viu, sorridente, o trem
se afastar soltando densas baforadas de fumaça pela pradaria, indo para o sul. Ela
virou a égua e afastou-se da estação devagar.
Ainda estava preocupada. Pedro tinha razão; Ace ficaria furioso ao vê-la chegar,
tendo desafiado suas ordens. Mas não podia pensar no que ele iria fazer. Precisava
chegar a Dodge City e estava tendo essa chance; tinha de agarrá-la, custasse o que
custasse. Saberia lidar com Ace Durango.
Lynnie sorriu; esporeou Bonny e partiu a galope.

Capítulo XIV

Duas horas depois de Hank e Joe terem partido para levar Lynnie e Pedro à
estação, Ace e os caubóis puseram, finalmente, o rebanho na estrada. Era quase meio-
dia. O tempo não estava firme; no horizonte, ao norte, nuvens escuras se formavam. A
grande preocupação de Ace era chegar ao rio Vermelho antes que o nível da água
aumentasse. O rio já era perigoso e estando cheio esse perigo tornava-se muito maior.
Diante de problema tão sério, Ace receou estar sendo imprudente. Talvez estivesse
cometendo um erro ao continuar a viagem, pondo em risco a vida de seus homens.
Quem sabe teria sido mais sensato voltar com o rebanho, uma vez que a pior parte da
viagem ainda estava por vir. Entretanto, todos votaram a favor de seguir adiante.
Depositaram nele toda confiança; não podia desapontá-los. Ele lembrou-se das
palavras de Lynnie: "Você pode provar o seu valor. O momento é este". Irritou-se por
ter pensado nela. Que ela se danasse. Aquela teimosa era culpada do atraso da
viagem e de tantos outros problemas. A estrada boiadeira Chisholm não era lugar para
uma mulher. Isso era o que sua cabeça dizia, mas no fundo já sentia falta dela.
Sim, era como sentir falta de uma bota que machucava o pé, ele refletiu tristonho
e cavalgou acompanhando o rebanho, incitando os animais a seguirem mais depressa.

No meio da tarde começou a chover e ao escurecer, quando acamparam, todos


estavam molhados, exaustos e abatidos.
— Droga, perdemos um tempo precioso por causa daquela garota teimosa.
Quando chegarmos ao rio Vermelho, ele estará tão cheio que teremos de esperar uma
semana para poder atravessá-lo — Ace murmurou.
Cookie o ouviu e desceu do carroção.
— Ela não fez de propósito.
Ace tentou enrolar um cigarro, mas o material estava molhado e ele jogou tudo
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fora, irritado.
— Não a defenda. Se eu pudesse torceria aquele pescoço.
— Um bonito pescoço, por sinal — Comanche comentou.
— Comanche! — Ace rosnou.
— Sinto falta da srta. Lynnie. — Cookie suspirou. — A garota era boa
companhia. Educada, inteligente...
— Ah! Irritante, insuportável, você devia dizer — Ace contrapôs. — Aquela
mulher bem que merecia umas boas palmadas no traseiro.
— Quero ver se você tem coragem de tentar — replicou Cookie.
Os outros riram, mas ficaram quietos ao ver a cara fechada do chefe.
— Cookie, vá cuidar da bóia — Ace ordenou. — E todos vocês, parem de
defender aquela garota teimosa como uma mula empacada.
Todos estavam jantando quando Hank e Joe chegaram ao acampamento.
— Deixamos os dois no trem e passamos o telegrama para Trace Durango.
— Vocês esperaram até o trem partir?
— Não, estávamos com pressa. Assim que deixamos Pedro bem acomodado,
viemos embora.
— Vocês deviam ter esperado o trem partir. — Ace suspirou, exasperado. —
Aquela Lynnie é cheia de manhas, astuta como um coiote.
— O que é isso, chefe? Ela é apenas uma garota. Que tipo de truque ela poderia
inventar? — Joe questionou.
— Vocês não a conhecem como eu. Lynnie não é como as outras moças. — Ace
remexeu nos bolsos tentando encontrar tabaco seco. — A garota é esperta; esperta
como qualquer homem. Nunca se sabe o que ela pode aprontar.
— Você acha que ela é esperta como um homem? — Joe arqueou as
sobrancelhas, admirado.
Ace refletiu um instante antes de responder.
— Sim, infernos, ela é mais esperta do que a maioria dos homens — admitiu,
embora contra a vontade.
Cookie pigarreou.
— A moça tem muita coragem, espírito e determinação.
— Você está certo — Ace concordou.
Ficou pensativo, enrolando seu cigarro. O Texas tinha sido conquistado por
pessoas corajosas e determinadas que se mantiveram firmes contra qualquer
adversidade. Ele olhou ao redor e o acampamento pareceu vazio sem Lynnie.
Comanche suspirou.
— Vou sentir falta dela. A srta. Lynnie era especial.
— Sim, era especial — Ace concordou. Vendo que todos olhavam para ele como
se o estranhassem, acendeu o cigarro, fumou e soltou uma baforada, irritado. — Está
certo, ela era especial, mas o pequeno demônio causou-nos mais problemas do que
um bando de índios bravos.
Ace acabou de comer e sentou-se numa pedra, debaixo de um álamo. Observou
em silêncio a boiada que se acomodava para a noite longa e chuvosa. De fato, Lynnie
era especial, diferente da maioria das mulheres que ele já conhecera. Era inteligente,
esperta, valente e impetuosa. Adorava desafios. Era verdade que tinha provocado o
estouro da boiada. Ainda estava muito zangado com ela, mas sentia saudade dela. Ele
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 121

não era o único. Os rapazes sentiam falta dela e os bezerros também; especialmente a
bezerrinha vesga. Naquele dia Margarida tinha berrado bastante e procurado pela
dona. Ace olhou para o céu.
— Droga, será que nunca vai parar de chover?
— Bem, este é o Texas. Quando se trata de chuva, no Texas é assim: festa ou
fome — Cookie comentou, olhando também para o céu escuro. — Se o rio Vermelho
estiver cheio, vai ser difícil como o diabo atravessá-lo com toda esta boiada. O velho rio
já afogou mais caubóis do que dez outros rios juntos. E, se conseguirmos ir adiante,
teremos de enfrentar o Cimarron com suas areias movediças.
— Você está mesmo bastante animador, hem, Cookie? — Ace resmungou.
Mais uma vez ele considerou se não seria mais sensato dar-se por vencido e ir
para casa enquanto era tempo. Pensou no pai. Trace Durango não poria o rabo entre
as pernas e fugiria, amedrontado. Ele conduziria a boiada e atravessaria o rio com
sucesso. Mas Ace não era o pai. Não obstante, Lynnie tivera confiança nele, acreditara
que ele seria capaz de conduzir o rebanho até Dodge City. Não, ele não podia
enfrentar aquela pequena irritante e dizer-lhe que tinha fracassado.
— Vamos seguir adiante. Enfrentaremos o rio, de qualquer jeito que ele esteja, e
outros desafios — ele decidiu e jogou o cigarro fora. — Farei o primeiro turno de
guarda. Vocês, rapazes, organizem-se para os outros turnos.
— Chefe, você está cansado — Comanche protestou.
— Vocês também estão. Eu sou o responsável por este rebanho.
Ele arranjou um cavalo descansado, sacudiu a capa de chuva e montou o
animal. Sob aquele aguaceiro, a noite pareceu-lhe infinitamente longa e escura.
Começou a cantar para se distrair e acalmar o gado. Pensou em Lynnie. Ela estava
viajando confortavelmente e quase chegando em casa. Sorte dela. Se tivesse ficado
com eles estaria penando com aquele mau tempo. Realmente, a vida de vaqueiro não
era para mulheres. Bem, Lynnie era diferente. Animada. Inteligente. Corajosa. Falava
sobre todo tipo de assunto e não sobre festas e roupas como as outras moças.
Finalmente, parou de chover e as estrelas surgiram no céu. Ace lembrou-se de
uma lenda indígena que dizia que as estrelas eram janelas do céu por onde os
espíritos das pessoas amadas olhavam para os entes queridos que tinham deixado na
terra. De certa forma, era confortador pensar assim.

Um som despertou Ace. Ele ficou alerta, os ouvidos apurados. Era,


definitivamente, o som dos cascos de um cavalo. Alguém se aproximava do
acampamento. Ele passou a mão debaixo do cobertor e sentiu a pistola. Havia sempre
a possibilidade de aparecer ladrões querendo roubar o gado. O barulho cessou. Estaria
imaginando coisas? Quem sabe o que ouvira fora apenas o barulho de um dos seus
próprios cavalos que se soltara e estava andando por ali. Era melhor certificar-se.
Calçou as botas sem fazer barulho, colocou a pistola na cintura. Ouviu um cavalo
resfolegar. Bandidos? Índios renegados? A boiada e os homens estavam sob sua
responsabilidade. E ele sempre fora um irresponsável. O pensamento intimidou-o e, ao
mesmo tempo, mexeu com seus brios; deu-lhe coragem. Tirou a pistola da cintura.
Andou curvado pelo mato, em silêncio, como os cheyennes seus ancestrais. Viu
um vulto a cavalo. O animal relinchou. Ace pensou em atirar, mas percebeu a tempo
que seria um erro. O tiro espantaria o gado. Não, não queria nem pensar em outro
estouro da boiada. O jeito era surpreender o intruso, agarrá-lo e prendê-lo pelo
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 122

pescoço, imobilizando-o.
Guardou a pistola e deu a volta para ficar atrás do intruso. O lugar era alto e dali
se podia ver todo o acampamento. O ladrão bastardo estava esperando para atacar
quando todos estivessem dormindo. E, certamente, não estava sozinho, devia ter
cúmplices escondidos ali perto. Assim pensando, Ace saltou sobre o vulto que tinha
desmontado.
— Peguei!
O intruso lutou para se defender e os dois rolaram na lama. Ace percebeu,
surpreso, que homem era pequeno demais. Deu um grito ao levar uma dentada na
mão.
— Saia de cima de mim, seu gambá fedorento.
Essa voz...? Uma mulher? Horrorizado, Ace olhou para a moça que estava
debaixo dele. Seu chapéu tinha caído e os cabelos vermelhos estavam esparramados
no chão barrento.
— Lynnie! Com mil demônios, o que faz aqui?
Ela lutou, mas não conseguiu libertar-se.
— Estou tentando tirar um hombre imprestável de cima de mim. Saia daí,
maldição!
— Não fica bem uma lady praguejar.
Ace percebeu, confuso, que estava com raiva de Lynnie, mas também muito
contente por revê-la.
— Saia de cima de mim, eu já disse!
Ace nem se mexeu. Estava adorando deixá-la zangada e desconfortável.
— Sua pestinha, você devia estar naquele trem, quase chegando em casa.
— Como você pode ver, não estou no trem, coisa nenhuma. Saia logo!
Relutante, ele ficou de pé e ofereceu a mão para Lynnie. Ela não quis ajuda e
levantou-se sozinha. Ergueu o chapéu do chão, puxou Bonny pela rédea e começou a
andar na direção da fogueira. Ace seguiu-a esbravejando.
— O que você estava fazendo rondando nosso acampamento como um coiote
faminto? Sabe que por pouco não levou um tiro?
— Você não ousaria. Eu contaria tudo a seu pai.
— Se você estivesse morta não contaria coisa nenhuma.
— Está certo. Bem, eu voltei, mesmo sabendo que você iria ficar furioso, porque
preciso chegar a Dodge City.
— E você acha que conseguirá? O pior desta viagem ainda está por vir.
— Conseguirei. A necessidade é a mãe da invenção — ela citou com altivez.
— O que isso quer dizer?
— Não vem ao caso. Ouça, Ace, a questão é: vocês têm de levar esta boiada
para Dodge City e é para lá que eu quero ir. Aí eu disse a mim mesma que era meu
dever ajudá-lo, amigo, pois vocês nunca chegarão lá sem mim. Então me certifiquei de
que Pedro estava bem e desembarquei antes que o trem deixasse a estação.
Ace ouviu tudo boquiaberto.
— O quê? Então você acha que eu não conseguirei chegar com a boiada a
Dodge City sem a sua ajuda? Ouça aqui, jovem lady...
— Ace, por favor, estou exausta, com fome e com sono. Temos de dormir um
pouco, para estar em condições de conduzir este rebanho para a estrada ao nascer do
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 123

sol.
— Ao nascer do sol vou mandá-la de volta para o trem.
— Não haverá trem amanhã. O próximo só passará no vilarejo na semana que
vem. Além disso, você precisará da ajuda de todos, até da minha, para atravessar o rio
Vermelho, principalmente estando cheio.
— Está certo — Ace cedeu, reconhecendo a lógica do argumento. — Você pode
terminar a viagem conosco, mas fica avisada, serei tão severo que você lamentará ter
desembarcado daquele trem.
— Não pense que me assusta, Ace Durango. Aceito a condição.

Ace dormia a sono solto quando sentiu que o sacudiam.


— Ace!
Ele ergueu o chapéu e olhou na escuridão.
— O quê?
Era Lynnie e tremia de frio.
— Eu... eu perdi minha capa, e meu colchonete está encharcado. Tentei dormir,
mas não consigo.
— E daí? — Ace puxou o chapéu sobre o rosto.
— Estou com frio. Você pode me emprestar sua capa e uma coberta seca?
Ele ergueu o chapéu de novo.
— N-ã-o. Você não quer ser tratada como homem? Pois um homem que perdeu
sua capa dorme no colchonete molhado.
— Tem razão. — Ela bateu os dentes de frio. — É o que eu mereço.
Lynnie ia se afastando e Ace chamou-a.
— Droga. Venha. Posso dividir a capa e as cobertas com você.
— Você não entendeu. Eu quero que você me dê a capa e um cobertor. Assim
eu me deito sobre a capa impermeável e me cubro com o cobertor.
— Não. Não posso ficar sem as cobertas.
— Suas roupas estão secas, as minhas, não.
— Lynnie, você está abusando da sorte. Não vou lhe dar nada. Mas posso
dividir. Se quiser, deite do meu lado. Não corre perigo nenhum de perder sua virtude.
— Eu? Me deitar com você? O que todos irão dizer?
— Desde quando você se preocupa com a opinião alheia?
— Tem razão.
— Se não quer dormir aqui, por que não vai dormir na carroça?
— Porque está cheia de bezerros, imbecil.
— Ah, é mesmo. Você a transformou num berçário de bezerros. Vamos, se quer
deitar, ande logo.
Lynnie deitou-se. Mal o grande corpo de Ace começou a aquecê-la, ela sentiu
que ele estava tenso.
— O que houve?
— Nada. É que... normalmente, quando tenho uma mulher sob minhas
cobertas...
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 124

— Pode parar. Não fica bem você me contar essas coisas — ela interrompeu-o.
A imagem dele deitado com uma mulher aborreceu-a.
— E não fica bem você estar sob minhas cobertas.
— Ora, não seja tão lógico. Cale-se e durma.
— Pare de se encostar em mim. Sua roupa está molhada.
— Só quero me esquentar um pouco.
— Droga. Você vai saber o que é um homem quente se continuar se encostando
em mim desse jeito.
— O que está insinuando?
— Nada, querida. Agora fique quieta. — Ele puxou o chapéu sobre o rosto.
— Não me chame de querida. Não sou querida de ninguém.
— Nunca ouvi palavras mais verdadeiras do que essas. Durma.
Lynnie inspirou fundo, agradecida pelo calor que Ace irradiava.
— Muito obrigada, Ace.
— Por nada. Pare de se mexer — ele murmurou, sonolento.
— Você não é durão nem mesquinho como quer parecer, Ace Durango — Lynnie
falou suavemente.
Certa de que ele estava adormecido, empurrou o chapéu dele e beijou-o no
rosto. Surpreso, ele ergueu-se e apoiou-se num cotovelo.
— O que foi...?
— Desculpe. Eu... não pensei... — ela gaguejou. Sentia-se tão vulnerável e tola.
O corpo musculoso contra o dela estava tenso e Ace parecia zangado.
— Lynnie, você é inocente demais; não sei como lhe explicar certas coisas. Só
lhe digo para não beijar um homem quando está assim, tão perto dele.
— Eu fiz alguma coisa errada? Foi um simples beijo no rosto.
— É melhor você arranjar outro lugar pra dormir.
— Está me mandando embora? Onde irei dormir?
Ela estava irresistível, olhando para ele com aquela expressão entre aflita e
zangada. Impulsivamente ele inclinou-se e beijou-a. Por um momento ela ficou imóvel,
parecendo chocada, depois o abraçou e correspondeu ao beijo.
Dessa vez quem se mostrou chocado foi ele. Com um murmúrio rouco, tomou-a
nos braços e beijou-a possessivamente. Os lábios dela eram macios, cálidos e úmidos,
seu corpo estava solto, lânguido, ele só pensava em beijá-la e continuar beijando...
Ofegante, ela separou-se dele para respirar.
— Você... tem razão... É melhor eu arranjar outro lugar para dormir.
Ace caiu em si. Estava maluco? Sua pulsação tinha disparado e tudo por causa
daquela garota.
— Não. Droga! Eu vou dormir em outro lugar. — Ele empurrou as cobertas e
levantou-se. — Fique com tudo.
— Mas... e você?
— Eu me arranjo.
Ele virou-se e caminhou na direção da carroça, com o corpo doendo e ainda
excitado. Lynnie era muito inocente para saber o que acabara de fazer com ele. Teve
consciência de que nunca tinha desejado uma mulher tão intensamente quanto,
naquele momento, desejava Lynnie McBride. Lynnie McBride? A professora solteirona?
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 125

"Ace, meu rapaz, você está na estrada há um tempo longo demais. Lembre-se
dos problemas que aquela pequenina já causou na sua vida".
Ele estava com raiva, tanto de si mesmo como de Lynnie. Não entendia por que
a abraçara e a beijara tão ardentemente. Mas a verdade é que desejara mantê-la bem
perto dele e ir além, muito além de meros beijos.
Sim, reagira daquela maneira por estar na estrada havia muito tempo. Quando
chegasse a Dodge City e estivesse na cama com prostitutas, não sentiria por Lynnie a
menor atração. Ela continuaria sendo, como sempre fora, um estorvo na sua vida. Foi
para debaixo da carroça e ficou deitado, sentindo-se péssimo, frustrado, ouvindo os
roncos de Cookie e dos bezerros. De onde estava podia ver Lynnie enrolada nas
cobertas e dormindo bem quentinha no colchonete dele. Droga de garota presunçosa.
Ele iria fazer com que ela se arrependesse de ter desembarcado daquele trem.

Amanheceu chovendo forte. Ace acordou de péssimo humor. Ao vê-lo


reclamando da comida de Cookie, dizendo que estava pior do que nunca, Lynnie
aproximou-se dele bocejando.
— Acordou com o pé esquerdo, Ace? Pois eu dormi maravilhosamente bem.
Ele pensou em matá-la, mas decidiu que era melhor nem tentar, os caubóis não
permitiriam que ele tocasse nela. Os texanos tinham como preceito tratar as mulheres
gentilmente.
Cookie, sorridente ao vê-la, correu para servir-lhe o café.
— Estou contente com a sua volta, srta. Lynnie.
Todos os rapazes também vieram apressados, se acotovelando, para
cumprimentá-la, cada um querendo ser mais prestativo do que o outro. Isso aborreceu
Ace.
— Vocês não deviam tratá-la desse jeito, cercando-a de tantas atenções — ele
repreendeu-os. — Afinal, ela não seguiu com Pedro naquele trem e merecia pagar por
ter-me desobedecido.
Comanche olhou para o colchonete onde Lynnie tinha dormido.
— Você está dizendo isso, mas deixou que ela dormisse no seu colchonete.
Ace sentiu o rosto queimar.
— Ora, diabos, ela chegou toda molhada e com frio. Que tipo de homem vocês
pensam que eu sou pra deixar uma moça dormir ao relento num tempo destes? Cedi
minha cama para a srta. McBride, sim, embora ela não merecesse.
— Essa última observação me ofendeu — Lynnie queixou-se e passou a pentear
os cabelos.
— Pois da próxima vez, você terá de arranjar onde dormir.
— Posso dividir meu colchonete com ela — Joe ofereceu.
— Eu também — os outros disseram, sorrindo para Lynnie como tolos.
— Ela não vai compartilhar do colchonete de ninguém! — Ace esbravejou.
— Isso eu decido — ele replicou. — Não aceito que você me dê ordens.
Ele cerrou os dentes.
— Já vi que esta vai ser uma viagem muito longa.
— Não sei por que você está tão irritado. Todos só estão demonstrando que são
gentis. É esse o espírito dos texanos.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 126

Ace ia explicar que tivera uma noite horrorosa, mas desistiu. Lynnie era esperta
e inteligente. Talvez mais do que ele. Portanto, quanto antes aquela discussão
acabasse, melhor.
— Vamos conduzir o rebanho para a estrada, pessoal. — Ace voltou-se para
Cookie. — Cookie, quando você acha que chegaremos ao rio Vermelho?
O velho senhor cofiou a barba grisalha.
— Talvez no fim desta tarde. Se a chuva não parar, o rio estará cheio.
— Isso não pode ser evitado. — Ace encolheu os ombros. — Vamos enfrentar o
Vermelho com a cara e a coragem.
Ele tocou o cavalo para alcançar Lynnie.
— Você está bem?
— Sim, obrigada — ela respondeu, a água pingando da aba do Stetson.
Ace olhou para a égua cinzenta.
— Estou enganado, ou essa égua velha ultrapassou meu garanhão durante o
estouro da boiada?
— Ultrapassou.
— As éguas em geral não são mais velozes do que os garanhões.
— Só porque Bonny é uma égua não pode ser mais veloz do que um cavalo? As
fêmeas têm de ser vagarosas e...
— Lynnie, não comece. A propósito, onde você arranjou essa égua?
— Ela pertence ao pai de Penélope. O sr. Dinwiddy pretende ganhar muitas
corridas com Bonny.
— Ele pode não gostar de você ter roubado a égua.
— Eu não a roubei, só tomei Bonny emprestada.
— Aposto que pegou a égua sem o conhecimento do dono. Roubar cavalos é
crime; pode levar à forca.
— Vou devolver Bonny quando eu voltar desta viagem. Sentirei me separar dela.
Já me afeiçoei a esta égua.
— Bem, você tem os bezerros. Por falar nisso, olhe lá a sua Margarida.
A bezerra tinha posto a cabeça para fora da cobertura de lona da carroça e
olhava para eles. Pelo menos parecia estar olhando. Vesga como era, tornava-se difícil
ter certeza.
Ele tocou o cavalo para frente, deixando Lynnie seguindo-o com o olhar,
confusa. Estava mudando de opinião sobre Ace Durango. Ele não era tão severo e
teimoso como sempre havia considerado. E, na noite anterior, deitada do lado dele,
sentira um desejo incontrolável de beijá-lo. Quando ele a abraçara e se apossara dos
lábios dela de maneira tão ardente e dominadora, queria que ele continuasse a beijá-la
até deixá-la sem fôlego. Mas ele se levantara depressa como se tivesse formigas no
corpo. Isso era realmente intrigante.
No fim da tarde eles chegaram ao rio Vermelho. Tinha parado de chover, mas,
como temiam, o rio estava cheio; atravessá-lo poderia ser desastroso. A questão era:
Ace Durango teria capacidade para enfrentar essa situação crítica? A vida de todos
eles poderia depender da decisão que ele viesse a tomar.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 127

Capítulo XV

Lynnie olhou para a correnteza e suspirou. Não era à toa que o rio tinha o nome
de Vermelho. O grande rio que separava o estado do Texas do Território índio tinha cor
de sangue. Na época da enchente o Vermelho ganhava uma tonalidade mais clara por
causa da espuma na crista das pequenas ondas.
— O que você acha? — Lynnie perguntou a Ace.
Ele se aproximou mais da margem do rio praguejando. Ela o seguiu.
— Perderemos metade da boiada se tentarmos atravessar agora; isto sem falar
em nós, os vaqueiros.
Comanche reuniu-se a eles. O rapaz, mestiço de índio, olhou desolado para a
água.
— Dizem que o Vermelho já matou mais caubóis do que qualquer outro rio do
Oeste. Será que é verdade?
— É claro que é verdade, seu ignorante — Cookie gritou da carroça, tendo
acabado de refrear os cavalos.
No rosto de Ace podia-se ver sua preocupação. Era evidente que ele duvidava
de sua capacidade. Um homem que sempre fora irresponsável, sentia, de repente,
sobre os ombros o peso da responsabilidade pelo sucesso daquela viagem conduzindo
um enorme rebanho. Parecia mais velho, mais cansado. Como chefe da comitiva, teria
de prestar contas se a viagem terminasse em desastre.
— A chuva parou. Será mais prudente esperarmos dois ou três dias para a água
baixar — Ace decidiu.
— Pelo jeito que está a relva, o rebanho de Forrester passou por aqui há dois
dias e conseguiu atravessar o rio antes de começar a chover.
Lynnie ficou em silêncio, cabisbaixa. Se ela não tivesse causado o estouro da
boiada, Pedro não teria quebrado a perna, eles teriam chegado ao rio antes da
enchente, sendo possível fazer a travessia com sucesso. Este era o momento de ela
fazer alguma coisa para ajudar Ace e seus homens. Tinha uma dívida para com eles.
— Não podemos esperar muito. Quase não há relva para o gado pastar —
Cookie opinou.
— Você acha que não sei disso? Sou o responsável pelos homens e pela
boiada. Não posso perder metade do gado na correnteza nem pôr a vida dos rapazes
em risco.
Lynnie o ouviu, surpresa. A firmeza de sua voz revelou que ele tinha autoridade
e também havia amadurecido. Deixara de ser um rapaz e tornara-se um homem. Ace
Durango precisava de todo apoio.
— Bem, todos nós ouvimos o chefe — disse ela. — Vamos desmontar e
organizar o acampamento.
— Você! — Ace apontou para ela. — Você, saia do caminho e suma da minha
vista.
Ela reconheceu que merecia isso e não discutiu. Ace tinha razão de estar
zangado. Era melhor andar com cautela perto do grande chefe durante o resto da
viagem.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 128

Quando o dia amanheceu, cinzento e sombrio, o rio continuava cheio. Troncos e


galhos de árvores eram levados pela correnteza. Ace andou pela margem íngreme
durante algum tempo, atento. O que Trace Durango faria se estivesse ali naquele
momento? Mais uma vez ele se arrependeu de ter levado uma vida ociosa e de
dissipações, em vez de aprender com o pai coisas úteis sobre a lida com o gado. Agora
pagava o preço de sua irresponsabilidade, pensou, extremamente inseguro, com medo
de tomar uma decisão errada. Se os homens notassem a sua insegurança, perderiam a
confiança que deviam ter nele.
Lynnie andou até ele.
— O que você acha?
— Droga, você tem de estar sempre do meu lado fazendo perguntas tolas? —
ele gritou, mais zangado do que pretendia.
Estava tentando tomar uma decisão muito séria, tinha de se concentrar e não
queria ser perturbado. O destino da boiada e a vida dos caubóis que estavam sentados
ao redor da fogueira, silenciosos, tomando café, dependiam dele.
— Também não precisa morder — ela reclamou, magoada, prestes a chorar.
Ace envergonhou-se de sua grosseria. Depois ficou com raiva. Se Lynnie
McBride não tivesse causado tanta confusão eles teriam atravessado o Vermelho antes
da chuva. Procurou acalmar-se e ser mais tolerante. Imprevistos aconteciam quando se
conduzia um grande rebanho como o seu, apesar das boas intenções. Era por isso que
a trilha Chisholm transformava rapazes em homens... Isto é, se eles vivessem para
chegar ao fim da estrada, tendo concluído a viagem com sucesso.
Ace voltou para perto da fogueira e ignorou os olhares reprovadores dos
rapazes. Todos tinham visto seu modo rude de tratar Lynnie e um texano não gritava
com uma lady. Ele despejou na caneca um pouco do café quente e forte e olhou para
ela. Havia algo patético naquela figura magra e delicada usando roupas masculinas.
Seus óculos estavam um pouco tortos e os lábios tremiam.
Cookie também o encarou zangado.
— Bem, senhor chefe, vai continuar gritando com a garota?
Por pouco Ace não gritou também com o atrevido cozinheiro. Tinha de manter a
calma para tomar a decisão certa naquele momento crítico.
— Como vocês podem ver, o nível da água continua alto — disse, por fim. —
Ficaremos acampados. Se tentarmos atravessar, a correnteza levará o rebanho e
metade das reses morrerá afogada.
— Não podemos esperar muito tempo — Cookie resmungou. — Há pouca relva
para o gado. Se a boiada se dispersar à procura de pasto, não conseguiremos
arrebanhá-la de novo.
Lynnie veio para o círculo.
— Pessoal, confiem em Ace. Ele está a par de tudo o que pode acontecer e
tomará a decisão certa. Ele é um Durango, não é? E os Durango têm sido criadores de
gado há meia dúzia de gerações.
Ace ficou surpreso. Havia gritado com ela e agora a ouvia defendendo-o. Bem,
ele não precisava da defesa de mulher nenhuma.
— Hank, venha comigo — ele chamou o rapaz. — Vamos ver se há um trecho
mais raso onde seja possível fazer a travessia.
Os dois selaram seus cavalos e seguiram pela margem do rio. Cerca de uns
quinhentos metros abaixo do lugar onde estavam acampados encontraram um trecho
razoável com o barranco não muito alto, embora não fosse o ideal. Ace e Hank ficaram
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 129

por algum tempo olhando para a água.


— É bem largo — Hank comentou. — Será que a boiada conseguirá chegar à
outra margem?
Naquele instante um grande tronco desceu pela correnteza.
— Se um tronco assim descer o rio durante a travessia, o gado ficará apavorado
— disse Ace. — Na tentativa de voltar para a margem os animais andarão em círculo e
teremos muitas reses mortas, arrastadas pela correnteza.
— E os cavalos? Você acha que eles poderão fazer a travessia?
— Se não puderem, teremos alguns homens mortos também. — A temperatura
estava amena, mas o rosto de Ace ficou porejado de suor. Ele guardava um segredo:
tinha pavor de águas profundas. — Vamos esperar. Amanhã voltaremos para observar
o rio.
De volta ao acampamento não havia muito que fazer. Eles jogaram cartas,
vigiaram o gado e ajudaram Lynnie com os bezerros.
Observando-a com as pequenas criaturas, Ace sorriu. A cena chegava a ser
ridícula e tocante ao mesmo tempo. A garota frágil, com a cabeleira cor-de-fogo puxada
para trás como rabo de cavalo, cuidando daqueles bezerros com fitas coloridas ao
redor do pescoço. Ela vinha andando na direção dele e Ace perguntou a si mesmo:
"O que será que ela pretende fazer com aqueles bezerros quando chegarmos a
Dodge City? Se chegarmos a Dodge City".
— Chegaremos lá, Ace — ela falou como se pudesse ler a mente dele e sentou-
se numa pedra. — Todos nós temos confiança em você.
— Eu não tenho tanta certeza — ele falou sem pensar.
— Pode ter. — Lynnie colocou a mão no braço dele. — Um vaqueiro não nasce
feito. Ele se forma na lida, com a prática, nem sempre acertando, mas sempre
aprendendo. Seu pai teve de aprender, ao longo dos anos, tudo o que sabe.
— Agora tenho consciência de que devia ter passado mais tempo trabalhando
com meu pai e os peões do que em bares e mesas de jogo.
— Você nos levará a Dodge City — ela afirmou com um sorriso.
Quando sorria ela ficava bonita, Ace notou. Lynnie McBride bonita? Senhor, ele
devia estar louco. Quem sabe tinha comido astrágalo junto com os pãezinhos.

Na manhã seguinte o rio estava mais baixo, mas não tão calmo como era de se
desejar. O gado berrava e se dispersava à procura de relva. Ao olhar para a água Ace
sentiu o suor brotar em seu rosto e nas costas. A correnteza avermelhada, para um
homem com pavor de águas profundas, assemelhava-se a sangue fluindo.
— Não é possível esperar mais; temos de atravessar o rio hoje — ele declarou
com firmeza.
Cookie abanou a cabeça com ar de dúvida.
— A água ainda está alta.
— Eu já disse que não é possível esperar. Temos de atravessar hoje — ele
rosnou.
Todos se entreolharam.
Ace estava certo, Lynnie pensou. Eles tinham de correr o risco. No entanto, o
que a estava intrigando era o comportamento de Ace. Ele parecia nervoso, temeroso
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 130

demais. Havia alguma coisa errada; algo que não tinha a ver com perder reses na
correnteza.
— Se Ace diz que não podemos esperar, estou com ele. E vocês?
Cookie abanou a cabeça de novo.
— A correnteza é forte.
Os outros também se mostraram inseguros.
— Ora, se a jovem lady não está com medo, por que eu estaria? — Hank
questionou.
— Eu também não quero ser vencido por uma garota. Vou com vocês —
Comanche decidiu.
Por fim, todos concordaram que deviam tentar fazer a travessia. Ace limpou o
suor do rosto com as mãos ligeiramente trêmulas. Isso não passou despercebido a
Lynnie. Ele dirigiu-se a Cookie.
— Você acha que o carroção também atravessará?
O velho senhor assentiu com um movimento da cabeça.
— E os bezerros da srta. Lynnie também.
— Ei, Margarida, não tenha medo — disse Lynnie para a bezerra.
Margarida pôs a cabeça para fora do carroção e berrou.
— Estou preocupado com você — disse Ace a Lynnie. — Você está sob minha
responsabilidade.
— Eu sei nadar. Não se preocupe — ela tranqüilizou-o.
— Se você for apanhada no meio do redemoinho causado pelo gado em pânico,
se movendo em círculos, de nada adiantará saber nadar. A propósito, desde quando
uma garota aprende a nadar? Não conheço nenhuma que nade.
— Pois eu aprendi com meus sobrinhos Crockett, Bowie e Travis.
— Seja como for, você terá dois dos rapazes do seu lado, caso alguma coisa
aconteça e você precise de ajuda.
— Não quero! — Ela protestou. Seu rosto ficou vermelho e Ace mais uma vez
reconheceu que ela ficava muito atraente quando zangada. — Vou ajudar a conduzir a
boiada como os outros rapazes.
— Já tenho muitos problemas; não preciso aumentá-los discutindo com uma
mulher teimosa.
— Ótimo. Então pare de discutir comigo.
Ela montou Bonny e reuniu-se aos outros caubóis que já estavam perto do
rebanho, aguardando instruções.
— Muito bem, rapazes, Cookie irá na frente. As mulas nadam bem e o carroção
flutuará. Em seguida nós começaremos a tocar o gado para dentro do rio. Temos de ir
devagar porque os animais terão medo e tentarão voltar. Aí está o perigo, portanto, não
podemos deixar que isso aconteça. Temos de evitar que o gado, em pânico, cause um
redemoinho e boa parte do rebanho morra afogada.
Os caubóis não escondiam sua apreensão. Até os cavalos, como se
pressentissem o perigo, estavam inquietos, batendo os cascos e relinchando.
— Estão todos prontos? — Ace inspirou fundo e olhou para a água. A correnteza
vermelha pareceu-lhe ter dez quilômetros de largura e centenas de metros de
profundidade. — Está bem, Cookie, pode começar!
O velho senhor tocou as mulas com as rédeas. Elas avançaram, mas hesitaram
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 131

ao chegar à beira da água.


— Hah! Vamos! Eia, mulas!
Com esse estímulo os animais entraram no rio, mas hesitaram novamente.
Margarida pôs a cabeça para fora, berrando assustada. Quando a grande carroça
chegou ao ponto mais fundo do rio, começou a flutuar. As mulas nadavam, agitando as
pernas como êmbolos.
Lynnie ficou por algum tempo olhando para a carroça, prendendo a respiração.
Depois olhou para Ace. O belo rosto estava pálido, ele parecia amedrontado. Era o
peso da responsabilidade, pensou, e sentiu pena dele.
Lembrou-se de um dos preceitos dos Patrulheiros do Texas:
"Um homem de coragem, mesmo sentindo medo, continua a missão".
A grande carroça já alcançara o meio do rio; Cookie lutava e gritava incentivando
as mulas para o veículo não ser levado pela correnteza. Depois do que pareceu uma
eternidade, as mulas e o carroção chegaram à outra margem. Os bezerros berravam
alto o bastante para acordar os mortos. Ace, com o rosto molhado de suor, gritou:
— Está bem, rapazes, conduzam o rebanho para a água! Território índio, lá
vamos nós!
Não havia mais tempo para pensar. Lynnie juntou-se aos outros gritando e
batendo o relho, forçando o gado a entrar no rio. Diante da hesitação da boiada, os
caubóis tornaram-se mais insistentes e dispararam tiros para o ar. As mamães vacas,
lideradas pelo velho Twister, entraram no rio; o rebanho, cercado por todos os lados,
foi, aos poucos, seguindo o líder.
— Ótimo! Mantenham os animais andando, rapazes! — Ace bradou com
entusiasmo.
Levou muito tempo para toda a boiada entrar no rio. O grande touro de chifres
retorcidos alcançou a outra margem com facilidade. Ace, sempre atento, alertava os
homens para não serem apanhados no meio do rebanho. Ele também tocou a cavalo
para a água. O grande garanhão negro nadou bravamente cercando as muitas
centenas de reses. Lynnie, que tentava levar para junto do rebanho os animais
desgarrados, viu-se, de repente, no meio da massa marrom que boiava, seus chifres
brilhando ao sol. Ficou em pânico quando as reses começaram a empurrar Bonny.
Segundos depois estava com a água vermelha até o queixo.
Tudo o que via era um mar de cabeças e chifres.
— Lynnie, o que está fazendo, sua maluca? — Ace gritou, tendo chegado à outra
margem, ele e o cavalo pingando água.
Mesmo apavorada porque estava presa no meio das reses, ela respondeu
gritando também:
— O que você acha? Estou conduzindo o gado para a margem!
Os caubóis que vinham atrás dela ajudaram a reunir as reses desgarradas. Da
margem, Ace olhava aterrorizado para Lynnie, pressentindo um desastre.
— Lynnie, saia do meio do rebanho! O gado pode começar a se mover em
círculos! — ele a advertiu.
— E eu não sei disso? — ela replicou com raiva e muito medo.
Justamente naquele momento algumas cabeças, assustadas, tentaram voltar
para a segurança da margem que tinham deixado para trás e Ace alertou os caubóis:
— Cuidado! As reses querem voltar! Obriguem-nas a vir para cá.
Os rapazes atiraram para o alto, estalaram seus chicotes e bateram os relhos
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nos animais, obrigando-os a nadar.


"Meu Deus!", Lynnie pensou, vendo que o gado já se movia em círculo.
Estava no meio de um bando de animais aterrorizados. Um dos redemoinhos
mortais causado pelo gado, contados em tantas histórias do Texas. Grande parte do
rebanho seria arrastada pelo rio. Inúmeras reses morreriam afogadas e as
sobreviventes se dispersariam a quilômetros de distância dali e nunca seriam
recapturadas.
Bonny estava fazendo o possível para sair do meio do gado em pânico, mas se
via cercada pela barreira de bois e vacas marrons.
— Ace, socorro! — Lynnie gritou, esquecendo o orgulho.
Ele tinha começado a respirar aliviado por ter saído do rio e encontrar-se
naquela margem segura, mas saltou imediatamente para a sela do garanhão negro e
entrou de novo na água traiçoeira.
— Agüente firme, Lynnie, estou indo!
— Jogue uma corda para mim!
Ele refreou o cavalo e jogou a corda com um laço mas errou o alvo.
— Já vou tirar você daí. Espere!
As palavras dele eram animadoras, mas Lynnie temeu pela vida dele. A água
estava gelada e o mundo parecia ter-se transformado em milhas e milhas de gado que
berrava e boiava. Ace usava o chicote para abrir caminho entre o gado e assim chegar
até ela. Parecia haver milhas de distância entre eles dois. De repente, Bonny deu uma
sacudidela e Lynnie escorregou da sela.
— Lynnie, livre-se das esporas! — Ace orientou-a.
Ela veio à tona para respirar e tentou desafivelar as esporas das botas. Perdeu o
chapéu, engoliu água e o peso das roupas puxou-a para baixo. Bonny, livre do peso da
amazona, nadou para a margem, deixando Lynnie se debatendo para manter a cabeça
fora da água, cercada pelo gado que berrava e se debatia.
Mal pôde acreditar que estava salva quando segurou na mão forte e calejada de
Ace. Alegrou-se cedo demais porque a correnteza era forte e ele, por sua vez,
escorregou da sela ao tentar tirá-la da água.
— Firme, querida, você é capaz! Vou nadar até aí — ele gritou para Lynnie que
lutava contra a correnteza.
Ace parecia estar com problema. Debatia-se e estava pálido. Lynnie gritou:
— Desista, Ace. Eu não posso... — ela não terminou a frase porque foi para o
fundo outra vez.
— Desistir? Nunca! Você quer perder a manifestação pelos direitos das
mulheres? — ele provocou-a. — E quanto à luta pelos votos das mulheres do Texas?
Ela veio à tona imediatamente. As mulheres do Texas dependiam dela. Lutou
com desespero e conseguiu segurar na mão dele. Ace puxou-a até o cavalo.
— Segure-se em mim — ele pediu e a enlaçou pela cintura. Ace segurou na sela
do garanhão e foram para a margem.
— Você está parecendo um rato afogado — ele comentou ao carregá-la no colo
e colocá-la na relva, debaixo de uma árvore.
Montou novamente e subiu pela margem até o arvoredo onde Cookie havia
estacionado o carroção. Montado no grande cavalo negro, ele parecia estar em toda
parte. Ajudou a conduzir para a margem o rebanho que tinha parado de andar em
círculo, laçou alguns animais dispersos. O sol começava a descer no poente quando a
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travessia terminou. Todo o rebanho estava salvo e pastava calmamente no lado do


território indígena. Ace foi até Lynnie e desmontou.
— Você está bem?
— Estou, graças a você. Muito obrigada. Devo-lhe a vida. Sabe que, em certo
momento, achei que você não estava bem? Tive muito medo de que lhe acontecesse
alguma coisa.
Ace sorriu.
— Você ficaria muito mais assustada se soubesse a verdade. Nunca aprendi a
nadar.
— Nunca?! — Lynnie olhou para ele, estupefata. — Como conseguiu me
socorrer?
— Pensei no que meu pai e Maverick iriam fazer comigo se eu deixasse você se
afogar. Isso me amedrontou mais do que o rio.
Ele não devia estar falando a verdade, Lynnie pensou, mas disse apenas:
— Você foi muito corajoso. Arriscou a vida para me salvar.
— Esqueça. Eu faria o mesmo por um dos rapazes.
Ele voltou para perto dos caubóis, deixando Lynnie pensativa. Podia jurar que
ele a havia chamado de "querida". Não que isso tivesse importância. Um bruto como
Ace Durango não fazia seu tipo. Suas maneiras e seu palavreado eram rudes e ele
achava que poesia eram aquelas frases que os caubóis escreviam nas paredes dos
banheiros.
Bem, não podia ser injusta. Devia reconhecer que ele era muito corajoso. Mesmo
não sabendo nadar, arriscara a própria vida para salvar a dela. Esse tipo de heroísmo
era coisa para os caubóis contarem ao redor das fogueiras durante uma centena de
anos. Era a atitude de um verdadeiro chefe de comitiva. E tinha mais: Ace, apesar de
inexperiência, conseguira trazer o rebanho até ali com sucesso.
Lynnie foi ver os bezerros e ouviu Ace perguntando a Cookie:
— Perdemos muitas reses?
— Apenas duas. Pode acreditar que é um recorde perder só duas cabeças na
travessia do rio Vermelho, considerando-se que estava cheio. Joe está aproveitando a
carne de um dos novilhos mortos. Teremos churrasco esta noite.

À luz frouxa do crepúsculo, depois de se fartarem com o suculento churrasco, os


caubóis se reuniram ao redor da fogueira para cantar ao som do violão. Lynnie tinha
encontrado numa das bolsas da sela roupas secas que guardava enroladas em oleado
e decidiu andar pela margem do rio. Ace foi atrás dela.
— Ainda estou impressionada e comovida com a sua coragem — disse ela ao
vê-lo. — Você provou que é realmente um vaqueiro. É um homem de valor, de fibra,
como seu pai.
— Isso significa muito, vindo de você — Ace observou, meio sem jeito.
— Eu disse a verdade. Você devia estar com muita raiva de mim porque só
tenho causado confusão. Reconheço que sou impulsiva e estúpida. Se eu não ficasse
no meio do rebanho você não teria arriscado sua vida para salvar a minha.
— Você tem coragem, Lynnie, e os texanos admiram isso numa mulher.
— Então você não se importa que eu continue a viagem com vocês?
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 134

— Por que eu me importaria? Você conquistou o direito de seguir conosco.


Lynnie ficou de pé. Ace era tão alto, atraente e musculoso. Ela desejou ser
bonita como Cayenne, a irmã mais velha, para merecer a atenção dele.
— Em que está pensando? — ele quis saber.
— Em nada importante. Às vezes eu gostaria de ser bonita. Em minha família
todos me consideram a mais inteligente. Cayenne é a mais linda, Stevie é a que tem
mais personalidade e Angel a mais simpática e cativante.
— Não queira se comparar às suas irmãs. Você é inteligente, espirituosa e isso é
tão bom numa mulher. De mais a mais, eu acho você bonita.
O coração de Lynnie bateu descompassado.
— Ora, você está dizendo isso só por delicadeza. Você é um gentleman.
— Está enganada. Não sou um gentleman coisa nenhuma. Pergunte às moças
de San Antone ou de Austin quem é Ace Durango.
— Todas as garotas dizem que você é encantador. — Lynnie baixou a cabeça.
— Lamento ter-lhe causado problemas naquele baile.
— Não diga isso — Ace protestou. — Foi um prazer levá-la àquele baile.
— Ora, você está mentindo!
— Eu, um texano, mentindo? Se você fosse homem, nós iríamos rolar na
margem deste rio, aos murros.
Ela chegou mais perto de Ace e sentiu uma emoção jamais experimentada
antes, impossível de identificar.
— Seja como for, adorei ouvir tudo o que você disse.
— Lynnie, eu gosto da sua companhia. Estou sendo sincero. Com você por perto
não há tédio nem monotonia. As outras garotas, no entanto, mesmo as mais lindas, são
tolas, vazias, maçantes.
O modo como Ace olhava para ela deixou-a trêmula.
— Ace, dizem que até uma mulher muito feia parece bonita para um caubói que
está na estrada há muitas semanas.
Ele colocou gentilmente as mãos nos ombros dela.
— Acredite ou não, Lynnie, há outras coisas mais importantes do que a beleza.
— Não é o que a maioria dos homens diz. — Ela engoliu com dificuldade, pois
sentia a garganta seca. — Eu sei que não sou e nunca serei bonita como as garotas
com quem você estava flertando no baile do governador.
— Mas foi você que eu levei ao baile. E devo dizer que me diverti com toda
aquela confusão — Ace lembrou.
Sem que Lynnie esperasse, ele puxou-a para junto dele e beijou-a. Foi um
momento tão maravilhoso que ela esqueceu que Ace Durango era um rapaz rico e
presunçoso; um machista que só a levara ao baile do governador porque Cimarron e
Cayenne o haviam obrigado a isso. Que importância tinham aquelas diferenças entre
eles, perto do enlevo que estava experimentando? Correspondeu ao beijo com ardor e
toda a emoção que, como garota solitária e vulnerável, aprendera a reprimir. Roçou a
língua pelos lábios dele, fazendo-o entreabri-los com um arquejo.
Deliciado, ele apertou-a mais nos braços. Ficaram tão unidos que ela sentiu
contra o corpo o membro viril pulsando.
— Garota, você me deixa louco — ele murmurou e voltou a beijá-la mais
impetuosamente.
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Desabotoou a camisa dela e começou a acariciar-lhe os seios.


Lynnie sabia que, pelo bem dos dois, devia fazer Ace parar, mas aquelas mãos a
excitavam demais e a faziam sentir um prazer impossível de ser descrito com palavras.
Subitamente, Ace afastou-se quase sem ar e quando falou sua voz estava
trêmula.
— Eu... sinto muito, Lynnie, eu não devia ter feito isso. Se quiser, pode me
esbofetear.
Lynnie inspirou fundo e abotoou a camisa.
— Por que eu deveria esbofeteá-lo? Gostei do que você fez.
— Uma lady não deve admitir isso.
— Bem, eu costumo ser franca e sincera.
— Você é mesmo diferente das outras garotas. — Havia admiração nos olhos
escuros. — Também devo ser sincero, por isso quero que você saiba uma coisa a meu
respeito. Sou um mau hombre quando se trata de mulheres; faço amor com elas e as
abandono.
— Não lhe fiz nenhuma pergunta, não pedi explicações e não espero nada de
você — Lynnie salientou, colocando-se na defensiva.
— Sim, eu sei. A maioria das garotas passa o tempo tentando arranjar um
marido, mas esse não é o seu caso. Envolvida com essa campanha pelos direitos das
mulheres, você não tem tempo nem cabeça para pensar em casamento.
— E você acha que eu me casaria com você só porque pôs essa mão grande
dentro da minha camisa?
Ace franziu a testa e ficou vermelho.
— Já lhe pedi desculpa por ter avançado o sinal... Eu só queria que você
soubesse que não pretendo me casar tão cedo.
— Nem eu — ela replicou, zangada. Agora, sim, tinha vontade de dar uns tapas
naquele rosto bonito, até os ouvidos dele zunirem.
— Nesse caso, estamos quites. E não me tente durante o resto da viagem,
nem...
— Tentá-lo? Ora, seu convencido. Ouça aqui, caubói, você não faz meu tipo.
Quando eu arranjar um marido, há de ser um homem civilizado, elegante, culto e que
pretenda viajar além de El Paso e Wichita.
— Não sou nada disso, reconheço. Mas você acha que um almofadinha, como
esse que você descreveu, cairia no rio e lutaria como doido para salvá-la?
— Admito que não.
— Garota, ponha na cabeça que ninguém doma um texano. Eu, pelo menos, não
deixarei que me ponham um cabresto.
— Você é mesmo um selvagem, um bruto.
— A maioria das mulheres me adora do jeitinho que eu sou. — Ace girou nos
calcanhares e foi para perto da fogueira.
Lynnie seguiu-o com o olhar. Ace Durango, caubói do Texas, convencido e rude,
era o tipo de homem que ela não queria para marido. Entretanto, nos braços dele
sentira-se tão bem, tão protegida e amada.
Amada?, ela pensou com desdém. A idéia que Ace Durango fazia de amor era
algo que custava dois dólares em lugares com nomes como "Liga de Renda" ou
"Palácio do Prazer da Srta. Fancy". Ela sabia, claro, que muitas garotas levianas se
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deitariam com ele de graça. Mas será que ele era mesmo tão bom de cama?
"Oh, em que estou pensando?", disse a si mesma, sentindo o rosto arder por
causa das imagens que lhe vieram à mente.
Não via a hora de chegar a Dodge City e separar-se de Ace e dos rapazes que a
achavam bonita e especial. Voltaria a ser ela mesma, moça sem graça, mas inteligente,
sufragista e representante das mulheres texanas na luta pelo direito de votar.
Para o inferno com Ace Durango. Era melhor se deitar. Esse dia fora
terrivelmente cansativo e eles tinham ainda várias semanas de viagem. Cookie já a
havia prevenido que o pior ainda estava por vir. Poderia alguma coisa ser pior ainda do
que eles já tinham passado?

Naquele alvorecer de início de junho já estava quente quando eles conduziram o


rebanho para a estrada, dentro do Território índio. Os dias e noites se sucederam sem
incidentes. Lynnie começou a pensar que o velho Cookie tinha exagerado. Tudo
indicava que o resto da viagem ia ser monótono.
E eis que numa tarde, inesperadamente, eles se viram cercados por guerreiros
comanches.

Capítulo XVI

Ace refreou o cavalo. Levou, automaticamente, a mão à cintura para pegar a


pistola e constatou que não a estava usando. Como a viagem até aquele momento
tinha estado tranqüila, deixara a pistola e o rifle enrolados nas cobertas, na parte de
trás da sela. Ergueu a mão indicando para os caubóis pararem o rebanho.
À frente deles vários guerreiros saíram detrás das moitas de ameixas silvestres e
ficaram no meio da estrada. Portavam armas e tinham o rosto pintado.
Ace sentiu o suor escorrendo pelo rosto e nas costas, entre as omoplatas, e
nada tinha a ver com o dia quente de verão.
— Alô — ele saudou os índios e ergueu a mão para mostrar que estava vazia.
O velho chefe, moreno e sério, permaneceu calado, apenas observando os
caubóis. No passado um chefe comanche tinha majestade, mas o velho chefe de agora
estava andrajoso e montava um cavalo magro.
Talvez fosse melhor desmontar e pegar o rifle, Ace pensou, mas afastou a idéia
porque outros índios surgiram de ambos os lados da estrada. Todas as histórias que
ele tinha lido sobre índios vieram-lhe à mente. O pai também lhe havia contado sobre a
grande insurreição de 1864.
O chefe e um jovem guerreiro, muito bonito, vieram ao encontro de Ace.
— Você ter uísque?
— Não. Tenho tabaco — Ace respondeu devagar e com clareza.
O velho chefe abanou a cabeça, carrancudo.
— Então não atravessar nossa terra.
— Nós pagamos preço justo — Ace tentou negociar. Desta vez foi o jovem índio
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quem falou. Sua expressão era desdenhosa.


— Homens brancos nunca justos.
Comanche e Lynnie vieram para o lado de Ace.
— Patrão, qual é o problema? — Comanche indagou.
O modo como o jovem guerreiro olhou para Lynnie deixou Ace nervoso.
— Lynnie, suma daqui — ele sussurrou para ela.
— De jeito nenhum.
Ace sentiu a boca seca. A garota era mesmo teimosa e adorava discutir. Isso
poderia custar-lhe a bela cabeleira ruiva ou coisa pior. Ele pediu a Comanche:
— Comanche, você fala a língua deles; converse com os dois e veja o que pode
fazer.
O rapaz obedeceu. Trocou algumas palavras com o velho senhor, mas foi o
jovem guerreiro que disse alguma coisa, sempre olhando para Lynnie.
Nervoso e com o rosto suado, Comanche traduziu:
— O jovem índio é filho do chefe e quer a moça branca. Oferece dez cavalos por
ela.
Ace praguejou.
— Manda ele pro inferno. Diga que não pode comprar a moça. Ela me pertence
e não há em todo o território deles cavalos suficientes para pagar o que ela vale.
— O que é isso? Vocês querem me vender como se eu fosse um móvel ou coisa
parecida? — Lynnie questionou, indignada.
— Cale-se, Lynnie — Ace ordenou em voz baixa. — Quer provocar uma guerra?
Lynnie notou a expressão contraída de Ace e olhou para o jovem e belo
guerreiro que a encarava de modo cobiçoso, e ficou amedrontada.
O jovem índio fez nova oferta e Comanche traduziu.
— Ele aumenta a oferta para vinte pôneis. Disse também que a moça de cabelos
cor de fogo é bonita.
Droga, ela queria que a achassem bonita, mas não esperava que fosse desse
jeito. Olhou ao redor e viu que havia índios demais os observando.
— Comanche, diga ao guerreiro que amo meu homem, quero ter filhos dele e ele
não me trocaria nem por cem cavalos.
Ace sorriu, apesar de tenso.
— Não me tente, Lynnie. Sou capaz de aceitar a oferta dele. Estou vendo que
alguns desses guerreiros têm excelentes cavalos.
— Você não ousaria.
Ace voltou-se para Comanche.
— Diz pra ele que Cabelos-de-Fogo é muito briguenta, tem gênio ruim e só vai
causar problemas na tribo.
Comanche transmitiu a mensagem e deu a resposta.
— O índio disse que terá grande prazer de domar Cabelos-de-fogo.
— Não. Diz pra ele que a moça é texana e todos sabem que ninguém doma uma
texana — Ace rebateu.
Para surpresa de todos uma moça índia, montada num cavalo malhado, foi para
perto do jovem guerreiro. Olhou para Ace, sorriu, e conversou com Comanche.
— Comanche, o que ela disse? — Lynnie perguntou, aflita, notando o modo
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como a moça índia olhava para Ace.


— A moça é filha do chefe. O irmão dela oferece a garota no negócio e ela aceita
com prazer o grande texano bonito.
— Que atrevimento! Grande texano bonito, é? Pois diga a ela...
— Lynnie, fique fora disso — Ace interrompeu-a. — Pode ser que eu negocie
alguns cavalos e a moça. Ela é bonita.
— E o que você faria com ela nesta viagem?
— Preciso responder?
Os caubóis riram e Lynnie ficou vermelha.
— Vamos acabar logo com isto — tornou Ace impaciente. — Comanche, não
tem negociação nenhuma. Cabelos-de-fogo é um furacão, mas eu gosto dela. Vou
mandar matar um boi e faremos uma festa.
Os olhos dos índios brilharam ao ouvir a proposta. Olhando melhor para eles,
Lynnie viu que pareciam cansados e estavam magros. Era evidente que passavam
necessidade. O velho chefe falou diretamente com Ace.
— Nós aceitar a carne, mas não ter nada pra troca. Não ter mais búfalos nem
boa caça. Nós viver com o pouco que agente dar pra nós.
— Meu pai e o cunhado de Cabelos-de-fogo são homens ricos e poderosos.
Vamos denunciar o agente e vocês terão vida melhor — prometeu Ace solenemente.
Os índios passaram a mensagem adiante e todos se mostraram sorridentes e
relaxados. Ace deu ordens para acampar. Todos se empenharam na organização da
festa para os comanches. Um boi foi assado, Cookie e Lynnie fizeram muitos bules de
café e assaram centenas de pães de minuto. Os comanches comeram à vontade;
pareciam famintos.
Depois de todos comerem bastante, Ace passou o tabaco para os que
quisessem fumar e os índios trouxeram seus tambores. Todos estavam contentes e
saciados. A moça índia, filha do chefe, entrou no meio do círculo e começou a dançar
ao som dos tambores. Depois de dar uma volta parou na frente de Ace e estendeu-lhe
a mão. Ele não soube o que fazer.
— Você deve dançar com ela — Comanche explicou. — Se não fizer isso,
ofenderá seu povo.
— Não é sacrifício nenhum dançar com uma índia tão bonita. — Ace sorriu para
ela e ficou de pé.
Eles dançaram ao redor do fogo sob os olhares aprovadores da tribo. Lynnie
afastou-se para não ver os dois juntos. Droga, Ace tinha de fazer aquela cara de
felicidade? A moça quis dançar com os outros caubóis também.
O belo guerreiro, filho do chefe, não tirava os olhos de cima de Lynnie. Ele falou
com Comanche que, por sua vez, traduziu para Ace.
— O bravo guerreiro não quer desistir de Cabelos-de-fogo. Aumenta a oferta e
diz que potranca selvagem quando domada dá melhor montaria.
Ace respondeu:
— Diz pra ele que não estou interessado. Já domei a potranca selvagem e não
vou me desfazer dela.
Ao ouvir isso, Lynnie chegou perto de Ace pronta para brigar. Ele procurou
acalmá-la.
— Quieta, Lynnie, sente-se bem perto de mim e mostre-se obediente para ele
saber que você me pertence.
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— Obediente? Eu lhe pertenço? — Ela estava colérica. — Não pertenço a


ninguém e quando as mulheres, finalmente, tiverem direitos iguais aos...
— Você prefere pertencer a ele? Mantenha a calma. Vou resolver isso à minha
maneira, sem irritar os comanches, muito menos ofendê-los. Olhe ao redor; se souber
contar, verá que há mais de dez deles para cada um de nós. E têm armas.
— Sim, já vi que os guerreiros são muitos — ela sussurrou. — Isso quer dizer
que estamos com problemas, não é mesmo?
— Faça o que eu disser e tudo sairá bem. Não me provoque nem provoque os
comanches, certo?
Mais carne e pãezinhos foram servidos, eles fumaram, dançaram, as horas
passaram e os índios não demonstraram a menor inclinação para deixar o
acampamento. Ace não sabia o que fazer. A bonita moça comanche olhava para ele de
um modo que o deixava excitado, o sangue em ebulição. Ele levantou-se e afastou-se
do grupo que continuava animado. A índia seguiu-o.
— Mais tarde encontrar comigo. Eu fazer você muito feliz — ela sussurrou ao
ouvido dele.
Na mente de Ace formou-se a imagem da moça nua, ao luar, deixando-o com o
membro viril intumescido. Estava sem mulher havia semanas, e a índia, além de
sensual, inegavelmente tinha experiência. No mesmo instante a imagem da moça
comanche foi substituída pela de Lynnie. Viu o rosto dela, pontilhado de sardas, na
noite em que a havia beijado, na margem do rio Vermelho.
— Não, não posso. — Ele abanou a cabeça. — Minha mulher esfolaria você
viva.
— Você deve bater nela — tornou a índia, amuada.
Bater em Lynnie? A idéia de deitá-la no colo e dar-lhe umas palmadas era
tentadora, mas não podia fazer isso sem provocar uma discussão e uma briga que iria
durar o dia todo.
— De nada adiantaria bater nela. Ela é uma mulher e tanto para ser domada.
— Ah, então você gostar dela?
Ace considerou a pergunta.
— Gosto — admitiu. — A danada é geniosa e obstinada, mas gosto dela.
Alguns índios, principalmente os mais velhos e as crianças, foram para suas
tendas e o chefe aproximou-se de Ace.
— Muito boa festa. Barriga nossa cheia. Você não esquecer de denunciar agente
mau.
— Cumprirei o que prometi — Ace falou muito sério.
— Eu oferecer bom lugar com conforto pra você e mulher fazer amor.
— Oh, não... — Ace começou a dizer e parou. Como explicar que Lynnie não era
sua mulher? Se o filho do chefe soubesse que ele havia mentido, iria querer reiniciar a
negociação para ficar com Cabelos-de-fogo. Aceitou o oferecimento do chefe. —
Obrigado. Minha mulher e eu aceitamos com alegria dormir na sua tenda.
Ace foi até seus homens.
— Hank, você e os outros terão de vigiar a boiada sozinhos. O velho chefe
ofereceu sua tenda para Lynnie e eu dormirmos. Tive de aceitar a oferta para não criar
problemas.
Os caubóis olharam surpresos para ele.
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— Você acha que Lynnie McBride concordará em dormir com você numa tenda?
Posso apostar que ela há de preferir lutar com os índios a dormir com você.
— Dispenso o sarcasmo — Ace replicou exausto e de mau humor. — Ela vai
entender a situação e irá comigo para a tenda. Lynnie sabe que nada irá acontecer.
Será menos perigoso dormir com uma cascavel do que tentar tirar as calcinhas de
Lynnie McBride.
Comanche zangou-se.
— Cuidado com o que você diz sobre a srta. Lynnie. Acho que você devia ser
mais gentil.
— Comanche — Ace suspirou —, continuo a achar que você está na estrada há
tempo longo demais.
— E eu não sei? Há uma indiazinha muito bonita olhando pra mim e parece que
tem alguma coisa em mente — Comanche observou.
Cookie riu.
— E você merece aquele bombonzinho?
— No momento, acho que sim.
Ace recomendou mais uma vez:
— Homens, vigiem bem o rebanho.
Ele foi conversar com Lynnie.
— O quê? Não vou para a tenda com você — ela protestou.
— Bem, há algumas noites, quando você quis um lugar para dormir, não hesitou
em pedir um cantinho no meu colchonete.
Ela enrubesceu.
— Isso foi diferente. Nada aconteceu.
— Nada vai acontecer agora. Na verdade, não seria má idéia sair por baixo da
tenda e ir ao encontro daquela bonita moça comanche.
— Você não teria coragem.
— Você se importaria se eu a procurasse? Mas se quer saber, só não vou ao
encontro dela porque eu sei que aquele guerreiro filho do chefe entraria na tenda assim
que eu saísse.
Lynnie sentiu um arrepio de medo.
— Muito bem, o que vamos fazer?
— Agora eu vou carregá-la para aquela tenda. Amanhã, quem sabe, darei alguns
novilhos para o chefe comanche e continuaremos a viagem.
— Não precisa me carregar. Tenho boas pernas.
— Calada e trate de me obedecer.
Ace ergueu Lynnie, colocou-a no ombro e seguiu para a tenda. Ela começou a
espernear e a gritar.
— Me ponha no chão, seu monstro!
— Fique quieta, mulher! — Ele deu uma palmada no traseiro dela e continuou a
carregá-la.
Os comanches riram. Furiosa, Lynnie mordeu o ombro dele e ganhou outra
palmada. Chegando à tenda, ele empurrou o couro que servia de porta e jogou Lynnie
sobre um colchão de palha coberto com couro de búfalo.
— Sabe que você é mais feroz do que um lince? — ele acusou-a e esfregou o
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ombro dolorido.
— Você me bateu. Eu tive de me defender.
— Chega, Lynnie. Você não quer que eu diga aos comanches que menti; que
você não é minha mulher, não é mesmo?
Naquele instante uma velha índia entrou na tenda sorridente e ofereceu a Ace
um fino couro de búfalo. Ele agradeceu e como a velha ficou parada encarando-o, ele
abraçou Lynnie e beijou-a.
A velha pôs a mão na boca e riu, indo embora em seguida.
— Comporte-se, Lynnie, a mulher pode voltar. Temos de demonstrar que somos
um casal amoroso. — Ele continuou a beijá-la insistentemente, sua boca pressionando
a dela, a língua forçando seus lábios a se entreabrirem.
— Eu... eu acho que você tem razão — Lynnie murmurou, entregando-se nos
braços de Ace. O beijo estava bom demais. — Temos de ser bem convincentes.
— É isso mesmo. — Ele aproveitou para fazer uma pausa para respirar.
Suas mãos, no entanto, se ocuparam em abrir a camisa de Lynnie. Ela não
ofereceu a menor resistência e deixou-se acariciar. Ace ergueu o tronco, apoiou-se
num cotovelo e ficou olhando para ela.
— Lynnie, você é, realmente, muito bonita.
— O que deu em você pra me elogiar?
— Durante estas semanas eu a tenho observado. No meio dos caubóis, você
deixou de ser a professora empertigada e autoritária. Você é natural, entusiasmada e
cativante. Isso faz com que sua beleza apareça. E o seu jeito inocente e ao mesmo
tempo atrevido, desafiador, esses cabelos flamejantes, a tornam desejável. Em
resumo, você é bonita e sexy. Acredite em mim. Ah, e olhe-se mais no espelho.
Ele voltou a beijá-la e a acariciá-la sem lhe dar tempo para argumentar. Mas o
que ela menos queria era discutir num momento como aquele. Eles ouviam os
tambores tocando lá fora. Os índios pareciam dispostos a continuar dançando e
festejando. De certa forma, o barulho deixou Lynnie amedrontada e ela aconchegou-se
nos braços de Ace, ficando ambos deitados, bem juntos. Esse contato excitou-o quase
a ponto de ele não se controlar.
— Lynnie, prefiro que você não se encoste tanto em mim.
— Por que não? — Ela aninhou-se mais nos braços dele.
— Garota, você não sabe nada sobre os homens. Uma mulher não se encosta
desse jeito num homem e em seguida fecha os olhos esperando dormir tranqüilamente.
— Não sei do que você está falando.
— Se você não fosse tão inocente... — Ele virou-se sobre ela e deu-lhe um beijo
impetuoso, de tirar o fôlego. Ela entreabriu os lábios e sentiu a língua dele brincar em
sua boca. Numa pausa que fez para respirar, Ace acabou de desabotoar a camisa dela
e passou a acariciá-la. Excitou os pequenos mamilos até deixá-los intumescidos. Ele
emitiu um som gutural, primitivo, e começou a sugar os botões róseos e a mordiscá-los.
Ah, aquela boca morna e úmida provocava em Lynnie sensações indescritíveis, que ela
jamais experimentara antes. A cultura podia não ser o forte de Ace, mas ele sabia dar
prazer a uma mulher, Lynnie pensou.
— Lynnie, nunca imaginei que você pudesse me fazer desejá-la deste jeito — ele
murmurou e desabotoou a calça dela, em seguida introduziu a mão dentro da calcinha
para acariciar-lhe o ventre. Baixando a cabeça, cobriu-o de beijos.
Lynnie prendeu a respiração; uma onda de prazer deixou-a trêmula.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 142

— Você... não devia... fazer isso.


— Tem razão; eu não devia.
— Eu devia obrigá-lo a parar.
— É só você mandar que eu paro. — Ele ergueu a cabeça. .— Se não está
gostando...
— Eu... eu estou achando muito bom. — Ela segurou a cabeça dele com as
mãos e fez com que ele voltasse a beijá-la na boca.
Ela sentiu que o coração dele batia descompassado. Não tinha certeza de como
proceder, mas Ace já havia estado milhares de vezes com garotas; ele saberia o que
fazer. Só de pensar que as namoradas dele tinham experimentado as mesmas
emoções que ela estava sentindo, odiou-as.
Ele segurou a mão dela e colocou-a na altura da virilha. Ela sentiu, através do
grosso tecido de brim, a pulsação do membro masculino intumescido e rijo.
— Ace... eu... nunca estive com um homem antes; não sei o que devo fazer.
Ele sentou-se bruscamente e praguejou.
— Eu devo estar louco para ter chegado a este ponto. Desculpe, Lynnie.
— Isso quer dizer que você vai parar? — Ela suspirou, desapontada. — Gostei
muito do que estávamos fazendo.
Ace olhou para ela de modo reprovador.
— Uma moça respeitável não deve dizer isso a um homem.
— Por que não? Você sabe que eu sou franca.
— Se eu não fosse um cavalheiro, tiraria suas calças, agora.
— Cavalheiro? Você? — Ela quis provocá-lo, mas, na verdade, sentiu, além do
desapontamento, grande tristeza. — Ace, você me recusou porque não sou bonita, não
é mesmo?
— Ora, que tolice! Lynnie, eu nunca pensei que fosse dizer isso, mas eu acho
você linda.
— Linda?! Bem, eu sei que você não quer me magoar.
— Não me tente, garota. — Ele enrolou um cigarro com as mãos trêmulas. —
Nunca desejei tanto uma mulher como desejo você esta noite.
— É verdade? — Ela vibrou de alegria.
— É a pura verdade. Mas agora, durma. — Ele acendeu o cigarro.
— O que você vai fazer? Vai dormir também?
— Não — ele resmungou. — Não conseguirei dormir depois do que você me fez.
— Mas eu não fiz nada — ela respondeu confusa.
— Não fez, o diabo. Agora, cale-se e durma.
Lynnie ia protestar, mas percebeu que ele estava muito aborrecido e decidiu não
abusar da sorte. Fechou os olhos e sentiu que ele lhe cocava levemente a cabeça para
fazê-la adormecer. Quando Ace notou que ela dormia tranqüila, ficou sentado do lado
dela, fumando, a virilha doendo. Não olhou para ela adormecida, com a blusa
entreaberta, os cabelos ruivos espalhados no couro de búfalo, com medo de não
conseguir controlar-se. Não costumava ficar mais de dois dias sem uma mulher, e via-
se na estrada há semanas. Entretanto, Lynnie não era mais uma mulher em sua vida.
Ela era diferente. Tinha algo que o atraía e o fazia desejá-la como jamais desejara
outra mulher. O que não daria para fazer amor com ela naquele momento. Logo
reconheceu que não estava sendo decente porque ele não pensava em casamento.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 143

Mesmo que pensasse, não escolheria para esposa uma mulher teimosa e obcecada
por sua luta pelos direitos das mulheres. Nem ela o aceitaria para marido nem que ele
fosse o último homem sobre a face da terra. Lynnie não perdia a ocasião de declarar
para o mundo que jamais se prenderia a um homem que considerasse um bruto
indomado. Bem, quem sabe ela encontraria em Dodge City algum dândi com chapéu-
coco, o tipo do homem que gostava de poesia e que oferecia flores a uma dama.
Ace riu baixinho. Um tipo desses jamais domaria uma texana indócil como
Lynnie McBride. Mesmo ele não podia ter certeza de que daria conta dessa tarefa.
Também, não queria nem sequer tentar. Não; era melhor continuar com as alegres
prostitutas que não esperavam de um homem nada além de uns momentos de risos e
prazer.

Mal o dia começou a clarear, Ace acordou Lynnie. Ela olhou ao redor, meio
confusa.
— Você, seu patife, aproveitou-se de mim...
— Não aconteceu muita coisa, lembra-se?
— Não? Estou com a camisa aberta e as calças quase...
— Você cooperou bastante. Não é possível ter esquecido.
Lynnie ficou vermelha.
— Um cavalheiro não faz tais comentários. — Ela empinou o nariz.
— Você está certa. Mas vamos, levante-se. Temos de partir. Pode ser que o
guerreiro comanche tenha mudado de idéia.
Eles saíram da tenda e viram o velho chefe comanche reunido com vários índios.
Os caubóis estavam tensos e alarmados.
— O que foi? — Ace perguntou a Comanche.
— O chefe está dizendo que seu filho quer Cabelos-de-fogo. E está disposto a
lutar com homem branco para ter a mulher.
Ace sentiu os pelos da nuca arrepiados. Passou o braço pelos ombros de Lynnie
num gesto protetor.
— Diz pro chefe que ofereço ao nobre guerreiro cavalos excelentes e alguns
novilhos — Ace propôs.
O velho senhor abanou a cabeça enquanto o filho olhava para Lynnie como se a
desnudasse. Ace podia senti-la trêmula e assustada. O guerreiro comanche era muito
forte, mas Ace não tinha medo dele e pediu para Comanche transmitir seu recado.
— Avise o filho do chefe que preciso proteger minha mulher, por isso, aceito o
desafio. Lutarei com ele.
A idéia de ver dois homens lutando por ela era revoltante.
Ia protestar, mas Ace ordenou-lhe que ficasse quieta. Ela obedeceu-o sem
discutir.
Comanche transmitiu o recado. Ficou estabelecido que se Ace ganhasse a luta,
receberia como prêmio o melhor cavalo que houvesse na tribo. Se o índio fosse o
vencedor, teria Cabelos-de-fogo.
— Tenho confiança em você, Ace — disse Lynnie, o medo impresso nos olhos
verdes.
— Garota, eu gostaria que você tivesse seguido naquele trem — disse ele,
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 144

determinado a protegê-la.
Apesar do medo, ela revidou:
— E perder a brincadeira?
— Diz pro chefe, Comanche, que estou pronto pra defender minha mulher. Os
assistentes devem formar um círculo.
Em poucos minutos os índios formaram um grande círculo no centro do qual
ficaram Ace, sem camisa, e o guerreiro comanche apenas com uma tanga. O jovem
olhou para Lynnie e sorriu, como se dissesse: "Em breve você me pertencerá". Ela o
encarou, pálida, porém com expressão desafiadora.
A luta começou. Tanto o guerreiro quanto Ace andaram em círculo, cautelosos.
Inesperadamente, Ace abaixou-se, investiu contra o índio e prendeu-lhe as pernas.
Ambos rolaram no chão e lutaram levantando poeira, estimulados pelos assistentes. Os
dois provaram que eram bons de briga e a luta seguia empatada. A fama que Ace
granjeara de desordeiro e bom lutador tinha razão de ser. Saltou sobre o índio como
um lince, derrubando-o. O jovem guerreiro saiu agilmente de debaixo do adversário,
agarrou-o pelo pescoço e apertou-o com força.
Sem conseguir fazer com que o índio o soltasse, Ace não podia respirar e sua
visão escureceu. Sentia os pulmões queimando e foi tentado a desistir de lutar. Talvez
assim, o outro relaxasse, diminuindo a força das mãos. O que o salvou foi lembrar-se
do destino de Lynnie sendo obrigada a ficar com aquele selvagem. Ergueu os punhos e
acenou dois murros violentos nos antebraços do jovem comanche, que o soltou.
Apesar de arquejante, deu uma cabeçada no estômago do índio, fazendo-o cambalear.
Não satisfeito, deu-lhe um murro no queixo e ele caiu para trás.
A essa altura, Lynnie não agüentou mais e antes que alguém pudesse impedi-la,
entrou no meio da luta. Pulou em cima do índio caído e deu-lhe uns murros.
— Como ousou pensar que eu seria capaz de querer você?
Os assistentes riam e ridicularizavam o guerreiro por estar apanhando de uma
mulher.
Ace correu para ela, ergueu-a no colo.
— Garota, você não tinha que se intrometer.
— Vá pro inferno! Como não? É o meu destino que está em jogo — ela
respondeu se debatendo e esperneando.
Os índios gargalharam. O velho chefe chamou Comanche e lhe disse alguma
coisa. Ele voltou para Ace com o recado.
— O chefe mandou dizer que essa mulher é demais para qualquer homem. Ele
não quer que o filho nem sequer tente domá-la.
— Eu mesmo poderia ter dito isso a ele. -— Ace riu e manteve Lynnie a certa
distância. — Vou até os dois pra me despedir.
Ele deixou três novilhos gordos em agradecimento pela permissão de atravessar
o território. E se separaram como amigos. Quando colocou Lynnie na sela de Bonny,
murmurou:
— Vamos sair daqui antes que eles mudem de idéia.

Capítulo XVII
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Os caubóis conduziram o rebanho para a estrada e partiram sob os olhares e


acenos dos comanches. A filha do chefe sorriu para Ace o tempo todo de maneira
atrevida e convidativa.
— Hum, ela é mesmo uma tentação — observou Ace virando-se na sela para
continuar olhando para a moça.
A atitude dele irritou Lynnie, mas ela não o demonstrou. Mordeu o lábio e
manteve-se firme, olhando para frente.

Os dias que se seguiram foram monótonos. O calor aumentava cada vez mais e,
por vezes, a água ficava escassa. Por fim, eles chegaram ao rio South Canadian, que
atravessava a parte central do Território índio. Esse rio era bem largo, mas raso. A
travessia foi feita sem problemas, o gado matou a sede e todos puderam tomar banho.
Eles continuaram para o Norte, por uma terra seca, até alcançarem o rio North
Canadian. Essa era a última oportunidade que eles tinham de encontrar água com
fartura, por isso trataram de aproveitar.
A travessia da grande planície foi difícil. O gado relutava em continuar, e a relva,
que já era escassa, estava pior porque tinha sido rapada pelo rebanho de Forrester.
Todos estavam muito nervosos e impacientes.
— Meu Deus, como está quente — Lynnie reclamou, enxugando o suor do rosto.
— Você está vermelha como uma lagosta na fervura — disse Ace.
— Por acaso você já viu uma lagosta?
— Não, mas deve ser vermelha, pois é comum alguém fazer essa comparação.
Se não encontrarmos água, teremos um problema sério. Precisamos de um pouco de
sorte.
O que eles tiveram foi má sorte. Um eixo do carroção quebrou e eles perderam
um dia para consertá-lo. Estando tudo tão seco, a fome castigava os animais
selvagens. Os coiotes rondavam o rebanho assustando as reses e não davam
descanso para os caubóis. De vez em quando eles viam sinais de índios e temiam um
ataque. Outro eixo do carroção quebrou e houve mais um dia de atraso. Naquela noite
todos estavam exaustos e desanimados.
De cócoras, perto da fogueira, Ace observou Lynnie. Seus lábios estavam secos
e o rosto queimado.
— Ei, garota, tome um pouco d'água. Meu cantil está cheio — ele ofereceu.
— Obrigada, já tomei.
— Lynnie, não minta pra mim. Eu sei que você dividiu a água do seu cantil com
os bezerros.
— O que você tem com isso? A água era minha.
Joe agachou-se perto deles.
— É melhor matarmos aqueles bezerros, assim teremos todo o leite das vacas
— ele sugeriu.
Lynnie atacou-o com os punhos.
— Não! Meus bezerros, não!
Ace segurou-a.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 146

— Ora, ora, ninguém vai matar os pobrezinhos, Lynnie. Em breve chegaremos


ao rio Cimarron e água não será mais problema. Além disso, entraremos no estado do
Kansas, quase no fim da viagem.
Cookie, que limpava a grande frigideira de ferro, comentou.
— Os espanhóis chamaram o Cimarron de "rio Selvagem" E, de fato, aquilo é o
diabo, muito traiçoeiro, com areias movediças.
— Mas a passagem segura está marcada, não? — Ace indagou.
— Sim, mas nunca se sabe se a areia moveu um pouco.
Lynnie sentia-se péssima; tinha sede, estava suja e queimada do sol. Os
homens não escondiam o mau humor e estouravam por qualquer motivo.
— Nunca imaginei que a viagem iria ser tão penosa — ela queixou-se.
— Quer desistir? Você está tão queimada, parece doente. Posso mandá-la para
Dodge com dois rapazes.
Ah, era assim? Lynnie pensou. Ace a havia elogiado, dissera até que a achava
bonita; tudo tinha sido mentira. Ele só queria tirar as calças dela.
— Desistir, nunca — ela respondeu. — Não preciso de tratamento especial. De
mais a mais, você não pode dispensar dois caubóis.
— Eu só quero o seu bem. Já pensou no que tio Maverick e meu pai farão
comigo se alguma coisa lhe acontecer?
É, era só isso que preocupava o egoísta. Mas o que podia esperar de Ace
Durango?
— Ora, que inferno! Você não deve sentir-se responsável por mim, Ace. Eu
decidi fazer esta maldita viagem e vou conseguir chegar até o fim, custe o que custar.
— Uma lady não deve usar esse tipo de linguagem — Ace lembrou-a.
— Aqui não sou uma lady. Sou um caubói — Lynnie gritou e os rapazes riram.
Mas até o riso deles soou triste. Ela observou aqueles jovens sujos suados,
abatidos, exaustos, e ficou penalizada.
— Olhem, amigos, se eu posso continuar a viagem, vocês também podem. Falta
pouco para chegarmos ao Cimarron e então estaremos no Kansas.
Os rapazes se entreolharam desanimados. Só um deles falou:
— Ela tem razão. Se uma moça pode ir até o fim, eu também posso. Não vou
desistir justamente agora. Não quero que riam de mim quando eu voltar pra casa com o
rabo entre as pernas. Vocês concordam comigo?
Houve um murmúrio de aprovação e Lynnie sugeriu:
— Vamos dormir mais cedo. Temos de continuar a viagem com as primeiras
luzes do dia. Para deixá-los bem relaxados vou contar-lhes uma história. Foi escrita por
Shakespeare, chama-se MacBeth. Vocês vão gostar. É sobre um homem ambicioso,
uma mulher má e tem muita luta com espada.
Os caubóis logo ficaram presos à história e transportaram-se magicamente para
a Escócia.

O sol abrasador de junho tornou insuportável aqueles poucos dias de viagem até
o Cimarron. Quando ventava, densas nuvens de pó escureciam a estrada. Os homens
e o rebanho estavam prestes a cair de sede e cansaço quando o velho touro Twister
ergueu a cabeça, cheirou o ar quente e berrou. As outras reses fizeram o mesmo, a
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boiada em peso criou ânimo e passou a andar mais depressa.


— Aleluia! — Cookie exclamou. — Eles sentiram o cheiro da água. O Cimarron
está logo adiante.
— Fiquem atentos, rapazes. Temos de manter o gado entre as estacas
sinalizadoras e longe da areia movediça. Uma boiada sedenta não presta atenção em
nada quando quer beber — Ace recomendou a cada um dos caubóis.
Cookie bateu as rédeas nas mulas.
— Pra frente, meninas, há água logo adiante! Todos pareciam ter criado alma
nova.
— Ace, vamos conseguir — Lynnie afirmou, animada. Passou a língua pelos
lábios secos, imaginando-se tomando água, muita água.
— Ainda não estamos lá, garota.
Não demorou muito, eles avistaram o rio. O gado começou a correr; não foi
possível detê-lo, os caubóis, quando muito, conseguiram que as reses fossem mais
devagar para as de trás não atropelarem as da frente. Chegando à beira do rio, a
boiada separou-se em várias direções. Lynnie observou o rio e avisou Ace, alarmada:
— Não há nenhum sinalizador!
Ela e Ace cavalgaram até a margem do Cimarron.
— O quê?! — Ele começou a praguejar quando viu que Lynnie não se havia
enganado. — Aqueles bastardos imundos arrancaram os sinais depois que o rebanho
deles passou.
— Não é possível! — Lynnie abanou a cabeça, incrédula. — Ninguém faria uma
coisa tão baixa.
— Você não conhece os Forrester tão bem quanto eu.
— Nem quero conhecer.
— Vamos mais para cima onde a água está limpa. E tome cuidado quando
chegar na beira do rio para beber.
Eles tocaram as montarias. Na ânsia de matar a sede o gado se amontoava
dentro do rio, na parte rasa, e algumas reses já estavam com problema. Ace pegou a
corda, fez o laço e atirou-o sobre a cabeça de um novilho que começava a afundar na
areia movediça.
— Rapazes, fiquem atentos! Perderemos reses se não tivermos cuidado — ele
alertou os jovens caubóis.
Lynnie aproximou-se da água e desmontou. Ace tinha ficado para trás dando
ordens e laçando as reses mais afoitas que entravam na água em áreas perigosas.
Vendo que Cookie continuava no carroção, observando o rio, Lynnie resistiu ao impulso
de cair na água. Apenas lavou o rosto, matou a sede, montou Bonny novamente e
cavalgou até o velho.
— Cookie, você é capaz de lembrar qual é o trecho seguro para a travessia?
— Estou aqui justamente estudando o rio — ele respondeu, pensativo. — Pelo
que me lembro, aquele trecho raso, depois da curva, é seguro. — Ele apontou na
direção do lugar. — O maldito Forrester é mesmo um coiote nojento. Nem ladrões de
gado arrancariam as estacas que marcam os trechos com areia movediça.
— Quero que você me mostre os lugares seguros, Cookie, mas antes vou dar
água para os bezerros.
Enquanto ela se ocupava em matar a sede de Margarida e dos três bezerros,
Ace e os caubóis continuavam lutando para manter o rebanho em trecho seguro e
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laçavam as reses e os cavalos já presos no lodo ou na areia e que começavam a ser


tragados.
Ace foi falar com Cookie.
— Lembra onde fica a trilha segura, velho?
Cookie cocou a cabeça grisalha.
— Eu estava mostrando para a srta. Lynnie um trecho seguro. Mas se eu
cometer um erro perderemos muitas reses.
— E caubóis também — Lynnie completou. Tinha acabado de dar água para os
bezerros e se aproximara dos dois.
— Vou arranjar uns galhos para marcar o trecho seguro para a travessia.
Cookie andou coxeando pela margem à procura de galhos compridos de choupo.
Lynnie ajudou-o. Pouco mais de meia hora depois o velho senhor entrou na água com
o feixe de galhos amarrado nas costas.
— Cuidado, velho! — Ace recomendou, a testa enrugada.
— Sei me cuidar — Cookie retrucou.
— É claro que sabe, mas se você afundar, ficamos sem o cozinheiro —
respondeu Ace olhando para Cookie, pronto para acudi-lo se fosse preciso.
Naquele trecho o rio, embora largo, era bem raso; no entanto, prometia ser a
parte mais perigosa da viagem depois da travessia de rio Vermelho.
Cookie enterrou dois galhos, de repente deu um passo para o lado e começou a
afundar.
— Oh, meu Deus! Areia movediça!
Imediatamente Ace laçou-o.
— Segure firme, velho. Vou tirá-lo daí. — Ace foi afastando seu cavalo até a
corda ficar bem esticada, então puxou Cookie para fora.
— Agora, sim, posso dizer que dei um mau passo — observou Cookie com
humor, apesar da palidez.
Ele livrou-se da corda e voltou a fincar os galhos. No meio do rio a água chegava
pouco acima da cintura dele. A perigosa tarefa terminou só no fim da tarde. Lynnie
olhou para o céu.
— Não seria melhor esperarmos até amanhã?
— Não. Já perdemos muito tempo. Estaremos do outro lado antes do anoitecer.
Acabando de falar ele passou a dar ordens.
— Eu o ajudo. — Lynnie tocou Bonny para frente.
— Cuide-se e não me arranje encrenca. Já tenho preocupações demais.
Ele não esperou que ela retrucasse e foi acompanhar a entrada do carroção na
água. Cookie estava sóbrio e conduzindo com perícia as mulas assustadas pela trilha
que ele mesmo havia marcado. Atrás do carroção seguiu a tropa de cavalos extras. Por
fim, os caubóis conduziram a boiada para o Cimarron. O trecho assinalado era estreito
para um rebanho com vários milhares de cabeças de gado, portanto a atenção dos
homens tinha de ser redobrada.
— Cuidado! — Lynnie gritou quando dois novilhos, em pânico, saíram do trecho
delimitado e seguro.
Os animais foram laçados e salvos por Hank e Joe. Devagar, todo o gado foi
conduzido para o rio. Os caubóis não se descuidavam e os obrigavam a avançar. Ace e
Lynnie mantiveram-se na retaguarda, atentos, a respiração presa ao ver o gado
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berrando e mugindo em protesto.


-— Agora você pode ir, Lynnie — disse Ace vendo o carroção já na outra
margem.
— Por que não vamos juntos?
— Podemos ir, assim eu a socorro se você estiver em apuros.
— Não vou precisar de socorro.
Estava escurecendo e Lynnie notou que Ace parecia tenso. Então se lembrou de
que ele não sabia nadar. Naquele instante uma serpente d'água passou bem perto do
pescoço do garanhão negro.
— Cuidado! Uma cobra! — Lynnie gritou, mas o cavalo já estava empinando,
assustado.
Pego desprevenido, Ace escorregou da sela e caiu na água, fora da trilha
demarcada. Na queda o estribo cortou a testa dele.
— Meu Deus! Você está bem, Ace?
Ele não respondeu. O cavalo se debateu e voltou para a margem. Lynnie viu Ace
caído, tentando se levantar. De sua testa saía um fio de sangue.
— Ace, você está ferido!
— Pra trás... Areia movediça... — ele murmurou, quase inconsciente.
— Para trás? Uma droga que eu vou. — Ela pegou a corda que tinha na sela e
jogou para ele a extremidade com o laço. — Agarre a corda, caubói.
Errou o alvo e ficou desesperada, vendo Ace afundar.
— Vá buscar... socorro... — ele pediu num fio de voz.
— Se eu for, quando voltar será tarde demais.
Ela puxou a corda, fez o laço e atirou-a de novo para Ace, e desta vez ele a
agarrou.
— Vamos, caubói, não me desaponte. Passe o laço sobre a cabeça.
Ele estava enterrado quase até o peito e parecia não entender o que ela dizia.
— Lynnie... você não vai conseguir...
— Quem disse que não? — Ela ficou pendurada no pescoço de Bonny, inclinou-
se para o lado de Ace e pediu: — Passe a corda pelos ombros, depois debaixo dos
braços. Isso. Ao redor do peito. Pronto. Bonny, puxe! Estique a corda, menina! Para a
margem, vamos!
Lynnie continuou pendurada em Bonny e segurou Ace, que estava
semiconsciente. No horizonte viu, à pouca claridade do fim do dia, alguns caubóis
vindo ao encontro deles. Mas não seria possível eles chegarem a tempo de salvar Ace.
O destino dele dependia de Bonny. Ela sentiu-o frouxo nos seus braços.
— Oh, não! Você não ousaria morrer nos meus braços; eu não conseguirei levar
este rebanho para Dodge City.
Ele não se mexeu; o rosto pálido estava ensangüentado e seus olhos fechados.
Parecia que ele nem respirava.
"Tarde demais", ela pensou, cheia de horror. "Ace Durango está morto".

Capítulo XVIII
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— Ace, por favor, não morra. Preciso de você. Todos nós precisamos — Lynnie
falou, chorando. Não conseguiu conter as lágrimas, que pingaram no rosto pálido e
imóvel de Ace.
Ele abriu os olhos.
— Está... chovendo?
— Graças a Deus! Ace, aguente firme, os rapazes estão vindo nos ajudar.
— Será que eu ouvi direito? Você disse que precisava de mim.
— Ora, seu miserável! Você estava fingindo? Eu devia deixá-lo morrer. Cale-se e
segure na corda.
Bonny foi andando para trás, retesando a corda. Conseguiu tirar Ace da areia
movediça e puxá-lo para o trecho seguro do rio. Os caubóis os alcançaram e levaram
os dois para a margem.
— Vocês estão bem?
— Estou vivo graças a Lynnie — disse Ace. — Meu cavalo ficou para trás.
Alguém poderia buscá-lo?
— Deixe por nossa conta — disse Hank. — Agora é melhor vocês irem para a
carroça. Acamparemos logo adiante.

Naquela noite os caubóis foram dormir logo depois do jantar. Sentados num
tronco caído, Ace e Lynnie conversavam, cada um enrolado numa coberta. Suas
roupas secavam perto da fogueira.
— Devo-lhe a vida, Lynnie. Quase não consegui sair daquela areia. Subestimei
você — ele admitiu. — Você é tão boa quanto qualquer um dos caubóis desta comitiva.
— Então você perdoou tudo o que eu fiz de errado?
— Claro. A viagem teria sido monótona sem você. — Ace pôs a mão sob o
queixo dela e beijou-a suavemente.
— Ace, não precisa me beijar. Eu sei que não faço seu tipo nem sou bonita.
— Você é bonita. — Ele beijou-a novamente e manteve o braço ao redor dos
ombros dela.
Com os movimentos que ele fez, a coberta escorregou das suas costas.
Lynnie ficou em silêncio, como se tivesse medo de destruir a beleza e a paz da
noite. Para colaborar, o fogo crepitava criando uma atmosfera aconchegante no
acampamento. As estrelas, no céu, pareciam diamantes sobre veludo azul. Ela sentia
por Ace Durango algo diferente. Eles tinham passado juntos muitos perigos, sede,
desconforto e desalento. Com isso, começara a haver entre ambos certa cumplicidade.
— Sabe, Ace? Você é como seu pai. É forte e corajoso como ele, talvez até mais
— ela falou, por fim.
— Vindo de você, esse é um grande elogio.
Ela encostou a cabeça no peito dele.
— Quando você acha que chegaremos a Dodge City?
— Em pouco mais de uma semana. Duas, no máximo. Depois de tantos perigos
e contratempos acho difícil acreditar que conseguimos trazer o rebanho até aqui.
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— Eu sempre tive confiança em você. Você é um Durango.


— Lynnie...
— Sim? — ela murmurou, desejando que ele a beijasse.
— Nada. Não tem importância. — Ele mostrou-se hesitante e inseguro.
Ace não iria beijá-la, Lynnie pensou. Lembrou-se dos beijos ardentes que ele lhe
dera na tenda dos comanches e ficou desapontada.
— Quando chegarmos a Dodge City você ficará livre de mim.
— Não diga isso. Vou sentir sua falta.
"Droga, me beije. O que está esperando?"
Às vezes cabia à mulher tomar a iniciativa, decidiu. Abraçou Ace e beijou-o na
boca. Por uns segundos ele ficou surpreso, depois, passou os braços ao redor dela e
beijou-a arrebatada-mente.
Lynnie quis mais do que beijos; desejava acariciá-lo e ser acariciada. Encostou-
se nele e desceu devagar as mãos pela nuca e as costas dele, até a cintura. Ace
continuou a beijá-la na boca, no rosto e no pescoço,
— Lynnie, desse jeito vamos ter problemas — ele avisou com a respiração
entrecortada.
— Ah, problemas? — Ela cobriu o peito dele de beijos.
Ele emitiu um som gutural, meio gemido, meio súplica. Introduzindo as mãos sob
a manta que a cobria, acariciou-lhe as costas, os seios, os quadris, deixando-a quase
sem ar. Então beijou, mordiscou e sugou um seio, depois o outro. Suas mãos
desceram ainda mais e tocaram as coxas dela.
— Lynnie... Lynnie...
Ela fechou os olhos, estremeceu, sentiu um fogo na parte inferior do ventre, um
desejo que chegava a doer. Essas sensações aumentaram quando as mãos grandes e
atrevidas separaram as pernas dela para acariciá-la mais intimamente.
— Lynnie... é melhor você me obrigar a parar.
Obrigá-lo a parar? Ele estava maluco? Devia continuar, isso sim. Ele deitou-a na
relva, sobre a manta e, sob a luz pálida da lua, admirou o corpo nu. Curvou-se sobre
ela e continuou a beijá-la e acariciá-la. Estavam tão unidos que ela sentia seu coração
e o dele batendo em descompasso, e o membro viril pulsando contra suas coxas.
— Lynnie... — Havia urgência na voz dele. — Lynnie... eu não posso parar.
— Nem eu quero que você pare.
Ela puxou-o sobre seu corpo e, excitado como estava, Ace acomodou-se entre
as pernas dela e penetrou-a numa arremetida firme. Ela deu um pequeno grito, mas
cruzou as pernas ao redor da cintura dele e impulsionou o corpo para cima, exigindo
uma penetração mais profunda. Estava entregando sua virgindade num campo, perto
de uma fogueira e sob o luar. Não era assim que havia imaginado sua primeira noite de
amor, mas isso não importava. Tudo o que queria era continuar abraçada àquele
caubói grande, forte, rústico, e mantê-lo dentro dela, cavalgando-a, ambos suados,
delirantes, se exercitando no mais primitivo dos atos. O que sentia era indescritível.
Jamais tivera sensações tão maravilhosas como as que estava experimentando
unida àquele homem, enquanto ele a cavalgava rápida e impetuosamente. Ele era tão
grande e ela podia sentir cada centímetro dele no ritmo frenético em que se
movimentavam. Estavam tão envolvidos que nenhum deles queria parar, nem mesmo
sob ameaça de morte. E nada importava, a não ser chegar ao clímax daquele ato
avassalador. Lynnie queria que Ace a penetrasse ainda mais fundo e puxou os quadris
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 152

dele contra sua pélvis, ao mesmo tempo em que a sua excitação atingia o limite. Foi
como se uma onda a arrebatasse a uma grande altura e a trouxesse de volta numa
torrente de gozo.
— Ace... Ace... — ela murmurou, mantendo-o preso no círculo de suas pernas.
Sentiu que ele sustinha a respiração e arquejava para então despejar suas
sementes dentro dela numa onda de prazer. Por um longo momento eles ficaram
entrelaçados, ofegantes, a carne ainda palpitante, aos poucos relaxando.
— Você é maravilhosa. Não me canso de amar você — Ace declarou, excitado
novamente, o membro em riste.
Quem era ela para protestar? Queria sentir os beijos ardentes de Ace
queimando-lhe a pele; queria-o de novo dentro dela. Ele penetrou-a e se amaram mais
intensa e loucamente do que antes. Depois de alcançarem o clímax, Ace beijou-a no
rosto e a manteve aninhada nos seus braços, experimentando a deliciosa sensação de
saciedade e de paz.

Ace acordou do lado de Lynnie antes de o dia clarear. Estavam ambos nus,
debaixo da manta que ele tinha jogado sobre o corpo de ambos. Lembrando-se do que
havia acontecido, ficou horrorizado.
"Meu Deus, tio Maverick vai me matar. Não, meu pai me matará primeiro",
pensou.
Lynnie se mexeu preguiçosamente e sorriu para ele.
— Já sei o que você vai dizer, Lynnie. — Ele pulou num pé só, tentando vestir a
calça. — O que aconteceu foi um grande erro. Sinto muito, eu a desonrei...
— Você me desonrou? — Lynnie sentou-se e puxou a manta para cobrir-lhe a
nudez. — Não acho que fazer amor seja desonra.
Ace levou o indicador aos lábios pedindo silêncio.
— Shh! Os homens podem ouvi-la.
— Por que temos de esconder que fizemos amor?
— Lynnie, vamos esquecer o que aconteceu, está bem?
— O quê? Eu pensei que a nossa noite de amor tivesse sido especial. — Ela
pegou uma de suas botas e atirou-a em Ace, atingindo-o entre as pernas.
Ele gemeu e praguejou alto.
— Droga! Não precisa ficar brava. Eu disse que sinto muito e reconheço que
serei obrigado...
— Você não é obrigado a nada! Eu não o aceitaria nem que me fosse
apresentado numa bandeja de prata! Portanto, mantenha-se distante de mim durante o
resto da viagem e fingiremos que nada aconteceu entre nós.
Lynnie controlou-se para não chorar. Sentia realmente afeição por aquele bruto e
ele, como todos os homens, a considerava apenas mais uma conquista.
— Quer dizer que se eu a pedir em casamento você dirá "não"?
— Eu estou dizendo "não". Ace Durango, você se considera um presente de
Deus para as mulheres, mas saiba que não foi tão ardente.
Ele a encarou, pasmado.
— Não seja fingida. Bem que você gostou. E se você nunca esteve com um
homem antes, não pode saber se eu fui ou não tão ardente.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 153

Tinha sido bom. E como! Muito melhor do que havia imaginado que poderia ser,
melhor do que nos romances que tinha lido. Porém, não iria admitir isso para aquele
presunçoso.
— Eu disse que você não foi tão ardente porque não me fez sentir nada.
— Nada?
— Isso mesmo Não será difícil esquecer o que aconteceu ontem à noite,
simplesmente porque, para mim, não significou nada.
— Mulheres!

Era quase fim de junho. Lynnie começava a perder as esperanças de chegar a


Dodge City para a manifestação das mulheres a ser realizada no dia quatro de julho.
Mas isso já não lhe parecia tão importante. Ace e ela mantinham uma distância
respeitosa e fria. Se os outros caubóis notaram o comportamento deles, não fizeram
nenhum comentário.
Certa manhã, Cookie olhou para o nascente e observou:
— Estamos perto da trilha Oeste. Dentro em breve chegaremos a Dodge City.
A notícia alegrou Lynnie. Não via a hora de livrar-se do texano rude e obstinado.
Então cada um seguiria sua vida. Seu interesse pelo grande encontro feminista tinha
diminuído e ela punha a culpa disso em Ace Durango. Nunca havia sonhado que
poderia experimentar tamanho êxtase nos braços de um homem, especialmente sendo
ele um caubói tão rude. No fim da tarde eles passaram por uma grande placa de
madeira indicando o caminho para a trilha Oeste.
— Que coisa estranha, a seta indica para seguirmos em frente, mas eu tenho
quase certeza de que devemos virar à esquerda — Lynnie comentou, preocupada.
— Intuição feminina — Ace falou com menosprezo e recorreu a Cookie. — O que
você acha, velho?
Cookie olhou para o céu, mas estava nublado e ele ficou confuso.
— Não sei...
Lynnie inclinou-se na sela e olhou a placa com atenção.
— Sabe o que eu acho? Aquele miserável do Forrester virou a placa.
— Será? — disse Ace com ar de dúvida. — Isso seria maldade demais.
— Ele arrancou as estacas que indicavam a areia movediça, pondo em risco
muitas vidas, o que foi muito pior.
— Isso é verdade, mas não podemos conduzir uma boiada tão grande por essa
estrada só porque você acha que está certa — Ace teimou.
— Ouça bem, seu cabeça-dura, uma mulher tem intuição. Mas neste caso não
se trata apenas de intuição. Vocês podem ver que na direção indicada pela seta não há
o menor sinal de que a estrada foi trilhada por um rebanho e não há montes de esterco
— Lynnie apontou.
— Parece que na outra estrada também não passou rebanho nenhum — Ace
argumentou.
— Já notei isso e sei o que aconteceu. Vou provar que estou certa. — Ela
esporeou Bonny e afastou-se a galope.
— Lynnie, volte aqui! — Ace chamou-a. Vendo que ela continuava galopando, foi
atrás dela. — Droga, o que você quer provar?
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 154

Lynnie ouviu-o e retrucou.


— Quero provar que não sou idiota e que você é um cabeçudo. Olhe adiante. O
que está vendo?
Ace deu um assobio.
— É evidente que uma grande boiada passou por aqui.
— O que você deduz?
— O verme do Forrester apagou os sinais deixados na estrada pelo rebanho.
— Fez isso num trecho de umas poucas centenas de metros.
— Você venceu — ele admitiu em tom frio. — Eu nunca tinha sido derrotado por
uma mulher.
— As mulheres de sua preferência não são espertas o bastante para competir
com você. A pobre Emma-Lou Purdy, por exemplo, tem seios de sobra, mas falta-lhe
cérebro.
— Emma-Lou... Nem me fale nela... — Ace fez uma cara de safado e riu.
Lynnie quase deu uma relhada naquele insolente. Controlou-se, com medo de
receber o troco. O bruto seria bem capaz de agredi-la.
Quando eles voltavam para o rebanho, Ace pigarreou e pediu:
— Eu lhe agradeceria se você não me ridicularizasse na frente de meus homens.
Lynnie deu um sorriso maldoso. A ocasião era perfeita para mostrar que ela era
inteligente e ele um cabeça-dura imbecil. Entretanto, não iria fazer isso. Era superior a
essas picuinhas. Ao se aproximar dos caubóis, gritou:
— Ace encontrou a trilha certa. Foi realmente por ali que a boiada de Forrester
seguiu.
Surpreso com a atitude dela, Ace foi cavalheiro.
— Tudo o que eu fiz foi confiar na intuição de Lynnie. Ela estava certa.
Calmamente Ace explicou a artimanha de Forrester a seus homens e completou:
— Se não fosse a ajuda de Lynnie, eu não teria encontrado a trilha e iríamos
parar em Wichita.
— A srta. Lynnie é mesmo muito esperta. Acho que mulheres assim devem ter o
direito de votar — Comanche opinou.
Todos, exceto Ace, o apoiaram. Lynnie sentiu uma excitação momentânea de
triunfo.
— Certo, rapazes, vamos continuar — Ace gritou.
Eles conduziram o gado pela estrada da esquerda. Os rapazes elogiaram Lynnie
mas Ace esporeou o cavalo e se afastou para supervisionar o rebanho.
Lynnie seguiu-o com o olhar. Bem, o que podia esperar? Ela não era o tipo de
garota capaz de atrair um homem como Ace; sabia disso desde o começo. Ele estava
viajando havia muitas semanas sem nem ao menos ver uma mulher, quanto mais fazer
amor com uma delas. Por isso ela tornara-se um objeto de desejo. Perdera a
virgindade, certo, mas tinha o consolo de poder lembrar-se das horas mágicas vividas
com Ace Durango.

Naquela noite, olhando para o céu estrelado, Cookie confirmou que estavam na
trilha Oeste. Eles acamparam e depois do jantar, quando tomavam café e ouviam
Lynnie contar uma de suas histórias, ouviram alguém chamando.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 155

— Alô, vocês do acampamento!


Muito surpresos, todos olharam na direção de onde viera o grito. Dois cavaleiros
se aproximavam, vindos do Noroeste.
— Quem...? — Lynnie começou a falar e emudeceu, perplexa, ao reconhecer os
dois vaqueiros.
Willis Forrester e Nelbert Purdy refrearam os cavalos a pouca distância da
fogueira.

Capítulo XIX

Por um momento Willis Forrester observou o acampamento: o imprestável Ace


Durango, um grupo de caubóis muito jovens, sem experiência, um cozinheiro velho e
bêbado, quatro bezerros e quatro vacas com laços de fita, e aquela garota, filha de Joe
McBride. Os rapazes de rosto corado estavam limpos, tinham feito a barba, pareciam
até que iam a uma festa. Mais adiante, perto do carroção, e do lado de um touro velho
de chifres retorcidos, estava o cavalo mais feio que ele já vira.
Ace Durango ficou de pé e levou a mão à cintura para sentir a pistola.
— Forrester, o que faz aqui? Veio zombar de nós?
Willis riu.
— Calma, amigo. Deduzi que seus caubóis eram inexperientes e vim ver se nós
podemos fazer alguma coisa para ajudar, não é Nelbert?
Nelbert Purdy balançou a cabeça gorda.
— Certo como atirar no alvo.
Ace ficou carrancudo.
— Vocês têm coragem de vir até aqui depois do que fizeram?
— O que nós fizemos?
— Arrancaram do Cimarron as estacas sinalizadoras e mudaram a placa da
estrada.
Forrester arqueou as sobrancelhas, fazendo-se de inocente.
— Não sei do que você está falando. E acho que deve me pedir desculpas pela
acusação.
— Tudo o que Ace disse é verdade — confirmou um dos rapazes. — Por isso
não deve se desculpar.
Willis Forrester não queria enfrentar Ace Durango num duelo. Os dois Durango,
pai e filho, eram, reconhecidamente, os mais rápidos no gatilho de todo o Texas. Ele
sorriu e empurrou o Stetson para trás.
— Sorte sua por me ver de bom humor. Caso contrário eu poderia exigir
retratação por me insultar.
Ace levou a mão à pistola, mas Lynnie segurou-lhe o braço.
— Nada de tiros, Ace.
Willis reconheceu que tinha sido maluca a idéia de vir ao acampamento para
exultar com a desventura de Ace Durango e sua comitiva.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 156

— Ora, vamos manter a calma — ele falou esforçando-se para não trair seu
nervosismo. — Um homem que fez tudo o que você disse só pode ser um verme
nojento.
— Um verme nojento. Eis aí uma boa descrição.
— Juro por minha honra que não fiz nada do que você me acusa. — Forrester
ergueu a mão. — Talvez as estacas tenham sido arrancadas pelo vento.
— Por que você está tão aflito, Forrester? Eu diria que está mais nervoso do que
uma prostituta na igreja, num domingo.
— Isso é coisa que se diga na frente de uma moça?
Ace franziu a testa.
— Peço desculpas à srta. Lynnie. Ela está conosco há tanto tempo que penso
nela como um dos caubóis. Bem, Forrester, você também jura pela sua honra de
texano que não inverteu aquela placa com as setas?
— Juro — Forrester respondeu mal humorado.
— Se ele jurou por sua honra, merece o benefício da dúvida — Lynnie opinou.
Os rapazes não concordaram com Lynnie nem acreditaram em Forrester.
Olharam para o chefe aguardando sua decisão. Willis Forrester notou que Ace era
respeitado pelos caubóis. Admirou-se de ver que o beberrão, mulherengo, jogador e
irresponsável tornara-se um líder, um verdadeiro chefe de comitiva. E a garota ingênua,
pelo modo como olhava para Ace Durango, evidentemente gostava dele.
— O que está acontecendo por aqui? — Forrester indagou, mais relaxado. — Os
caubóis parecem maricas, uma lady que conta histórias e lê poesias viaja com vocês, e
um bando de vacas e bezerros se enfeitam com fitinhas. Isso para não mencionar
aquele cavalo medonho, perto do carroção.
— Cuidado com as palavras! — Ace advertiu-o, zangado.
— Eu não quis ofender. — Forrester desmontou. — Hum, que cheiro gostoso de
café.
— Ninguém o convidou pra ficar. — Ace olhou com raiva para o intruso. — Você
não é bem-vindo, uma vez que há rivalidade entre nossas famílias.
— Já é tempo de acabarmos com essa inimizade.
— Isso irá acontecer quando eu me convencer de que os Forrester não são tão
desonestos como sempre achei que eram.
Willis Forrester cerrou os maxilares, engoliu a raiva e forçou um sorriso. Era
melhor não provocar a ira de um Durango. Voltou a atenção para a garota ruiva e
queimada de sol.
— Ora, se não é a filha de Joe McBride. O que faz aqui, doçura?
— Meu nome não é doçura — Lynnie respondeu em tom agressivo. — Mas, se
quer mesmo saber, estou ajudando a conduzir este rebanho.
— Isso mesmo — Cookie aparteou. — E estamos muito felizes por poder contar
com a ajuda desta lady.
— Lady?! — Purdy bufou. — Minha irmã, sim, é uma verdadeira lady e pura
como a neve.
— Hum... neve um pouco pisoteada — Lynnie murmurou.
— O que você disse? — O gordo Nelbert indagou, olhando para ela de modo
perscrutador. — Você é uma escandalosa. Se fosse uma lady, não perderia o emprego
nem iria para o quarto com Ace Durango.
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Ace estava para avançar em Nelbert, mas Lynnie segurou-o pelo braço.
— Não quero saber de briga por minha causa.
— A garota McBride é sensata. Pena que tenha perdido o resto de sua
reputação viajando com um bando de homens...
— Forrester — Ace rugiu —, você e esse Purdy balofo voltem pro seu
acampamento bem depressa. Se não fizerem isso, meus caubóis e eu vamos arrancá-
los da sela e cobri-los com esterco de vaca.
Os caubóis ficaram de pé, olhando furiosos para os dois intrusos. Tinham,
obviamente, admiração pela garota ruiva e estavam mais do que dispostos a lutar por
ela. Willis cometera um grave erro.
— Só queríamos saber se os amigos texanos estavam bem — Forrester falou
com ironia. — Achamos que você, Durango, com esse bando de caubóis inexperientes
e uma garota, não terminariam a viagem.
— Pois saiba que chegaremos a Dodge City — Lynnie gritou.
Forrester inclinou-se sobre a sela e sorriu.
— Quer fazer uma pequena aposta, doçura?
Ace empurrou o chapéu para trás.
— Isso me interessa. Que tal um jogo de cartas?
— Não! Já perdi muito dinheiro jogando com você. Quem sabe uma corrida de
cavalos.
— Feito. Apostamos uma corrida — Ace concordou.
— Não. Eu escolho com quem vou disputar a corrida.
— Então escolha quem você quiser — Ace propôs, sabendo que seus homens
eram excelentes cavaleiros e os cavalos do Triplo D eram os melhores do Texas.
— Posso escolher mesmo? — Forrester mal conseguia disfarçar seu
contentamento; finalmente iria fazer com que o herdeiro Durango caísse numa cilada.
— Pode. Seja como for, você será derrotado, Forrester.
— Escolho a garota.
— A garota? — Ace parecia ter engasgado. — Isso não é justo.
Os caubóis também protestaram. Lynnie encarou Forrester.
— Aceito o desafio, Forrester. Vai ser muito engraçado ouvir todos zombarem de
você por ter sido derrotado por uma moça.
Os caubóis riram e Forrester ficou vermelho de raiva. Sempre odiara os Durango
e os McBride e agora teria sua vingança.
— Se eu fosse você, não teria tanta certeza da vitória.
— Lynnie, não aceite a aposta — Ace aconselhou-a.
— Já aceitei.
— Então eu lhe empresto meu cavalo...
— Não! — Forrester gritou. — Ela tem de montar seu próprio cavalo.
— Certo, Forrester — Lynnie concordou. — O que você aposta?
— As damas em primeiro lugar. Escolha o prêmio, doçura. Mas saiba que irá
perdê-lo.
Ela sorriu, altiva. Willis que a observava, disse a si mesmo que a garota ruiva era
tão obstinada quanto Ace Durango. Faziam um belo par.
— Está bem. Se eu vencer a corrida, você terá de deixar o nosso rebanho
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passar na frente do seu para chegarmos a Dodge City antes de vocês. Aceita?
— Aceito. E agora, posso escolher o que eu levo, se vencer a corrida?
Lynnie jamais confiara na rica e poderosa família Forrester. Eles tinham chegado
a Austin com os pioneiros e eram conhecidos por seu orgulho e ambição. Não
hesitavam em lançar mão de meios escusos para conseguir o que queriam.
— Está bem, Forrester, pode escolher.
Forrester riu.
— Não escolho você, se é o que está pensando.
— Nem eu o aceitaria.
— Se eu vencer, fico com aqueles seus bezerros de estimação, enfeitados com
lacinhos. Farei um churrasco com eles. Especialmente aquele vesgo...
— O quê? — Lynnie empalideceu. — Comer Margarida? De jeito nenhum.
Escolha os melhores novilhos para seu churrasco.
— Então vai faltar com sua palavra? Você falou que eu podia escolher...
Ace interveio.
— Forrester, aceite meu cavalo em lugar dos bezerros.
— Eu o aceito como prêmio secundário — disse Purdy. Os caubóis estavam
horrorizados. Sabiam o que Margarida e o garanhão negro significavam para seus
donos. Lynnie olhou para a bezerra com o laço amarelo e sentiu os olhos úmidos de
lágrimas.
— Não posso. Pense em outro prêmio.
— Então? A garota de nariz empinado não tem palavra? — Forrester zombou.
— Forrester, seu gambá fedorento, isso não é jeito de tratar uma lady — Ace
esbravejou.
Mesmo sabendo que era perigoso enfurecer Ace Durango, Forrester não resistiu
e provocou-o:
— Não se pode ter certeza de que uma mulher como essa McBride seja uma
lady.
Rápido como o bote de uma serpente, Ace puxou a camisa de Forrester,
derrubando-o da sela. Os dois rolaram no chão, lutando.
— Parem com isso! — Lynnie gritou.
Os dois não lhe deram ouvidos. Ela pegou a pistola de Ace e atirou no ar.
— Parem, eu já disse!
Os dois ficaram de pé, sujos e rasgados. Um fio de sangue escorria do lábio de
Forrester.
— Não vejo a hora de fazer o meu churrasco e de levar comigo um belo
garanhão negro — Forrester falou. Pegou o chapéu e montou seu cavalo.
— Muito bem, aceito a aposta — Lynnie decidiu. — A corrida será amanhã, ao
entardecer.
Forrester e Purdy partiram e Ace voltou-se para Lynnie.
— O que você fez foi uma loucura, garota.
— Vou ganhar a aposta. É muito importante chegarmos a Dodge City antes de
Forrester e Purdy. — Ela foi até a carroça e agradou Margarida. — Você não vai virar
churrasco, meu bebê.
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No dia seguinte, antes do pôr-do-sol, os homens das duas comitivas reuniram-se


na planície entre os dois rebanhos para assistir à corrida entre Lynnie e Forrester.
Estabelecidas as regras, os dois competidores conduziram suas montarias para
a linha marcada como ponto de partida. Ao ouvir Margarida berrar, Lynnie entregou as
rédeas de Bonny a Ace e foi confortar a bezerra.
— Não se preocupe, bebê, vou vencer esta corrida.
Forrester gritou para seus homens:
— Ei, rapazes, ali está o nosso jantar desta noite.
— Bem, a pobre é muito pequena, mas aposto que a carne é macia — um dos
caubóis gritou.
Lynnie conteve as lágrimas; limpou os óculos e voltou para a linha de partida.
Montou Bonny e estudou o percurso, indiferente aos comentários zombeteiros que os
homens faziam sobre a égua.
— Estou pronta para a corrida — avisou.
Forrester estava tendo dificuldade de manter o cavalo baio na linha de partida.
Bonny, ao contrário, nem se mexia; parecia adormecida. Por fim, Ace ergueu a
bandana vermelha e abaixou-a.
— Já!
O cavalo baio disparou. Lynnie bateu no lombo de Bonny com as rédeas; o
animal assustou-se e saiu a meio-galope.
— Vamos, Bonny, mostre que você é valente — Lynnie falou para a égua.
Só então Bonny deu demonstração de ter entendido que aquilo era uma corrida.
Lynnie continuou a estimulá-la. A égua cinzenta empinou as orelhas e aumentou a
velocidade. Os caubóis de Ace também gritavam encorajando Bonny. Entretanto,
Lynnie sabia que eles não confiavam na vitória de um animal tão desajeitado.
— Vamos, baby, você tem de vencer, caso contrário eles vão comer meus
bezerros — Lynnie suplicou.
A égua disparou como um raio na direção da grande pedra que marcava o fim da
pista, contornou-a e galopou na direção da linha de chegada. Mas o cavalo de
Forrester estava na frente.
— Vamos! Você é capaz! — Lynnie dizia a todo instante.
Mal podia enxergar por causa da poeira e a garganta estava seca. O cheiro do
suor dos cavalos enchia o ar. Forrester açoitava e esporeava sua montaria, mas Bonny
não precisava desse tipo de estímulo e estava ganhando terreno. Emparelhou-se com
o baio e Forrester deu-lhe uma chicotada no focinho. Bonny refugou.
— Isso não é justo! Trapaceiro imundo! — Lynnie protestou e conseguiu
controlar a égua.
A cinzenta, correspondendo ao estímulo da amazona, galopava valentemente.
De repente, Lynnie viu Ace na linha de chegada acenando para a égua e gritando:
— Vamos, Bonny!
Sendo ótima amazona, Lynnie usou toda a sua habilidade para conseguir o
melhor rendimento de Bonny e ultrapassou o baio de Forrester, vencendo a corrida.
Refreou a égua e caiu nos braços de Ace.
— Fui roubado! Ela trapaceou! — Forrester gritou.
Ace deixou Lynnie de lado e enfrentou o mau-caráter.
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— Engula suas palavras se não quiser apanhar. Foi você quem chicoteou a égua
e está acusando esta lady de trapaceira?
— Perdi a cabeça. Não entendi como essa égua imprestável pôde me vencer.
— Nem precisa entender — disse Lynnie. — Sr. Forrester, o que tem a fazer é
pagar a aposta.
Sem ter saída, Willis Forrester deu ordens a seus homens para segurarem o
rebanho enquanto o gado de Durango ia passar na frente deles. Ace não perdeu
tempo. Ainda havia claridade e os caubóis tocaram a boiada adiante. Quando
acamparam estava escuro e Ace cumprimentou Lynnie.
— Parabéns. Graças a você chegaremos a Dodge City antes de Forrester e
conseguiremos o melhor preço pelo gado.

Poucos dias depois eles viram fumaça saindo de uma chaminé a distância.
— Um assentamento — Ace comentou. — Não vai demorar muito toda a região
estará ocupada, com pequenas fazendas e plantações. Será o fim dos grandes
criadores de gado.
— Será melhor assim. Nós temos terras demais — Lynnie observou. —
Podemos visitar aquela propriedade enquanto o gado mata a sede no riacho.
— Não estou interessado.
— Nesse caso, eu vou sozinha.
— De forma nenhuma. Não vou deixá-la cavalgar por aí sozinha.
— Por que não? Está preocupado comigo?
— É claro que não. Você é independente. Só não quero ter que enfrentar meu
pai e tio Maverick se alguma coisa lhe acontecer.
— Você não pensou no seu pai nem em Maverick quando me seduziu.
— Eu a seduzi? Lynnie McBride, você não saía de perto de mim, como eu
poderia mandá-la embora?
— Não me lembro de você ter tentado. Bem, vou até aquela fazendinha.
— Também vou.
— O que o fez mudar de idéia?
— O fazendeiro pode ter uma filha bonita.
— Mesmo que tenha, duvido que haja tempo de você tirar a calcinha dela.
— Sei agir com rapidez se for preciso.
Lynnie estava morrendo de raiva. Perdera a virgindade para um sujeito
imprestável como aquele. Fustigou Bonny e seguiu para a fazenda deixando Ace para
trás.
— Ô de casa! — chamou ao chegar à cerca da propriedade.
Um rapaz bonito apareceu e acenou-lhe.
— Entre.
Ela abriu o portão e entrou no quintal onde galinhas ciscavam. Um cão grande e
amarelo latiu para ela.
O jovem fazendeiro era loiro, queimado do sol e usava um macacão velho.
— Sou Sam Reynolds — ele apresentou-se ao chegar perto de Lynnie e ajudou-
a a desmontar.
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Como era bonito, ela pensou.


— Estamos levando uma boiada para Dodge e vimos a fumaça. A casa é sua?
— De meus pais.
Lynnie viu um casal já grisalho aparecendo na varanda. Sam olhou para Ace,
que estava desmontando.
— É seu marido? — Sam estendeu a mão para cumprimentar Ace.
— Não! É o chefe da comitiva. Sou Lynnie McBride.
— Esta lady é teimosa demais para ser casada — Ace alfinetou.
— Gosto de mulheres com opinião própria. — Sam sorriu para Lynnie. —
Quando eu me casar quero uma esposa como a srta. Lynnie. Mas venham, quero lhes
apresentar meus pais.
O casal ficou muito feliz com os visitantes. A sra. Reynolds ocupou-se em pôr a
mesa para servir-lhes alguma coisa.
— Estamos aqui há pouco tempo e somos os primeiros fazendeiros desta região.
Em breve o Território índio será aberto para novos assentamentos — explicou o sr.
Reynolds.
— O senhor acha que farão isso? — Ace indagou.
— Sim, e não vai demorar muito. Novas fazendas serão formadas e a terra
cultivada. Será o fim das estradas boiadeiras.
Sam olhava para Lynnie e sorria como se estivesse fascinado.
— Eu falei sério quando disse que gosto de mulheres como você. Um fazendeiro
precisa de uma esposa decidida, determinada.
Ace olhou para o rapaz de modo penetrante.
— A srta. Lynnie não está interessada em casamento. Ela dedica sua vida à luta
pelos direitos das mulheres.
Lynnie dirigiu a ele um olhar fulminante e reservou para o belo Sam seu mais
afetuoso sorriso.
— Bem, o homem certo pode mudar meu modo de pensar.
— Duvido — Ace resmungou.
Causava-lhe enjôo ver Lynnie e Sam trocando olhares ternos e sorrindo um para
o outro como bobos. Doía-lhe imaginar Lynnie casada com aquele caipira grandalhão.
Uma garota tão maravilhosa não podia perder seu tempo com alguém assim. Na
verdade, Lynnie era boa demais para a maioria dos homens. Que tipo de homem
poderia admirar uma mulher tão determinada, corajosa, inteligente e esperta como
Lynnie McBride? Mesmo que a admirasse, não saberia lidar com ela.
— Não podemos nos demorar mais. Temos de continuar a viagem.
A sra. Reynolds tinha posto sobre a mesa uma travessa com salada e uma broa
de milho.
— Os legumes e verduras são fresquinhos. Eu gostaria de lhes oferecer coisa
melhor, mas a fazenda ainda não está formada. Vamos começar a criar gado assim
que nos sobrar dinheiro para comprar os bezerros.
Lynnie olhou para Ace e soube o que ele estava pensando.
— Sra. Reynolds, temos três bezerros — Lynnie mencionou.
— Podemos negociar — Ace completou.
Sam ficou vermelho.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 162

— Não temos dinheiro.


— Aceitamos vegetais frescos e pão caseiro em troca dos bezerros — Ace
propôs.
Os olhos da mulher brilharam.
— Creio que é uma troca justa. E acrescento as tortas de ruibarbo que estão no
forno, acabando de assar.
— Negócio fechado! — Ace exclamou, passando a língua nos lábios.
Depois de comerem com os Reynolds, Ace e Lynnie voltaram para a margem do
ribeirão para pegar os bezerros. Feita a troca, despediram-se dos fazendeiros.
Estavam carregados de verduras, legumes, pães caseiros e tortas.
— Se mudar de idéia sobre casamento, srta. Lynnie, será uma honra ter você
como esposa — Sam gritou quando Lynnie já se afastava.
— Eu me lembrarei disso — Lynnie prometeu.
— É claro que esse caipira ficará muito feliz se casar com você — Ace observou,
irritado. — Você é mulher demais para um tipo como ele.
— Oh...
— Saiba que meu tio e meu pai teriam um ataque se eu voltasse sem você e
dissesse que a tinha deixado para trás com algum caipira do Kansas.
Mais uma vez Lynnie constatou que Ace não gostava dela. Sentia-se
responsável por ela, nada mais. Teve vontade de amarrá-lo, colocá-lo em cima de um
formigueiro e...
A voz de Ace fez com que ela afastasse da mente aquela idéia idiota de
vingança.
— Lynnie, quero me desculpar novamente pelo que aconteceu naquela noite, à
beira do Cimarron. Eu quis reparar meu erro e lhe propor casamento. Achei que era
meu dever torná-la uma mulher de respeito...
— Mulher de respeito? E o que você acha que eu sou? Uma prostituta? Pois
saiba que você não tem obrigação nenhuma para comigo. Mesmo porque eu não o
aceitaria nem coberto de ouro, seu imprestável. E como eu já disse, você não é tão
ardente.
— Está despeitada. As mulheres dizem que, do Rio Grande para cima, não há
amante melhor do que eu.
— Elas devem ser grandes mentirosas — Lynnie replicou e tocou Bonny a trote.
Ace Durango era mesmo desprezível, um bruto indomado, não servia para ela.
Arrependia-se de, num momento de fraqueza, ter sucumbido aos encantos dele. Bem,
em poucos dias estariam em Dodge e não teria mais de suportá-lo. A partir daí
continuaria sua cruzada pelos direitos das mulheres e Ace Durango poderia voltar para
sua vida desregrada. O problema, ela finalmente admitiu, era que sentia atração por
aquele libertino. Pena que a atração não era mútua. Portanto, devia esconder seus
sentimentos. O alto e musculoso caubói nunca iria saber que, ao entregar-se para ele,
lhe entregara também seu coração.

Capítulo XX
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 163

Os caubóis deram vivas e jogaram os chapéus para o alto quando avistaram


Dodge City.
— Pelos meus cálculos, hoje é quatro de Julho — disse Ace. — Haverá muitas
comemorações pelo Dia da Independência.
— Cheguei a tempo para a manifestação pelos direitos das mulheres — Lynnie
observou, erguendo a cabeça altivamente.
Agora que a viagem chegava ao fim, Ace não sabia o que fazer com Lynnie.
Nunca havia encontrado mulher igual a ela: independente, teimosa e corajosa. Não era
como as outras garotas tolinhas que viviam rindo, nem como as prostitutas sensuais e
obscenas que ele conhecera. Devia estar contente porque, afinal, iria livrar-se dela, no
entanto, o que sentia era o oposto.
Ace entrou na cidade bem à frente do rebanho. As ruas estavam enfeitadas de
vermelho, azul e branco, havia bandeiras e flâmulas por toda a parte. A maioria das
lojas estava fechada, mas nos saloons e clubes havia grande movimento. Chegando
ao escritório do comprador de gado, Ace bateu na porta.
— Estamos fechados por causa do feriado — alguém gritou do lado de dentro.
— Abra. Eu tenho gado de primeira para lhes oferecer.
— Gado? — Um homem baixo, com bigode, abriu a porta. — Nesse caso,
podemos negociar.
Ele e Ace ficaram na calçada de madeira olhando para o enorme rebanho que
vinha sendo conduzido pela Front Street, levantando nuvens de pó.
— Belo rebanho — aprovou o comprador. — Entre, vamos falar de negócios.
— Rapazes, levem o gado para o curral — Ace ordenou. — Nos veremos mais
tarde no Liga de Renda.
O comerciante notou Lynnie entre os caubóis e indagou:
— Aquela não é uma garota?
— Sim, e que garota! — Ace falou com orgulho.
— Ela não é bonita.
— Ora, você é cego? Ali está a garota mais bonita, mais graciosa de ambos os
lados do rio Vermelho.
Por um momento o comprador observou Lynnie se afastando.
— Uma garota no meio de caubóis... Aposto que é obstinada.
— Acertou. E é valente. Monta como um dos caubóis. Mas vamos cuidar de
negócios. Depois eu quero molhar a garganta e festejar.

Uma hora depois Ace deixou o escritório assobiando. Trace Durango iria
orgulhar-se do filho. Tinha sido muito habilidoso ao negociar e vendera o gado por
preço excelente, superior ao que o pai havia calculado.
No bar do Liga de Renda os caubóis já o esperavam.
— Fez bom negócio, patrão?
— Melhor do que vocês podem imaginar. Forrester não chegará perto do que eu
consegui. Bebida para todos!
Quando tomou seu uísque, Ace sentiu-se maravilhosamente bem. Aquela
sensação de tarefa cumprida com sucesso era muito agradável. Finalmente podia olhar
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 164

o pai dentro dos olhos e não se sentir inferior. Não tinha mais dúvida de que era capaz
de administrar o Triplo D quando o herdasse. Mas não fizera isso sozinho. Devia muito
a seus homens leais e àquela ruiva teimosa. Lynnie McBride às vezes comportava-se
como homem, mas era também uma lady.
Mancando, o velho Cookie chegou até ele.
— Ace Durango, você deixou o Texas como rapaz inexperiente e tolo, mas
tornou-se um homem, um verdadeiro chefe condutor de gado. Terei orgulho de
acompanhá-lo de novo.
Os outros caubóis concordaram com Cookie e deram vivas a Ace Durango, o
melhor e mais valoroso condutor-chefe de boiada do Texas. Os copos retiniram com os
brindes. Um dos presentes sentou-se ao piano e começou a tocar uma velha canção.
Ace olhou ao redor. Um dos caubóis não estava ali.
— Onde está Lynnie?
— Está maluco? Ladies não entram num bar — lembrou-o Hank.
— Lynnie foi para o hotel. Ela disse alguma coisa sobre o encontro de mulheres
— Cookie avisou.
Ace ficou frustrado. Queria divertir-se sem pensar em Lynnie McBride, mas a
reunião não estava completa sem ela. Lynnie podia não ter todos os predicados que
ele sempre havia procurado numa mulher, mas era especial. E a danada torcera o nariz
para ele; zombara dele.
Joe acabou com a cerveja que estava no caneco e limpou a boca.
— Agora eu quero outro tipo de diversão — disse, indo para a escada.
— Perde seu tempo, caubói. Todas as garotas saíram — o barman avisou.
— Saíram? — a pergunta foi geral. — Pra onde foram?
— Apareceu aqui uma moça ruiva, usando uma roupa verde estranha,
mostrando as calças, e convidou as nossas garotas para um encontro de mulheres.
— Lynnie... — Ace e os caubóis murmuraram.
Naquele instante um homem magro passou pela porta giratória do saloon.
— Venham ver! Está havendo um tumulto na frente da prefeitura.
Ace continuou tomando seu drinque com mau pressentimento. Lynnie estava
aprontando mais uma...
— É um protesto. As mulheres carregam cartazes e um grande rebanho vem
subindo a rua — o homem continuou.
— O rebanho de Forrester — Ace murmurou e chamou o homem. — Diga-me,
senhor, nesse protesto há uma garota ruiva?
— Sim, está usando um traje verde e mostrando as calças.
— Bloomers. É esse o nome do traje. É usado pelas sufragistas — Ace explicou.
O homem coçou a cabeça. Evidentemente não sabia o significado de sufragista.
— A moça ruiva parece teimosa. Eu não me arriscaria a tentar domá-la.
— Cavalheiro, o único homem capaz de domar aquela pequena de cabelo na
venta é Ace Durango — Cookie declarou.
Todos olharam para Ace. Ele deu de ombros e tomou um gole de cerveja.
— Ela não é mais minha responsabilidade, uma vez que chegamos a esta
cidade. Que Deus ajude os cidadãos de Dodge City.
Comanche passou pela porta giratória todo agitado.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 165

— Patrão, Forrester está furioso porque não alcançou bom preço pelo rebanho.
— Problema dele.
— Mas ele e seus homens estão vaiando as mulheres do grupo da srta. Lynnie e
estão atirando bombinhas e esterco de cavalo nelas.
Ace bateu o caneco no balcão.
— O quê? Estão fazendo isso? Vamos, rapazes!
Ace saiu do saloon como louco, seguido de seus homens e mais alguns
voluntários. Lá estava Lynnie, na frente da prefeitura, liderando um grande grupo
formado de garotas muito pintadas, dos saloons, e de senhoras distintas. Todas
carregavam cartazes de protesto. Margarida acompanhava Lynnie, berrando, tendo nas
costas um cartaz que dizia:
Não tratem as mulheres como vacas. Dêem-lhes o direito de votar.
Amarrada num poste estava Bonny enfeitada com tiras de papel crepom azul,
vermelho e branco, também com um cartaz semelhante ao de Margarida.
Willis Forrester e seus homens insultavam as mulheres, jogavam esterco sobre
elas e bombinhas nos seus pés. Elas os ignoravam e gritavam suas frases de protesto.
Um caubói bêbado quis agarrar uma delas e Lynnie agrediu-o com o cartaz. Nelbert
Purdy jogou uma fileira de traques debaixo do casco de Margarida, deixando a bezerra
aterrorizada.
— Vá para a cozinha! É lá o seu lugar! — Forrester gritou para Lynnie.
Ace achou que já era demais. Avançou em Forrester.
— Ace! Eu sabia que você viria! — Lynnie exclamou.
Ele olhou para ela e achou-a linda. Era a garota mais encantadora que ele já
conhecera; e precisava dele.
— Rapazes, vamos acabar com esses arruaceiros!
Forrester já estava nas mãos de Ace, que começou a rodá-lo.
— Isso não é jeito de tratar uma lady.
— Uma lady não anda com as calças à mostra. Eu...
Forrester não completou a frase porque recebeu um murro na boca e foi parar no
bebedouro de animais. A rua virou um campo de batalha. Cerca de cem pessoas
estavam envolvidas; uma parelha de cavalos disparou pela rua. Os caubóis de Ace
lutavam pra valer. Estimulada, por Lynnie, as mulheres agrediam os homens com os
cartazes e os sapatos, os arranhavam e chutavam. Elas jogaram Purdy em cima de
Forrester, que tentava se levantar do bebedouro.
— Muito bem, garotas! — Ace as elogiou. — Vamos completar o trabalho.
Ele ergueu Purdy pelo colarinho e colocou-o de pé. Lynnie deu nele com o cartaz
e jogou-o num monte de esterco de cavalo.
No meio da confusão, Forrester puxou Lynnie pelo braço e ela caiu no
bebedouro.
— Você me paga. Por sua causa perdi um bom dinheiro na venda...
Lynnie levantou-se com as roupas pingando e deu um chute em Forrester,
acertando-o entre as pernas e fazendo-o cair debaixo dos cascos de Bonny. A égua
deu-lhe um coice e jogou-o em cima do monte que Margarida tinha acabado de fazer.
Subitamente Ace gritou:
— Lá estão alguns deputados. Tarde demais; não podemos fugir.
— Ótimo, vamos ter publicidade para a causa! — Lynnie alegrou-se. — E antes
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 166

que eu esqueça, obrigada por se juntar ao nosso protesto.


— Protesto? Eu só vim salvá-la.
— Não era preciso. Eu sei me cuidar.
— Sabe coisa nenhuma. Parece que terei de passar o resto de meus dias tirando
você de encrencas.
— Isto é um pedido de casamento?
— Lynnie, vamos nos amarrar e não aceito um "não" como resposta.
— Nunca imaginei que iria receber uma proposta de casamento numa situação
como esta.
— Nem eu. Isto é, eu nunca pensei em pedir uma mulher em casamento. O fato
é que...
Lynnie interrompeu-o.
— Agora o xerife juntou-se aos deputados e estão vindo todos na nossa direção.

No Rancho Triplo D, Cimarron entrou na biblioteca com um telegrama na mão. A


data era 5 de julho.
— O que foi? — Trace perguntou.
— Ace está na cadeia, de novo.
— O quê? — Trace levantou-se da poltrona num salto.
— O telegrama acabou de chegar. A mensagem diz que todos da comitiva estão
presos, além de uma tal Bonny e alguém com o nome de Margarida.
— Esse nosso filho não tem jeito. Quando Pedro nos disse que Lynnie estava na
comitiva, tive esperança de que ela exercesse boa influência sobre aquele
irresponsável.
Cimarron continuou:
— Ace manda avisar que o gado alcançou ótimo preço e pede para você tomar
providências para que o agente da reserva dos comanches seja despedido.
— Conheço esse agente, de fato, ele é desonesto. Terá o que merece.
— Tem mais, querido. Willis Forrester, Nelbert Purdy e seus homens também
estão na cadeia.
Trace sorriu.
— Essa dupla não vale nada. Eu daria cem pesos de ouro para manter os dois
na prisão.
— Há mais uma novidade. Ace e Lynnie querem se casar.
— Casar? Se aquele desmiolado abusou da pobre moça...
— Querido, Lynnie não é tão ingênua como você pensa.
— Será que ela sabe em que está se metendo? Cimarron sorriu.
— Eu sei que ela é capaz de lidar com nosso filho. Cayenne sempre achou que
Ace e Lynnie formavam um belo par. Vamos nos reunir com os McBride e planejar o
casamento.
— Bem, temos de mandar o dinheiro para soltar aquela gente da cadeia.
— Isso já foi providenciado. Todos devem estar no trem, a caminho de casa.
— Estou intrigado; quem são Margarida e Bonny?
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 167

— Só descobriremos quando eles chegarem.

O casamento de Lynnie Elizabeth McBride e Diego Durango Quarto, realizado


numa agradável manhã de setembro, na antiga igreja do Rancho Triplo D, e oficiado
por Joe McBride, foi um grande acontecimento para o qual foram convidadas quase
todas as famílias da região central e oeste do Texas. Além dos convidados, muitos
curiosos foram até a igreja porque não acreditavam que Lynnie McBride tinha laçado o
maior partido de todo o estado.
Emma-Lou Purdy não estava presente. Naquele verão a garota, considerada
pura e modelo de virtude, ficara grávida de Clarence Kleinhoffer. Nelbert Purdy
apontara o revólver para o relutante professor e o obrigara a se casar com Emma-Lou.
O professor fora despedido, e os recém-casados, cobertos de vergonha, deixaram o
Texas.
Penélope, as irmãs de Lynnie, a irmã de Ace e as filhas de Cayenne foram
damas de honra da noiva. O pai de Penélope, finalmente, aceitara o namoro da filha
com Hank Dale e os dois estavam muito felizes. Na verdade, o sr. Dinwiddy acreditava
que o óleo que havia nas terras do futuro genro tinha valor, e Hank estava
providenciando a análise do material.
Quando a noiva, radiante de felicidade, apareceu à porta da igreja com seu
vestido deslumbrante, o órgão começou a tocar. Ela foi conduzida ao altar por Maverick
Durango. A cerimônia solene teve início. Quando Ace colocou a aliança de diamantes
no dedo da noiva, os que estavam perto ficaram maravilhados. As pedras eram
enormes e fulguravam.
— Esses diamantes valem uma fortuna. Dariam para comprar uma fazenda —
alguém comentou.
Por fim, o pai de Lynnie ergueu a mão para dar a bênção e falou:
— Pelo poder que me foi investido por Deus e pelo estado do Texas, eu os
declaro marido e mulher. O noivo pode beijar a noiva.
Ace ergueu o véu de Lynnie.
— Amo você, Lynnie Durango — declarou e beijou-a apaixonadamente.
Foi um beijo tão longo que Joe McBride pigarreou.
— Você tem o resto de sua vida para beijá-la, meu rapaz.
Relutante, Ace afastou-se da noiva, mas continuou a admirá-la. Seus olhos
escuros prometiam que a noite de núpcias seria inesquecível.
Depois da cerimônia religiosa os convidados foram recebidos no enorme
pavilhão montado no lado oeste da fazenda. Além do churrasco havia salada de batata,
ovos apimentados, bolos, tortas e bolinhos de todo tipo. Também havia cerveja e
refrescos à vontade.
Comanche organizara um jogo de cartas. Pedro, que estava perfeitamente bem,
casara-se com Maria Sanchos, a simpática senhora que havia cuidado dele no trem.
Trace não cabia em si de felicidade. Dera ao filho uma parte do rancho; eram milhares
de acres numa belíssima região de colinas com uma vista esplêndida. Uma casa
enorme e luxuosa já estava sendo construída na propriedade.
A banda começou a tocar a valsa dos noivos e Ace tomou Lynnie nos braços.
— Lynnie, eu devo conduzir você — ele avisou.
— Por que tem de ser assim?
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 168

— Já discutimos esse assunto antes. — Ace suspirou. — Como você é teimosa!


— Não sou teimosa; sou decidida, determinada.
— É mesmo. — Ele sorriu, provocando nela um estremecimento de prazer. —
Lynnie, comprei um presente de núpcias pra você.
— Outro? Já ganhei tantas jóias...
Ace rodopiou com Lynnie e levou-a para o outro lado do pavilhão.
— Eu sei que você queria muito esse presente. Veja.
Ela virou a cabeça e viu, do lado de Margarida, sua querida Bonny. A égua e a
bezerra tinham ao redor do pescoço uma guirlanda de flores. Bonny estava atrelada a
uma charrete também inteirinha decorada.
— Você comprou Bonny! — Lynnie exclamou, exultante.
— O pai de Penélope não queria se desfazer da égua, mas não resistiu à oferta
que lhe fiz. — Ace estreitou a noiva junto do peito. — Uma égua cinzenta muito feia e
uma bezerra vesga. Um bom começo, você não acha?
— Margarida vai iniciar um rebanho enorme. E nós precisamos ter pelo menos
meia dúzia de filhos.
— Estou à disposição pela manhã, à tarde e à noite, sra. Durango.
— Mal posso esperar.
Eles tiveram de esperar, é claro. Ficaram durante horas recebendo os
cumprimentos e dando atenção aos convidados. Por fim, os noivos se despediram e
foram para a charrete sob uma chuva de arroz. Impaciente, Ace pegou as rédeas.
— Ei! Ace! — Penélope chamou-o. — Bonny não está acostumada a puxar um
veículo.
Tarde demais. Assustada com o barulho e a multidão, Bonny disparou sem que
Ace pudesse controlar a égua veloz. Os noivos aterrissaram num monte de feno. Ace
inclinou-se sobre Lynnie.
— Acho que vamos fazer amor aqui mesmo. Meu Deus, como eu te amo!
— Aqui? Todos podem nos ver.
— Que nada. Estão a um quilômetro de distância e festejando.
— Será muito romântico. — Lynnie ofereceu os lábios ao marido, que começou a
desabotoar o magnífico vestido de noiva. — Vamos, texano, comece a me domar.
— Farei o possível, sra. Durango. Farei o possível!

Epílogo

Rancho Triplo D Março, 1913

O telefone tocou várias vezes. Cimarron, agora com os cabelos bem grisalhos,
foi depressa para a biblioteca.
— Trace, por que não atendeu? — indagou ela.
— O telefone estava tocando? — ele inquiriu irônico.
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— Você sabe que sim.


Trace não gostava daquela invenção moderna que a mulher mandara instalar.
Cimarron ergueu o fone. Falou com alguém por um instante, colocou-o no gancho e
voltou-se para o marido.
— Ace está na cadeia.
— Como? Pensei que estando casado com aquele encanto de moça, nosso filho
criaria juízo.
— Lynnie também está na cadeia com todas as nossas netas.
— Não sei por que eles não sossegam e cuidam do rancho, em vez de ficarem
indo para Washington por causa dessa tolice de direitos das mulheres.
— Querido, não se exalte. Cuidado com a sua pressão. Você sabe como era
importante para eles participarem da grande parada de sufragistas durante a cerimônia
de posse do presidente Wilson. Essa parada reuniu cinco mil pessoas.
— Ace e a família viajam de um lado para outro de automóvel. Isso me
preocupa. Você sabe que eu prefiro cavalos.
— Os tempos mudaram. Agora existem os automóveis, muito rápidos e mais
confortáveis. Sorte de Hank Dale que não se livrou daquelas terras consideradas sem
valor. Hoje tem poços de petróleo e é um dos homens mais ricos do Texas.
— Também temos petróleo em nossas terras.
— E por que não compramos um automóvel? Vi um Stanley Steamer numa
concessionária da cidade.
— Nunca. Mas, voltando ao telefonema que você recebeu. Como Ace e a família
foram parar na cadeia?
— Eles estavam na parada exigindo que o Congresso aprovasse a lei
concedendo às mulheres o direito de votar. Um grupo tentou interromper a parada e
algum bruto insultou Lynnie. Ela o agrediu com um cartaz e Ace o esmurrou, deixando-
o caído. Nossas netas entraram na briga também.
— Eu queria tanto que as garotas tivessem modos de ladies. — Trace suspirou.
— Mas o que podíamos esperar se das seis netas cinco têm nome de sufragistas?
— Elas são ladies; apenas impetuosas como o pai e a mãe. Mas muitas pessoas
foram presas.
— Bem, eu não quero que minhas netas fiquem na cadeia. Telegrafe mandando
o dinheiro da fiança.
— Meu velho querido — Cimarron beijou o rosto do marido —, eu já fiz isso.

Capitólio Estadual, Nashville, Tennessee 18 de agosto de 1920

Naquela manhã muito quente, Lynnie McBride-Durango estava sentada na


galeria da Câmara do Capitólio Estadual com o marido e as filhas, esperando a entrada
dos deputados. Ela sorriu ternamente para Ace e segurou a mão dele. Ambos já
estavam grisalhos, eram muito felizes e continuavam se amando. Aquele casamento de
trinta e cinco anos lhes dera seis filhas ruivas, maravilhosas, agora todas casadas,
exceto a mais nova, Lynnie, que cursava o último ano da universidade. A jovem Lynnie
piscou para a mãe.
— Desta vez conseguiremos, mamãe.
CHE 210 – Em Má Companhia (To Tame a Texan) Georgina Gentry 170

— Esperemos que sim. Muitos estados votaram "não". Se não conseguirmos a


aprovação hoje, tudo pode estar perdido. Eu gostaria que Penélope e Hank estivessem
aqui, mas eles viajaram para a Europa com as filhas. A propósito, quem está dirigindo a
empresa?
— Júnior. Ah, eu não lhe contei, mamãe; ele comprou um aeroplano e um
automóvel Pierce Arrow como o de vovô, mas continua com o Duesenberg. — A garota
passou batom nos lábios. — Júnior prometeu que vai me ensinar a pilotar o aeroplano
e a dirigir.
— O quê? — Ace curvou-se um pouco sobre a poltrona da esposa e encarou a
filha. — Diga a Hank Dale Jr. que o proíbo de fazer isso.
A filha dirigiu-lhe o mais cativante dos sorrisos.
— Papai, sou emancipada.
— Céus, você é igualzinha a sua mãe. Minha jovem lady, você anda muito
pintada e seus vestidos são curtos demais.
— Não seja antiquado, papai.
— Mamãe, quer dizer para esses dois ficarem quietos? — Amélia pediu. —
Estamos aqui aguardando uma decisão muito séria.
Naquele instante, homens de aparência severa entraram na Câmara e tomaram
seus assentos. A jovem Lynnie, entusiasmada, perguntou:
— Será que vamos ganhar?
— Espero que sim. Aqui no Tennessee a luta tem sido árdua — a mãe
respondeu.
— Temos de vencer — disse Ace. — Você se envolveu nesta luta mesmo antes
de nos casarmos. Nunca imaginei que fosse demorar tanto para as mulheres terem o
direito ao voto.
— Ainda não vencemos. Tudo depende de um ou dois deputados.
O jovem deputado Harry Burn, de apenas vinte e quatro anos, entrou na
Câmara. Na véspera a mãe lhe escrevera pedindo para ser a favor das sufragistas,
mas sua cidade e seu condado, no leste do Tennessee, eram positivamente contra o
voto feminino. Diante disso, ele passara a noite insone. Toda a sua carreira política ia
depender da decisão que ele tomasse naquela manhã. Ele olhou para a galeria lotada
de espectadores e repórteres e localizou a senhora ruiva com o alto marido texano e as
seis filhas de cabelos flamejantes. A sra. Durango já o havia procurado diversas vezes
para pedir-lhe que defendesse a causa feminina. Sua determinação e garra o
impressionaram. Por outro lado, a pressão exercida pelos poderosos que eram contra o
voto feminino e a tentativa de suborno escandalizaram o jovem deputado.
Foi aberta a sessão. O presidente da Câmara leu a moção, e começou a chamar
cada deputado para dar seu voto. A votação seguia empatada. O presidente chamou:
— Harry Burn.
O nome pareceu ecoar no silêncio que se fez na Câmara.
— Sr. Harry Burn? — o presidente repetiu.
O jovem deputado olhou para a sra. Durango e as filhas e sorriu.
— Seu voto, sr. Harry Burn — o presidente insistiu.
— Meu voto é "sim"! — Harry Burn quase gritou.
Reinou na Câmara um tumulto. Os repórteres deixaram o recinto correndo para
levar a notícia a seus jornais. Depois de setenta e dois anos de luta, as mulheres
americanas tinham direito ao voto. Na galeria os assistentes davam vivas e se
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abraçavam. Harry Burn sentou-se, e ficou observando, sorridente e feliz, a euforia da


família do Texas. O que quer que lhe acontecesse, estava em paz consigo mesmo.
Esse dia seria lembrado para sempre.
Ele levantou-se para deixar a Câmara e murmurou:
— Senhoras, vocês, finalmente, conquistaram o direito de votar. Por Deus, que
ele seja consciente e pra valer.

FIM

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Nas bancas!
Na próxima edição

A FILHA DO ALMIRANTE
Sandra Madden

O primeiro dia claro de fins de abril ostentava o cheiro fresco de primavera e o


alegre ar de verão. Uma brisa leve e salgada prometia uma ocasião perfeita para
velejar.
A chalupa de quinze pés de Benjamin Swain, a Dama de Nantucket, balançava
presa à âncora junto aos barcos de pesca e veleiros, na doca da cidade, em Anápolis.
— Olá!
Ao ouvir o chamado da voz feminina, a curiosidade de Benjamin se aguçou. Seu
olhar desviou-se da âncora em sua mão para o píer. Protegendo os olhos do brilho do
sol na água, tentou descobrir quem o chamava. "Ah, não! Sophie Harrington."
Um profundo mau presságio o engolfou quando viu Sophie avançar num andar
requebrado. Ela revirava a sombrinha azul de babados tão descuidada como uma
menina de escola, sem saber que provocava um arrepio nos cabelinhos da nuca de
Benjamin.
Ele não se assustava com facilidade. Mas, ao observar a jovem de vestido azul
chegando perto, experimentou uma incômoda sensação de aturdimento.
Vira Sophie Harrington pela primeira vez apenas na semana anterior, na parada.
E embora não a conhecesse formalmente, ouvira o bastante para saber que ela deveria
ser evitada a qualquer custo. De acordo com as histórias que circulavam pela
Academia Naval e por toda Anápolis, a srta. Harrington usava calções até os joelhos e
fora expulsa não uma, mas duas vezes de exclusivas escolas femininas.
Havia rumores de que possuía seis gatos e falava sozinha. Embora Benjamin
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não costumasse prestar atenção a mexericos e jamais tivesse conhecido uma mulher
da qual não gostasse, sentia-se mais do que apenas um pouco apreensivo em ser
apresentado àquela jovem em particular.
— Olá, marujo!
Marujo. Aquele posto inferior jamais deixava de aborrecê-lo. Como um homem
que certa vez comandara seu próprio navio baleeiro, Benjamin esperava ser promovido
rápido ao status de oficial.
Poderia fingir não ter escutado, não tê-la visto? Na eventualidade de que tal
tática pudesse funcionar, preparou-se para zarpar depressa em sua pequena chalupa.
Assim que terminou de amarrar o nó da âncora, Benjamin lançou um olhar de esguelha
para a doca, na esperança de que a srta. Harrington tivesse mudado de rumo e
continuado avante.
Que nada. Ao que tudo indicava, a indiferença não detinha a filha do almirante.
Ela marchava pelo píer com um farfalhar de saias e estava quase sobre ele.
— Marinheiro Swain!
Era pior do que ele julgara. Ela sabia não apenas seu cargo, mas também seu
nome. O que poderia querer? Benjamin estava sem uniforme e de folga. E Sophie
Harrington, a filha de seu oficial comandante, sem dúvida se achava fora de lugar.
Embora a garota tivesse conquistado uma reputação de certa forma nefasta, sua
beleza era quase tão lendária como seus ousados malfeitos, e a salvava de censura
cabal. E, não obstante Benjamin ter visto Sophie de longe inúmeras vezes desde que
fora designado para a Academia Naval, três meses atrás, nunca chegara perto dela o
bastante para tirar suas próprias conclusões.
Sophie parou na doca de madeira maltratada pelo tempo acima dele. Benjamin
não poderia mais fingir estar ocupado. Mais uma vez protegendo os olhos, ergueu a
vista e deparou com um sorriso mais caloroso e deslumbrante que um sol tropical. Um
ser humano poderia derreter sob o impacto do incrível sorriso de Sophie.
— Bom dia! — ela falou, numa entonação suave e melodiosa.
Benjamin sentiu um estranho formigar na garganta.
— Bom dia, senhorita.

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