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DISPONIBILIZAÇÃO: SUNSHINE
TRADUÇÃO: AZALEA
REVISÃO INICIAL: TATI, AMORA
REVISÃO FINAL: AMBER LYNN, MRS. JANE
CONFERÊNCIA: MANDY
FORMATAÇÃO: AZALEA
AVISOS SUNS!
DURHAM BOYS 2
EPIGRÁFO
Quinze anos
Que piada. Que mentira tão suja. Nada nesta terra é livre.
Alguém pisou em meus dedos. Não doeu. Mesmo as farpas na parte superior,
cortando minha coxa enquanto eu oscilava, não doeram.
O chão.
Terra livre. Terra profana, desnivelada e linda, tão dura que eu sabia que
minhas pernas estavam instáveis no segundo em que caí.
Rebecca olhou para minha forma patética e mancando. Ah, não. Seu coração
estava funcionando novamente.
— Vá! — lati.
Escuridão encheu seus olhos como um tanque de veneno. Bom. Ela precisaria
disso se quisesse sobreviver aqui.
Ela avançou.
— Ei. Fairy Lights1.
Em silêncio, eu tirei meu cabelo loiro dos olhos. Estava comprido, descendo
pelos meus quadris. Em casa, eu precisava mantê-lo em uma trança impecável o
tempo todo.
— Mas se uma mulher cuida do seu cabelo, isso é uma glória para ela; pois
o cabelo dela é como uma cobertura.
Eu balancei minha cabeça. Isso não era uma glória. Era um grande
inconveniente e eu sabia que precisaria cortá-lo logo.
Eu tinha minhas próprias roupas, mas gostei mais desta; lembrava-me das
cortinas da casa da minha mãe, a mesma pequena estampa floral. Eu a usava com
frequência, embora Van odiasse.
Não quando eu sabia que em apenas alguns segundos aqueles olhos azuis de
tirar o fôlego voltariam a ser de pedra.
Ele me chamou de Fairy Lights, por causa da única mudança que fiz nas
minhas acomodações. Na pequena cocheira onde seu pai me deixou ficar, pendurei
cordões de luzes em todas as vigas e postes.
— Você vai queimar a propriedade toda — Van disse ao vê-las. Eu amei como
elas o deixavam: pintado com uma luz suave na frente, com sombras escuras e
inertes envolvendo suas costas como uma estátua de mármore.
Enquanto saía, ele tirou sua gaita do bolso. Uma sinfonia solitária rastejou
atrás dele, o que incentivou meu coração a ir atrás. Mas não fui.
Era bom Van não dormir mais comigo. Eu precisava me acostumar com os
sonhos.
Precisávamos nos acostumar a viver sem o outro.
Talvez as luzes fossem perigosas. Toda aquela madeira podre, pronta para
explodir no calor combinado de milhares de pequenos brilhos.
Naquela época, eu não sabia muito sobre este mundo. Mas sabia que eu
queria ser a única a deixá-lo em chamas.
Mas não antes dele riscar um fósforo, tocá-lo na borda do meu coração de
papel... e me assistir queimar primeiro.
UM
Eu vejo minhas opções: o amanhecer sem brilho diante de mim que parece
um flamingo de jardim desbotado, ou a tigela de Froot Loops2 no meu colo que
estou comendo no café da manhã. E que jantei ontem à noite e almocei antes disso.
Assim que o céu está claro o suficiente, abro as portas traseiras do meu Ford
Transit, estico as pernas no colchão e tiro uma foto.
2 Cereal
Para garantir, adiciono alguns emojis de coração que combinam com as cores
do céu. Meu ponto de acesso é fraco, mas eventualmente consigo sinal suficiente
para clicar em Compartilhar.
Eloise é quase tão velha quanto eu. Em agosto deste ano, quando eu fizer
vinte e dois, ela estará marcando dezenove anos e 160.000 milhas.
Essa é a única razão pela qual não fico com raiva quando, no final da estrada
de acesso, ela começa a engasgar.
A raiva sobe em meu peito, mas respiro algumas vezes e relaxo. Não adianta
ficar brava. O momento passou.
Janis Joplin inunda o carro, o que ajuda. Minha mãe costumava tocar Cheap
Thrills e Pearl em um walkman que conectamos a dois pequenos alto-falantes que
ficavam de cada lado de nossos livros – todos os dez. Ela ganhara os CDs de sua
mãe no Natal quando tinha quatorze anos, ela me disse, porque minha avó achou
que era hora de aprender como boa música realmente soava.
Sempre adorei essa história. Isso me fez sentir falta dos avós que eu nunca
conheci e de uma vida que nunca foi minha.
Hoje, como sempre acontece, me ocorre que poderia cantar junto. Não há
ninguém para me impedir. Ninguém para nos pegar.
Em vez disso, mudo para um podcast e ignoro os ecos de Cry Baby na minha
cabeça por todo o caminho até o centro de visitantes perto do lago.
É raro ser reconhecida, e é exatamente assim que gosto. Ser uma blogueira
de viagens é divertido e tudo, mas não trato isso como um propulsor para a
fama. Apenas uma maneira de ganhar algum dinheiro enquanto pego o grande e
nebuloso ponto de interrogação que é minha vida e o transformo em uma estrada
sinuosa. Claro, não tenho ideia de para onde isso vai... mas também pode ser
divertido ir descobrindo.
Com quem?
3 Rutherford Birchard Hayes foi o 19º Presidente dos Estados Unidos entre 1877 e 1881.
Justo. Viajar sozinha parece emocionante e ilimitado, mas você rapidamente
percebe que algumas coisas não são tão divertidas sozinha. Devolvi aquele
panfleto.
Sinais de alarme soam na minha cabeça. Na verdade, não é sobre ele, já que
ele é jovem. Dezesseis ou mais. Eu o vi pular do trailer de sua família quando saí
do prédio.
Mesmo assim: nunca admita que está sozinha. Principalmente se você for
mulher.
— Minha mãe espera por mim em nossa van — digo a ele, começando a descer
o caminho, — mas obrigada. Tenha um bom dia.
— Você ainda tem belas vistas da água — ele me garante, — mas não das
partes mais rasas e das docas. Se você gosta de caminhadas, esse é definitivamente
o lugar para estar.
Eu hesito. O lado leste do lago era minha primeira escolha, por razões de
segurança. São quase apenas famílias nessa área.
Ele verifica uma lista na mesa. — Não. É todo seu, talvez até durante toda a
sua estadia. A maioria das pessoas dá meia-volta se o lado leste estiver cheio.
— Acho que está tudo bem. — Pego meu cartão com um sorriso que não sei
se quero dar.
Silêncio. Com minhas mãos em concha ao redor dos olhos, eu olho para
dentro, apenas para obter um close-up nebuloso de meus próprios poros e olhar
vesgo. Ótimo.
Acontece que a pessoa não estacionou no meu lugar: ele está muito longe,
depois das placas de aviso NÃO ESTACIONE APÓS ESTE PONTO. A van
bloqueia minha visão do lago, mas na verdade não me impede de montar
acampamento.
Após me certificar de que eles terão espaço suficiente para se virar e sair, eu
reúno lenha para a fogueira desta noite, preparo meu pátio improvisado com um
cobertor de flanela e algumas almofadas ao ar livre, em seguida, vou à caça de
alguns fósforos.
As calças ainda estão sujas da última vez que as usei: cerca de um ano atrás,
durante minha turnê por Red Clay, no Tennessee.
Não fiquei muito tempo. Foi divertido aprender sobre as tribos Cherokee, mas
ouvir a frase reuniões de conselho repetidamente cansa.
Eu coloco de lado para continuar procurando, mas meus olhos vagueiam para
trás.
Aquele cara disse que este lado do lago é ótimo para caminhadas.
Além disso, eu raciocino enquanto afrouxo os laços e chuto meu Tevas6, este
lago dificilmente é um deserto. Gerações de famílias fizeram deste destino o seu
tradicional local de férias, o que significa que o pouco que resta da natureza é uma
versão comercializada e diluída. As trilhas não podem ser tão brutais.
Fecho e tranco Eloise, coloco meu cartão no bolso do short e começo a subir a
primeira trilha que encontro.
Sangue e suor escorrem pelo meu braço enquanto eu limpo meu rosto e viro
meus olhos para o céu.
A vida era muito melhor quando tudo que eu tinha com que me preocupar
enquanto andava de skate... era andar de skate.
Respire.
Faça.
Eu me lanço pela trilha. Minhas rodas rasgam o chão. O vento perfura meus
tímpanos em pedacinhos.
Meu coração bate mais forte quanto mais perto eu chego da pedra, mas dou
uma guinada em torno dela, inclinando-me tanto para um lado que uma rajada de
poeira entra na minha boca.
Não há muito, de qualquer maneira. Quando você vai tão rápido, tudo o que
consegue é um borrão de árvores e arbustos.
E quando tudo o que separa você da terra batida são quatro rodas pequenas
e um pouco de madeira, você tem apenas uma visão parcial.
A trilha é limpa e nivelada em todo o caminho até o salto. Foi o que me fez
parar e percorrer este trecho durante minha caminhada: a maneira como a terra
ficou parada, a floresta se abrindo para o céu enquanto a luz do sol derramava
sobre esse salto feito pelo homem. Isso me provocou por ainda não ter saltado
daquela maldita coisa.
Três.
Dois...
— Ow!
Infelizmente para mim e meu skate, minha visão parcial não é tão boa.
É tarde demais para me impedir de saltar, mesmo sabendo que minha posição
é horrível. Vou comer tanta imundície que os legistas vão encontrar um jardim
botânico no meu cólon.
Meu skate pousa muito antes de mim. Todo o impulso que construí estala em
meus pulmões, estômago e cada membro enquanto eu pouso na terra como um
meteorito.
— Fui picada por um marimbondo — ela diz atrás de mim, mas não longe o
suficiente.
Algo em sua voz soa familiar, mas continuo tentando subir a colina. Virar
para olhar garantiria uma conversa, o que não faço muito nos meus melhores dias.
Dou um tapinha na minha camisa, aliviado por encontrar meu inalador ainda
intacto.
Já rachei mais do que alguns durante as corridas, e é por isso que comecei a
usá-los no pescoço. Membros, rosto, cabeça – eles são malditamente espancados
repetidamente. Mas muito raramente você machucará diretamente o peito
durante uma queda.
Grande erro: olho para ela, pensando que ela deve me reconhecer. Maldita
vaidade.
7 Kool Aid é um suco popular nos EUA. É conhecido pelos comerciais onde o jarro de suco aparece
do nada derrubando paredes.
Ela estava realmente lendo a parte de trás do meu capacete e agora olha para
mim com um leve fascínio. Pelo menos acho que sim. Ela está usando um chapéu
que torna difícil dizer.
— Van?
De repente, a garota está ao meu lado, olhando o meu rosto como se tivesse
perdido algo. A mente dela, provavelmente, já que eu não poderia deixar mais claro
que não quero companhia. No entanto, aqui está ela.
Finalmente, eu paro.
— Juniper Summers — digo baixinho, antes que ela possa. Seu nome derrete
em cada centímetro da minha boca.
— Oh... certo, — aceno lentamente, como se ela fosse apenas uma fotografia
desbotada na minha cabeça.
Uma risada agitada desliza por seus lábios. — Então, uh... como você está?
— Oh, certo. A coisa skate longboard. Ouvi dizer que você está fazendo isso
pela Spiral agora. — Ela se encolhe. — Ou você estava, quero dizer. Desculpe.
Aperto minha boca e encolho os ombros, então começo a subir a trilha. Tão
gentil da parte dela temperar minhas feridas com sal marinho assim. Spiral, meu
patrocinador, abandonou o navio há vários meses. Assim como a Creigh Supply
Company.
Na verdade, eles não pularam do navio: eles me jogaram no mar. Deus sabe
que eles ainda estão bem sem mim, minha boca pouco profissional e conduta
antidesportiva. Palavras deles.
Mas primeiro, deixo meus olhos percorrerem seu corpo, da cabeça aos pés.
Bem, mais como aquela boca rosa clara que eu poderia morder como glacê,
até os quadris envoltos em shorts jeans tão minúsculos que deve fazê-la se
contorcer toda vez que se senta.
E, nesse meio tempo, meu olhar também leva um momento para apreciar o
brilho perfeito de suor pintado em seus seios. Eu gostaria de ter sido o responsável
por colocá-lo lá.
— Siga até o fim — digo a ela finalmente, acenando para ela sair da minha
frente. Ela hesita, então o faz. — Vire à direita nas placas de sinalização e você
estará em uma estrada secundária que contorna a montanha inteira. A estrada
principal deve estar por ali.
— O que?
— Nada. — Seus olhos reviram para sua própria mentira. — Quer dizer, deve
ser uma boa milha a mais do que a rota que peguei.
— Desculpe, não posso refazer seus passos exatos, Fairy Lights. Da próxima
vez, traga seu saquinho de migalhas de pão. — Dramaticamente, eu aceno
novamente o caminho para ela. Desta vez, ela não se move.
— O que? Você precisa de um sherpa9 para ir com você?
Eu fico de boca aberta para ela. Desde quando diabos eu faço o bem?
Seus olhos não se desviam de mim quando subo no skate e arrumo meu
capacete. Entre meus pulmões de merda e uma tempestade rastejando do Oeste,
meu tempo para fazer isso é limitado.
— Assistir o que?
— País livre. Mas não voltarei depois. Indo direto para o acampamento base.
Seguindo meu próprio conselho, não espero por uma resposta e, em vez disso,
apenas empurro.
9 São as pessoas que ajudam aos montanhistas no Himalaia. Os Sherpas são uma etnia da região
montanhosa do Nepal, que em linguagem tibetana significa “povo do leste”.
Foco. Normalmente, eu me dou bem com o público. Na verdade, eu tenho a
tendência a andar de skate ainda melhor com as pessoas certas me olhando.
Ignoro o cheiro de cobre do meu próprio sangue endurecido sob meu nariz.
Assim que meu skate acerta, eu faço os movimentos que meus músculos
conhecem, ainda que minha cabeça não consiga nomeá-los.
Eu menti antes, por falar nisso. Sujeira não é minha coisa favorita neste
esporte. Nem a velocidade.
Voar pelo ar, assim. Sem peso e voando contra o céu, pronto para bater no sol
antes de cair de volta a terra.
Quando sinto minhas rodas tocarem o chão, o meu estômago e coração ainda
pairando acima de mim, eu sorrio como um idiota e deslizo até parar, espalhando
uma onda de terra na minha frente antes de cair para trás em puro alívio.
Eu me sento e giro meu corpo para olhar para ela. Ela está praticamente
pulando pelo terreno (não vou mentir; me irrita ver essa bailarina – saltando sobre
obstáculos que levei horas para memorizar) enquanto seu cabelo balança sobre os
ombros.
Em suas mãos, ela tem um telefone. A câmera está apontada para mim. —
Você pegou? — Solto meus pés e fico de pé, colocando o skate debaixo do braço. —
A coisa toda?
Perto demais.
O cheiro dela me atinge. Ela está suada, mas não de um jeito ruim. Não, suor
seria muito fácil de manusear, e o universo não gosta de facilitar para mim.
Juniper cheira como se ela estivesse suando açúcar, como se ela aplicasse
loção antes de sair correndo pela floresta e se perder. O cabelo dela penetra no meu
rosto, uma mistura de maçã verde e aquele tipo de cheiro fresco e seco pela luz do
sol.
Coloco minha mão no bolso e me ajusto. Não fazia sentido dar ideias à pobre
garota.
E certamente não as que estão passando pela minha cabeça, agora. Eu nem
quero elas lá.
— Você tem internet? Estou tentando encontrar alguma há dias, mas não
consigo fazer meu ponto de acesso funcionar.
Não gosto da maneira como minha voz soa: é óbvio que agora estou sendo
legal com ela porque ela tem algo que eu quero.
Então, novamente, não é como se ela não soubesse disso sobre mim. Acho
muito mais fácil ser uma pessoa meio decente quando há algo para mim nisso.
Provavelmente é por isso que ela apenas sorri, mostrando aquelas covinhas
enganosas, e diz: — Venha hoje à noite e use, se quiser. Vou fazer o
jantar. Podemos recuperar o atraso. — Por um segundo, ela cora. — Já faz muito
tempo.
Também tardiamente, percebo que estou caminhando ao lado dela, meu plano
de voltar para o carro completamente esquecido. Como diabos ela fez isso?
— Sim. — Penso na última vez em que a vi: diante de mim na mesa de jantar,
em nossa casa de fazenda, em Dakota do Norte, toda falsa inocência e
sorrisos. Planejando sua traição por trás de um rosto mais doce que mel.
Honestamente, não sei o que ela faz. Não presto muita atenção nela online. A
essa altura, ela é uma daquelas conhecidas procure quando estiver perdido, e suas
páginas de mídia social são uma mistura de viagens, vida em van, yoga e só Deus
sabe.
Para seu crédito, porém, a garota tem alguns fãs e, aparentemente, ganha o
suficiente para continuar fazendo o que diabos ela faz.
Eu espero que ela volte a conversa fiada para mim, mas ela não o faz. Talvez
ela tenha me seguido muito mais profundamente do que eu, e já saiba o essencial.
No silêncio, ela arrasta os dentes sobre o lábio e o solta com um estalo que eu
adoraria recriar.
— Que cara?
Ela repuxa a boca. É como o sorriso de Drew Barrymore, exceto que Juniper
só faz isso quando está nervosa. Eu gostaria de não me lembrar disso.
— Eu estava prestes a perguntar como seu pai está. Mas talvez eu não
devesse.
— Talvez. Provavelmente.
— Nunca aconteceu nada, Van. — Suas mãos correm pelo rosto e espalham
um pouco de base ao longo de sua mandíbula, revelando uma espinha. Merece uma
fanfarra do pico mais alto desta montanha: Juniper Summers tem uma falha.
Quer dizer, eu sei que ela tem falhas. Um caminhão cheio delas. Mas uma
que o resto do mundo pode ver, não apenas eu?
É seguido por fúria, por que diabos eu deveria me sentir culpado? Não é culpa
minha que alguém a quebrou e ela não consegue encontrar todas as suas partes.
Não é culpa minha que ela nunca nos contou quem ou o que a quebrou,
também. Papai tentou saber.
Dezesseis anos
Muito clichê? Você não viu o que eu vi: uma garota mancando saindo da
escuridão e desmaiando como um fantasma, do lado de fora do facho de luz dos
estábulos em nosso rancho.
Ele queria uma vida simples, ou assim afirmava, e foi por isso que ele e
mamãe compraram o rancho em primeiro lugar.
Eu gostava dele quando criança. Impetuoso pelos campos parecidos com uma
pintura a óleo, em meu próprio cavalo, Captain, foi o mais perto do céu que pude
chegar. A extensa casa de fazenda, o lago tranquilo e a cidadezinha próxima da
qual meus pais não se cansavam? Absolutamente nada, comparado a selar e
correr.
Naquele verão, meu pai teve outro colapso nervoso que ele não podia admitir,
então sugeri uma viagem pai e filho à Nova Zelândia. Era em parte egoísmo –
viajar era fantástico, até lá – mas pelo menos um pouco genuíno, porque nossa
última viagem o revigorou seriamente. Muito melhor do que toda a terapia,
antidepressivos e fitoterápicos que ele tentou desde a morte de mamãe, isso era
certo.
Tínhamos a mesma altura agora. Sentado com ele na mesa de jantar de vidro,
eu me encolhi até me sentir menor, como se precisasse lembrá-lo que ele era o
adulto aqui. Eu estava cansado dele esquecer.
— Você sabe — continuei apelando para seu lenhador interior, — ar
fresco? Natureza? Voltando às coisas mais simples?
Meu plano saiu pela culatra bem na minha cara. Em vez da Nova Zelândia,
papai nos levou para o antigo rancho durante o verão.
— Foi uma ótima ideia, Van — ele continuou me dizendo enquanto respirava
fundo, ar fresco cheios de mosquitos, natureza e coisas simples que me entediavam
até as lágrimas.
Aquele verão foi longo, lânguido e mais opaco do que a terra onde nada
crescia. Foi no início de agosto quando Juniper apareceu, tarde da noite quando eu
estava no meu computador nos estábulos vazios. Era o único lugar que eu sabia
que papai não visitaria. Cavalos era coisa minha e da mamãe.
Os cavalos foram leiloados por muito tempo, incluindo Captain. Ouvi dizer
que ele faleceu recentemente, junto com alguns dos favoritos da mamãe, mas não
me senti triste com isso. Nada mais me deixava triste.
Achei que algo em mim havia se quebrado, porque eu também não conseguia
sentir nenhuma outra emoção. O psiquiatra que eu concordei em visitar aos treze
anos chamou de choque. Disse que passaria.
Mas ao ver Juniper naquela noite, eu senti a primeira emoção forte que meu
coração despedaçado bombeou em anos. Medo puro e não diluído.
Foi assim que ela caiu. Como a folha de uma árvore, delicada e brilhante. Um
fiapo na terra.
Minha lógica entrou em ação quando saí dos estábulos e estreitei os olhos na
escuridão, encontrando seu rosto. Ela tinha círculos roxos escuros sob os olhos, um
corte na bochecha e cabelos claros emaranhados com sangue.
Mas foi tudo o que fui capaz de fazer: tratá-la usando tudo o que eu tinha
naquele segundo, como se eu mesmo tivesse viajado no tempo.
Talvez seja para onde minhas emoções foram. Talvez todos os meus antigos
sentimentos assombrassem aquela sala de emergência de Nova York como os
espíritos dos cavalos ainda permaneciam em nossos estábulos.
Papai soltou um longo suspiro. — Ela ainda não acordou, mas eles estão
supondo que ela seja uma fugitiva.
— Não precisamos ficar, você sabe. — Papai me olhou com a cautela na ponta
dos pés que você daria a um cara com uma bomba amarrada ao peito. — Ela está
estabilizada. E quando acordar, eu tenho certeza que eles vão descobrir o nome
dela, contatar a família...
Ele era parte Lakota10, com o cabelo preto estilo Fábio11 e manchas prateadas
perto das têmporas, e uma voz que parecia seda nas dobras de seu cérebro. Papai
o contratou para supervisionar o rancho quando estivéssemos fora. Ele parecia um
10 O povo dacota, dakota ou lakota, também conhecido como teton, titunwan e teton sioux são um povo
indígena das Grandes Planícies da América do Norte.
11 Modelo italiano conhecido por seus cabelos longos e atraentes e uma bela aparência. Fabio Lanzoni,
considerado o homem vivo mais sexy, cativou o mundo nos anos 80 e 90 quando deixou a Itália para seguir a
carreira de modelo nos Estados Unidos. O galã de rosto esculpido e cabelos compridos apareceu na capa de mais
de 400 romances.
tio para mim, alternadamente encorajando minhas travessuras e repreendendo
minha estupidez.
— Ela entrará no sistema depois disso, se não tiver família. — Howard olhou
para papai e encolheu os ombros. — Ela não pode ter mais que, o quê... quatorze,
quinze?
— Difícil dizer. Foi como pegar um filhote de passarinho, ela era tão leve.
— Você não deveria tê-la movido. — Levei minhas mãos ao meu rosto e
respirei forte contra elas. Meus pulmões trabalharam horas extras, como um
cachorro ofegante em um portão.
Algum cão de guarda temível, furioso demais para o meu próprio bem,
decidido a proteger meu mais novo achado. Mesmo se não fosse meu.
Por que fiquei tão bravo quando meu pai a pegou? Por que, quando ele se
afastou de mim e gritou que uma ambulância demoraria muito, meu bom senso
ficou em segundo plano?
Por que entrei na caminhonete com eles, ocupando o banco de trás para que
eu pudesse ter a cabeça dela no meu colo enquanto disparávamos pela estrada, e
senti meu coração derreter apenas um pouquinho cada vez que ela se movia?
12 Cérbero, na mitologia grega, era um monstruoso cão de três cabeças que guardava a entrada do mundo
inferior, o reino subterrâneo dos mortos, deixando as almas entrarem, mas jamais saírem e despedaçando os
mortais que por lá se aventurassem.
13 Na mitologia grega, Laelaps era um lendário cão que sempre arpoava a sua presa quando caçava. Foi
um presente que Zeus ofereceu a Europa. Foi usado para caça à raposa de Thebes, que nunca poderia ser caçada.
— Era arriscar piorar os ferimentos dela — Howard disse para mim, tomando
seu café velho de novo, — ou deixá-la sangrar esperando a ambulância. Fizemos o
que era melhor para ela, Van.
— E seu joelho e tornozelo? Deus, eles estavam tão inchados que não posso
acreditar que ela correu com eles.
Era real.
Qualquer parte de mim quebrou no dia em que mamãe morreu, eu sabia que
essa garota havia acabado de consertar. Eu não sabia como, não me importava,
mas não desistiria daquele milagre.
Quando ela acordou, era no final da manhã do dia seguinte. Nenhum de nós
havia dormido.
Juniper Summers. Esse era o nome que ela continuava dando, mesmo quando
os médicos diziam ser mentira, porque não existia nenhum registro de seu ano de
nascimento com esse nome.
E isso levantou outra bandeira vermelha: ela só sabia o ano em que
nasceu. Sem mês, sem data.
Não importa o que você diga, não vou deixá-la aqui sozinha.
Ela era a única coisa que poderia me consertar. O que quer que eu tivesse
que fazer para mantê-la segura, eu o faria. Nenhum perigo viria a menos de um
metro e meio dela. Especialmente não o velho eu quebrado.
Howard a chamou de milagre. Papai a chamou de fada, por causa de como ela
voou e flutuou pela casa despercebida.
Claro que eu sabia que Juniper Summers era uma menina. Mas isso não
significava que ela não pudesse ser nenhuma dessas outras coisas também.
Na verdade, isso é o que eu mais gostava nela: como ela era completamente
alheia ao seu próprio caráter especial. Ela foi enviada para mim por um motivo, e
ela nem sabia disso.
Eu ensinei a ela tudo o que pude sobre este mundo em que ela caiu, Deus
sabe de onde. Ela começou a me consertar, totalmente alheia ao fato de que cada
sorriso ou frase que ela dava tirou um pouco mais de gelo no meu coração.
Eu não sabia por que, mas eu sabia que era melhor não questionar.
Papai falava muito sobre o fim do verão: Juniper voltando para casa conosco
e frequentando minha escola particular comigo. Eu disse a ela que poderíamos ir
para a faculdade juntos.
Ela decidiu que não queria ficar na casa da fazenda conosco. Ela gostava da
cocheira, disse ela, embora fosse apenas uma garagem embelezada onde meu pai
abrigava alguns junkers 14 que ele nunca restauraria. Nenhuma quantidade de
Cercada por suas luzes de corda e o chilrear da escuridão, ela ficava lá todas
as noites, em um colchonete de Howard. A janela dela era visível da minha, e me
peguei assistindo com muita frequência. Eu odiava aquelas pequenas lâmpadas
balançando para me substituir, ficar de sentinela em seus pesadelos, quando eu
não podia.
Ela ficou mais quieta. Distante. Cada vez que uma pista sobre sua antiga
vida vinha à tona, cinco ou dez mentiras pareciam se seguir.
Na manhã seguinte, ela não estava em lugar nenhum, junto com vários dos
cartões de crédito do meu pai. Um novo skate chegou à varanda, entretanto,
enviado em meu nome.
A maioria das roupas e eletrônicos que meu pai comprou para ela estava
empilhada ordenadamente em sua cama despojada. Howard e papai deixaram
tudo intocado, pensando que ela voltaria.
Três noites depois, fui até aquela cocheira e joguei tudo no chão. De volta ao
pó como ela os tratou.
Por que os anjos sempre cumprimentam os humanos com um aviso para não
ter medo?
Na verdade, somente quando um anjo cai é que ele começa a se parecer mais
conosco.
QUATRO
E se você fizer qualquer coisa para perder a confiança dele... você receberá
um desprezo tão feroz, inabalável e sincero quanto você já teve sua proteção.
Estou sentindo todo o poder desse desprezo agora. Por mais que eu mereça,
odeio a sensação que isso me dá. Como se eu não fosse nada.
— Ao contrário do que você ainda quer acreditar — digo, hum, sem fôlego
quando alcançamos a estrada que envolve a base da montanha, — não dormi com
seu pai.
— Certo. Apenas enfiou a língua na boca dele. Acho que vou te dar algum
crédito, aí: foder a cara dele com a sua é melhor do que literalmente foder com ele.
Ele junta as mãos na frente dele enquanto se arrasta para parar, espalhando
cascalho em minhas canelas.
— Ignorando tudo isso — ele diz, — vamos discutir como você roubou
milhares de dólares do cara que a acolheu quando você não tinha outro lugar para
ir. O cara que acreditou em você quando você manteve aquela merda de amnésia
por semanas, mesmo depois que eu te desafiei. Meu pai tentou tanto te ajudar,
Fairy Lights. E como você retribuiu?
Especialmente eu.
— Belo toque, a propósito — ele diz. — Deixando para mim aquele pequeno
presente de despedida.
Ele parou de me proteger. Arruinei essa chance há muito, muito tempo. Ele
não se importa mais se este mundo me machuca.
Mas também sei que ele nunca faria isso. Não fisicamente, pelo menos.
— Eu juro Van, não foi assim. — Minhas mãos caem para os lados, as
explicações secam. — Não há nada mais que eu possa lhe dar do que minha
palavra. Sim, roubei o dinheiro. Mas eu não estava beijando seu pai. Não... como
você pensa.
— Hmm. Ok. Acho que isso é normal, então, de onde diabos você seja, trocas
de cuspe totalmente platônico com homens décadas mais velhos do que você.
Ele segue em frente. Não completamente fora de vista, mas longe o suficiente
para saber que não estamos mais caminhando juntos.
Lá se vai a conversa.
Seria simples contar a verdade, eu lembro de fato, de onde vim, mesmo que
os detalhes ainda sejam um mistério.
A coisa da amnésia nunca enganou Van. Ele parou de acreditar cerca de doze
horas depois que fui morar com eles, quando tive meus pesadelos pela primeira
vez. Alguns eram sobre o dia em que saí, mas a maioria eram representações
normais de minha vida diária.
Barton.
Mas esses foram os sonhos mais aterrorizantes, cenas comuns que me fizeram
acreditar que estava de volta àquele lugar.
Que finalmente ver aquela luz nebulosa e oscilante dos estábulos, e aquele
menino esticado como se estivesse esperando por mim o tempo todo, tinha sido o
sonho.
Tenho sete anos de prova de que às vezes você não consegue seguir em
frente. Você apenas continua.
Em outras palavras, se você fizer algo errado, você precisa expiar onde for
possível e aceitar sua punição de qualquer maneira.
Roubar e mentir para os Durhams depois que eles tentaram me ajudar foi
horrível. Minha punição? O ódio profundo e completamente justificado de Van. A
perda do meu protetor.
Tudo o que posso fazer é aceitar. E talvez, um dia desses, terei a oportunidade
de expiar o que fiz.
Meu Transit está vários metros mais perto do lago do que antes. O pequeno
acampamento que montei marca seu antigo local como uma lápide.
— Não — digo, mas eu inalo, a palavra esculpindo meus pulmões quando sigo
as marcas de pneus todo o caminho até o lago, onde Van está parado no meio da
água.
Eu o vejo subir para respirar, furioso demais para prender a respiração por
mais de alguns segundos.
Eu pego meu telefone. O sinal é fraco, então jogo sobre algumas folhas onde
ele deixou o dele.
Sem pensar, desamarro minhas botas. Enquanto puxo meu cabelo para trás,
olho a água, já sentindo minha pele gelar.
Nós conseguimos salvar alguns itens cada antes que o lodo embaixo do veículo
começasse a ceder e a coisa toda derrapasse ainda mais fundo. Estamos muito
mais longe da costa agora do que quando começamos esta missão de salvamento
improvisada.
— Van — grito, quando ele surge do lado do motorista, — nós não podemos
continuar tocando, ele está se movendo.
— Me solte!
Meus membros me atiram de volta em sua direção. Não importa que eu mal
consiga me manter à tona, quanto mais outra pessoa; meus instintos estão
gritando para chegar até ele.
Tento puxá-lo, mas ele escorrega do meu aperto. Ele está preso.
Ar.
Minhas mãos não conseguem alcançar a porta para se apoiar. Minhas pernas
não podem chutar rápido o suficiente.
Sem mais nada para usar, agarro os ombros de Van e me empurro para a
superfície.
Coloco meus braços sob os dele por trás e coloco meu pé no teto do carro,
conduzindo-nos para cima com uma lentidão dolorosa através da água.
Meu peito queima; meus olhos não conseguem piscar rápido o suficiente
contra todos os escombros. Os cantos da minha visão desbotam.
Aumento meu aperto em torno de Van. Minhas pernas nos lançam para cima
com toda a força que consigo, depois chutam como se fosse tudo o que nasci para
fazer.
A água clareia. Empurro meu rosto para a superfície e suspiro. A maior parte
da minha inspiração é água, ou pelo menos me sinto assim, mas é o suficiente para
me manter chutando. O suficiente para continuar lutando.
O que quer que me ouça, deve ter senso de humor, porque de repente sinto
algo esponjoso e viscoso cutucar meu ombro.
Um macarrão de piscina.
Mas ele flutua, e só isso é o suficiente para me fazer agarrá-lo como o presente
magnífico que é.
Eu o puxo dos galhos caídos em que estava emaranhado, coloco-o sob os
braços de Van e praticamente choro de felicidade quando seu rosto flutua para a
superfície. Agarro o colarinho de sua camisa em meu punho e nado para a terra.
Sua pele está fria quando cubro sua boca com a minha, aperto seu nariz e
coloco ar em seus pulmões. Sentir seu peito subir sob minha mão livre me inunda
com um alívio prematuro, e tenho que lembrar que ele não respirou fundo.
Ainda não.
Alterno entre empurrar seu peito e respirar em sua boca. Não sei se estou
usando as durações ou ritmos certos.
Tudo que sei é... Estou fazendo tudo que sei. Tudo que eu posso.
Por favor.
— Está tudo bem — digo a ele, chorando e rindo enquanto a água deixa seus
pulmões, e aquela primeira queimação, bela respiração toma o seu lugar. —
Estamos bem.
SEIS
É uma receita de antibióticos para que eu não desenvolva uma infecção, seja
por inalar a água turva do lago ou expondo todos os cortes e arranhões do meu
corpo a ela de uma vez.
A cereja do bolo, os remédios têm que ser tomados com comida, e a minha
despensa inteira está no fundo do maldito Lago Linon.
Ok, então eu não tinha uma despensa lá. Apenas Pringles e charque16. Mas
ele não sabe disso.
Ele não sabe – porque eu gritei e delirei desde que acordei no hospital – que
tudo o que possuo está arruinado, então seu uso contínuo da palavra sorte é uma
16
O charque é uma carne salgada e seca ao sol com o objetivo de mantê-la própria ao consumo por
mais tempo.
jogada tão esperta, eu aplaudiria com alguma piada devastadora sobre seu hálito
de gengivite se tivesse energia.
Pegando minha IV17, empurro meu queixo para a janela. Amanhecer corta as
cortinas. — Eu fiz.
Ele suspira e então tira minha mão da IV. — Você pode esperar até o meio-
dia, pelo menos? Tenho certeza que deixaria sua amiga feliz.
Ele tem feito isso a noite toda – referindo-se a Juniper como minha amiga,
com uma inflexão que significa mais. Ótimas habilidades de diagnóstico,
doutor. Juniper não é nada para mim.
A próxima coisa que soube foi que estava em uma cama de hospital.
— Van?
17
Terapia intravenosa (IV) é uma via de administração que consiste na injeção de agulha ou cateter
contendo princípios ativos, vacinas ou hemoderivados nas veias periféricas, tipicamente nos membros
superiores ou inferiores.
Juniper se encolhe na porta. O médico me dá um sorriso que eu gostaria de
tirar da cara dele.
— Vou deixar vocês sozinhos por um tempo. — Para Juniper, ele acrescenta,
— Talvez você possa convencê-lo a ficar mais um pouco.
— Saia daqui.
— Van, eu sinto muito. Eu... eu não sei o que aconteceu para fazer meu carro
rolar no seu, mas prometo...
Acho que ele viu meu blefe. Eu desisto e caio na cama. Sua presença paira
mais perto. Eu não a ouço, apenas sinto que ela está por perto. Sempre foi assim,
com ela.
O dia em que ela fugiu, na verdade, eu soube antes de todo mundo, antes
mesmo de sair para a cocheira e confirmar. Eu não a sentia mais.
Até a tristeza é bem-vinda, porque pelo menos me lembra de que não estou
totalmente morto por dentro.
— Todas as minhas coisas — suspiro, balançando a cabeça quando o peso me
atinge novamente. — O maldito carro inteiro. Câmeras, laptops, luzes do meu
skate...
— Eu vou pagar por tudo isso, eu juro. Não será de imediato, mas pagarei. O
que for preciso.
— Não faça piadas, Fairy Lights. — Eu puxo meu braço, embora ela esteja
fazendo um bom trabalho removendo a fita. — Eu posso parecer exausto – e estou
– mas estou tão furioso com você.
Lá vai ela, fazendo aquela coisa de encolher novamente. — Sorte minha que
você nunca machucaria uma mulher.
— Eu sou a nova definição de tenso. Você lançou toda a minha merda na porra
de um lago.
— E eu disse que sentia muito. Se você decidir não acreditar... bem, isso é
com você.
Ela respira fundo e tira o último pedaço de fita do meu braço. Eu nem percebi
que ela começou a puxá-la novamente.
— Eu não tenho nada, Van. Economizei muito, algumas centenas por mês da
minha mídia social... mas, sim, um veículo e alguns equipamentos
decentes. Então, acho que você poderia pegar minhas coisas e ficaríamos quites.
— Não que meu pai não consiga substituir tudo com um pequeno cheque,
certo?
Juniper umedece os lábios. — Só estou dizendo que você tem uma rede de
segurança. Eu não. Tudo que eu tenho? É isso aí.
— Não aceito mais nada do meu pai — digo a ela do banheiro, enquanto
esperamos pelos meus papéis de alta. Eu mudo minha bata para um jeans novo
duro e uma camisa que ainda tem as etiquetas de tamanho, que estou muito
cansado para tirar. Droga, este hospital até te dá roupas íntimas e chinelos novos?
— Ok.
Ela não diz isso sarcasticamente, mas olho para ela como se fosse. Estou
acostumado com as pessoas não acreditarem em mim quando digo que estou
sozinho há anos. Até meus primos estavam céticos, até que Wes foi morar comigo
e viu as evidências por si mesmo.
— Falo sério. — Eu fecho minha braguilha quando saio, chocado com o quão
bem as roupas caem. — Não há orgulho em ganhar tudo. Eu queria provar que
poderia ter sucesso sozinho.
— Para quem?
São quase onze da manhã quando descemos. Dr. Halitose fez questão de
arrastar o processo de saída até o mais próximo possível do meio-dia. Desgraçado.
— Não quero sua ajuda. Eu quero meu carro fora daquele lago. Quero minha
vida exatamente como era, — verifico o relógio na parede quando passamos pela
entrada, — aproximadamente dezenove horas atrás, antes de você aparecer e
estragar tudo. Como da primeira vez.
18 CVS Pharmacy é uma empresa de varejo americana. Sediada em Woonsocket, Rhode Island. Também
era conhecida como, e originalmente denominada, Consumer Value Store e foi fundada em Lowell, Massachusetts,
em 1963
SETE
— Quero dizer — arrisco, quando ele fica quieto, — além do seu pai pensar
que você roubou o dinheiro a princípio...
— Oh, ele ainda acha que eu roubei. — Seus bolsos chacoalham com os
antibióticos que finalmente o fiz comprar na primeira farmácia que encontramos
depois de deixar o hospital.
Quando ele tira os cigarros que também comprou lá, eu me viro e mordo a
língua. Se ele quer fumar após quase se afogar, além de ter asma, essa é sua
prerrogativa completamente idiota. Eu cumpri minha cota de salvar vidas esta
semana.
— Ainda? — pergunto, quando sua frase é registrada.
— Sim. Em uma daquelas formas de nunca fale nisso, deixe isso contaminar
todas as refeições em família. — Van traga profundamente e olha para mim.
Espero que ele sopre a fumaça no meu rosto, mas em vez disso ele angula a
boca para que fique acima de mim.
— Não, obrigado. Acho que você conversou com ele bastante, sete anos atrás.
Batendo em uma grade, ele espia por cima do meu ombro para verificar o
status de nossa viagem. A fumaça do cigarro não é o motivo de eu prender a
respiração.
— Eu tenho que esclarecer as coisas com ele — administro. Parece que estou
de volta ao lago, mas agora é apenas o cheiro dele inundando meus pulmões. —
Acertar as coisas com vocês.
— Olha, meu velho não me odeia por isso. É como qualquer outra coisa que
fiz na minha vida. Ele está desapontado, ele perdeu um pouco de fé em mim por
fazer isso..., mas nós viveremos.
— Fiz o suficiente antes disso. — Ele termina o cigarro com uma tosse
contida. — Sim, seria bom se ele acreditasse em mim, mas eu entendo porque ele
não acredita. Parece cem por cento como algo que eu faria.
Resumidamente, aqueles olhos azuis do oceano encontram os meus. — Você
realmente me ferrou bem, Fairy Lights, e falo isso sinceramente. Encomendou um
skate que você sabia que eu realmente queria, e pedi ao papai, tipo... cem vezes, e
depois deixou os cartões no lugar exato em que eu os teria deixado, como o idiota
que era.
— Mas você não roubou os cartões. — Caramba, o que uma garota tem que
fazer para consertar as coisas por aqui?
Desta vez, quando seus olhos encontram os meus, tenho que olhar para o meu
telefone.
O Sr. Durham ficou quieto por um momento. Tudo o que ouvi foi o gemido de
metal, o erro de Van sendo consertado.
— Que ele roube de mim — ele disse, finalmente. — Quer dizer, acho que
meus maiores medos reais são os normais; que ele morra ou se machuque, o que
quer que seja. Mas roubar... parece o próximo passo natural para ele, do jeito que
está indo.
— À sua maneira. Engravidar uma garota seria um erro, algo que ele faz
porque é jovem e se acha invencível. Roubar me faria questionar tudo sobre seu
caráter. Eu nunca mais confiaria nele.
O Sr. Durham fez uma pausa. O amassado estourou com um último ruído.
— Nada. Isso é tudo que você pode dizer, porque todas as desculpas do mundo
não mudarão o passado. E porque, francamente? Não posso desperdiçar energia
aceitando suas desculpas. Não tenho tempo para fazer você se sentir melhor
consigo mesma. — Ele toca os lábios e encolhe os ombros. — É o que é. Eu tive que
viver com as consequências. Você também.
— Por essa lógica — gaguejei, furiosa com a forma bizarramente calma que
ele aparentava, — então ninguém nunca deveria pedir desculpas por nada.
Balanço a cabeça, então não vou agita-lo em vez disso. — Que visão triste e
patética da vida.
Pela graça do que for que me enviou o presente que era aquele macarrão de
piscina (embora agora, eu esteja cética), nossa carona escorrega para o meio-fio.
Van segura a porta para mim. Seu sorriso tem toda a simpatia de uma faca
na garganta. Deixe para ele fazer até mesmo uma boa ação parecer sarcástica.
Cada minuto desde que saímos do hospital me fez questionar meu plano, mas
sei que não há outra opção.
Não, a menos que eu queira que os pesadelos gêmeos de Mau Karma e Culpa
Roendo me seguindo como uma sombra.
Ele pode perceber, como eu, que ele não tem muita escolha.
— Começando minha nova vida de sem-teto — ele fala, sem olhar para trás.
Por favor.
Por favor, se há qualquer outra forma de expiar... mostre para mim agora.
— Van — eu chamo novamente. Eu sei que ele me ouve; ele está bem ao lado
da janela do passageiro. E Eloise não é uma garota quieta.
— Entre.
— Eu estou bem.
— Você sabe que esta estrada tem quase três quilômetros, certo?
— Ah. Quer dizer, você invadiu. Isso explica por que o escritório não tem
registro de sua chegada, então. Eu consertei sua idiotice a propósito, algo sobre
uma reserva que provavelmente perderam no sistema. De nada.
— Não pedi para você enganar ninguém por mim, então não obrigado.
Isso também é familiar, Van tendo uma justificativa para tudo o que fazia,
sempre entregue com tanta confiança que você se pegava querendo acreditar, não
importa quão falha fosse. Uma vez, depois que seu pai o pegou com um pouco de
cerveja atrás do celeiro, Van fez um discurso tão convincente na mesa de jantar
sobre como era mais seguro para um adolescente experimentar álcool em uma
fazenda ampla e aberta do que nas agitações da cidade de Nova York que até
Howard começou a concordar.
O Sr. Durham ainda o puniu, é claro, mas apenas por uma semana. Talvez o
pequeno discurso de Van tenha funcionado com ele também.
Então agora, quando ele termina apontando que a diária do acampamento é
de vinte e quatro horas, e ele só ficaria na trilha por cerca de seis, o escritório
realmente deveria oferecer descontos para coisas assim... Eu me odeio por acenar
com a cabeça e dizer a ele que faz sentido.
— Me entregue, então.
Nada disso, na verdade. Durante anos, sonhei acordada sobre como seria, se
e quando encontrasse com ele novamente.
Tentei esperar por isso. Centenas de vezes, eu lembrei que ele me odiava. Nas
poucas vezes que entrei em contato nas redes sociais, fui bloqueada. Quando fiz
amizade com seus primos Wes e Theo, passamos duas horas relembrando sobre a
visita deles ao rancho naquele verão. Eles de repente ficaram em silêncio, então
me tiraram da lista de amigos.
Não foi preciso muita inteligência para descobrir o que aconteceu, eles
mencionaram para Van, ele pirou, e os instintos de Durham entraram em ação.
Eu não era nada para eles agora, porque não era nada para ele.
Eu sabia que nunca mais teria meu protetor. E eu estava bem com isso.
— Oh não, você precisa se ajoelhar, pedir a bênção do meu pai, tudo isso.
— Van, eu estou falando sério. Olhe para mim. — Ele encolhe os ombros fora
do meu alcance quando agarro seu cotovelo, mas para e se vira. — Eu acredito
em... em equilíbrio. Carma, mas mais autodirigido.
— Estou tentando explicar... Ok. — Outra respiração. Tudo isso faz todo o
sentido na minha cabeça, mas nunca tive que expressar em voz alta. Seria difícil
com qualquer um, mas especialmente com ele.
— Quando você faz algo bom, o universo ou Deus ou carma, seja o que for, o
devolve a você. Certo?
Meu olhar viaja do seu para o lago, onde seu para-choque traseiro agora é
visível.
— Se você fizer algo errado, você precisa expiar. — Minha terceira respiração
profunda, como se acabasse de emergir daquela água escura novamente. — Não
posso te devolver em dinheiro vivo, pelo menos não agora. Mas posso levá-lo aonde
você precisa ir.
— Seus uploads não são consistentes, você não posta quase nada no
Instagram, você não está no TikTok afinal...
— Você realmente acha que suas pequenas dicas e truques vão funcionar para
mim? Sou um atleta. Eu nem sei como diabos chamar você.
— Eu... sei muitas coisas. — Quando seu revirar de olhos termina (leva vários
segundos), acrescento seriamente: — Sim, não sou um atleta. Não sei virtualmente
nada sobre skatismo. Mas sei uma ou duas coisas sobre como ganhar seguidores. A
saber, o fato de que, se você tiver um número suficiente deles, os patrocinadores o
procuram.
— Eu sei por que você perdeu seus primeiros patrocinadores. Você tem uma
reputação.
Talvez parte dele realmente queira. Isso explicaria seus pequenos discursos
convincentes e sua capacidade de não se preocupar com o que quer que esteja
acontecendo ao seu redor.
Mas eu sei o que o mata mais... é que isso não o está matando.
Uau, há um eufemismo.
Um barulho horrível enche o ar enquanto o guincho estica, depositando o
cadáver de sua antiga vida bem na nossa frente.
A equipe começa a soltar tudo, se preparando para sair para que o caminhão
de reboque possa entrar e levar essa bagunça embora.
— Resolveu?
— Não estive realmente na estrada por tempo suficiente para descobrir, mas
não. Acontece que odeio a natureza, a menos que esteja no meu skate.
— Eu amo a natureza.
Meu sorriso e minha risada silenciosa pelo nariz são o maior risco de
todos. Van parece odiar me ver feliz.
— Então você está dizendo que eu deveria jogar esses antibióticos do outro
lado do lago e deixar a Mãe Natureza prevenir a pneumonia?
19 Zimbro de verão
— Estou dizendo que mesmo você, o grande Sullivan Durham-Andresco, não
é imune aos poderes transformadores da natureza. — Estendo meu braço na nossa
frente e envolvo nossos dois veículos. Ambas as nossas casas.
Era meu Transit que eu queria que ele se concentrasse. A segunda parte de
sua transformação.
Sim, pode ser um castigo infernal carregar esse pirralho com um enorme
complexo de semideus por onde ele precisa ir. Mas consertará as coisas.
Não apenas pelo que eu acidentalmente fiz com ele ontem, mas por tudo que
eu conscientemente fiz com ele antes.
— Eu te levo.
— O tanto que você queira. Até estarmos quites. — Sem pensar, bato um
mosquito em seu braço. Ele não reage.
— Você realmente quer me guiar por toda a criação, durante todo o verão —
ele diz sem rodeios, se abaixando para ficarmos cara a cara, — apenas para me
provar que você sente muito?
Isso não é familiar, encarar seu olhar, em vez de ficar embaixo dele.
— Você disse que desculpas não valem nada, então de que outra forma eu
poderia provar isso?
Van ri, um som repentino de sua garganta que eu sei que ele quer que eu
interprete como um insulto.
Mas é tão genuíno, tão estranhamente aliviado... não consigo nem ficar
chateada com isso.
Eu bato no capô do meu Sprinter uma última vez e balanço minha cabeça
para o motorista do caminhão de reboque. — Não adianta.
Quando ela finalmente sai, ofegante e pingando com o resto da água do lago,
eu aceno com a cabeça para a capa que ela fez com o lençol encharcado que uma
vez enfeitou meu colchão.
— Sim — ela diz séria, e levanta o saco sobre o ombro no estilo de Papai Noel,
caminhando para seu veículo. Fico feliz em vê-la tão otimista com essa
destruição. Eu a vejo ir como se fosse um show privado.
Droga, essa será uma longa viagem.
Não sei o que é mais forte, meu pavor de suportar aquela merda de fada
hippie até a casa de verão do tio Gil... ou o desejo de fazer coisas com ela que o
velho Van cão de guarda nunca sonharia em fazer.
Tudo bem: ele sonhou algumas vezes. Muito, na verdade. Mas mantê-la
segura sempre superou isso.
Agora? Van cão está tão morto quanto minha van real, e não tenho essa
prioridade.
Então pare de pensar com seu pau. Esse pensamento pode muito bem ser a
voz do papai em um gravador, ele me disse isso tantas vezes.
O cara do reboque pergunta meu endereço. Digo a ele que agora está
amarrado à traseira de sua caminhonete, pronto para ser esmagado em um cubo.
— Oh. — Duh. Como a maioria das coisas na vida, tudo se resume a dinheiro.
Olho para o veículo de Juniper. Ela pode tratá-lo como uma casa, mas duvido
que o correio faça.
— Droga. Banheiro e tudo mais. Mas por que a pia na parte de trás do tanque
do vaso sanitário está assim?
Alheia à física básica, ou ao fato de eu não a querer contra mim (meu pau
quer, mas acho que deixamos bem claro que não é mais permitido tomar decisões),
ela se coloca entre a porta do banheiro e o meu quadril.
— Tenho um tanque com água limpa para a torneira para que você possa
lavar as mãos, escovar os dentes, o que for. E uma vez usado, isso é chamado de
água cinza. A maioria das pessoas coleta em seu próprio tanque e joga fora, mas
eu decidi que faria mais sentido ir para o banheiro.
— Uau.
— Não, eu quis dizer, uau, isso é um monte de palavras quando você poderia
ter dito, A pia abastece o banheiro.
— Não fomos todos dotados de sua brevidade — suspira, deslizando para trás
de mim novamente.
Eu olho o resto. Além de ser maior do que o que eu tinha, ela fez melhor uso
do espaço, armários para combinar com o revestimento branco, armário
personalizado sob sua cama, bancos giratórios, e uma pequena cozinha em frente
ao banheiro. Tem até uma cadeirinha de rede esquisita no canto, atrás do banco
do motorista.
Até você?
Eu aceno e brinco com a Canon enquanto ela vasculha o frigobar. Assim que
aponto para o teto, eu recuo. Como eu perdi todas essas malditas Fairy Lights
quando entrei?
— Sim — ela diz com orgulho, sem saber que eu estava zombando dela, e
apenas se referindo às luzes. — Quer dizer, eu tinha uma empresa que fazia os
armários e o encanamento, mas os planos, a decoração e todo esse
revestimento? Fui eu.
— Não muito, considerando que vivi lá cerca de cinco anos. — Pensando por
um momento, ela encolhe os ombros. — Dezenove no total, eu acho? Transit
incluído.
— E... aqui.
Olho para baixo ela espalhou o lixo que pegou do meu carro, na frente de um
cubículo que abriga uma combinação de lavadora e secadora. Graças a um filho da
puta ainda mais poderoso e onisciente, terei acesso a um deles agora. Tenho lavado
todas as minhas roupas em um balde como uma mulher desbravadora. Exceto que
eu realmente sou péssimo nisso.
— O que? — Aproximo as coisas que ela agarrou, quatro fivelas de cinto que
não interessam muito, dois pentes e um boneco de Power Rangers que costumava
pendurar no retrovisor. — Você pegou minha porcaria alagada?
— Estou lavando suas roupas. — Rindo, ela bate os nós dos dedos na porta
da máquina de lavar e secar.
— Quero dizer, nem todas. Muitas flutuaram para dentro do lago quando
estávamos mergulhando e pegando coisas. Mas entre o que conseguimos, as que
eu encontrei agora, e essas, — ela acena com a cabeça para a minha roupa atual,
— pelo menos você não precisa correr pelado.
— Sorte sua — murmuro, porque acho que minha virilha também é
responsável por noventa e cinco por cento das minhas piadas.
Enquanto ela cora e se ocupa com alguma outra tarefa, procuro a última parte
e sorrio.
— Discutível.
Através de seu cabelo, seu olhar encontra o meu. — Aposto que você está feliz
que salvei suas roupas. Você ia apenas deixá-las serem arrastadas para o ferro-
velho.
— Isso foi antes de saber que o serviço de lavanderia estava incluído neste
negócio. — Eu bato no topo da máquina de lavar e me levanto. — Estou feliz,
entretanto. Tenho algumas camisetas decentes que eu teria perdido. Esta polo não
é exatamente meu estilo.
Estou prestes a resmungar, obrigado, quando algo mais que ela disse é
registrado também. — Você mergulhou no lago comigo? Quando eu estava
tentando salvar as coisas do carro?
E enquanto estou ouvindo tão bem, o resto dos meus sentidos decidem se
comportar, em vez de cobiçar o local onde seus shorts desaparecem, ou o decote
que eu simplesmente não posso acreditar que estava sob aquelas roupas antigas e
estranhas que ela usava quando nós a encontramos, eu fico olhando para seu pulso.
— Eles admitiram você. — Eu largo a água e puxo seu braço mais perto. Não
é forte, mas rápido o suficiente para assustá-la. Ela quase derrama sua água.
— Havia?
— Não. — Perturbada, ela explica: — Devo ter tossido tudo, se é que havia.
— Quando?
Seu braço fica tenso no meu aperto, mas ela não se afasta.
— Van.
— Quando, Juniper?
Olho para cima a tempo de vê-la em choque por usar seu nome verdadeiro,
então eu reviro os olhos reservadamente quando ela diz: — Juni. E quanto à
quando... foi logo depois que tirei você da água.
Seu rubor retorna. — Não é grande coisa. Qualquer um teria feito a mesma
coisa.
— É um grande negócio. — Eu a solto, mas ela deixa seu braço pairando entre
nós. — Porque isso significa que já estamos quites. Você não me deve nada.
NOVE
— Eu devo — insisto, pelo menos pela vigésima vez desde que deixamos o
lago.
De acordo com meu GPS, chegaremos aos Hamptons após dezenove horas de
viagem. Os primeiros dez minutos já são um inferno moderado, dado que Van
parece prestes a saltar a cada sinal de trânsito.
Van suga algo de seus molares e olha pelo para-brisa. — Você nem estava
consciente.
Eu gostei mais do iPod. Ele o preencheu com Janis Joplin para mim, quando
eu escorreguei e disse que ela era minha artista favorita – que minha mãe e eu
costumávamos ouvi-la sempre que podíamos.
— Você deve se lembrar de sua mãe se você se lembra de ouvir música com
ela — ele instruiu durante o jantar naquela noite. — Qual era o nome dela? Como
ela é? Podemos contratar um D.P 20ou algo assim, rastreá-la.
A verdade era que eu não sabia o que D.P significava, mas sabia que
encontrá-la não era uma opção. Ainda não.
— Van, — seu pai repreendeu quando fingi uma dor de cabeça repentina e
saí da sala de jantar. Eu me encolhi na escada para escutar. — Eu sei que você
está apenas tentando ajudar, mas você não pode bombardeá-la assim.
20 Detetive Particular.
— A assistente social dela está organizando uma psicoterapia. Deixe isso
para os especialistas, certo? Nosso trabalho não é estimular, é fazê-la se sentir
segura aqui.
Isso, eu já sabia, era a única coisa que ele poderia dizer para fazer Van recuar,
mesmo que o efeito fosse temporário. Faça ela se sentir segura.
Isso era tudo que Van sempre quis para mim, manter-me feliz e
segura. Manter-me com ele.
— O que quer que esteja quebrado em mim todo esse tempo... Não sei como,
mas você está consertando. — Foi uma bela confissão de gratidão.
Foi a principal razão pela qual eu parti. Eu sabia que não poderia ser quem
ele precisava; eu estava cansada de me esforçar para me encaixar nas definições
dos outros de quem eu era, torcendo e me moldando para caber em suas caixas.
Por mais que eu amasse o rancho, e por mais perfeita que uma nova vida
parecesse... eu sabia que era muito próxima, literal e figurativamente, da minha
antiga. Eu precisava ir mais longe e precisava ir sozinha.
Mas isso não significava que meu coração não estava se partindo, a cada
último passo do caminho.
— Seu pai me disse que foi ideia sua ele me criar — acrescento agora,
forçando minha voz a sair do sussurro. — E foi você quem me ensinou sobre
computadores e telefones celulares...
— E dirigir.
Eu sorrio. Ele não quer, mas tenho a sensação de que ele está fazendo isso de
uma maneira que não consigo ver.
Tivemos apenas uma aula quando Van convenceu Howard a nos deixar ir até
a loja de suprimentos agrícolas em seu jipe.
— Não que eu não aprecie o sentimento dramático — Van diz, — mas ensinar
você a ser uma pessoa normal não foi salvar sua vida.
— Sim, foi. Não estou sendo dramática. Eu falo realmente sério. Se você não
tivesse me preparado para o mundo real, eu nunca teria conseguido depois de
partir.
— O que — ele diz, sua voz glacial, — você nunca teve que fazer. Você poderia
ter ficado. Queríamos que você ficasse.
Estou sem palavras, mas não porque isso me surpreenda. Nunca foi um
segredo que os Durhams esperavam que eu permanecesse até os dezoito anos, se
não mais. Van costumava se referir à sua escola particular em Nova York como
nossa escola, e uma vez mencionou que íamos para a faculdade juntos. Seu pai
perguntou, repetidamente, se eu estava animada com nosso retorno à cidade
quando o verão terminasse.
— E não tive que persuadir papai muito sobre aceitar você, — Van adiciona
de repente, quando eu pego nossa primeira saída.
— Ele sempre teve um coração mole.
Mas não me atrevo a dizer isso em voz alta, porque sei o motivo.
Não foi um desastre completo, ele discutiu comigo sobre minha seleção de
músicas, mas acabou cedendo a um podcast policial que eu havia salvado no meu
iPod.
Ele perguntou se era o mesmo que seu pai comprou para mim.
Não falamos por horas depois disso, até eu deixar escapar que estava com
fome. Em resposta, ele apontou para a primeira saída com comida.
Mas agora que estamos presos em uma cabine frente a frente, sem paisagens
zumbindo e histórias de crime para nos distrair, a tensão é insuportável. Eu diria
que é como se um interruptor fosse acionado, mas talvez eu simplesmente tenha
ignorado seus olhares laterais, sarcasmo e ódio fervilhante nas primeiras horas.
Ou talvez ele possa enterrá-los, de vez em quando. Ele é bom nisso – ficar
entorpecido. Muita prática.
Eu fiquei na água; Van tem café. A garçonete perguntou como ele queria e
riu quando ele disse: — Quente pra caralho, senhora.
Ele começa, de fato, a beber assim que o pega, sem creme ou tempo para
esfriar. Dói minha garganta só de assistir, mas ele me encara por cima da borda
com uma casualidade inabalável.
A caneca está meio vazia quando ele a pousa. Ele puxa a gola da camisa sobre
o rosto e arrota.
Assim que molho meus lábios para tentar um pouco mais de conversa fiada,
ele puxa seu telefone e o encara até a nossa comida chegar.
Você não precisa conversar com ele, lembro a mim mesma. Eu nem preciso me
dar bem com ele.
Van está cavando direto em sua refeição, sem contato visual, mas ainda me
contorço como se ele me tivesse sob uma lâmpada de interrogatório.
— Você deixou tudo o que nós demos para você. — Sua faca range no prato
enquanto ele esfaqueia seu bife. Ele o pediu mal passado. Eu observo até que ele
chegue ao meio e um rio fino e rosa fique muito perto de suas batatas. — Mas não
isso.
Ele olha para cima e coloca os dedos atrás da orelha, inclinando-se sobre a
mesa. — Hmm? O que?
— Se eu não fico envergonhado de ser visto com uma ladra, não há razão para
você ficar envergonhada com meu tom de voz.
Van volta para seu lado da cabine e recomeça a devorar sua comida como o
carnívoro que é. Não apenas o que ele come, mas como ele come. Rangendo os
dentes, rangendo como pedras com a boca fechada. Uma besta que não se preocupa
com nada além de devorar sua presa.
A diferença é que ele está quase em silêncio e estranhamente composto. Eles
dizem que ele tem problemas de raiva, mas eu digo que é seu rosto que é o
problema. Você nunca pode dizer o que ele realmente está sentindo, ou se ele sente
alguma coisa.
Assim que ele termina, ele joga uma de suas notas úmidas de 20 no centro
exato da mesa, olha rapidamente para mim e sai.
Vejo suas costas pela janela, aqueles ombros de mármore destacados pelo
néon vermelho piscando da placa de Aberto da lanchonete.
— Bem. — Eu termino o café que Van deixou. Seu amargor amplifica a dor
na minha garganta.
Então ele pensa que sou uma ladra. Nada de novo aí.
Grande negócio.
— Que coisa?
Seu olhar pousa em Van novamente, que anda lentamente na frente do vidro
com seu cigarro. Cada nuvem que ele exala pega o néon, como uma tempestade
elétrica sobre sua cabeça.
Lentamente, quando ela toca meu braço, percebo.
— Oh! Oh, não, ele não é meu... Não é assim. Ele não está me machucando,
ou algo assim.
— Acredite ou não, eu que meio que o arrastei nesta viagem. — A risada que
dou é além de patética, como gatinhos choramingando durante o sono.
Com um sorriso plástico, substituo o dinheiro de Van pelo meu e digo a ela
para ficar com o troco. Ela é lenta para se mover enquanto deslizo da cabine, mas
finalmente dá um passo para o lado.
— Desculpe, não gosto de supor — ela diz, relaxada agora, — mas odiaria
ignorar um incêndio quando acho que estou sentindo cheiro de fumaça.
Assegurando-lhe que aprecio a ajuda, mas que não, sério, está tudo bem, pego
minha bolsa e as chaves da Transit e vou para as portas.
— O que? — pergunto, recuando, até lembrar que estou tentando não fazer
isso perto dele. Os hábitos nervosos que eu quase deixei para sempre voltam com
muita facilidade em torno dele.
— Chaves — ele diz novamente. — Vou dirigir por um tempo. É por isso que
pedi café.
— Jesus. Claro que você nomeou. Olha, eu sempre dirigi à noite. Eu gosto. E
já que não posso mais fazer isso, graças a alguém jogando meu carro em um lago...
Ele desliza na minha frente antes que eu possa abrir a porta do passageiro,
minha mão parada na parede de tijolos de seu peito. Eu recuo rápido, mas não
antes que ele ouça o suspiro que dou.
— Você vai aprender muito rápido — sussurra, abaixando a boca muito perto
do meu ouvido, —que é mais fácil simplesmente me dar o que eu quero.
O sangue lateja em meus ouvidos. Seu cheiro me faz querer encolher e ficar
mais alta ao mesmo tempo.
— Eles dizem isso sobre criar filhos pequenos, sabe. — Minha coluna se
endireita. Não consigo controlar meu pulso, mas consigo parecer calma quando
retorno aquele olhar frio e azul. — É mais fácil ceder. Mas é isso que os transforma
em pirralhos mimados.
Ele está certo sobre uma coisa, aprendi algo muito rápido. Agora mesmo, na
verdade.
Tranquilos olhos azuis ainda podem atirar adagas. Músculos que mexem com
a mente e cheiros extremamente viciantes são distrações, semelhantes às
pequenas iscas para os peixes que os pescadores atraem suas presas.
Mesmo nossos breves momentos de civilidade não são reais. Eles são pausas
em qualquer jogo que ele esteja jogando comigo. Seu objetivo – fazer-me sofrer. Ele
ganha enquanto eu perco.
Posso recusar aqueles olhos frios e penetrantes que me atraem como águas
calmas, depois me puxam para baixo como a correnteza que realmente são. Posso
ficar ereta quando ele tenta me fazer encolher, por nenhuma outra razão além de
aumentar seu ego.
Graças a Deus, ao universo e a tudo o mais lá em cima por esse lembrete tão
necessário.
— Vá dormir. —Eu simplesmente tenho dito isso nas últimas duas horas.
— Aw, fofo. Você acha que estou mandando você dormir porque, na verdade,
me importo se você está cansada.
Aperto Enter em seu aparelho de som, depois Scan. Aquele podcast que ela
colocou era realmente muito bom, mas estou cansado de ouvir qualquer coisa que
sai daquele maldito iPod. O único presente que ela considerou importante o
suficiente para levar com ela.
— Quero ficar sozinho. E uma vez que não há quartos, mandá-la para a cama
é a segunda melhor coisa. — Cegamente, estendo a mão e giro sua cadeira em
direção a cama. — Vá.
Sua mão se agita na escuridão, que os faróis mal conseguem cortar. Não é
nebuloso; as lâmpadas são tão fracas. — Não confio em você para dirigir sozinho a
noite inteira, porque você está acelerando desde que pegamos a rodovia. Este é um
veículo antigo, Van, não consegue lidar com velocidades máximas por quilômetros
a fio. Você tem que mimá-la.
— Não mais.
— Hã. Devo presumir que é pelo mesmo motivo que você não acredita mais
em desculpas?
— Nós dois sabemos que você não me contará — ela diz, depois de um
segundo.
— Então? Nós dois sabemos que você também não me contará. — Levo meu
polegar atrás de mim. — Sério, vá dormir um pouco. Trocaremos quando você
acordar.
— Tudo bem — ela boceja em seu cotovelo. Ignoro o fato de que ela apoia a
mão no meu ombro, não no meu assento, quando ela se levanta. — Não bata meu
carro.
Não que ela acreditasse nisso se eu contasse, mas estou feliz. Este mundo é
horrível pra caralho, e ser capaz de escapar disso por seis a oito horas de
inconsciência todas as noites é a única graça que eu acho que existe. Juniper
merece muita merda pelo que ela fez para nós, mas mesmo ela não merece perder
isso.
Inclinando o retrovisor para ela, estudo a maneira como ela dorme agora.
Agora? Tente apenas perdê-la de vista. Sua cabeça está apoiada na beira do
colchão, um braço jogado para o lado e balançando com o movimento do
Transit. Suas pernas estão abertas, uma na metade do caminho até a porta dos
fundos e a outra reta, o calcanhar apoiado na parede. É uma coisa boa ela dormir
com a cabeça embaixo da prateleira de equipamentos, caso contrário ela chutaria
todos aqueles eletrônicos em golpes de judô.
Mais do que qualquer outra coisa... Percebo como ela finalmente parece
calma.
Seja lá do que ela fugiu, acho que foi longe o suficiente para se sentir segura.
Meu ego ainda está machucado por não poder estar comigo, mas atribuo isso
a odiar o fracasso. Mamãe sempre me disse que eu tinha uma determinação
tacanha, herdada do Vô Andresco. Assim que decidia que faria algo, era
isso. Nenhum outro resultado era bom o suficiente.
Por mais doce que fosse a interpretação de mamãe, decidi que papai foi mais
direto, eu não era simplesmente tão determinado. Eu era muito burro.
Duro, mas o homem estava certo. Conforme fui ficando mais velho, minhas
detenções e suspensões citaram a mesma velha porcaria, desde vandalizar
propriedades da escola com pornografia e pichação, até incitar o caos em
assembleias com ponteiros de laser e reclamações antiquadas.
E essas eram as coisas leves. Perdi a conta de quantas lutas comecei, quantas
carteiras virei ou empurrei quando um professor me irritou. Provavelmente é por
isso que fui colocado em escolas particulares. Papai teve que pagar às pessoas para
me deixarem ultrapassar seus limites.
Mesmo em casa, minhas ofensas eram consistentes e previsíveis, beber
furtivamente nos mesmos lugares com as mesmas crianças, mentir com as mesmas
desculpas horríveis.
Acho que foi isso que deixou meu pai mais furioso, na verdade – que eu estava
reciclando material. Se eu ia preocupá-lo até a morte prematura, o mínimo que eu
poderia fazer era tornar isso interessante.
Não importa que eu saiba que é tudo falso agora. Ou que, mesmo que fosse
real, eu honestamente não quero mais isso.
Eu queria isso mais do que meu próprio batimento cardíaco, uma vez.
Às vezes, a única razão pela qual busco qualquer coisa é para provar que
posso, porque eu queria antes e não consegui.
Mas ainda sou tão estúpido que repetirei meus erros cem vezes e não
aprenderei uma única lição. Não importa quantas vezes eu sinta aquele choque,
me avisando para desistir enquanto estou ganhando.
Você não a quer, digo a mim mesmo. Bato no retrovisor para que tudo que eu
possa ver é o teto.
— Hey, Fairy Lights! Coloque sua cabeça aqui, um segundo. Talvez você
possa me esclarecer.
A janela acima do chuveiro externo se abre. Seu rosto, uma escova de dentes
empurrada contra sua bochecha, emerge.
Sem olhar, eu estendo a mão e balanço a ponta de sua escova de dentes. Ela
engasga.
— Não. — Ela desaparece para cuspir e depois retorna. — Tudo o que essa
alça faz é ditar se a água está ligada ou desligada.
— Uau, essa é a mais leve sugestão de um sorriso que eu detectei? Você está
se aquecendo para mim?
Isso é duas vezes em vinte e quatro horas que ela me fez sorrir.
Talvez mais.
De qualquer forma, eu não aguento. A última coisa que preciso é que ela
pense que somos amigos.
Até agora, a viagem correu bem em comparação com o que eu esperava. Tipo,
nenhum de nós matou o outro ainda e jogou o corpo pedaço por pedaço em várias
lixeiras em todo o estado.
Mas ainda tem sido uma manhã difícil, começando com sua rotina de yoga
absurdamente precoce em algumas gramas altas e oscilantes que tenho certeza
que pareciam hashtag: metas no Instagram, mas na vida real não era nada além
do lote abandonado dos Hardees, aonde chegamos para o café da manhã.
— Você é uma fraude — eu ri, quando li a legenda que ela postou com seu
vídeo. — Outro lindo pequeno pedaço da América.
— Olhe para todo esse concreto e aço que os humanos erguem, e mesmo assim
a natureza ainda encontrou uma maneira de entrar sorrateiramente. É lindo,
mesmo que esteja cercado por algo feio. Talvez até mais por causa disso.
— Como o quê?
Como agora, quando ela permanece na janela, e a luz do sol brilha em seus
olhos enquanto ela observa eu me fortalecer sob a rajada de água fria.
Eu gostaria que ela ainda tivesse sua escova de dente, para que eu pudesse
puxá-la novamente. Julgue-me se for preciso, mas gostei do som dela engasgando.
— Juni.
Ela tem sorte de eu chamá-la de qualquer coisa, então não gosto que ela tenha
coragem de continuar me corrigindo. A velha Juniper nunca teria feito isso.
Meu melhor curso de ação seria aceitar seu passeio de equilíbrio cármico e
outros dons de culpa sem falar uma única palavra com ela, mas ela tem um jeito
de me enganar e me fazer falar. Acho que é persistência ingênua.
Enquanto Juniper dirige, eu durmo. No segundo que me deito, sinto que ela
está me olhando pelo retrovisor e faz um grande show de revirar para encarar as
portas traseiras.
O cheiro dela gruda em mim, toda vez que me viro. Minha ereção estica
contra o centro da minha boxer até que eu finjo me esticar para que possa mudá-
la para minha coxa.
Então meu cérebro, esse bastardo impulsivo e imprudente, vai longe demais.
Cães são assim – só querem um osso porque outro cão o pegou primeiro.
Através do nevoeiro, reconheço o objeto que ela levanta para mim, meu skate
favorito, cheirando a desinfetante de limão. Ela deve tê-lo esfregado por vinte
minutos direto, porque não apenas perdeu o fedor do Lago Linon; ele brilha como
novo.
Sim, acho que sim. Mas não quero. Vê-la sorrir e corar não é bom para mim.
— Deve haver uma boa trilha aqui, segundo a internet — diz ela. — Achei
que poderíamos conseguir algumas filmagens para o seu canal, depois postar
algumas capturas no seu Instagram.
Quero corrigir o uso de nós novamente, mas não posso.
Os outros noventa e sete por cento odeiam que eu realmente tenha que me
preocupar com essa merda agora.
— A natureza não é tão ruim, hein? — ela pergunta, dando um passo para
me dar uma cotovelada.
A trilha é bem montada, com uma trilha reta logo ao lado. Examino enquanto
caminhamos e noto as curvas e saltos calculados, cada pedaço de superfície
otimizado. Para cada centímetro que andarmos, eu estarei correndo quatro vezes
mais que no skate.
No topo, ela se pendura na trilha enquanto eu corro para a trilha. Não é tão
larga quanto eu gostaria, mas a adrenalina ainda corre em minhas veias no
segundo que eu me preparo e subo no skate.
Em vez de empregar minha usual visão parcial, vejo a cena como ela é. Vento
fácil. Céu sem fim.
Bonito e imundo.
O início é difícil; minha panturrilha ainda está dolorida de ontem, então meu
lançamento não está tão firme quanto eu gostaria. Mas assim que eu ganho um
pouco de terreno, alguma velocidade... Estou tão longe do meu elemento que você
não conseguiria me arrancar com um pé de cabra.
Respire. Vá.
O vento para. O próprio tempo para, ou pelo menos diminui muito, muito.
Tenho meu coração batendo forte no céu da boca e meu estômago preso no
meu peito. O brilho do sol leva tudo abaixo e ofusca uma memória desbotada
enquanto puxo o skate para cima e agarro a parte de baixo para um pouco mais de
velocidade.
Faço uma parada limpa e deixo escapar um ruído rouco e surpreso que ecoa
encosta abaixo, enquanto minha poeira assenta atrás de mim.
Viro minha cabeça para a direita e a vejo sentada no final da trilha, a câmera
ainda apontada para mim.
— Que porra é essa? — Pego meu inalador por baixo da minha camisa e
arrumo meus pulmões enquanto olho para a trilha novamente.
— Da mesma forma que você — diz ela, e passa rapidamente pela questão
para me mostrar.
Sua corrida final é a melhor, pelo menos para mim. Ele executa uma curva
(mais tarde sou informada, com um longo revirar de olhos, que se chama aéreo)
que o coloca diretamente contra o sol. Na câmera, parece um eclipse.
Ele enxuga o rosto com a camisa enquanto descemos a trilha. Mantenho meus
olhos na tela da câmera entre nós, e não em seu brilhante abdômen. Ou ossos do
quadril esculpidos. Até seu umbigo me faz pensar coisas que não deveria.
— Ainda assim — ele acrescenta, — você não sabe como andar nele.
— Por isso, eu sentei nele. Eu sabia que não devia ficar em pé.
— Teríamos um vídeo bem fraco, se você fizesse. — Van pega o skate debaixo
do meu braço e o coloca no chão. — Aqui, vamos.
— Sem chance.
— Já sei que não posso. Não sou uma atleta, Van, lembra?
Ignorando-me, ele pega a câmera da minha outra mão e o cantil de água que
eu havia enrolado no pescoço. Afasto o olhar enquanto ele bebe. A luz do início da
tarde atinge seu pomo de adão de um ângulo perfeito demais.
— Eu vi o que você pode fazer, Fairy Lights — ele respira, abaixando o cantil
e enxugando a testa com o pulso. — Parte dessa Yoga é merda do Cirque du
Soleil. Se você conseguir se equilibra fazendo isso, pode lidar com um skate por
alguns metros.
O calor deve estar me afetando. Todo aquele suor e sujeira nele estão me
fazendo esquecer o que está por baixo.
Van coloca seu material no chão e amarra meus pés. — Tudo bem — ele diz,
— apenas se incline com o skate; não lute contra o terreno. É um caminho suave,
sim, mas ainda há quedas e picos, assim como uma trilha real, e seu instinto será
super compensá-los. Não faça isso.
Seja o que for que isso acarrete, eu obviamente não o faço corretamente.
Van corre atrás de mim, rindo enquanto desfaz a amarração em volta dos
meus pés. — Nada mal para uma iniciante. Vamos trabalhar nisso.
Ele congela, nós dois olhando enquanto a ponta dos meus dedos segue até
seus cotovelos internos, onde a tinta acaba.
— Minhas orelhas são furadas, se isso conta. — Foi uma das primeiras coisas
que fiz ao deixar o rancho. Aquelas pequenas tachas de prata brilharam no espelho
do quiosque do shopping como dois faróis à distância. Muito pequena para ser útil,
mas apenas o suficiente para me garantir que eu ia na direção certa.
— Seu corpo é um templo. Nunca o danifique com as bugigangas e manchas
deste mundo.
Eu concordo.
Na minha sétima noite no rancho, ele me disse que sua mãe costumava
escrever mensagens para ele. Às vezes, eram piadas bobas quando ele estava
triste; na maioria das vezes, eram anúncios de que o jantar estava pronto ou
apenas lembretes de que ela o amava. Ela ficava na porta de seu quarto, ele disse,
e os levava para onde quer que ele estivesse, o beliche de cima de sua cama, sua
mesa.
Eu confessei que nunca havia ouvido essa música, e seu rosto se iluminou
quando a adicionou ao meu iPod, pegou um fone de ouvido para si e colocou o outro
no meu. Ouvimos repetidamente até que adormeci no sofá, inclinando-me
diretamente para ele.
— São todos difíceis. — Ele puxa o joelho para cima do estribo e apoia o braço
nele, então estremece, lembrando-se do arranhão. Pego o kit de primeiros socorros
e limpo a ferida enquanto parece que o tortura me deixar.
— Pura coincidência.
— Nada disso.
Van bufa pelo nariz e me observa aplicar a bandagem que ambos sabemos
que ele vai tirar em poucos minutos. — Perdi meus patrocinadores, lembra? Essa
viagem é apenas isso.
— Hum o quê?
— Aqui está um maldito primeiro. — Van desliza a porta central para fechá-
la, bem na minha cara.
Espero ele se jogar no banco do passageiro antes de subir. — Você não precisa
responder a tudo com raiva, sabe.
— Você não tem que dissecar meu cérebro como se realmente tivesse alguma
ideia do que está fazendo. — Ele aperta o botão Liga/Desliga do rádio. Enche o
carro com um comercial de loja de móveis. — Nem tudo está conectado neste
grande círculo da vida, certo?
A forma como seus membros ficam tensos, espero outra explosão. Van não
estava brincando com aquela avaliação de personalidade desagradável que,
presumo, veio de alguma pobre alma encarregada de abandoná-lo como favorecido,
quando ele fica assim, tudo nele bate em você como um vento do deserto.
Quilômetros se esticam atrás de nós antes dele falar. — Quer dizer... eu acho
que é possível, quando você explica assim. — Rapidamente, ele acrescenta: — Mas
a maneira como você disse foi irritante. Você tem que parar com esse tom sabe-
tudo. Você não está na minha cabeça.
Graças a Deus por isso. Eu sei que é uma bagunça absoluta lá.
Fico olhando a mensagem por mais tempo do que o necessário, está bem claro.
Wes não espera minha resposta. Sua próxima mensagem me informa que não
é um cheque, mas uma carta de uma página.
Digo não a Wes, apenas que leve a carta com o resto da minha
correspondência para os Hamptons.
Juniper retorna das compras em silêncio ninja, até que ela vê que não estou
dormindo, ela simplesmente cai na cama enviando mensagens. — Achei que você
queria tirar uma soneca.
Eu disse a ele que meu Xbox estava quebrado. Não é uma mentira, se não for
inoperável após ser ensopado no lago, será assim que o Sprinter for esmagado em
um cubo.
Não contei a meus primos sobre minha situação de viagem, ou Juniper. Eles
vão presumir em suas mentes que estamos transando, a única explicação plausível
para o porquê de eu ter concordado com esse negócio. Eu me certifiquei de que
todos que conheceram Juniper no mês em que ela morou conosco soubessem que
eu a odiava quando ela partiu. Eu não queria que ninguém sentisse pena dela.
Resumindo, não, não pensei nela em vez de cochilar, e estou muito orgulhoso
disso.
Claro, observá-la se curvar naquele short para colocar mais queijo ralado na
geladeira poderia convencer um homem de que o orgulho é totalmente inútil.
— Você tomou seu antibiótico? — Ela pega o frasco e acena para mim sem
olhar.
— Pneumonia doerá muito mais seus pulmões. — Após me passar uma dose
e um pouco de queijo, ela se levanta e pré-aquece o forno elétrico no balcão. —
Falando nisso, acho loucura você fumar quando é asmático.
— Concordo.
Bato nela levemente quando ela passa por mim. — Parei no início da minha
viagem, mas então...
— Eu ia dizer, “Mas então eu tive uma experiência de quase morte”, mas suas
palavras também são muito precisas.
Enquanto ela tempera o frango que escolheu, começo com um pouco de arroz
e brócolis cozido no vapor. Digo a mim mesmo que não é para o benefício dela, nem
mesmo por educação. Eu simplesmente sinto falta de cozinhar.
— Você está sendo muito mesquinha com esse alho — digo a ela. — Adicione
mais. E... — vasculho o armário. — ... gengibre. Aqui.
Pelo canto do olho, eu a pego reprimindo seu sorriso. — Esqueci o quanto você
adora mandar nas pessoas na cozinha.
— Todo aquele sangue argentino. Não pode ter medo do sabor. — Pego um
monte de coisas para adicionar ao arroz enquanto estou nisso. — Eu diria que essa
é a maior desvantagem de viajar, a maior parte da comida de beira de estrada é
tão sem graça.
Sua risada ecoa entre nós. É viva, completa, rica e quase barulhenta, em vez
de mantida na coleira como tudo o mais que ela faz ao meu redor.
— Eles gostam da ideia, mas a maioria nunca moraria em uma van. É como...
bem — ela ri, jogando um pouco de arroz caído do estribo, — como viver em uma
fazenda ou rancho, na verdade. Todo mundo romantiza isso. Poucos realmente
fazem isso.
Isso me faz assentir. Quando mamãe e papai compraram o rancho, todos os
seus amigos enlouqueceram, adorando a ideia de uma vida tranquila e fácil fora
da cidade. Devíamos fazer isso também! eles diziam. E, no entanto, nem um único
o fez. — É muito mais difícil do que pensei que seria — confesso. — Quer dizer, eu
fiz absolutamente o mínimo equipando o Sprinter, o que não ajudou...
—... mas ainda assim — termino, batendo em seu Powerade para que ela
babe, — a vida na estrada não tem sido o que eu esperava.
— Que viver um estilo de vida diferente equivaleria a ter uma vida diferente.
— É por isso que as pessoas pensam que querem trailers, casas minúsculas,
fazendas e cruzeiros o ano todo — digo. Meus olhos caem sobre seus pés, nus sobre
o asfalto cheio de bolhas. — Achamos que todos os nossos problemas estão em
nossas localidades, mas não estão. Estão dentro de nós. Aonde quer que vamos,
eles vão.
Juniper coloca seu prato atrás de nós e puxa os joelhos para cima, apoiando
o queixo ali. — Talvez alguns deles.
— Todos.
— No Sprinter? De jeito nenhum. Viver naquela coisa era tão difícil que
empilhou um monte de novos problemas no topo.
— Saber quais são seus problemas é diferente de saber por que você os tem.
Eu olho para trás. Uma garota agarrou o namorado com força, arrastando-o
para mais perto de nós. Juniper concorda quando eles pedem para olhar dentro.
Eles ficam muito tempo; eles até se sentam na cama e dão um salto de
teste. Eu agarro o esfregão quase forte o suficiente para perfurar minha pele. É
melhor eu não sentir o cheiro da colônia deles e me nocautear com perfume
Hollister quando eu deitar naquela cama, mais tarde.
Eles ficam quase vinte minutos, maravilhados com cada coisinha e fazendo
mil perguntas a Juniper, todas as quais ela responde com o sorriso mais doce.
— Desculpe por expulsar vocês — anuncio depois que os pratos estão lavados,
a carga está segura e minha paciência está mais fina do que água, — mas nós
temos que ir embora. Longa viagem.
— Sim. Vocês deveriam comprar uma dessas coisas. É um estilo de vida super
fácil.
Eles riem. Juniper me lança um olhar que pode ser uma repreensão.
Assim que eles vão embora, bato no banco do motorista e ligo a ignição.
— Veja — digo a ela, — esse é exatamente o tipo de merda que não suporto,
como as pessoas podem ser sem noção. Você nunca iria até a casa de um estranho
e pediria para olhar dentro, então por que fazer isso com um veículo?
— Você faria se fosse um carro clássico ou algo único — ela aponta, colocando
o cinto de segurança. — Eles estavam apenas curiosos.
— Por quê? Porque deixá-la fazer isso é mais fácil do que chamar a atenção
dela? — Sem esperar por sua resposta, abro a janela com meus controles e grito:
— Uh, tchau?!
— Isso foi muito rude, Van. O que aconteceu com o controle do seu
temperamento?
Quando volto, ela está estendida em sua cama com um livro, luzes de corda
brilhando em cima.
— Por que diabos — ela diz, virando uma página com força suficiente para
rasgá-la, — eu gostaria de ficar ao seu lado depois do que você acabou de fazer?
— E o que foi? Defendê-la porque você não aguenta para fazer isso sozinha?
Eu a sinto se aproximar, até que ela está no corredor entre os assentos. Ter
a mão dela tão perto do meu ombro, mas sem me tocar, apenas me irrita mais.
— Você diz que fez tudo isso para ter uma vida diferente. — Sua respiração
desce pelo meu pescoço. Eu o arranho em mim. — Talvez comece com uma atitude
diferente. Esse é o seu problema, Van.
Tipo, eu não posso acreditar como fui um idiota para deixar uma onça
escapar.
Espero que ela suspire com o meu desvio, mas ela se recosta e gira um pouco,
realmente considerando.
— Do que quer que você tenha fugido — digo a ela, ignorando a maneira como
cada molécula de oxigênio sai do carro ao mesmo tempo, — deve ser muito
ruim. Você estava magra, espancada, malditamente doente... E esse era apenas o
lado físico da moeda. Você nem conseguia falar corretamente, Juniper.
— Não saber uma gíria não significa que eu não pudesse falar corretamente.
Desta vez, seu silêncio não é um alívio. Eu realmente quero ouvir sua
resposta. Parte de mim pode até querer saber como ela faz isso, como diabos ela
acorda todos os dias convencida de que será um bom dia. Determinada a torná-lo
um, de qualquer maneira.
Sua voz é tensa, como uma corda puxada até que, uma a uma, as fibras
começam a se romper. Ela se levanta.
— Tivemos uma boa viagem, Van — ela disse calmamente. — Não vamos
estragar isso.
Eu abaixo meu braço para deixá-la passar. Então pego o rádio e o ligo, para
preencher o silêncio que ela me deu, em vez de uma resposta real.
Correção, o canto de uma sereia, atraindo-me para um lugar que não quero
estar. Algum lugar dentro de mim que se lembra de como foi tê-la em minha vida,
melhor do que lembrar como foi perdê-la. Isso realmente não é bom para mim, ficar
perto de alguém além dela. Os rancores começaram a desaparecer. A saudade tem
tirado o melhor de mim.
Nunca mais.
Lentamente, ela retrocede. A mão dela me solta como seda. — Pensei isso —
ela diz.
TREZE
Muito raramente tenho que dizer isso explicitamente a mim mesma. A essa
altura, a mentalidade está embutida na minha rotina matinal de Yoga e no
aproveitamento de qualquer visão que tenho.
Claro, quando essa visão inclui um rosto de pedra meio carrancudo para você
por horas a fio, é difícil obter positividade. — O quê? — eu estalo, quando Van e
eu trocamos de motorista após o café da manhã, e ele se senta no banco do
passageiro, gira para me encarar e simplesmente me encara.
Talvez ele nem esteja carrancudo. Às vezes é assim que seu rosto se parece,
como se tivesse se tornado a posição padrão. Pronto para ir sempre que precisar.
Mas também estou cansada disso, nunca saber quando o botão girará e nossa
paz inquieta se ruirá. Nosso passado compartilhado ferve sob os pés o tempo todo
como a lava que é – quente à distância, mortal de perto.
Esqueça andar sobre cascas de ovo. Esta é uma ponte de corda, queimando
um pouco mais a cada dia.
— Você disse meu nome durante o sono na noite passada. Duas vezes. — Sua
voz está muito calma; aumenta minha guarda. — Por quê?
O espaço entre minhas pernas ainda dói por causa disso, na verdade.
Muito raramente eu praguejo na vida real, acho que porque nunca tive
prática suficiente. Disseram-me que era pecado, especialmente para as mulheres,
algo que me depreciaria e marcaria minha alma. Nenhum homem me aceitaria.
Mas no meu sonho, eu sabia que essa seria a linguagem que Van entendia
melhor. Minha frustração o alimentou. Cada maldição sem fôlego e furiosa que
saiu dos meus lábios o encantou.
Ele não se importava com as marcas na minha alma, porque não era com a
minha alma que ele se importava. Porque a dele estava tão coberta agora, nem um
único raio de luz poderia brilhar.
Van é lindo. Não, Van transborda sensualidade, o tipo que parte seu coração
antes mesmo de você chegar a poucos metros dele, porque você sabe que ele está
prestes a estabelecer um padrão onde poucos outros homens podem alcançar.
Confiança irradia de cada célula. Ele até anda da maneira que os deuses
fariam, os pés mal tocam o chão, sabendo que é apenas uma questão de tempo
antes que ele volte ao céu. E ele merece essa arrogância também. Mesmo com o
pouco que sei sobre skatismo, posso dizer que Van é um dos melhores.
Eu sabia que viajar com Van me desgastaria, mas nunca esperei que ele me
esfriasse.
Sinto o raio de seu olhar novamente. Meu pulso rivaliza com o barulho do
motor.
— Desculpe-me?
— Se eu tivesse ideias, o que não tenho, não é como se você fosse inocente.
— Aperto minhas mãos no volante para não me mexer. — Eu vi como você olha
para mim, às vezes.
Uma onda de hormônios pinta o interior do meu crânio. Isso pode ser pior do
que se ele simplesmente negasse.
Porque agora eu não consigo parar de me perguntar que ideias ele tem, como
seria a sensação de ter um homem me levando, em luxúria e ódio trançados, e me
destruir em um lindo incêndio.
Limpo minha garganta e ligo o rádio. Esta conversa precisa parar. É
perigosa.
— Quando digo luxúria, não quero dizer que gostaria de foder com você.
Já ouvi esse palavrão sair da boca dele mil vezes..., mas, nesse contexto, fico
sem fôlego.
Ele tem que sentir de alguma forma o fogo entre minhas pernas, ou o trovão
do meu coração no ar.
— Mas não quero que você se sinta bem sobre isso. Quero você arrasada com
a sensação incrível de ter-me dentro de você, sabendo que posso – e irei – tirar tudo
sempre que eu quiser.
Seus olhos pousam em mim novamente. Embora não ouse olhar, sinto cada
grama de gelo dentro deles.
— Eu quero te ensinar como é quando alguém ilumina sua vida inteira como
um fogo de artifício... e depois te deixa.
Para ser justa, eu acho, eu disse a ele para escolher um e ficar com ele.
— Uau.
Van encolhe os ombros com a minha reação. — Sim, bem. A verdade dói.
Eu ri. Van me lança um olhar furioso, mas eu realmente acho isso hilário, a
mentira gigante que ele acabou de cuspir.
— Posso ter alguns hábitos nervosos de vez em quando — digo a ele, — e sim,
odeio confronto. Mas não há nada frágil em mim, e você sabe disso.
Van se mexe em seu assento. Eu gosto disso. Não é sempre que eu consigo
apontar suas merdas; ele geralmente tem um daqueles discursos persuasivos à
disposição.
Ele mesmo disse ontem à noite, do que quer que eu fugisse, deve ter sido
horrível.
Mas talvez os hábitos dele estejam me afetando, afinal, porque tudo que
consigo pensar é… como não pegar?
Ele deitar na minha cama sete anos atrás não era uma coisa sexual. Ele
nunca fez um movimento. Na verdade, ele nem mesmo colocou os braços em volta
de mim.
Não tanto que eu não pudesse estender a mão e tocá-lo, uma vez que ele
adormecia.
De todas as coisas que Van me ensinou sobre o mundo até agora, ele ainda
nem mencionou coisas como beijos, ou sexo, ou namoro. Quão diferentes eram as
regras aqui?
Mais de uma vez, tentei perguntar a ele. Mas eu estava com muito medo de
quais poderiam ser suas respostas.
Provavelmente, eu nem fiz isso direito e não poderia chamar de beijo, apenas
meus lábios passando cautelosamente sobre os dele, tempo suficiente para sentir
nossa pele encostar. Tempo suficiente para saber como ele cheirava quando
cheguei mais perto.
Recuei e jurei para mim mesma que nunca, nunca mais faria isso. Não se ele
não estivesse acordado.
Não se eu não soubesse, sem dúvida, que ele queria que eu soubesse.
Foi por isso que ele entrou na minha cama, para guardar meus sonhos. Foi
um presente.
Então eu sei o que acabei de sugerir – que ele fez isso por desejo – não é
apenas hipócrita da minha parte. É a melhor e a pior coisa que eu poderia dizer.
É o melhor por que... cara, é bom finalmente ter a vantagem, por brevemente
colocar minha própria máscara sem emoção e fazê-lo pensar que ele não significa
absolutamente nada para mim. Isso, talvez, ele nunca fez.
Pare, eu ordeno a mim mesma, enquanto ele se levanta e pisa para trás.
Observo suas costas no espelho enquanto ele pega seu telefone e o conecta
para carregar. Os músculos sob sua camisa sugerem tanto poder que sinto aquela
queimação entre minhas pernas novamente.
Eu acho, eu o quero.
— Não — ele grita por cima do ombro sem olhar, — eu disse foder. E então
deixei extremamente claro que não quero. Não da maneira que significa para
mim.
Van pode ser a única pessoa neste mundo que poderia entender essa palavra
e fazer com que significasse algo verdadeiramente íntimo.
— Meu ponto — grito de volta, engolindo em seco, — é que você não poderia
fazer isso sem ir para a cama comigo.
— Sério — ele ri sombriamente, rolando seu telefone. — Você acha que sexo
só acontece na cama? Você acha que sexo comigo só acontece na cama?
Aperto minhas coxas ainda mais fortes. Não mais, eu não acho.
Há uma batida de silêncio. Tolamente, acho que ele está prestes a retirar
suas palavras.
Ligo o rádio para que ele não possa me ouvir respirando fundo todo o caminho
além da fronteira do estado de Nova York.
QUATORZE
— Você não podia ter pedido ao seu pai uma passagem de avião ou algo assim,
em vez de dirigir? Sério, cara, eu estou tão entediado.
— Alguém já te disse que você é uma vadia mimada? Quem fica entediado em
uma incrível casa de férias bem na água, onde é livre para fazer o que quiser?
Esmago uma formiga com o polegar antes que ela suba no short e mude meu
telefone para o outro ouvido, já que o direito já está cansado dos gemidos de
Theo. Se meu pai pudesse esbanjar dinheiro como o dele, e minha infância fosse
tudo sobre luxo em vez de prudência fiscal, talvez eu não me sentisse muito
culpado de descontar os cheques que papai envia porque ele acha que eu não posso
sobreviver sozinho. Em vez disso, estou morando em um carro apenas para provar
meu ponto de vista.
— Estou apenas a cerca de... duas horas de distância, antes de tudo — digo a
ele, olhando para o relógio em uma placa de banco do outro lado da rua. Estamos
em algum bairro aleatório; Juniper fez o impossível e convenceu uma completa
estranha a deixá-la encher o tanque de água com a mangueira de jardim, em troca
de nada. Dizer a ela que a pia não funcionaria foram as primeiras palavras que
falei desde a nossa discussão esta manhã. Eu dormi, e fingi dormir, a maior parte
da tarde.
— Sim — ele suspira, ou como se soubesse que era um tiro no escuro antes
de perguntar... ou ele secretamente deseja que odiasse aceitar o dinheiro de seu
velho a metade do que eu faço com o meu.
Mas ei, todos nós temos lacunas a preencher, portanto, sem julgamento. Theo
escolheu dinheiro, Wes escolheu pílulas – e eu escolhi skatismo.
Antes que eu possa falar, sua máquina de café expresso grita ao fundo. São
seis e meia da tarde, mas Theo é basicamente noturno. Se é que ele dorme. Eu
realmente não poderia te dizer.
Uso isso como uma desculpa para dizer adeus. Mostrar a ele o detalhamento
dessa situação será muito mais fácil pessoalmente.
Além disso, não é como se Juniper tivesse que ficar em casa conosco. Ela tem
sua casa inteira, bem aqui.
Mas e daí? Ela ainda não pode me pagar em dinheiro, e eu realmente não
quero seu Transit. Até eu estou acima de levar a casa de uma garota embora. Até
mesmo a casa desta garota.
A essa altura, tudo o que quero é terminar meu plano original: viajar, andar
de skate, me recompor e conseguir alguns patrocinadores novamente. Eu odeio
admitir, mas seu pequeno equilíbrio cármico é a única opção onde nós dois
conseguimos o que queremos.
Ela ainda bate na porta para agradecer novamente à mulher, e sai com um
abraço e dois potes de manteiga de maçã caseira.
Puta merda.
— Ensine-me a jogar assim. — Abro um frasco e pego com o dedo. A mulher
acena de sua varanda, então me forço a fazer isso de volta. É uma manteiga de
maçã muito boa. — Você falou com uma estranha para deixá-la usar sua água, de
graça, e ela age como se você tivesse feito um favor a ela.
— Deus, basta se juntar a uma caravana hippie, já. — Passo o pote para
ela; ela passa o dedo mínimo pela borda para limpar a bagunça que deixei, coloca
a tampa de volta e enfia o dedo na boca. Isso me faz pensar em mil coisas que não
deveria. — Não é assim que o mundo funciona.
— O tanque cheio de água e comida grátis não são provas suficientes para
você?
Suspiro. Muitas respostas vêm à mente, mas estou cansado demais para dizê-
las.
Enquanto eu dirijo, ela toca aquele podcast policial que adora. Está meio que
me atraindo, na verdade, se por nenhuma outra razão além de colocar minha libido
em coma. Nada como descrições de membros envoltos em plástico descobertos em
galinheiros modestos para manter sua mente pura.
Não posso acreditar que fui estúpido o suficiente para admitir que eu pense
nela dessa forma. O que aconteceu com não colocar ideias na cabeça?
Sua boca torce para o lado. — Se você tem certeza que Theo não vai se
importar, então... tudo bem. Obrigada.
— Não estou fazendo isso por você. — Eu corto para a pista da esquerda,
então retrocedo quando lembro que esse gigante não consegue lidar com altas
velocidades. — Não gosto da ideia de você estar onde não posso te ver.
— O que?
— Vejo você em uma semana — digo a ela, em seguida, pego minha bolsa e
saio antes que ela possa me impedir.
— Boa maneira de ser roubado, mas tudo bem. — Abro a porta maciça e entro.
Uma respiração e relaxo. Sim, odeio aceitar o dinheiro do meu pai – mas gosto
do luxo. E a casa de veraneio de Theo está nadando nela.
— Ow!
Outra mentira. Theo ignora Juniper online (por minha insistência), mas ele
não dirá uma palavra ruim na cara dela. O cara é muito mole.
Ainda assim, posso dizer que ela acredita em mim.
— Oi, Theo. — Juniper me ignora e o olhar por que, Deus, por que, que eu
atiro para o alto, para retribuir o aperto de mão que ele oferece. — Não sei se você
se lembra de mim, mas...
O olhar de Theo salta entre nós. — Uh... certo — ele diz lentamente enquanto
Juniper tenta derreter mentalmente meu rosto. — Bom te ver de novo.
Passo correndo por ele em direção às escadas. — Não minta para a pobre
garota, cara.
Meu quarto favorito está esperando por mim, como todos os anos.
As duas paredes inteiras de vidro com vista para a baía foram reformadas
com perfeição; a cama está arrumada como um comercial da Macy's. A primeira
coisa que faço é bagunçar tudo jogando minha bolsa no centro e depois me jogando.
Fico lá até que Theo suba, sozinho, e acenda as luzes. — Ela se foi.
— Foi embora? — Eu me sento direito. — É melhor ela não ter ido. Nós temos
um acordo.
— Foda-se, Theo. Eu não tenho medo dela. Ela simplesmente me irrita mais
do que qualquer outra pessoa neste planeta, só isso.
— Então por que você concordou com toda a coisa de equilíbrio dela?
— Que outra escolha eu tinha, cara? Tinha que chegar aqui, de alguma
forma.
— Então, você realmente vai deixá-la no carro assim — ele diz com a cara
séria.
— Não perguntei.
Eu os seguro com minhas mãos quando dou um passo para trás. A maneira
como eles chacoalham é a parte mais assustadora de todas.
— Vocês dois insones podem jogar videogame a noite toda e dormir até o meio-
dia todos os malditos dias — acrescento, — assim como no ano passado. E no ano
anterior. Se você dormir, é claro.
— Eh, eu não tenho tanta certeza sobre isso — suspira Theo. — Wes disse
que está trazendo alguém. Tenho certeza de que ele seguirá a programação deles.
— Quem?
Acho que Wes tem modos melhores do que eu, o que realmente quer dizer
algo. Ambos temos problemas de raiva e habilidades menos do que estelares com
pessoas.
Por falar no diabo, Theo abre um site em seu telefone e o acena para mim. —
Talvez ele esteja trazendo Hurley.
— Sim, certo — eu rio. Mas assim que vejo as fotos, paro. É Wes com Clara
Hurley, metade da dupla de blogueiras de beleza que ele não suporta (junto com a
maioria das pessoas neste mundo), jantando com nossa tia em algum restaurante
chique de Nova York.
— Uau.
— Nah, tem que ser outra coisa. Wes nunca namoraria nenhuma das
Hurleys.
— Tênue linha entre amor e ódio — ele murmura, sem olhar para
cima. Reviro meus olhos e dou um boa noite afiada no caminho.
Daqui, posso ver a sala de jantar que ninguém usa. Há uma janela na outra
extremidade, onde estacionei o Transit. As luzes estão apagadas.
— É por isso que estou dormindo no chão. E por que estou com as portas
abertas, para fazer uma brisa cruzada. O ar condicionado está estragando.
Não posso culpá-lo por não acreditar nisso. Fiquei chocada quando, depois
que Van invadiu as escadas como um pré-adolescente tendo um ataque, Theo me
convidou para entrar e disse que havia muitas camas.
Por mais tentador que fosse, recusei. Principalmente para me salvar do
drama sempre que Van me descobrisse invadindo suas férias – mas parcialmente
por respeito aos seus desejos.
— O que é toda essa água aqui? — Respingos enchem o ar enquanto Van pisa
e se move para o chão. Subo na cama e penduro a cabeça na beirada para olhar,
uma grande poça sob seus pés.
A única coisa que reviro com mais força do que meus olhos sou eu mesma, em
direção à cozinha – cento e oitenta graus de distância dele. — Sim. Mas como eu
disse, se eu quisesse um quarto, usaria um. Não se preocupe comigo.
— Você não pode dormir aqui com este calor — ele diz categoricamente.
— Vamos. Você realmente vai suar até a morte só para se vingar de mim?
— Acredite ou não, minha decisão não tem nada a ver com você. Eu gosto
daqui.
Eu viro e pisco para ele. Ele tem razão. Mas não vou admitir.
— Vá. Aproveite suas férias. — Eu aceno para a janela escura atrás dele. —
Nós dois sabemos que você não me quer naquela casa.
Por um segundo, ele pareceu esquecer isso, que estou bem onde ele me
quer. Perto o suficiente para usar, longe o suficiente para odiar.
Mas agora que eu o lembrei, ele balança a cabeça e muda sua mandíbula,
olhando para seus pés.
Não, olhando para a poça do tanque de água, agora se espalhando até a grama
ornamental ao longo da calçada.
Mas aceitar até mesmo isso dele – um pequeno e último esforço na decência
humana básica – seria muito perigoso. Serei pega nisso, assim como eu fui nos
últimos dois dias.
Então o que? Estou à mercê dele. Facilmente pega de surpresa sempre que
seu ódio explode novamente.
Então faço a única coisa que posso pensar que o fará ir embora, começo a me
despir de novo.
Uma piscina infinita fica na extremidade do deck, tão linda quanto a água
que negligencia. Paredes de concreto com bancos contornam o outro lado, próximo
à casa; uma fogueira fica em frente a várias portas de correr enormes.
— Entre, pegue algo para comer. Você também pode tomar banho, se
quiser. Acho que seu trailer provavelmente está faltando um.
23 Torradeira Strudel é um alimento de conveniência para torradeira, preparado de forma simples e rápida,
aquecendo-a em uma torradeira e depois espalhando o pacote de confeiteiro incluído por cima.
— Sim claro. O que você precisar. — Ele me estuda enquanto mastiga. —
Então, presumo que você ficará em casa, afinal?
Meu sorriso se acalma, junto com meu bom humor. Pego uma bola de glacê
no meu prato. — Não parece a ideia mais inteligente, considerando o que seu primo
sente por mim.
A curiosidade leva o melhor de mim. — Por que você está sendo legal comigo,
Theo? — Quando seus olhos vão do prato para o meu rosto, me forço a dizer o
resto. — Você ouviu tudo que eu fiz para ele. Você já ouviu falar que pessoa
horrível eu sou.
— E o histórico de um ladrão.
Estamos quietos. Theo não refuta isso, não que eu esperasse que ele fizesse. É
um fato simples.
Não gosto disso, mas é verdade. A última impressão que esta família tem de
mim não foi lisonjeira, e só posso me culpar por isso.
— Olha, eu faria qualquer coisa por Van — diz Theo sério, — sem
perguntas. Tudo o que ele precisa fazer é dizer a palavra.
— Van pode chupar meu pau — zomba Theo, e se levanta para verificar o
bacon que colocou no forno.
Eu rio disso, mas não por causa do insulto em si, apenas pelo fato de que, até
ele dizer isso, eu quase havia esquecido que estava falando com um Durham.
— Já era tempo, seu idiota!
— Apenas cinco horas atrasado, também. Você teve que voltar para conseguir
Midol24?
Assim que a porta do passageiro de seu carro alugado se abre, nossos cérebros
ficam em branco.
— Eu disse que eles estão namorando. Por que outro motivo ele a teria
apresentado à tia Billie? Você viu as fotos, cara.
Ele hesita e depois sai. Eu inalo algumas vezes antes de ir para a porta.
Juniper pula com o barulho; bati a porta com força suficiente para toda a
vizinhança ouvir.
Talvez até mais do que a forma como agarro seu quadril e a conduzo para a
parede mais próxima.
— Afinal — acrescento, colocando meu rosto no dela, — Theo disse para você
não se preocupar comigo.
O medo que estava em seu rosto desaparece. Tudo o que resta é raiva.
E me chame de louco... mas eu poderia jurar que ela tem tanto quanto eu.
— Só vou dizer isso uma vez, Van, ouça bem. — Suas costas ficam retas,
ombros retos. — Você está errado sobre mim.
— Não, eu não estou. Eu sei exatamente o que você é. Você ainda é a garota
que usa os homens como quer. Você dá um tapa naquele sorriso inocente, pega o
que precisa e então você vai embora.
Juniper levanta o queixo, encontrando meu olhar. — Então é uma coisa boa
eu não querer você.
Wes levanta as sobrancelhas para nós dois e segura a bagagem nas mãos ao
passar. — Não liguem para mim.
Wes me puxa com uma chave de braço quando entro em seu quarto.
Conversamos um pouco, durante o qual fico sabendo que ele está, na verdade,
namorando Clara. Eu não entendo, dadas todas as merdas que ele falou sobre as
gêmeas Hurley por anos, mas nunca entendi completamente o problema dele com
elas em primeiro lugar.
— E este é o seu quarto. — Theo e Clara entram. Pelo que ouvi quando eles
subiram, ele estava dando um tour pela casa. Eu me pergunto quando suas
baterias de bom anfitrião irão se esgotar e nos deixar com o antissocial Theo. A
experiência diz que mais vinte e quatro horas, no máximo.
No segundo que ele está perto o suficiente para socar, tenho que dedicar toda
a minha energia para não fazer isso. Se ele fodeu Juniper ou não – droga, espero
que não – não é da minha conta.
Eu sorrio e aperto a mão dela, percebendo como Wes agora parece estar
dedicando toda a sua energia para não me socar.
O inferno se eu sei por quê. Clara é fofa, mas daquele jeito de Zooey Deschanel
que eu nunca escolheria, peculiar à beira do estranho. Talvez seja uma coisa
gêmea.
E talvez o ciúme ultrajante seja uma coisa Durham, porque no segundo que
minha mão toca a dela, Wes coloca o braço em volta da cintura dela. Droga, nós
temos problemas.
Theo e Wes vão até a adega enquanto Clara fala comigo sobre o YouTube
como se eu conhecesse metade das coisas que ela conhece.
— Não querendo ser rude — digo, depois de pular na piscina e Clara se sentar
na beirada, — mas como você sabe quem eu sou?
Na minha cabeça, posso praticamente ouvir Juniper
dizendo, desde quando você se preocupa em parecer rude?
Clara explica que sua irmã costumava namorar (com gestos de entre aspas)
outro skatista de longboard que era patrocinado pela Spiral na mesma época que
eu. Antes da minha queda em desgraça.
Tento ecoar sua risada, mas estou muito ocupado lembrando a sensação das
costas de Juniper quando a empurrei por aquela trilha alguns dias atrás. Seu
pequeno grito quando ela caiu, tão rápido quanto uma pena, no mato.
Na hora do jantar, tenho uma dor de cabeça rasgando minha cabeça e uma
sensação pior rasgando meu estômago.
— Você planeja oferecer algo para Juni? — Theo pergunta quando coloco
pizza no meu prato.
Culpa, foi isso que tive o dia todo em meu estômago. Agora se foi totalmente.
— Você gosta tanto dela — digo a ele, jogando um prato de papel vazio em
seu peito, — faz você as honras.
Uma das irmãs de uma das amigas de Theo se enrola nas minhas pernas na
piscina. — Oi, Van — ela ronrona para mim.
A garota toca o alto-falante portátil que alguém jogou em mim antes. Deixei
onde pousou, bem na minha barriga; ela traça as linhas dos botões até chegar ao
meu umbigo e, em seguida, traça a linha do pelo por baixo.
Meu cérebro perdido arrasta meus olhos para todas as janelas da casa,
procurando pela garota pela qual estou bebendo tanto para tentar esquecer.
Fazendo beicinho, ela afunda seu peso de volta nas minhas pernas.
Eu não estou nem com raiva de ser jogado da minha boia. É lei em
festas. Desmaie em seus sapatos, você tem paus desenhados no rosto. Desmaie
dentro ou em qualquer lugar perto da piscina, e sua bunda vai para a água.
— Van!
Wes e Clara estão em cima, rindo enquanto entram no quarto deles. Nadam
na minha cabeça como a água que eu poderia jurar que ainda sinto em meu peito.
Meu quarto está escuro. As janelas estão cheias de estrelas e do nada escuro
da baía.
— Van?
Eu giro para encarar a porta. Decisão terrível, meu senso de equilíbrio está
no inferno.
— Muito.
— Você está tendo um ataque de asma?
— Sim — minto, — mas não consigo encontrar meu inalador. É... é por isso
que vim aqui. Eu estava procurando por ele.
— Você fala...
Ela toca meu peito. Meu coração começa a bater ainda mais forte do que no
deck.
—... este inalador? — Ela o levanta. Nós o observamos girar no cordão, ainda
pingando água da piscina.
Juniper abre e pressiona na minha mão. Eu fico olhando para ela enquanto o
uso, em seguida, eu observo em silêncio quando ela o coloca na minha mesa de
cabeceira.
Para começar, falta detalhes técnicos demais para ser chamado assim. Sim,
nossos lábios se encontram, mas fora do centro e rápido demais. Ele está
obviamente bêbado.
Não são lágrimas. Não pode ser. Quando nos conhecemos, Van me disse que
não conseguia chorar desde antes da morte de sua mãe.
Mas seja lá o que eu ouça, é a coisa mais próxima de lágrimas que Van
Durham-Andresco tem – então eu observo.
— Sim.
— Nem eu.
Envolvendo seu cotovelo até ele se sentar, pego a outra coisa que trouxe para
ele, queijo ralado. — Aqui. — Coloco ambos em seus dedos enrolados.
— Por quê?
Van pega a pílula. Digo a mim mesma que não vou pesquisar no Google, se é
ou não seguro tomar com álcool, assim que estiver no meu quarto..., mas sei que
vou. Não importa quão cruel Van seja comigo – ou pior, quão rápido ele muda de
civilizado para cruel, eu sinto uma necessidade estranha e irresistível de cuidar
dele.
— Então volte para aquela garota com quem você estava nadando.
Não quero dizer isso. Não quero que ele saiba que o vi com ela, ou que me
preocupei com ele depois do nosso encontro no corredor.
Minha única graça salvadora é que eu digo isso de forma neutra, sem um
pingo de ciúme. Eu posso até estar falando sério.
Há muitas garotas lá embaixo que podem consertar a solidão dele. Ele não
precisa de mim.
— Você sabia? — murmura, inclinando-se com força contra mim até que eu o
empurro, de forma que ele cai no colchão, — que eu pensei que você fosse, tipo...
encantada de verdade, quando nos conhecemos?
— Encantada?
Eu?
Tento colocá-lo nos travesseiros, mas ele chuta e resmunga, sem ideia de onde
está ou do que está acontecendo, até que desisto. Eu me contento em rolá-lo para
o lado.
Não importa o quanto eu raciocine comigo mesma que ele ficará bem, não
posso deixá-lo.
Então ele consegue exatamente o que queria, embora ele não quisesse de
verdade: eu fico.
A primeira coisa que vejo quando abro os olhos é um céu ofuscante e cheio de
sol, colocando o quarto em foco.
A luz do sol ilumina cada partícula de poeira no quarto enquanto ele se move.
Por que de repente me sinto como uma, minúscula, deslocada e presa na
órbita dele?
O olhar que ele lança para mim é tão azul, tão impossivelmente frio, que me
acorda como um mergulho em água gelada. — Mas, como eu te disse, isso não vai
acontecer.
Uma camisa que guardei e lavei. Uma mochila que dei a ele.
Quando ele sai, eu pego a mochila e sacudo tudo dela, por todo o chão. Não
me importo se é imaturo. Pelo menos me impede de chorar.
— Oh! Desculpe.
Eu viro. Clara Hurley está no primeiro patamar, olhando para mim com um
sorriso inseguro. Mas amigável.
— Tem certeza que não quer um expresso? Já fiz para a casa inteira, mais
um não vai me matar.
Eu cavo meu cotovelo em seu peito, mas não tão forte. Minha raiva é ofuscada
pela pena.
Claro que ele não pode ficar longe dela. Por um lado – olhe para ela.
Acrescente o fato de que ele está desesperado para sentir uma conexão, para
sentir qualquer coisa e... bem. Eu sei como isso vai.
Quando você estiver quebrado o suficiente, você acreditará em qualquer
coisa.
Alguém.
— Você é o novo amigo dela com benefícios — digo a ele. — Tenho certeza de
que ela prefere obter o serviço de quarto de você.
— O que? — Sua testa franze, mas esse é o único sinal de raiva que
recebo. Droga, não é nem divertido discutir com ele quando ele está em seu modo
fechado. — Você é doido pra caralho, cara.
Abandono o jogo e passo a maior parte do dia na piscina, até que um amigo
de Theo me diz que minha garota está perguntando onde estou.
Ela se vira para me encarar. Seu cabelo está grudado no rosto com suor, e
suas bochechas estão profundamente vermelhas, como se ela tivesse corrido. —
Onde está meu canivete?
Ela me puxa pela barra da minha camisa. — Por que você é assim?
Opa. Lágrimas.
Não me dou bem com mulheres chorando. Deveria ser classificado como
guerra biológica ou algo assim, porque é muito injusto que eu pudesse cuspir as
observações mais cortantes e convincentes possíveis, mas ser nocauteado por
algumas gotas de água salgada.
Minhas mãos empurram meu cabelo enquanto suspiro. — Eu não peguei suas
coisas, Fairy Lights. Acalme-se.
— Ok. — Ela fecha os olhos e respira. — Digamos que você não pegou minhas
coisas.
Seu rosto fica vermelho novamente. — Pelo que sei, você pegou minhas coisas
para fazer exatamente isso.
Juniper me encara, sem piscar, mesmo quando seus olhos nublam com mais
lágrimas.
Ela passa por mim e volta para o veículo para continuar sua
busca. Permaneço um momento, honestamente chocado demais para perceber que
agora é a fuga que eu queria, acho que é a primeira vez que ela amaldiçoa na minha
frente.
É oficial. Definitivamente, algo está errado comigo, porque acho que gosto.
DEZESSETE
Algumas vezes, tarde da noite, quando ele estava bebendo, ouvi portas se
abrindo no corredor, e alguém sussurrando meu nome.
Ele até checou o quarto de Wes e Clara por duas noites, sussurrando, — Oh,
certo — para si mesmo quando o encontrou vazio.
Clara me deu seu número depois de nossa conversa no patamar daquela
manhã, mas parou de responder minhas mensagens e memes depois que foi
embora.
Não levei isso para o lado pessoal. O boato na casa era que ela e Wes eram
história, então imaginei que ela estivesse cuidando de um coração partido.
Nossa conversa foi sobre isso, o quanto ela e Wes costumavam não gostar um
do outro, até que algo mudou.
Quando perguntei o quê, ela riu baixinho e disse que ainda não sabia.
Então, quando ouvi Van procurando por mim na casa, mantive minha boca
fechada e minha luz apagada. Nada era diferente aqui do que no Transit. Ele
ainda me odiava. Ele só tinha álcool nas veias e uma longa e solitária noite pela
frente.
Sim, parecia um desperdício passar o que sem dúvida seria minha única
semana nos Hamptons, enfurnada em uma despensa, mas eu me lembrei de que
não eram férias. Eu estava expiando. Não foi feito para ser bonito ou confortável.
Metade das manhãs ele falava muito; todos os dias trazia uma versão
estranhamente quieta do garoto que eu estava, lentamente, considerando um
amigo.
Mais de uma vez, ele me perguntou por que eu simplesmente não fui embora.
— Sem ofensa — ele disse na metade da semana, — mas acho que você está
louca por fazer esse negócio. Trazê-lo aqui, eu posso entender – você não queria
deixá-lo preso no lago. Mas por que não puxa o traseiro agora, enquanto ainda
pode?
— Além do fato de que agora eu tenho que esperar a caixa de água ser
entregue? — Coloco meu café da manhã no parapeito do deck e opto por café. A
conversa sobre Van matou meu apetite. — Acho que fico pensando nos primeiros
dois dias que viajamos. Eles não foram perfeitos. Longe disso, na verdade. Mas eu
vi esse lado dele, de vez em quando, que apenas...
Olhamos para o outro lado da baía e, por um segundo, desejei que ela
inundasse e me arrastasse para o oceano, porque me sentia pobre e idiota. Eu
invejei a descrença de Van no equilíbrio, de algum poder superior retribuindo todos
os nossos atos na mesma moeda.
Saímos dos Hamptons assim que o tanque de água chega, junto com a peça
que espero consertar o ar-condicionado traseiro. Consegui caçar a única alma por
perto que sabe como instalar os dois, em um estacionamento de trailers perto de
Commack, então eu digo a Van que vamos parar lá primeiro. — Só teremos que
sobreviver sem água da torneira por sessenta minutos. Acha que pode lidar com
isso? — Ele lança um olhar entediado e não responde.
Quando saio da garagem, Theo bate na porta e nos diz para esperar. —
Esqueceu isso — ele diz, e joga o frasco de antibióticos pela janela, no meu colo.
Ele os pega. Espero pelo comentário cruel que sei que está chegando.
Em vez disso, ele fica em silêncio, abaixa a janela e simplesmente joga o frasco
na grama enquanto saímos.
Na comunidade de vida na van há uma piada que não é realmente uma piada,
conserte uma coisa no seu veículo e outra coisa vai quebrar logo depois disso.
Van me estuda como se eu fosse uma dinamite acesa. Aposto que ele tem
medo de que eu comece a chorar. Eu também. Eloise está desmoronando e acho
que estou prestes a fazer o mesmo.
— Feito.
— O que foi feito?
— O reboque está a caminho — ele diz de olhos fechados, — para levar este
pedaço de merda a um mecânico, de onde pegaremos um táxi para minha antiga
casa no Brooklyn. Wes acaba de responder que está tranquilo conosco até que o
Transit seja consertado. — Lentamente, ele levanta a cabeça, os olhos fixos nos
meus. — Assim você pode parar o sistema hidráulico.
Respiro fundo algumas vezes e esfrego meu rosto. — Hum... uau. Obrigada.
Nossa noite vai bem, mesmo que seja principalmente porque temos Wes como
padrão. Qualquer briga que começamos é rapidamente interrompida por uma
piada ou pigarro dele, e me lembra de não deixar Van me irritar. Use mel, não
vinagre.
Passo minha mão com cuidado sobre cada instrumento e penso naquele que
está enterrado na minha bolsa. A coisa mais brilhante que encontrei naquele
Sprinter em ruínas.
Eu não quis. Quando recolhi qualquer coisa que achei que pudesse ser salva
dos destroços, vi a gaita brilhando em uma poça e a coloquei no bolso, com a total
intenção de dá-la a ele assim que pudesse limpá-la adequadamente.
Quando Van tocou sua gaita, eu sabia que ele ainda tinha felicidade e tristeza
e tudo mais. Estava apenas enterrado sob uma máscara que ele não podia deixar
escapar.
Antes de dormir, tiro-a da bolsa e passo a ponta dos dedos pelos buracos e,
em seguida, pela gravura semelhante a um fio em sua capa.
Mas posso ter este último momento estudando-a a luz da lua, lembrando
aqueles primeiros dias no rancho, e me convencendo de que é apenas um pedaço
de metal. Não guarda minhas memórias de quem Van costumava ser – quem ele
ainda pode ser, no fundo. Elas estão gravadas em meu coração, e eu não poderia
esquecê-las mesmo que tentasse.
Por volta da meia-noite, eu acordo no sofá de Wes. Minha cabeça não para de
repetir toda a merda que ele me deu por fumar de novo... e toda a dor que ele me
deu sobre como tratei Juniper. Não que eu precisasse que ele me dissesse alguma
dessas coisas.
Durante toda a semana, passei o dia fingindo que eram férias normais. Mas
no segundo em que o sol se pusesse, eu começaria a procurar por ela.
Van sóbrio já tinha problemas suficientes para se controlar. Van bêbado não
teve chance.
Não foi até que eu estava de volta na piscina que me lembrei de ter caído, me
sentindo apavorado e caçando-a. Verifiquei meu próprio quarto primeiro, não
porque sabia que ela me encontraria lá, mas porque, de alguma forma... fazia mais
sentido.
Lembrei-me do resto como uma série de socos, ela me dando meu inalador,
depois meu antibiótico. O cheiro dela acalmando meu pulso quando nada mais o
faria.
Acordar no meio da noite para encontrá-la lá e ficar tão feliz que apenas
recuei e sorri.
Eu disse a ela que sabia exatamente quem ela era. Ela me disse que eu estava
errado.
Assim que abro a porta do quarto de música e sussurro, — Ei. Você está
acordada? — ela se senta e acena para mim, sem hesitação. Como se esperasse por
mim. — Escute... — passo a mão pelo cabelo e deixo cair na perna, depois coloco
no bolso.
Não é uma faca, mas pode muito bem ser. Parece que ela me estripou e me
apunhalou pelas costas ao mesmo tempo.
— Eu não roubei — ela sibila. Seus olhos vão para a porta atrás de mim. Oh,
certo. Wes.
— Então por que você a tem? — Gritar sussurrando é o melhor que posso
fazer, mas bom o suficiente, quando percebe que estou realmente perguntando, ela
relaxa e acena o colchão de ar para mim.
Em vez disso, pego o pufe. Ela está dormindo com seu traje habitual de
camiseta e shorts de algodão, mas não consigo parar de pensar em nossa primeira
noite nos Hamptons. Vê-la de sutiã e calcinha quase me deu um ataque cardíaco
do qual teria ficado feliz de morrer.
Mas estou aqui para dar a ela uma chance e um pedido de desculpas. E nada
mais.
Eu a pego e a levanto de mão em mão. Assim como meus skates, ela limpou
melhor do que antes.
— Sério? Achei que você ia atrás de seu computador e câmeras. Coisas caras.
Balanço a cabeça. — Sabia que tudo estava perdido. Foi só nisso que consegui
pensar quando cheguei ao lago e vi o Sprinter na água.
Ela passa os braços em volta dos joelhos e aperta o pulso com a mão. — Por
que você não procurou por ela depois que arrastaram o carro, então?
— Você pegou.
É difícil. Não sei a razão, mas pedir desculpas sempre foi a coisa mais difícil
para mim. Dói fisicamente, como se todos os meus órgãos internos estivessem
estremecendo em uníssono.
Mamãe costumava dizer que tornaria minha vida cem vezes mais difícil do
que deveria ser se nunca aprendesse a dizer.
— Me desculpe.
— Uma palavra tão simples, Sully. Conserta muito mais do que você pensa
que pode.
Quando digo isso agora, cuspindo como leite azedo, Juniper apenas fica
olhando.
Então ela cobre a boca... e começa a rir.
— Sim — suspiro, sacudindo minhas pernas, — e agora sinto que nunca mais
farei isso.
— Não fique assim, seu bebezão. — Juniper morde o sorriso e deixa cair o
canivete em sua bagagem. — Desculpas aceitas. Mas antes de deixarmos tudo isso
passar por baixo da ponte, eu quero falar sobre o que aconteceu entre Theo e eu.
Ou seja, nada. — Raiva pisca em seus olhos quando ela se vira para mim. — Não
tenho ideia do por que você acha que dormimos juntos.
— O qual — ela diz, sussurrando aos gritos para mim, — que ele pegou por
causa da insônia dele, e que pensou que me ajudaria a relaxar, porque ele podia
ver claramente que meu drama com você estava cobrando um preço muito alto.
Meu cérebro não sabe o que processar primeiro, que Theo usa sabonete
líquido de lavanda para a insônia... ou o que eu já sabia – que magoei Juniper com
a forma como agi.
Quando acaba, porém, e você precisa inspecionar sua destruição? Ela para de
ser tão boa.
Droga.
Fecho meus olhos. Essa verdade vai doer mais do que o pedido de desculpas,
porque eu não apenas menti para ela sobre isso. Eu menti para mim mesmo.
— Eu não te odeio — sussurro.
Quando abro meus olhos, ela está olhando para mim como se nem me
reconhecesse.
Mas ela está aliviada. A dor que estava lá antes – que eu coloquei lá – se foi,
e isso faz algo em me doer um pouco menos também.
Sei que às vezes ela me deixa louco e que a acho irritantemente atraente por
causa disso e apesar disso.
Sei que já comecei a perdoá-la pelo que ela fez com meu carro e meus
pertences, mas ainda não a perdoei por tudo que ela fez antes. Não sei se
posso. Não é por falta de tentativa da parte dela. Apenas outra coisa quebrada
sobre mim.
— E também sinto muito por isso — acrescento. Este pedido de desculpas dói
menos. Talvez a prática leve à perfeição. — Supor que você e Theo estivessem...
você sabe.
— Certo.
Cinco minutos depois, vejo as luzes acesas no retrovisor. — Ei, você disse que
precisava dormir.
— Não — ela grita, — eu disse que estava cansada. — Ela balança o livro nas
mãos e chuta os sapatos, sorrindo. — Cansada de dirigir.
Digo a ela que costurei um vestido novo e coloquei uma régua nas mãos
porque a bainha era muito curta. — O instrutor não acreditou em mim que não foi
feito de propósito.
Ele pega o terceiro prato de comida que mamãe sempre prepara para
ninguém comer, que devo jogar na lata de compostagem depois do jantar.
— Você não pode comer isso — digo a ele. Ele usa meu garfo para comê-lo, de
qualquer maneira.
Minha outra mão está na faca de manteiga. Eu quero agarrar. Quero usá-la
para machucá-lo. Meus dedos se recusam a se mover.
Mais mãos aparecem e me colocam no vestido que costurei, e fui punida por
costurar, poucas horas atrás. A bainha foi encurtada ainda mais por outra pessoa.
Eu acordo lentamente, não com um sobressalto. Meu coração ainda bate forte,
quando abro os olhos e encontro luzes nebulosas e oscilantes acima.
Onde estou?
Como eu costumava fazer – como não preciso fazer há anos – dou tapinhas
na cama ao meu redor.
— Eu tive um sonho.
— Não sei. — Não me assustou enquanto aconteceu, mas assusta agora. Foi
o conteúdo, ou o fato de que sonhei com esse lugar absolutamente?
— Jescha.
Meus dedos escavam a gosma dos meus olhos. Eu largo o cobertor dos meus
ombros, em seguida, alcanço seu refrigerante no porta-copos logo acima do meu
rosto.
— Meu nome de nascimento não era Juniper. — As bolhas descem pela minha
garganta. — Era Jescha.
Ele está quieto. O rádio fica estático, uma zona morta entre a última estação
e o que quer que venha a seguir.
Agora ele tem que decidir qual parte de sua história me contará.
— Papai estava emprestando para você algumas roupas velhas da minha mãe
até que pudéssemos levá-la às compras, e você perguntou o que aconteceu com
ela. Ele te contou sobre o aneurisma cerebral. Que foi repentino.
Van pega o refrigerante que não está lá. Eu o levanto lentamente, até que ele
possa agarrá-lo. Ele toma um longo gole e o devolve.
— Você disse que era horrível, não receber nenhum aviso. Mas papai disse
não, a pior parte para ele foi saber que eu estava lá quando aconteceu. Você se
lembra disso?
Mesmo com as luzes, a escuridão parece quase densa demais para acenar.
— Eu não estava lá com ela — ele diz, e aponta seus lábios quando ele força
uma risada. Provavelmente para não ouvir como ele engole depois. — Eu fiquei
bravo com ela sobre algo e saí — sussurra. — Ela estava sozinha quando morreu.
Seu cotovelo roça o topo da minha cabeça enquanto ele pega o rádio e desliga,
a estática silenciada.
Eventualmente, eu percebo que elas são apenas o reflexo das luzes atrás de
nós.
DEZENOVE
— Boa edição.
— Esse elogio parece ter matado você. — Sorrindo, puxo o laptop para mim
na cama. Ele está deitado de lado, mastigando sonolentamente um hashbrown
patty25, enquanto estou de pernas cruzadas perto dos travesseiros.
Tudo o que consigo pensar é nele subindo na minha cama no rancho, e sua
silhueta contra a minha porta.
— Terra para Fairy Lights. — Van estala os dedos entre a tela do laptop e
meu rosto. Quando pisco e olho para ele, ele puxa o guia do símbolo dos sonhos
25 Hash browns, também chamados de hashed browns, são um prato popular de café da manhã americano,
consistindo em batatas finamente picadas que foram fritas até dourar.
debaixo do meu pé. — Eu perguntei — ele enfatiza, — isso é bom? Vi você lendo
ontem à noite.
Enquanto Van abre o livro com o braço estendido sobre sua cabeça, eu conto
a ele minhas queixas, como tudo significa algo, e nada significa o que você pensa
que significa.
Estico minha perna para chutá-lo. Ele pega meu pé com a mão tão facilmente
quanto agarrar uma bola de beisebol com uma luva.
— Ouça isso — ele diz, virando de bruços. — Sonhar que você tem uma
tatuagem significa que você quer algo que o diferencie de todos os outros. Pode ser
um sinal de que você pensa que é melhor do que aqueles ao seu redor e sente a
necessidade de mostrar isso externamente.
— Viu o que eu quero dizer? Tipo, e se você apenas sonhar com tatuagens
porque, não sei... você quer mais, ou acabou de fazer uma, ou porque você passa
por um estúdio de tatuagem aleatoriamente? É tão idiota.
— Achei em um banco e pensei que seria interessante. Tudo o que fez foi me
deixar com raiva pelo desperdício de árvores.
— Entendi. — Eu aceno com a risada dele, que aumenta quando pego meu
colar de quartzo rosa em uma prateleira. — Coisas alternativas são interessantes
de estudar, mas eu só acredito quando faz sentido para mim. O simbolismo dos
sonhos, não.
— Sim.
Imediatamente, sinto uma corrente entre nós e sei que ambos estamos
pensando na noite passada. Ainda temos que falar sobre nossa pequena troca de
confissão. Não consigo decidir se quero ou não.
— Veja — ele diz, balançando as pernas de modo que seus calcanhares batem
no depósito debaixo da cama, — minha mãe era católica, e eu sempre ouvi que você
era punido por coisas ruins que fez e que precisava expiar..., mas nem uma vez
alguém me disse que você seria recompensado pelas boas ações que fez. Espera-se
que você as faça aconteça o que acontecer. Talvez seja por isso que estou tendo
problemas para acreditar em sua pequena teoria.
— Eu ficaria mais chocada se você acreditasse, na verdade. Não parece seu
estilo. — Saio da cama para recolher o lixo do café da manhã. Na verdade, é porque
sei que meu pulso não diminuirá até que nos separemos. — Mas sim, me
ensinaram a mesma coisa.
— De qualquer forma, nunca fez sentido para mim que não funcionasse nos
dois sentidos. Porque não basta não ser mau. Pessoas fazem isso o tempo
todo. Apenas flutuam pela vida, totalmente isolados, cuidando da própria vida –
mas nunca percebendo a pessoa ao lado deles. Nunca ajudando outra pessoa. É
fácil não ser ruim. Ser ativamente bom, intencionalmente gentil... isso é muito
mais difícil. Portanto, devemos ser recompensados por isso.
— Ah, veja: é por isso que eles não incluem um sistema de recompensa.
Orgulho. — Van cai contra a cama novamente. — Um dos sete pecados
capitais. Também há gula, luxúria, ira... toda a merda divertida da vida,
realmente.
Ele franze a testa. — Tem certeza de que não foi criada como católica?
— Eu deveria dizer que merda, se você precisasse aprender latim para tudo.
—Ele se levanta e me segue até a frente, aparentemente renunciando a sua soneca
matinal para me fazer companhia. Eu não discuto, mesmo que seja óbvio que ele
precisa dormir. — É por isso que você fugiu?
Minha risada parece abrir meu peito por dentro. — Com certeza.
Van revira os olhos, percebendo novamente que essa não é toda a história. Só
mais uma parte.
Cerca de dois minutos na estrada, ele se senta e diz: — Oh, minha vez.
Ele se acomoda contra a porta e bate o pé. — Vamos ver, uh... bem, uma vez,
eu dei um soco no valentão da minha infância, bem no pau dele.
— Ufa — eu rio.
— Hum... eu posso entender a Bíblia, eu acho, mas por que a lista telefônica?
— Mamãe não conseguiu encontrar outra Bíblia.
— Esses valentões sempre jogam para vencer. — Ele encara a tela do iPod
como uma fotografia que ele esqueceu que existia, mas ainda memorizou. — E
quanto mais você os machuca, mais forte eles te machucam de volta.
VINTE
— Esse é só para mim — ela diz, — mas sim, na verdade. E fotos do Transit,
da comida que como, dos produtos que uso... é isso que os blogueiros de estilo de
vida fazem. Publicam fotos da vida deles.
— Vou postar sua corrida desta manhã no YouTube antes de dormir, — ela
diz — depois uma prévia no story do Instagram e uma captura do perfil real. — Ela
joga o telefone em cima da cama. — Precisamos colocar você no TikTok logo, no
entanto.
— Deve começar pequeno. Eu não deveria ter deixado você tentar uma trilha,
primeiro. Muito intimidante.
Enquanto ela pisa, os joelhos tremendo um pouco, ela pergunta: — Até para
você?
— Eu tenho uma rara mutação genética que não me deixa mais sentir
medo. Não o suficiente para ditar minhas decisões.
— Deve ser legal.
— Nesse caso — ela diz quando cambaleia, — eu deveria sair dessa coisa,
porque meu instinto diz que vou cair.
— Eu não vou deixar você cair, Fairy Lights. Pare de olhar para seus pés,
olhe para o horizonte. Preste atenção para onde você está indo, não o que está
fazendo.
Com a mão não agarrando seu cotovelo, levanto seu queixo. Ela engole e
arrasta os olhos para cima. Primeiro no meu rosto, depois na distância.
Enquanto ela se firma, eu afrouxo meu aperto em seu braço, mas não a
solto. — É isso aí. Agora coloque um pouco de terreno embaixo de você. Mude seu
peso para este pé e use o outro para empurrar.
Os termos do Yoga devem ajudar, entretanto, porque ela lida com o skate com
mais confiança depois disso. Eu digo a ela para tentar andar do meio-fio a alguns
metros de distância, até a parte de trás do Transit.
— Sozinha?
— Por quê?
— Controle de raiva.
26 A Postura da Árvore é uma das mais tradicionais na yoga. É a postura clássica em que o praticante
permanece em pé, apoiado em apenas um dos pés. É, portanto, considerada uma posição de equilíbrio e
fortalecimento muscular. Esse nome deve-se ao fato de que a pessoa que está nessa posição eleva o corpo em
direção ao sol. Assim também faz a árvore, presa ao chão por suas raízes sólidas, mas elevada em busca da luz do
sol e da nutrição que ela proporciona.
— Sim? O que?
Nós rimos. Ela está sem fôlego por causa do passeio. Estou sem fôlego por
causa dela.
Quando ela se acalma, eu faço o mesmo. Seus olhos traçam minha boca.
Não estou apenas imaginando transar com ela. Pelo menos isso poderia ser
atribuído ao seu corpo extremamente fodível e bons cálculos – proporções e partes
do corpo que meus instintos de homem das cavernas sabem que se encaixam
perfeitamente com os meus.
Meus lábios querem a parte inferior de suas costas pressionada contra eles.
Minha pele quer um contato infinito com a dela, até que nosso suor se misture
e o cão de caça mais afiado do mundo não consiga nos diferenciar.
O mais estranho de tudo, meus braços querem segurá-la depois que
terminarmos – depois de eu ter tirado tanto de seu corpo, que tudo o que ela tem
para me dar é sua alma.
Quando ela levanta e coloca o skate em seu compartimento, vejo como sua
camisa subiu e seu short desceu, deixando-me afogar no espaço entre eles. Eu me
pergunto como os nós de sua coluna ficariam arqueando-se em um colchão.
— Agitação? — repito.
— Sim. Você estava certo, é libertador. Eu vejo porque você gosta tanto.
— Ela me cutuca para que possa fechar as portas. As pontas dos dedos dela no
meu peito podem muito bem ser uma seringa Pulp Fiction.
Eu também não.
Ok, novas regras. Não mais cheirá-la. Não me importo se o chão ou a cadeira
de rede matam minhas costas, não entrarei na cama dela novamente.
Não gosto de sentir um choque cada vez que isso acontece. Como se fosse
Juniper uma tomada de parede ajustada para dar o máximo de choque e eu ainda
ficasse feliz em enfiar meus dedos lá dentro.
Ok, mais uma regra, seja mais cuidadoso com a maneira como você expressa
merda.
Desta vez, meu sonho não tem um grama de simbolismo.
Tenho certeza de que o livro de interpretação diria o contrário, mas, pelo que
posso dizer, é cem por cento sexual.
Os quadris de Van se movem com mais força, seu rosto como pedra. Cada
músculo corta as sombras. A pressão aumenta dentro de mim até quase chorar.
— Por quê?
Espero que meu sorriso não pareça tão triste quanto parece. — Um sonho não
pode me machucar. Mas obrigada.
— O sol está nascendo — diz ele, após um longo silêncio. Nós dois olhamos
pela janela no primeiro trecho do amanhecer, sem cor e escuro. — Você quer ir a
algum lugar bonito, tirar fotos?
Sua risada, enraizada no fundo de seu peito, ecoa até mim como uma canção
que nunca esqueci.
Muito para minhas novas regras. Essa foi uma batalha perdida no segundo
em que ela começou a se contorcer no colchão enquanto eu voava pela
interestadual.
Não... como o cachorro acordando dentro de mim novamente, sete anos mais
velho e espumando pela boca só para saber que Juniper Summers estava ao nosso
alcance. Pena que alguém não conseguiu carregar um rifle e acabar com o
sofrimento daquele filhote.
Não havia como encurralá-lo de volta onde ele pertencia, porque agora ele
estava enredado com o resto de mim. Foda-se as novas regras.
Meu pau pressionou contra o meu zíper, mas isso não era nada comparado
com o que acontecia no meu peito. A força do hábito me fez pescar meu inalador. A
cada explosão, eu sabia que não era a asma trabalhando.
Não era apenas tesão. Deus, eu gostaria que fosse. Teria sido tão fácil lidar
com isso – voltar para lá, montá-la como o animal que eu era agora e fodê-la até
que os sentimentos passassem.
Mas isso...
Destravei meu banco e girei, ficando de pé com uma coisa em mente, segurá-
la.
Eu queria invadir seu sonho. Se ela não estava pensando em mim naquela
bagunçada cabeça encantada, ela estava prestes a pensar.
Apenas confusa. Talvez até mais do que eu. Acho que descobriria, quando eu
finalmente conseguisse todas as peças da história dela.
Agora, enquanto ela pega o telefone para encontrar algumas trilhas, digo a
mim mesmo que fiz a escolha certa ao não subir naquela cama.
Ainda não o vi andar de skate sem uma câmera de algum tipo em minhas
mãos. É completamente diferente, não ter que se preocupar com ângulos e clarões
ou chegar ao fundo das trilhas a tempo.
Não estou pensando em como ele será para o resto do mundo. Exatamente
como ele é para mim.
— Só por isso — ele diz, soltando-se e virando o skate em suas mãos, — não
vou segurar você firme na rampa infantil da próxima vez.
Quando Van ainda era meu guardião... meu protetor. Meu primeiro e único
amigo em um mundo que eu não estava pronta para enfrentar sozinha.
Eu caio imediatamente, e não como Van cai. Quando ele volta para a terra,
você quase pensa que foi a intenção dele.
Não, eu caio mais como um saco de gravetos, toda rígida e congelada de terror.
— Como se sente? — Van agarra meu cantil, abre a tampa com os dentes e
enxágua o sangue.
Ele segura minha perna ainda envolvendo sua mão em volta da minha
panturrilha. Eu me pergunto se ele pode sentir meu pulso, como agora está ficando
fora de controle com seu toque.
27 Drop-in é um truque de skate com o qual um skatista começa a patinar em uma rampa, caindo nela a
partir do top em vez de começar de baixo e bombeando gradualmente para obter mais velocidade.
— Sua primeira medalha de honra — ele diz. Ele parece orgulhoso. — Todo
mundo tem um pequeno arranhão pelo caminho, mais cedo ou mais tarde. Na
verdade, eu diria que quanto antes, melhor.
— Eu sei que você está brincando, mas... sim, mais ou menos. Você nunca
sabe o quanto você realmente quer algo até que isso o derrube, e você tem que
escolher se quer ou não voltar. — O brilho de seu sorriso turva meus pensamentos
também. — Venha, vamos voltar para Eloise.
Retiro outra pedra minúscula e prendo a respiração até a dor passar. Sim,
posso me enfaixar – mas gostaria de deixá-lo fazer isso. De alguma forma, ele é
mais gentil.
Depois que o ferimento está tratado, estico a perna. Ainda dói, mas nem estou
pensando na queda.
— Para que? — Ele aponta para o concreto curvo abaixo de nós. — Quando
você entra, está usando essa parte para ganhar velocidade. Ele foi projetado para
fazer exatamente isso. Você apenas tem que deixar.
Meu coração está batendo forte novamente, mas é apenas parcialmente por
causa dele. Estou realmente prestes a tentar essa loucura uma segunda vez?
— Uau. Isso foi tão vago e inútil, obrigada. — Consertando a alça do meu
capacete, aceno para ele. — Você não tem permissão para me chamar de hippie
nunca mais com conversas assim.
Van sorri com a boca fechada, como se fosse me chamar de espertinha, se não
fosse óbvio que estou apenas protelando.
Por outro lado, sei o que esperar agora. Sei o quanto eu quero isso, mesmo
não sabendo por quê.
Van sempre diz que o tempo fica mais lento quando ele está andando de skate.
Deve ser isso o que está acontecendo comigo agora, porque os dois segundos
em que estou na curva parecem dez ou vinte, tempo mais do que suficiente para
lembrar seu conselho.
Eu me viro para olhar para ele, mas ele já pulou no poço para correr em minha
direção.
— Porra, sim — ele sorri, em seguida, solta o grito que meus pulmões querem
ecoar, mas ainda não consegue.
— Você com certeza fez. — Van agarra meus dois pulsos, balançando-os em
seus dedos para me sacudir como uma marionete.
— Você sente aquele zumbido em seus braços? Seu coração está ficando
completamente louco?
— Sim. — Também não consigo parar de sorrir e meu estômago parece
levitar. — Esta é a agitação da qual você falava, eu suponho. É incrível, não vou
mentir, mas eu não diria que é divino.
— Mas quando o Olimpo está fechado — ele diz, enquanto tira meu capacete
para mim, — você se contenta com qualquer colina que puder encontrar.
Mesmo a maneira como ele afasta o cabelo do meu rosto após remover o
capacete e jogá-lo de lado como se não significasse absolutamente nada em
comparação com o que está na frente dele, não é o que me destrói.
Até que fiquemos apenas nós, o resto do mundo esquecido, nesta pequena
cratera de concreto que reivindicamos como nossa.
VINTE E UM
Suas mãos estavam no meu cabelo, mas agora elas deslizam para o meu peito
e me empurram enquanto ela recupera o fôlego.
— Você pode sentir o quão forte meu coração está batendo sob suas mãos —
digo a ela, — e se você se mover alguns metros para o sul, encontrará ainda mais
provas de que, sim, eu quero fazer isso.
— Vamos, Van, estou falando sério. — Ela dá um passo atrás. Quero puxá-la
contra mim, mas também gosto da maneira como ela está tocando os lábios
agora. Como se tivesse acabado de acordar de outro sonho e quisesse ter certeza
de que é real.
— Não me beije só por que... porque algum desejo físico está superando o
resto. — Ela encolhe, mas apenas brevemente. Quando seus ombros se endireitam
e ela me olha nos olhos, é a coisa mais sexy que poderia fazer para mim. — Não
me beije se você não quer seriamente isso.
— Oh, eu quero isso. — Pressiono minha boca sorridente na sua boca séria
até que ela sorri. — Eu quero você. Agora. E estou tão cansado de fingir que não.
— Não parecia que você tinha que fingir muito. — Eu a ouço engolir. —
Especialmente quando sua amiga estava de volta aos Hamptons.
— Eu nem me lembro do nome daquela garota. E nunca toquei nela. Você não
me ouviu, todas aquelas noites em que fui procurar por você?
Juniper pega seu lábio entre os dentes, e eu sei que em cerca de cinco minutos
vou pegá-lo entre os meus. — Só quando você estava bêbado.
— Não. Eu estava sempre procurando por você. Todo minuto. Estar bêbado
me deu uma desculpa para fazer isso em voz alta.
Nós nos fechamos no Transit. Estou preocupado que ela vá para frente e saia
daqui, deixando o motor me dar a rejeição que ela é doce demais para dizer em voz
alta.
Em vez disso, ela se senta com as pernas cruzadas no chão, olhando para
mim.
Eu me sento em frente a ela.
Na superfície, nada está diferente agora do que há alguns dias. Mas, por
baixo, toda velha emoção que tenho é desenrolada, novas se enredando até que não
posso dizer qual leva a onde.
Mas eu sei que a quero. Tudo dela. E vou seguir essa linha até o fim,
esperando que isso resolva o resto para mim.
A maior parte se resume ao fato de que não quero mencionar minha mãe, de
todas as pessoas, quando também estou pensando em despir Juniper com nada
além dos meus dentes.
— Sim. Ou Sull. Ela era a única que não me chamava de Van. — Bato meu
polegar na janela. — Ela sempre apontava o céu para mim quando eu era criança,
tipo, Sully, baby – olha que azul. — Ela gostava quando não havia nuvens. — O
engraçado, entretanto? Minha mãe era basicamente daltônica. Teve um acidente
de carro quando era criança, bateu muito forte com a cabeça e nunca mais viu as
cores da mesma forma.
— Isso é horrível.
Juniper ri por trás de sua mão. — Por que ela disse para você olhar como era
azul, então?
— Mas para ela, ele era azul. Realmente importa se ela não viu exatamente
o que você viu?
— Azul é azul, Juni. Coisas de merda são de merda. E eu tenho todas essas
pessoas dizendo, esta situação, ou o que aquela pessoa fez para te irritar, ou o que
quer que você esteja com raiva hoje – não é tão ruim. Acalme-se. Às vezes parece
que a porra do mundo inteiro está vendo as coisas erradas, mas me dizendo que
sou eu que preciso que seus olhos sejam verificados.
— Até eu?
— Deus, especialmente você. Não posso dizer uma coisa sem você jogar raios
de sol sobre isso.
Tento fazer meus olhos seguirem os dela, mas não consigo. Esqueça o
céu. Prefiro olhar para ela.
— Talvez seja isso que você está perdendo — ela diz. — Quando alguém tenta
dissuadi-lo de estar com raiva, ou convencê-lo a olhar o mundo do jeito deles... eles
não estão dizendo que um céu verde é azul. Eles estão apenas apontando como é
claro. No final, ainda é lindo.
Eu considero isso, então balanço minha cabeça. Isso pode ser verdade com
ela, mas eu sei exatamente como o resto do mundo pensa.
Eles não ficarão felizes até que eu desista e diga a eles: Claro, verde é
azul. Merda está bem. Não, não estou zangado ou amargo.
E definitivamente não gosto disso, porque estou com medo de ficar entorpecido
de novo.
— Então, acho que é por isso que você não confia mais em promessas, e por
que você mesmo não as faz?
— Como posso? Prometemos coisas com base no que vemos e sentimos, mas
não sabemos se é preciso. E não podemos prever o futuro.
— Acho que posso adivinhar. — Ela revira o brinco. — Olho por olho, certo?
— Sim. Mas não quero qualquer confissão sua. Eu tenho uma pergunta que
você precisa responder.
A cor se esvai de seu rosto, e sei exatamente o que ela está pensando – que a
questão será sobre o que diabos aconteceu com meu pai. Ela diz que nada
aconteceu; ele nunca mencionou isso.
Gradualmente, ela relaxa. Ainda não é uma pergunta que ela queira
responder, mas ela aceitará. Dê a um tubarão seu membro e você pode escapar.
Seus dedos escovam o cabelo da minha perna. — No dia em que fui para o
rancho. Quando você me encontrou.
— Morrer?
— Não me importo.
No segundo que sua boca está perto da minha, eu me junto a ela. Ela desliza
para o meu colo e geme quando pressiono minha ereção entre suas pernas.
Suas respostas me dão cerca de mil perguntas a mais para fazer, mas eu
mordo minha língua. Eu só dei a ela uma coisa, então sei que é tudo o que ela me
dará por enquanto.
O problema é que tenho muito menos do que ela. Minha história é simples,
as decepções cumulativas da vida produziram a confusão que ela vê diante dela. E
ficarei sem coisas para contar a ela muito antes que ela termine de me contar as
dela.
Mas sou muito talentoso em fingir que as pontes não existem até chegar a
elas. Esse dia não é este, então me recuso a pensar nisso.
Pego sua camisa bem entre seus seios, enrolo o tecido em meu punho e
empurro para baixo.
— Além do mais... o chão não tem espuma viscoelástica nem molas. Nada
para absorver os movimentos. — Coloco minha mão em suas costas e nos viro,
deitando-a enquanto abro seu sutiã. — O que significa que este carro vai se mover,
mais e mais, quanto mais eu te foder.
Eu pinto meu caminho para baixo em seu peito e puxo seu mamilo em minha
boca, sugando com força até que suas costas arquem do chão.
— O que significa que cada pessoa que passar por aqui... saberá exatamente
o que estou fazendo com você.
VINTE E DOIS
Van arranca minhas roupas ao longo do meu corpo. Minha camisa se enrosca
com meu short e calcinha úmida, um grande círculo de tecido que ele está
claramente emocionado em jogar de lado.
Ele me deixa tirar a camisa dele, mas me impede quando alcanço seu zíper.
— Ainda não. Quero provar você antes de estragar o quão doce você é.
— É essa a sua maneira de me avisar que tem um gosto ruim? — Eu rio, mas
engasgo com a imprecisão de sua frase. Ruína28.
A respiração de Van é a coisa mais quente e úmida que já senti entre minhas
pernas. Meus quadris empurram em direção ao seu rosto com a emoção disso,
antes mesmo que ele faça contato.
— Van — imploro, e tenho que cobrir meu rosto com as mãos, eu estou tão
envergonhada de ter implorado.
Faz meu sexo escorrer tanto, posso sentir em toda a minha bunda e coxas, e
sei que é isso que ele está admirando.
Divertindo-me com o que ele fez comigo, quando ele quase fez nada.
— Você já está encharcada. — Suas pontas dos dedos sobem e descem pela
minha abertura. — Eu poderia fazer você gozar em dois segundos, se eu quisesse.
Eu sei melhor, entretanto. Van nunca termina seus momentos perto do sol
um segundo antes do necessário.
Em vez de seu braço cruzar minha barriga, agora tenho seu corpo inteiro para
me prender.
Sua respiração pinta o cheiro do meu próprio desejo em meu rosto. Quando
ele me beija, sua língua enche minha boca com a mesma força confiante que encheu
meu sexo.
— Quer me provar?
— Porra, eu poderia assistir você fazer isso mil vezes. — Ele abre as calças,
mas espera que eu as tire.
Meus nervos me alcançam, vendo seu corpo inteiro bem na frente do meu
rosto e sabendo que só posso...
— Prove com meus olhos. — Claro, Van está absolutamente adorando que eu
pareça um pouco apavorada agora, mas ele acha que é apenas por causa de seu
tamanho.
— Merda, Juni — Van suspira para o teto assim que eu tomo sua ereção em
minha boca. Deslizo em minha garganta com cuidado, com medo de engasgar.
Eu faço. Duas vezes.
— Admiro o entusiasmo — ele ri, sem fôlego, — mas não precisa ir tão
fundo. Está bem.
— Ok — ele ofega, alisando meu cabelo. Ele o reúne na minha nuca para me
puxar gentilmente. — Eu preciso te foder.
Precisa. Fico inexplicavelmente feliz por ele ter escolhido essa palavra.
Nós nos reposicionamos no chão. Ele me beija, misturando nossos gostos até
que nós dois gememos e nos pressionamos contra a coxa um do outro.
— Por favor, me diga que você está tomando pílula. Injeção. A porra do DIU,
até. Qualquer coisa que me deixe entrar em você. — Seus dentes afundam em meu
lábio e recuam. Ele vibra, inchado e latejando de prazer, quando ele o solta. — Eu
quero te foder sem nada entre nós.
Meu pulso enche meus ouvidos quando balanço minha cabeça. — Não tenho
nada.
— Por quê?
— Bem, um, esta é minha posição favorita. — Sua risada força uma de mim,
mas meus pulmões apertam ao perceber que não estou nem perto de ser a primeira
de Van. Esses preservativos provavelmente nem foram roubados pensando em
mim.
Mas o tempo para pensar acabou, porque Van entrou em mim. Um golpe
longo e rápido, todo o caminho para dentro.
Sou grata por sua escolha de posição; ele não pode me ver estremecer. Eu
empurro meus cotovelos para que eu possa pressionar meu rosto no tapete.
Através da dor, existe prazer. Galões disso. Eu nunca senti nada parecido
com isso – uma emoção dolorida e profunda que não apenas mascara a picada, mas
parece se alimentar dela.
— Deus, você é tão boa. — Seus quadris balançam em mim. Sinto minha
bunda e minhas coxas tremerem com seus movimentos, mas ser autoconsciente
sobre isso nunca passa pela minha mente. Eu gosto disso.
Gosto que meu corpo seja varrido pelo terremoto que ele está criando, ao
nosso redor.
— Todo mundo lá fora sabe que você está sendo fodida. E quando o carro
parar de balançar todos saberão que você e eu acabamos de gozar. — Suas pontas
dos dedos afastam o cabelo da minha orelha; seus dentes se arrastam por cada
centímetro que ele descobre. — Você gosta disso? Pensando que todos sabem?
— Sério?
Seus olhos se turvam por um momento. Dei a ele informações que seu cérebro
não sabe processar.
Para ele, conviver com outros humanos pode ser impossível. Mas este
humano não se cansa dele.
— Tudo bem, então — ele diz, depois de uma batida, — vamos mudar para a
sua favorita para o segundo tempo.
Diga a ele.
Aço cobre sua voz. Mas quando eu viro e olho para ele, toda a sua expressão
mudou. A confiança se foi.
— Por que você não me disse que eu era o seu primeiro? — Ele pergunta,
parecendo tão furioso consigo mesmo que é incrível como ele gentilmente me coloca
na cama.
Enquanto ele sobe ao meu lado, limpo o suor quente de sua testa. — Você
teria acreditado em mim?
Van desliza a mão pelo meu cabelo e desce até o queixo. — Não sei. Tempo
juntos? Todas as nossas conversas olho-por-olho? Talvez seja estar aqui na
natureza. — Ele sorri. — Você disse que a natureza pode curar quase tudo. Por
que não isso?
Eu sorrio. Isso.
Meus olhos se fecham novamente. Tento guardar isso na memória, até sentir
em cada célula. Faz diferença por que ou quando as coisas mudam, contanto que
mudem?
Ele passa a língua sobre meus mamilos enquanto sua mão esfrega entre
minhas pernas. Seu polegar desenha círculos fortes e rápidos contra meu clitóris
quando ele levanta a cabeça para me beijar.
— Bom — ele diz contra a minha boca. — Deixa acontecer. Eu quero fazer
você gozar tantas vezes que você estará viciada em mim.
Impossível. Eu já sou.
Minha língua se enreda com a dele novamente. Cores ofuscantes levam meu
cérebro a nada, e endureço em seus braços quando o orgasmo queima através de
mim.
— Sua primeira vez deve ser um grande borrão disso — ele sussurra. — Não
o que eu acabei de fazer com você no chão. Quero dizer, isso é divertido como o
inferno – e não se engane, eu vou te foder até perder os sentidos em cada
centímetro quadrado deste carro, muito em breve.
Você pensaria que não haveria nenhuma pressão, certo? Eu poderia ser
péssimo nisso (isso é uma risada), e ela não teria como saber. Mas no segundo em
que descobri que era o dela... Eu tinha que nos tirar daquele chão.
— Van — ela gagueja enquanto afundo dentro dela e alcanço entre nós para
bater em seu clitóris com meu polegar novamente, — Eu acho...
— Diga, baby. — Eu lambo a pele atrás de sua orelha. — Diga-me que você
está perto de novo.
— Estou p-perto de novo — ela administra, antes que sua boceta tenha
espasmos por meio de outro orgasmo, ainda mais longo do que o primeiro.
Dou-lhe algumas estocadas suaves até que ela se recupere, então recomeço o
processo.
— Oh, Deus — ela chora, enrolando uma mão em seu cabelo e a outra no meu,
quando eu finalmente deixo meus quadris fazerem o que eles querem. Recuar mais
simplesmente não é possível. — Oh, Deus, Van, porra.
Outro primeiro: ouvi-la usar o nome do Senhor em vão.
Ela me disse que não sabe se ainda acredita em um deus ou não, mas isso –
junto com nenhum palavrão – me fez pensar.
Eles dizem que não há ateus em trincheiras. Eu digo que não há bocas limpas
nos quartos.
Meu cérebro desliga, tão feliz por finalmente conseguir sua onda de produtos
químicos que esquece que tenho pelo menos trinta quilos a mais do que ela. Eu
desabo em cima dela.
Seus olhos piscam para cima e para baixo no meu corpo. Eu a vejo traçar
minha tatuagem de avião de papel com uma unha, como uma lâmina, marcando
sua pontuação.
— Não é sobre ser perfeito. É sobre fazer o que parece perfeito para você.
— Minha mão pressiona as costas de Van novamente, endireitando sua coluna
enquanto ele resmunga outra maldição. — Você está pensando demais nessas
poses. Não é isso que você me diz para não fazer no skate?
— Yoga não é nada como andar de skate. — Ele me observa voltar para o
tapete. — Vamos fazer o cachorro olhando para baixo 29 novamente. Eu gostei
desse.
— Não consigo imaginar por quê. — A maior parte desta aula de yoga
consistiu em eu afastar suas mãos da minha bunda, seios e qualquer outra parte
do corpo que estiver ao alcance dele.
29
Eu o guio por algumas saudações ao sol 30 , ouvindo atentamente para ter
certeza de que sua respiração está sincronizada com a minha.
Quando desço para a postura de criança31, ele cobre meu corpo com o dele. Eu
o empurro, nós dois rindo até que um soar de trovão corta o ar. Isso me faz gritar,
mas Van apenas comemora.
— E quanto à tempestade?
31
— Mesmo uma inundação não poderia me impedir. — Ele fecha os olhos e se
inclina rapidamente para outro beijo.
— Só por isso — ele grunhe, enquanto estou presa sob ele e o peso de minha
própria risada, — sem música.
— Não! — Eu agarro seu braço enquanto ele passa por mim e esconde o tapete
de Yoga e a toalha de praia. — Você prometeu.
Ele não fez isso. Não oficialmente. Van realmente não faz mais promessas.
Mas ainda sei que ele falava sério quando me disse antes de adormecermos
ontem à noite, que ele tocaria gaita para mim hoje, pela primeira vez em anos.
O uivo melódico perfura o ar. É um tipo de música lenta e feliz, e sei o que ele
está sentindo.
— Eu tenho os sobrenomes dos meus pais, — ele grita para mim — porque
minha mãe queria que eu me lembrasse de que não importa quanto sangue
Durham eu tivesse em mim... eu tinha o dela também.
Ele coloca um pouco de água da chuva nas mãos e esfrega o rosto, sacudindo
o cabelo antes de olhar para mim. — Em outras palavras, para me lembrar de que
sempre tenho no mínimo duas opções. Não importa a situação. Não importa como
eu sinta vontade de reagir.
— Meu pai costumava ser um grande idiota — ele termina, lambendo a água
dos lábios. — Então ele conheceu minha mãe. Ela o consertou.
— As pessoas não se consertam. Eles apenas ajudam uns aos outros a ver que
algo precisa ser consertado.
— Nada. — Nos últimos dois segundos, eu percebi que não quero corrigi-lo.
Não importa o quanto eu discorde, eu me recuso a ser a pessoa que tira isso.
— Mostrei o meu — ele diz. Ele tira suas roupas e as joga na pia.
— Não consigo pensar em nada. — Nada que eu queira falar, agora. Este
momento é perfeito demais, um espaço minúsculo e sufocante com ele, no meio de
uma tempestade de verão, o mundo inteiro fechado.
— Bem — ele diz, inclinando a cabeça para drenar a água de suas orelhas, —
eu disse que meu pai costumava ser um idiota, então por que você não me conta
algo sobre seu pai? Você mencionou sua mãe algumas vezes, mas nunca ele.
— Oh. — Acho que essa resposta é bastante fácil: — Eu não sei quem ele é.
— Não, eu quis dizer que é uma merda, eu te dei algumas informações bem
decentes, e tudo que eu recebi em troca foi, eu não sei. — Van sorri quando eu rio,
mas seu olhar ainda me diz que este é um momento sério.
Ele fez isso muitas vezes, nos últimos dias, felizmente, me dando pedaços de
sua história, totalmente espontâneo, porque ele está tão determinado a obter mais
da minha.
E quando não dou a ele uma parte justa, ele me questiona sobre isso. — Às
vezes eu me perguntava se era nosso vizinho. — Tão rápido quanto um raio,
Rebecca passa pela minha cabeça. — A filha dele era minha melhor amiga. E
éramos muito parecidas.
Van assobia, franzindo a testa enquanto se senta na minha frente. Suas mãos
envolvem meus tornozelos, me girando quando eu paro de fazer isso sozinha. —
Você nunca descobriu com certeza?
Balanço a cabeça.
— Bethesda, foi a última vez que ouvi. Mas não sei. Nós não falamos.
Puxo minha mão para trás e rio, mas é interrompida quando ele abre minhas
pernas pelos tornozelos.
— Você tem certeza de que este é o caminho certo? O GPS não pode fazer cara
ou coroa com isso.
Juniper suspira como se esperasse que eu estivesse certo, mas sabe que estou
errado. Eu levo a mão ao corredor e aperto sua orelha. Ela retribui e cita o
equilíbrio.
— Tem certeza que não quer parar e me deixar retribuir ou algo assim? — ela
cantarola, tão fofa pra caralho. — Eu me sinto mal por você não conseguir terminar
antes que aquele segurança nos expulsasse do estacionamento.
Quando perguntei a ele o que diabos ele poderia ser autorizado a fazer
comigo, Juni me puxou para dentro pela orelha, garantiu ao cara que iríamos
embora e me deu um sermão sobre reclamar.
O primeiro carro que vimos nesta estrada sinuosa decide que oitenta
quilômetros por hora não são bons o suficiente. Não há faixa de ultrapassagem,
mas isso não o impede: ele vira, dispara ao nosso redor e volta para a nossa frente
sem um único aviso.
Eu piso no freio. O instinto joga meu braço para o lado para amarrar Juni em
seu assento, mas tudo que consigo é o espaço vazio do corredor.
— Então acho que também estou — ela diz, — porque você realmente não
deveria ceder à raiva na estrada assim. Tudo que você precisava fazer era buzinar
para ele. Olha, agora ele está desacelerando só para nos deixar loucos.
— Eu vejo isso. E se Eloise fosse alguns anos mais nova, eu passaria direto
por ele — desacelero até que o para-choque do carro esteja novamente visível,
— Tempo32? Você está brincando comigo? Juni. Um maldito Tempo acabou de nos
ultrapassar. Somos a coisa mais lenta do mundo, agora.
— Ah, mas você está esquecendo sua própria cabeça dura — retruca, — que
está absorvendo meu ponto de vista tão rápido quanto uma esponja absorveria
xarope frio.
Quando estendo a mão para bater em sua orelha desta vez, ela pega minha
mão e a enfia em sua camisa, inclinando-se no corredor.
— Talvez — ela ri, soltando-se, — mas funcionou, aposto que você não está
mais com raiva.
— A compilação que postamos em sua página ontem está indo muito bem —
ela diz. — Toneladas de visualizações e comentários.
— Hã. Isso é bom. — Tento ficar animado com minhas coisas de mídia social,
mas simplesmente não consigo. Ela pode muito bem estar descrevendo o processo
de fabricação de anéis para cortinas de chuveiro para mim.
— Você é ridículo.
— Simplesmente insaciável.
32O Ford Tempo e seu gêmeo, o Mercury Topaz, são carros compactos produzidos pela Ford Motor Company nos
anos modelo 1984 a 1994.
Ela ri, mas eu não estava brincando. Essa garota não tem ideia do que ela faz
comigo.
— Se você precisa.
— Por que você usa Van Andreas em vez de seu nome verdadeiro?
— Justo. Só pensei em jogar isso enquanto falamos sobre sua mídia social.
Não gosto disso. Juni já deve me conhecer bem o suficiente para entender
exatamente por que não capitalizo minha linhagem de Durham. Eu nasci
nisso. Não ganhei.
— Vou te dizer uma coisa, vou adicionar meu nome verdadeiro às descrições
de meus vídeos no YouTube – meio que enterrando lá, mas não escondendo
também – se você me contar algo real sobre de onde você veio. Nenhuma dessas
pequenas espiadas atrás da cortina. Algo real.
Juni desliga a tela do telefone, desfaz o cinto e se vira para mim como se
esperasse por isso o dia todo. Eu estou realmente dentro disso.
— Elas ainda são úteis, no entanto, — diz ela. — Às vezes, só precisamos que
nossa dor seja reconhecida.
— Não. Eu não acredito. É apenas uma carta de Get Out of Jail Free33 para
a consciência culpada das pessoas.
O ar recebe uma carga. Se a cadeira dela pudesse girar para o outro lado, ela
provavelmente a colocaria de costas para mim, de repente ela parece tão
desconfortável.
— Você está falando de mim? — ela pergunta suavemente. — Por que... sinto
muito pelo que fiz a você.
33 Uma carta Get Out of Jail Free é um elemento do Monopólio, do jogo de tabuleiro, que se tornou uma
metáfora popular para algo que tirará a pessoa de uma situação indesejada.
Juni respira calmamente e profundamente. — Ela teria morrido... estando
você lá ou não.
— Já é ruim ela ter morrido aos 46 anos — prossigo, — mas ficar sozinha
naquela cobertura, quando aconteceu? E ter seus últimos pensamentos sobre uma
discussão comigo que eu nem consigo lembrar mais, foi tão estúpida?
A dor se espalha para meus olhos, mas não estou preocupado em chorar na
frente dela.
Na verdade, quase receberia bem isso. Seria bom ter uma prova de que meus
canais lacrimais ainda funcionam.
Sem pensar, meus olhos piscam para a lua acima. Eu sei que Juni está
olhando para ela também.
— Espere... seu pai ainda acha que você estava com ela, quando aconteceu.
— Silenciosamente, sua respiração falha.
— Obrigado.
— Mas vê? Você não se sente melhor, de alguma forma, ouvindo uma pessoa
dizer isso?
Os minutos passam enquanto ela pensa. — Minha mãe era jovem quando me
teve.
— Eu quero que você pare de me dar esses detalhes sem nada que, sim, são
intrigantes como o inferno, mas na verdade não me diz uma maldita coisa sobre
quem você costumava ser. Eu já sabia que sua educação era estranha, isso ficou
bem claro quando você podia enfiar a linha na velha máquina de costura da minha
mãe como uma porra de uma turma da Nascar, mas não conseguia ligar um laptop.
Não me diga o que eu já sei.
Bato no volante com a palma da mão e mordo minha bochecha para não
gritar. Incrível como os últimos dias foram diferentes..., mas uma cutucada no
passado e aqui estamos.
Estranhamente, acho que ela está com mais raiva desta vez.
Talvez fosse bom para ela aumentar um pouco o volume. Deixar explodir.
— Você me disse para parar de dar detalhes. — Sua voz é baixa. Não
exatamente silenciosa, mas comprimida, assim como o resto dela enquanto se
encolhe. Como costumava fazer. — Mas no final, é isso que você tem me dado.
Certo? Detalhes. Partes. Foi com isso que concordamos. E isso é tudo que posso lhe
dar agora.
— Não me trate assim. — Meu pulso escoa pela minha cabeça, batendo em
cada centímetro do meu crânio. — Nunca mais. E depois de tudo o que passamos,
se você não pode confiar em mim o suficiente para simplesmente colocar tudo para
fora, então talvez nós...
Eu me pergunto se meu pai sabe que seu conselho me seguiu por todo o mapa,
tagarelando em meu ouvido pior do que meus próprios pensamentos.
E então, pelo maior milagre do mundo, eu calo a boca. Sem mais estímulo,
mesmo que esteja me matando saber que há muito mais sob a superfície do que
ela me mostra.
Van não precisou terminar sua frase. Eu sabia exatamente quais palavras
seriam as próximas. Já esperava por elas, temendo o momento em que caíssem de
sua boca, desde que ele me beijou naquela pista de skate.
Naquela época, eu sabia que não poderia tê-lo. Havia muito a fazer e muitos
quilômetros a percorrer, muito ainda para aprender sobre este mundo. O mundo
dele. E precisava estar sozinha.
Por mais grata que eu estivesse pela orientação de Van, eu estava cansada
de professores me contando como eram as coisas. Líderes me levando onde eu não
queria ir.
Van olhou para mim como se eu fosse um presente estranho e perfeito caído
do céu a seus pés. Parecia que eu era...
...encantada.
Até ele tinha alguns padrões para eu cumprir, por mais inocente que
fosse. Ele me disse que eu o fiz sentir coisas novamente. Ele acreditava que eu
poderia consertá-lo.
Eu queria desesperadamente ser a garota que ele precisava. Mas não era. Eu
nunca poderia ser ela, não mais do que ainda poderia ser Jescha. Não havia
encantamento em mim, sem respostas... sem soluções rápidas. Apenas uma
fugitiva, ainda mais perdida do que ele.
Ele se aproxima. O outro lado da cama afunda com seu peso. Tensa, fico de
costas para ele e treino meus olhos no livro.
— É sobre o que?
— Pare, Van. Vim aqui porque não estou com vontade de ficar perto de você
agora, muito menos de conversar.
A passagem que tenho relido nos últimos dez minutos fica borrada. Duas
lágrimas escorregam para o lado do meu rosto.
— Dito isso — ele exala, — eu agradeceria se você pudesse tentar ver o meu
lado também. Conheço você há sete anos e ainda não conheço sua história.
— Você me conheceu duas vezes em sete anos. Não por sete anos. E de
qualquer maneira, e daí? Eu te conheço há tanto tempo, e ainda não tenho sua
história.
— Sim, você tem. Qualquer outra coisa seria apenas mais exemplos das
mesmas coisas. Então talvez você não tenha ouvido tudo, mas você sabe tudo.
Ele se inclina para perto, pairando acima de mim. Seu peso muda a cama
para que eu role e não tenha escolha a não ser encará-lo.
— Eu te contei tudo — ele diz. — E não farei você me contar o resto da sua
história se não quiser, mas..., mas se você não puder? Tipo, sempre?
— É The Phoenix Seer. — Por fim, rolo e olho para ele. — Minha melhor
amiga e eu o líamos o tempo todo. Bem, não esta cópia exata, obviamente..., mas
nós íamos furtivamente até meu sótão e nos revezávamos lendo capítulos uma
para a outra.
Porque não é pouco. Parece uma peça tão pequena, mas para mim... é tão
difícil de dizer quanto a história toda.
— Eu tenho mais uma pergunta. Por enquanto. — As pontas dos dedos dele
estão incrivelmente quentes no meu pescoço, movendo meu cabelo até que ele
possa descansar seus lábios lá. — Se você não tinha permissão para tê-lo, como
você conseguiu o livro?
Seus dedos traçam meu quadril, deslizando pelo meu umbigo e agitando as
páginas do livro, enquanto ele espera pacientemente que eu termine.
Aquele Van não teria falta de comentários cortantes e insultos para jogar em
mim, trazendo a história antiga das profundezas tão rapidamente quanto eu joguei
seus pertences naquele lago.
— Aposto que aquela garota te perdoaria. — Ele beija minha nuca. Eu o sinto
sorrir quando suspiro, maravilhada em como esse pequeno toque pode trazer tanta
felicidade. — O livro obviamente significa muito para você, a ponto de procurar
outro exemplar.
— É por isso que guardei o iPod que seu pai me deu. Ele me lembrava de você.
— Você poderia ter levado uma foto com você. Deus sabe que havia muitas.
Não tínhamos fotos em minha casa. Apenas uma única pintura a óleo da
crucificação, bem sobre a mesa de jantar, acima do prato extra que mamãe ou eu
sempre preparava. Era dez por cento de cada refeição, destinado a ser uma oferta
de agradecimento ao Senhor. Sempre achei bobo, e talvez até um pouco insultuoso
a Deus, acabarmos jogando aquela comida no lixo todas as noites.
Penso em contar isso para Van e dar a ele mais um pedaço da história..., mas
só de lembrar me deixa exausta. Frágil. Sentindo saudades da minha mãe muito
mais do que pensei que ainda fosse possível.
— Eu queria uma foto de nós dois — digo a ele em vez disso, as palavras
arrastadas pelo sono, — e nunca tiramos nenhuma.
A cama se move. Estou muito longe para me virar e ver aonde ele vai; fico
feliz quando ele desliza de volta atrás de mim.
De repente, um flash sangra pelas minhas pálpebras.
— Aí.
Eu mudo meu telefone para o outro ouvido e aceno para Juni enquanto ela
desaparece na farmácia. Ela está convencida de que minha febre baixa deve ser
uma pneumonia mortal, então passamos a maior parte do dia discutindo se devo
ou não consultar um médico.
O acordo: ela pode me dosar com qualquer remédio que ela queira até
chegarmos ao próximo estado. Se não estiver melhor até lá, eu irei.
— É, uh... é por isso que eu queria que você me ligasse mais cedo. — Papai ri
baixinho e suspira. Ele está chateado por eu nunca ter respondido, e não posso
culpá-lo.
Eu deveria ter ligado. Devo ser capaz de reunir mais de um simples,
parabéns, por sua segunda chance de felicidade.
— Foi apenas Megan e eu, com algumas testemunhas aleatórias — ele diz, —
se isso ajudar. Não é como se tivéssemos um grande casamento e todos esses
convidados, e simplesmente não tivéssemos convidado você.
— Não, eu sei. Não estou, tipo, chateado ou algo assim. Casamentos são
chatos.
Sua risada é real desta vez, alta e zumbindo em meu crânio. Eu me sinto
sorrir.
— Jesus, pai. E todos aqueles sermões que você me deu sobre preservativos.
Desta vez, sua risada soa cagada de medo, que é a única resposta apropriada
que posso pensar. Megan tem quarenta anos; ela ficará bem. Muitas mães nova-
iorquinas estão carregando carrinhos de bebê e perseguindo crianças na idade
dela. Mas meu pai está chegando aos sessenta. Homens da idade dele mudam suas
posturas de golfe, não as fraldas.
— Parabéns por isso também. — Parece uma pergunta, mas ele ainda me
agradece. — Está, uh... Megan está animada?
— Oh, ela está emocionada. Você sabe que ela sempre quis um filho.
Fico feliz que ele não possa ver a cara que faço quando digo sim, eu sabia
disso. Megan é legal e tudo, mas ainda tenho um gosto amargo na minha boca de
quão amiga ela agiu quando nos conhecemos. Eu disse a ela que apreciava o
entusiasmo, mas eu tinha 21 anos na época, não precisava de nenhuma
mãe. Encontre outro Garoto Perdido, senhora, porque este cresceu.
Papai me deu um tapa decente na minha nuca por isso. Novamente, eu não
poderia culpá-lo.
— Como você está se sentindo? — pergunto, imaginando que devo a ele uma
conversa de verdade. Não sei por que não conversamos mais, para ser sincero. Nós
nos damos bem agora.
Especialmente por telefone, onde ele não pode ver as caras que faço quando
ele me irrita. Talvez seja por isso que ele se apega tanto às cartas, elas removem
meu tom de merda também.
— Não é como se fosse seu primeiro rodeio — ofereço. E se ele conseguiu criar
o bebê Van de um idiota cutucador para um adulto crescido sem emoções, quase
cético e questões de raiva à parte – ele pode lidar com quase tudo.
— Verdade. Mas acho que esse é o meu problema. Seus dias de bebê parecem
ter sido há muito tempo e tudo mudou desde então. Você sabia que monitores para
bebês têm câmeras de vídeo agora?
Por precaução, decido acrescentar mais uma coisa antes de desligar: — Você
se sairá bem. Mais lento e grisalho, sim...
— Mas não é como se você começasse do nada. Você conhece as cordas, desta
vez. — Agora estou realmente feliz por ele não poder ver meu rosto, porque então
ele saberia que cuspir isso parece cinquenta desculpas de uma vez. — Você é um
ótimo pai.
— Sinto muito, as linhas devem ter se cruzado. Achei que estava falando com
meu filho.
— Veja — suspiro, — é por isso que não posso elogiar as pessoas. Todo mundo
é um espertinho.
— De nada — murmuro.
— Você apenas terá que perdoar minha descrença. Não estou acostumado a
você elogiar, muito menos a mim. O que está acontecendo com você aí? A vida na
estrada deve estar mudando você.
— Talvez um pouco.
Insira alguma piada do tipo “continue assim”. Não tenho energia para pensar
em nenhuma.
Especialmente agora.
Isso, e não quero que ele me pergunte como Juni está, como acabamos juntos,
ou as centenas de perguntas que eu sei que ele terá, porque não sei se minha boca
poderia resistir a fazer a única pergunta relacionada a Juniper que eu tenho para
ele.
Acho que preciso desse pedaço da história de Juni mais do que qualquer
outra. E é por isso que estou com muito medo de perguntar.
Não há razão para suspeitar que ele seja algum pervertido que rouba
berços. Megan sendo quase duas décadas mais jovem o fez pensar; esqueça
qualquer um mais jovem do que isso.
E Juni diz que não é o que parecia. Seja lá o que isso signifique, sei que
preciso confiar nela. Não podemos funcionar se não o fizer.
Meu mapa mental destaca as rotas que Juni e eu planejamos tomar. Quando
ele estiver na cidade, estaremos em Utah. Não adianta voltar para a costa leste.
— Sim, talvez — digo a ele, só para não quebrar o coração do cara. Depois
que desligamos, porém, eu percebo que realmente quis dizer isso. Sinto falta dele.
Ela cumprimenta meu sarcasmo com um falso sorriso sedutor. — Aposto que
posso fazer você tentar isso.
— Poraaaa, sim.
O sorriso dela é tão brilhante que estou surpreso que a água não chie direto
para fora dela. — Fantástico!
— Vamos celebrar.
A água que sua toalha deixou escapar brilha como a luz das estrelas em seus
ombros. Eu lambo cada conta e migro para seu estômago.
— Oh. Acho que devo verificar, hein? — Meu cérebro poupa duas células por
tempo suficiente para eu pegar meu telefone. — Uh... Medora. — Olho para ela. —
Dakota do Norte.
— Quando foi a última vez que você foi lá? — ela pergunta.
— Não voltei desde que você partiu. — Enrolo sua toalha e prendo-a na
cadeira de rede. — Papai e eu terminamos o verão, voltamos para Nova York e me
mudei.
Seus braços se cruzam, abraçando sua cintura. — Foi por minha causa?
Isso a faz sorrir e relaxar. Minha língua arrastando por suas coxas
certamente não machuca. — Bom. Gosto da ideia de ainda estar lá e de Howard o
ter.
Talvez seja todo o nosso passeio pelas lembranças. Não é nenhum segredo
que ela prefere esquecer sua antiga vida, e estou começando a achar que isso pode
incluir suas semanas no rancho.
— Não, não, podemos fazer isso. — Ela é tão convincente quanto eu quando
minimizava minha febre. — Se você quiser.
Eu me recuso a parar. Alcanço por baixo dela para segurar sua bunda para
que ela não possa se afastar quando o pico termina, e tudo está sensível. Tenho
vergonha de ter levado várias noites para aprender isso sobre ela, se eu continuar,
mesmo quando seus instintos a fazem empurrar minha cabeça, posso fazê-la
chegar ao orgasmo duas, três vezes seguidas.
Agora ela sabe o que estou fazendo. Seus punhos cerram contra meu cabelo
enquanto ela luta contra o desejo de me parar. Logo ela está ofegante novamente,
os quadris se contorcendo em minhas mãos enquanto eu devoro cada pedaço dela.
Ela cruza os braços sobre o rosto. Tudo o que posso ver é sua boca, os dentes
mordendo seu lábio com força suficiente para tirar sangue, quando ela termina.
Seu rubor se espalhou do pescoço para o peito. Ela adora minha conversa
suja, mas fica envergonhada com o quanto ela gosta disso.
— Sabe — digo a ela, balançando para dentro e para fora com golpes
profundos e lentos que nos fazem gemer, — eu percebi algo.
Ela coloca uma mão na minha nuca, a outra afastando meu cabelo do rosto. —
O que?
— Você nunca fala sujo. Quer dizer, inferno, eu só ouvi você xingar duas
vezes, então eu acho que não é nenhuma surpresa que você não possa dizer pau ou
boceta ou Foda-me loucamente, Van, ou...
— Eu posso — ela ri baixinho, — eu só... não faço. Todas essas palavras soam
tão forçadas, quando as uso. — Ela pousa o dedo nos meus lábios. — Mas elas se
encaixam perfeitamente na sua boca imunda de marinheiro.
Desta vez, quando eu finjo que vou abocanhá-la, ela me deixa fazer isso. Eu
mordo suavemente e molho a ponta do dedo até que ela saiba exatamente o que eu
gostaria que ela fizesse com ele.
Quando ela chega entre nós para esfregar seu clitóris, quase perco o
controle. Ela é muito tímida em se tocar na minha frente.
— Eu gozei tão rápido e fortemente ouvindo você dizer apenas uma coisa suja.
— Eu recuo para a ponta, em seguida, penetro com força novamente.
— Diga-me para te foder. Diga-me que você está prestes a gozar no meu pau.
— Merda, Juni — gaguejo, o som sufocado quando empurro meu rosto em seu
pescoço e empurro o mais fundo que posso. Meus ouvidos zumbem, tudo soando
como uma televisão no mudo quando eu solto.
Nós nos abraçamos por tanto tempo que nossos braços começam a
adormecer. Eu rolo fora dela; ela se enrola no meu peito e estremece.
— Viu? — ofego. — Você foi ótima. Continue praticando e você terá uma boca
ainda mais suja do que a minha.
Ela beija o caminho até meu peito. — Eu acho que a sua é suja o suficiente
para nós dois.
VINTE E SETE
— Não é como se isso mudasse minha vida, absolutamente. Eu não moro mais
com ele. — Van levanta um dedo do volante, apontando para uma saída com uma
Waffle House. — Café da manhã para o jantar?
Por mais tenso que ele pareça, decido pressionar um pouco mais. — Digo,
como o fato dele ter um filho com uma mulher que não é sua mãe.
Sob meu olhar, ele se contorce e estala os nós dos dedos no painel.
— Ok, sim — confessa, — é estranho. Mas vou superar. Quero dizer, o cara
esperou anos apenas para namorar outra pessoa, e já se passou uma década desde
que minha mãe morreu. Ele pagou suas dívidas de viúvo, isso é certo. Por que não
ter outra família enquanto ele ainda pode?
— Você sabe que não é isso que ele está fazendo. Ele ainda terá uma
família. Está apenas... expandindo. E isso significa que a sua também está.
— Boa ideia, mas um pouco simplista demais para o meu gosto — ele bufa. —
Os três ficarão sob o mesmo teto, vivendo uma rotina. Uma vida. Alguns feriados
e brunches de fim de semana podem me apresentar, claro, mas não faço parte do
elenco principal.
Pela primeira vez, não consigo pensar em uma perspectiva positiva para
combater a negativa. Possivelmente porque não soa mal, apenas factual.
Inevitavelmente, ele trará o beijo. Eu sei que algo em Van precisa dessa
resposta, embora ele não queira. E ainda não sei como explicaria a ele.
— Pare com isso. Estou bem. — Mudando de assunto, ele acena o telefone
para mim. — Mandei uma mensagem para Howard perguntando se podemos
passar a noite no rancho, quando a competição acabar.
— O que você quiser fazer — asseguro a ele, e forço um sorriso casual antes
que a garçonete volte com nosso café.
Ele não menciona nosso acordo há dias. Queria poder esquecer também: dizer
que tudo está equilibrado e aproveite este novo capítulo. Afinal, esse acordo foi
feito entre duas pessoas muito diferentes das que estão sentadas uma em frente à
outra agora.
Mas ainda tenho que consertar o que estraguei. Não importa o quanto as
coisas tenham mudado entre nós. Fosse o que fosse.
Afasto essas dúvidas, mas o eco permanece. Continuo ouvindo isso na voz de
Clara, em nossa conversa nos Hamptons.
Eu parei de mandar mensagens para ela agora, embora parte de mim esteja
morrendo de vontade de uma atualização sobre ela e Wes. Não porque adoro
drama. Acho que só preciso de uma prova de que uma garota pode namorar um
Durham e sair inteira.
— Deus, você e suas hashtags. — Van espia por cima do meu ombro enquanto
público minha foto no Instagram: o Transit, visto pela janela da Waffle House,
reflexos de letreiros de neon e caminhoneiros borrados no vidro.
— Não existe. — Ele gira minha cadeira para o corredor e me beija quando
passa, me girando de volta antes que eu possa recuperar o fôlego.
Paramos para abastecer perto de Lincoln; eu aceno contra minha janela.
Pela maneira como ele agarra o volante, respirando com dificuldade e olhando
para frente, sei que não é um desses momentos.
É algo diferente.
Algo pior.
Quando pego seu telefone e rolo, isso se espalha pelo meu coração.
Você sabe que é sempre bem-vindo aqui, Van. Mas não sei se a visita
de Juniper é uma boa ideia.
Seu pai não queria que eu contasse isso na hora – ele sabia que você
não aceitaria bem – mas agora que sei que você está namorando-a, parece
errado manter minha boca fechada.
Dirigimos por cerca de vinte minutos antes que eu não aguentasse mais. Eu
paro ao lado de um campo e saio.
Algo horrível vive dentro de mim. Mais forte do que qualquer cão de guarda,
mais nojento do que qualquer parte quebrada da minha alma, me faz caçar o único
botão que certamente destruirá uma pessoa. Qualquer um que me machuque,
embora eu não possa admitir que seja o que eles fizeram.
E não apenas aperto esse botão. Eu bato com tanta força que se estilhaça.
Eu sei que ela era virgem. Foi a maneira como ela se abriu para mim. Me
beijou.
Segurou em mim.
Mas a coisa fodida dentro de mim quer pegar o presente de Juni e transformá-
lo em algo irreconhecível, amassá-lo e chutá-lo de volta para ela.
E como não posso, acho que insultá-la fingindo que não era real é a segunda
melhor coisa que a besta pode inventar.
— Sim. — Acendo o cigarro com muita força, quebrando-o. A coisa toda sibila
quando jogo um pouco na água da chuva e a encaro. — Você pode parar de dizer:
Não é o que parece ou não é o que parecia, e realmente me dizer o que diabos era.
— Não por causa de qualquer coisa que eles fizeram — ela late, o eco de sua
voz engolido no nada do céu. — Apenas por causa do que eles
eram. Homens. Homens mais velhos. Aqueles que estavam me dando tudo isso,
me ajudando... Até aquele ponto, era tudo que eu sabia. Os homens esperavam
isso, especialmente se eles ajudassem de alguma forma. — Sua voz falha e ela se
acalma. — Era assim de onde eu vim.
— Crown Plains.
Acho que ela está batizando o campo ou algo igualmente maluco, até que olho
para ela e vejo que está com os olhos fechados, encostada no para-brisa. Seus pés
descalços balançam com a brisa.
— Exatamente. Não era real. É assim que nos disseram que se chamava.
Ela passa as duas mãos pelo cabelo enquanto eu fico lá e lamento o fato de
que nunca serei capaz de ver uma mulher fazer isso sem pensar nela depois de um
orgasmo, ou Yoga, ou quando o ar está abafado e o suor escorre em sua espinha do
jeito que eu amo.
Lamento muito mais do que isso, na verdade. Como chegamos aqui, de volta
ao ponto de partida?
— Quem? — Foda-se, eu acendo outro cigarro. Meu peito dói muito para
conseguir mais do que um par de tragos, então eu jogo aquele na poça
também. Parece que há uma pedra no meu peito, mas meu inalador só ajuda um
pouco.
— Nossa igreja.
— Sua igreja? — Eu zombo, embora não seja minha intenção. Parece tão
bizarro, não sei mais o que fazer. Que igreja inventa um nome de cidade falso, só
para se divertir?
— Quanto mais eu sei sobre você — digo a ela, — menos sinto que eu sei.
Ela abre os olhos e me encara. — Nada que você não consiga descobrir online.
— Não falo sobre a porra das suas postagens no Instagram ou no blog — grito,
mas apenas porque ela fechou a porta antes que eu pudesse falar.
Não, cabeças. Acho que tem um milhão, cada uma rangendo seus próprios
dentes e gritando uma ideia diferente e horrível para mim.
Eu soco a porta lateral sem pensar, sem me importar se ela deixar uma marca
e quebra minha mão. Eu a flexiono enquanto ando pelo Transit, me perguntando
se é mais apropriado chamar Howard para uma carona de onze horas até sua casa
do que se minha mão estiver quebrada. Eu decido não em ambos os casos.
Portanto, isso não deve perfurar minha cabeça como faz, afiado pela
percepção de que uma namorada – uma verdadeira – nem mesmo sugeriria isso.
E um namorado nem mesmo cogitaria. Mas aqui estamos. Não acredito que
pensei que íamos funcionar.
O que é realmente patético é que, pela primeira vez na minha vida, eu estava
realmente pensando com a minha cabeça. O bom senso me disse que é claro que
nós funcionaríamos, se apenas quiséssemos o suficiente. Claro que ela me contaria
a verdade antes que fosse tarde demais para importar.
O silêncio vibra tanto que estou convencido de que é a conexão auxiliar, até
confirmar que o aparelho está desligado. Ela está com seu iPod nas mãos,
segurando-o como se ainda fosse a coisa mais preciosa que ela possui. Como se
estivesse com medo de que eu tirasse dela.
A besta quer. Ele sabe, sem dúvida, que jogar aquele pedaço de metal e chips
de computador nesta estrada quebraria Juniper Summers, do jeito que ela fez
comigo muitas vezes para contar.
— Estamos quites, Juni. — Eu bato meu inalador novamente para que ela
não possa ouvir o quão forte eu engulo. — Sua dívida está paga.
A menos que ela possa me dizer, de uma vez por todas, do que ela fugiu. Do
que ela ainda está fugindo, ela querendo admitir ou não.
Mas é muito tarde. Qualquer que seja sua história, não pode ser suficiente
para desfazer o resto.
— Ok — ela diz tão suave que se afoga na agitação que rasga nossas
janelas. Eu as abaixo para tentar respirar melhor. Agora acho que acabei de criar
um vácuo, sugando qualquer coisa remotamente valiosa para fora deste carro.
Ela vai para a cama. Tudo o que posso pensar em fazer é continuar dirigindo.
As pessoas sempre dizem que as coisas ficarão melhores pela manhã. Acho
que não é desse tipo que eles estão falando.
— Cristo — Van suspira quando volta para dentro após fumar. Pensei em
oferecer um guarda-chuva, mas era tarde demais; ele já havia caído na chuva. Nas
duas horas que estive acordada, vi o céu ficar cada vez mais escuro. Em um ponto,
acho que era verde.
— Aqui. — Passo uma toalha que ele se recusa a pegar, mas muda de
ideia. Ele até me agradece.
Temos uma troca semelhante quando ele tem um ataque de tosse e não
consegue encontrar o inalador, mas eu o desenrolo do retrovisor, onde ele o
pendurou, e jogo para ele.
Não sou especial o suficiente para proteger e muito sem importância para ser
odiada. Estou sendo esquecida.
— Se vou te levar para Medora e esperar pela competição, então te levo para
o rancho — digo, me recusando a tirar os olhos do meu telefone enquanto ele muda
para roupas secas, — ou se você prefere ir direto para o rancho agora, e Howard
leva você para a competição.
Tradução: se eu ficarei mais dois dias com você... ou mais algumas milhas.
Não consigo decidir o que prefiro. Este último é um pouco menos doloroso.
O primeiro significa um pouco mais de tempo ao sol, mas mais longe para
cair.
— Estamos a três horas do local da competição — digo a ele, antes que ele
possa terminar seu pensamento, — ou a uma hora do rancho. Apenas me diga para
onde estou levando você.
Um: Van precisa entender minha história, toda a coisa feia, para confiar em
mim.
E dois... não posso contar até saber que ele confiará em mim de qualquer
maneira.
Chegamos a um impasse, que deveríamos ter visto o tempo todo. É melhor
admitirmos para nós mesmos agora, em vez de mais tarde. Não podemos
funcionar.
Van e eu somos feitos de cera e penas. Nunca foi uma questão de se cairmos,
perto demais do sol para nosso próprio bem.
Geralmente, Van insiste em dirigir quando o tempo está ruim. Sua visão é
pior do que a minha, mas sua confiança em tempestades é exponencialmente
maior. Ele gostava de brincar que era, à sua maneira, um bom equilíbrio.
Hoje, chegamos a cerca de vinte minutos de tempestade quando ele diz que
quer trocar.
Aí eu me lembro de que não é mais minha função cuidar dele, então fico quieta
e começo a dirigir.
Ainda não consigo decidir se é apropriado ou irônico que o menino que adora
voar por um céu cheio de sol, esquecendo que é mortal, esteja pintado com um
frágil avião de papel e uma lua imperfeita cheia de crateras, em vez de asas e um
sol.
E é tão perigosa e mortal, se você cair do lado errado. Meu coração não bate
forte quando chegamos ao rancho. Enquanto eu navego pelos sulcos da garagem
principal, varrendo meus olhos sobre os prédios e pastagens familiares, não sinto
quase nada.
— Fale comigo.
Não é apenas tristeza. É raiva, mais feroz do que qualquer outra que eu já
senti em relação ao que quer que controle este universo.
Por que isso me colocou na vida de Van, sabendo como estávamos quebrados
e destruídos?
Meu coração está se partindo, como acontece quando você tem que deixar
para trás tudo o que você conhece bem.
Estaciono longe o suficiente para que Howard não se sinta obrigado a vir
dizer oi, depois me viro para o corredor e chamo seu nome novamente.
— Van. — Eu arranco o cobertor dele. Seu inalador não está em seu pescoço.
Howard sorri da varanda, mas ele desaparece quando eu grito e paro na parte
inferior.
— Ei, está tudo bem. Nós vamos tratá-lo, Juniper, não se preocupe.
Howard hesita por apenas meio segundo antes de colocar a mão no meu
ombro. — Onde ele está?
— Lá atrás — digo a ele, sentindo-me uma criança feliz por passar isso para
um adulto de verdade. Deve ser o rancho, essa sensação de voltar no tempo, não
menos desamparada e insegura do que quando tinha quinze anos. Eu vejo Howard
escancarar a porta e entrar.
O medo é útil; a adrenalina que despeja em meu sistema me guia através das
ações que meu cérebro não consegue controlar. Molho uma toalha de praia na pia
e fico olhando enquanto Howard a coloca sobre Van. Eu me atrapalho com meu
telefone e ativo o cronômetro enquanto ele toma seu pulso.
Ligo para o 911 quando ele me diz que Van precisa de uma ambulância. Seus
lábios estão azuis. Ele não está recebendo ar suficiente.
É muito familiar, muito recente, o uivo das sirenes pelas copas das árvores,
os paramédicos me arrastando. Quando eles perguntam se estou indo com Van,
meu coração grita que sim. Sim, vou com ele. Vou ficar.
Eles dirigem.
Eles pegam meu protetor, meu Ícaro caído, e o puxam da minha vida como o
fio que eu não queria acreditar que ele era.
TRINTA
Isso me quebra.
Ele deve ter dito a ela que eu o beijei. É daí que vem sua hesitação. Eles não
podem confiar em mim.
— Ele ficará bem, querida. — Ela puxa sua cadeira para perto da minha e
me abraça. Eu me agarro a ela como se ela fosse minha própria mãe, e odeio que
meu instinto me lembre de que Crown Plains está por perto. Eu poderia ir procurá-
la.
Não, você não pode, a lógica recorda cruelmente. Crown Plains já não existe
mais. Onde quer que ele se movesse, a mamãe o acompanhava.
Candace esfrega minhas costas em círculos lentos e me diz coisas que sei que
ela não pode prometer. Estou feliz que ela faça, no entanto. Minhas lágrimas
secam. Meus membros estão firmes, especialmente quando abro os olhos e vejo
cada um de seus meninos na porta, em silêncio e encarando.
Cuide da sua mãe, quero dizer a eles. Ela está onde está sua casa.
34 Um arbusto ou pequena árvore da família das oliveiras da Eurásia, com flores perfumadas de
violeta, rosa ou branca e é amplamente cultivada como ornamental.
Não importa aonde você vá.
Quando estou calma o suficiente para me afastar, bebo meu chá e penso em
contar a Candace a verdade sobre o que aconteceu entre Howard e eu. Na
superfície, sim, é tão simples quanto a versão que tenho certeza que ele deu a ela.
Eu o peguei na cocheira, quando ele se sentou na cama que me emprestou para
testar seu peso.
Eu fiz.
Então me inclinei e pressionei minha boca na dele, apenas para acabar com
isso. Afinal, era inevitável.
Não era?
— Não — sussurrou, a raiva escurecendo seus olhos. Ele passou a mão pela
boca, como se esfregasse papel com uma borracha.
De onde eu vim... os homens não se sentam na sua cama sem motivo. Eles não
apenas ajudavam você. Eles sempre queriam alguma coisa.
A fuga aconteceu depois, quando saí do rancho. E tenho feito isso desde então.
— Tem certeza de que está bem para dirigir? — Candace fecha a porta do
motorista do Transit comigo, empurrando quando eu puxo, como se estivesse
secretamente feliz por se livrar de mim. — Howard deve ligar com uma
atualização, em breve.
Eu não estou esperando. Meu coração não se acalmará até que eu veja ou
ouça por mim mesma que Van está bem.
Então pego todas as suas roupas, seu telefone e o carregador. Sua toalha de
praia ainda está encharcada de quando Howard tentou abafar sua febre, então eu
coloco a minha no lugar.
Ele provavelmente nunca a usará; há uma mandala nela. Muito hippie para
Van.
Mas há um senso de justiça em dar a ele, e eu manter a sua molhada, que vai
além da conveniência. Existe algum tipo de equilíbrio.
— Candace me disse que você estava vindo, — ele diz — mas eu realmente
queria que você não tivesse dirigido.
Mas, estou aqui. Estou onde Van está. Isso é tudo que me importa, mesmo
que não possa ficar por muito tempo.
— Ainda não ouvi. — Howard aponta para uma cadeira, então eu me sento.
Ele me serve café. Gosto que ele e a esposa pensem em me consolar com
bebidas quentes. É como Wes e Theo me deixando usar seus chuveiros, um gesto
tão pequeno e simples, mas cheio de calor mais figurativo do que literal. Não sei
se algum deles sabe o quanto essas coisas significam para mim.
— Não. — Desta vez, meu coração usa minha boca como o microfone
deveria. Passo meu café a Howard e vou para o corredor. — Eu direi a eles.
Conto tudo a ele, quanto tempo Van ficou embaixo da água no lago Linon, o
nome do médico naquele dia, os antibióticos que ele não tomou. Eu até acrescento
o fato de fumar, toda a sujeira que ele provavelmente inalou ao andar de skate, e
quando ele caiu na piscina do Theo.
Meu rosto imita seu sorriso, mas não acho que seja convincente.
Pneumonia bacteriana, o médico nos diz. Nunca em minha vida odiei tanto
estar certa.
— A febre dele está baixa, e ele está tomando antibióticos e oxigênio. Ele já
está respondendo bem, mas precisamos mantê-lo aqui por alguns dias. Talvez
mais, com sua asma.
Lágrimas rolam pelo meu rosto novamente, ainda mais do que na casa da
fazenda quando Candace me abraçou. Eu quero ver Van.
Mesmo que apenas uma vez, para que meu coração pare de gritar
incessantemente e aceite que ele realmente está bem.
Mas estou com muito medo, porque se eu pegar a mão dele ainda mais uma
vez... não sei se conseguirei soltar.
Todo o pânico e agitação não desfizeram o que aconteceu entre nós na noite
passada. Nada mudou.
Não posso contar minha história a ele. Mas posso dar um fio para puxar, se
ele se importar o suficiente.
Howard olha para mim, não para a mochila. — Você não vai ficar? O que eu
digo a ele quando ele perguntar sobre você?
Ele disse que odiava, mas agora eu diria que era um presente. Sem
sentimentos para atrapalhar você pode fazer qualquer coisa. Não importa o quão
difícil seja.
E como qualquer pessoa que já conheceu Van sabe, é mais fácil simplesmente
dar a ele o que ele quer.
Howard respira confuso e diz que tudo bem. Eu o poupo do constrangimento
de um abraço forçado, estendendo minha mão. Nós balançamos, como se
estivéssemos transferindo uma ação pela honra de nossa palavra.
Candace suspira com a mão sobre o coração quando subo a varanda e digo a
ela que a Van ficará bem.
Sei que o entorpecimento ainda está intacto quando ela me abraça de novo,
porque, desta vez, não choro.
Ainda não.
Lágrimas queimam meus olhos enquanto olho para frente, seguindo uma
trilha de fumaça de madeira além das árvores.
O que foi que aquela garçonete me disse na minha primeira noite na estrada
com Van? Algo sobre ignorar um incêndio quando ela pensou sentir cheiro de
fumaça.
Isso é exatamente o que eu fiz. Ignorei as chamas, mesmo quando nos senti
derretendo. Senti o cheiro de fumaça e disse a mim mesma que não havia nada
com que me preocupar.
Limpo meus olhos. Coração partido me diz para dar meia-volta e voltar,
enquanto a autopreservação se pergunta qual direção trará menos dor no longo
prazo.
A tristeza lembra o que tínhamos. A amargura estala sua língua para mim,
um lembrete de que nunca realmente a tivemos. Foi apenas uma ilusão.
Ela se foi.
Não sinto sua ausência, desta vez. Meu cérebro brilhante descobre isso
quando Howard entra no meu quarto, minha mochila pendurada na ponta dos
dedos.
— Ei. — Bato em seu braço com minha mão com fio intravenoso. — Estou
bem. — Ainda me sentindo mal, mas bem. Se mais um médico me disser que tenho
sorte, terei de comprar um rolo inteiro de bilhetes de loteria só para espancá-los
até a morte com algo irônico o suficiente.
— Eu sei. — Ele esfrega o rosto com as palmas das mãos, meio para acordar,
meio para que eu não note o olhar vítreo em seus olhos.
Muito tarde.
Encontro o controle da minha cama e me sento, embora isso acerte meu peito
com uma marreta.
— Então isso foi pior — resmungo, — ou melhor, do que quando abri minha
cabeça naquela pedra perto de sua antiga casa?
Ele ri. — Basicamente o mesmo. Mas pelo menos naquela época eu esperava
que seus amigos aparecessem na minha varanda para me dizer que você estava
ferido. Este me pegou de completa surpresa.
— Não sei para onde ela foi, Van. Pode muito bem salvar seu orgulho e não
perguntar.
Meu orgulho é a porra da última coisa que preciso salvar, e nós dois sabemos
disso. Ainda assim, agradeço por ele ter falado diretamente comigo. — Quando ela
foi embora?
— Ela disse que era isso que você queria — ele deu de ombros, como se tivesse
acreditado totalmente no segundo que ela disse.
E eu acho que ele deveria. Foi o que eu disse a ela para fazer, deixar-me no
rancho e dívida paga. Deixar-me em um hospital com Howard ao lado da minha
cama em vez dela é basicamente a mesma coisa.
Mas os dois estão errados, dizendo que é o que eu queria. Não é. Apenas o que
deveria acontecer.
Quando a picada atinge meus olhos, posso fechá-los e fazer Howard presumir
que estou exausto. Ele se levanta e dá um tapinha no meu ombro.
— Descanse — ele diz. — Vou voltar para casa para ajudar Candace a colocar
os meninos na cama, depois volto.
— Eu sou um homem adulto. Você não precisa ficar comigo a noite toda.
Com aquela última torção de faca não intencional, ele sai. Afundo no
travesseiro e enrosco a cânula no nariz antes de decidir, por mais que odeie, preciso
disso.
Puxo minha mochila para mais perto e procuro meu telefone. Papai
provavelmente mandou mensagens ou e-mail algumas vezes, e tenho certeza que
Theo e Wes encheram minha caixa de entrada com preocupação genuína e piadas
de mau gosto. Eu ficaria desapontado por não ter uma única mensagem de
Juniper... se não percebesse de repente que nunca demos nossos números um ao
outro.
Deixa comigo sair com uma garota e nem mesmo saber a porra do número de
telefone dela. Quer dizer, estávamos morando juntos, para todos os efeitos e
propósitos. Mas ainda.
É The Phoenix Seer, o livro que ela me disse que leu em seu sótão.
De jeito nenhum isso foi um erro. Isso é quase o equivalente a ela colocar o
iPod aqui, ela nunca o perderia de vista por acidente.
Virá-lo em minhas mãos é como outro giro da faca rasgando meu peito, mas
principalmente porque sei que é um presente.
Eu disse a ela que a dívida estava liquidada, que estávamos quites – mas
entre isso e tudo o mais que ela me deu, foi pago e mais um pouco.
Como prometido, Howard retorna mais tarde naquela noite, mantendo vigília
ao lado da minha cama como se eu estivesse morrendo de cólera ou algo
assim. Conversamos sobre papai, Megan e o novo bebê, até que ele adormece na
poltrona.
Meu corpo está implorando para dormir também, mas meu cérebro não
aceita. Cada conversa com Juniper toca em meus ouvidos ao mesmo tempo. Cada
vez que discutíamos. Toda vez que fazíamos amor.
Fecho meus olhos e pressiono minhas palmas neles até que vejo cores em vez
de seu rosto.
Sem mais nada para fazer, abro o livro. Um capítulo depois, eu sei que não é
o que eu teria lido quando criança, muito menos agora.
Mas continuo lendo, só porque gosto de imaginar Juniper quando ela era mais
jovem, se escondendo e rindo com a amiga sobre seu pequeno ato de rebelião.
Essa memória não bate como um trem, mas como minha febre de antes, um
lento e implacável rastejar pelo meu corpo. No começo, isso me faz sentir um pouco
estranho. Não consigo identificar o motivo.
Quinze anos
À minha direita estava Elisha, uma menina nascida logo depois de mim que
me desprezava por isso. Eu podia sentir seu olhar por trás do véu, idêntico ao meu:
leve como gaze, mas ainda impossível de respirar. Assim que a Srta. Doris declarou
que estava pronto, tirei o meu e resisti à vontade de jogá-lo pela janela.
À minha esquerda estava Rebecca. Ela foi combinada com Caleb, porque o
conselho da igreja decidiu que sua beleza poderia aliviar o menino de seus
pensamentos pecaminosos. Ele chorou durante a confissão em grupo de que
sonhava com homens, e a cura aparente era dar a ele a noiva mais bonita possível.
Pelo menos Caleb tinha nossa idade. Meu par era Zachary, um homem de
quase trinta anos que eu ainda não conhecia oficialmente.
Fiz perguntas que ninguém queria responder. Cobicei coisas que não
podíamos mais ter, como bicicletas, ou filmes, ou telefones em nossas casas, em
vez dos monitorados na Casa Principal.
Minha cura? Um marido com idade para ser meu pai, que me colocaria no
meu lugar.
Era uma vez, eu pensei que era encantada, também.
Escolhida.
Não importava que eu tivesse nascido de uma mãe solteira, disse ele. Não
importava que eu me contorcesse na cadeira durante minhas aulas extras, aquelas
em que eu tinha que memorizar passagens inteiras da Bíblia antes mesmo de
poder ler, quanto mais saber o que as palavras significavam.
Eu era especial, ele me disse. Minha mãe também me disse isso, com tanta
frequência que se tornou minha memória mais antiga e forte.
Às vezes jantávamos com o Reverendo Barton em sua casa. Tive que manter
minhas roupas impecáveis, minha trança perfeita, durante a caminhada até o
morro com a mão de minha mãe suando na minha.
Além das aulas extras e esses jantares estranhos, minha infância não foi
diferente da de Rebecca ou de meus outros amigos. Brincamos em nossos quintais
compartilhados, pegamos sapos ao longo do rio e fizemos correntes de margaridas
mais compridas do que nossos braços podiam suportar.
Até que eu tinha sete anos e o Reverendo Barton teve outra visão.
O novo sucessor era um bebê cuja mãe quase morreu no parto. Masculino.
— Você é para mim — ela sussurrou, puxando-me para perto. Fechei meus
olhos e senti seu vestido encharcar minhas lágrimas. Eu queria acreditar nela.
Ao sair, eu a ouvi falar para outra pessoa: — Que desrespeito. O marido dela
terá um trabalho duro.
Eu sabia que era inútil, no entanto. Eu era o problema em suas mentes. Eles
ainda acreditavam em cada palavra que o Reverendo Barton lhes dizia.
Assim que Elisha desviou da grade de casas pré-fabricadas até a casa dela,
Rebecca pegou minha mão e disse: — Esta noite.
Planejamos nossa fuga por um mês, desde que nossos pares foram
anunciados.
Não foram apenas os próprios homens que nos fizeram querer partir. As
coisas estavam mudando.
Os arranjos de casamento aconteciam todos os anos; isso não era novo. Mas
a redução repentina do limite de idade do conselho de dezesseis para quinze, sem
explicação, era.
Circulava um boato de que a Unity Light, nossa igreja, estava abrindo uma
nova comunidade. Uma muito, muito longe de Crown Plains.
35
Atos Cotidianos.
— A cerca tem o dobro da altura da escada do sótão, eu acho. Podemos subir
a escada do sótão em quatro segundos, então a cerca deve ter oito.
Nós duas sabíamos que, quando chegasse a hora de partir, não haveria
nenhum plano. Nós apenas correríamos.
— E o outro lado?
— Não haverá tempo para descer do outro lado. Temos que pular.
Coloquei minha mão sobre a dela enquanto ela anotava mais números. Mais
cálculos que não importariam, em algumas horas.
— Você prefere se casar com Zachary? — ela respondeu, sem ser afetada.
Minha mãe, ao contrário, caíra em desgraça há muito tempo. Ela tinha menos
laços com este lugar.
— Simples assim — ela soluçava sempre que o Reverendo Barton pedia que
ela compartilhasse seu testemunho com os novos membros, — eu tinha uma
família novamente. Um lar. Mesmo sem me conhecer, a Unity Light me acolheu.
Eles salvaram minha vida.
Ela me disse que a igreja era menor quando ela se juntou, uma comunidade
acolhedora de amor infinito e inabalável.
Talvez seja porque eu nasci nisso, mas a Unity Light parecia longe de ser
perfeita. A vida era um sistema de regras que mudava por capricho do
conselho. Eu e as outras crianças fomos disciplinadas por todos, não apenas pelos
nossos próprios pais, é dizer toda uma aldeia. Nossas transgressões podem ser tão
pequenas quanto reclamar de nossas roupas estarem muito quentes ou pedir por
repetir no jantar.
Em vez de cultos quatro noites por semana, agora nos encontrávamos duas
vezes ao dia, e Barton não lia mais a Bíblia. Ele simplesmente nos deu relatos
errantes e inflamados de suas visões, que ficavam mais assustadoras. Mais
ameaçadoras. Ele nos disse que o mundo estava desabando. Não estávamos
seguros fora de Crown Plains.
Ele não era mais um mensageiro de Deus, disse ele. Ele se tornou a própria
mensagem. Ele escreveria a nova Palavra, e nossa comunidade sobreviveria
quando o resto deste mundo perecesse – mas apenas se fizéssemos exatamente o
que ele disse.
— As cercas são para manter o lado de fora do lado de fora, Allison. Para não
nos prender. Você está com dúvidas?
Eram os homens.
Nunca foi além disso, pelo menos comigo. Percebi que se quebrasse a regra e
me movesse um pouco, beijando-os de volta, eles iriam embora mais rápido.
Cada vez que eu voltava, mamãe parecia pior do que quando a deixei, como
se ela também não tivesse comido.
— Não — ela disse à mãe de Rebecca, muito rapidamente, —claro que não. Eu
só... E se quisermos visitar a família?
— Isso foi anos atrás, no entanto. Antes de Jun... Jescha — corrigiu, — sequer
nascer. Meus pais podem entender, agora.
— Não acho que eles fariam. Mas se você quiser tentar... tudo o que você
precisa fazer é sair.
Na realidade, não era tão simples. Não depois que duzentos membros
diminuíram para cem, e então cem diminuíram para setenta. Agora, a mera
menção de se sair rendeu a você um retiro opcional.
Quando restaram cinquenta membros, mal víamos Barton mais. Ele gravou
seus discursos frenéticos em uma fita cassete que um dos membros do conselho
tocou em um alto-falante, o áudio guinchando e estalando ao nosso redor como
toras sendo queimadas. Dizia-se que ele nem morava em Crown Plains agora.
Não que eles tivessem que impor muito. Os mais céticos já haviam partido. A
maioria dos membros que permaneceram se agarraram a cada palavra que
pingava da boca agora gravada de Barton.
A única coisa que ela ainda tinha de sua antiga vida eram os discos vermelhos
de Walkman e Janis Joplin, que nós ouvíamos, baixinho, nas noites em que eu não
conseguia dormir.
Ela o escolheu desde que era uma garotinha. Era nosso segredo, tão especial
para mim quanto o Walkman e todas as suas histórias anteriores.
— Não temos dinheiro, nem carro... nenhum outro lugar para morar.
Sua resposta gelou minha pele, mas de uma forma emocionante. Eu falei
partir como uma viagem de um dia, apenas para ajudar os angariadores a
distribuir panfletos. Ela pensou que eu dizia permanentemente.
Então, o fato de responder com tais razões práticas me emocionou. Isso era
tudo que precisávamos? Eram essas as únicas razões pelas quais não nos
mudamos antes?
E no dia em que as cercas foram erguidas, quando a ouvi chorar com a mãe
de Rebecca, tive certeza: ela estava duvidando.
Depois que Rebecca foi para casa, sussurrando para mim que nos
encontraríamos com os outros no Edifício Sul à meia-noite, comecei o jantar para
minha mãe e coloquei apenas um prato na mesa.
Agora, voltei o prato de oferta para o armário e olhei para a comida, ainda
fumegante no fogão. O cheiro de frango e batatas atingiu meu estômago.
De repente, me ocorreu que eu poderia comer. Eu não seria uma noiva, então
não precisava jejuar.
Antes que a porta da frente se abrisse, consegui comer duas batatas assadas
com sal. Elas foram a melhor refeição que eu já tive.
Ela tinha o dobro do trabalho da maioria das mulheres porque me deu à luz
fora do casamento e alegou que não sabia o nome do meu pai. Sua expiação,
enviada diretamente do Reverendo Barton, era servir à comunidade como se ela
fosse duas pessoas – para lembrar a si mesma e aos outros do fardo de não ter um
parceiro.
Se os cônjuges eram tão importantes, não entendi por que o conselho a proibiu
de se casar como as viúvas ou divorciadas que se juntaram à nossa congregação. E
se criar um filho sozinha era o peso esmagador que diziam, por que a faziam passar
tantas horas servindo aos outros, em vez de ficar aqui em casa?
Esta noite, ao vê-la quase cair em seu assento, meu coração se partiu por
ela. Minha mente correu com todas as perguntas que eu mordi na minha língua
por anos.
— Nossa última refeição juntas — ela fungou, seu sorriso como uma corda
bamba prestes a estalar.
Eu tinha acabado.
— Mãe. — Peguei suas duas mãos sobre a mesa, então as apertei com toda a
urgência que Rebecca fez comigo quando deixamos a prova do vestido. — Você
sempre me disse que o conselho nos daria uma escolha se não concordássemos com
nosso casamento, poderíamos apelar. E se não nos sentíssemos prontas para casar,
poderíamos esperar. — Eu pisquei para ela. — Eles não estão mais nos deixando
apelar. Não temos permissão para esperar.
— Juni — rebati, quando ela puxou as mãos para comer, como se esta fosse
qualquer outra refeição. Como se essa fosse qualquer outra conversa. — E qual
razão? É o mesmo que quando as cercas foram erguidas. Ele está voltando atrás
em suas promessas.
Ela cortou a batata em nada e não respondeu.
— Eu não quero ir — sussurrei, e o soluço que mal contive desde que ela
voltou para casa caiu sobre a mesa.
Com cuidado, ela colocou seus talheres em uma cruz e se levantou para me
abraçar. — Não estarei longe.
Depois que ela terminou de comer, ela perguntou se eu gostaria que ela
trançasse meu cabelo. Eu disse sim. Ela não fazia isso há anos.
Suas mãos frias no meu pescoço e na testa, puxando o cabelo para trás e
enrolando-o, me acalmaram. Isso me lembrou de quando eu era pequena e estava
com febre, e ela veio me ver no meio da noite.
Era um pequeno coração preto em seu tornozelo, sempre escondido por sua
meia-calça e os vestidos até os tornozelos que todos nós usávamos. Ela fez quando
tinha quinze anos, em uma festa. Antes do Unity Light.
— Porque não era seguro? — perguntei, que foi o que ela me disse antes.
Minha mãe balançou a cabeça e parecia tão cansada que quase me fez
bocejar. — É uma mancha.
Quando passei por sua porta rachada pouco antes da meia-noite, prometi
silenciosamente, voltarei para buscá-la.
Éramos cinco, agachados nas sombras do Edifício Sul naquela noite. Hanna
e Ada, irmãs, tinham apenas 12 e 13 anos. Eu estava preocupada com elas, mas
pelo menos elas tinham uma à outra. Joshua foi uma surpresa; eu não sabia que
ele queria deixar Crown Plains. Ele parecia gostar daqui.
Claro, ele gostava mais de Rebecca. Talvez saber que ela não poderia mais
apelar da decisão do conselho e pedir para se casar com ele, em vez disso, o motivou
a se juntar a nós.
— Você não pode fazer essa promessa. — Havíamos jurado dias atrás, no
sótão. Não importa o que acontecesse, nós continuaríamos.
Joshua estalou os dedos: o sistema de irrigação dos campos foi ligado. Não
eram barulhentos, mas ajudariam a disfarçar o barulho da cerca.
Rebecca passou por mim quando tropecei na grama. Em retrospecto, acho que
ela estava me empurrando – sabendo que não havia tempo para me ajudar a
levantar. Tudo o que ela pode fazer foi me aproximar um pouco mais.
Cortei minha coxa no topo da cerca. Os pesadelos cortavam essa memória e
me diziam que era arame farpado, mas não, era apenas os picos irregulares do elo
da corrente, porque não era bem construído. Foi construído rápido.
Eu fui a última a cair. Um por um, ouvi todos baterem no chão e irem embora,
mas não consegui. Meus músculos pareciam congelados.
Talvez ninguém tivesse ideia de que estávamos indo embora, e tudo isso foi
mais fácil do que pensávamos.
Então por que você ainda tem que escalar uma cerca em primeiro lugar?
Com esse pensamento, veio a vontade de olhar para o portão, a vários metros
de distância. Sempre estava trancado. Apenas os membros do conselho conheciam
a combinação.
Eu soltei.
Outra mudança que meus pesadelos criariam: meu tornozelo torceu e minha
outra perna quebrou. Que me virei e manquei atrás dos outros em um ritmo
lamentavelmente lento, enquanto Rebecca olhava para trás como se quisesse
ajudar.
Corri até vomitar. As batatas que eu comi, meu jejum quebrado, pareciam
que mal haviam sido digeridas quando pousaram nas folhas em decomposição sob
meus pés.
Não foi um processo consciente. Tudo que eu sabia era que não conseguia
parar. Não até encontrar um lugar seguro.
Os galhos e folhas mal foram esmagados quando rolei sobre eles, abraçando
os joelhos contra o peito. Eu me sentia leve, irreal e desbotada.
Eu nunca vi um tão perto. Era uma corça, com suaves manchas brancas em
seu corpo, que lembravam gotas de leite em nossa mesa de jantar.
Parou para cheirar algo. Quando me sentei para olhar, ele se endireitou,
piscou para mim e disparou por onde veio.
Rastejei até o local onde ele estava. Havia um bloco branco enfiado em um
tronco de árvore morta. Quando o toquei, parecia granulado.
Era sal. Deixei derreter na língua e me lembrei das batatas que comi em
casa. Já pareciam anos atrás.
Lágrimas encheram meus olhos novamente. Eu não deveria ter partido. Pelo
menos Crown Plains era seguro. Eu tinha abrigo, comida e água potável bem na
minha porta. Eu tinha minha mãe.
Minha cabeça estava girando novamente, pior do que antes. Perdi meu
equilíbrio; meu pé ficou preso entre duas pedras e eu caí.
A dor rasgou meu joelho e tornozelo. Eu caí de cara contra uma rocha
dentada, sentindo que cortou minha bochecha.
Continue.
Quando vi uma luz por entre as árvores, âmbar e nebulosa, meu coração sem
fôlego pareceu começar a bater novamente, como se tivesse adormecido porque o
resto de mim não conseguia.
Quando finalmente abri os olhos, seu rosto foi a primeira coisa que encontrei
na escuridão suave e estrondosa.
— Nome?
O suco de laranja queimou minha garganta. Bebi cada gota, depois abri o suco
de maçã na bandeja à minha frente e bebi também.
Tudo doía. O médico disse que tive sorte: meu pulso, joelho e tornozelo
estavam muito torcidos, mas não quebrados. Apenas um corte exigiu pontos. O
resto estava fechado com adesivos de borboleta, como aquele na minha bochecha
que fazia doer ao sorrir. Não que eu tivesse tentado.
— Juniper Summers — disse a ele, finalmente. Perguntei se poderia beber
mais suco. Ele me ignorou.
— Aniversário?
Por que não inventei um, atirando qualquer data antiga com a mesma
facilidade com que joguei o nome que nunca recebi, eu não tinha ideia. Tudo que
eu podia fazer era contar a ele o ano e encolher os ombros para o resto.
Mas mesmo quando minha memória se recompôs, não contei a ninguém sobre
Crown Plains, ou o Reverendo e Unity Light.
Mas fiquei surpresa que mesmo os sete pecados não eram tratados como um
grande negócio aqui. Todos pareciam concordar que eram ruins, mas agiam como
se fossem parcialmente inevitáveis.
No rancho, vi Van se recusar a ajudar nas tarefas até que seu pai gritou alto
o suficiente para sacudir as janelas. Preguiça.
O Reverendo Barton nos disse que os sete pecados eram mortais porque nos
impediam de viver da maneira que deveríamos viver, e precisávamos fazer o que
pudéssemos para evitá-los. Quase todas as religiões que estudei depois que parti,
tentando descobrir em que acreditava, diziam algo semelhante: que o propósito de
ser humano era tentar ser tudo menos isso.
A natureza, eu percebi, não era assim. Funciona com o que tem e aceita tudo
como é. Os cervos não foram instruídos a deixar de serem cervos. As árvores caídas
não foram esquecidas; elas ganharam uma nova vida.
A natureza parecia muito bem projetada para ocorrer por acidente. Mas parei
de tentar descobrir o nome desse Algo há muito tempo, do jeito que parei de
classificar as pessoas pelos sete pecados mortais.
Sim, eu estava com inveja e Van era vaidoso. Mas alguns dias, ele era
preguiçoso, desonrando seu pai com sarcasmo e se recusando a fazer as tarefas
mais simples.
Algumas noites, quando ficava acordada pensando em todo o tempo que perdi
para Crown Plains, era como se me afogasse sob o peso da minha própria ira.
Uma ideia nobre, perfeita. Mas vi aonde lutar para ser perfeito poderia te
levar: em pé em uma colina, seu pequeno império idílico queimando a seus pés.
Nos anos depois que deixei Crown Plains, sempre que me perguntava em que
realmente acreditava e quem queria ser... eu pensava em Van. Ele sempre estava
manchado de lama ou coberto de poeira quando voltava para casa.
Decidi que ainda expiaria o que fiz de errado. É nisso que eu acredito.
O Reverendo Barton estava certo quando disse que o mundo exterior era
imperfeito e perigoso. Mas os humanos também. Afinal, nascemos do pó.
Qualquer coisa para me tirar da cama – cinco dias no hospital, depois três
direto nesta. É a mesma que Juniper usou quando ficou conosco, mas agora tem
um colchão de espuma viscoelástica.
O mais cruel de tudo, ela não limpou a maldita coisa. Quer dizer, tudo bem:
ela queria uma fuga rápida, então eu entendi. Mas um reset de fábrica a teria
matado? Deus sabe que não consigo excluir as postagens, vídeos ou fotos dela. Não
consigo nem parar de olhar para eles.
Como agora. Eu deveria escrever ao diretor da competição, que me enviou
um, sinto muito por não poder vir, e-mail quando soube que eu estava doente.
Ei, não deve ser muito difícil redigir um e-mail simples, certo?
Obrigado pelos votos de boa sorte; eu aprecio isso, porque respirar realmente
dói como uma cadela atualmente.
Sim, é uma pena ter perdido a competição, e talvez uma pena ainda maior eu:
2) Não poderia dar a mínima, tendo acabado de saber que minha namorada
escapou de uma porra de um verdadeiro culto.
— Ei, Lex — eu chamo o filho mais velho de Howard quando o vejo, — ainda
tem aquelas bebidas energéticas? Vi você bebendo no café da manhã.
— Mamãe me disse para não te dar. Ela acha que você vai desmaiar de novo.
— Van! — Ela me mostra seus anéis primeiro, abanando a mão entre nós
antes de me abraçar. Como eu estava apenas na metade do caminho para ficar de
pé, seu entusiasmo me empurra de volta para as almofadas.
Penso em dizer a ele que estou bem: foi sua noiva quem me deixou
desequilibrado. Mas ele perderia minha piada por um largo quilômetro e
assumiria que estou sendo um espertinho. Brigas não são bons encontros.
Além disso, ainda estou muito fraco. Só de descer as escadas me deixou sem
fôlego, e o processo de parcelar olá e perguntas do tipo, como foi o voo, me esgota
ainda mais. Quando Lex me traz uma caneca de chá que é na verdade Red Bull,
quero jogar mil dólares nele.
Mas feliz.
Assim que o choque passou e eu realmente pensei sobre isso, vi muitas coisas
que deveriam ter me dado uma dica antes. Eu a conhecia bem o suficiente para
descobrir.
Claro, ela me conhecia bem o suficiente para descobrir que eu sou péssimo
em ler nas entrelinhas. Você precisa me dizer merdas à queima-roupa, de
preferência enquadrado de tal forma que eu ache que seja sobre mim. Eu escuto
muito bem, quando sou o assunto.
Como agora.
— Os médicos disseram que demorará algumas semanas até que ele volte a
cem por cento — Howard diz a papai, olhando para mim em busca de confirmação,
— mas adoraria tê-lo aqui, se ele quiser ficar.
Bem, maldição. Eu esperava que ele me chamasse para morar com ele e
Megan por algumas semanas. Não porque eu quero; se eu decidir voltar para Nova
York, aquele colchão de ar na sala de música de Wes é definitivamente minha
preferência. Mas seria bom receber a oferta.
— Você vai contar a ele? — Howard pergunta de repente. Certeza que ele
esperou propositalmente até que eu estivesse bebendo para fazer isso, só assim eu
engasgaria com meu chá que não é chá.
Papai bebe sua cerveja e acena para eu cuspir, com essa cara de que nada o
surpreenderia a essa altura.
— Era um culto. — Arrasto meus dentes sobre meu lábio e vejo as peças
clicarem em sua cabeça também. — Foi disso que ela fugiu.
— Merda — papai exala, esfregando o pescoço com força suficiente para polir
o bronzeado novo. — Quero dizer... uau. Acho que não deveria estar muito
surpreso, dado o quão pouco sabíamos sobre ela. Inferno, dado o que sabemos. Mas
mesmo assim.
Nós nos revezamos para preencher papai com o que sabemos; eu passo meu
telefone para que ele possa assistir aos clipes de documentário que memorizei, até
agora.
Em outras palavras: Espero que você tenha gostado de ser criança, porque
agora a sua vida inteira será de servir a esse cretino e dar ao culto mais mentes
para distorcer.
— Por que ela simplesmente não nos contou? — Ele puxa o cabelo para trás
e engole quando os créditos começam.
— Acho que ela queria esquecer o que aconteceu — digo baixinho, sentindo a
culpa estrangular meus órgãos. Estou surpreso que ainda haja alguma coisa com
que trabalhar.
A pior parte é que não sei do que me sentir mais culpado – que eu pressionei
Juniper para falar sobre algo que era tão difícil para ela, ou que não a pressionei
o suficiente. E muito, muito mais cedo.
— Não posso culpá-la por isso — papai suspira. Ele devolve meu telefone. —
Deus. E pensar que essa foi a primeira coisa que você sugeriu, Howie.
— Oh, com certeza. Lembra o que ela estava vestindo? Aquele vestido longo
e estranho? Cabelo abaixo da cintura, sem maquiagem, nem mesmo brincos, o jeito
que ela falava. Até a última coisa sobre ela, gritava culto para mim. Ou pelo menos
uma daquelas famílias intensamente religiosas onde acontecia o mesmo tipo de
coisa, só que em menor escala. E o beijo? Sabia que vinha de algum tipo de abuso.
— Ow, o quê? Van já sabe que ela me beijou, nós conversamos sobre isso.
Eles olham para mim como se eu tivesse acendido o fusível de uma bomba. Eu
olho para as minhas mãos, muito limpas e curadas depois de dias sem uma trilha.
— Eu sei. Não era o que parecia. — Meus olhos pousam no meu telefone, os
créditos do documentário ainda rolando. — Está tudo bem.
Todos nós tossimos no silêncio. Acho que os meus são os únicos verdadeiros.
— Acho que sim. Mas, caramba... eu realmente não pensei que fosse.
— Por que você não disse aos médicos dela que achava que ela viera disso?
— pergunto. O cão de guarda está de pé, andando acorrentado em seu
círculo. Lembro a mim mesmo que não estou com raiva de Howard.
Também não estou de Juniper, por não ter me contado.
É com aquele Reverendo Barton. Eu meio que espero que o idiota ainda esteja
vivo, só para que eu possa um dia ter a honra de matá-lo eu mesmo.
— E você não quer isso, certo? Você quer ficar aqui. Comigo.
Ela me disse que sim, é claro que queria ficar. Apertou minha mão e passou
por aquela porta, apenas alguns metros de onde estou sentado agora, pronta para
mentir.
— Acho que ajudamos — Howard diz, mas nós o dispensamos. Estou com o
papai nisto.
Salvamos a vida de Juniper na noite em que ela veio aqui. Nós a equipamos
com o básico para sobreviver por conta própria depois que ela partiu. Mas não a
ajudamos nem a metade do que poderíamos. Ela não nos deixou.
Enquanto me arrasto escada acima para descansar até o jantar, ouço meu pai
perguntar a Howard como Juniper entrou em cena novamente.
Resumidamente, penso em gritar, ela jogou minha vida inteira no lago e não
conseguiu recuperá-la, então se ofereceu para compartilhar a dela.
E quando aquilo quebrou e queimou como o desastre que nós dois sabíamos
que aconteceria... ela me contou sua história, em vez disso.
Esqueça o laptop e todo o seu equipamento. É para onde seu Post-It deveria
ter estado: bem na capa daquele livro.
TRINTA E QUATRO
— Bati a porta da varanda — ele ri, — mas não sabia que você estava tão
concentrado.
Um bando de seus seguidores enlouqueceu, porque era possível ver meu braço
ao fundo. Eles adoraram a ideia de Juniper encontrar alguém na estrada.
A saudação inicial de papai é registrada quando ele se senta na cadeira de
balanço à minha frente. — Por que você diz isso?
— O quê, a separação? — Bebendo seu café depois do jantar com uma das
mãos e acenando preguiçosamente para mim com a outra, ele diz: — Só dizendo
que deve ter sido horrível, dada a sua aparência.
— Foi sério?
— É alguma vez sério? — Eu rio, mas a piada parece que desliza de volta pela
minha garganta. Fico olhando para os campos iluminados pela lua atrás dele.
— Então por que você parece tão infeliz agora que ela se foi?
Boa pergunta. Por que continuo lendo este livro como se a própria Juni fosse
sair dele? Como é que continuo acordando, todas as noites, com esse desejo de ir
procurá-la mil vezes mais forte do que o que sentia nos Hamptons?
— Não há acho nisso — ele diz. — Se você acha que a amava, eu tenho uma
notícia para você: você a amava absolutamente.
36 Exclamação de descrença.
Time. — Sua avó disse desde o primeiro dia, quando cheguei em casa do trabalho
e não parava de reclamar dela.
Balanço a cabeça, mas não para ele – para nós dois. Em tudo o que reside no
cromossomo Y de Durham que nos torna tão estúpidos.
Sim, parece certo. Até eu vi muito disso, crescendo. Os dias de papai como um
idiota acabaram, mas ele ainda era muito tenso e um especialista em mudanças
de humor.
Mamãe sorria ainda mais brilhante quando ele fazia uma careta. Ela beijava
suas orelhas e dizia todos os pensamentos bons e doces que passavam pela cabeça
dela: Está um dia tão bom, vamos levar Sull ao parque.
— Isso — papai respira, — foi obra da sua avó. Ela imaginou que qualquer
garota que me irritasse tanto era uma defensora, porque isso significava que eu
não poderia assustá-la. Disse que finalmente encontrei meu par e que ela seria boa
para mim.
— Acho que ela estava certa.
— Ela estava. Mas é claro que eu não queria ouvir, então ela decidiu ir à loja
no dia seguinte, anunciar que estava lá para falar com sua futura nora, e dizer a
sua mãe que eu valeria a pena todo o trabalho, se ela estivesse pronta para o
desafio.
— Oh, meu Deus — eu rio. — Eu diria que não posso acreditar que ela fez
isso, mas... eu posso totalmente. — Vovó Durham era malditamente excepcional
para o bem de todos, especialmente para ela.
Papai sorri e massageia a ponta do nariz atrás dos óculos. — Sim, realmente
deveria ter previsto isso. Mas, no momento, fiquei muito horrorizado. E chateado.
— Nada. Ela apenas sorriu e pediu licença para ir à sala dos fundos até que
minha mãe finalmente foi embora, então não falou comigo o resto do dia. Quando
finalmente nos encontramos no relógio de ponto, foi tão estranho que só consegui
pensar em dizer, Saia comigo de novo.
— Muito suave.
Acho que não posso estar muito zangado. Eu ganhei aquele soco cármico.
— Ela consertou você — termino, balançando a cabeça para lembrá-lo de que
já conheço essa parte da história.
Megan deve ter comprado. — Foi mais como... ela me mostrou como eu era
ferrado e que eu precisava trabalhar em mim mesmo se quisesse ficar com ela.
— Ele sorri. — E Deus, eu nunca quis nada mais.
— As pessoas não se consertam. Eles apenas ajudam uns aos outros a ver que
algo precisa ser consertado.
Juniper achou que eu não ouvi o que ela disse naquele dia. Eu fingi que a
tempestade a abafou, porque eu queria foder, não brigar. Mas quando as palavras
se estabeleceram na minha cabeça algumas horas depois, eu meio que entendi o
que ela queria dizer.
Papai passa a língua pela bochecha por um momento, olhando para mim por
cima dos óculos. — Candace me disse que você não tem comido ou dormido muito.
Ah sim. Tão romântico. Se ela ainda não me odeia, ela iria depois desse
pequeno discurso.
Esfrego meu rosto e suspiro, desesperado por uma mudança de tópico. Pela
primeira vez na vida, acho que estou cansado de falar de mim mesmo.
Concordo com a cabeça, meu rosto inexpressivo vindo em seu socorro: ele não
pode ver como me fortalece dizer: — Sim. Segunda chance de ser pai. Um novo
começo.
Encolho os ombros. — Não consigo imaginar que eu era o filho que você
esperava ter, só isso.
— Em minha defesa — digo a ele, — não fui tão ruim assim. Eu poderia estar
lá fora cheirando coca, roubando bancos, assaltando pessoas...
Ele range. — Você sabe que esse era um dos meus maiores medos por você,
quando era adolescente? Que você engravidaria uma garota?
— Não me diga. — Aperto os olhos para além do celeiro e encontro a
cocheira. — Engraçado, já que não perdi minha virgindade até depois disso. Eu
tinha vinte anos.
Mas me lembro de cada detalhe da primeira vez de Juniper. Acho que sempre
irei.
Papai faz uma careta; ele não quer ouvir sobre minhas façanhas. Ele pode
lidar, no entanto. Eu sou aquele que está prestes a ter um irmão ou irmã aos 23
anos, um pequeno pacote de prova viva de que meu pai tem suas próprias façanhas.
— Sério? — ele pergunta. A princípio, acho que ele está falando com
o mosquito Jurassic Park que ele acabou de dar um tapa no ombro, mas ele se vira
e me encara. — Você nunca fez nada com todas aquelas garotas com quem saiu no
colégio? Todas aquelas que ligavam ou apareciam no apartamento, chorando
muito?
— Quero dizer, eu fiz coisas — sorri, e ele se encolhe novamente, — mas nada
que pudesse ter uma menina grávida.
— E o resto?
— Explodidos como balões e enviados para as ruas de Nova York da varanda
da cobertura — digo com orgulho. — Ideia de Wes e Theo, se vale alguma
coisa. Não minha.
— Por que você simplesmente não me disse que não estava fazendo isso? Toda
aquela merda que eu te dei, todos aqueles sermões...
— Você não teria acreditado em mim. Inferno, você nem acredita em mim
agora. — Aceno minha mão com a descrença estampada no rosto dele. — E mesmo
se acreditasse? Você teria continuado me dando merda sobre isso, imaginando que
era apenas uma questão de tempo. Estou errado?
Papai fica olhando para a terra novamente. Eu me pergunto se ele sente falta
disso aqui, ou se parece muito com o de Howard agora.
— Ok, então eu provavelmente não teria acreditado em você. Ou, como você
disse, presumisse que aconteceria em breve, independentemente.
— Bem — papai suspira, — não que isso signifique algo tão depois do fato...,
mas sinto muito.
Hã. Talvez Juni estivesse certa sobre as desculpas serem úteis, mesmo que
elas não possam mudar o que foi feito. Ouvir meu pai dizer isso me faz sentir um
pouco melhor.
Ele se afasta da grade como se estivesse voltando para dentro, então eu sei
que preciso ser rápido. Mais uma confissão.
— Papai? — Por mais difícil que seja, eu o encaro. — Eu tenho algo para te
contar.
Quase desmaio. Como ele reagirá está além de mim. Talvez me coloque
contra a parede da sala de jantar de Howard.
Não há nada em seu rosto. Nenhuma pista do que ele está sentindo.
Eu costumava pensar que era uma coisa boa, a máscara Durham de gelo e
pedra. Agora estou pensando que fomos amaldiçoados.
Talvez seja por isso que foi tão fácil para meus sentimentos desaparecerem. A
dormência se espalhou de fora para dentro.
Minha garganta aperta. Toco meu inalador por baixo da camisa, mas sei que
não é essa a sensação. É algo muito mais difícil de consertar.
— Então eu cheguei em casa — termino, — e a encontrei no chão. Chamei a
ambulância e tentei acordá-la. Tentei tanto, mesmo quando sabia que ela havia
morrido.
Acho que aquela picada em meus olhos não era uma ameaça vazia, afinal. Eu
toco meu rosto e encaro as lágrimas em meus dedos, do jeito que você inspecionaria
seu próprio sangue após ser apunhalado.
— Ei, está tudo bem — ele sussurra, quando aceito seu abraço porque, merda,
eu não sei mais o que fazer. Achei que meus dias de choro haviam acabado há
muito, muito menos precisando de abraços e tapinhas nas costas.
A única coisa adulta sobre isso – além de elevar-me uns bons quinze
centímetros acima do meu velho – é que não tenho que forçar minhas
desculpas. Pela primeira vez, dizer, sinto muito, acontece facilmente.
— Você não está bravo? — eu fungo e tusso o resto das lágrimas da minha
garganta. Eu os cuspo por cima da grade e ignoro o olhar de repreensão que ele
lança.
— Estou aliviado, na verdade. Eu gostaria que você não a tivesse visto assim
– que eu tivesse a encontrado, em vez disso. Mas saber que você, pelo menos não
percebeu o que realmente estava acontecendo... talvez não devesse me trazer um
tipo estranho de paz, mas traz.
— Para mim, não. Ela estava sozinha. Seu último pensamento foi quão
irritada ela estava comigo. Como eu fui um merda com ela.
Papai está quieto. Ele pega algumas bolhas de tinta na grade. — Não sei se
isso vai te ajudar, — ele diz — ou te fazer sentir pior.
— Ela estava com as chaves nas mãos. E ela estava calçando sapatos, lembra?
— Ela estava saindo para procurar você, Van. Seu último pensamento não foi
que ela estava com raiva de você. Foi que ela sentiu sua falta.
Esse é um ponto muito bom. Mamãe nunca saía de casa a menos que estivesse
vestida.
Megan o chama de uma janela do andar de cima; ela não consegue encontrar
suas escovas de dente elétricas. Ele grita que vai levar logo, então vira o olhar do
telhado da varanda para mim.
— Sim? — E aqui pensei ter feito por egoísmo querendo me sentir melhor,
temendo que isso o fizesse se sentir pior. Mas é completamente o oposto.
Então, novamente, por mais terrível que eu me sinta agora, minhas
bochechas queimando e o ego despedaçado... eu meio que me sinto melhor também.
Papai aperta meu ombro antes de ir. — Não fique acordado até tarde. Você
tem seu acompanhamento com o médico amanhã.
É uma pequena faixa de calçada que nunca terminamos. Acho que Howard o
colocou em banho-maria também, porque ele ainda termina depois de algumas
placas de concreto, transformando-se em um caminho gasto pela grama.
Foi limpa e pintada, mas ainda parece que estou voltando no tempo quando
entro e vejo todas aquelas luzes de fada.
Howard me disse que as deixou. Seus meninos costumavam vir aqui para
mini acampamentos e usá-las para ler histórias em quadrinhos ou jogar Twister,
mas não fazem isso há alguns anos.
Nada acontece.
Mas quando abro a porta para sair, olho para trás e vejo o luar refletido em
cada lâmpada.
TRINTA E CINCO
Olho para cima com meu coração batendo duas vezes mais rápido do que
deveria.
Você pensaria que meu cérebro teria algum tipo de filtro para capturar
sentenças como estas: muitas vezes por dia eu ouço, leio ou digo a palavra van que
significa um veículo, não um nome.
Eu sei que preciso trabalhar. Uma foto, uma postagem no blog... qualquer
coisa. Mas não tenho ideia do que escrever, e não há nada que queira fotografar ou
filmar aqui. Até o amanhecer desta manhã parecia abafado.
Não, digo a mim mesma, quando começo a digitar, Culto da Unity Light, na
barra de pesquisa, assim como tenho feito no meu telefone todos os dias desde que
saí de Dakota do Norte.
Estar de volta acabou de abrir a ferida que Van primeiro deu os pontos, com
toda aquela conversa de, me mostre o seu, eu mostro o meu. Não consigo parar de
cutucar para confirmar que, de fato, ainda dói.
Não estou lendo ou assistindo nada que não saiba, é claro. Muitos ex-
membros deram entrevistas. Cultos são um grande negócio na mídia, o tipo de
coisas de que os espectadores e leitores não se cansam. E quanto mais detalhes
você der, melhor.
Rebecca logo emergiu como a fonte favorita, porque ela era uma das poucas
pessoas nascidas lá que estava disposta a repetir as mesmas histórias,
indefinidamente. A maioria dos outros ex-membros são como eu: nenhum
interesse em reviver o passado.
Talvez fosse mais fácil se o Unity Light não existisse mais – se ainda não
estivesse operando em algum local desconhecido com um novo nome. Se todos nós
estivéssemos fora.
— Sim, tivemos que deixar tudo para trás, mas não era como se tivéssemos
muito para começar. Unity Light não permitia a maioria dos eletrônicos —
Hostetter disse sobre sua fuga angustiante com um grupo de outros adolescentes
– uma das quais estava, como ela, noiva contra sua vontade e se casaria poucos
dias depois.
Hostetter tinha um livro que ela estimava, no entanto, uma cópia gasta do
best-seller de fantasia de classe média The Phoenix Seer, de D. Amelia Royce.
Secretamente, adorei ouvir suas conversas. Eu pairava por perto e bebia tudo
o que diziam, mesmo quando não entendia.
Limpei o suor dos olhos e me virei. Havia uma mochila rosa no chão, aberta.
— Pertence a ela, eu acho. — Rebecca acenou com a cabeça para a garota nas
barras, do outro lado do campo de futebol.
— The Phoenix Seer — li. Nossas pontas dos dedos traçaram o relevo da
capa. Era linda, mas gasta, o que me fez amá-lo ainda mais.
Nossos pratos estavam vazios. Esta garota, pendurada nas barras por suas
pernas bronzeadas e nuas enquanto seu cabelo na altura dos ombros esvoaçava ao
redor dela, tinha tanto.
Ela tinha dois outros livros lá também. Ela sentiria falta deste? Uma única
mordida de um prato transbordando?
— Rápido — eu disse a Rebecca, e enfiei na sacola do panfleto quando
ninguém estava olhando. Ela o cobriu com nossos sanduíches não comidos e me
seguiu até o ônibus.
Primeiro, eles queriam recrutar pessoas o mais longe possível, para que a
polícia e os membros da família não pudessem rastreá-los.
Eles não queriam que soubéssemos onde ficava Crown Plains. Como estava
perto de qualquer outra coisa.
Infelizmente, Hostetter não conseguiu encontrar sua amiga desde que eles
deixaram o culto.
— Jescha era – é – uma das pessoas mais fortes que já conheci. Se eu consegui
sair de lá, ela também conseguiu. Então, a única razão pela qual posso pensar que
ela ainda não foi encontrada... é porque ela não quer ser.
Rebecca rapidamente fez uma carreira confortável falando sobre Plains, o que
me impediu de procurá-la. Naquele sótão sufocante quando planejamos nossa fuga
pela primeira vez, dissemos que mal podíamos esperar para deixar tudo para trás
e nunca mais falar sobre isso.
Claramente, ela mudou de ideia.
E isso foi bom para ela. Se ela queria exibir os detalhes diante das câmeras e
repórteres o dia todo, quem era eu para julgar? Mas isso não significava que eu
quisesse estar perto disso.
Na época em que comecei meu blog – com meu corte de cabelo, ganho de peso,
roupas novas e um pouco de maquiagem – eu não parecia mais como antes. A
ameaça de ser reconhecida se foi. Mesmo que alguém descobrisse quem eu era, eu
tinha meu Transit. Eu teria ido embora antes que pudessem olhar duas vezes em
minha direção.
Mas agora, ninguém está procurando por Juniper Summers. Acho que estou
procurando por mim mesma, se quiser ser dramaticamente poética sobre
isso. Toda hippie. O que não faço.
Meu telefone está vibrando. Alguém que não conheço está me mandando uma
mensagem no Instagram.
Mas eu disse que ajudaria, então respondo que depende se estou viajando
para algum lugar específico ou apenas vagando por um tempo.
Digamos que você esteja dirigindo para ficar o mais longe possível
de uma pessoa. Onde você pode acabar?
Minhas sirenes esquisitas soam... até que olho para o nome de usuário
novamente e realmente levo um segundo para lê-lo.
Flew2Close.
37 Termo usado para definir o estilo de vida de quem vive a bordo de uma van.
TRINTA E SEIS
Meu coração bate quando pego meu telefone novamente, puxando-o para a
cama como uma âncora. Eu me deito e abro o aplicativo.
Ele não escreveu nada novo, ainda esperando pela minha resposta.
Juni: Não é por isso. O oposto, na verdade – você estava certo. Não
podemos funcionar. Nunca deveríamos ter tentado.
Juni: …
Van: Eu sei.
Eu me preparo para digitar que aceito suas desculpas, embora não saiba se
aceite ou não. Começo a achar que ele estava certo. Elas não significam muito,
quando não podem mudar nada.
Ele está certo sobre isso, suponho. Não me sinto mais em casa aqui. Desde
que ele partiu.
Não parecia muito com uma antes disso, também.
Em nenhum lugar.
Por isso viajar foi a única coisa que fez sentido depois que deixei o rancho. Se
eu não conseguisse encontrar um lugar que parecesse meu, reivindicaria
temporariamente todos eles.
Penso em dizer a ele que não foi apenas sua incapacidade de confiar em mim
que nos quebrou. Também sou eu.
Não importa quão profundos meus sentimentos por ele se tornaram, eles
foram facilmente esmagados em face de um simples fato: Van me lembra de coisas
que eu preciso esquecer. Ele abriu feridas que fechei há muito tempo.
Meu coração, tudo o que sobrou dele, se quebra em pedaços. Eu também sinto
sua falta. Sinto tanto sua falta, não posso acreditar que estou fazendo isso de novo.
Eu o bloqueio.
Van_Andreas2pointoh.
Sullivan96.
Juni.Come. Home.
Uma após outra, bloqueio todas as contas descartáveis que ele cria.
Fico acordada por horas, reforçando essa parede digital em torno da minha
vida – certificando-me de que Van Durham-Andresco, a única pessoa que
realmente está procurando por mim, nunca me encontre novamente.
TRINTA E SETE
Dormindo em sua sala de música há apenas dois dias, mas já estou farto
disso. Se eu soubesse que teria que ouvir meu primo ficar incrivelmente feliz
enquanto eu ficasse na casa dele teria aceitado a oferta de Howard.
Ficar no rancho era muito mais difícil do que assistir Wes se tornar um idiota
apaixonado. Pelo menos aqui minhas lembranças de Juniper estão limitadas ao
conhecimento de que uma vez ela tomou banho no mesmo banheiro e dormiu no
mesmo colchão de ar que agora chamo de casa.
Ela não envia mensagens há semanas. Metade das vezes, ela me bloqueia
sem nem mesmo ler.
Agora, porém… parece errado. Se eu ganhar Juni de volta, quero que seja
totalmente honesto. Sem jogos.
— Sua mãe está ligando — informo Wes quando ele retorna, parecendo tão
apaixonado que quero dar um chute giratório na cabeça dele. Ele tem sorte de
estar feliz por ele, mesmo que esteja enterrado na minha própria autopiedade.
Acenar com o telefone para ele ainda é uma boa retribuição, no entanto.
— Oi mãe. Uh... sim, por quê? — Ele faz uma pausa, suspira e olha para
mim. — Ela quer saber se você ainda está bem com algum cara da Frey.
— Nunca estive. Eu me encontrei com eles algumas vezes, mas recusei para
Spiral.
Wes repassa essa informação e esfrega os olhos enquanto ela fala. — Ela diz
que eles têm uma grande campanha nacional chegando, e meu padrasto quer um
teste.
— Tia Billie, — grito — você sabe que fui convidado para ser um atleta
patrocinador do equipamento de skate, certo? Não um modelo para suas roupas de
rua.
— Aqui — Wes diz. Ele joga o telefone enquanto sua mãe conversa. — Não
serei o canal para essa merda, você fala com ela.
—... apenas imaginei que você poderia ter alguma influência aí, isso é tudo.
— Desculpe, tia Bills, mas tenho tanta influência em Frey quanto andar na
rua. Alguns caras gostavam de mim, mas eu não...
— Linguagem — ela repreende, como se seu próprio filho não falasse a mesma
língua. — E tenho certeza de que não é tão ruim quanto você pensa. Deve haver
skatistas por aí com reputações muito piores.
É verdade. As drogas são galopantes; pelo menos posso dizer que estou
limpo. Eu nem mesmo bato na garrafa com tanta força ou frequência como a
maioria dos outros, que tratam Svedka38 como Folgers39 e Jack40 como Nyquil41. E
Nyquil de verdade, como coquetéis grátis em uma festa no escritório.
O outro lado da moeda, porém, é que fez minhas brigas e rixas parecerem
piores. A Spiral até me submeteu a um teste de drogas, porque eles simplesmente
não podiam acreditar que minhas explosões não foram alimentadas por algo
ilegal. Imagine o choque deles quando meu mijo e cabelo foram relatados
espumantes e limpos. Desculpe, meninos: essa raiva sou todo eu.
Ele ecoando o que Juniper disse, sobre as pessoas não consertarem umas às
outras, era verdade.
Ela me deu muito. Esvaziou seu passado e agitou toda aquela dor, apenas
para me fazer encarar a minha e finalmente admitir que tinha problemas. E eles
não eram culpa de ninguém, apenas minha.
38 Marca de vodca.
39 Marca de café.
40 Marca de uísque.
41 Marca de xarope.
Claro, as pessoas ainda me irritam. As pessoas são irritantes e rudes, e estão
sempre na sua cara quando você só quer ser deixado sozinho. Mais ou menos como
a tia Billie agora, enquanto interpreta meu silêncio como um sim e desliga,
solidificando nossos planos de nos encontrarmos amanhã sem nenhum acordo real
de minha parte.
Mas na maioria das vezes, estou percebendo que as pessoas agem como nós
porque os humanos simplesmente fazem essa merda. Invadimos o espaço um do
outro quando estamos solitários. Discutimos sobre coisas idiotas para que
possamos ignorar as conversas importantes um pouco mais.
Manter tudo isso em mente não me impede de ficar com raiva, mas está me
ajudando a me controlar melhor. Digo a mim mesmo que o cara esbarrando no meu
ombro no metrô ou a mulher segurando a fila do supermercado por causa de um
cupom vencido... são apenas humanos. Estamos todos tentando descobrir a merda.
Talvez essa seja a correção que eu deveria ter buscado, o tempo todo: mudar
a forma como eu olho para as pessoas, ao invés de evitar que a humanidade espere
por alguma cura mágica.
Quando passo o telefone para Wes, ele sufoca o riso por trás de um assobio
longo e baixo. — Rolo Compressor Billie ataca novamente.
Eu costumava pensar que era assim que eu também conseguia tudo que
queria na vida: confiança. Agora não consigo parar de ouvir o que Juniper disse
uma vez, sobre crianças se transformando em pirralhos mimados.
A linha entre confiante e arrogante é tão incrivelmente tênue quanto aquela
entre amor e ódio.
A reunião vai muito bem. Acontece que minhas conexões estão melhores e
mais intactas do que eu imaginava. Isso, ou Frey apenas opera sob a porra de uma
rocha e não tem ideia de por que meus patrocinadores me abandonaram.
Gostei muito mais das pessoas da Frey desde o início. Eles pareciam mais
genuínos. Até mesmo alguns dos chefões eram skatistas profissionais
aposentados. Não ficava mais real do que isso.
Durante o almoço, tia Billie fala com entusiasmo sobre meu pai ter outro bebê
na idade dele, como se fosse um escândalo. — Será tão difícil ajustar, depois de
todos esses anos. Ele não troca fraldas desde... bem — ela ri, acenando com o garfo
para mim, — desde que você era um bebê.
— Sim. Tenho me trocado há mais de duas décadas.
Adler ri. Tia Billie me dá uma cotovelada, um lembrete silencioso de que este
é um belo lugar.
— Aposto que é uma menina. — Ela gira o garfo como se estivesse comendo
macarrão, não salada. — Seus pais sempre quiseram uma filha, sabe. Não em vez
de um filho — ela acrescenta rapidamente, — mas mais que um.
— Sim. Eles queriam uma grande família. — Meus pais não falavam muito
sobre isso, o fato de que eu era sua maravilha de um só golpe antes que mamãe
precisasse de uma histerectomia devido a miomas. Mas eu sabia que eles queriam
mais do que tinham. Todos nós.
— Ela ficaria feliz. — Tia Billie termina meu vinho e despeja o resto em seu
copo, enquanto Adler bebe sua água de pepino. Deus, a vida de modelo me
mataria. Puxo meu bife para mais perto e como a gordura que inicialmente ignorei,
porque vê-lo beliscar frango sem pele e aspargos grelhados me deixa dez vezes
mais faminto.
Ela concorda. — Seu pai tem estado tão... diferente desde que ela
faleceu. Conhecer Megan foi a primeira vez que o vi sorrir de verdade, como
costumava fazer. E a maneira como ele fala sobre o novo bebê? Ele está tão
assustado e animado como quando sua mãe estava grávida de você.
— Por quê? Eles planejaram me ter. — Gastou cerca de trinta mil para fazer
isso também. Isso com certeza não acalmou meu ego, enquanto crescia sabendo
que havia um grande cifrão ligado à minha existência.
— Isso não o torna menos assustador. Você começa a pensar em seus próprios
pais e em todos os erros que eles cometeram com você, e jura para si mesmo que
não cometerá o mesmo com seus filhos..., mas você os comete de qualquer maneira.
Ou uma bagunça de novos.
A tristeza atravessa seu rosto. Tenho a impressão de que ela está pensando
nos muitos, muitos erros que cometeu com Wes e Delaney.
— De certa forma, para o seu pai é fácil ele já passou por isso antes e sabe
todas as técnicas a fazer. Mas ele também tem que lidar com aquele medo
novamente, e desta vez ele sabe que não é infundado. Ele sabe que não é uma
questão de se ele vai cometer erros... apenas quais. E acredite em mim, não
importa o quão culpado ele faça você se sentir por bagunçar tudo, ele está se
culpando ainda mais.
— Mas não é como se papai fosse responsável por meus problemas e erros —
protesto. — Filhos fazem suas próprias escolhas. Ele não deveria se sentir culpado.
No prédio de Wes, eu esbarro com ele nos degraus, trazendo Bowie de volta
de uma caminhada. — Como foi? — ele pergunta, enquanto o cachorro lambe o
cheiro de bife dos meus dedos.
— Surpreendentemente... bom.
— Uau — ele diz tão chocado como se eu tivesse dito a ele que sua mãe
anunciou uma nova carreira como freira. — Bem, eu ia perguntar se você queria
uma cerveja para relaxar depois do combate, mas acho que não preciso.
— Talvez aceite mais tarde. Preciso dormir por algumas horas.
— Não — minto, — outra noite ouvindo você e Clara transando como dois
cavalos surdos. Especialmente você. Já ouviu falar de uma mordaça de bola?
— Sobre o que?
— Ela falava sobre meu pai ter outro bebê, e como a paternidade é, tipo, nada
além de foda-se constantes. Ou se preocupando em estragar tudo.
— Como você a perdoou? — Eu deixo escapar, então bebo minha bebida para
que tenha algo para fazer quando ele olhar para mim.
— Depois que ela roubou aquele dinheiro de Delaney e eu, você quer dizer?
— pergunta ele. Eu concordo. Ele se recosta e encolhe os ombros. — Quero dizer…
ela se desculpou.
— Certo — digo lentamente, — mas não é como se isso resolvesse. Mesmo ela
devolver o dinheiro não resolveu, porque o problema é que ela tirou seus ganhos
para começar.
Não quero deixar que a raiva suba em minha voz, mas é difícil. Ainda estou
chateado com o que a tia Billie fez aos filhos, por mais que a ame. Porque eu a amo,
na verdade. É doloroso ver pessoas de quem você gosta estragar tudo de forma tão
suprema.
Wes acena com a cabeça novamente e bate sua cerveja na minha, mas eu a
coloco de lado e me levanto.
Quando ele me oferece um dos La Croix42 de Megan – que não suporto – fico
feliz em aceitar.
Ele está fingindo pensar sobre isso. Solenemente, espero, sabendo que isso é
apenas uma formalidade. Agora, os dividendos de papai rivalizam com o que ele
costumava ganhar em Wall Street. Ele e Megan não sentirão nenhum pouco de
tensão.
42 Marca de vinho
Não que meu orgulho não esteja totalmente destruído, agora. Odeio fazer
isso. E definitivamente não aceitarei nada por nada.
Papai ri. — Nunca pensei que ouviria você dizer isso. Deve ser muito
importante para você.
Piedade enche seus olhos. É possível que eu pareça ainda mais patético do
que me sinto, rastejando por um cheque do querido e velho papai.
Por outro lado, ele tem um coração mole. Sempre teve, mesmo quando está
determinado a esconder.
— Isso deve ser o suficiente. — Passei meu tempo de viagem entre o Brooklyn
e aqui pesquisando malditamente e calculando uma provável estimativa. Mesmo
assim – bom saber, caso minha matemática esteja errada. — Obrigado.
— Não estou preocupado com isso — digo com firmeza, — porque está
gravado em pedra. Não importa o que eu tenha que fazer, você terá tudo isso de
volta em doze meses ou menos, como eu disse.
Mas se eu tiver que tirar alguma escala cósmica e invisível do meu favor para
empurrá-lo para Juni... Vou bater do meu lado todo o caminho para o céu.
TRINTA E OITO
A fita adesiva ajuda, mas sei que só vai piorar quando a tempestade
aumentar. Adicione o fato de que a estrada de acesso deve inundar e rapidamente
fica claro que preciso deixar este acampamento e encontrar um estacionamento
coberto.
Mas eu gosto da tempestade, agora que não está invadindo o Transit. Cada
barulho de trovão ecoa pela estrutura, me sacudindo até os ossos.
Pego meu celular e abro meu último post: minha viagem para Horseshoe
Bend, onde conheci um casal recém-casado viajando para o mesmo festival de
cinema que eu. O cara acabou sendo carpinteiro, então trocamos: ele consertou o
depósito barulhento debaixo da minha cama e dei a eles uma lata extra de café que
comprei antes que a civilização desse lugar virasse um deserto sem fim. A garota
estava tão grata por ter cafeína novamente que me deixou tirar fotos do trailer
deles para o blog.
Eles foram as pessoas mais amigáveis que conheci desde que comecei a viajar,
mas acampar perto deles foi difícil. Eles estavam tão apaixonados um pelo outro,
sempre se tocando e rindo.
Uma foto que tirei – suas iniciais, gravadas no teto sobre o beliche – fez meu
coração cantar e doer ao mesmo tempo.
Eu amei que eles tivessem esse tipo de amor. Eu odiava não ter isso.
No final, decidi não postar esse. Talvez eu tenha pegado sabendo que o
guardaria para mim o tempo todo. Por mais que doa, sinto um tipo estranho de
paz quando olho. Como agora.
Ou como quando eu olho para outra foto no meu telefone, uma que eu sei que
seria melhor excluir, mas é preciosa demais para tentar.
Quando deslizo para ela, meu coração se parte ao meio. Eu acho. Pode não
haver mais nada neste ponto.
Seus intensos olhos azuis. Aquele sorriso que antes parecia impossível de
desenhar.
Meu próprio rosto, sonolento, mas irradiando pura felicidade que não sentia
desde então.
O Unity Light não está procurando por você. Eu me deito e respiro até minha
pulsação desacelerar, ouvindo o carro. Ele segue em frente.
Pode ser por isso que comecei a ouvir todas aquelas histórias de crime: para
dar ao meu cérebro uma dose de realidade e lembrá-lo de que, estatisticamente
falando, era mais provável que eu sofresse cem outros destinos horríveis – ou
absolutamente nenhum – do que ser arrastada para qualquer culto. Muito menos
aquele.
Ela não conseguia acreditar que eu nunca ouvira falar, mas ficou emocionada
em apresentar-me a comédia de humor que definiu nossa infância.
Wes não se parecia em nada com Van e me ajudou a dar ao programa uma
chance justa. Ver Durham em qualquer lugar nos créditos de abertura quase me
fez jogar meu laptop pela janela, mas eu superei. Eventualmente.
Agora estou na última temporada, com uma nova rotina noturna de assistir
a dois ou três episódios após o jantar. Não sei por que gosto disso, exceto que é um
daqueles programas de bem-estar em que tudo sempre dá certo. É bom apertar o
Play e saber que um final feliz está garantido.
Juni: Aquele em que Maisie pensa que seus pais a estão expulsando,
mas estão apenas reformando seu quarto.
Clara: Ooh, esse é bom. Mas toda a última temporada foi boa, de
verdade.
Clara: ...
Eu me levanto e tiro uma foto pela janela traseira, em seguida, mando para
ela com a legenda: Mississippi. Impressionante, não é? Não parou de chover desde
que cheguei aqui. Ela manda alguns emojis de risada, com uma cara chorosa
misturada com simpatia.
43É uma série de respostas a uma única postagem. Eles podem ser do autor da postagem original ou de
outros usuários, mas estão todos conectados e podem ser vistos a partir da postagem original.
Clara: Eu sei... a coisa toda de Van..., mas minha irmã e eu estamos
lançando uma linha de tintura de cabelo e um monte de outras coisas
neste fim de semana. A empresa está dando uma grande festa.
As bandeiras vermelhas estão por todo o lado neste convite. Clara tentou me
fazer apenas falar com Van via mensagem ou Instagram, até mesmo por correio
tradicional, por meses. Ela parece convencida de que podemos fazer as coisas
funcionarem.
Se não fôssemos amigas, eu diria que ela teve sorte. Seu Durham não a
lembra da pessoa que ela costumava ser, ou de onde ela veio. Ele nunca desconfiou
dela com tanta intensidade que ela parou de confiar em si mesma.
O outro problema: ela acha que odeio Van. Eu gostaria. O ódio é muito mais
fácil de superar.
Penso em dizer a ela que não confio mais em promessas. Eu tive muitas
quebradas para mim e por mim.
Clara: E posso ou não já ter falado sobre você para o pessoal da mídia
social na Rue.
Clara: Eeee eles podem ou não querer falar com você sobre alguns
posts patrocinados em seu blog.
Todos os dias, visito uma mulher no último andar que me disse, no dia em
que se mudou, que este era o andar mais alto que ela já morou. Acho que ela olhou
para o horizonte obstruído por uma boa hora.
Ela me serve chá quando chego, quer eu peça ou não. E nunca gosto, porque
realmente não gosto de chá. Eu só gosto que ela pense em fazer isso por mim.
Às vezes, ela chora. Eu costumava passar essas visitas sem fazer nada, mas
tentando animá-la, até que um dia ela me informou que não era necessário,
querido. Chorar ajuda, disse ela. Depois disso, trabalhei em simplesmente sentar
ao lado dela e ouvir.
Ela lê muito. Comprei um tablet para ela, mas ela não gostou que não seja
real. O peso dos livros reais em suas mãos é importante para ela. Talvez seja
porque ela ficou sem eles por tanto tempo.
Seu telefone a confunde, mas ela está determinada a aprender como usá-lo,
junto com seu computador. Netflix a fascina. Cabo lhe dá dor de cabeça, acho que
porque ela perdeu todos os programas que gradualmente levaram ao excesso de
reality shows e dramas adolescentes.
— Você gostava de vir aqui? — ela perguntou uma vez. Foi um dia
excepcionalmente quente; ela enxugou o suor da limonada congelada e jogou as
gotas na calçada.
— Uma vez que descobri que O Poderoso Chefão foi filmado aqui,
definitivamente. — Ela riu. Ficando sério, acrescentei: — Gostava de estar com
minha mãe. E algumas semanas, quando ele estava se sentindo bem, nós
trazíamos meu avô.
— Você ainda acredita em Deus? — ela perguntou quando parei para acender
uma vela.
— Às vezes.
Dei de ombros. Ela não perguntou para quem acendi a vela, mas acho que ela
já sabia. Conversamos muito sobre a filha dela.
Mas eu sabia que isso não era sobre mim. Era expiação. Parabéns aos poderes
constituídos por incorporar uma das minhas maiores falhas a este plano:
impaciência.
Cada vez que ela balançava a cabeça, dizendo: — Ainda não — levava tudo
de mim acenar e dizer que entendia.
Até a semana passada, quando a mãe de Juniper disse que sim. Ela estava
pronta para vê-la.
Demorou apenas algumas semanas para o investigador particular localizar a
Unity Light, agora chamada Unitum Templo. O complexo deles era apenas uma
pequena fazenda em Ohio, assustadoramente perto de onde Juni e eu
dirigimos. Não tinha cercas, nem alarmes – apenas vinte ou mais pessoas,
morando em uma fileira de casas grandes.
A equipe que foi buscá-la trabalhou rapidamente. Achei que eles fariam isso
como nos filmes, jogando uma sacola na cabeça dela e puxando-a para dentro de
um carro em movimento, cuspindo poeira ao partir.
Quarta à tarde, quando foi a vez de outra pessoa pegar a correspondência, ela
voltou. Ela permaneceu perto da caixa de correio, estremecendo quando eles
pararam o carro atrás dela. Mas ela se virou e ouviu.
Inicialmente, ela balançou a cabeça com as perguntas. Você está infeliz
aqui? Você está sendo mantida aqui contra sua vontade? Você não é Allison Cole, a
adolescente desaparecida de Duluth?
Ela queria voltar para pegar suas coisas; eles disseram a ela que não havia
tempo. O motor de um carro zumbia na estrada longa e sinuosa que conduzia
através da parede de árvores até a fazenda.
Uma hora em um motel deixou claro que ela não precisava ser
desprogramada. O fato de partir voluntariamente já era uma grande pista, mas
mesmo assim. Eles esperavam algum tipo de desafio.
Mais de vinte anos em um culto, e ela abandonou sua lealdade a ele como a
correspondência que ela jogou naquela vala? Algo estava acontecendo.
Não que eu soubesse de nada disso em tempo real. Eu nem sabia se eles a
tinham tirado de lá; semanas se passaram com silêncio total.
— Eu paguei a esses caras uma tonelada de dinheiro. Você pagou a eles uma
tonelada de dinheiro. Nós nem recebemos, tipo... uma mensagem de progresso?
Papai riu da minha indignação e disse que eu estava assistindo a muitos
programas policiais, mas ficou quieto quando acrescentou: — Espero que eles não
tenham pegado o dinheiro e fugido.
Do jeito que ele disse, eu sabia que ele não dava a mínima para o dinheiro
vivo. Ele só queria isso para Juniper, quase tanto quanto eu.
Disse a mim mesmo que era apenas coincidência, mas outra coisa na minha
cabeça dizia: Não existe tal coisa.
A risada dela foi gentil e cheia de simpatia antes de dizer: — Bem, eu garanto
que ela vai te amar de volta, depois do que você fez por ela.
— Não foi por isso que eu fiz. — Enfiei minha carteira no bolso e empurrei
meu queixo para o corredor, onde o resto do grupo estava entrando no
elevador. Quando ela se virou para olhar, voltei para o quarto.
— Esta mulher realmente pensou que nunca veria sua filha novamente,
Van. Se ela precisa de tempo para se ajustar à ideia, não cabe a nós forçá-la.
Mas assim que terminamos de mostrar a Allison sua nova casa, o cão de
guarda latiu.
Cada minuto que ficamos aqui, conversando como se tudo estivesse normal,
era mais um minuto que Juniper passava na estrada pensando que não tinha
ninguém neste mundo.
— Como você pode não estar pronta para vê-la? Depois de sete anos? Cristo,
eu estou sem ela há menos de sete semanas e estou desmoronando. — Fecho meus
olhos. Não ajudou; quando voltei e olhei para ela, tudo ficou borrado.
— Não quero que ela me veja assim, parecendo e soando exatamente como eu
estava da última vez que nos vimos. Quero que ela saiba, quando eu disser que
estou diferente agora... é isso mesmo.
Meus pés congelaram. Na poeira que sacudimos das prateleiras e das tábuas
do assoalho, movendo-nos na mobília do quarto de hóspedes de papai que virou
berçário, eu a encarei.
Eu concordei.
No final, essa foi exatamente a coisa certa para Allison me dizer, a frase
perfeita para que eu entendesse por que ela ainda não podia ver Juni. Não foi
diferente do que eu fiz, encontrar sua mãe e me relegar a mais tempo no colchão
de ar de Wes.
Na próxima vez que dissermos a Juni que sentíamos muito, queríamos que
ela visse por si mesma o quão longe iríamos para provar isso.
Nós nos conhecemos da mesma forma que Juni e eu nos conhecemos: um
pedaço de cada vez.
Contei a Allison sobre minha infância, todos os meus erros idiotas; ela me
contou sobre a dela. Fazia mais sentido, como ela caiu na Unity Light, quando eu
soube que ela era uma adolescente em fuga viciada em heroína.
Muitas das entrevistas que vi tinham esse tema. O culto recrutou pessoas
vulneráveis, a maioria perdida. Isso fortaleceu a congregação, de modo que as
famílias que atraíram mais tarde – proprietários de casas com economias para
drenar e ativos para assinar – ficariam sobrecarregados com sorrisos de boas-
vindas e testemunho de gratidão.
Quando contei o que sabia sobre a filha dela agora, ela me contou histórias
de quando Juni era pequena. Como ela uma vez foi escolhida para ocupar o lugar
de seu Reverendo e depois posta de lado por capricho.
Eu disse a ela que me apaixonei por sua filha, mas estraguei tudo. Eu não
confiava nela o suficiente.
— Eu posso certamente entender por que falar sobre isso seria difícil — ela
suspirou, servindo-me outra xícara de chá que eu não havia pedido, —mas ela
precisava confiar em você o suficiente para lhe contar tudo. Não apenas
vislumbres. E parece que ela não se permitiria fazer isso.
— Sim, bem. — Atirei um cubo de açúcar do prato que ela estendeu para mim,
observando-o espirrar no meu chá e na pia. — Não é como se eu tivesse dado a ela
muitos motivos para confiar em mim, pela maneira como eu a tratei nas primeiras
semanas na estrada. E suas últimas semanas no rancho, quando presumi que tudo
o que ela disse era mentira.
— O que?
Meu pulso sangrou pela minha garganta e em meus ouvidos. Pousei minha
xícara e observei suas mãos rasgarem o guardanapo em seu colo.
— Eu estava fazendo atos cotidianos — disse ela, depois revirou os olhos e
corrigiu: — Trabalhando. Trabalho não remunerado, acho que você chamaria. Eu
estava limpando um dos prédios perto da lateral da propriedade e de repente... eu
vi Juni.
Sua voz falhou. — Ela estava do lado de fora da cerca. Ela não era mais a
mesma – mas eu sabia que era ela, apenas pela maneira como ela me olhava. Eu
escapei depois do pôr do sol e lá estava ela, sentada contra uma árvore. Esperando.
Ela me disse que consertou tudo. Que tinha algum dinheiro agora e um carro
esperando por nós na base da montanha. Houve até... não me lembro como se
chama...
— ATV. É isso aí. — Ela assentiu com a cabeça, repetindo novamente em voz
baixa.
— Não — ela sussurrou, mas o olhar que ela me deu segurou toda a fúria que
seu volume não conseguiu. — Eu a escolhi e a mim mesma.
Alguns dos pais sofreram uma lavagem cerebral tão completa que
aceitaram. Mas, quando a reunião terminou, os membros do conselho puxaram
Allison de lado e falaram com ela em particular. Eles viram sua dúvida, ela disse.
Fiquei quieto por um tempo, até que ela se acalmou e jogou o guardanapo
enrolado na bandeja. — Há uma coisa boa que saiu de você se juntar à Unity Light,
no entanto.
— O que?
— Suponho que não. — Seu sorriso foi forçado, mas vi seus nervos se
acalmarem.
Allison olhou para mim por um momento, então deixou seus olhos caírem
para a mesa de café. — Sim.
— Ele ainda está lá? — Eu me levantei, energizado por este novo plano
nebuloso. — Podemos voltar por ele.
— Ele não a quer. Ou eu. E ele nunca deixará a igreja. Se ele ainda estiver
vivo; eu realmente não tenho certeza. — Allison mexeu seu chá e bebeu.
Quando eu disse que ainda valia a pena tentar, ela tocou no meu braço
novamente e balançou a cabeça.
— Confie em mim — ela disse. — O pai de Juni realmente não pode ser salvo.
Olho para Allison. Ela está vestida com um vestido preto simples e cardigã
cinza, mas usou um pouco da maquiagem que Georgia e Clara lhe deram. Seu novo
corte de cabelo, na altura dos ombros, com franja, complementa o formato do rosto:
um pouco mais redondo do que quando nos conhecemos. Mais saudável.
Ela está quase irreconhecível pela mulher que apertou minha mão pela
primeira vez naquele quarto de hotel em Jersey. Por mais difícil que fosse ter
paciência, eu realmente entendo por que ela não queria que Juniper a visse
imediatamente.
Essa versão dela não deixa espaço para dúvidas. Ela mudou.
Eu me olho no vidro da janela da sala de estar e me pergunto se vou parecer
diferente para Juni também..., mas provavelmente não. A maioria das minhas
mudanças ocorreram internamente.
— Dez minutos — Wes nos atualiza, então aponta o polegar para a porta. —
Nós vamos sair agora, então ela não nos verá.
— Boa ideia. — Wes saiu mais cedo da festa de lançamento do produto das
gêmeas para me ajudar. Se Juni o avistar no caminho para dentro, ela saberá que
algo está acontecendo. Idem se ela avistar meu pai.
Eles vão até o apartamento de Wes para brincar de vigia da varanda dele. É
melhor se eles fizerem isso. Meus nervos me fazem pensar que todo carro, toda
garota loira, pode ser ela.
— Acho que você está mais nervoso do que eu — Allison ri, endireitando
minha gravata. — E desde que sinto que posso desmaiar a qualquer momento,
estou muito preocupada com você.
— Eu sei que ela vai. É por isso que as gêmeas estarão guardando o saguão.
A culpa agita meu estômago mais do que meus nervos, embora não tenhamos
tecnicamente enganado Juniper para trazê-la aqui.
As portas se abrem.
—... só não sabia que você morava tão perto de Wes, só isso — ouço Juni dizer
a Clara. A suspeita envolve sua voz.
— Eu não moro. — Pobre Clara e sua alma doce e honesta; eu sei que essa
coisa toda não foi fácil para ela superar.
— Desculpe? Q... Ei! — Juni bate nas portas com as palmas das mãos.
— Clara!
Juni pula, mas não suspira. Ela não se vira para me encarar, ou mesmo olha
para trás quando meus passos se aproximam.
Em vez disso, ela deixa suas mãos deslizarem pelas portas manchadas
cromadas, fechando os olhos quando diz: — Eu fodidamente sabia.
TRINTA E NOVE
Mas quando me viro para dizer exatamente por que isso não pode acontecer,
percebo que ele riu porque estava nervoso.
Ele morde o lábio, muda seu peso... tantas pequenas coisas que eu nunca vi
Van fazer. Não por autoconsciência, pelo menos.
Ele está em um terno que enfraquece meus joelhos. Seu cabelo está mais
curto, com gel e penteado tão bem que não se parece com ele mesmo até que ele
passa as duas mãos nele e suspira, bagunçando tudo. — Não culpe Clara — ele
diz. — A festa, o encontro com a sua empresa: nada daquilo era mentira. Ela
realmente queria você lá. E quando ela me perguntou se eu ficaria bem com vocês
saindo, o resto — ele gesticula atrás dele, para uma porta que não parece diferente
das outras, — meio que aconteceu. Tudo daqui em diante é ideia minha. Então me
culpe.
Por mais que doa ver Van, estou bizarramente feliz por ele estar na minha
frente agora. Desde o minuto em que cheguei a Nova York esta tarde, meu coração
não parava de palpitar e fissurar – uma atração constante entre a felicidade e o
desgosto, apenas por saber que estávamos na mesma cidade.
Ele pega minha mão e me puxa para a porta no final do corredor, mas não a
abre.
Como seu beijo pode drenar meus pulmões em meros milissegundos, mas
deixar uma gagueira em meu pulso que leva horas para passar.
— Isso não fazia parte do meu plano. Beijar você. — Ele toca a boca e sorri. —
Não pude evitar.
Meu sorriso nos choca, por menor que seja. — Então por que você me trouxe
aqui?
Van molha os lábios e olha para a porta. Ele põe a mão na maçaneta.
— Acredite ou não — ele diz, enquanto sua outra mão pressiona minhas
costas para me empurrar para a frente, — eu encontrei a única pessoa neste
mundo que queria ver você ainda mais do que eu.
Logo após a soleira, Juniper para.
Allison fica no sofá, mesmo quando todo o seu corpo fica tenso, como se ela
quisesse correr para Juni e abraçá-la, sem intenção de soltá-la. Eu conheço o
sentimento.
Mas também sei que não consigo imaginar isso. O que quer que esteja
passando pela mente de Allison agora, é de uma perspectiva que não consigo
entender.
Silenciosamente, eu saio.
Não vou longe. O cão de guarda me faz sentar contra a porta, em silêncio e
ouvindo, caso alguma delas precise de ajuda.
— Oi — ela sussurra.
Engolindo, ela dá mais um passo. Depois outro, até que esteja bem na minha
frente.
Eu quero me enrolar em seu colo como quando era pequena, mas me afastar
ao mesmo tempo. Ela não se parece em nada com o que eu me lembro, mas se
parece com tudo que eu chamei de lar.
— Aqui — diz ela, e me leva até o sofá. Estranhamente, nós nos sentamos
separadas. Talvez eu precise de apenas um pouco de distância, um pouco mais de
tempo, para fazer todas as perguntas que estão passando pelo meu cérebro de uma
vez.
— Como?
— Sullivan — mamãe ri, fungando. Ela pega alguns lenços de papel da mesa
de café e me passa um. Eu pego, meu olhar vagando para a porta fechada. — Ele
tem um coração maravilhoso — acrescenta.
Passamos horas conversando. Quando pergunto por que ela não saiu quando
voltei para buscá-la, ela me conta tudo. As mentiras que a alimentaram e que
levou anos para ver, e como ela pensava que ficar era a única maneira de me
manter a salvo.
Ela me fala sobre a igreja, ou o que resta dela; quando mais pessoas fugiram
e tantos ex-membros começaram a compartilhar suas histórias, Barton entrou em
pânico. Os que permaneceram foram embalados e transportados para New
Ground, um complexo muito menor em Ohio.
O estranho, diz mamãe, é que esse novo complexo foi o mais próximo que a
comunidade chegou do que lhe foi prometido: um local de trabalho árduo, mas com
muito amor. O Conselho não existia mais. Regras foram relaxadas. Os membros
realmente se sentiam como uma família.
— Todos disseram que New Ground era realmente uma chance para
recomeçar. Que era perfeito. E de várias maneiras... foi. — Ela hesita antes de
colocar meu cabelo atrás da orelha, o lado oposto que Van tocou. — Mas não para
mim. Não se eu não tivesse você.
Sem querer, eu me afasto. Bolhas de raiva de algum lugar escuro que não
gosto de pensar.
Foi por isso que me coloquei online, mas me mantive distante do maior
número de pessoas possível: para que, quando ela estivesse pronta, pudesse me
localizar e saber que era seguro. Ela não teria que ter medo de novas
pessoas. Seria apenas eu e ela, como sempre.
Foi tudo por ela. Tudo por um dia em que ela finalmente se obrigaria a
escalar, descer e correr, assim como eu.
Mas ela não fez. Mesmo agora, um momento pelo qual passei anos esperando,
não aconteceu porque ela queria me encontrar. Aconteceu por causa de Van.
Mamãe fica em silêncio enquanto eu grito e ando de um lado para o outro. Ela
encara os lenços em suas mãos e, quando termino, concorda. Mas ela ainda não
fala.
— Você caiu nessa? — Eu deixo escapar. Não é minha pergunta final, mas é
a mais difícil de fazer.
Minha mão atinge o centro do meu peito, e sei que a raiva está atingindo seu
pico mais brilhante e quente antes de morrer de volta a uma brasa. — Então, por
que essas dúvidas não venceram?
— Por quê? Ele nunca foi atrás dos outros que partiram. Por que eu?
Mamãe mexe o lábio entre os dentes. — Ele sempre sentiu que você pertencia
a ele, Juni.
— À igreja, você quer dizer. — Meu coração bate novamente. — Era o que ele
sempre dizia. Que você estava me criando, mas eu pertencia à comunidade.
— Não — ela respira, a voz embargada, — a ele. — Seu olhar viaja para o
meu. — Ele era seu pai.
— E Rebecca? — Consigo nos ver lado a lado quando crianças, como uma
fotografia que nunca existiu. Nosso cabelo loiro e covinhas. Olhos em formato de
amêndoa que combinavam perfeitamente com os de Barton, camuflados apenas
pelo fato de que a cor combinava com os de nossas mães.
— Acredito que ele era o pai de Rebecca, também — mamãe sussurra, — mas
os pais dela... — Envergonhada, ela se inquieta com um guardanapo.
Ela alisa o vestido e respira fundo o suficiente para nós duas. — À noite, os
homens entravam em nossos quartos para se deitar conosco, nos beijar... Eles
deveriam chegar à beira da tentação e então resistir a ir mais longe. Barton
chamava isso de teste.
A bile sobe pela minha garganta. — Eles também faziam isso em retiros na
Casa Principal.
Horror lampeja em seu rosto quando ela olha para mim. — Alguém já...
— Beijando — explico rapidamente. — Isso foi o mais longe que eles foram.
— Eu quase rio agora, sabendo a verdadeira razão pela qual aqueles homens
sairiam correndo do meu quarto se eu os beijasse de volta. Eu os
assustei. Ameaçava-os com a tentação e o fracasso de seus testes estúpidos e
nojentos.
— Eles sempre nos disseram que os retiros eram para fortalecer nosso
espírito — murmuro.
Minhas palavras competem com a náusea. — Não foi sua escolha. Você não
tinha idade suficiente para fazer isso. E ele teria feito de qualquer maneira.
— Por que ele não tratou a Sra. Hostetter da maneira como tratou você?
— Ele negava ter conhecimento com ela. Ninguém disse em confissão que eles
se deitaram comigo... porque ninguém deitou, exceto o Reverendo. Mas o Sr.
Hostetter confessou que falhou no teste da mãe de Rebecca, então, quando ela
engravidou, todos presumiram que o bebê era dele. Talvez ela também.
Finalmente, seus olhos voltaram ao foco. — Mas quando você e Rebecca eram
crianças, percebi muitas semelhanças para continuar negando. Ambas eram filhas
de Barton.
Acho que meus joelhos travaram. A sala parece muito pequena e grande ao
mesmo tempo.
— É por isso... — Minha respiração vem em goles rasos. Não quero perguntar
mais. Eu quero fugir de sua história. Acho que quero fugir dela, só para bloquear
os detalhes para sempre.
Mas sei que não posso. Já tentei isso e sei que nunca funciona.
A crueldade e a injustiça me sufocam. Minha mãe foi feita para expiar a vida
de mãe solteira que Barton trouxe para ela. Punida por pecados que não cometeu.
Meu pai.
Engraçado: de todos os nomes que Barton nos fez chamá-lo, este é o que mais
me enoja.
— O que mudou? — aponto para a porta fechada. — Por que você saiu agora?
— Não. — Aponto para ela. — Não o chame assim. Nunca o chame assim.
—... que Barton… estava no hospital. Ataque cardíaco. No início, achei que
fosse apenas um boato. Eles sempre circulavam em Crown Plains, então por que
não em New Ground? Mas então eu ouvi seu assistente falando com alguém... e
descobri que era verdade.
Uma expressão de alívio pinta seu rosto, embora uma pontada de vergonha –
sentir tanta alegria pela dor de outro humano, não importa o quanto ele mereça –
apareça.
— Levei o cavalo para a estrada e disse a mim mesma que ia embora. Era
isso, eu finalmente ia. Se ele estivesse doente ou morrendo, eu sabia que ele não
poderia ir atrás de você. Eu sabia que você estaria segura.
— Mas então cheguei à caixa de correio... e algo me impediu. — Ela balança
a cabeça. — Nem sei o quê. Medo, eu acho, de que a notícia não fosse verdade, e
eles estivessem apenas nos testando. Essa sensação – como se eu estivesse traindo
as pessoas que me salvaram. Confusão, porque eu não tinha ideia de onde
estávamos ou para onde poderia ir. Então eu saí do cavalo, e peguei a
correspondência... e me preparei para voltar.
Mas ainda me lembro daquele momento nas sombras do Edifício Sul, quando
congelei e pensei: Devo ficar?
Ela fecha os olhos com força, mas abre quando sente minha mão fechar sobre
a dela. Eu aperto, para mostrar a ela que eu entendo.
— Não existem coincidências — digo a ela, um eco suave, mas sincero, do que
ela sempre me disse.
Quase caio no apartamento quando a porta se abre.
— Você quer entrar? — ela pergunta, e me leva pelo pulso antes que eu possa
responder.
Allison me abraça e diz que vai conversar um pouco com Clara e Geórgia lá
embaixo. De repente, Juni e eu estamos sozinhos. Isso não fazia parte do plano.
Tudo o que eu planejei, na verdade, foi colocar Juni no mesmo cômodo que
sua mãe, e que ela me abandonaria ou me expulsaria quando a reunião
terminasse. Eu me preparei para ambos.
Mas olhando para ela agora, com toda a maquiagem perdida e o sorriso mais
exausto e lindo no rosto que eu já vi... eu sei que não posso deixá-la ir embora. Não
sem mim.
Ela me deixa segurar seu rosto, aproximando-se até que eu juro que sinto seu
coração batendo contra o meu. Assim que me inclino para beijá-la, ela pressiona o
dedo nos meus lábios.
Allison prefere o sofá; ela se sente mais segura quando pode ver a porta da
frente o tempo todo. Esse é o primeiro item da agenda quando ela encontrar um
terapeuta permanente – mas, enquanto isso, sua recusa em dormir aqui se
mostrou muito conveniente para meus planos. Wes e eu passamos mais de uma
hora montando a cama, arrastando um colchão... e pendurando luzes de barbante
por todo o teto.
Juniper aperta uma das lâmpadas que desce pela parede até a tomada.
— Perigoso — ela diz. Demoro um minuto sólido para perceber que ela está
me imitando.
— Meu quarto? — ela pergunta, mas balança a cabeça com um sorriso, como
se não soubesse o que mais ela deveria ter esperado.
Eu trago minha testa na dela. O cheiro dela quase machuca meus pulmões,
eu a respiro tão rápido e completamente.
— Mas não era para reconquistá-la. — Minha boca paira perto da dela até
que parece que todas as células estão zumbindo. Acordando de um sono longo e
entorpecido. — Você me mudou, Juni. Não sou o cara que você deixou em Dakota
do Norte.
— Que hora?
Mais como uma varredura cuidadosa e de teste, como o que ela fez comigo
todos aqueles anos atrás na casa da fazenda, quando pensou que eu estava
dormindo.
— Mas o que acontecer depois desta noite? — Eu prendo seu queixo em meus
dedos quando ela desvia o olhar. — É a nossa história. E não deixarei isso acabar
aqui.
Finalmente, eu a beijo.
Não foi um toque suave ou um leve toque de pele, mas um beijo de verdade.
— Eu te amo.
Digo contra a boca dela, antes mesmo que o beijo termine. Antes que ela possa
dar uma resposta se ficará ou não, ou antes de adormecer e acordar para descobrir
que toda a magia dessas pequenas luzes se foi... preciso que ela saiba.
Meus pulsos formigam. Ela está traçando as letras dos meus nomes com os
polegares, mantendo minhas mãos no rosto como se eu fosse querer soltá-la.
Lentamente, suas mãos se movem para o meu peito. As pontas dos dedos
dançam em meu coração, como se ela estivesse traçando sua forma. Uma grande e
profunda mancha de tinta que só ela consegue entender.
— Pronta?
Minha outra mão aperta a vida de Van. A multidão ri, a maioria balançando
a cabeça em descrença. Também não consigo acreditar que estou fazendo isso.
Não a tatuagem em si. Nem mesmo o fato de fazer minha primeira na frente
de praticamente todo mundo que Van e eu conhecemos.
— Você está presa a mim agora, querida. — Van balança seu dedo enrolado
para mim. Ele foi primeiro, obtendo um simples design preto que começo a achar
que foi a escolha mais inteligente.
Mais rápido
Mas quando eu olho para baixo para verificar o progresso do artista enquanto
ele limpa um pouco de sangue, eu decido que o meu também é perfeito.
É uma faixa trançada com, em vez de uma pedra central, um círculo pequeno
e simples. Um lembrete de que tudo se conecta e nada é um acidente. Van brinca
que é uma pequena roda de skate.
— É tão... permanente — ela disse, quando dissemos que não haveria a parte
do anel em nossa cerimônia: apenas um anúncio de que, em vez de uma Primeira
Dança, estaríamos fazendo o que Van chamou de Primeira Tatuagem.
Agora, porém, sua desaprovação desapareceu. Ela até sorri quando o artista
para e deixa olhar.
Pelo menos, suponho que seja o que ela pergunta. Já é difícil entender uma
criança de três anos nas melhores condições. Adicionar música pulsante e cem
pessoas falando ao mesmo tempo, e é quase impossível.
— Uau — Van diz, quando o artista educadamente pede ao nosso público para
se dispersar, porque eles continuam bloqueando a luz, — quem precisa de uma
mesa de doces? Só precisamos ficar aqui e continuar fazendo tatuagens. Toda a
recepção vai se alinhar para poder dizer merda.
Mas Van insistiu que contratássemos um artista para fazer a coisa toda ao
vivo, então cedi. Ele tinha tão poucas preferências neste casamento, era bom dar
a ele uma coisa que ele queria.
E Deus sabe que foi mais fácil. Sua raiva pode ser coisa do passado, mas não
sua teimosia.
— Nem um minuto depois das onze da noite — Van diz, colocando a ponta na
palma da mão antes de me levar para a pista de dança no meio do salão.
— O que tem às onze da noite? — pergunto.
Ele me dá um beijo tão apaixonado, sei que ele pretende que seja uma prévia.
Quando ele se afasta, varrendo o olhar pelo meu corpo, ele acrescenta: —
Embora eu possa dizer, este vestido é perfeito.
— Você está com inveja que Frey não deixará você dar um tapa em Van
Andreas sobre tudo.
Ele estendeu a mão para bater levemente na parte de trás do meu joelho,
tentando me derrubar. Eu me segurei e joguei um pouco de grama nele, nós dois
rindo na luz rosada.
— De qualquer forma — ele disse agora, — não era isso que eu ia dizer.
Suspirando, abaixei-me em uma pose de herói45 e fechei os olhos, respirando
fundo antes de perguntar: — Tudo bem: o que soa melhor do que Juniper
Summers?
Ele não estava mais lutando com a prancha lateral 46 que tentava há pelo
menos dez minutos. Em vez disso, ele estava ajoelhado, o sorriso brilhando no sol
nascente. Em suas mãos estava uma bolha de plástico de uma máquina de um
quarto de dólar.
— Eu sei, eu sei: a coisa toda da tatuagem. Mas propor de mãos vazias parecia
errado. — Ele ergueu minha mão esquerda e a beijou, olhando para mim.
45
46
— Não ensaiei um discurso — confessou. Acho que ele quase
corou. Certamente, foi apenas um truque de luz. — Não há nada que eu possa dizer
que já não tenha dito um milhão de vezes.
— Todo dia que acordo perto de você, eu quero me fazer melhor do que no dia
anterior. Quero provar a este universo que mereço o presente que ele me deu. E
isso é exatamente o que você é, Juni. O que você sempre foi. Eu soube desde o
primeiro momento em que te vi. Mas eu ainda não estava pronto para isso. Eu te
tratei como uma cura. E quando não consegui uma... eu culpei você. Foi preciso te
perder duas vezes para perceber que eu não precisava de alguém para me
consertar. Eu precisava de alguém que pudesse me fazer finalmente querer me
consertar.
Senti meu próprio rubor começando. — Você faz com que eu pareça
um pouco perfeita demais.
— Oh, você está longe de ser perfeita — ele riu, apertando minha mão com
mais força quando fingi que a puxava. — E foi exatamente assim que você me
amarrou, na segunda vez. Não fui atraído porque pensei que você fosse um anjo
caído. Foi porque eu vi que você era mais parecida comigo do que eu pensava.
Ele ficou sério novamente. O nascer do sol nadando no azul de seus olhos.
— Magoado — ele disse, — e quebrado..., mas aqui estava você, fazendo isso
sozinha. Encontrando o lado bom de quase tudo. Vendo coisas bonitas onde
ninguém mais veria. Isso me deixou esperançoso. Porque claramente, você viu algo
em mim que eu não pude. Algo que valesse a pena salvar. E isso me fez querer
encontrá-lo também.
Ele olhou para o anel na palma da mão novamente, jogando-o no ar e
pegando-o entre os dedos – graciosamente e com um sorriso confiante para
combinar.
— Eu costumava pensar que você era encantada — ele disse. — Agora eu sei
que você é.
— É nisso que eu acredito, Juni. Que todas essas coisas incríveis sobre você,
mesmo as partes imperfeitas, resultam em algo mágico. Discorde o quanto
quiser. Não mudará minha mente.
Meus dentes deram uma mordida suave em sua palma. Ele puxou a mão.
— Você vê mágica. Tudo o que vejo sou eu. E se o que você está chamando de
azul — eu disse baixinho, — for, na verdade, verde?
Van colocou o anel no meu dedo. Como sempre, ele estava tão seguro de si:
tão convencido de que eu lhe daria o que queria, ele presumiu minha resposta
antes mesmo de perguntar.
Ele fez isso durante todos os dois anos de nosso noivado: deslizando anéis de
cinquenta centavos em meu dedo a cada mês ou assim, sempre que o último ficava
muito gasto ou rachado.
Ela fingiu acariciá-lo, como sempre fazia com meus anéis, e colocou-o em seu
dedo mindinho por segurança. Ainda que eu não precisasse mais, ela sabia que eu
iria querer ficar com ele. Eu guardei todos.
Eu amo todos eles tanto quanto a tatuagem marcada em minha pele agora, e
a forte linha preta manchada na dele.
— Porra, minhas costas estão me matando. — Wes se estica contra o pilar da
barra e faz uma careta. — Dois meses em um ônibus de turnê foi um inferno. Não
sei como você e Juni dormem naquele Transit o ano todo.
Eles batem na minha cerveja com a deles, depois vagueiam para encontrar
suas mulheres, como se elas estivessem em coleiras retráteis. Não que eu possa
falar.
Porque no segundo que vejo Juni na multidão, rindo com Allison e tia Billie,
eu praticamente levito para ela.
Sam, um dos meus amigos através de Frey, passa furtivamente e pede para
interromper.
Droga, ela está mal. Acho que faz sentido: Laney cresceu protegida, cercada
por regras, sempre ensinada que era muito frágil. Como a maioria dos skatistas,
Sam vive para quebrar as regras.
Inferno, às vezes nós nos quebramos, só para que outra pessoa não tenha a
chance. Definitivamente não é a raça mais inteligente.
Exemplo: ele nem percebe ela, ou os olhos apaixonados que ela está atirando
nele como um holofote, e passa direto sem olhar. Ela morde o lábio antes de se
encolher de volta em sua cadeira.
Faço uma nota mental para avisar minha prima que Sam Peregrine
definitivamente não vale a pena.
Mas talvez eu não devesse. A história prova que não sou o melhor juiz nesse
tipo de coisa.
— Sam realmente não queria dançar comigo, você sabe.
— Não com ciúmes. Apenas protetor. — Eu puxo sua cabeça contra meu
ombro... principalmente para que eu possa verificar meu relógio atrás das costas.
Lendo minha mente, como sempre, Juni me diz para parar de desejar que o
tempo passe. — Só temos uma recepção. Saboreie.
Ela me cala com uma risada. — Noventa por cento dos nossos convidados
são sua família e amigos, lembra?
— Um pouco. — A música muda para algo mais rápido. Ela cutuca meus
quadris até que estou dançando no ritmo. — Talvez seja melhor ela não ter
conseguido vir.
Secretamente, concordo cem por cento. Rebecca e Juni não se veem há mais
de uma década: reunir-se em um casamento parece um pouco demais, em
comparação com um estande no Starbucks ou happy hour em algum restaurante.
Três anos atrás, Juni mandou um e-mail para ela contando sobre Barton ser
seu pai. Rebecca já sabia que ele era o pai dela; aparentemente, a mãe dela
confessou logo após sua morte, quando o novo complexo foi leiloado e transformado
em terras comerciais. Mas a notícia de que ele também era o pai de Juni a
surpreendeu.
Por um tempo, elas se entusiasmaram com a ideia de serem irmãs, mas logo
ficou óbvio que elas se distanciaram muito desde Crown Plains. Isso era tudo que
elas ainda tinham em comum.
Juni passou anos em terapia encontrando algum tipo de paz sobre o culto, e
nunca planejou revelar publicamente que ela era um membro.
Ainda assim, eu mordi minha língua quando aquele convite foi feito. Não era
minha decisão. Apenas Juniper pode decidir como lidar com seu passado.
— Olha — ela ri, apontando para Wes e Clara do outro lado da pista de
dança. Ele está embalando Hal contra seu peito, de frente para ele, para que Clara
possa segurar seus pequenos punhos rechonchudos e dançar com ele.
— Eu não estava. — Quando ela tenta arrumar meu cabelo, estalo seus
dedos.
Ela se vira rindo, então eu pego sua mão e a giro. Meus braços envolvem sua
cintura por trás.
Ainda bem que a saia dela tem cerca de cinquenta camadas de merda. Não
tenho certeza se conseguiria lidar com o atrito de sua bunda contra mim sem
algum tipo de proteção.
Bem, ela não sabe. Estou olhando para ela, um esporte que eu poderia
praticar a noite toda.
— Claro que poderíamos. Colocamos em uma gaveta. — Evito a mão que ela
estende para me golpear. — Estou pensando em nos livrarmos da cadeira de rede,
tirar um armário e construir algum tipo de berço personalizado. Ou apenas vender
a porcaria toda e comprar um trailer.
— Não venderemos Eloise — ela diz com firmeza, e pode até bater o pé para
finalizar. Muito difícil de dizer com esse vestido. — A substituição do motor tem
apenas dois anos. Ela é praticamente nova de novo.
— Bem, bem. Mas, falando sério, muitos skatistas viajam com seus filhos. Se
eles podem fazer isso, nós também podemos. — Faço uma pausa. — Se eu puder
continuar fazendo isso, é claro.
Testo meu peso contra o joelho que machuquei no início deste ano. Mesmo
sem a dor, ainda lembro vividamente como me senti quando comi merda em uma
trilha em Aurora e soube que havia rompido um ligamento.
— Sem conversa sobre aposentadoria — ela repreende, virando para me
encarar novamente. — O médico disse que seu joelho ficará bom após a
fisioterapia. Sua lesão não é permanente. Não pode limitar você.
Seu dedo cutuca minha testa, bem no centro. — Isso, no entanto, pode.
Enquanto ela me tira da pista de dança para onde o cerimonialista está nos
chamando, eu suspiro, — Por que você sempre tem que arruinar meu pessimismo
com essa porcaria de lado bom?
— Porque até a lua — ela sorri, andando de costas para me puxar, — precisa
de um pouco de sol.
— Legal.
— Ela vai nos perdoar quando lhe dermos um neto. — Eu vou dar um tapa
na bunda dela, mas toda aquela porra de tule me impede.
Juniper grita de tanto rir quando eu a pego e a carrego para o quarto da suíte,
no meio do caminho a jogo no colchão.
Suas mãos na fivela do meu cinto parecem ainda melhores – até eu perceber
que estão tremendo.
Ela bate no meu peito nu e volta ao trabalho de me despir, então se vira para
que eu possa descompactá-la. — Não estou nervosa. Apenas... assustadoramente
excitada.
Lentamente, ela olha para mim por cima do ombro. — Você está?
Mesmo assim, parece errado jogar o vestido de lado como se ele fosse
inútil. Juni, sua mãe, as gêmeas e Megan foram a pelo menos três lojas de noivas
para encontrá-lo.
— Não — eu rio. Claro, poderia ter sido bom para uma risada ou duas – todo
mundo me observando me perder na nevasca daquela saia enquanto ela corava até
a morte – mas eu estava feliz por desistir disso e poupá-la do constrangimento.
Corro meus dedos sobre a renda até que ela estremece, então faço o mesmo
com sua delicada calcinha branca. — A calcinha também?
Começo a fazer o mesmo com a calcinha, mas ela ri e me avisa que vou rasgá-
la.
— Eu adoraria rasgá-la, na verdade. — Descanso minha cabeça em sua coxa
e faço um beicinho falso. — Posso?
— Por que você está perguntando? Nós dois sabemos que você está prestes a
fazer isso, de qualquer maneira, agora que coloquei a ideia em sua cabeça.
— Se você gosta do que posso fazer com meus dentes — digo a ela, jogando a
calcinha de lado, — você vai adorar o que posso fazer com a minha língua.
Antes que ela pudesse pensar em algo inteligente, abaixo minha cabeça e
envolvo seu clitóris com minha boca. Ela engasga meu nome, as costas arqueadas
até relaxar na cama macia.
Meus dedos a enchem. Dois, depois três, atingindo seu ponto G até que ela
vai de molhada para fodidamente encharcada. O cheiro é viciante, como tudo mais
nela.
Não para mostrar ao resto deste mundo que ela é minha..., mas para mostrar
a eles que sou dela. Prova que esta mulher e eu sempre voltaremos um ao outro,
não importa o que fique em nosso caminho. Até nós mesmos.
Van me faz gozar duas vezes antes que seu rosto ofegante, a respiração
misturada com minha própria doçura, apareça.
Cérebro nadando em produtos químicos, corpo ainda tremendo com o que ele
fez comigo, quase digo a ele para esquecer a camisinha. Eu quero um bebê. Quero
o filho dele.
— Nem um pouco — sorrio, tirando seu cabelo da testa enquanto ele desliza
dentro de mim. Eu respiro fundo, me ajustando, e continuando. — Saber que você
quer um me faz querer um bebê ainda mais.
— Oh, eu sei. — Todo mundo sabe. Quando Van quer alguma coisa, ele vai
sem hesitar.
É uma das coisas que mais amo nele: ele vive sua vida com uma paixão
intensa e desenfreada. Levou apenas algumas décadas e algumas mudanças para
canalizar isso corretamente.
— Você está certa — ele diz. — Só porque queremos, não significa que
estamos prontos para isso.
— E talvez você também esteja certo: que nunca estejamos realmente prontos
e teremos que descobrir isso à medida que avançamos.
Então, por enquanto, enquanto Van balança seus quadris para se retirar e
me preencher novamente, nós deixamos que todas as conversas sobre nosso futuro
se transformem em pó.
Este momento é tudo que me importa: o brilho do suor em seu peito esculpido,
seu pulso enlouquecido batendo dentro de cada pulso... e aqueles olhos que fazem
o tempo desacelerar toda vez que olho para eles.
Tempo para o último recurso – a coisa que sempre, sem falha, deixa Van tão
perto que ele não pode deixar de me atingir com todas as suas forças.
Por razões que não consigo entender, e já sei que nunca irei, esta única
declaração me leva ao limite.
— Você sabe.
Van ri baixinho enquanto beijo seu peito. Sua pele formiga com o ar frio.
Mas quando você já perdeu a melhor coisa que já aconteceu com você, muito
poucas coisas parecem loucas demais para ter certeza de que você nunca mais
perderá.
— Eu te amo — ele sussurra. Suas pontas dos dedos traçam minha tatuagem
do anel.
Andresco, dado a ele por uma mulher que nunca conheci, mas sinto que já
conheci. Espero que ela saiba que homem incrível ela criou.
Durham, da família à qual me juntei hoje..., mas fui bem-vinda muito antes
disso. Um legado de corações suaves e gentis escondidos na pedra.
Fim