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DIAGRAMAÇÃO:
Larissa Chagas
REVISÃO E COPIDESQUE:
Camila Lima
— FERNANDO PESSOA
E studante do curso de Filosofia — graças a Deus, já veterana
—, o meu segundo ano letivo recém começava, o que
significava farra universitária em alguma fraternidade popular.
Ninguém, no entanto, teria imaginado minha surpresa ao
descobrir que seria em uma boate, com bebidas de verdade.
Pensava que a escolhida da vez fosse a dos garotos mais héteros
possíveis da universidade inteira, a Universidade de Chicago, que
todos preferíamos chamar carinhosamente de UC.
E já que havia tocado no assunto… Eu tinha algo sério contra
festas; toda aquela gente acumulada, andando de um lado para
outro feito pinguins e fedendo a cerveja barata feito gambás, se
divertindo como se não tivessem que se levantar cedo para estudar
nem trabalhar no dia seguinte. Eu ficava só com a primeira opção,
mas tinha gente que ficava com as duas.
Eu não precisava daquilo. Estava feliz estudando na minha
querida escrivaninha que tanto amava. Não precisava aliviar o
estresse, e simplesmente porque não havia estresse algum. Tudo
bem, essa parte não era verdade, mas ninguém precisava saber.
Era verdade que minhas irmãs me incomodavam além dos limites
do que eu sabia ser possível e que meus professores não
facilitavam em nada, mas não me importava. Eu me distraía
estudando mitos e desejos humanos.
— Você está fazendo de novo — Margot repreendeu.
Parei de encarar o monte de bebidas acumuladas atrás do
balcão do bar para encarar minha amiga — ou melhor, seus cachos
castanho-claros, lindos e selvagens, espalhados por todos os lados.
Ela os amava mais do que seus olhos azul-acinzentados, embora
amasse cada pedaço de si com plena convicção… e razão.
Com um rosto redondo como de boneca e olhos amendoados,
Margot Linderman era linda, e a única pessoa que me aturava.
Estava ali uma coisa de que eu tinha amado em relação à troca
da farra de lugar: se eu fosse ficar bêbada, seria com bebida de
verdade.
— O quê? — perguntei, completa e vergonhosamente avoada, e
dei um gole no meu martíni, que era muito melhor do que os
ponches misturados a vodca das festas de dentro do campus.
Ela revirou os olhos e bufou, sem estar impaciente de verdade.
Afinal, Margot nunca ficava sem paciência comigo, embora eu
achasse que deveria. Ao nosso redor, todos dançavam, se beijavam
e até mesmo faziam, bem, outras coisas. Se bem que eu não
dormia com alguém havia um bom tempo. Só havia tido um cara
depois de Kurt Monaghan, meu ex. Nada sério, apenas casual.
Tinha sido no banheiro de uma fraternidade, onde rolava a farra. Eu
tinha achado… bom.
— Pensando em vez de curtir. — Entornou seu bourbon e, com
um estampido do copo, se levantou em um instante, oferecendo-me
a mão, cujas unhas estavam pintadas de vermelho. — Pare de ficar
pensando em Platão e conheça homens de verdade. E, de
preferência, ainda vivos.
Era a minha vez de revirar os olhos, mas não consegui evitar o
sorriso em seguida.
— Só estava pensando: quem comemora o início de mais um
ano letivo? — Levantei e segurei sua mão, realmente querendo
saber a resposta.
— A questão é: como eu ainda não desisti de você? — Lançou-
me um sorriso e um olhar hilários por cima do ombro enquanto nos
conduzia bem para o meio da pista de dança, que não parava de
brilhar e de pulsar com o ritmo das outras pessoas. — Vamos
aquecer esse corpinho.
Margot começou a se mexer, ao passo que eu fiquei mais
parada que um poste, encarando seus movimentos sensuais
estrategicamente calculados para os adoráveis calouros que
estavam com a gente na pista.
Ela parou para me encarar, emburrada.
— Que foi? Pode continuar fazendo seus passos de
acasalamento. — Ri com deboche, ganhando um tapa no ombro
logo em seguida. Soltei um “ai” abafado, de modo que ninguém
escutou.
— Ah, vamos lá, Psiquê! — Pôs os braços pequenos em volta
da cintura, fazendo beiço. Visto daquele ângulo, ela até que parecia
bem uma bola de pelos irritada. — Você é a garota mais bonita que
já vi! E falo sério. — Apontou o dedo para mim.
Dei de ombros, fazendo pouco caso daquilo. Todos que me
conheciam me enchiam com aquela frase.
Seus olhos perfuraram meu corpo como lanças muito bem
afiadas.
— Tudo bem! — Larguei meus braços ao lado do corpo e
comecei a me mexer, ganhando total atenção da minha amiga… e
de alguns caras.
Lancei-me sobre ela, juntando nossas mãos e fazendo
movimentos inusitados, o que arrancou uma gargalhada dela, que
me acompanhava sem questionar. O DJ tocava um remix de “Poker
Face”, que até que não estava tão ruim assim.
As luzes dançavam junto conosco, brilhando logo acima de nós
desesperadamente. O DJ estava concentrado no seu brinquedo,
mexendo em botões e outras coisas estranhas, movendo a cabeça
no ritmo do próprio som. A galera estava eufórica desde que
havíamos chegado — devia lembrar: às 19h. Alguns caras se
atreveram a chegar perto de nós, e Margot obviamente agarrou um
deles, que não era tão feio. Provavelmente calouro. Margot preferia
esses, embora mantivesse alguns rolos com veteranos.
Fazia quase uma hora que estávamos dançando adoidadas, e
eu sentia um olhar em especial me queimar. Quando estava pronta
para olhar ao redor e curtir, como minha amiga tinha mencionado, a
própria virou o olhar para trás de meus ombros e deixou o queixo
cair — só não caiu literalmente porque não era possível.
— Achei sua presa da noite — disse ela, maliciosa, com um
sorriso muito irritante no maldito rosto.
Acompanhei seu olhar até as proximidades do bar e me deparei
com um homem de pelo menos 1,90 m de altura e com uma aura
extremamente confiante, visto o jeito de me encarar, como se eu
fosse a presa. O sorriso no rosto dele era irritante, mas… o maldito
era bonito, o mais decente dos homens dali. Na verdade, era o cara
mais gato que já tinha visto.
Os fios de seu cabelo castanho caíam em seu rosto,
desajeitados, ao passo que seus olhos brilhavam em diversão. Seu
maxilar demarcado… ele me intimidava, junto a todas as partes de
seu corpo musculoso, visível mesmo através do terno preto e da
camisa social branca que vestia. Ele estava lá, parado, com seu
paletó jogado por detrás do seu ombro, me observando, entre todas
as outras mulheres. Por um segundo, pensei que era uma dádiva
dos deuses.
— Puta merda, Margot! — Virei minha atenção para ela, que
ainda apreciava a vista, e puxei-a na outra direção.
— Ele é tão gato que dói. — Minha amiga suspirou e, em
seguida, me olhou em súplica. — Dorme com ele por mim?
Franzi o nariz.
— Ficou doida?
— Se não for, eu vou. — Ganhei um olhar semicerrado e cheio
de malícia. — Te pago martínis pelo resto do mês se for.
Um acordo. Ela estava tentando fazer um acordo.
Tentador, visto que o mês mal tinha começado.
Olhei por cima dos corpos dançantes até o lugar onde ele
estava, calmo, agora tomando seu uísque no bar como se não fosse
acabar nunca. Ele ainda me encarava.
Estremeci.
— Tá legal. — Soltei uma lufada de ar. — Feito.
Margot deu saltinhos alegres antes de falar:
— Boa sorte! — Me deu um empurrão, acenando para mim
quando virei meu rosto mais uma vez para ela e fui de encontro ao
homem.
Suspirei, talvez um pouco nervosa por estar enferrujada naquilo
desde Kurt. Tínhamos terminado havia um ano. Um ano sem
ninguém realmente interessante. Bem, eu não tinha certeza de que
queria alguém depois de ter namorado com Kurt no ensino médio
inteiro. Mas Margot tinha.
Para de pensar nele. Já faz um ano, doida.
Tomei coragem e me sentei ao lado dele no balcão do bar
iluminado, que, ali onde estava, parecia uma centelha de luz no
meio da escuridão. Do outro lado, a boate piscava em azul, verde e
roxo.
— Uísque? — A voz melódica entrou pelos meus ouvidos,
causando arrepios em todos os lugares, até nos que eu não sabia
ser possível.
Levantei meu olhar para ele. Para aqueles olhos crepitantes.
De perto, sua beleza parecia amplificada; mais pura, mais
inebriante. Olhei de fato para aqueles olhos, que prometiam algo
grandioso. Minha respiração errante me traiu, acompanhada das
batidas aceleradas do meu coração. Eu continuava a encarar seus
olhos, inebriantes como as chamas do inferno.
Eu estava tão inerte que me esqueci de responder no que seria
o tempo adequado.
— Martíni, por favor — aceitei a oferta, com a voz talvez falha
demais. Meus sentidos todos me traíam. Malditos.
Ele sorriu para mim, um sorriso radiante.
Um sorriso branco, perfeito, que, mais uma vez, fez meus
sentidos estremecerem. Por debaixo da superfície curta de mármore
preto do balcão, meu corpo tremia — as pernas, principalmente.
— Qual o seu nome, princesa? — Sorriu, com curiosidade
flamejando nos seus olhos de uma coloração que nunca tinha visto
antes: âmbar como o sol matinal. Eles me fascinaram.
O bartender pôs o martíni na minha frente, o terceiro do dia.
— Psiquê. — Dei um longo gole na bebida, percebendo seu
olhar, que sabia estar em mim a noite toda. — Di Laurentis.
— Psiquê. — Saboreou as sílabas do meu nome como se
fossem sagradas; sua boca constantemente curvada em um sorriso
travesso, cheio de malícia. — O que a trouxe até aqui, Psiquê? — O
homem se divertia com a situação, diante do efeito causado em
mim. Cafajeste.
Me concentrei na sua pergunta.
O que me levava até ali? Não era o mesmo que ele? Uma
festinha universitária de merda?
— Você não é da UC, é? — Apertei os olhos para ele, curiosa
em relação à sua origem. De onde tinha surgido tamanha beleza?
Ele negou com a cabeça, bebendo do uísque puro.
— Não curso nenhuma faculdade.
De repente, seu terno fez sentido: nenhum universitário, calouro
ou veterano, usaria um terno em uma festa. Quis rir.
Em vez disso, olhei de relance para seu rosto intimidador.
— O que você faz aqui? — perguntei, realmente curiosa,
deixando de lado as constantes provocações. Bem, mais tarde ele
saberia que com fogo não se brincava.
Ele cruzou seus braços, dando de ombros logo em seguida e
balançando o líquido alaranjado à sua frente.
— Procurando por alguém.
— E você encontrou? — Virei-me para ele, curiosa como um
gato.
— Sim, eu encontrei. — Finalmente encontrou meus olhos, que,
diferentes dos dele, eram verdes. Os seus brilhavam como
lanternas.
— Bem, teria presumido que você não tivesse encontrado, já
que ficou me encarando por mais de uma hora — retruquei,
bebendo rápido todo o líquido da taça triangular. Logo retirei com
cuidado a azeitona do pequeno espeto transparente como vidro,
colocando-a para dentro da boca.
Ele me observou com cautela, subindo o olhar da minha boca
para meus olhos.
Parecia que quem fazia as provocações agora era eu.
Satisfeita, dei um sorriso contido.
— De fato. — Sorriu ele, malicioso, para meus lábios.
— Qual o seu nome? De onde veio? — Me vi perguntando sem
pensar muito, com as palavras não podendo ser evitadas.
O moreno me olhou com gosto, talvez admirando por dentro
minha curiosidade.
Juro por Deus e por tudo que era sagrado que nunca, jamais
tinha visto um homem tão lindo em todos os meus vinte e um anos.
Precisava saber sobre ele.
— Eros. De muito longe. — Entornou seu uísque calidamente.
De uma coisa, eu já sabia: ele amava uísque.
E também não sabia se vestir para uma festa, visto seu terno
formal, mas isso o deixava muito gato.
— Eros? — Sem perceber, a pergunta saiu como deboche.
Que mãe colocava aquele nome em uma criança?
Se bem que…
— Seu nome também não é dos mais comuns, princesa. —
Estava virando costume o lance de princesa.
Isso.
— Você tá certo. — Dei de ombros, desejando secretamente
mais um martíni. — Senhor Engomadinho — murmurei, debochada.
— Gosto de estar arrumado em certas ocasiões, mas posso
mudar o visual na próxima. — Piscou um dos olhos de forma
convencida demais.
O que o faz pensar que vai ter próxima? De qualquer forma, eu
mal podia esperar.
— Eu gosto assim — disse, com um sorriso petulante. — Bem,
deveria ser uma pessoa importante.
Ele me acompanhou no sorriso.
— Mais ou menos isso. Mais uma rodada? — Ergueu o
supercílio marcado.
Assenti.
Enquanto ele pedia mais um martíni para o bartender, meu
celular vibrou.
Margot:
Como está indo aí, piranha?
Por mais que ele não parecesse ser do tipo que tirava fotos, ele
não demonstrou interesse algum nisso em nenhum dos lugares
aonde fomos: o Millenium Park, o píer Navy, a Willis Tower e o lago
Michigan. Também mostrei a ele os canais por onde barcos
passavam.
Ele parecia mais interessado em mim e no que eu falava sobre
os lugares.
Acho que o que mais lhe interessou foram o lago e os canais,
embora parecesse ter gostado de todos eles.
Já era noite quando ele estacionou na frente do meu prédio, o
qual encarou por alguns segundos. Não tinha muito o que ver: era
só um prédio comum de tijolos vermelhos. Quando abri a porta do
carona, ele disse:
— Obrigado pelo passeio. — Sua voz era rouca, o que meu
corpo não deixou passar despercebido.
Eu sorri o máximo que conseguia diante daquele latejar distante
e fechei a porta, me debruçando sobre a janela do Audi prata.
— Tenha uma boa noite, Eros.
M eu apartamento estava em um silêncio profundo quando
saí do elevador com um sorriso satisfeito no rosto. Estava
pensando em como Psiquê parecia ficar cada dia mais
linda e interessante.
Ela era tão diferente das outras, que se entregavam
completamente à devoção. Era até mesmo estranha sua indiferença
a isso, à luxúria. Algumas garotas ficavam tão inebriadas que
pediam Por favor, durma comigo. Eu as admirava, até Psiquê
aparecer e fazê-las parecerem nada.
Algo se mexeu no apartamento, e eu enrijeci. Quando acendi as
luzes, alguém estava sentado no meu sofá. Não um simples
alguém, mas um dos Doze.
— Hermes. — Encarei o homem, que se levantou e veio na
minha direção, parando à minha frente. Mesmo sabendo o que o
trazia até ali, perguntei: — A que devo esse prazer?
— Afrodite está preocupada com você — disse. Capturei
reprovação em seu modo de dizer e de me olhar. Ele possuía
cabelos castanhos ondulados e compridos, que iam até seus
ombros. Seus olhos eram iguais aos meus: âmbar.
— Eu sei — respondi, indo até as garrafas na cristaleira ao lado
da TV. Tinha dois copos baixos na prateleira mais embaixo. —
Uísque? — Olhei para Hermes, que fez um gesto sofisticado de
mão.
— Não vim aqui para isso. Por que não falou com Afrodite?
Dei de ombros, pegando apenas um copo. Levei-o até a mesa
de centro, à frente do sofá onde Hermes estava sentado.
— Não é um tédio ter que entregar mensagens de todos os
deuses, Hermes? — Tentei distrai-lo, mas ele só me encarou mais,
exigindo uma resposta à sua pergunta. Quando percebi que ele não
desistiria, dei de ombros. — Decidi tirar umas férias. Achei que ela
entenderia. Já fiz isso antes.
— Ela me mandou aqui com a mensagem de que deveria te
contar imediatamente a conclusão de sua missão. Posso levar a
resposta até ela — avisou, direto.
Hermes sempre fora assim, inexpressivo. Ele era um dos
olimpianos que não aprovavam minhas diversões no Mundo Mortal.
Todos uns chatos.
Terminei de encher o copo e tampei a garrafa de vidro que
estava pela metade. Se Dionísio visse, o teria enchido no mesmo
instante. Logo dei um longo gole.
— Pois bem, diga que foi concluída com sucesso — eu disse,
controlando a hesitação.
Hermes se levantou, sem desconfiar de nada.
— Vou avisá-la. — O deus me encarou. — Volte antes que ela
venha atrás, Eros.
Sorri. Para ele, era mais vantajoso eu estar com Afrodite, onde
eu não importunaria mortais. Mas, bem, era verdade: Afrodite podia
vir atrás de mim.
Entornei o copo de uísque assim que ele se transportou de volta
para o Olimpo. Todos sabiam que não deveriam mentir para
Afrodite, a deusa que tudo conseguia e que tudo descobria.
Mas não dessa vez, porque eu não conseguiria fazer aquilo com
Psiquê.
Ela não merecia o destino cruel que minha mãe lhe impusera.
Suspirei e enchi meu copo novamente. Por mais que a
estivesse protegendo, algo me dizia que deveria sair daquele Mundo
e voltar para o Olimpo, antes que Psiquê deixasse de ser só uma
missão.
— NOVA YORK, VINTE E DOIS ANOS ANTES —
Eros:
Já estou com saudades, princesa.
Quando vamos nos encontrar de novo?
Eros:
Planos?
Eros:
Curto. Por quê? Quer me convidar?
Sim.
Eros:
Por que está me parecendo que não teria me convidado se eu
não tivesse perguntado sobre seus planos, querida Psiquê?
Eros:
Combinado, princesa. Estou contando os minutos.
Eros:
Hoje vai ter jogo do Bulls contra o Knicks e você nem me convida?
Dizem que o basquete é o melhor de Chicago. Achei que estivesse
comprometida a me mostrar o melhor dessa cidade.
Eros:
Gostaria de me acompanhar, princesa?
Eros:
Não se preocupe com isso. Pego você daqui a vinte minutos.
Eros:
Sabe, eu posso te ajudar com isso.
Margot:
Onde vc tá????
Pela noite, Margot se mandou para seu quarto, alegando ter que
se arrumar pro Justin Bieber. Eles iriam para o Esquina naquela
noite, programa de casal, embora ainda não tivessem oficializado.
Quando ela saiu, desejei que se divertisse e então recebi uma
notificação.
Já comecei a sentir os efeitos de Eros Homem de Negócios —
esse seria seu sobrenome enquanto não descobrisse o verdadeiro
— somente com aquele simples vibrar de celular. Peguei ansiosa o
aparelho na mão, esperando mais uma de suas cantadas bem-
feitas.
Quando olhei para a tela, vi que estava completamente errada.
Minhas costas ficaram eretas.
Kurt Monaghan tinha curtido uma de minhas fotos, uma de
milhares de anos antes, em que eu olhava para o céu no meio da
neve de Chicago, no Millenium Park — havia tirado aquela foto logo
depois de ter terminado com ele.
Uma sensação gelada percorreu minha coluna. Teria ele me
visto no dia em que eu e Eros saíramos para assistir ao seu jogo?
Pensei tolamente que não tinha contado a Margot sobre isso.
Não gostei nem um pouco daquilo. Afinal, Kurt Monaghan não
curtia minhas fotos havia a droga de um ano.
P or que raios ele havia curtido uma de minhas fotos? Para ter
curtido logo a de um ano antes, ele devia estar pensando em
mim, passeando pelo meu Instagram. Senti arrepios ao
pensar nisso no meio da aula. Eu não conseguia prestar atenção em
absolutamente nada.
Sabia que era um pouco idiota da minha parte ficar pensando
naquilo, mas era Kurt. Meu maldito ex-namorado do ensino médio.
Curtindo minha foto depois de um ano do nosso término. Ele nem
curtia minhas fotos, nenhuma — estava nem aí para isso, era só
mais um fato. Eu nem prestava mais atenção nele e na sua vida
corrida de atleta. Queria mais que ele fosse pro inferno, estava
realmente pouco me fodendo para ele.
Ele tinha me abandonado pelo basquete.
Bem, era o basquete ou eu. Quem teria escolhido uma pessoa
ao invés de uma coisa, não era mesmo? Marx chamava isso de
reificação e nunca estivera mais certo. Nunca concordara tanto com
ele. Merda.
Quem em santa consciência pensava no ex?
Foi então que a coisa ficou bizarra: eu ouvi o nome de Eros
justo no momento em que estava pensando no meu ex. Eu
sintonizei, a atenção focando naquilo. Por que meu professor estava
falando de Eros?
— A mitologia greco-romana continua muito presente, mesmo
após quase três mil anos de existência, e nos traz muitos
significados. Eros, por exemplo, é uma interpretação do desejo
sexual feita pelos indivíduos de setecentos anos antes de Cristo e
em diante. Ele tinha sete irmãos: Adrestia, Harmonia, Anteros,
Himeros, Pothos, Fobos e Deimos. Afrodite gostava igualmente de
seus filhos, mas Ares tinha seus favoritos, aqueles que podiam
assustar seus inimigos
Há, engraçado.
Acabei de perceber que Eros também tinha sete irmãos, duas
mulheres e cinco homens. E o pai de Eros também tinha seus
preferidos — embora já tivesse lido sobre isso naquele livro sobre
mitologia greco-romana que tinha alugado da biblioteca da
universidade.
Fiquei — muito — curiosa e surpresa pela semelhança.
Talvez eu devesse ler mais livros sobre a mitologia greco-
romana, afinal.
Eros:
Por nada. Você está bem?
Eros:
Que bom. Conte comigo, princesa. Sempre.
Voei até onde minha mãe havia dito que minha missão estaria.
Era uma noite escura e tempestuosa, e um local em especial
brilhava no meio da rua, o nome Esquina Bar brilhando em letras
neon um tanto brega para a diversão que expelia. Olhando para a
frente, avistei duas mortais rindo em direção à entrada da boate.
Uma delas, minha missão, virou rapidamente para trás,
procurando por algo — ou alguém. Minha flecha estava mirada em
seu coração, e ela certamente sentia que eu a observava, a atenção
que a sobrepujava naquele momento. Não conseguia ver seu rosto
direito, por mais que luzes coloridas irradiassem do estabelecimento
de esquina. Quando pareceu entrar em consentimento consigo
mesma de que nada estava fora do lugar, acompanhou a amiga
para dentro.
Por algum motivo, não consegui disparar a flecha dourada.
Esperei ali fora por mais um tempo, perplexo, piscando duas,
três vezes.
E, então, entrei, atordoado. Tinha esperado por tempo suficiente
para que as duas já estivessem na pista. Ali, eu consegui olhar de
verdade para seu rosto, e a verdade era chocante: era a mortal mais
bela que já tinha visto.
Fascinado, me esqueci do meu propósito ali — e não parei de
encarar seus encantadores rosto e corpo enquanto ela balançava ao
ritmo da música.
Um pressentimento ruim subiu gelado à minha coluna, mas,
inconsciente do que me esperava, ignorei-o por completo. Psiquê Di
Laurentis era encantadora, e eu simplesmente não conseguia
desviar os olhos dela.
C onfessava não estar deixando as noites fáceis para Psiquê.
Ou os dias.
Mas, naquele momento, ela estava tendo alguma aula
do seu curso de Filosofia, para minha infelicidade. Meu corpo
praticamente clamava pelo dela, e eu olhava de forma patética pela
janela do meu apartamento por não ter mais nada a fazer senão
esperar. Meus pés batiam no mármore negro enquanto eu tentava,
desesperado, pensar em algum outro passatempo que não o sexo.
Suspirei.
Era estranho e reconfortante tê-la apaixonada por mim.
Ou ter me apaixonado por ela.
Eu finalmente tinha tudo o que sempre quisera: amor. Psiquê
não havia me dito aquelas palavras, mas eu sentia aquilo pulsando
não só nela, como também em mim. Eu ainda não as havia dito
porque elas tornariam tudo mais real, inclusive as possibilidades.
Não queria que aquilo saísse do controle. Queria tê-la para mim.
Queria ser dela. Queria construir uma família com ela.
Afastei a negatividade para longe ao me virar em direção à
cristaleira repleta de garrafas de uísque. Meu copo já estava vazio
e, por mais que aquele álcool não fosse capaz de me embebedar,
fui pegar a segunda garrafa. O gosto era bom em minha boca.
Foi quando fechei a porta do armário, com a garrafa em mãos,
que senti uma presença, mais forte e poderosa que qualquer outra
coisa. Meus pelos eriçaram institivamente, porque, mesmo antes de
me virar, eu sabia quem estava na minha sala naquele momento.
Respirei fundo, tentando permanecer calmo, e enfim me deparei
com um par de olhos dourados, que me encaravam com curiosidade
e certo humor do divã preto da sala e eram emoldurados por longos
fios dourados de cabelo que se abriam em cachos, como se fosse
uma cachoeira. Poder exalava dela.
Congelei, porque Psiquê me veio à cabeça no mesmo instante.
— Olá, querido. — A figura inclinou a cabeça, confortável, como
se já estivesse familiarizada com o ambiente, as pernas cruzadas de
forma casual. Seus saltos agulha vermelhos ameaçavam perfurar
qualquer um que ousasse chegar perto dela. — Sentiu saudades da
mamãe? — E deu um sorriso divertido, mas que, ao mesmo tempo,
era cruel.
Na minha frente, Afrodite sorria de forma perturbadora e me
olhava como se quisesse levar minha alma consigo, o que equivalia
aos olhares de sempre.
— Mãe. — Tentei sorrir, mas, se o fiz, foi um sorriso frouxo e
doentio, como se eu tivesse acabado de sofrer um derrame; o que
era impossível para um deus.
Ela deu batidinhas animadas no lugar ao seu lado.
Engoli em seco antes de recusar com a cabeça e, antes que ela
falasse alguma coisa sobre eu “ter que ser mimado”, dei o primeiro
passo:
— O que faz aqui?
A neve caía do lado de fora.
— No seu apartamento? — Deu um sorriso quase tímido.
Fazia meses que não nos víamos e sabia que, em algum
momento, ela apareceria para dar um oi. Só que eu estava rezando
para que não — e a questão era: rezando para quem? Não
importava. Minha mãe estava ali. E seria o caos se ela descobrisse
que Psiquê ainda estava perambulando livre por Chicago.
— No Mundo Mortal. — Ela sabia muito bem disso.
— E por que importa? Estou aqui. Não nos vemos há meses! —
Seus cabelos ondularam quando ela levantou seus braços para
cima, dramática. — Sou uma mãe preocupada e com saudades do
filho.
Ela se esquecia de que eu também era um deus e de que podia
muito bem lidar com mortais, mas… aquele não era o real motivo
para ela estar ali. Afrodite queria saber pelos meus lábios se a
missão estava concluída. Era por isso que tinha vindo.
— Aliás, não acha esse apartamento pequeno demais? —
Ergueu a sobrancelha e, então, fez-se um momento de silêncio. —
Já é hora de voltar ao Olimpo. Não é bom para o funcionamento dos
Mundos um deus ficar por tanto tempo fora do seu lugar. Não sente
falta?
Ela não se preocupava com aquilo de fato, só me queria de
volta para que ela pudesse me mimar quando bem entendesse. E,
claro, para pedir mais favores.
— Gosto deste Mundo. — Encarei seus olhos, que brilhavam
sombrios, e fui até a mesa de centro encher meu copo.
Afrodite trocou as pernas e respirou fundo, desviando o olhar
para seus saltos por um momento. Antes que eu pudesse, de fato,
abrir a garrafa, ela estalou seus dedos com unhas pintadas de
vermelho-vivo e uísque verteu em meu copo. Girei os calcanhares e,
dando um gole, olhei para ela, tentando entender qual era sua
expressão naquele instante.
— Como anda aquela mortal? Casada com um monstro? — ela
debochou, sorrindo maleficamente, e deu um gole em seu scotch,
que tinha aparecido em sua mão do mesmo modo como meu uísque
tinha aparecido em meu copo: magia.
Eu também podia fazer verter uísque em meu copo se quisesse,
mas eu gostava do manuseio. Me fazia mais… mortal. Como
Psiquê.
Eu não podia pensar nela naquele momento, afinal, Afrodite
também era deusa do amor. E eu estava louca e perdidamente
apaixonado por Psiquê.
— Como o solicitado. — Dei mais um gole e sentei-me no sofá
ao seu lado.
Afrodite deu um sorriso cruel ao olhar para seu copo de vidro,
como quem parecia se divertir com a situação. Então, como
lâminas, seu olhar se direcionou ao meu e me cortou ao meio. O
olhar mais impiedoso que já tinha visto.
E foi inevitável engolir em seco.
Pensar em mil coisas.
Porque, ali, eu soube.
Afrodite sabia muito bem que Psiquê Di Laurentis não estava
casada com a mais feia das criaturas — mortais ou não-mortais. Ela
sabia que eu estivera mentindo todo aquele tempo. E, muito
provável, também sabia que eu estava apaixonado por ela.
Ela riu amargamente.
— Não minta para mim, Eros. Aquela mortal… — Me encarou
com dificuldade. — Ela conseguiu fisgar até mesmo você, não foi?
— Inveja e raiva brilhavam em suas íris. — Aquela coisinha
insignificante chamou a atenção até mesmo de você — grunhiu,
desviando o olhar.
Afrodite suspirou.
O scotch sumiu de suas mãos.
Logo seus olhos estavam em mim mais uma vez.
— Você vai largá-la e voltar ao Olimpo — ordenou, remorso
escorrendo pelos seus olhos. — E eu mesma cuidarei dela.
Minha mãe sempre me dava ordens, como se eu fosse só mais
um capacho; como se eu fosse insignificante para ela, a deusa mais
antiga do Olimpo. A primeira filha deusa de Gaia e Urano. Ela, que
vivera no auge dos Titãs.
Por isso, todos deviam obediência a ela.
Mas eu não faria isso, não mais. Tinha convivido com isso a
minha vida toda. Todos os meus três mil anos. Estava na hora de eu
mesmo tomar minhas decisões. Estava na hora de eu poder amar.
O jeito como ela tinha dito “eu mesma cuidarei dela”…
Não. Eu jamais deixaria qualquer mal acontecer com Psiquê.
Minhas asas foram as primeiras a se manifestarem. Com
envergadura de mais de cinco metros, asas brancas preencheram a
sala, o que a surpreendeu. Elas também costumavam aparecer
quando eu estava furioso — e era fúria que preenchia minhas veias
naquele momento.
— Não. — Afrodite ergueu a sobrancelha e, por fim, se levantou
do divã. — Você vai ficar longe dela, mãe. Psiquê não merece e
nunca mereceu o destino que você impôs a ela. Ela merece muito
mais.
— Como o quê? Você? — Ela também parecia enfurecida,
ainda mais quando seus olhos pousaram sobre as portas do
elevador.
Me virei para trás… e lá estava ela, me encarando com seus
olhos verdes, em completo choque, vidrada nas minhas asas e na
mulher ao meu lado. A fúria deu espaço à preocupação, ao passo
que minhas asas se fecharam no mesmo instante.
E Psiquê, desesperada, apertou continuamente o botão de
fechar as portas, sem conseguir mais me olhar nos olhos, porque
agora medo e lágrimas brilhavam junto à imensidão verde de suas
íris.
Quando ameacei ir atrás, Afrodite disse:
— Deixe-a ir. Ela está assustada, não vai querer ver você.
Com isso, virei com tudo para minha mãe, a fúria mais uma vez
fervendo em meu sangue.
Ela estava certa, eu não podia segui-la quando tudo o que
Psiquê sentia por mim naquele momento era medo. Seus olhos
estavam cheios desse sentimento.
— Há quanto tempo ela estava ali? — perguntei em um sopro,
abalado.
Psiquê tinha acabado de ver minha real identidade.
E ela estava com medo de mim.
— Há quanto tempo ela estava ali? — gritei dessa vez.
— Pouco antes de você abrir suas asas. — Afrodite suspirou, se
aproximando de mim com sutis passos, seu vestido vermelho
esvoaçando. — Agora, não me diga que você está chateado. Ela
era só mais uma mortal medíocre. Nós somos deuses. Muito mais
do que eles sonham em ser. Você vai esquecê-la rápido, vai ver.
— Não! — gritei. — Não vou esquecê-la, mãe, porque aquela
mulher — apontei para o elevador — é a mulher da minha vida.
Minha futura esposa. A futura mãe dos meus filhos. Eu quero
construir uma vida com ela. Estou completamente apaixonado por
ela. Eu a amo — disse tudo em um só fôlego, irado, e só então
percebi que tinha admitido.
Tinha admitido que amava Psiquê Di Laurentis.
E que eu queria construir uma vida ao seu lado.
Afrodite piscou algumas vezes, perplexa, como se não pudesse
acreditar.
— Você não pode ficar com ela. Ela é mortal, vai envelhecer
como os outros. E a sua família? E os seus amigos? Além disso, ela
não vai aceitar sua identidade.
Dei risada, e ela não entendeu.
— Para uma deusa do amor, você até que está bem dedicada a
fazer dar errado — expliquei. — Nós vamos dar um jeito. Eu e
Psiquê vamos ficar bem. — Uma hesitação que eu não queria que
aparecesse fez minha voz vacilar naquele instante. — Porque eu a
amo.
Afrodite pareceu chocada por um momento e levou mais alguns
para processar o que eu havia acabado de falar; os olhos estáticos
sequer piscavam.
— Você pode poupar seu sofrimento e o dela e usar a Névoa a
este favor — sugeriu minha mãe, convicta de que era a coisa certa a
se fazer, simplesmente porque era, e eu odiava ter que admitir isso.
Seria vantajoso para ela e, portanto, para mim. Eu não suportaria
vê-la sofrer. Por outro lado, eu também não suportaria ter que
apagar de sua memória todos os nossos momentos juntos e, por
consequência, seu amor por mim.
— Não posso — disse, simplesmente, em um sopro.
Minha mãe não desviou os olhos dos meus ao dizer:
— Faça como quiser, mas me ouça: você vai liberar caos sobre
este Mundo se deixar aquela mortal ciente do nosso, Eros. Deuses
ficam no Olimpo, mortais ficam aqui. Mais cedo ou mais tarde, você
terá de voltar. — Afrodite me encarou no fundo dos olhos. — E eu
voltarei para cá enquanto isso não acontecer.
Sombras a envolveram, me deixando somente com a noite
estrelada.
Olhei para onde Psiquê se fora.
Pensei nos seus olhos assustados e no seu desespero para
fechar as portas metálicas.
Mas… Pisquei algumas vezes ao pensar no nome dela: Psiquê.
Quando havíamos nos conhecido, eu tinha lhe dito que seu nome
significava alma em grego antigo, para mortais como ela. Quando
liguei os pontos, tive vontade de rir — com certeza de desespero —,
porque não podia ser coincidência tê-la encontrado, quando meu
nome significava amor.
Então olhei para o céu, que trovejou no mesmo instante.
Malditas Moiras.
Esse destino já estava escrito havia muito tempo. Psiquê era
meu destino antes mesmo de eu ter nascido, três mil anos antes. As
Moiras se divertiam nos assistindo lá de cima, juntas ao trono de
Zeus. Eram elas quem provocavam o mau tempo no céu quando
estávamos juntos, porque enfim tinha acontecido o que elas haviam
escrito. Não sabia se queria estrangulá-las ou beijar seus pés.
Tão rápido, cheguei a uma conclusão.
A alma não vivia sem o amor, muito menos o contrário.
Eles caminhavam lado a lado.
E aquilo era tudo a que podia me agarrar no momento: acreditar
que Psiquê, minha alma, voltaria para mim, porque eu não sabia
mais como viver sem ela.
M inha cabeça definitivamente não estava na aula. Na
verdade, ela ia até Eros com bastante frequência, de modo
que as palavras saídas da boca da professora entravam
por um ouvido e saíam pelo outro.
Suspirei, cogitando se eu sairia ou não dali.
Era Ontologia, a matéria que eu mais precisava estudar por
causa de sua complexidade. Eu travava uma guerra interna comigo
mesma, tentando decidir se valia ou não a pena juntar minhas
coisas, descer os degraus, sair pela porta e abandonar, assim, a
discussão sobre a existência.
Bastou pensar nas mãos e nos olhos ferozes de Eros para
concluir que valia mais a pena estar com ele. Fui apressada ao
recolher minhas coisas e dar o fora dali, rumo ao meu apartamento
e de Margot. Precisava estar à altura para aquela noite, para a qual
eu contava os minutos e os segundos, porque com ele era assim:
meu corpo clamava pelo seu.
— Toc-toc. — Margot bateu na porta de carvalho do meu quarto,
que estava aberta, e pôs só metade do corpo para dentro, de modo
que suas mechas cor de caramelo pendiam no ar. Seus olhos azul-
acinzentados encaravam os meus.
Desliguei o secador de cabelo, que estava conectado a uma
tomada ao lado da cama onde eu estava sentada, com uma toalha
vermelha no colo.
— Que foi? — Arqueei a sobrancelha.
Então, ela entrou por completo no quarto e se sentou à beirada
da cama.
— Sua mala de viagem já está pronta?
— Ainda não, por quê? — Franzi a testa, estranhando a oferta
indireta de ajuda. Não que ela não me oferecesse quando
precisava, mas, naquele dia, estranhei. Ela parecia agitada,
incomodada com alguma coisa.
Ela deitou seu corpo para trás, passando a olhar para o teto.
— Não tenho nada marcado com Justin hoje, e em breve você
vai viajar para ver sua irmã. Justin está com a família… — ela
apertou os olhos com força e deu um sorriso radiante — para contar
que estamos namorando.
Meu queixo foi ao chão.
— Margot!
Ela se levantou para me encarar e se sentou mais uma vez.
— Amiga, fico tão feliz por vocês dois! — Dei um sorriso singelo.
Em seguida, lembrei: — Pensei que você não fosse do tipo para
namorar.
Margot me deu um soquinho no ombro, sem deixar de sorrir.
— Quando ele te pediu? Aliás, por que você não foi junto,
Margot?
— Ontem. Ele me levou para ver um filme de ação, o que não
combinou muito, mas… — Deu de ombros, deixando eu concluir o
pensamento. — Não fui porque eu sempre estrago tudo nessa coisa
de conhecer os pais.
— Larga de ser boba, Margot. Você ia se sair bem, não tem
mais dezesseis anos. — Lembrei-me do antigo namoro de ensino
médio dela, e ela assentiu. Na ocasião, ela sem querer tinha
derramado vinho tinto na blusa preferida da mãe do rapaz, o que a
havia feito ter um saldo negativo com a sogra.
— Talvez, mas preferi não arriscar. — Ela de repente inclinou a
cabeça, me analisando com um sorrisinho travesso. — E Eros?
Vocês estão namorando ou o quê? Juro que não entendo vocês. —
Deu uma risadinha.
Peguei a toalha para dar mais uma enxugada no cabelo,
pensativa.
— Ele não me pediu em namoro ainda, mas… sinto que esse
momento está próximo. — Sorri ao pensar nisso.
Margot sorriu comigo.
— Então… oficialmente desencalhadas?
— Oficialmente desencalhadas! — Assenti.
Margot:
Já estava prestes a dar um chilique, mas vi que vc tinha
levado a mala. Quanto tempo pensa em ficar aí? Ah, e
boa sorte com sua família. Vai precisar.
Margot:
Tá td bem aqui, mas tô preocupada com vc. Vc nunca
fica tanto tempo em Peoria. Aconteceu alguma coisa?