Você está na página 1de 455

STAFF

DISPONIBILIZAÇÃO: SUNSHINE
TRADUÇÃO: AZALEA
REVISÃO INICIAL: TATI, AMORA
REVISÃO FINAL: AMBER LYNN, MRS. JANE
CONFERÊNCIA: MANDY
FORMATAÇÃO: AZALEA
AVISOS SUNS!

A tradução foi efetuada pelo grupo Sunshine Books, fãs e admiradores da


autora, de modo a proporcionar ao leitores e também admiradores o acesso à
obra, incentivando à posterior aquisição. O objetivo do grupo é selecionar livros
sem previsão de publicação no Brasil, traduzindo-os e disponibilizando-os aos
admiradores, sem qualquer forma de obter lucro, seja ele direto ou indireto.
Levamos como objetivo sério, o incentivo para seus admiradores
adquirirem as obras, dando a conhecer os autores que, de outro modo, não
poderiam, a não ser no idioma original, impossibilitando o conhecimento de
muitos autores desconhecidos no Brasil.
A fim de preservar os direitos autorais e contratuais de autores e editoras,
o grupo Sunshine poderá, sem aviso prévio e quando entender que necessário,
suspender o acesso aos livros e retirar o link de disponibilização, daqueles que
forem lançados por editoras brasileiras.
Todo aquele que tiver acesso à presente tradução fica ciente de que o
download se destina exclusivamente ao uso pessoal e privado, abstendo-se de o
divulgar nas redes sociais bem como tornar público o trabalho de tradução do
grupo, sem que exista uma prévia autorização expressa do mesmo. O leitor e
usuário, ao acessar o livro disponibilizado responderá pelo uso incorreto e ilícito
do mesmo, eximindo o grupo Sunshine de qualquer parceria, coautoria ou
coparticipação em eventual delito cometido por aquele que, por ato ou omissão,
tentar ou concretamente utilizar a presente obra literária para obtenção de lucro
direto ou indireto, nos termos do art. 184 do código penal e lei 9.610/1998.
SINOPSE

Eu destruí tudo o que ele possui.


Ele vai destruir tudo que eu sou.
Você o conhece como Van Andreas... se é que o conhece.
Bad boy e deus do skate e de todo-o-terreno, caído da pouca graça que um
dia teve. Sua ênfase em Deus. De todos os outros: Bad Boy. Eu o conheci antes
disso. Mas acredito que a natureza pode curar quase tudo, incluindo
temperamentos desagradáveis, espíritos quebrantados... e corações entorpecidos
e vazios. Mesmo Sullivan Durham-Andresco não está além da salvação.
Em que Van acredita? Eu voltarei para você sobre isso, porque agora todos
os sinais apontam para absolutamente nada. A menos que você conte sua
adoração diária no altar de Desprezando Juni Summers com cada osso fraturado
em seu corpo.
Eu também acredito em carma. Então, quando acidentalmente envio a casa
temporária de Van e seus pertences para uma sepultura aquosa, juro que o
levarei para onde ele precisar ir. Vou substituir o que puder, quando puder.
Compartilharei minha casa sobre rodas com ele até que minha dívida seja paga.
Eu prometo a ele que vou consertar as coisas. Ele vai me fazer lamentar essa
promessa pelo resto da minha vida.
SEVEN SINS

DURHAM BOYS 2
EPIGRÁFO

Para meu sol, minha lua,

e todas as minhas estrelas

Terei seu coração servido de duas maneiras,

eu canto uma canção amarga

Eu sou sua versão mais solitária

Eu só não sei onde deu errado

Fale menos, seja mais

Vamos ser elétricos como éramos antes...

“RAT A TAT,” FALL OUT BOY FEAT. COURTNEY LOVE


PRÓLOGO

Sete anos atrás

Quinze anos

A adrenalina perfurou meu coração quando ouvi os cães do outro lado da


colina.

Eu realmente os ouvi? Era apenas minha pulsação reverberando em minha


cabeça ou os ventos de verão soprando sobre nós?

Isso realmente importa?

Livre para partir.

Que piada. Que mentira tão suja. Nada nesta terra é livre.

Mas eu estava prestes a ser.


— Vá. — Rebecca sibilou atrás de uma parede de dentes e passou por mim.

Eu me senti traída enquanto ela se misturava na escuridão, deixando-me


para trás, sob os holofotes e o balançar da grama, mas eu sabia que não era de
propósito. Ela estava fazendo o que precisava fazer.

Alguém uma vez me disse que não há ateus em trincheiras.

Hoje à noite eu estava aprendendo que não havia amigos também.

O elo da corrente estalou e curvou sob nosso peso.

Alguém pisou em meus dedos. Não doeu. Mesmo as farpas na parte superior,
cortando minha coxa enquanto eu oscilava, não doeram.

As luzes brilhavam no topo da colina.

Eu caí. Todos os cinco metros até o chão.

O chão.

Terra livre. Terra profana, desnivelada e linda, tão dura que eu sabia que
minhas pernas estavam instáveis no segundo em que caí.

Eu não pedi ajuda. Eu iria atrasá-los.

Rebecca olhou para minha forma patética e mancando. Ah, não. Seu coração
estava funcionando novamente.

— Vá! — lati.

Escuridão encheu seus olhos como um tanque de veneno. Bom. Ela precisaria
disso se quisesse sobreviver aqui.

Ela avançou.
— Ei. Fairy Lights1.

Meu suspiro parecia coberto de poeira. O pesadelo foi embora, deixando


apenas um coração batendo forte enquanto eu piscava para o sol.

Van puxou o cobertor debaixo de mim.

— Você está suando no meu cobertor. — Ele puxou novamente; eu estava no


processo de rolar, mas agora me atrapalhei e caí na grama seca ao redor do celeiro.

Não sabia que era o seu cobertor, pensei.

Não achei que você se importaria.

Em silêncio, eu tirei meu cabelo loiro dos olhos. Estava comprido, descendo
pelos meus quadris. Em casa, eu precisava mantê-lo em uma trança impecável o
tempo todo.

Aqui eu o deixei solto, pagando o preço dos constantes nós. Um se prendeu


agora, forte, e estremeci com a puxada. Sempre ficava preso: em portas, pregos ou
sob meu próprio peso quando me sentava.

— Mas se uma mulher cuida do seu cabelo, isso é uma glória para ela; pois
o cabelo dela é como uma cobertura.

Eu balancei minha cabeça. Isso não era uma glória. Era um grande
inconveniente e eu sabia que precisaria cortá-lo logo.

Esta noite, na verdade.

1 Luzes de Fada - são pequenas luzes ornamentais em um único fio de cobre.


— Veja. — Van disparou, apontando para a mancha de suor na minha
camisa. Na verdade, era da mãe dele, muito grande no meu corpo adolescente e
cheirando muito a uma gaveta que não era aberta há anos.

Eu tinha minhas próprias roupas, mas gostei mais desta; lembrava-me das
cortinas da casa da minha mãe, a mesma pequena estampa floral. Eu a usava com
frequência, embora Van odiasse.

Ele odiava muitas coisas em mim, então.

— Você teve esses pesadelos desde que apareceu aqui, — acrescentou. — Se


debatendo como um maldito cachorro. Caçando esquilos durante o sono?

Fugindo, eu corrigi. Escalando.

Esse era o elemento comum em quase todos os meus pesadelos. Às vezes eu


estava ferida, às vezes não; às vezes Rebecca se virava para me ajudar a levantar...
e às vezes ela simplesmente corria sem mim.

Mas eu sempre revivia a escalada – minha queda do topo da cerca para o


outro lado. Um salto cego e aterrorizado da minha velha vida... para a nova.

Claro, essa não era minha nova vida. Apenas limbo.

Em algumas horas, quando todos estivessem dormindo, eu teria que deixar


os Durhams e aprender a navegar sozinha neste mundo.

O chão girou quando me levantei rápido demais. Van praguejou e me pegou.

— Devemos levá-la de volta ao hospital? — ele sussurrou, afastando o cabelo


escuro da testa enquanto procurava meus olhos. Observei quando seu maxilar,
ângulos viris ainda embotados pela infância, começou a afrouxar.

Brevemente seu coração amoleceu. Éramos versões temporárias de nós


mesmos de apenas algumas semanas atrás, quando cheguei aqui no rancho de seu
pai, em Dakota do Norte. Quando eu ainda era uma doce criança abandonada, uma
fugitiva que precisava de um lar... e Van ainda era meu protetor.

Muito mudou em um mês.

— Não — respondi, engolindo em seco, — acho que estou bem.

Não, não estava.

Não quando Van me tocava assim. Como se eu ainda merecesse um fiapo de


sua bondade, ou mais.

Não quando eu sabia que em apenas alguns segundos aqueles olhos azuis de
tirar o fôlego voltariam a ser de pedra.

Ele me chamou de Fairy Lights, por causa da única mudança que fiz nas
minhas acomodações. Na pequena cocheira onde seu pai me deixou ficar, pendurei
cordões de luzes em todas as vigas e postes.

— Você vai queimar a propriedade toda — Van disse ao vê-las. Eu amei como
elas o deixavam: pintado com uma luz suave na frente, com sombras escuras e
inertes envolvendo suas costas como uma estátua de mármore.

— Perigoso — ele as chamou, e acendeu uma das lâmpadas.

Agora, enquanto ele me ajudava a levantar e se afastava, desejei que


pudéssemos voltar àquela noite, ou qualquer uma das anteriores. Eu queria
perguntar se ele dormiria na minha cama novamente.

De alguma forma, ele manteve os pesadelos afastados.

Enquanto saía, ele tirou sua gaita do bolso. Uma sinfonia solitária rastejou
atrás dele, o que incentivou meu coração a ir atrás. Mas não fui.

Era bom Van não dormir mais comigo. Eu precisava me acostumar com os
sonhos.
Precisávamos nos acostumar a viver sem o outro.

Talvez as luzes fossem perigosas. Toda aquela madeira podre, pronta para
explodir no calor combinado de milhares de pequenos brilhos.

Mesmo assim, eu as amava. Cruzamentos intermináveis, luzes brilhantes e


cintilantes, como uma onda de estrelas que eu sentia que podia controlar. Elas
trouxeram uma sensação de segurança de que não precisava muito duvidar ou se
preocupar.

É isso que eu gostava em Van Durham-Andresco: ele me fazia sentir segura,


embora eu não soubesse o motivo. Ainda que ele fosse uma escultura oca, morta,
facilmente inflamada.

Naquela época, eu não sabia muito sobre este mundo. Mas sabia que eu
queria ser a única a deixá-lo em chamas.

Eu não fazia ideia de que um dia, daqui a alguns anos, eu o faria.

Mas não antes dele riscar um fósforo, tocá-lo na borda do meu coração de
papel... e me assistir queimar primeiro.
UM

Nos Dias Atuais

Meu alarme dispara. Hora de postar.

Eu vejo minhas opções: o amanhecer sem brilho diante de mim que parece
um flamingo de jardim desbotado, ou a tigela de Froot Loops2 no meu colo que
estou comendo no café da manhã. E que jantei ontem à noite e almocei antes disso.

Assim que o céu está claro o suficiente, abro as portas traseiras do meu Ford
Transit, estico as pernas no colchão e tiro uma foto.

Yoga, café, pé no acelerador. Mas primeiro: nascer do sol.

2 Cereal
Para garantir, adiciono alguns emojis de coração que combinam com as cores
do céu. Meu ponto de acesso é fraco, mas eventualmente consigo sinal suficiente
para clicar em Compartilhar.

Imediatamente, alguns comentários e curtidas aparecem. Silencio as


notificações por enquanto, depois coloco o Transit em marcha.

Eloise é quase tão velha quanto eu. Em agosto deste ano, quando eu fizer
vinte e dois, ela estará marcando dezenove anos e 160.000 milhas.

Essa é a única razão pela qual não fico com raiva quando, no final da estrada
de acesso, ela começa a engasgar.

— Vamos, garota. — Eu bato como se fosse o traseiro de um cavalo


teimoso. — Você consegue. Leve-me ao Lago Linon, e você pode descansar por uma
semana inteira.

Ela geme, mas logo sinto os pneus dianteiros ricocheteando no cascalho


achatado e avançamos.

Eu ligo meu iPod quando chego à rodovia, na esperança de me distrair da fila


de carros continuamente se formando atrás, então ultrapassando meu
veículo. Uma mulher me mostra o dedo do meio quando passa, seu adesivo de
família encolhendo com a fumaça do escapamento.

A raiva sobe em meu peito, mas respiro algumas vezes e relaxo. Não adianta
ficar brava. O momento passou.

Janis Joplin inunda o carro, o que ajuda. Minha mãe costumava tocar Cheap
Thrills e Pearl em um walkman que conectamos a dois pequenos alto-falantes que
ficavam de cada lado de nossos livros – todos os dez. Ela ganhara os CDs de sua
mãe no Natal quando tinha quatorze anos, ela me disse, porque minha avó achou
que era hora de aprender como boa música realmente soava.
Sempre adorei essa história. Isso me fez sentir falta dos avós que eu nunca
conheci e de uma vida que nunca foi minha.

Hoje, como sempre acontece, me ocorre que poderia cantar junto. Não há
ninguém para me impedir. Ninguém para nos pegar.

Nenhum nós, absolutamente.

Em vez disso, mudo para um podcast e ignoro os ecos de Cry Baby na minha
cabeça por todo o caminho até o centro de visitantes perto do lago.

O estacionamento está quase vazio. Dentro, as poucas pessoas que existem


sequer olham para mim.

É raro ser reconhecida, e é exatamente assim que gosto. Ser uma blogueira
de viagens é divertido e tudo, mas não trato isso como um propulsor para a
fama. Apenas uma maneira de ganhar algum dinheiro enquanto pego o grande e
nebuloso ponto de interrogação que é minha vida e o transformo em uma estrada
sinuosa. Claro, não tenho ideia de para onde isso vai... mas também pode ser
divertido ir descobrindo.

Os panfletos estão enfiados a esmo na prateleira. Pego tudo o que parece


interessante ou útil: quatro pousadas que dariam boas postagens em um blog,
alguns parques, e um ridículo museu de cera que afirma ter a imagem exata de
cada presidente em exibição.

Duvidoso, já que um vislumbre de seu Rutherford B. Hayes3 prova que eles


se especializam em combustível para pesadelos, não em história – mas eu pego o
panfleto, de qualquer maneira. Pode ser uma risada aceitável.

Com quem?

3 Rutherford Birchard Hayes foi o 19º Presidente dos Estados Unidos entre 1877 e 1881.
Justo. Viajar sozinha parece emocionante e ilimitado, mas você rapidamente
percebe que algumas coisas não são tão divertidas sozinha. Devolvi aquele
panfleto.

Depois de me alongar um pouco, uso o banheiro e pego Powerades4 de uma


máquina de venda automática. O cara atrás de mim pragueja baixinho quando
descobre que eu peguei todas as White Cherry.

— Oh... aqui. — Embalando as bebidas como bebês se contorcendo, estendo


uma na direção dele. — Desculpe, não percebi que peguei todas.

Surpreso, ele me agradece e pega. Quando me oferece dinheiro, balanço a


cabeça com um sorriso. É o mínimo que posso fazer depois de esgotar o
estoque. Garantir um bom carma, eu acho que se pode chamar assim.

— Pelo menos me deixe ajudá-la a carregá-los. — Seus olhos varrem o


estacionamento. — Você está sozinha aqui?

Sinais de alarme soam na minha cabeça. Na verdade, não é sobre ele, já que
ele é jovem. Dezesseis ou mais. Eu o vi pular do trailer de sua família quando saí
do prédio.

Mesmo assim: nunca admita que está sozinha. Principalmente se você for
mulher.

Especialmente quando não há ninguém lá fora que sentiria sua falta se


você desaparecesse.

— Minha mãe espera por mim em nossa van — digo a ele, começando a descer
o caminho, — mas obrigada. Tenha um bom dia.

4 É uma bebida esportiva fabricada e comercializada pela The Coca-Cola Company


— Você também. — Ele acena com o Powerade, gotas de condensação voando
para a esquerda e para a direita no sol da manhã. Solto a respiração quando estou
de volta a Eloise, as portas fechadas.

Duas horas depois, chego ao lago. O funcionário do acampamento me informa


que tudo no lado panorâmico está ocupado, mas há algumas vagas abertas do outro
lado.

— Você ainda tem belas vistas da água — ele me garante, — mas não das
partes mais rasas e das docas. Se você gosta de caminhadas, esse é definitivamente
o lugar para estar.

Eu hesito. O lado leste do lago era minha primeira escolha, por razões de
segurança. São quase apenas famílias nessa área.

— Tem mais alguém lá? — pergunto.

Ele verifica uma lista na mesa. — Não. É todo seu, talvez até durante toda a
sua estadia. A maioria das pessoas dá meia-volta se o lado leste estiver cheio.

— Acho que está tudo bem. — Pego meu cartão com um sorriso que não sei
se quero dar.

A estrada para o meu local do acampamento é uma confusão de hera velha,


cascalho e galhos caídos que fazem barulho no chassi como granizo jogado no
chão. Baixinho, eu peço desculpas ao veículo, mas o que estou realmente fazendo
é pedir ao carma que me dê uma folga. Pagar por uma nova van não está nos
planos.

No meu lugar, pisei no freio. Forte.

Uma van já está lá.

Suas portas sem janelas e cobertas de lama me encaram como se eu fosse a


intrusa. Estaciono alguns metros atrás dela em uma elevação e saio.
— Uh... olá? — Eu bato com os nós dos dedos na janela do lado do motorista,
que está escurecida com alguma pintura definitivamente-não-legal. — Eu acho
que...

Não. Não rotule suas frases.

Limpando minha garganta, eu conserto minha postura e tento novamente. —


Este lugar é meu.

Silêncio. Com minhas mãos em concha ao redor dos olhos, eu olho para
dentro, apenas para obter um close-up nebuloso de meus próprios poros e olhar
vesgo. Ótimo.

Saltando do estribo, dou um passo atrás para avaliar a situação.

Acontece que a pessoa não estacionou no meu lugar: ele está muito longe,
depois das placas de aviso NÃO ESTACIONE APÓS ESTE PONTO. A van
bloqueia minha visão do lago, mas na verdade não me impede de montar
acampamento.

Com algumas respirações purificadoras, decido viver com o aborrecimento –


por enquanto.

Após me certificar de que eles terão espaço suficiente para se virar e sair, eu
reúno lenha para a fogueira desta noite, preparo meu pátio improvisado com um
cobertor de flanela e algumas almofadas ao ar livre, em seguida, vou à caça de
alguns fósforos.

O Transit é potencializado para armazenamento. Bom para encaixar minha


vida inteira em uma caixa móvel... mas não tão bom para encontrar coisas
pequenas. Exasperada depois de cinco gavetas, abro um compartimento embaixo
que raramente uso, surpresa ao encontrar minhas botas de caminhada.

As calças ainda estão sujas da última vez que as usei: cerca de um ano atrás,
durante minha turnê por Red Clay, no Tennessee.
Não fiquei muito tempo. Foi divertido aprender sobre as tribos Cherokee, mas
ouvir a frase reuniões de conselho repetidamente cansa.

Eu coloco de lado para continuar procurando, mas meus olhos vagueiam para
trás.

Aquele cara disse que este lado do lago é ótimo para caminhadas.

Não é minha atividade favorita, apenas porque caminhar sozinha pela


floresta pode ser perigoso... mas fazer cross country5 em uma van também é. E isso
certamente não me impediu.

Além disso, eu raciocino enquanto afrouxo os laços e chuto meu Tevas6, este
lago dificilmente é um deserto. Gerações de famílias fizeram deste destino o seu
tradicional local de férias, o que significa que o pouco que resta da natureza é uma
versão comercializada e diluída. As trilhas não podem ser tão brutais.

E quem sabe? Talvez esta van desapareça magicamente enquanto eu estiver


fora.

Fecho e tranco Eloise, coloco meu cartão no bolso do short e começo a subir a
primeira trilha que encontro.

5 Corrida pelo país.


6 Marca de calçados esportivos.
Ao pó você retornará.

A pedra me acerta quase na mesma velocidade do solo. Inteligente,


Andresco. Entre minha brilhante inteligência e o nariz ensanguentado que acabei
de ganhar, é uma maravilha eu estar solteiro.

Correção: é uma maravilha eu não ter meu pau molhado em meses. A


condição de solteiro é apenas um efeito colateral muito apreciado de ser eu.

Eu cuspo a areia da minha boca e deixo a gravidade me levar alguns metros


para baixo.

A manutenção da trilha deve ter sido o último corte no orçamento do


lago. Meu skate fica preso em sulcos e raízes de árvores caídas. Acho que essa
destruição foi cortesia de uma fodida pedra, se erguendo do chão como um dedo
médio da própria Mãe Natureza.

Sangue e suor escorrem pelo meu braço enquanto eu limpo meu rosto e viro
meus olhos para o céu.

— Sully, baby, olha que azul.


Que azul, de fato. O céu está claro e lindo e machuca tanto meus olhos que
volto para a terra sangrenta apenas para agradecer por me lembrar de onde
realmente pertenço.

Então dou um soco em uma pequena tempestade de poeira, usando a força


para ficar de pé e arrancar meu skate da confusão de folhas mortas.

É isso aí. Estou acertando esse salto, e farei isso agora.

Devia ter trazido as câmeras.

Balanço a cabeça. Ou, realmente, nessa situação estúpida em que estou, em


que cada corrida não documentada parece uma oportunidade perdida. Deixei as
câmeras no meu carro por um motivo – isto é, eu poderia deslizar por apenas uma
hora sem me preocupar com ângulos, iluminação ou filmagens utilizáveis.

A vida era muito melhor quando tudo que eu tinha com que me preocupar
enquanto andava de skate... era andar de skate.

No topo da colina, aperto a alça do capacete, seguro os protetores de pulso e


prendo os pés nas amarras.

Respire.

Faça.

Eu me lanço pela trilha. Minhas rodas rasgam o chão. O vento perfura meus
tímpanos em pedacinhos.

Meu coração bate mais forte quanto mais perto eu chego da pedra, mas dou
uma guinada em torno dela, inclinando-me tanto para um lado que uma rajada de
poeira entra na minha boca.

Não me importo. É verdade, eu odeio pousar nesta coisa. Cansei de assoar o


nariz e encontrar mais lama do que ranho. Mas a terra batida de uma trilha tem
algo de especial. Pode ser minha coisa favorita neste esporte.
Conforme a trilha se curva, eu me inclino com ela e passo minha mão pela
grama ao longo das laterais. O salto se aproxima, então não me permito ser
distraído pela vista.

Não há muito, de qualquer maneira. Quando você vai tão rápido, tudo o que
consegue é um borrão de árvores e arbustos.

E quando tudo o que separa você da terra batida são quatro rodas pequenas
e um pouco de madeira, você tem apenas uma visão parcial.

Como agora, quando tudo em que posso me concentrar é no salto que se


aproxima. Estou indo para isso.

A trilha é limpa e nivelada em todo o caminho até o salto. Foi o que me fez
parar e percorrer este trecho durante minha caminhada: a maneira como a terra
ficou parada, a floresta se abrindo para o céu enquanto a luz do sol derramava
sobre esse salto feito pelo homem. Isso me provocou por ainda não ter saltado
daquela maldita coisa.

Eu me inclino, ganhando velocidade. Cinco segundos. Quatro.

Três.

Dois...

— Ow!

Quando se trata de saltos, há uma janela microscópica de oportunidade na


qual você precisa realizar várias ações minúsculas, no momento certo, para
conseguir o que deseja.

No meu caso, isso é estabilizar meu centro. Agachando um pouco. Deixando


o impulso da corrida viajar pelo meu corpo, então eu levanto com o skate, e – uma
vez que a queda é íngreme – estendo minhas mãos para baixo para manter meus
pés nas presilhas. E, meio que parece foda fazer isso.
Não faço nenhuma dessas coisas.

Porque naquela janela de tempo impossivelmente pequena, eu ouço uma


garota gritar de dor, então eu vejo um lampejo de cabelo loiro.

Infelizmente para mim e meu skate, minha visão parcial não é tão boa.

É tarde demais para me impedir de saltar, mesmo sabendo que minha posição
é horrível. Vou comer tanta imundície que os legistas vão encontrar um jardim
botânico no meu cólon.

Meu skate pousa muito antes de mim. Todo o impulso que construí estala em
meus pulmões, estômago e cada membro enquanto eu pouso na terra como um
meteorito.

Eu voltei ao pó. Absolutamente pulverizado.

— Merda — eu gemo, quando a dor me deixa por tempo suficiente para um


pouco de oxigênio deslizar para os meus pulmões.

— Você está bem?

Uma mão pousa em mim. Eu a afasto e empurro meus antebraços, o topo da


minha cabeça coberta pelo capacete ainda plantado na terra. Se não consigo me
livrar da dor, da vergonha ou da raiva, eu não sei.

— Você me fez perder o salto.

Os pés na minha periferia recuam alarmados. — O qu... eu?


— Sim, você. Você não pode simplesmente sair da floresta como a porra do
jarro de Kool-Aid7 quando as pessoas estão nessas trilhas. — Eu me levanto e me
afasto dela, caçando meu skate, determinado a tentar novamente, embora eu me
sinta como um saco de vidro quebrado. Meus pulmões se contraem a cada passo.

— Fui picada por um marimbondo — ela diz atrás de mim, mas não longe o
suficiente.

Essa garota está me seguindo.

Algo em sua voz soa familiar, mas continuo tentando subir a colina. Virar
para olhar garantiria uma conversa, o que não faço muito nos meus melhores dias.

Em um dia como este? Eu sequer quero outro humano respirando o mesmo


ar que eu.

Deus, respirar. Isso soa como um luxo impossível, agora.

Dou um tapinha na minha camisa, aliviado por encontrar meu inalador ainda
intacto.

Já rachei mais do que alguns durante as corridas, e é por isso que comecei a
usá-los no pescoço. Membros, rosto, cabeça – eles são malditamente espancados
repetidamente. Mas muito raramente você machucará diretamente o peito
durante uma queda.

— Van Andreas — a garota diz enquanto eu pego o inalador do meu cordão.

Grande erro: olho para ela, pensando que ela deve me reconhecer. Maldita
vaidade.

7 Kool Aid é um suco popular nos EUA. É conhecido pelos comerciais onde o jarro de suco aparece
do nada derrubando paredes.
Ela estava realmente lendo a parte de trás do meu capacete e agora olha para
mim com um leve fascínio. Pelo menos acho que sim. Ela está usando um chapéu
que torna difícil dizer.

Eu me viro e continuo andando. Ela continua seguindo.

— Van?

— Está no meu capacete, não está? — Meu comentário espertinho sai


ofegante. Atrapalho-me com o inalador, arranco meu capacete e inalo Salbutamol8
até que a morte não pareça tão iminente.

De repente, a garota está ao meu lado, olhando o meu rosto como se tivesse
perdido algo. A mente dela, provavelmente, já que eu não poderia deixar mais claro
que não quero companhia. No entanto, aqui está ela.

Eu acelero; ela faz o mesmo.

— Van Durham-Andresco — ela diz.

Finalmente, eu paro.

— Sou eu. — A garota ri nervosa, antes de tirar o chapéu e sacudir aquele


cabelo de sol que chama a atenção.

— Juniper Summers — digo baixinho, antes que ela possa. Seu nome derrete
em cada centímetro da minha boca.

Acho que preferia a sujeira.

8 Spray é indicado para o controle e prevenção da asma


DOIS

— Juni, — ela corrige.

De todas as pessoas neste planeta esquecido por Deus, de todas as trilhas em


todas as montanhas, claro que tinha que ser ela quem me encontrou aqui. Esse é
o tipo de merda que o destino gosta de fazer comigo.

— Oh... certo, — aceno lentamente, como se ela fosse apenas uma fotografia
desbotada na minha cabeça.

Eu gostaria que ela fosse.

Uma risada agitada desliza por seus lábios. — Então, uh... como você está?

— Estive melhor. — Pontuo isso com outra explosão do meu inalador,


apreciando a maneira como ela estremece quando vê o sangue escorrendo em meus
braços.

— Eu tenho um kit de primeiros socorros no meu carro, se... — a frase dela


desaparece, e ela ri de si mesma. — Bem. Claro que você não quer.
Boa memória. As bandagens são piores do que os ferimentos reais, sempre no
caminho.

— O que você está fazendo aqui? — ela pergunta.

Sem palavras, eu seguro meu skate.

— Oh, certo. A coisa skate longboard. Ouvi dizer que você está fazendo isso
pela Spiral agora. — Ela se encolhe. — Ou você estava, quero dizer. Desculpe.

Aperto minha boca e encolho os ombros, então começo a subir a trilha. Tão
gentil da parte dela temperar minhas feridas com sal marinho assim. Spiral, meu
patrocinador, abandonou o navio há vários meses. Assim como a Creigh Supply
Company.

Na verdade, eles não pularam do navio: eles me jogaram no mar. Deus sabe
que eles ainda estão bem sem mim, minha boca pouco profissional e conduta
antidesportiva. Palavras deles.

Se eu tivesse que adivinhar, a gota d'água foi provavelmente quando dei um


soco em outro skatista no meio de uma competição, bem na boca dele. Bem na
câmera, com todos os logotipos de meu equipamento brilhando na tela.

Provavelmente não ajudou o fato de o skatista ser da minha equipe, ou o filho


do CEO da Spiral.

E definitivamente não ajudou que a competição fosse para uma instituição de


caridade de um hospital infantil.

— Você pode me ajudar a encontrar a trilha dos turistas? — Juniper fica no


meu caminho assim que eu viro e coloco meu skate no chão, pronto para voltar
para o salto. E desta vez, sem quedas.

Mas primeiro, deixo meus olhos percorrerem seu corpo, da cabeça aos pés.
Bem, mais como aquela boca rosa clara que eu poderia morder como glacê,
até os quadris envoltos em shorts jeans tão minúsculos que deve fazê-la se
contorcer toda vez que se senta.

E, nesse meio tempo, meu olhar também leva um momento para apreciar o
brilho perfeito de suor pintado em seus seios. Eu gostaria de ter sido o responsável
por colocá-lo lá.

Não, você não.

Que seja conhecido em todas as terras e por todas as gerações vindouras:


Juniper Summers não. Porra. Vale a pena.

— Estou perdida — ela murmura, se abraçando. — Se você pudesse apenas


me levar até a trilha, posso encontrar o caminho de volta de lá.

Meu peito ainda dói. Eu bombeio meu inalador novamente, me perguntando


por que ela olha para ele daquela forma até que ele esteja enfiado sob a minha
camisa.

— Siga até o fim — digo a ela finalmente, acenando para ela sair da minha
frente. Ela hesita, então o faz. — Vire à direita nas placas de sinalização e você
estará em uma estrada secundária que contorna a montanha inteira. A estrada
principal deve estar por ali.

Dividindo o peso por seus pés, ela fica calada.

— O que?

— Nada. — Seus olhos reviram para sua própria mentira. — Quer dizer, deve
ser uma boa milha a mais do que a rota que peguei.

— Desculpe, não posso refazer seus passos exatos, Fairy Lights. Da próxima
vez, traga seu saquinho de migalhas de pão. — Dramaticamente, eu aceno
novamente o caminho para ela. Desta vez, ela não se move.
— O que? Você precisa de um sherpa9 para ir com você?

— Seria bom se você se oferecesse.

Eu fico de boca aberta para ela. Desde quando diabos eu faço o bem?

— Olhe. — Cuspindo um pouco mais de sujeira da boca, aceno com a cabeça


para a trilha à frente. — Não disse que o meu caminho é o mais rápido. Você
definitivamente está dando voltas. Mas essa é a única maneira que conheço, e não
sou eu que estou perdido. Portanto, é pegar ou largar.

Seus olhos não se desviam de mim quando subo no skate e arrumo meu
capacete. Entre meus pulmões de merda e uma tempestade rastejando do Oeste,
meu tempo para fazer isso é limitado.

— Posso assistir? — ela pergunta.

— Assistir o que?

Seus olhos vão do skate para a trilha.

— País livre. Mas não voltarei depois. Indo direto para o acampamento base.

— Tudo bem. Vou esperar lá embaixo.

— Voltarei de skate, não andando.

Em outras palavras: não caminharei com você, então não se preocupe


em esperar.

Seguindo meu próprio conselho, não espero por uma resposta e, em vez disso,
apenas empurro.

9 São as pessoas que ajudam aos montanhistas no Himalaia. Os Sherpas são uma etnia da região
montanhosa do Nepal, que em linguagem tibetana significa “povo do leste”.
Foco. Normalmente, eu me dou bem com o público. Na verdade, eu tenho a
tendência a andar de skate ainda melhor com as pessoas certas me olhando.

Mas ela não é uma delas.

Quando o salto surge, eu ignoro a dor na minha perna.

Ignoro o cheiro de cobre do meu próprio sangue endurecido sob meu nariz.

Ignoro os olhos castanhos rastreando todos os meus movimentos neste rio


sinuoso de sujeira.

Assim que meu skate acerta, eu faço os movimentos que meus músculos
conhecem, ainda que minha cabeça não consiga nomeá-los.

Eu menti antes, por falar nisso. Sujeira não é minha coisa favorita neste
esporte. Nem a velocidade.

Voar pelo ar, assim. Sem peso e voando contra o céu, pronto para bater no sol
antes de cair de volta a terra.

Aqui em cima me sinto um deus.

Quando sinto minhas rodas tocarem o chão, o meu estômago e coração ainda
pairando acima de mim, eu sorrio como um idiota e deslizo até parar, espalhando
uma onda de terra na minha frente antes de cair para trás em puro alívio.

— Isso foi incrível!

Eu me sento e giro meu corpo para olhar para ela. Ela está praticamente
pulando pelo terreno (não vou mentir; me irrita ver essa bailarina – saltando sobre
obstáculos que levei horas para memorizar) enquanto seu cabelo balança sobre os
ombros.

O comprimento é novo, pelo menos para mim. Mesmo com as


mechas. Costumava ser da cor de feno fresco, derramando-se por suas costas como
uma cachoeira. Agora está mais próximo do platinado, cortado rente a
clavícula. Eu odeio ter notado.

Odeio o quão bom fica para ela.

Em suas mãos, ela tem um telefone. A câmera está apontada para mim. —
Você pegou? — Solto meus pés e fico de pé, colocando o skate debaixo do braço. —
A coisa toda?

— Sim, olhe. — Ela se aproxima.

Perto demais.

O cheiro dela me atinge. Ela está suada, mas não de um jeito ruim. Não, suor
seria muito fácil de manusear, e o universo não gosta de facilitar para mim.

Juniper cheira como se ela estivesse suando açúcar, como se ela aplicasse
loção antes de sair correndo pela floresta e se perder. O cabelo dela penetra no meu
rosto, uma mistura de maçã verde e aquele tipo de cheiro fresco e seco pela luz do
sol.

Coloco minha mão no bolso e me ajusto. Não fazia sentido dar ideias à pobre
garota.

E certamente não as que estão passando pela minha cabeça, agora. Eu nem
quero elas lá.

Assistimos ao vídeo juntos. Com certeza, ela capturou tudo. A qualidade


também é decente, mesmo sem os close-ups e vários ângulos que meu sistema de
gravação normal consegue.

— Quando eu voltar para o meu acampamento — ela diz, — vou mandar um


e-mail para você. Eu tenho um ponto de acesso.

— Você tem internet? Estou tentando encontrar alguma há dias, mas não
consigo fazer meu ponto de acesso funcionar.
Não gosto da maneira como minha voz soa: é óbvio que agora estou sendo
legal com ela porque ela tem algo que eu quero.

Então, novamente, não é como se ela não soubesse disso sobre mim. Acho
muito mais fácil ser uma pessoa meio decente quando há algo para mim nisso.

Provavelmente é por isso que ela apenas sorri, mostrando aquelas covinhas
enganosas, e diz: — Venha hoje à noite e use, se quiser. Vou fazer o
jantar. Podemos recuperar o atraso. — Por um segundo, ela cora. — Já faz muito
tempo.

Remotamente, percebo que estou assentindo. — Sim.

Também tardiamente, percebo que estou caminhando ao lado dela, meu plano
de voltar para o carro completamente esquecido. Como diabos ela fez isso?

— Sete anos. — A trilha corta bruscamente para a esquerda; Juniper se


afasta de uma árvore para se virar, batendo com o quadril no meu skate. — Bem,
quase.

— Sim. — Penso na última vez em que a vi: diante de mim na mesa de jantar,
em nossa casa de fazenda, em Dakota do Norte, toda falsa inocência e
sorrisos. Planejando sua traição por trás de um rosto mais doce que mel.

Minha raiva retorna.

Mas eu realmente preciso de internet, então não a deixo ouvir.

— Ainda fazendo toda aquela... merda de viagem?

Honestamente, não sei o que ela faz. Não presto muita atenção nela online. A
essa altura, ela é uma daquelas conhecidas procure quando estiver perdido, e suas
páginas de mídia social são uma mistura de viagens, vida em van, yoga e só Deus
sabe.
Para seu crédito, porém, a garota tem alguns fãs e, aparentemente, ganha o
suficiente para continuar fazendo o que diabos ela faz.

— Se com isso você quer dizer vivendo em um Transit, sim.

Eu espero que ela volte a conversa fiada para mim, mas ela não o faz. Talvez
ela tenha me seguido muito mais profundamente do que eu, e já saiba o essencial.

No silêncio, ela arrasta os dentes sobre o lábio e o solta com um estalo que eu
adoraria recriar.

Deus, eu preciso transar. Nesse ponto, até as montanhas parecem


animadas. Se eu começar a transformar em paisagens, eu e minhas bolas azuis
iremos direto para uma ala psiquiátrica.

Voluntariamente, se isso importa. Pelo menos estou autoconsciente.

— Que cara é essa? — pergunto.

— Que cara?

Minha cabeça percorre todo o seu corpo.

Ela repuxa a boca. É como o sorriso de Drew Barrymore, exceto que Juniper
só faz isso quando está nervosa. Eu gostaria de não me lembrar disso.

— Eu estava prestes a perguntar como seu pai está. Mas talvez eu não
devesse.

— Talvez. Provavelmente.

— Nunca aconteceu nada, Van. — Suas mãos correm pelo rosto e espalham
um pouco de base ao longo de sua mandíbula, revelando uma espinha. Merece uma
fanfarra do pico mais alto desta montanha: Juniper Summers tem uma falha.
Quer dizer, eu sei que ela tem falhas. Um caminhão cheio delas. Mas uma
que o resto do mundo pode ver, não apenas eu?

Eu gostaria muito de colocar uma câmera na cara dela e transmitir online.

— A qual nada você se refere? — Eu cuspo. — Beijá-lo? Ou roubar o pobre


coitado?

Minha voz fica mais áspera na segunda coisa, mas a primeira é


definitivamente aquela que manda navalhas pela minha garganta.

Uma pena que os inaladores não podem ajudar com isso.

Juniper se encolhe. Outro velho hábito que ela não superou.

É muito mais sutil do que quando ela chegou ao antigo rancho de


papai. Naquela época, ela se encolhia como um cachorro desnutrido prestes a ser
chutado, não importando quão leve fosse o insulto ou pequena a ameaça. Tudo o
que faltava era uma partitura torturante de Sarah McLachlan.

Agora, é mais um titubear que dura apenas alguns segundos a mais.

Eu me pergunto por que ainda me dá uma pontada de culpa.

É seguido por fúria, por que diabos eu deveria me sentir culpado? Não é culpa
minha que alguém a quebrou e ela não consegue encontrar todas as suas partes.

Não é culpa minha que ela nunca nos contou quem ou o que a quebrou,
também. Papai tentou saber.

Eu tentei ainda mais.


TRÊS

Sete anos atrás

Dezesseis anos

Ela apareceu do nada.

Muito clichê? Você não viu o que eu vi: uma garota mancando saindo da
escuridão e desmaiando como um fantasma, do lado de fora do facho de luz dos
estábulos em nosso rancho.

Passamos toda a temporada lá. Meu primo Wes adorava me perguntar: —


Como tem sido passar o verão na suntuosa Dakota do Norte? — com a mesma
besteira chique que sua mãe falava. De todos os irmãos Durham, minha tia Billie
é a que se encaixa melhor na alta sociedade. O pai de Theo era o segundo próximo.
Mas, por alguma razão, Sterling Durham sempre pareceu lutar contra a
riqueza. Seja administrando o antigo armazém da família no interior do estado ou
negociando em Wall Street, papai simplesmente não sabia como relaxar.

Ele queria uma vida simples, ou assim afirmava, e foi por isso que ele e
mamãe compraram o rancho em primeiro lugar.

Eu gostava dele quando criança. Impetuoso pelos campos parecidos com uma
pintura a óleo, em meu próprio cavalo, Captain, foi o mais perto do céu que pude
chegar. A extensa casa de fazenda, o lago tranquilo e a cidadezinha próxima da
qual meus pais não se cansavam? Absolutamente nada, comparado a selar e
correr.

Dakota do Norte foi também onde aprendi a andar de skate


longboard. Cavalgar direto para o pôr-do-sol nas costas de Cap tinha a mesma
sensação de dar um salto certo. A gravidade não existia. Você não era mais um
mero mortal.

Naquele verão, meu pai teve outro colapso nervoso que ele não podia admitir,
então sugeri uma viagem pai e filho à Nova Zelândia. Era em parte egoísmo –
viajar era fantástico, até lá – mas pelo menos um pouco genuíno, porque nossa
última viagem o revigorou seriamente. Muito melhor do que toda a terapia,
antidepressivos e fitoterápicos que ele tentou desde a morte de mamãe, isso era
certo.

— Nova Zelândia? — ele perguntou, saindo de um transe. Ele olhou ao redor


de nossa cobertura em Manhattan como se eu tivesse construído tudo enquanto
ele não estava prestando atenção.

— Sim. Por que não?

Tínhamos a mesma altura agora. Sentado com ele na mesa de jantar de vidro,
eu me encolhi até me sentir menor, como se precisasse lembrá-lo que ele era o
adulto aqui. Eu estava cansado dele esquecer.
— Você sabe — continuei apelando para seu lenhador interior, — ar
fresco? Natureza? Voltando às coisas mais simples?

Meu plano saiu pela culatra bem na minha cara. Em vez da Nova Zelândia,
papai nos levou para o antigo rancho durante o verão.

— Foi uma ótima ideia, Van — ele continuou me dizendo enquanto respirava
fundo, ar fresco cheios de mosquitos, natureza e coisas simples que me entediavam
até as lágrimas.

Aquele verão foi longo, lânguido e mais opaco do que a terra onde nada
crescia. Foi no início de agosto quando Juniper apareceu, tarde da noite quando eu
estava no meu computador nos estábulos vazios. Era o único lugar que eu sabia
que papai não visitaria. Cavalos era coisa minha e da mamãe.

Os cavalos foram leiloados por muito tempo, incluindo Captain. Ouvi dizer
que ele faleceu recentemente, junto com alguns dos favoritos da mamãe, mas não
me senti triste com isso. Nada mais me deixava triste.

Achei que algo em mim havia se quebrado, porque eu também não conseguia
sentir nenhuma outra emoção. O psiquiatra que eu concordei em visitar aos treze
anos chamou de choque. Disse que passaria.

Três anos depois, aqui estava eu. Entorpecido como sempre.

Mas ao ver Juniper naquela noite, eu senti a primeira emoção forte que meu
coração despedaçado bombeou em anos. Medo puro e não diluído.

— Puta merda, — engasguei. Os fantasmas de todos aqueles cavalos


correram direto no meu peito.

Ela não parecia humana.

Foi assim que ela caiu. Como a folha de uma árvore, delicada e brilhante. Um
fiapo na terra.
Minha lógica entrou em ação quando saí dos estábulos e estreitei os olhos na
escuridão, encontrando seu rosto. Ela tinha círculos roxos escuros sob os olhos, um
corte na bochecha e cabelos claros emaranhados com sangue.

Seu peito subia e descia lentamente, gaguejando a cada respiração. Suas


pernas estavam machucadas e ensanguentadas também, e seus braços com cortes
sob as mangas de um vestido de linho estranho e desproporcional.

Sim, ela era humana. Estranhamente etérea, parecendo uma viajante do


tempo caída direto das estrelas, mas uma pessoa viva e real que nem mesmo meu
cérebro confuso poderia confundir.

— Papai! — gritei, apenas parcialmente ciente de que estava rasgando minha


camiseta para limpar suas feridas.

Quando papai e Howard apareceram com o kit de primeiros socorros do


armário do corredor, me senti um idiota. Claro que uma camisa suada não era
necessária, ou mesmo sábia, para ajudar essa garota.

Mas foi tudo o que fui capaz de fazer: tratá-la usando tudo o que eu tinha
naquele segundo, como se eu mesmo tivesse viajado no tempo.

A noite inteira tinha a mesma qualidade de sonho, mesmo no hospital, com


toda a tecnologia moderna e vibrante.

Usei uma flanela manchada de óleo da caminhonete e esperei com papai e


Howard por notícias.

— Eles sabem de onde ela é? — perguntei, ignorando o cheiro antisséptico


que ainda me fazia lembrar a mamãe. Eu odiava que todas as suas velas e alguns
perfumes, embutidos em cada tecido do nosso apartamento, não fizessem mais
isso. Não como esse cheiro.

E eu nem sabia por quê. Mamãe não morreu em um hospital.


Foi aí que finalmente percebi: depois que já era tarde demais.

Talvez seja para onde minhas emoções foram. Talvez todos os meus antigos
sentimentos assombrassem aquela sala de emergência de Nova York como os
espíritos dos cavalos ainda permaneciam em nossos estábulos.

Papai soltou um longo suspiro. — Ela ainda não acordou, mas eles estão
supondo que ela seja uma fugitiva.

Isso, eu poderia acreditar. Ela colapsou da maneira que só uma pessoa


fugindo de algo horrível poderia.

— Não precisamos ficar, você sabe. — Papai me olhou com a cautela na ponta
dos pés que você daria a um cara com uma bomba amarrada ao peito. — Ela está
estabilizada. E quando acordar, eu tenho certeza que eles vão descobrir o nome
dela, contatar a família...

— Eu quero ficar. — Os hospitais nos afetaram, mas eu não conseguia


suportar a ideia de ir embora. Eu precisava saber o nome dessa garota.

Eu precisava ver seus olhos abertos para mim.

— Provavelmente não podemos ajudá-la, Van — Howard disse gentilmente.

Ele era parte Lakota10, com o cabelo preto estilo Fábio11 e manchas prateadas
perto das têmporas, e uma voz que parecia seda nas dobras de seu cérebro. Papai
o contratou para supervisionar o rancho quando estivéssemos fora. Ele parecia um

10 O povo dacota, dakota ou lakota, também conhecido como teton, titunwan e teton sioux são um povo
indígena das Grandes Planícies da América do Norte.

11 Modelo italiano conhecido por seus cabelos longos e atraentes e uma bela aparência. Fabio Lanzoni,
considerado o homem vivo mais sexy, cativou o mundo nos anos 80 e 90 quando deixou a Itália para seguir a
carreira de modelo nos Estados Unidos. O galã de rosto esculpido e cabelos compridos apareceu na capa de mais
de 400 romances.
tio para mim, alternadamente encorajando minhas travessuras e repreendendo
minha estupidez.

Tive a sensação de que ele fazia o último agora.

— Por que não podemos ajudá-la?

— Ela entrará no sistema depois disso, se não tiver família. — Howard olhou
para papai e encolheu os ombros. — Ela não pode ter mais que, o quê... quatorze,
quinze?

— Difícil dizer. Foi como pegar um filhote de passarinho, ela era tão leve.

— Você não deveria tê-la movido. — Levei minhas mãos ao meu rosto e
respirei forte contra elas. Meus pulmões trabalharam horas extras, como um
cachorro ofegante em um portão.

É assim que me sinto: um cachorro. Cerberus12, talvez, ou Laelaps13.

Algum cão de guarda temível, furioso demais para o meu próprio bem,
decidido a proteger meu mais novo achado. Mesmo se não fosse meu.

Por que fiquei tão bravo quando meu pai a pegou? Por que, quando ele se
afastou de mim e gritou que uma ambulância demoraria muito, meu bom senso
ficou em segundo plano?

Por que entrei na caminhonete com eles, ocupando o banco de trás para que
eu pudesse ter a cabeça dela no meu colo enquanto disparávamos pela estrada, e
senti meu coração derreter apenas um pouquinho cada vez que ela se movia?

12 Cérbero, na mitologia grega, era um monstruoso cão de três cabeças que guardava a entrada do mundo
inferior, o reino subterrâneo dos mortos, deixando as almas entrarem, mas jamais saírem e despedaçando os
mortais que por lá se aventurassem.

13 Na mitologia grega, Laelaps era um lendário cão que sempre arpoava a sua presa quando caçava. Foi
um presente que Zeus ofereceu a Europa. Foi usado para caça à raposa de Thebes, que nunca poderia ser caçada.
— Era arriscar piorar os ferimentos dela — Howard disse para mim, tomando
seu café velho de novo, — ou deixá-la sangrar esperando a ambulância. Fizemos o
que era melhor para ela, Van.

— O pulso dela parecia quebrado. — Papai recostou-se e cruzou os braços com


força sobre o peito, como se estivesse segurando todos os seus órgãos.

— E seu joelho e tornozelo? Deus, eles estavam tão inchados que não posso
acreditar que ela correu com eles.

— Milagre, — Howard concordou, com outro gole de café.

Ela era um milagre.

Aquela coisinha minúscula, aquele fiozinho, me fez sentir algo


novamente. Sentir totalmente, verdadeiramente. Quem se importava se era
medo?

Era real.

E agora havia essa proteção feroz em meu intestino, e uma esperança


desesperada de que seus olhos se abrissem. Mais duas coisas que eu não sentia há
anos, agora mais fortes do que nunca.

Qualquer parte de mim quebrou no dia em que mamãe morreu, eu sabia que
essa garota havia acabado de consertar. Eu não sabia como, não me importava,
mas não desistiria daquele milagre.

Quando ela acordou, era no final da manhã do dia seguinte. Nenhum de nós
havia dormido.

Juniper Summers. Esse era o nome que ela continuava dando, mesmo quando
os médicos diziam ser mentira, porque não existia nenhum registro de seu ano de
nascimento com esse nome.
E isso levantou outra bandeira vermelha: ela só sabia o ano em que
nasceu. Sem mês, sem data.

— Ela está traumatizada, claramente. — O médico balançou a cabeça e


esfregou uma dor de cabeça na têmpora. — Ela não pode nos dizer de onde é, com
quem morou, por que fugiu....

O sistema terá um inferno de tempo para localizá-la, quando ela sair


daqui. Esperemos que ela se lembre de mais coisas em breve.

Eu balancei a cabeça. — Vamos levá-la para casa.

Papai e Howard me encararam como se eu falasse outras línguas.

— Van — papai riu, sua voz retorcida em nós, — Eu não acho...

— Se eles não conseguirem encontrar a família dela — corrigi, — ou se ela


não se lembrar de nada quando a liberarem. Pai, vamos. Não podemos deixá-la
aqui sozinha.

Não importa o que você diga, não vou deixá-la aqui sozinha.

Alguns dias depois, eles a liberaram sob a custódia temporária de papai.

— Você é o irmão adotivo dela — ele disse na caminhonete a caminho de


buscá-la. — Não tente nada com aquela garota, Van, está me ouvindo?

Revirei meus olhos. — Deus, pai, tenha um pouco de fé.

Ele apenas bufou.

Ok, então eu não era inocente quando se tratava de garotas. Eu quebrei


corações um pouco facilmente, e deixei meu pau tomar decisões com as quais meu
cérebro não queria lidar.

Mas Juniper não era uma menina.


E eu não era seu irmão adotivo.

Eu era seu protetor.

Ela era a única coisa que poderia me consertar. O que quer que eu tivesse
que fazer para mantê-la segura, eu o faria. Nenhum perigo viria a menos de um
metro e meio dela. Especialmente não o velho eu quebrado.

Nós a ajudamos a entrar na caminhonete da cadeira de rodas. Ela acenou


com a cabeça silenciosamente para o banco de trás quando lhe oferecemos o da
frente.

— Aqui atrás? — perguntei, o batimento cardíaco latejando em minha cabeça.


— Comigo?

— Sim — ela sussurrou, e sorriu.

Essa foi a primeira vibração real de felicidade – alegria verdadeira e genuína


– que eu senti em anos.

Howard a chamou de milagre. Papai a chamou de fada, por causa de como ela
voou e flutuou pela casa despercebida.

Eu não sabia como chamá-la.

Um satélite caído que eu estava convencido de que rastreou cada movimento


meu lá de cima durante anos, antes de cair na terra para me empurrar de volta
para qualquer caminho que eu deveria tomar.

Um fantasma, nascido direto da escuridão para me atrair para a luz.

Talvez até um anjo, se coisas assim realmente existissem.

Claro que eu sabia que Juniper Summers era uma menina. Mas isso não
significava que ela não pudesse ser nenhuma dessas outras coisas também.
Na verdade, isso é o que eu mais gostava nela: como ela era completamente
alheia ao seu próprio caráter especial. Ela foi enviada para mim por um motivo, e
ela nem sabia disso.

Aqueles primeiros dias pareceram prolongados e impressionantes, como


todos os verões deveriam ser. Passávamos as manhãs vagando pelo rancho, as
tardes ouvindo música no celeiro e as noites nas cadeiras de balanço da varanda
enquanto o pôr do sol derretia ao nosso redor. Nós conversamos muito, embora eu
falasse a maior parte.

Eu ensinei a ela tudo o que pude sobre este mundo em que ela caiu, Deus
sabe de onde. Ela começou a me consertar, totalmente alheia ao fato de que cada
sorriso ou frase que ela dava tirou um pouco mais de gelo no meu coração.

Eu não sabia por que, mas eu sabia que era melhor não questionar.

Tudo que me importava era que pudesse sentir algo novamente.

Papai falava muito sobre o fim do verão: Juniper voltando para casa conosco
e frequentando minha escola particular comigo. Eu disse a ela que poderíamos ir
para a faculdade juntos.

Eu disse a mim mesmo, nunca desistirei de você.

Então, lentamente, as coisas mudaram.

Ela decidiu que não queria ficar na casa da fazenda conosco. Ela gostava da
cocheira, disse ela, embora fosse apenas uma garagem embelezada onde meu pai
abrigava alguns junkers 14 que ele nunca restauraria. Nenhuma quantidade de

14 A Junkers & Co. foi uma empresa alemã fabricante de aviões.


protestos e meus olhos de cão de guarda poderia convencê-la de que a casa da
fazenda era a melhor.

Cercada por suas luzes de corda e o chilrear da escuridão, ela ficava lá todas
as noites, em um colchonete de Howard. A janela dela era visível da minha, e me
peguei assistindo com muita frequência. Eu odiava aquelas pequenas lâmpadas
balançando para me substituir, ficar de sentinela em seus pesadelos, quando eu
não podia.

Ela ficou mais quieta. Distante. Cada vez que uma pista sobre sua antiga
vida vinha à tona, cinco ou dez mentiras pareciam se seguir.

Dia após dia, eu a vi perder aquela singularidade. Eu me perguntei se eu


realmente deveria protegê-la... ou me proteger dela.

Um dia antes de desaparecer, eu a peguei beijando meu pai na porta do


quarto dele.

Ela me viu. Ele não.

Na manhã seguinte, ela não estava em lugar nenhum, junto com vários dos
cartões de crédito do meu pai. Um novo skate chegou à varanda, entretanto,
enviado em meu nome.

Encontramos os cartões naquela tarde, bem no meio do antigo estábulo do


Capitão. Saques foram feitos de cada um deles.

A maioria das roupas e eletrônicos que meu pai comprou para ela estava
empilhada ordenadamente em sua cama despojada. Howard e papai deixaram
tudo intocado, pensando que ela voltaria.

Três noites depois, fui até aquela cocheira e joguei tudo no chão. De volta ao
pó como ela os tratou.

Aqui está a coisa sobre os anjos.


Você já se perguntou por que pastores e homens sábios desviam os olhos
quando alguém desliza para a terra? Curioso para saber por que homens adultos
caem de joelhos na presença de um anjo, levados a gritos de horror e se afogando
em suas próprias lágrimas?

Por que os anjos sempre cumprimentam os humanos com um aviso para não
ter medo?

É porque os anjos são horríveis.

Eles não são impressionantes, versões sobrenaturais de humanos: eles são


monstros. Literalmente. Centenas de olhos, formas grotescas.

Na verdade, somente quando um anjo cai é que ele começa a se parecer mais
conosco.
QUATRO

Nos dias de hoje

Pequeno fato conhecido sobre Van Durham-Andresco: quando ele se preocupa


com você, ele irá protegê-lo com tudo o que tem.

E se você fizer qualquer coisa para perder a confiança dele... você receberá
um desprezo tão feroz, inabalável e sincero quanto você já teve sua proteção.

Estou sentindo todo o poder desse desprezo agora. Por mais que eu mereça,
odeio a sensação que isso me dá. Como se eu não fosse nada.

Não – como se ele estivesse determinado a me transformar em nada.

— Ao contrário do que você ainda quer acreditar — digo, hum, sem fôlego
quando alcançamos a estrada que envolve a base da montanha, — não dormi com
seu pai.
— Certo. Apenas enfiou a língua na boca dele. Acho que vou te dar algum
crédito, aí: foder a cara dele com a sua é melhor do que literalmente foder com ele.

— Não foi isso...

Não. Eu não vou chorar.

E definitivamente não defenderei minhas ações para um cara que não


acreditaria em mim, de qualquer maneira.

— Tudo bem — ele diz, jogando o skate no chão e pulando, derrapando em


círculos ao meu redor enquanto eu ando, — vamos dizer que você não estava
falando francês com meu pai na manhã antes de dar o fora. Digamos que
não chamei sua atenção quando você se afastou, parecendo horrorizada com o que
fez – a propósito, mais um pequeno crédito que vou lhe dar: que você parecia até
com remorso, mas ainda teve a coragem de passar por mim sem uma maldita
explicação.

Ele junta as mãos na frente dele enquanto se arrasta para parar, espalhando
cascalho em minhas canelas.

— Ignorando tudo isso — ele diz, — vamos discutir como você roubou
milhares de dólares do cara que a acolheu quando você não tinha outro lugar para
ir. O cara que acreditou em você quando você manteve aquela merda de amnésia
por semanas, mesmo depois que eu te desafiei. Meu pai tentou tanto te ajudar,
Fairy Lights. E como você retribuiu?

Meus olhos se fecharam, lutando contra a picada.

Muito tarde. Lágrimas quentes e vergonhosas se espremem em meus cílios.

— Ok, sim — deixo escapar, — eu peguei o dinheiro. E me sinto mal por


isso. Eu me sinto horrível, sabendo que ele culpou você.

— Você armou para que ele tivesse que me culpar.


Van sai do skate e o põe nas mãos com um tipo violento de graça. Como um
bailarino, mas determinado a testar a força de tudo em seu redor.

Especialmente eu.

— Belo toque, a propósito — ele diz. — Deixando para mim aquele pequeno
presente de despedida.

Mais lágrimas caíram. Mais vergonha.

— Eu estava apenas ganhando tempo — sussurro agora, engasgando com a


verdade. — Eu sabia que ele se perguntaria se era você, mas não acho que ele
realmente te culparia. O skate, o estábulo... era para confundi-lo por tempo
suficiente para que eu pudesse fugir sem policiais vindo atrás de mim. Isso é
tudo. Assim que ele percebesse que eu havia ido embora, imaginei que tudo daria
certo. Quero dizer... você é filho dele. Eu era uma estranha, eu era...

— A coisinha misteriosa, inocente e com danos cerebrais que se ofereceu a


ele? — Van ergue uma sobrancelha e muda o capacete para a outra mão, deixando-
o balançar como um taco que eu sei que ele nunca usaria.

Ele parou de me proteger. Arruinei essa chance há muito, muito tempo. Ele
não se importa mais se este mundo me machuca.

Mas também sei que ele nunca faria isso. Não fisicamente, pelo menos.

— Eu juro Van, não foi assim. — Minhas mãos caem para os lados, as
explicações secam. — Não há nada mais que eu possa lhe dar do que minha
palavra. Sim, roubei o dinheiro. Mas eu não estava beijando seu pai. Não... como
você pensa.

— Hmm. Ok. Acho que isso é normal, então, de onde diabos você seja, trocas
de cuspe totalmente platônico com homens décadas mais velhos do que você.
Ele segue em frente. Não completamente fora de vista, mas longe o suficiente
para saber que não estamos mais caminhando juntos.

Lá se vai a conversa.

Seria simples contar a verdade, eu lembro de fato, de onde vim, mesmo que
os detalhes ainda sejam um mistério.

Simples..., mas não é fácil.

A coisa da amnésia nunca enganou Van. Ele parou de acreditar cerca de doze
horas depois que fui morar com eles, quando tive meus pesadelos pela primeira
vez. Alguns eram sobre o dia em que saí, mas a maioria eram representações
normais de minha vida diária.

Minha melhor amiga, Rebecca. Minha mãe.

Barton.

Mas esses foram os sonhos mais aterrorizantes, cenas comuns que me fizeram
acreditar que estava de volta àquele lugar.

Que eu nunca saí.

Que finalmente ver aquela luz nebulosa e oscilante dos estábulos, e aquele
menino esticado como se estivesse esperando por mim o tempo todo, tinha sido o
sonho.

Eu acordava encharcada de suor. Sempre, a primeira coisa que eu fazia era


dar um tapinha na cama ao meu redor, dizendo a mim mesma que era real.

A segunda coisa que eu fazia, rolar e encontrar o contorno de Van contra a


minha porta fechada.

— Eu ouvi você chorar. Fale comigo.


— Eu não quero falar.

— Então me diga como melhorar.

Estamos impossivelmente longe daqueles dias, agora.

Enquanto Van desaparece de vista sobre uma colina, eu balanço a


cabeça. Não posso contar a ele, não mais do que podia naquela época. Eu não quero
falar. Essa é a única maneira de melhorar –esquecer.

Tenho sete anos de prova de que às vezes você não consegue seguir em
frente. Você apenas continua.

E mesmo se eu pudesse dizer a ele, isso ainda importaria?

Ele está certo, eles me deram tanto, tanto, e eu os retribuí


horrivelmente. Nada pode mudar isso.

Eu acredito em carma, ou algum tipo de equilíbrio cósmico. Talvez haja uma


vida após a morte; na verdade, espero que sim. Mas, em vez de aceitar a ideia de
que nossas boas ações nesta terra se traduzem em algum tipo de moeda de
redenção na próxima, acho que todos os nossos atos – bons e maus – nos são
retribuídos nesta vida. E, na maioria das vezes, cabe a nós restaurar
conscientemente o equilíbrio que perturbamos.

Em outras palavras, se você fizer algo errado, você precisa expiar onde for
possível e aceitar sua punição de qualquer maneira.

Roubar e mentir para os Durhams depois que eles tentaram me ajudar foi
horrível. Minha punição? O ódio profundo e completamente justificado de Van. A
perda do meu protetor.

Tudo o que posso fazer é aceitar. E talvez, um dia desses, terei a oportunidade
de expiar o que fiz.

Cuidado com o que você deseja.


Quando alcanço ao meu acampamento, sou inundada de alívio, porque o
veículo que estava no meu local se foi.

Cerca de meio segundo depois, eu estou inundada de náusea.

Meu Transit está vários metros mais perto do lago do que antes. O pequeno
acampamento que montei marca seu antigo local como uma lápide.

Círculo o veículo. Meu para-choque está amassado.

— Não — digo, mas eu inalo, a palavra esculpindo meus pulmões quando sigo
as marcas de pneus todo o caminho até o lago, onde Van está parado no meio da
água.

Também na água está o veículo que estava estacionado onde estou


agora. Apenas um único canto lamacento surge do lago calmo e ondulante.

A sequência de maldições que escapou da boca de Van esse tempo todo


para; ele inala e mergulha sob a superfície.

Eu o vejo subir para respirar, furioso demais para prender a respiração por
mais de alguns segundos.

Eu pego meu telefone. O sinal é fraco, então jogo sobre algumas folhas onde
ele deixou o dele.

Sem pensar, desamarro minhas botas. Enquanto puxo meu cabelo para trás,
olho a água, já sentindo minha pele gelar.

Se isso conta como expiação ou punição... Não tenho certeza.


CINCO

Nós conseguimos salvar alguns itens cada antes que o lodo embaixo do veículo
começasse a ceder e a coisa toda derrapasse ainda mais fundo. Estamos muito
mais longe da costa agora do que quando começamos esta missão de salvamento
improvisada.

— Van — grito, quando ele surge do lado do motorista, — nós não podemos
continuar tocando, ele está se movendo.

Ele me ignora, se preparando para mergulhar de novo, mas eu cambaleio pelo


teto e o paro.

— Me solte!

— Está movendo! Temos que ir, não podemos...

Ele se afasta e desaparece mais uma vez.

Eu ouço e sinto o veículo dar uma guinada mais profunda.


De volta às rochas ao longo da costa, eu tusso água que não sabia que estava
em meus pulmões. — Van! — grito, com o peito queimando. — Van, não é seguro!

Finalmente, ele vem à superfície.

Ou mais precisamente, o topo de sua cabeça surge.

A espessa cobertura de nuvens de tempestade que se formou desde que


chegamos aqui agora cobre o sol. É o início da tarde, mas parece anoitecer. Não
consigo ver o rosto dele.

Não consigo ver se o nariz ou a boca dele ficaram acima da água.

Meus membros me atiram de volta em sua direção. Não importa que eu mal
consiga me manter à tona, quanto mais outra pessoa; meus instintos estão
gritando para chegar até ele.

Ele não está se movendo.

Tento puxá-lo, mas ele escorrega do meu aperto. Ele está preso.

Eu entro e abro meus olhos. Através dos escombros suspensos e da sujeira ao


redor do carro, vejo seu pé emaranhado no cinto de segurança do lado do motorista.

Ar.

Preciso de mais disso. Agora.

Minhas mãos não conseguem alcançar a porta para se apoiar. Minhas pernas
não podem chutar rápido o suficiente.

Sem mais nada para usar, agarro os ombros de Van e me empurro para a
superfície.

Puxando duas respirações ardentes, eu tusso, seguro a terceira e volto para


baixo.
Meus dedos se atrapalham com a alça lisa até que seu pé se solta. Seu sapato
afunda como uma pedra, engolido pela escuridão.

Coloco meus braços sob os dele por trás e coloco meu pé no teto do carro,
conduzindo-nos para cima com uma lentidão dolorosa através da água.

Meu peito queima; meus olhos não conseguem piscar rápido o suficiente
contra todos os escombros. Os cantos da minha visão desbotam.

Com um gemido distorcido, o carro se move.

Através da minha adrenalina e pânico, percebo que esta é a minha única


chance de levar nós dois à superfície. Seu carro está afundando, as profundezas o
reivindicando como seu. Mais um empurrão, este empurrão, e acabou.

Aumento meu aperto em torno de Van. Minhas pernas nos lançam para cima
com toda a força que consigo, depois chutam como se fosse tudo o que nasci para
fazer.

A água clareia. Empurro meu rosto para a superfície e suspiro. A maior parte
da minha inspiração é água, ou pelo menos me sinto assim, mas é o suficiente para
me manter chutando. O suficiente para continuar lutando.

Por favor, eu imploro ao universo, Deus, carma, natureza, tudo em que


sempre acreditei. Por favor, me dê algo para salvá-lo.

O que quer que me ouça, deve ter senso de humor, porque de repente sinto
algo esponjoso e viscoso cutucar meu ombro.

Um macarrão de piscina.

Está enegrecido de sujeira, corroído e totalmente nojento depois de sua


jornada pelo lago.

Mas ele flutua, e só isso é o suficiente para me fazer agarrá-lo como o presente
magnífico que é.
Eu o puxo dos galhos caídos em que estava emaranhado, coloco-o sob os
braços de Van e praticamente choro de felicidade quando seu rosto flutua para a
superfície. Agarro o colarinho de sua camisa em meu punho e nado para a terra.

— Van — resmungo assim que o faço passar pelas rochas e chegar à


costa. Meu corpo me puxa para vomitar. O ácido estomacal espumoso e a água do
lago aterram nos rastros que os pneus deixaram para trás.

Eu me viro e o sacudo antes mesmo de terminar, observando seus lábios em


busca de sinais de respiração. Eles estão azuis.

Procurando em meu cérebro inundado por qualquer conhecimento de RCP 15


que obtive na televisão e no cinema, eu coloco minha mão sobre a outra e pressiono
com força seu esterno. Então, novamente e novamente.

Respire por ele.

Sua pele está fria quando cubro sua boca com a minha, aperto seu nariz e
coloco ar em seus pulmões. Sentir seu peito subir sob minha mão livre me inunda
com um alívio prematuro, e tenho que lembrar que ele não respirou fundo.

Ainda não.

Alterno entre empurrar seu peito e respirar em sua boca. Não sei se estou
usando as durações ou ritmos certos.

Tudo que sei é... Estou fazendo tudo que sei. Tudo que eu posso.

Por favor.

Assim que me sento, tremendo e silenciosamente implorando ao universo


para não me dar isso, o único castigo com o qual eu não poderia viver... ele tosse.

15 Reanimação cardiopulmonar ou reanimação cardiorrespiratória: conjunto de manobras destinadas a


garantir a oxigenação dos órgãos quando a circulação do sangue de uma pessoa para.
— Van! — grito, com um ruído entre um soluço e uma exclamação de pura
alegria. — Van, oh, graças a Deus.

Água borbulha de sua boca. Rapidamente, eu o coloco de lado enquanto ele


vomita.

— Está tudo bem — digo a ele, chorando e rindo enquanto a água deixa seus
pulmões, e aquela primeira queimação, bela respiração toma o seu lugar. —
Estamos bem.
SEIS

— Você é muito sortudo.

Desprezo o médico e pego minha receita.

É uma receita de antibióticos para que eu não desenvolva uma infecção, seja
por inalar a água turva do lago ou expondo todos os cortes e arranhões do meu
corpo a ela de uma vez.

A cereja do bolo, os remédios têm que ser tomados com comida, e a minha
despensa inteira está no fundo do maldito Lago Linon.

Ok, então eu não tinha uma despensa lá. Apenas Pringles e charque16. Mas
ele não sabe disso.

Ele não sabe – porque eu gritei e delirei desde que acordei no hospital – que
tudo o que possuo está arruinado, então seu uso contínuo da palavra sorte é uma

16
O charque é uma carne salgada e seca ao sol com o objetivo de mantê-la própria ao consumo por
mais tempo.
jogada tão esperta, eu aplaudiria com alguma piada devastadora sobre seu hálito
de gengivite se tivesse energia.

Deus, eu estou cansado.

— Eu ainda te aconselho a pernoitar. — Ele diz isso como se advertisse seu


inimigo a não pisar em uma mina terrestre, estritamente para o bem de sua
consciência.

Pegando minha IV17, empurro meu queixo para a janela. Amanhecer corta as
cortinas. — Eu fiz.

Ele suspira e então tira minha mão da IV. — Você pode esperar até o meio-
dia, pelo menos? Tenho certeza que deixaria sua amiga feliz.

Ele tem feito isso a noite toda – referindo-se a Juniper como minha amiga,
com uma inflexão que significa mais. Ótimas habilidades de diagnóstico,
doutor. Juniper não é nada para mim.

E esse desenvolvimento certamente reforça isso.

Não me lembro de muita coisa, pisei na arrumação de criança do que devia


ser o acampamento de Juniper, encontrei meu Sprinter na água e mergulhei para
salvar o que pudesse. Roupas, sapatos... acho que até peguei o manual do carro
estragado, fiquei tão desesperado.

A próxima coisa que soube foi que estava em uma cama de hospital.

Oh, sim. Muita sorte.

— Van?

17
Terapia intravenosa (IV) é uma via de administração que consiste na injeção de agulha ou cateter
contendo princípios ativos, vacinas ou hemoderivados nas veias periféricas, tipicamente nos membros
superiores ou inferiores.
Juniper se encolhe na porta. O médico me dá um sorriso que eu gostaria de
tirar da cara dele.

— Vou deixar vocês sozinhos por um tempo. — Para Juniper, ele acrescenta,
— Talvez você possa convencê-lo a ficar mais um pouco.

Assim que ele sai, começo a mexer na minha IV novamente.

— Saia daqui.

— Van, eu sinto muito. Eu... eu não sei o que aconteceu para fazer meu carro
rolar no seu, mas prometo...

— Sua promessa significa uma merda para mim. — Eu estremeço. Remover


essa agulha sozinho era uma ameaça vazia; eu continuei esperando que, se o
médico me visse mexer com ela o suficiente, ele mandaria uma enfermeira para
tirá-la antes que eu rasgasse minhas veias.

Acho que ele viu meu blefe. Eu desisto e caio na cama. Sua presença paira
mais perto. Eu não a ouço, apenas sinto que ela está por perto. Sempre foi assim,
com ela.

O dia em que ela fugiu, na verdade, eu soube antes de todo mundo, antes
mesmo de sair para a cocheira e confirmar. Eu não a sentia mais.

Não senti nada novamente.

Atualmente, minhas emoções são fusíveis queimados. Sou muito bom em


sentir raiva. Felicidade às vezes bate um pouco errado – plana e estática, como um
recorte de papelão que você pensava ser uma pessoa real – mas está lá.

Até a tristeza é bem-vinda, porque pelo menos me lembra de que não estou
totalmente morto por dentro.
— Todas as minhas coisas — suspiro, balançando a cabeça quando o peso me
atinge novamente. — O maldito carro inteiro. Câmeras, laptops, luzes do meu
skate...

— Eu vou pagar por tudo isso, eu juro. Não será de imediato, mas pagarei. O
que for preciso.

— Bem. — Eu olho para ela. — Me dê o seu.

— Confie em mim — ela sorri, pegando a borda da IV que eu abandonei, —


você não quer o Transit. É decorado com feminilidade demais para um homem de
seu gosto.

— Não faça piadas, Fairy Lights. — Eu puxo meu braço, embora ela esteja
fazendo um bom trabalho removendo a fita. — Eu posso parecer exausto – e estou
– mas estou tão furioso com você.

Lá vai ela, fazendo aquela coisa de encolher novamente. — Sorte minha que
você nunca machucaria uma mulher.

— Fisicamente? De jeito nenhum. Mas estou pensando em torturá-la


psicologicamente até que a dívida seja paga. —Eu pego o controle remoto da cama
e me inclino para que estejamos no mesmo nível, quando ela se senta na poltrona
ao lado da minha cama. — Como eu ferraria com uma mente como a sua,
entretanto? Fazer Yoga de forma errada e recusar a deixá-la corrigir minha
postura? Alimentá-la com chips não orgânicos e colocar carne em uma sopa?

— Não sou vegetariana — ela sorri, — e como muita porcaria,


infelizmente. Então isso seria uma perda de tempo. A coisa da Yoga pode
funcionar, embora eu provavelmente fique feliz apenas por ver você tentar. Você
está incrivelmente tenso.

— Eu sou a nova definição de tenso. Você lançou toda a minha merda na porra
de um lago.
— E eu disse que sentia muito. Se você decidir não acreditar... bem, isso é
com você.

— Talvez você queira um processo contra você.

Ela respira fundo e tira o último pedaço de fita do meu braço. Eu nem percebi
que ela começou a puxá-la novamente.

— Eu não tenho nada, Van. Economizei muito, algumas centenas por mês da
minha mídia social... mas, sim, um veículo e alguns equipamentos
decentes. Então, acho que você poderia pegar minhas coisas e ficaríamos quites.

Qualquer analgésico que eles me deram não foi suficiente. A enxaqueca


subindo pela minha cabeça aumenta quando fecho os olhos novamente e digo a ela:
— Não quero sua merda. Eu quero o meu de volta.

— Exatamente. Deixe-me pensar em uma maneira de retribuir, certo? Sem


processo. E, além disso, não é como se o seu...

Meus olhos se abrem. Ela encara seu colo.

— Não que meu pai não consiga substituir tudo com um pequeno cheque,
certo?

— Não foi isso que quis dizer.

— É o que você ia dizer.

Juniper umedece os lábios. — Só estou dizendo que você tem uma rede de
segurança. Eu não. Tudo que eu tenho? É isso aí.

— E? O mesmo para mim. Exceto – uma pequena diferença – um de nós não


tem que salvar seus pertences com uma vara de pescar.

— Vamos, Van. Você é um Durham. — Ela se recosta na cadeira e apoia o pé


na cama, os braços cruzados. — Você tem uma cobertura em Nova York cheia de
coisas, um rancho lindo e provavelmente três ou quatro outras propriedades que
eu nem mesmo conheço.

— Você não sabe merda nenhuma, na verdade. Saí da cobertura do papai e


fui para uma casa só minha assim que...

Minha voz enfraquece. Juniper presume que é porque uma enfermeira


acabou de finalmente entrar aqui para tirar minha intravenosa, então eu calo a
boca e a deixo pensar.

— Não aceito mais nada do meu pai — digo a ela do banheiro, enquanto
esperamos pelos meus papéis de alta. Eu mudo minha bata para um jeans novo
duro e uma camisa que ainda tem as etiquetas de tamanho, que estou muito
cansado para tirar. Droga, este hospital até te dá roupas íntimas e chinelos novos?

— Ok.

Ela não diz isso sarcasticamente, mas olho para ela como se fosse. Estou
acostumado com as pessoas não acreditarem em mim quando digo que estou
sozinho há anos. Até meus primos estavam céticos, até que Wes foi morar comigo
e viu as evidências por si mesmo.

— Falo sério. — Eu fecho minha braguilha quando saio, chocado com o quão
bem as roupas caem. — Não há orgulho em ganhar tudo. Eu queria provar que
poderia ter sucesso sozinho.

— Para quem?

Hesitando, eu olho para a paisagem plana fora da janela. Estamos a cerca de


trinta minutos do lago, no meio de um subúrbio desconhecido. Tudo são estacas
brancas e árvores planejadas, tão perfeitas. Eu não aguento mais.

— Acho que eu mesmo, lá no fundo. Certamente não me importo com o que


os outros pensam de mim.
Ela balança a cabeça, mas fica em silêncio total até a enfermeira voltar com
o veredicto – estou livre.

São quase onze da manhã quando descemos. Dr. Halitose fez questão de
arrastar o processo de saída até o mais próximo possível do meio-dia. Desgraçado.

— Oh — Juniper diz perto da loja de presentes, — nós nos esquecemos de


preencher sua receita. Vamos, tem uma farmácia aí atrás.

— Em primeiro lugar, prefiro uma CVS18. Em segundo lugar – e não posso


enfatizar isso o suficiente – não há nós envolvidos aqui.

Começo a me mover novamente. Claro, ela está bem atrás de mim.

— Só estou tentando ajudar.

— Não quero sua ajuda. Eu quero meu carro fora daquele lago. Quero minha
vida exatamente como era, — verifico o relógio na parede quando passamos pela
entrada, — aproximadamente dezenove horas atrás, antes de você aparecer e
estragar tudo. Como da primeira vez.

Novamente, não é um barulho, ou a falta dele, que me dá a dica de que ela


não está mais por perto. Eu simplesmente sinto isso, no segundo em que ela para
de andar e se recosta no meio-fio.

Desta vez, porém, não olho para trás.

18 CVS Pharmacy é uma empresa de varejo americana. Sediada em Woonsocket, Rhode Island. Também
era conhecida como, e originalmente denominada, Consumer Value Store e foi fundada em Lowell, Massachusetts,
em 1963
SETE

— Como eu estraguei a sua vida, da primeira vez?

Já se passaram mais de trinta minutos desde que qualquer um de nós


falou. Van parece que quer me empurrar na sarjeta que estamos perto, esperando
uma carona que ele não tem escolha a não ser compartilhar comigo. A maior parte
de seu dinheiro estava na forma de dinheiro vivo, que foi enfiado em seu colchão…
que afundou com o resto de seu transporte.

— Quero dizer — arrisco, quando ele fica quieto, — além do seu pai pensar
que você roubou o dinheiro a princípio...

— Oh, ele ainda acha que eu roubei. — Seus bolsos chacoalham com os
antibióticos que finalmente o fiz comprar na primeira farmácia que encontramos
depois de deixar o hospital.

Quando ele tira os cigarros que também comprou lá, eu me viro e mordo a
língua. Se ele quer fumar após quase se afogar, além de ter asma, essa é sua
prerrogativa completamente idiota. Eu cumpri minha cota de salvar vidas esta
semana.
— Ainda? — pergunto, quando sua frase é registrada.

— Sim. Em uma daquelas formas de nunca fale nisso, deixe isso contaminar
todas as refeições em família. — Van traga profundamente e olha para mim.

Espero que ele sopre a fumaça no meu rosto, mas em vez disso ele angula a
boca para que fique acima de mim.

— Eu vou falar com ele.

— Não, obrigado. Acho que você conversou com ele bastante, sete anos atrás.

Batendo em uma grade, ele espia por cima do meu ombro para verificar o
status de nossa viagem. A fumaça do cigarro não é o motivo de eu prender a
respiração.

De alguma forma, ele cheira exatamente como eu me lembro. Ficar saturado


com água do lago e antisséptico de grau hospitalar não consegue esconder o cheiro
dele.

É como pele queimada de sol e papel em branco quente de uma impressora,


misturado com o aroma fresco de terra.

— Eu tenho que esclarecer as coisas com ele — administro. Parece que estou
de volta ao lago, mas agora é apenas o cheiro dele inundando meus pulmões. —
Acertar as coisas com vocês.

— Olha, meu velho não me odeia por isso. É como qualquer outra coisa que
fiz na minha vida. Ele está desapontado, ele perdeu um pouco de fé em mim por
fazer isso..., mas nós viveremos.

— Exceto que você não fez isso.

— Fiz o suficiente antes disso. — Ele termina o cigarro com uma tosse
contida. — Sim, seria bom se ele acreditasse em mim, mas eu entendo porque ele
não acredita. Parece cem por cento como algo que eu faria.
Resumidamente, aqueles olhos azuis do oceano encontram os meus. — Você
realmente me ferrou bem, Fairy Lights, e falo isso sinceramente. Encomendou um
skate que você sabia que eu realmente queria, e pedi ao papai, tipo... cem vezes, e
depois deixou os cartões no lugar exato em que eu os teria deixado, como o idiota
que era.

— Mas você não roubou os cartões. — Caramba, o que uma garota tem que
fazer para consertar as coisas por aqui?

— Mas eu poderia. — Ele pisa fora do bueiro que estamos circulando


inconscientemente. — O que você sabia. Você não ficou por muito tempo. O que foi,
três semanas? Quatro, no máximo. Mas o suficiente para aprender exatamente o
que você poderia fazer.

Desta vez, quando seus olhos encontram os meus, tenho que olhar para o meu
telefone.

— Exatamente o que papai temia que eu sempre fizesse, — ele continua, a


voz baixa e fria em meu pescoço, mesmo quando eu me afasto e finjo procurar um
sinal.

Ele tem razão. Completamente.

Eu ouvi diretamente da boca de Sterling Durham uma vez, em uma conversa


que ouvi com Howard sobre Van.

— Pegou emprestado a caminhonete para um passeio... e depois a bateu. O


rapaz está cada vez pior — o Sr. Durham resmungou enquanto Howard o ajudava
a retirar o amassado que Van deixou na porta do passageiro. — Pegando a
caminhonete, desobediente, reprovando nas aulas na primavera passada...

— Não se esqueça daquelas pobres garotas que continuam ligando — Howard


riu.
— Nem me lembre. Sabe, acho que esse é o meu segundo maior medo para o
moleque. Que ele engravide uma daquelas garotas e se torne um pai
adolescente? Já conversei com ele um milhão de vezes, dei preservativos, tudo isso,
mas... bem. Claramente, ele não é o melhor em pensar merda.

— Então, qual é o primeiro maior medo?

O Sr. Durham ficou quieto por um momento. Tudo o que ouvi foi o gemido de
metal, o erro de Van sendo consertado.

— Que ele roube de mim — ele disse, finalmente. — Quer dizer, acho que
meus maiores medos reais são os normais; que ele morra ou se machuque, o que
quer que seja. Mas roubar... parece o próximo passo natural para ele, do jeito que
está indo.

— Isso é pior do que se tornar um pai adolescente?

— À sua maneira. Engravidar uma garota seria um erro, algo que ele faz
porque é jovem e se acha invencível. Roubar me faria questionar tudo sobre seu
caráter. Eu nunca mais confiaria nele.

O Sr. Durham fez uma pausa. O amassado estourou com um último ruído.

— Eu odeio dizer isso — ele suspirou. — Deus, eu realmente odeio.

Eu odiei ouvir isso.

Porque no segundo que ouvi, eu sabia exatamente o que poderia fazer.

Exatamente como eu sairia daquele rancho, meu primeiro recomeço... e faria


outro.

Respiro quando o aplicativo de caronas nos alerta que o motorista está


perto. — Eu sinto muito.
— Deus, pare de se desculpar, — Van geme, com os olhos fechados para o
céu. — É tão deprimente.

— Não sei mais o que dizer.

— Nada. Isso é tudo que você pode dizer, porque todas as desculpas do mundo
não mudarão o passado. E porque, francamente? Não posso desperdiçar energia
aceitando suas desculpas. Não tenho tempo para fazer você se sentir melhor
consigo mesma. — Ele toca os lábios e encolhe os ombros. — É o que é. Eu tive que
viver com as consequências. Você também.

— Por essa lógica — gaguejei, furiosa com a forma bizarramente calma que
ele aparentava, — então ninguém nunca deveria pedir desculpas por nada.

— Agora você está entendendo.

Balanço a cabeça, então não vou agita-lo em vez disso. — Que visão triste e
patética da vida.

— Que resposta triste e patética.

Pela graça do que for que me enviou o presente que era aquele macarrão de
piscina (embora agora, eu esteja cética), nossa carona escorrega para o meio-fio.

Van segura a porta para mim. Seu sorriso tem toda a simpatia de uma faca
na garganta. Deixe para ele fazer até mesmo uma boa ação parecer sarcástica.

Cada minuto desde que saímos do hospital me fez questionar meu plano, mas
sei que não há outra opção.

Não, a menos que eu queira que os pesadelos gêmeos de Mau Karma e Culpa
Roendo me seguindo como uma sombra.

No momento em que juntei coragem para apresentá-lo a Van, chegamos ao


escritório do acampamento onde deixei meu Transit.
Talvez seja melhor eu contar minha ideia sem platéia, no entanto. Ele pode
realmente levar a sério.

Ele pode perceber, como eu, que ele não tem muita escolha.

— Aonde você vai? — pergunto, quando eu destranco o carro e ele começa a


andar pela estrada para o lado oeste do lago.

— Começando minha nova vida de sem-teto — ele fala, sem olhar para trás.

Pressiono minha testa no metal quente da minha porta e suspiro.

Por favor.

Por favor, se há qualquer outra forma de expiar... mostre para mim agora.

— Van. — Pisei no freio assim que o alcancei, o que não demorou


muito. Entre a exaustão geral e chinelos baratos, ele só conseguiu 400 metros no
tempo que levei para tranquilizar a equipe do lago de que estávamos bem. Isso
incluiu a explicação sorridente sobre as taxas de limpeza (tradução: devo a eles
duzentos dólares por jogar lixo na água) e um lembrete amigável de que minha
isenção de check-in diz que não posso processar por quaisquer ferimentos ou danos
sofridos durante a minha estadia.

— Van — eu chamo novamente. Eu sei que ele me ouve; ele está bem ao lado
da janela do passageiro. E Eloise não é uma garota quieta.

— O quê? — ele diz com os dentes cerrados.

— Entre.

— Eu estou bem.

— Você sabe que esta estrada tem quase três quilômetros, certo?

Isso o faz parar, praguejar e entrar.


— Não são três quilômetros — murmura, dando-me um ar de loucura quando
pego um adesivo de tamanho de sua calça jeans.

Ainda assim, ele me deixa fazer isso. — Um quilômetro, no máximo.

— Então eu tenho problemas para medir a distância. Não é como se você me


corrigisse.

— Nunca estive nesta estrada. Entrei pelos fundos.

— Ah. Quer dizer, você invadiu. Isso explica por que o escritório não tem
registro de sua chegada, então. Eu consertei sua idiotice a propósito, algo sobre
uma reserva que provavelmente perderam no sistema. De nada.

— Não pedi para você enganar ninguém por mim, então não obrigado.

Eu o sinto me encarar, mas mantenho meus olhos fixos à frente.

— E eu não invadi — acrescenta. — Havia um portão, ele estava


destrancado... então eu passei por ele. Eu não ia pagar por uma vaga quando
planejava ficar apenas algumas horas. Não é minha culpa que eles cobram uma
taxa fixa.

Isso também é familiar, Van tendo uma justificativa para tudo o que fazia,
sempre entregue com tanta confiança que você se pegava querendo acreditar, não
importa quão falha fosse. Uma vez, depois que seu pai o pegou com um pouco de
cerveja atrás do celeiro, Van fez um discurso tão convincente na mesa de jantar
sobre como era mais seguro para um adolescente experimentar álcool em uma
fazenda ampla e aberta do que nas agitações da cidade de Nova York que até
Howard começou a concordar.

O Sr. Durham ainda o puniu, é claro, mas apenas por uma semana. Talvez o
pequeno discurso de Van tenha funcionado com ele também.
Então agora, quando ele termina apontando que a diária do acampamento é
de vinte e quatro horas, e ele só ficaria na trilha por cerca de seis, o escritório
realmente deveria oferecer descontos para coisas assim... Eu me odeio por acenar
com a cabeça e dizer a ele que faz sentido.

— Ainda é errado, — eu sou rápida em acrescentar.

— Me entregue, então.

— Van... — Isso não vai como eu queria.

Nada disso, na verdade. Durante anos, sonhei acordada sobre como seria, se
e quando encontrasse com ele novamente.

Nunca em um milhão de anos eu pensei que aconteceria assim, mas também


não esperava que as coisas fossem tão difíceis.

Tentei esperar por isso. Centenas de vezes, eu lembrei que ele me odiava. Nas
poucas vezes que entrei em contato nas redes sociais, fui bloqueada. Quando fiz
amizade com seus primos Wes e Theo, passamos duas horas relembrando sobre a
visita deles ao rancho naquele verão. Eles de repente ficaram em silêncio, então
me tiraram da lista de amigos.

Não foi preciso muita inteligência para descobrir o que aconteceu, eles
mencionaram para Van, ele pirou, e os instintos de Durham entraram em ação.
Eu não era nada para eles agora, porque não era nada para ele.

Eu sabia que nunca mais teria meu protetor. E eu estava bem com isso.

Mas carreguei uma pequena vibração de esperança ao longo desses anos de


que Van e eu poderíamos, um dia, ficar bem novamente.

Quando chegamos ao acampamento e saímos (desta vez, certifico-me de que


meu freio de mão está acionado), vou atrás dele até a beira da água, onde uma
equipe de homens está trabalhando para arrastar o Sprinter.
Agora ou nunca. É hora de consertar meu erro.

Eu respiro. — Eu tenho uma proposta.

— Oh não, você precisa se ajoelhar, pedir a bênção do meu pai, tudo isso.

— Van, eu estou falando sério. Olhe para mim. — Ele encolhe os ombros fora
do meu alcance quando agarro seu cotovelo, mas para e se vira. — Eu acredito
em... em equilíbrio. Carma, mas mais autodirigido.

Sua sobrancelha se franze. — Você está tentando me converter ou algo assim?

— Estou tentando explicar... Ok. — Outra respiração. Tudo isso faz todo o
sentido na minha cabeça, mas nunca tive que expressar em voz alta. Seria difícil
com qualquer um, mas especialmente com ele.

— Quando você faz algo bom, o universo ou Deus ou carma, seja o que for, o
devolve a você. Certo?

— Você está realmente me perguntando? Porque eu teria que dar um sonoro


fodido não a essa teoria.

— Bem, eu acredito que é verdade. Tudo o que fazemos testa esse


equilíbrio. Boas ações colocam as coisas a nosso favor, até que algo bom seja
devolvido. E coisas ruins que fazemos, mesmo por acidente...

Meu olhar viaja do seu para o lago, onde seu para-choque traseiro agora é
visível.

— Se você fizer algo errado, você precisa expiar. — Minha terceira respiração
profunda, como se acabasse de emergir daquela água escura novamente. — Não
posso te devolver em dinheiro vivo, pelo menos não agora. Mas posso levá-lo aonde
você precisa ir.

— Você não entende, não se trata apenas de transporte. Eu tinha um plano


completo de viajar e andar de skate, conseguir novos patrocinadores...
— Então eu vou te ajudar a consegui-los.

Ele ri. — Como diabos você fará isso?

— De qualquer maneira, eu preciso. — Meus ombros se endireitam. Ainda


não é fácil olhar nos olhos dele.

Mas com o peso do meu pecado acidental começando a diminuir, minha


expiação já em andamento, está ficando mais fácil.

— Eu vi seus canais no Instagram e no YouTube, e... eles poderiam ser


atualizados — prossigo, percebendo que estou cutucando um urso enorme e
facilmente enfurecido. — Você pode usar meu equipamento para filmar e fazer
upload do que quiser, até eu substituir o seu material. E vou editar tudo de graça
e, em seguida, ajudá-lo a arrumar suas páginas.

— O que há de errado com minhas páginas?

— Seus uploads não são consistentes, você não posta quase nada no
Instagram, você não está no TikTok afinal...

— Não, foda-se isso. Eu não sou um influenciador. Eu sou um skatista.

— Um skatista que é conhecido em toda a sua área — brinco, — mas mal se


registra no radar do público em geral.

Ele ferve, mas permanece em silêncio. É uma realidade inescapável de


trabalhar para si mesmo, sem uma presença na Internet, você pode muito bem não
existir. Odeie ou ame, é assim que é.

— Você realmente acha que suas pequenas dicas e truques vão funcionar para
mim? Sou um atleta. Eu nem sei como diabos chamar você.

— Eu... sei muitas coisas. — Quando seu revirar de olhos termina (leva vários
segundos), acrescento seriamente: — Sim, não sou um atleta. Não sei virtualmente
nada sobre skatismo. Mas sei uma ou duas coisas sobre como ganhar seguidores. A
saber, o fato de que, se você tiver um número suficiente deles, os patrocinadores o
procuram.

Van me deixa retirar outro adesivo de tamanho, em silêncio.

O urso está com raiva, mas curioso.

— Eu sei por que você perdeu seus primeiros patrocinadores. Você tem uma
reputação.

— Menino mau? — ele sorri, a língua pressionada dentro de sua bochecha. —


Deus do skate longboard?

Isso é o mais familiar de tudo.

A arrogância em sua voz e o brilho em seus olhos que revela exatamente o


quanto ele quer acreditar em suas próprias palavras.

Talvez parte dele realmente queira. Isso explicaria seus pequenos discursos
convincentes e sua capacidade de não se preocupar com o que quer que esteja
acontecendo ao seu redor.

Mesmo agora, quando nos sentamos e observamos a água derramar pelas


rachaduras sob as portas de sua pequena casa, mas por esforço próprio, ele não
reage.

Mas eu sei o que o mata mais... é que isso não o está matando.

— Um menino mau com problemas de raiva, — corrijo suavemente. — Um


menino que esqueceu que não era um deus e voou muito perto do sol.

Suas pernas se estendem à nossa frente, as mãos enterradas na terra


atrás. — Também me disseram que tenho uma personalidade desagradável.

Uau, há um eufemismo.
Um barulho horrível enche o ar enquanto o guincho estica, depositando o
cadáver de sua antiga vida bem na nossa frente.

A equipe começa a soltar tudo, se preparando para sair para que o caminhão
de reboque possa entrar e levar essa bagunça embora.

— É engraçado — ele diz, largando o isqueiro de uma mão em outra, —


viajando, atirando-me trilhas, achei que mataria dois coelhos com uma cajadada
só. Atraía alguns novos patrocinadores com as filmagens e seguidores, mas
também... não sei. Conectar com a natureza. Usá-la para ajudar meus problemas
de raiva. Aprender a falar com as pessoas sem explodir. Pensei que meses sozinho,
com nada além da selva, poderia restaurar algo em mim.

— Resolveu?

— Não estive realmente na estrada por tempo suficiente para descobrir, mas
não. Acontece que odeio a natureza, a menos que esteja no meu skate.

— Eu amo a natureza.

— Com um nome como Juniper Summers19, é melhor mesmo.

Meu sorriso e minha risada silenciosa pelo nariz são o maior risco de
todos. Van parece odiar me ver feliz.

Em vez de garantir minha tristeza com alguma resposta distorcida, porém,


ele me lança um olhar surpreso e bufa em seu peito.

— A natureza pode curar quase tudo — digo a ele.

— Então você está dizendo que eu deveria jogar esses antibióticos do outro
lado do lago e deixar a Mãe Natureza prevenir a pneumonia?

19 Zimbro de verão
— Estou dizendo que mesmo você, o grande Sullivan Durham-Andresco, não
é imune aos poderes transformadores da natureza. — Estendo meu braço na nossa
frente e envolvo nossos dois veículos. Ambas as nossas casas.

— A natureza com certeza transformou o Sprinter — ele cospe, a raiva


voltando em suas feições.

Os destroços não foram exatamente minha ênfase, embora seja, tecnicamente


falando, o início de sua transformação.

Às vezes, as coisas ficam feias quando começam a cicatrizar. É como um


hematoma, escurecendo em meio ao doentio arco-íris do progresso antes de
começar a desaparecer.

Era meu Transit que eu queria que ele se concentrasse. A segunda parte de
sua transformação.

Sim, pode ser um castigo infernal carregar esse pirralho com um enorme
complexo de semideus por onde ele precisa ir. Mas consertará as coisas.

Não apenas pelo que eu acidentalmente fiz com ele ontem, mas por tudo que
eu conscientemente fiz com ele antes.

A bondade de Van naquele verão, e de seu pai, começou a me curar, me guiou


a um mundo que eu não conhecia quase nada. Sem eles e aquelas semanas no
rancho, eu nunca teria me sentido corajosa o suficiente para lutar sozinha e
terminar a transformação que eles começaram.

Ele não sabe ainda, mas ele precisa disso.

— Onde é sua próxima parada? — Eu me levanto e limpo a sujeira do meu


short, em seguida, estendo minha mão para ajudá-lo. Ele acena e se levanta
sozinho.
— Na verdade, eu ia aos Hamptons para visitar meu primo durante a
semana. Mas agora...

Esse olhar morto atinge os destroços novamente.

— Eu te levo.

Seus olhos se estreitam. — E depois?

— Então... nós podemos ir a qualquer lugar. Você escolhe, eu te levo lá.

— Por quanto tempo?

— O tanto que você queira. Até estarmos quites. — Sem pensar, bato um
mosquito em seu braço. Ele não reage.

— Até que você me perdoe.

— Você realmente quer me guiar por toda a criação, durante todo o verão —
ele diz sem rodeios, se abaixando para ficarmos cara a cara, — apenas para me
provar que você sente muito?

Isso não é familiar, encarar seu olhar, em vez de ficar embaixo dele.

— Você disse que desculpas não valem nada, então de que outra forma eu
poderia provar isso?

Van ri, um som repentino de sua garganta que eu sei que ele quer que eu
interprete como um insulto.

Mas é tão genuíno, tão estranhamente aliviado... não consigo nem ficar
chateada com isso.

— Tudo bem então. — Ele estende a mão. Nós balançamos.

— Você tem um acordo, Fairy Lights.


OITO

— Você quer olhar dentro, primeiro?

Eu bato no capô do meu Sprinter uma última vez e balanço minha cabeça
para o motorista do caminhão de reboque. — Não adianta.

— Espere, eu quero! — Juniper está lá mais rápido do que um rato em uma


pilha de lixo, que é basicamente o que é. Um olhar – e um cheiro – e eu sabia que
cada último item era história.

Quando ela finalmente sai, ofegante e pingando com o resto da água do lago,
eu aceno com a cabeça para a capa que ela fez com o lençol encharcado que uma
vez enfeitou meu colchão.

— Encontrou um monte de coisas brilhantes, gralha?

— Sim — ela diz séria, e levanta o saco sobre o ombro no estilo de Papai Noel,
caminhando para seu veículo. Fico feliz em vê-la tão otimista com essa
destruição. Eu a vejo ir como se fosse um show privado.
Droga, essa será uma longa viagem.

Não sei o que é mais forte, meu pavor de suportar aquela merda de fada
hippie até a casa de verão do tio Gil... ou o desejo de fazer coisas com ela que o
velho Van cão de guarda nunca sonharia em fazer.

Tudo bem: ele sonhou algumas vezes. Muito, na verdade. Mas mantê-la
segura sempre superou isso.

Agora? Van cão está tão morto quanto minha van real, e não tenho essa
prioridade.

Então pare de pensar com seu pau. Esse pensamento pode muito bem ser a
voz do papai em um gravador, ele me disse isso tantas vezes.

Eu realmente gostaria que grudasse.

O cara do reboque pergunta meu endereço. Digo a ele que agora está
amarrado à traseira de sua caminhonete, pronto para ser esmagado em um cubo.

— Endereço de cobrança — ele esclarece. Só preciso de um lugar para enviar


uma fatura.

— Oh. — Duh. Como a maioria das coisas na vida, tudo se resume a dinheiro.

Olho para o veículo de Juniper. Ela pode tratá-lo como uma casa, mas duvido
que o correio faça.

— Aqui. — Escrevo o apartamento de Wes no Brooklyn, onde eu morava. Ele


passará a conta para mim em algum momento, e eu simplesmente vou passar
direto nas mãos aparentemente ansiosas de Juniper.

Toda a sua coisa de equilibrar o universo é uma piada.


Eles dizem que o carma é uma merda, mas também dizem que a vida não é
justa. Você não pode ter as duas coisas. E já vi o último ganhar muitas vezes para
fazer minhas apostas em qualquer outro lugar.

Ainda assim, se conseguir algum equipamento para usar, internet


consistente e um lugar decente para dormir? Vou deixá-la me chutar um pouco.

— Bem-vindo à sua nova casa. — Juniper abre a porta com um floreio. Eu


entro. Sem contestação, é mil vezes melhor do que a configuração que eu tinha.

— Droga. Banheiro e tudo mais. Mas por que a pia na parte de trás do tanque
do vaso sanitário está assim?

Alheia à física básica, ou ao fato de eu não a querer contra mim (meu pau
quer, mas acho que deixamos bem claro que não é mais permitido tomar decisões),
ela se coloca entre a porta do banheiro e o meu quadril.

— Tenho um tanque com água limpa para a torneira para que você possa
lavar as mãos, escovar os dentes, o que for. E uma vez usado, isso é chamado de
água cinza. A maioria das pessoas coleta em seu próprio tanque e joga fora, mas
eu decidi que faria mais sentido ir para o banheiro.

— Uau.

— Eu sei! Legal certo?

— Não, eu quis dizer, uau, isso é um monte de palavras quando você poderia
ter dito, A pia abastece o banheiro.

— Não fomos todos dotados de sua brevidade — suspira, deslizando para trás
de mim novamente.

Eu olho o resto. Além de ser maior do que o que eu tinha, ela fez melhor uso
do espaço, armários para combinar com o revestimento branco, armário
personalizado sob sua cama, bancos giratórios, e uma pequena cozinha em frente
ao banheiro. Tem até uma cadeirinha de rede esquisita no canto, atrás do banco
do motorista.

Todo o seu equipamento está colocado em uma prateleira embutida ao pé da


cama. Eu levanto e inspeciono.

— Como eu disse — ela diz — use o que você precisar.

Até você?

Eu aceno e brinco com a Canon enquanto ela vasculha o frigobar. Assim que
aponto para o teto, eu recuo. Como eu perdi todas essas malditas Fairy Lights
quando entrei?

— Você fez isso sozinha? — pergunto, sacudindo uma lâmpada e registrando


seu estremecimento com o impressionante ultra zoom da câmera.

— Sim — ela diz com orgulho, sem saber que eu estava zombando dela, e
apenas se referindo às luzes. — Quer dizer, eu tinha uma empresa que fazia os
armários e o encanamento, mas os planos, a decoração e todo esse
revestimento? Fui eu.

Desligo a câmera e a coloco em sua prateleira. Inteligente, cada saliência tem


uma corda elástica preta, então as coisas não vão cair. Deveria ter pensado nisso
quando eu tinha doze embalagens de refrigerante rolando em meus aposentos. —
Deve ter custado muito.

— Não muito, considerando que vivi lá cerca de cinco anos. — Pensando por
um momento, ela encolhe os ombros. — Dezenove no total, eu acho? Transit
incluído.

— Onde você conseguiu esse dinheiro? Roubando mais viúvos bem-


intencionados na calada da noite? — Eu me deito na cama dela. Péssima ideia. A
coisa toda cheira a ela.
Quando me sento, Juniper me dá duas coisas, um olhar sombrio e um queijo
curado.

— Coma isso antes de tomar seus antibióticos.

— Meu próprio motorista e uma enfermeira particular? Que luxo. — Eu como


o queijo como um animal, mordendo enquanto ela descasca o dela em pedaços. O
ar-condicionado – graças a Deus, há um ar-condicionado – começa a funcionar, e
passo uns bons dez minutos parado na frente dele enquanto Juniper prepara tudo
para a viagem.

— E... aqui.

Olho para baixo ela espalhou o lixo que pegou do meu carro, na frente de um
cubículo que abriga uma combinação de lavadora e secadora. Graças a um filho da
puta ainda mais poderoso e onisciente, terei acesso a um deles agora. Tenho lavado
todas as minhas roupas em um balde como uma mulher desbravadora. Exceto que
eu realmente sou péssimo nisso.

Juniper olha duas vezes. — Tudo bem?

— O que? — Aproximo as coisas que ela agarrou, quatro fivelas de cinto que
não interessam muito, dois pentes e um boneco de Power Rangers que costumava
pendurar no retrovisor. — Você pegou minha porcaria alagada?

— Estou lavando suas roupas. — Rindo, ela bate os nós dos dedos na porta
da máquina de lavar e secar.

— Você salvou minhas roupas?

— Quero dizer, nem todas. Muitas flutuaram para dentro do lago quando
estávamos mergulhando e pegando coisas. Mas entre o que conseguimos, as que
eu encontrei agora, e essas, — ela acena com a cabeça para a minha roupa atual,
— pelo menos você não precisa correr pelado.
— Sorte sua — murmuro, porque acho que minha virilha também é
responsável por noventa e cinco por cento das minhas piadas.

Enquanto ela cora e se ocupa com alguma outra tarefa, procuro a última parte
e sorrio.

— Você pegou meu dinheiro do colchão?

— Tentei. A maior parte se desintegrou. Mas se conseguirmos secar essas


notas, pelo menos você terá alguma coisa. Eu pagarei por tudo isso também, a
propósito.

As notas estão pegajosas e fedem como um animal morto. Se é do meu colchão


ou do lago, não quero saber.

Jogo o maço de dinheiro para o alto e o vejo atingir o lençol com um


respingo. — Sim, já era.

— Não diga isso. — Ela me enxotou e começou a examinar. — Vale a pena


salvar tudo.

— Discutível.

Através de seu cabelo, seu olhar encontra o meu. — Aposto que você está feliz
que salvei suas roupas. Você ia apenas deixá-las serem arrastadas para o ferro-
velho.

— Isso foi antes de saber que o serviço de lavanderia estava incluído neste
negócio. — Eu bato no topo da máquina de lavar e me levanto. — Estou feliz,
entretanto. Tenho algumas camisetas decentes que eu teria perdido. Esta polo não
é exatamente meu estilo.

— Eu sei — ela suspira, ficando de pé e colocando as notas na bancada. —


Foi a primeira coisa que encontrei no seu tamanho, então eu simplesmente peguei
e voltei para o hospital o mais rápido que pude. Oh, há também uma mochila
naquele armário para você, a propósito. Se você precisar.

— Espere... você me deu essas roupas?

— Quem você acha que pegou?

Minha resposta parece estúpida agora. Isso é estúpido. Os hospitais mandam


você para casa de moletom ou uniforme, talvez, se você não tiver mais
nada; inferno, pelo que sei, eles fazem você usar aqueles vestidos com a bunda de
fora para sair de lá. Mas, no momento de conseguir alta hospitalar, roupas
perfeitamente ajustadas fazia sentido.

Certamente mais sentido do que isso.

Estou prestes a resmungar, obrigado, quando algo mais que ela disse é
registrado também. — Você mergulhou no lago comigo? Quando eu estava
tentando salvar as coisas do carro?

Juniper me entrega uma garrafa de água, em seguida, bate no bolso onde


escondi meus antibióticos. — Apresse-se e tome isso.

Com medo de protestar, faço o que ela diz.

E enquanto estou ouvindo tão bem, o resto dos meus sentidos decidem se
comportar, em vez de cobiçar o local onde seus shorts desaparecem, ou o decote
que eu simplesmente não posso acreditar que estava sob aquelas roupas antigas e
estranhas que ela usava quando nós a encontramos, eu fico olhando para seu pulso.

Ela tem uma pulseira de hospital, igual à minha.

— Eles admitiram você. — Eu largo a água e puxo seu braço mais perto. Não
é forte, mas rápido o suficiente para assustá-la. Ela quase derrama sua água.

Eventualmente, ela engole o que tomou. — Sim.


Não afasto meu olhar. — Por quê?

— Minha temperatura estava baixa, aparentemente. E eles estavam


preocupados que houvesse água em meus pulmões.

— Havia?

— Não. — Perturbada, ela explica: — Devo ter tossido tudo, se é que havia.

— Quando?

Seu braço fica tenso no meu aperto, mas ela não se afasta.

Bom: eu não vou desistir.

— Van.

— Quando, Juniper?

Olho para cima a tempo de vê-la em choque por usar seu nome verdadeiro,
então eu reviro os olhos reservadamente quando ela diz: — Juni. E quanto à
quando... foi logo depois que tirei você da água.

— Você salvou minha vida.

Seu rubor retorna. — Não é grande coisa. Qualquer um teria feito a mesma
coisa.

— É um grande negócio. — Eu a solto, mas ela deixa seu braço pairando entre
nós. — Porque isso significa que já estamos quites. Você não me deve nada.
NOVE

— Eu devo — insisto, pelo menos pela vigésima vez desde que deixamos o
lago.

De acordo com meu GPS, chegaremos aos Hamptons após dezenove horas de
viagem. Os primeiros dez minutos já são um inferno moderado, dado que Van
parece prestes a saltar a cada sinal de trânsito.

— Salvar minha vida definitivamente anula rolar meu carro em um lago —


ele diz, — mesmo que eu ainda esteja super irritado com isso. Então você está me
conduzindo agora? Isso não é equilibrar o universo, ou o que quer que você
acredite. É caridade. Olha, eu não estou te devendo por isso.

— Você não pode me dever. Eu te levar a lugares é porque eu bati em seu


carro. As roupas que comprei para você são porque metade do seu guarda-roupa
foi sugado para o lago. E estou emprestando meu equipamento a você porque
destruí o seu. Olho por olho.

— Então você entende toda essa ideia de equilíbrio literalmente?


— Nem sempre. Às vezes isso é impossível. Tipo... ok, o dinheiro que você
perdeu no lago, não posso substituí-lo. Não imediatamente. Então, em vez disso,
vou comprar sua comida e outras coisas até poder lhe dar dinheiro.

Eu paro e aceno para um carro impaciente perto de mim, ignorando a


fascinante pintura da van, Vida na pista rápida.

— Mas, sim — termino, — eu levo literalmente sempre que posso. Você


salvou minha vida uma vez; agora eu salvei a sua. Pago. E agora preciso equilibrar
a destruição do Sprinter, o que significa que ainda te devo. Então, por favor,
apenas torne minha vida um pouco mais fácil e aceite isso?

Aleluia, ele se cala.

Isso dura apenas cinco segundos.

— Quando diabos eu salvei sua vida?

— Sete anos atrás. No rancho.

— Não, eu não salvei.

— Você salvou. Eu lembro.

Van suga algo de seus molares e olha pelo para-brisa. — Você nem estava
consciente.

— Eu estava para algumas coisas, mais ou menos. Não me lembro dos


detalhes... mas me lembro de você. — A verdade desaba em meu peito. — Foi você
quem me ajudou primeiro.

— Não é como se eu tivesse arriscado minha vida para ajudá-la. Você me


salvar ontem foi mais perigoso. Definitivamente vale mais ingressos em sua
pequena galeria de carma.
— Não estou falando apenas da noite em que apareci na fazenda, Van. Você
realmente salvou minha vida então, sim – mas você salvou depois disso também.

Nunca vi um computador até que fiquei com os Durhams. Tablets, telefones


celulares que não eram tijolos e iPods eram novos para mim. O Sr. Durham
comprou para mim um de cada, e Van passou meus primeiros três dias na casa
deles me ensinando como usá-los.

Eu gostei mais do iPod. Ele o preencheu com Janis Joplin para mim, quando
eu escorreguei e disse que ela era minha artista favorita – que minha mãe e eu
costumávamos ouvi-la sempre que podíamos.

— Uau, vê? Já me lembrando de coisas. — O sorriso de Van afogou meu


medo. Então, deixei escapar um pequeno detalhe. Sem problemas.

Exceto que cada detalhe leva a mais.

— Você deve se lembrar de sua mãe se você se lembra de ouvir música com
ela — ele instruiu durante o jantar naquela noite. — Qual era o nome dela? Como
ela é? Podemos contratar um D.P 20ou algo assim, rastreá-la.

— Eu não... — Minha garganta fechou.

A verdade era que eu não sabia o que D.P significava, mas sabia que
encontrá-la não era uma opção. Ainda não.

— Van, — seu pai repreendeu quando fingi uma dor de cabeça repentina e
saí da sala de jantar. Eu me encolhi na escada para escutar. — Eu sei que você
está apenas tentando ajudar, mas você não pode bombardeá-la assim.

— Ela está se lembrando de mais, pai, estou lhe dizendo. Se apenas a


empurrarmos um pouco...

20 Detetive Particular.
— A assistente social dela está organizando uma psicoterapia. Deixe isso
para os especialistas, certo? Nosso trabalho não é estimular, é fazê-la se sentir
segura aqui.

Isso, eu já sabia, era a única coisa que ele poderia dizer para fazer Van recuar,
mesmo que o efeito fosse temporário. Faça ela se sentir segura.

Isso era tudo que Van sempre quis para mim, manter-me feliz e
segura. Manter-me com ele.

Eu realmente estimei sua proteção, mesmo que seus motivos fossem


egoístas. Uma noite na varanda, ele me disse que eu o fiz sentir emoções reais
novamente, quando não sentia há anos.

— O que quer que esteja quebrado em mim todo esse tempo... Não sei como,
mas você está consertando. — Foi uma bela confissão de gratidão.

Outra expectativa que eu não poderia cumprir.

Foi a principal razão pela qual eu parti. Eu sabia que não poderia ser quem
ele precisava; eu estava cansada de me esforçar para me encaixar nas definições
dos outros de quem eu era, torcendo e me moldando para caber em suas caixas.

Por mais que eu amasse o rancho, e por mais perfeita que uma nova vida
parecesse... eu sabia que era muito próxima, literal e figurativamente, da minha
antiga. Eu precisava ir mais longe e precisava ir sozinha.

Mas isso não significava que meu coração não estava se partindo, a cada
último passo do caminho.

— Seu pai me disse que foi ideia sua ele me criar — acrescento agora,
forçando minha voz a sair do sussurro. — E foi você quem me ensinou sobre
computadores e telefones celulares...

— E dirigir.
Eu sorrio. Ele não quer, mas tenho a sensação de que ele está fazendo isso de
uma maneira que não consigo ver.

— Sim — digo baixinho. — E dirigir.

Tivemos apenas uma aula quando Van convenceu Howard a nos deixar ir até
a loja de suprimentos agrícolas em seu jipe.

Juntos, eles nervosamente me ensinaram o básico até que eu pudesse cruzar


o terreno vazio sem medo.

— Não que eu não aprecie o sentimento dramático — Van diz, — mas ensinar
você a ser uma pessoa normal não foi salvar sua vida.

— Sim, foi. Não estou sendo dramática. Eu falo realmente sério. Se você não
tivesse me preparado para o mundo real, eu nunca teria conseguido depois de
partir.

— O que — ele diz, sua voz glacial, — você nunca teve que fazer. Você poderia
ter ficado. Queríamos que você ficasse.

Estou sem palavras, mas não porque isso me surpreenda. Nunca foi um
segredo que os Durhams esperavam que eu permanecesse até os dezoito anos, se
não mais. Van costumava se referir à sua escola particular em Nova York como
nossa escola, e uma vez mencionou que íamos para a faculdade juntos. Seu pai
perguntou, repetidamente, se eu estava animada com nosso retorno à cidade
quando o verão terminasse.

Então, ouvir Van dizer isso não me choca até o silêncio.

Eu simplesmente não tenho absolutamente nenhuma explicação para o


motivo de ter partido. Não posso dar a ele.

— E não tive que persuadir papai muito sobre aceitar você, — Van adiciona
de repente, quando eu pego nossa primeira saída.
— Ele sempre teve um coração mole.

Você também, Van Durham-Andresco. Você apenas o trancou e o deixou


congelar.

Mas não me atrevo a dizer isso em voz alta, porque sei o motivo.

Ele está me olhando pelo retrovisor.

Paramos para jantar após três longas horas.

Não foi um desastre completo, ele discutiu comigo sobre minha seleção de
músicas, mas acabou cedendo a um podcast policial que eu havia salvado no meu
iPod.

Ele perguntou se era o mesmo que seu pai comprou para mim.

Depois que assenti, ele riu amargamente e cruzou os braços.

Não falamos por horas depois disso, até eu deixar escapar que estava com
fome. Em resposta, ele apontou para a primeira saída com comida.

Novamente, não é desastroso. O silêncio era melhor do que uma explosão.

Mas agora que estamos presos em uma cabine frente a frente, sem paisagens
zumbindo e histórias de crime para nos distrair, a tensão é insuportável. Eu diria
que é como se um interruptor fosse acionado, mas talvez eu simplesmente tenha
ignorado seus olhares laterais, sarcasmo e ódio fervilhante nas primeiras horas.

Ou talvez ele possa enterrá-los, de vez em quando. Ele é bom nisso – ficar
entorpecido. Muita prática.

— Gostou do podcast? — pergunto após pegarmos nossas bebidas.

Eu fiquei na água; Van tem café. A garçonete perguntou como ele queria e
riu quando ele disse: — Quente pra caralho, senhora.

Ele começa, de fato, a beber assim que o pega, sem creme ou tempo para
esfriar. Dói minha garganta só de assistir, mas ele me encara por cima da borda
com uma casualidade inabalável.

— Era bom — ele diz, finalmente.

A caneca está meio vazia quando ele a pousa. Ele puxa a gola da camisa sobre
o rosto e arrota.

Eu sorrio, sendo boazinha. Ele reflete de volta, mas sarcasticamente.

Assim que molho meus lábios para tentar um pouco mais de conversa fiada,
ele puxa seu telefone e o encara até a nossa comida chegar.

Você não precisa conversar com ele, lembro a mim mesma. Eu nem preciso me
dar bem com ele.

E definitivamente não preciso chegar a algum tipo de trégua, onde nos


separaremos depois de tudo isso como amigos. É apenas uma forma de pagar.

Não precisa ser pessoal.

Na verdade, é provavelmente melhor se isso não acontecer.

— Por que o iPod?


Eu congelo, a primeira mordida de macarrão a meio caminho da minha boca.

Cai do meu garfo um macarrão de cada vez.

Van está cavando direto em sua refeição, sem contato visual, mas ainda me
contorço como se ele me tivesse sob uma lâmpada de interrogatório.

— Você deixou tudo o que nós demos para você. — Sua faca range no prato
enquanto ele esfaqueia seu bife. Ele o pediu mal passado. Eu observo até que ele
chegue ao meio e um rio fino e rosa fique muito perto de suas batatas. — Mas não
isso.

— Eu peguei algumas roupas — aponto.

Ele olha para cima e coloca os dedos atrás da orelha, inclinando-se sobre a
mesa. — Hmm? O que?

— Eu peguei — assobio, — algumas roupas.

— Oh, certo, certo. E o dinheiro do meu pai.

— Sente-se e abaixe a voz, por favor. As pessoas estão olhando.

— Se eu não fico envergonhado de ser visto com uma ladra, não há razão para
você ficar envergonhada com meu tom de voz.

O insulto ecoa pela lanchonete. Um casal de idosos ao lado da jukebox


desconectada balança a cabeça para nós. Até o cozinheiro espia pela janela de
pedidos.

Van volta para seu lado da cabine e recomeça a devorar sua comida como o
carnívoro que é. Não apenas o que ele come, mas como ele come. Rangendo os
dentes, rangendo como pedras com a boca fechada. Uma besta que não se preocupa
com nada além de devorar sua presa.
A diferença é que ele está quase em silêncio e estranhamente composto. Eles
dizem que ele tem problemas de raiva, mas eu digo que é seu rosto que é o
problema. Você nunca pode dizer o que ele realmente está sentindo, ou se ele sente
alguma coisa.

Não até que exploda.

Assim que ele termina, ele joga uma de suas notas úmidas de 20 no centro
exato da mesa, olha rapidamente para mim e sai.

Vejo suas costas pela janela, aqueles ombros de mármore destacados pelo
néon vermelho piscando da placa de Aberto da lanchonete.

Nossa garçonete traz a conta. — Tudo bem?

— Bem. — Eu termino o café que Van deixou. Seu amargor amplifica a dor
na minha garganta.

Então ele pensa que sou uma ladra. Nada de novo aí.

Então, ele está aparentemente determinado em relação a sermos inimigos,


não importa quão determinada eu esteja em nivelar a balança que inclinei de seu
favor todos aqueles anos atrás, e ainda mais ontem.

Grande negócio.

— Ei — ela sussurra, quando a minha respiração racha no meio, — se você


precisar de ajuda é só dizer. Vemos mais desse tipo de coisa aqui do que você
esperaria.

— Que coisa?

Seu olhar pousa em Van novamente, que anda lentamente na frente do vidro
com seu cigarro. Cada nuvem que ele exala pega o néon, como uma tempestade
elétrica sobre sua cabeça.
Lentamente, quando ela toca meu braço, percebo.

— Oh! Oh, não, ele não é meu... Não é assim. Ele não está me machucando,
ou algo assim.

Nada que seria visível, de qualquer maneira.

Nada que eu não mereça.

A garçonete solta meu braço e se endireita, olhando para ele novamente. —


Ele não está forçando você a viajar com ele, então?

— Acredite ou não, eu que meio que o arrastei nesta viagem. — A risada que
dou é além de patética, como gatinhos choramingando durante o sono.

Com um sorriso plástico, substituo o dinheiro de Van pelo meu e digo a ela
para ficar com o troco. Ela é lenta para se mover enquanto deslizo da cabine, mas
finalmente dá um passo para o lado.

— Desculpe, não gosto de supor — ela diz, relaxada agora, — mas odiaria
ignorar um incêndio quando acho que estou sentindo cheiro de fumaça.

Assegurando-lhe que aprecio a ajuda, mas que não, sério, está tudo bem, pego
minha bolsa e as chaves da Transit e vou para as portas.

Eu me pergunto o que Van pensaria se ele soubesse que estranhos pensavam


que ele era um namorado abusivo, arrastando sua garota pelo país contra a
vontade dela. Conhecendo-o, ele externamente se enfureceria mas por dentro, ele
desmoronaria de vergonha.

Quase me dá vontade de contar a ele.

— Pronto? — As telas batem mais alto do que eu pretendia.

Van enfia o cigarro no cinzeiro em cima de uma lata de lixo envolta em


pedras. Sua mão apunhala no ar entre nós.
— Chaves.

— O que? — pergunto, recuando, até lembrar que estou tentando não fazer
isso perto dele. Os hábitos nervosos que eu quase deixei para sempre voltam com
muita facilidade em torno dele.

— Chaves — ele diz novamente. — Vou dirigir por um tempo. É por isso que
pedi café.

— Você não está dirigindo Eloise.

— Jesus. Claro que você nomeou. Olha, eu sempre dirigi à noite. Eu gosto. E
já que não posso mais fazer isso, graças a alguém jogando meu carro em um lago...

— Você vai parar de esfregar isso na minha cara? Foi um acidente. E eu já


me desculpei, o que você optou por não aceitar.

Van levanta suas sobrancelhas e estende sua mão mais longe.

Depois de um minuto, coloco as chaves em seus dedos.

— Ah, lá vamos nós — ele sorri. — Equilíbrio.

Ele desliza na minha frente antes que eu possa abrir a porta do passageiro,
minha mão parada na parede de tijolos de seu peito. Eu recuo rápido, mas não
antes que ele ouça o suspiro que dou.

— Você vai aprender muito rápido — sussurra, abaixando a boca muito perto
do meu ouvido, —que é mais fácil simplesmente me dar o que eu quero.

O sangue lateja em meus ouvidos. Seu cheiro me faz querer encolher e ficar
mais alta ao mesmo tempo.

— Eles dizem isso sobre criar filhos pequenos, sabe. — Minha coluna se
endireita. Não consigo controlar meu pulso, mas consigo parecer calma quando
retorno aquele olhar frio e azul. — É mais fácil ceder. Mas é isso que os transforma
em pirralhos mimados.

Ele está certo sobre uma coisa, aprendi algo muito rápido. Agora mesmo, na
verdade.

Tranquilos olhos azuis ainda podem atirar adagas. Músculos que mexem com
a mente e cheiros extremamente viciantes são distrações, semelhantes às
pequenas iscas para os peixes que os pescadores atraem suas presas.

Mesmo nossos breves momentos de civilidade não são reais. Eles são pausas
em qualquer jogo que ele esteja jogando comigo. Seu objetivo – fazer-me sofrer. Ele
ganha enquanto eu perco.

Como faço para ganhar? Não sei se isso é possível.

Mas posso me recusar a jogar, concentrando-me em nada além de pagar


minhas dívidas e ignorando cada pequena batalha que ele tenta me arrastar pelo
caminho.

Posso recusar aqueles olhos frios e penetrantes que me atraem como águas
calmas, depois me puxam para baixo como a correnteza que realmente são. Posso
ficar ereta quando ele tenta me fazer encolher, por nenhuma outra razão além de
aumentar seu ego.

Graças a Deus, ao universo e a tudo o mais lá em cima por esse lembrete tão
necessário.

Van não vale a pena.


DEZ

— Vá dormir. —Eu simplesmente tenho dito isso nas últimas duas horas.

Juniper cruza os braços. — Estou bem.

— Aw, fofo. Você acha que estou mandando você dormir porque, na verdade,
me importo se você está cansada.

Aperto Enter em seu aparelho de som, depois Scan. Aquele podcast que ela
colocou era realmente muito bom, mas estou cansado de ouvir qualquer coisa que
sai daquele maldito iPod. O único presente que ela considerou importante o
suficiente para levar com ela.

— Quero ficar sozinho. E uma vez que não há quartos, mandá-la para a cama
é a segunda melhor coisa. — Cegamente, estendo a mão e giro sua cadeira em
direção a cama. — Vá.

Ela se vira novamente.


— Fofo — ela imita. — Você acha que ficarei aqui porque, na verdade, me
preocupo em lhe fazer companhia.

Sua mão se agita na escuridão, que os faróis mal conseguem cortar. Não é
nebuloso; as lâmpadas são tão fracas. — Não confio em você para dirigir sozinho a
noite inteira, porque você está acelerando desde que pegamos a rodovia. Este é um
veículo antigo, Van, não consegue lidar com velocidades máximas por quilômetros
a fio. Você tem que mimá-la.

— Estou indo para sessenta e quatro.

— Sim, e chega a sessenta e cinco. Em seu melhor dia.

— Maldição. — Desacelero até que estamos praticamente rastejando. —


Pronto.

— Prometa que você vai parar se o motor fizer um barulho estranho.

— Eu não faço promessas.

Cada clique do cinto de segurança é audível, ela o desabotoa tão


lentamente. — Você costumava.

— Não mais.

— Hã. Devo presumir que é pelo mesmo motivo que você não acredita mais
em desculpas?

As placas de sinalização passam arrastando-se. Eu aumento o volume do


rádio e paro a busca de canais, parando em alguma música de rock deprimente
que se encaixa perfeitamente no clima.

— Esta será uma viagem muito longa se você continuar instituindo


aleatoriamente o tratamento do silêncio.
— Longa viagem, independentemente — digo a ela, — mas justo o suficiente.
Aqui está uma ideia, diga-me do que fugiu há sete anos, e eu direi por que não
acredito mais em quase nada. Você me mostra o seu, eu mostro o meu.

— Olho por olho soa melhor.

Odeio quase rir. Vou culpar a privação de sono.

— Nós dois sabemos que você não me contará — ela diz, depois de um
segundo.

— Então? Nós dois sabemos que você também não me contará. — Levo meu
polegar atrás de mim. — Sério, vá dormir um pouco. Trocaremos quando você
acordar.

— Tudo bem — ela boceja em seu cotovelo. Ignoro o fato de que ela apoia a
mão no meu ombro, não no meu assento, quando ela se levanta. — Não bata meu
carro.

— Só se eu encontrar um belo lago.

Acontece que ela não tem mais pesadelos.

Não que ela acreditasse nisso se eu contasse, mas estou feliz. Este mundo é
horrível pra caralho, e ser capaz de escapar disso por seis a oito horas de
inconsciência todas as noites é a única graça que eu acho que existe. Juniper
merece muita merda pelo que ela fez para nós, mas mesmo ela não merece perder
isso.

Inclinando o retrovisor para ela, estudo a maneira como ela dorme agora.

Ela costumava se enrolar na menor bola que se possa imaginar. Só quando


ela acordava e me encontrava, ela se permitiria se esticar, como se não pudesse
confiar na escuridão até que outra pessoa entrasse nela.

Até eu estar lá.

Agora? Tente apenas perdê-la de vista. Sua cabeça está apoiada na beira do
colchão, um braço jogado para o lado e balançando com o movimento do
Transit. Suas pernas estão abertas, uma na metade do caminho até a porta dos
fundos e a outra reta, o calcanhar apoiado na parede. É uma coisa boa ela dormir
com a cabeça embaixo da prateleira de equipamentos, caso contrário ela chutaria
todos aqueles eletrônicos em golpes de judô.

Mais do que qualquer outra coisa... Percebo como ela finalmente parece
calma.

Seja lá do que ela fugiu, acho que foi longe o suficiente para se sentir segura.

Meu ego ainda está machucado por não poder estar comigo, mas atribuo isso
a odiar o fracasso. Mamãe sempre me disse que eu tinha uma determinação
tacanha, herdada do Vô Andresco. Assim que decidia que faria algo, era
isso. Nenhum outro resultado era bom o suficiente.

Mesmo que, falando objetivamente, fosse melhor para mim.

Era óbvio, disse ela, assim que comecei a andar.

Aparentemente, eu gostava de enfiar coisas em buracos (insira uma piada


grosseira aqui). Drenos, tampas de bueiros, saídas de ar, ninguém poderia me
impedir a tempo. Eles se viravam e lá estava o bebê Van, enfiando um palito de
picolé no videocassete ou canetas nos ouvidos dos meus primos.

Um dia, conforme a história continua, decidi descobrir exatamente por que


todas as tomadas de nossa casa estavam cobertas e o que diabos havia dentro.

Mamãe não tinha ideia de como eu arranquei as tampas de segurança, ou


onde encontrei os grampos que enfiei direto nelas.

Quando descobriram por que as luzes continuavam piscando, eu fiz minha


ronda, passando por três tomadas diferentes e três choques decentes. Quando fui
pego, estava indo para a quarta tomada.

Mamãe sempre contou a história com uma risada horrorizada. — Você


decidiu descobrir como essas coisas funcionavam — ela ria, enxugando os olhos
nas mangas, — e caramba, você foi descobrir. Não importa o que aconteça.

Por mais doce que fosse a interpretação de mamãe, decidi que papai foi mais
direto, eu não era simplesmente tão determinado. Eu era muito burro.

— Por que você continua fazendo a mesma merda e espera um resultado


diferente?

Duro, mas o homem estava certo. Conforme fui ficando mais velho, minhas
detenções e suspensões citaram a mesma velha porcaria, desde vandalizar
propriedades da escola com pornografia e pichação, até incitar o caos em
assembleias com ponteiros de laser e reclamações antiquadas.

E essas eram as coisas leves. Perdi a conta de quantas lutas comecei, quantas
carteiras virei ou empurrei quando um professor me irritou. Provavelmente é por
isso que fui colocado em escolas particulares. Papai teve que pagar às pessoas para
me deixarem ultrapassar seus limites.
Mesmo em casa, minhas ofensas eram consistentes e previsíveis, beber
furtivamente nos mesmos lugares com as mesmas crianças, mentir com as mesmas
desculpas horríveis.

Acho que foi isso que deixou meu pai mais furioso, na verdade – que eu estava
reciclando material. Se eu ia preocupá-lo até a morte prematura, o mínimo que eu
poderia fazer era tornar isso interessante.

As sombras no retrovisor mudam. Eu assisto Juniper rolar de seu estômago


para suas costas, ambas as mãos agora batendo na prateleira de eletrônicos sem
um grama de consciência. Sua boca fica aberta enquanto ela ronca.

Por apenas um segundo, eu sorrio.

Quando Juniper Summers caiu no meu pedaço de terra, jurei mantê-la


segura porque queria manter todo o encantamento que havia caído com ela.

Não importa que eu saiba que é tudo falso agora. Ou que, mesmo que fosse
real, eu honestamente não quero mais isso.

Eu queria isso mais do que meu próprio batimento cardíaco, uma vez.

Talvez meus pais estivessem certos. Desprezo o fracasso. Eu quero o que


quero e nem paro para pensar no motivo.

Às vezes, a única razão pela qual busco qualquer coisa é para provar que
posso, porque eu queria antes e não consegui.

Mas ainda sou tão estúpido que repetirei meus erros cem vezes e não
aprenderei uma única lição. Não importa quantas vezes eu sinta aquele choque,
me avisando para desistir enquanto estou ganhando.

Você não a quer, digo a mim mesmo. Bato no retrovisor para que tudo que eu
possa ver é o teto.

Você apenas costumava querer.


ONZE

— Hey, Fairy Lights! Coloque sua cabeça aqui, um segundo. Talvez você
possa me esclarecer.

A janela acima do chuveiro externo se abre. Seu rosto, uma escova de dentes
empurrada contra sua bochecha, emerge.

— Problemas com... Ah, vamos, Van, sério?

Olho para mim mesmo. — O que?

— Ninguém toma banho de sunga.

— Eles tomam quando o chuveiro é uma mangueira de jardim jogada em um


carro. — Agito o bico aparafusado na extremidade da dita mangueira, em seguida,
bato levemente este estranho tubo de vinil me envolvendo. — Uma pequena brisa
e todos e suas volta verão meus produtos.

Juniper passa o braço pela borda da janela e continua escovando, a espuma


escorrendo pelos cantos da boca.
— Não há ninguém por perto em quilômetros, exceto eu.

Sim, eu acho. Esse é todo o maldito problema.

Aceno para a torneira na minha frente. — Qual é o problema com isso?

— Vire-o. Jatos de água. Seque com a toalha. Coisas muito simples.

Sem olhar, eu estendo a mão e balanço a ponta de sua escova de dentes. Ela
engasga.

— Será que, tipo... regula automaticamente a temperatura ou algo assim?

— Não. — Ela desaparece para cuspir e depois retorna. — Tudo o que essa
alça faz é ditar se a água está ligada ou desligada.

— Como diabos você deixa isso mais quente, então?

— Você fecha os olhos e pensa em algum lugar tropical.

Quando dou uma risada murmurada, ela sorri.

— Uau, essa é a mais leve sugestão de um sorriso que eu detectei? Você está
se aquecendo para mim?

Tão quente quanto este banho será.

Isso é duas vezes em vinte e quatro horas que ela me fez sorrir.

Talvez mais.

De qualquer forma, eu não aguento. A última coisa que preciso é que ela
pense que somos amigos.

Até agora, a viagem correu bem em comparação com o que eu esperava. Tipo,
nenhum de nós matou o outro ainda e jogou o corpo pedaço por pedaço em várias
lixeiras em todo o estado.
Mas ainda tem sido uma manhã difícil, começando com sua rotina de yoga
absurdamente precoce em algumas gramas altas e oscilantes que tenho certeza
que pareciam hashtag: metas no Instagram, mas na vida real não era nada além
do lote abandonado dos Hardees, aonde chegamos para o café da manhã.

— Você é uma fraude — eu ri, quando li a legenda que ela postou com seu
vídeo. — Outro lindo pequeno pedaço da América.

— Não sou — ela argumenta, apontando para a patética paisagem.

— Olhe para todo esse concreto e aço que os humanos erguem, e mesmo assim
a natureza ainda encontrou uma maneira de entrar sorrateiramente. É lindo,
mesmo que esteja cercado por algo feio. Talvez até mais por causa disso.

— Desculpe, Henrietta Hippie, não estou acreditando. Mas o inverso – feiura


envolvida em uma bela merda? Concordo. Eu vejo isso todos os dias.

— Como o quê?

Balançando a cabeça, fico em silêncio. A primeira resposta que veio à mente


foi a própria Juniper.

Ignorei um monte de coisas horríveis e sombrias dentro dela porque o exterior


era atraente. Não caio nessa de novo.

Como agora, quando ela permanece na janela, e a luz do sol brilha em seus
olhos enquanto ela observa eu me fortalecer sob a rajada de água fria.

Eu gostaria que ela ainda tivesse sua escova de dente, para que eu pudesse
puxá-la novamente. Julgue-me se for preciso, mas gostei do som dela engasgando.

— Dê-me privacidade, pervertida.

— O que significa? — pergunta, me ignorando. Uma unha perfeitamente


lixada cutuca o centro da tatuagem da lua em volta do meu ombro, depois segue
para o avião de papel embaixo.
Pegando o shampoo que ela me emprestou, eu ensaboo sobre meu couro
cabeludo e rosto para não ter que responder.

— Você fez para sua mãe?

— Feche a janela, Juniper.

— Juni.

Ela tem sorte de eu chamá-la de qualquer coisa, então não gosto que ela tenha
coragem de continuar me corrigindo. A velha Juniper nunca teria feito isso.

Na verdade, não. Eu gosto, exatamente por esse motivo. Eu acho.

Ao contrário dessa porra de chuveiro, meus sentimentos por ela mudam


facilmente de quente para frio e vice-versa. Esse é o problema de deixar os
instintos básicos fazerem seu pensamento quando o cérebro está muito
exausto. Justamente quando toda a gravidade do que ela fez comigo – todas as
minhas razões válidas para desprezá-la totalmente – monta acampamento na
minha cabeça, ela faz ou diz algo que me faz esquecer novamente. Enxague e
repita.

Meu melhor curso de ação seria aceitar seu passeio de equilíbrio cármico e
outros dons de culpa sem falar uma única palavra com ela, mas ela tem um jeito
de me enganar e me fazer falar. Acho que é persistência ingênua.

Talvez seja primo da determinação idiota e tacanha.

— Sim — respondo finalmente, cuspindo água e espuma da minha boca. —


São para minha mãe.

Ela não responde.

Abro meus olhos no spray.


Ela se foi. Em seu lugar está a toalha que eu me esqueci de levar comigo,
enrolada ao meu alcance.

Enquanto Juniper dirige, eu durmo. No segundo que me deito, sinto que ela
está me olhando pelo retrovisor e faz um grande show de revirar para encarar as
portas traseiras.

Ok, então eu sou um hipócrita. Mas pelo menos eu tive a decência de me


certificar de que ela não sabia que eu a observei dormir.

O cheiro dela gruda em mim, toda vez que me viro. Minha ereção estica
contra o centro da minha boxer até que eu finjo me esticar para que possa mudá-
la para minha coxa.

Ela provavelmente se tocou aqui, eu penso.

Então meu cérebro, esse bastardo impulsivo e imprudente, vai longe demais.

Ela provavelmente foi fodida aqui.

Adormeço com uma queimação de fúria no estômago, imaginando algum


garoto alpinista de granola com um nome andrógino como Devin ou Bailey, o tipo
que fica sem camisa sempre que pode, apesar de não ter tônus muscular,
transando com Juniper nesta cama. Não quero desejá-la. Mas talvez aquele velho
cão de guarda não esteja completamente morto, porque quanto mais eu penso em
outra pessoa transando com ela, mais irritado eu fico, mesmo enquanto estou me
afogando no sono.

Cães são assim – só querem um osso porque outro cão o pegou primeiro.

Quando acordo, já passa do meio-dia. Eu rolo e percebo que o Transit está


parado e o banco do motorista está vazio.

Minha cabeça está confusa. Pego um Powerade do frigobar antes de abrir a


porta e deixar o sol atacar meus olhos.

— Bom, você está de pé! Aqui.

Através do nevoeiro, reconheço o objeto que ela levanta para mim, meu skate
favorito, cheirando a desinfetante de limão. Ela deve tê-lo esfregado por vinte
minutos direto, porque não apenas perdeu o fedor do Lago Linon; ele brilha como
novo.

Percebo que também nunca agradeci a ela por guardar minhas


roupas. Parece tarde demais agora.

Você poderia agradecê-la por limpar o skate, então.

Sim, acho que sim. Mas não quero. Vê-la sorrir e corar não é bom para mim.

— Onde estamos? — pergunto.

— Ohio. — Ela gira lentamente sobre os calcanhares, terminando um vídeo


para seu story no Instagram. Enquanto ela combina com uma música folk, pego
meus tênis de skate na parte de trás.

Maldição, ela limpou isso também.

— Deve haver uma boa trilha aqui, segundo a internet — diz ela. — Achei
que poderíamos conseguir algumas filmagens para o seu canal, depois postar
algumas capturas no seu Instagram.
Quero corrigir o uso de nós novamente, mas não posso.

Sem minha câmera de capacete e presilha de árvore, eu preciso de outro


humano para controlar a câmera. Além disso, estou cerca de três por cento curioso
para saber como ela planeja renovar minhas redes sociais.

Os outros noventa e sete por cento odeiam que eu realmente tenha que me
preocupar com essa merda agora.

O estacionamento fica no meio da montanha. Na verdade, é mais uma colina


embelezada, mas a vista ainda é boa. Passei um minuto inteiro apenas olhando
para a estrada sinuosa e o céu claro e brilhante.

— A natureza não é tão ruim, hein? — ela pergunta, dando um passo para
me dar uma cotovelada.

Deslizo para longe. — À distância.

A trilha é bem montada, com uma trilha reta logo ao lado. Examino enquanto
caminhamos e noto as curvas e saltos calculados, cada pedaço de superfície
otimizado. Para cada centímetro que andarmos, eu estarei correndo quatro vezes
mais que no skate.

— Sem raízes de árvore, — ela aponta.

— Sem pedras, — aceno.

No topo, ela se pendura na trilha enquanto eu corro para a trilha. Não é tão
larga quanto eu gostaria, mas a adrenalina ainda corre em minhas veias no
segundo que eu me preparo e subo no skate.

Já sei que será um inferno de uma corrida.

— Pronto e... ação!

— Não faça isso. Apenas me diga se você está gravando ou não.


— Isso é o que ação significa, mas tudo bem. Gravando.

Eu me preparo com algumas respirações profundas. É bom aqui fora.

Em vez de empregar minha usual visão parcial, vejo a cena como ela é. Vento
fácil. Céu sem fim.

Bonito e imundo.

O início é difícil; minha panturrilha ainda está dolorida de ontem, então meu
lançamento não está tão firme quanto eu gostaria. Mas assim que eu ganho um
pouco de terreno, alguma velocidade... Estou tão longe do meu elemento que você
não conseguiria me arrancar com um pé de cabra.

As curvas são praticamente ininterruptas, mas a trilha é tão bem planejada


que encontro meu ritmo instantaneamente, balançando com elas como se fosse
arrastado para um rio. Sinto o cheiro da terra subindo atrás de mim e não ouço
nada além do ar passando.

Quando os primeiros saltos chegam, eu os acerto como se o céu estivesse me


puxando para cima com uma corda.

É divertido, mas não estou voando. Ainda não.

Há um salto final antes do fim da trilha, e é íngreme e estreito. Tenho que


acertar no ponto certo e, de repente, acho que não consigo. Meus músculos
distendidos queimam. Meus pulmões ameaçam ficar com cãibras.

Respire. Vá.

Dobro meus joelhos um pouco, me plantando mais perto da terra. Desejo um


adeus afetuoso antes de deixá-la para trás.

Em um único segundo, estou no ar.

O vento para. O próprio tempo para, ou pelo menos diminui muito, muito.
Tenho meu coração batendo forte no céu da boca e meu estômago preso no
meu peito. O brilho do sol leva tudo abaixo e ofusca uma memória desbotada
enquanto puxo o skate para cima e agarro a parte de baixo para um pouco mais de
velocidade.

Um pouco mais de tempo para Ícaro aproveitar o sol.

No momento em que aterrisso, estou sorrindo e ofegando e esperando que


meus órgãos nunca me alcancem, a falta de peso ainda é tão boa.

Faço uma parada limpa e deixo escapar um ruído rouco e surpreso que ecoa
encosta abaixo, enquanto minha poeira assenta atrás de mim.

— Isso — Juniper diz, — será uma ótima postagem.

Sua voz está muito mais perto do que eu esperava.

Viro minha cabeça para a direita e a vejo sentada no final da trilha, a câmera
ainda apontada para mim.

— Que porra é essa? — Pego meu inalador por baixo da minha camisa e
arrumo meus pulmões enquanto olho para a trilha novamente.

— Como você desceu aqui tão rápido?

— Da mesma forma que você — diz ela, e passa rapidamente pela questão
para me mostrar.

Ela está sentada em um dos meus outros skates, as pernas pintadas de


sujeira, os sapatos imundos por controlar sua velocidade no caminho para que me
acompanhasse.

— Escondi atrás de uma árvore no topo antes de você acordar — explica,


desligando a câmera com um sorriso espertinho.
— Sejamos realistas, se eu tivesse perguntado primeiro, você nunca teria dito
sim.

A altitude deve estar bagunçando meu cérebro, porque eu apenas balanço a


cabeça para ela e rio.
Passamos duas horas na trilha. De alguma forma, Van consegue fazer com
que cada passeio pareça novo em folha, dobrando seu corpo de maneiras diferentes,
atingindo o último salto com curvas cada vez mais complicadas. Ele cai uma vez,
mas se recusa a me deixar ajudar.

— Apenas filme, — ele ofega, se afastando quando tento limpar o enorme


arranhão em seu cotovelo.

Sua corrida final é a melhor, pelo menos para mim. Ele executa uma curva
(mais tarde sou informada, com um longo revirar de olhos, que se chama aéreo)
que o coloca diretamente contra o sol. Na câmera, parece um eclipse.

— Isso foi muito inteligente, usar meu skate assim.

Ele enxuga o rosto com a camisa enquanto descemos a trilha. Mantenho meus
olhos na tela da câmera entre nós, e não em seu brilhante abdômen. Ou ossos do
quadril esculpidos. Até seu umbigo me faz pensar coisas que não deveria.

Lembre-se, não vale a pena.

— Ainda assim — ele acrescenta, — você não sabe como andar nele.

— Por isso, eu sentei nele. Eu sabia que não devia ficar em pé.
— Teríamos um vídeo bem fraco, se você fizesse. — Van pega o skate debaixo
do meu braço e o coloca no chão. — Aqui, vamos.

— Sem chance.

— Veja se consegue manter o equilíbrio por tempo suficiente para... — Ele


estreita os olhos para frente e aponta. — Aquele toco de árvore.

— Já sei que não posso. Não sou uma atleta, Van, lembra?

Ignorando-me, ele pega a câmera da minha outra mão e o cantil de água que
eu havia enrolado no pescoço. Afasto o olhar enquanto ele bebe. A luz do início da
tarde atinge seu pomo de adão de um ângulo perfeito demais.

— Eu vi o que você pode fazer, Fairy Lights — ele respira, abaixando o cantil
e enxugando a testa com o pulso. — Parte dessa Yoga é merda do Cirque du
Soleil. Se você conseguir se equilibra fazendo isso, pode lidar com um skate por
alguns metros.

O calor deve estar me afetando. Todo aquele suor e sujeira nele estão me
fazendo esquecer o que está por baixo.

Cautelosamente, subo no skate.

Van coloca seu material no chão e amarra meus pés. — Tudo bem — ele diz,
— apenas se incline com o skate; não lute contra o terreno. É um caminho suave,
sim, mas ainda há quedas e picos, assim como uma trilha real, e seu instinto será
super compensá-los. Não faça isso.

— Você não está exatamente inspirando confiança, sabe. — Minhas palmas


suam. Limpo-as no short e odeio a agitação do meu próprio coração. — E se eu
cair?

— Então você se levanta.

E com isso, ele cutuca minhas costas para me iniciar no caminho.


Provavelmente estou indo a passo de lesma em comparação com o que Van
fez na trilha, mas isso não impede meu medo. Prendo a respiração para não gritar,
tentando me lembrar do conselho que ele me deu: incline-se com o skate. Não lute
contra o terreno.

Seja o que for que isso acarrete, eu obviamente não o faço corretamente.

Escorrego em algum arbusto e caio, o grito de medo que segurei saindo em


um guincho.

Van corre atrás de mim, rindo enquanto desfaz a amarração em volta dos
meus pés. — Nada mal para uma iniciante. Vamos trabalhar nisso.

Eu o observo. Mais especificamente, os músculos de seus antebraços que eu


não deveria observar.

— Isso doeu? — Sem pensar, toco as duas tatuagens em seus pulsos.

Ele congela, nós dois olhando enquanto a ponta dos meus dedos segue até
seus cotovelos internos, onde a tinta acaba.

Ele tem Andresco em um braço e Durham no outro.

— São tatuagens — ele responde, após um longo silêncio. — Claro que


doem. Mas, você sabe... a maneira como as tatuagens doem. Doloroso, mas não
uma dor real.

— Ok — encolho os ombros, espalhando minhas mãos. Não tenho ideia do


que ele quis dizer.

— Você nunca fez uma?

— Minhas orelhas são furadas, se isso conta. — Foi uma das primeiras coisas
que fiz ao deixar o rancho. Aquelas pequenas tachas de prata brilharam no espelho
do quiosque do shopping como dois faróis à distância. Muito pequena para ser útil,
mas apenas o suficiente para me garantir que eu ia na direção certa.
— Seu corpo é um templo. Nunca o danifique com as bugigangas e manchas
deste mundo.

Toco as bugigangas em minhas orelhas, dois botões de pérola. Então eu fico


olhando para as manchas nos braços de Van.

Decido que nossos templos são decorados, não danificados.

— Imagine a picada quando você colocou seus brincos — Van diz, me


levantando pelo meu cotovelo com uma mão, agarrando o skate com a outra, —
vezes, tipo... dez mil. Isso é uma tatuagem. Você sentiu uma sensação estranha
depois disso?

Eu concordo.

— Exatamente. Adrenalina, dopamina, tudo isso, seu cérebro bombeia uma


tonelada de merda depois de fazer uma tatuagem. É por isso que as pessoas dizem
que são viciantes. Se eu pudesse pagar mais, estaria coberto por elas.

De volta ao Transit, Van abre todas as portas para aproveitar o vento,


esfriando-o enquanto eu programo o ar-condicionado. — E as outras?
— pergunto. Eu passo a água para ele, depois rolo a minha no meu pescoço. Por
um segundo, acho que ele me observa.

— A lua e o avião de papel?

Concordo. — Quais foram as primeiras? Essas ou os nomes?

— Primeiro os nomes, depois o avião. A lua é nova. — Ele puxa a manga, me


mostrando.

Por pouco que eu saiba sobre tatuagens, é obviamente o trabalho de um


especialista, os detalhes são impressionantes e nítidos, mas se misturam com os
espaços em branco de sua pele tão facilmente quanto uma pintura.
Em contraste, o avião de papel é um contorno geométrico simples, mas mesmo
assim estou admirando-o. Eu sei o que os aviões de papel significam para ele.

Na minha sétima noite no rancho, ele me disse que sua mãe costumava
escrever mensagens para ele. Às vezes, eram piadas bobas quando ele estava
triste; na maioria das vezes, eram anúncios de que o jantar estava pronto ou
apenas lembretes de que ela o amava. Ela ficava na porta de seu quarto, ele disse,
e os levava para onde quer que ele estivesse, o beliche de cima de sua cama, sua
mesa.

Quando ele os abrisse, ela desapareceria de vista.

Às vezes, ele escrevia um e o enviava para o corredor, tentando ouvir se ela o


desdobrava.

— Ela amava aquela música do Sinatra — ele me disse, — Fly Me to the


Moon21, então às vezes eu não escrevia nada de volta. Eu apenas desenhava uma
lua para ela. Quando ela morreu e tivemos que examinar suas coisas, encontrei
uma caixa com todos aqueles aviões. Cada lua que eu já desenhei para ela.

Eu confessei que nunca havia ouvido essa música, e seu rosto se iluminou
quando a adicionou ao meu iPod, pegou um fone de ouvido para si e colocou o outro
no meu. Ouvimos repetidamente até que adormeci no sofá, inclinando-me
diretamente para ele.

— Dez anos — digo agora, enquanto a matemática é feita na minha cabeça. —


Deve ser um aniversário muito difícil pela perda de alguém.

— São todos difíceis. — Ele puxa o joelho para cima do estribo e apoia o braço
nele, então estremece, lembrando-se do arranhão. Pego o kit de primeiros socorros
e limpo a ferida enquanto parece que o tortura me deixar.

21 Faça-me voar até a lua.


— Foi isso que fez você decidir fazer uma viagem este ano?

— Pura coincidência.

— Nada disso.

Van bufa pelo nariz e me observa aplicar a bandagem que ambos sabemos
que ele vai tirar em poucos minutos. — Perdi meus patrocinadores, lembra? Essa
viagem é apenas isso.

— E controlar seu temperamento.

— O temperamento que me custou meus patrocinadores — corrige


severamente, levantando-se assim que termino. Ele contorna o Transit, fechando
as portas e colocando seu equipamento no compartimento de armazenamento
traseiro. — É tudo uma decisão de negócios. O fato de eu ter começado a viagem
no aniversário é irrelevante.

Permaneço lá por um momento, recolhendo o lixo da bandagem, um pedaço


de cada vez. — Hum.

— Hum o quê?

— Nada — encolho os ombros. — Só isso, o mesmo ano foi prova suficiente


para eu suspeitar. Mas o fato de você ter partido exatamente no
aniversário? Agora estou convencida, sendo totalmente honesta.

— Aqui está um maldito primeiro. — Van desliza a porta central para fechá-
la, bem na minha cara.

Espero ele se jogar no banco do passageiro antes de subir. — Você não precisa
responder a tudo com raiva, sabe.

— Você não tem que dissecar meu cérebro como se realmente tivesse alguma
ideia do que está fazendo. — Ele aperta o botão Liga/Desliga do rádio. Enche o
carro com um comercial de loja de móveis. — Nem tudo está conectado neste
grande círculo da vida, certo?

— Ok — exalo, esticando meus dedos contra o volante. — Eu não estava


dizendo como se fosse ruim, no entanto. Só... propondo uma possibilidade de que,
de alguma forma subconsciente, não fosse apenas por causa dos seus
patrocinadores e da carreira no skate. Quer dizer, você poderia facilmente ter
trabalhado em tudo isso em um só lugar, alugando uma cabana para o verão em
algum lugar e não fazendo nada além de trilhas locais para suas filmagens. Mas
você escolheu viajar por um motivo.

A forma como seus membros ficam tensos, espero outra explosão. Van não
estava brincando com aquela avaliação de personalidade desagradável que,
presumo, veio de alguma pobre alma encarregada de abandoná-lo como favorecido,
quando ele fica assim, tudo nele bate em você como um vento do deserto.

Quilômetros se esticam atrás de nós antes dele falar. — Quer dizer... eu acho
que é possível, quando você explica assim. — Rapidamente, ele acrescenta: — Mas
a maneira como você disse foi irritante. Você tem que parar com esse tom sabe-
tudo. Você não está na minha cabeça.

Graças a Deus por isso. Eu sei que é uma bagunça absoluta lá.

— Vou trabalhar nisso — digo a ele.


DOZE

Wes: Seu pai enviou algo. Parece leve. Abro?

Fico olhando a mensagem por mais tempo do que o necessário, está bem claro.

Quando papai envia um envelope leve, é um cheque. Um que eu sempre envio


de volta, com uma nota dizendo algo como obrigado, mas porra nenhuma.

Correspondência mais pesada, embora rara, sempre significa uma carta,


geralmente algum tipo de resumo de viagem de seu cruzeiro de um ano com
Megan.

Wes não espera minha resposta. Sua próxima mensagem me informa que não
é um cheque, mas uma carta de uma página.

Grandes notícias, ele envia uma mensagem, com um emoji


estremecido. Quer um spoiler?
Eu já sei. Papai está com Megan há tempo suficiente para que um pedido de
casamento não pareça loucura. Deixe para ele colocar o anúncio em uma carta, de
todas as coisas.

Ele simplesmente não quer ouvir sua reação.

Na verdade, eu o parabenizaria, mas não posso ficar muito bravo se ele


assumir que eu vou virar a cara. Quando ele trouxe Megan pela primeira vez, eu
não estava exatamente puxando o carro de boas-vindas.

Digo não a Wes, apenas que leve a carta com o resto da minha
correspondência para os Hamptons.

Juniper retorna das compras em silêncio ninja, até que ela vê que não estou
dormindo, ela simplesmente cai na cama enviando mensagens. — Achei que você
queria tirar uma soneca.

— Pensei também. — O cheiro dela me atingiu novamente quando me deitei,


e dormir estava fora de questão. Eu estava a cerca de dois segundos de desligar
quando meu telefone emitiu um ping com uma mensagem de Theo para entrar na
Internet para alguns videogames, caso eu estivesse livre.

Eu disse a ele que meu Xbox estava quebrado. Não é uma mentira, se não for
inoperável após ser ensopado no lago, será assim que o Sprinter for esmagado em
um cubo.

Não contei a meus primos sobre minha situação de viagem, ou Juniper. Eles
vão presumir em suas mentes que estamos transando, a única explicação plausível
para o porquê de eu ter concordado com esse negócio. Eu me certifiquei de que
todos que conheceram Juniper no mês em que ela morou conosco soubessem que
eu a odiava quando ela partiu. Eu não queria que ninguém sentisse pena dela.

Mais importante, eu não queria que ninguém me culpasse.


Sim, isso foi um bom chute nas bolas, saber que todos pensaram que ela fugiu
da cidade por minha causa. Eles ainda pensavam que ela era o pequeno milagre
doce e misterioso que havia sido no início. É claro que o Van com tesão demais para
seu próprio bem a perseguiu e partiu seu coração.

Eles nunca acreditariam que a verdade era exatamente o oposto.

Resumindo, não, não pensei nela em vez de cochilar, e estou muito orgulhoso
disso.

Claro, observá-la se curvar naquele short para colocar mais queijo ralado na
geladeira poderia convencer um homem de que o orgulho é totalmente inútil.

— Você tomou seu antibiótico? — Ela pega o frasco e acena para mim sem
olhar.

— Isso dói meu estômago.

— Pneumonia doerá muito mais seus pulmões. — Após me passar uma dose
e um pouco de queijo, ela se levanta e pré-aquece o forno elétrico no balcão. —
Falando nisso, acho loucura você fumar quando é asmático.

— Concordo.

Ela cambaleou, fingindo horror em seu rosto. Talvez um horror de verdade.

— Uau. Você realmente concorda comigo em algo?

Bato nela levemente quando ela passa por mim. — Parei no início da minha
viagem, mas então...

Juniper fica vermelha por todo o corpo. — Mas então eu apareci?

— Eu ia dizer, “Mas então eu tive uma experiência de quase morte”, mas suas
palavras também são muito precisas.
Enquanto ela tempera o frango que escolheu, começo com um pouco de arroz
e brócolis cozido no vapor. Digo a mim mesmo que não é para o benefício dela, nem
mesmo por educação. Eu simplesmente sinto falta de cozinhar.

— Você está sendo muito mesquinha com esse alho — digo a ela. — Adicione
mais. E... — vasculho o armário. — ... gengibre. Aqui.

Pelo canto do olho, eu a pego reprimindo seu sorriso. — Esqueci o quanto você
adora mandar nas pessoas na cozinha.

— Todo aquele sangue argentino. Não pode ter medo do sabor. — Pego um
monte de coisas para adicionar ao arroz enquanto estou nisso. — Eu diria que essa
é a maior desvantagem de viajar, a maior parte da comida de beira de estrada é
tão sem graça.

Faço uma pausa. — Espere, eu retiro isso. A maior desvantagem é cagar na


floresta.

Sua risada ecoa entre nós. É viva, completa, rica e quase barulhenta, em vez
de mantida na coleira como tudo o mais que ela faz ao meu redor.

Instantaneamente, sei que estou viciado nisso.

Como cigarros, gostaria de não estar.

Colocamos nossa comida no prato e sentamos na porta aberta para comer,


assistindo o sol se pôr atrás do supermercado.

Os transeuntes passam e alguns apontam.

— As pessoas parecem gostar da sua configuração.

— Eles gostam da ideia, mas a maioria nunca moraria em uma van. É como...
bem — ela ri, jogando um pouco de arroz caído do estribo, — como viver em uma
fazenda ou rancho, na verdade. Todo mundo romantiza isso. Poucos realmente
fazem isso.
Isso me faz assentir. Quando mamãe e papai compraram o rancho, todos os
seus amigos enlouqueceram, adorando a ideia de uma vida tranquila e fácil fora
da cidade. Devíamos fazer isso também! eles diziam. E, no entanto, nem um único
o fez. — É muito mais difícil do que pensei que seria — confesso. — Quer dizer, eu
fiz absolutamente o mínimo equipando o Sprinter, o que não ajudou...

— Não se engane, todo o visual de colchão no chão e roupas enfiadas em


caixas de leite está na moda agora.

—... mas ainda assim — termino, batendo em seu Powerade para que ela
babe, — a vida na estrada não tem sido o que eu esperava.

Ela limpa a boca com o braço. — O que você esperava?

— Que viver um estilo de vida diferente equivaleria a ter uma vida diferente.

Eu rio por dentro, me ouvindo resumir a verdade tão rapidamente. Enquanto


tiro o último pedaço de arroz do prato, sinto seu olhar fixo no meu rosto.

— É por isso que as pessoas pensam que querem trailers, casas minúsculas,
fazendas e cruzeiros o ano todo — digo. Meus olhos caem sobre seus pés, nus sobre
o asfalto cheio de bolhas. — Achamos que todos os nossos problemas estão em
nossas localidades, mas não estão. Estão dentro de nós. Aonde quer que vamos,
eles vão.

Juniper coloca seu prato atrás de nós e puxa os joelhos para cima, apoiando
o queixo ali. — Talvez alguns deles.

— Todos.

— A maioria — ela rebate, uma teimosia. Eu aceito calando a boca e


colocando mais frango na boca. — Mudar de local e estilo de vida ainda é útil, no
entanto. Temos uma imagem mais clara de quais são os nossos problemas.
— Você teve? — Eu a sinto olhar para mim novamente. — Quando começou
a viver no Transit, quero dizer.

— Acho que sim. Você?

— No Sprinter? De jeito nenhum. Viver naquela coisa era tão difícil que
empilhou um monte de novos problemas no topo.

— E desde que você se mudou para a Eloise? — Sorrindo, ela dá um tapa na


parte externa do Transit.

— Faz apenas dois dias.

— É tempo de sobra para ver seus problemas.

— Além de estar preso a você? — pergunto, e deixo ela me empurrar. Pego


seu prato e levo para a pia junto com o meu. — Eu já conhecia meus problemas. As
questões de raiva, como eu falo com as pessoas... o fato de que eu realmente não
gosto de estar perto de ninguém, atualmente. Até mesmo Wes conseguiu me irritar
no Brooklyn, e ele é o cara mais fácil de se conviver.

— Saber quais são seus problemas é diferente de saber por que você os tem.

— As pessoas simplesmente me irritam. Não é ciência de foguetes.

Juniper suspira como se quisesse acrescentar algo, mas me recuso a me virar


e descobrir o que é. Provavelmente não gostaria.

— Nossa, a van de vocês é incrível!

Eu olho para trás. Uma garota agarrou o namorado com força, arrastando-o
para mais perto de nós. Juniper concorda quando eles pedem para olhar dentro.

Eles ficam muito tempo; eles até se sentam na cama e dão um salto de
teste. Eu agarro o esfregão quase forte o suficiente para perfurar minha pele. É
melhor eu não sentir o cheiro da colônia deles e me nocautear com perfume
Hollister quando eu deitar naquela cama, mais tarde.

Eles ficam quase vinte minutos, maravilhados com cada coisinha e fazendo
mil perguntas a Juniper, todas as quais ela responde com o sorriso mais doce.

— Desculpe por expulsar vocês — anuncio depois que os pratos estão lavados,
a carga está segura e minha paciência está mais fina do que água, — mas nós
temos que ir embora. Longa viagem.

— Ah, claro. — A garota se levanta e aperta minha mão, então abraça


Juniper como se elas já fossem amigas de longa data ou algo assim. — Obrigada
novamente. Assim que vi isso no estacionamento, disse ao meu namorado que
simplesmente precisávamos olhar dentro. Estou com tanto ciúme. Quer dizer,
Deus, que romântico! — Seu sorriso potente balança para mim. — Apenas vocês
dois aqui, ignorando totalmente o resto do mundo.

— Sim. Vocês deveriam comprar uma dessas coisas. É um estilo de vida super
fácil.

Eles riem. Juniper me lança um olhar que pode ser uma repreensão.

Assim que eles vão embora, bato no banco do motorista e ligo a ignição.

— Veja — digo a ela, — esse é exatamente o tipo de merda que não suporto,
como as pessoas podem ser sem noção. Você nunca iria até a casa de um estranho
e pediria para olhar dentro, então por que fazer isso com um veículo?

— Você faria se fosse um carro clássico ou algo único — ela aponta, colocando
o cinto de segurança. — Eles estavam apenas curiosos.

— Deixe-os ficar curiosos no Pinterest ou nas imagens do Google como todo


mundo.
Ela põe as mãos no colo e encolhe os ombros. — A garota se inscreveu no meu
Instagram.

— O que — respiro, apontando para a janela, — aparentemente não a está


impedindo de tirar fotos do seu carro. Você disse a ela que ela poderia fazer isso?

Juniper hesita. — Não. Mas está tudo bem.

— Por quê? Porque deixá-la fazer isso é mais fácil do que chamar a atenção
dela? — Sem esperar por sua resposta, abro a janela com meus controles e grito:
— Uh, tchau?!

A garota avança. O cara mostra o dedo para mim.

Juniper grita um pedido de desculpas antes de eu pisar no acelerador e sair


de lá.

— Isso foi muito rude, Van. O que aconteceu com o controle do seu
temperamento?

— Oops. — Tiro meus cigarros do bolso e paro no estacionamento de uma


escola. Quer seu gemido longo e dramático seja por causa da minha atitude
arrogante por ser rude com estranhos, ou porque estou fumando, quem sabe.

Quando volto, ela está estendida em sua cama com um livro, luzes de corda
brilhando em cima.

— O quê, você não ficará ao meu lado agora?

— Por que diabos — ela diz, virando uma página com força suficiente para
rasgá-la, — eu gostaria de ficar ao seu lado depois do que você acabou de fazer?

— E o que foi? Defendê-la porque você não aguenta para fazer isso sozinha?

— Não, por fazer aquela... coisa de novo.


Meu olhar encontra o dela no retrovisor. — Que coisa?

— Onde você é legal em um minuto, então um grande idiota no próximo. Já


se passaram dois dias e já estou farta disso. Estou tentada a dizer-lhe para
escolher apenas um e ficar com ele.

— Um pequeno conselho, não me dê um ultimato. Você não gostará da minha


escolha.

O silêncio me cumprimenta. Ligo o motor e começo a voltar para a rodovia.

Eu a sinto se aproximar, até que ela está no corredor entre os assentos. Ter
a mão dela tão perto do meu ombro, mas sem me tocar, apenas me irrita mais.

— Você diz que fez tudo isso para ter uma vida diferente. — Sua respiração
desce pelo meu pescoço. Eu o arranho em mim. — Talvez comece com uma atitude
diferente. Esse é o seu problema, Van.

A raiva me atinge como um soco no estômago.

Tipo, eu não posso acreditar como fui um idiota para deixar uma onça
escapar.

— Você sabe do que já estou farto? — pergunto, imitando o tom nauseante e


alegre que ela usa para suas histórias no Instagram. — Sua atitude de vamos viver
do sol e cagar arco-íris, agindo como se a vida fosse tão bonita debaixo do lixo. Não
é. Por baixo do lixo há mais lixo.

Esfregando as têmporas, ela gira a cadeira do passageiro e se senta. — Sério,


por que você está tão cansado do mundo? Eu sei que algumas coisas ruins
aconteceram com você...

— Olhe no espelho para a Prova A.


—... mas você também teve uma vida muito boa, Van. Você ainda tem. — Ela
bate nos apoios de braço com as unhas. — Sério, fale comigo. Diga-me por que você
fica com raiva desse jeito.

— Diga-me por que você não fica.

Espero que ela suspire com o meu desvio, mas ela se recosta e gira um pouco,
realmente considerando.

— Eu acho — ela diz finalmente, — minha visão de vida, permanecer


positiva, encontrar o bem em tudo que posso é o único que faz sentido para mim.

— Exatamente. — Minhas palmas suam contra o volante. Discretamente, eu


as limpo nas calças, uma de cada vez. — Estar aborrecido faz sentido para
mim. Embora eu ache que um termo mais preciso seria estar
acordado. Verdadeiramente vendo as coisas como elas são. E sabe de uma
coisa? Eu achei que você, de todas as pessoas, entenderia.

Ela ri. A pobre acha que estou brincando.

— Do que quer que você tenha fugido — digo a ela, ignorando a maneira como
cada molécula de oxigênio sai do carro ao mesmo tempo, — deve ser muito
ruim. Você estava magra, espancada, malditamente doente... E esse era apenas o
lado físico da moeda. Você nem conseguia falar corretamente, Juniper.

— Não saber uma gíria não significa que eu não pudesse falar corretamente.

— Você foi protegida de qualquer coisa remotamente moderna. Qualquer


coisa. — Trazer tudo isso à tona coloca na minha cabeça uma imagem na qual não
pensava há anos – uma família rigorosa e estranha que nunca conheci. Inferno, eu
nem mesmo tive confirmação de que eles existiam. Mas quanto mais eu aprendia
sobre ela naquele verão no rancho, mais fácil era imaginar. Achei que seu pai era
abusivo e delirante; sua mãe, uma ratinha com lavagem cerebral. Talvez ela
tivesse irmãos. Ela às vezes murmurava Rebecca durante seus pesadelos.
— De onde quer que você veio — termino, — deve ter sido realmente horrível
para mandar você para a floresta da Dakota do Norte em busca de algo
melhor. Portanto, acho estranho que você não concorde com meu ponto de vista de
que este mundo vai nos foder em qualquer chance que tiver, sem ao menos nos
pagar o jantar.

Desta vez, seu silêncio não é um alívio. Eu realmente quero ouvir sua
resposta. Parte de mim pode até querer saber como ela faz isso, como diabos ela
acorda todos os dias convencida de que será um bom dia. Determinada a torná-lo
um, de qualquer maneira.

— Eu realmente não quero falar sobre nada disso agora.

Sua voz é tensa, como uma corda puxada até que, uma a uma, as fibras
começam a se romper. Ela se levanta.

Coloco meu braço no corredor, impedindo-a.

— Ah, vê? Aí está. Um ponto feio que nenhuma quantidade de positividade


pode embelezar.

Com um suspiro, ela cruza os braços.

— Tivemos uma boa viagem, Van — ela disse calmamente. — Não vamos
estragar isso.

— Esta não é uma viagem. É um negócio. E só porque os últimos dois dias


foram ligeiramente toleráveis, não significa nada.

Eu abaixo meu braço para deixá-la passar. Então pego o rádio e o ligo, para
preencher o silêncio que ela me deu, em vez de uma resposta real.

Mudando o peso enquanto o Transit balança, ela se firma no meu


assento. Desta vez, sua mão toca meu ombro.

— Você ainda me odeia? — ela pergunta.


É praticamente um sussurro, mas grita na minha cabeça como uma sirene.

Correção, o canto de uma sereia, atraindo-me para um lugar que não quero
estar. Algum lugar dentro de mim que se lembra de como foi tê-la em minha vida,
melhor do que lembrar como foi perdê-la. Isso realmente não é bom para mim, ficar
perto de alguém além dela. Os rancores começaram a desaparecer. A saudade tem
tirado o melhor de mim.

Nunca mais.

Tento convocar minha resposta. Sim. Curto, simples, destrutivo. Uma


mentira que eu gostaria que não fosse uma mentira.

— Eu não esqueci o que você fez — digo ao invés.

Não posso me permitir esquecer o que ela fez.

Lentamente, ela retrocede. A mão dela me solta como seda. — Pensei isso —
ela diz.
TREZE

Hoje será um bom dia.

Muito raramente tenho que dizer isso explicitamente a mim mesma. A essa
altura, a mentalidade está embutida na minha rotina matinal de Yoga e no
aproveitamento de qualquer visão que tenho.

Claro, quando essa visão inclui um rosto de pedra meio carrancudo para você
por horas a fio, é difícil obter positividade. — O quê? — eu estalo, quando Van e
eu trocamos de motorista após o café da manhã, e ele se senta no banco do
passageiro, gira para me encarar e simplesmente me encara.

Talvez ele nem esteja carrancudo. Às vezes é assim que seu rosto se parece,
como se tivesse se tornado a posição padrão. Pronto para ir sempre que precisar.

Mas também estou cansada disso, nunca saber quando o botão girará e nossa
paz inquieta se ruirá. Nosso passado compartilhado ferve sob os pés o tempo todo
como a lava que é – quente à distância, mortal de perto.
Esqueça andar sobre cascas de ovo. Esta é uma ponte de corda, queimando
um pouco mais a cada dia.

— Você disse meu nome durante o sono na noite passada. Duas vezes. — Sua
voz está muito calma; aumenta minha guarda. — Por quê?

— Uh, se eu estava dormindo, como diabos eu saberia?

Oh, você sabe.

O espaço entre minhas pernas ainda dói por causa disso, na verdade.

Depois da nossa discussão, enrolei-me na cama com um livro e encarei a


parede. Seu olhar pelo retrovisor enviou calafrios em minhas costas, até que me
protegi com o cobertor e adormeci.

Sonhei que ele me devorou. Aquela boca rude e língua envenenada,


enchendo-me até que segurei sua cabeça no lugar e exigi mais. Foda-me,
Van. Suba aqui e me foda.

Muito raramente eu praguejo na vida real, acho que porque nunca tive
prática suficiente. Disseram-me que era pecado, especialmente para as mulheres,
algo que me depreciaria e marcaria minha alma. Nenhum homem me aceitaria.

Mas no meu sonho, eu sabia que essa seria a linguagem que Van entendia
melhor. Minha frustração o alimentou. Cada maldição sem fôlego e furiosa que
saiu dos meus lábios o encantou.

Ele não se importava com as marcas na minha alma, porque não era com a
minha alma que ele se importava. Porque a dele estava tão coberta agora, nem um
único raio de luz poderia brilhar.

Porque ele não queria me ter.


Eu fui uma conquista. Um salto em uma trilha sinuosa, com o objetivo de
elevá-lo brevemente ao status de deus então, rapidamente deixada para trás na
poeira.

Acordei antes de terminar. Isso parecia mais adequado de tudo, que eu


acordei com a tensão correndo por mim, irritada e insatisfeita.

— Você sonhou comigo. — Despejando alguns Tic-Tacs de hortelã em sua


boca, Van murmura, — Diga-me — antes de triturá-los como gelo. É ensurdecedor.

— Talvez eu tenha sonhado com essa van22. — Minha palma dá um tapa no


painel de Eloise. — Deixe um pouco de ar sair do seu ego.

Esqueça a raiva. Esse sempre foi o maior problema dele, arrogância.

Infelizmente, ele meio que merece um pouco disso.

Van é lindo. Não, Van transborda sensualidade, o tipo que parte seu coração
antes mesmo de você chegar a poucos metros dele, porque você sabe que ele está
prestes a estabelecer um padrão onde poucos outros homens podem alcançar.

É aquele rosto impossível de ler, os músculos forjados nas montanhas e a


safadeza que o colore o tempo todo.

É aquela voz profunda e rica, atingindo seu coração como café.

Forte como pode ser e quente como o inferno.

Confiança irradia de cada célula. Ele até anda da maneira que os deuses
fariam, os pés mal tocam o chão, sabendo que é apenas uma questão de tempo
antes que ele volte ao céu. E ele merece essa arrogância também. Mesmo com o
pouco que sei sobre skatismo, posso dizer que Van é um dos melhores.

22 Trocadilho com o nome dele e do carro, sendo ambos Van.


— Não tenha ideias, Fairy Lights — ele diz, e então se vira para o para-brisa.

Em qualquer dia normal, eu deixaria a conversa aqui e seguiria em frente,


mas a noite passada se agarra a mim como fumaça. Verdade seja dita... acho que
ainda estou brava. Pela primeira vez na minha vida, não posso simplesmente
respirar e deixar ir.

Eu sabia que viajar com Van me desgastaria, mas nunca esperei que ele me
esfriasse.

— Terrivelmente hipócrita da sua parte.

Sinto o raio de seu olhar novamente. Meu pulso rivaliza com o barulho do
motor.

— Desculpe-me?

— Se eu tivesse ideias, o que não tenho, não é como se você fosse inocente.
— Aperto minhas mãos no volante para não me mexer. — Eu vi como você olha
para mim, às vezes.

Às vezes não. A cada hora que ele está acordado.

— Luxúria — ele diz, depois de um minuto. A palavra é afiada quando me


alcança, envolta em hortelã como uma pequena droga tentadora.

Uma onda de hormônios pinta o interior do meu crânio. Isso pode ser pior do
que se ele simplesmente negasse.

Na verdade, não há pode ser nisso. Isto é pior.

Porque agora eu não consigo parar de me perguntar que ideias ele tem, como
seria a sensação de ter um homem me levando, em luxúria e ódio trançados, e me
destruir em um lindo incêndio.
Limpo minha garganta e ligo o rádio. Esta conversa precisa parar. É
perigosa.

A mão de Van intercepta. Ele agarra meus dedos.

Meu coração trava dentro do meu peito.

— Deixe-me esclarecer — ele diz. Eu chamaria de rosnado, se houvesse uma


pitada de emoção por trás disso.

Rudemente, ele coloca minha mão de volta no volante.

— Quando digo luxúria, não quero dizer que gostaria de foder com você.

Já ouvi esse palavrão sair da boca dele mil vezes..., mas, nesse contexto, fico
sem fôlego.

— Quando eu fodo uma garota, eu quero intencionalmente fazê-la se sentir


bem. Incrível. — Ele estica os braços acima da cabeça para estalar as costas. — O
que eu quero com você, Juni, é apenas usá-la. O fato de você se sentir bem é apenas
uma coincidência. Pode até fazer você gozar. Na verdade... acho que teria que
tentar ativamente não fazer você gozar.

Ele tem que saber o que está fazendo comigo.

Ele tem que sentir de alguma forma o fogo entre minhas pernas, ou o trovão
do meu coração no ar.

— Mas não quero que você se sinta bem sobre isso. Quero você arrasada com
a sensação incrível de ter-me dentro de você, sabendo que posso – e irei – tirar tudo
sempre que eu quiser.

Seus olhos pousam em mim novamente. Embora não ouse olhar, sinto cada
grama de gelo dentro deles.
— Eu quero te ensinar como é quando alguém ilumina sua vida inteira como
um fogo de artifício... e depois te deixa.

A estrada vibra embaixo de nós. Conto as linhas tracejadas da zona de


passagem até ficarem borradas.

Para ser justa, eu acho, eu disse a ele para escolher um e ficar com ele.

— Uau.

Van encolhe os ombros com a minha reação. — Sim, bem. A verdade dói.

— Não. — Eu engulo. — Eu quis dizer... uau, são muitas palavras quando


você poderia ter dito, eu quero partir seu coração.

— Não é muito divertido quebrar algo tão frágil.

Eu ri. Van me lança um olhar furioso, mas eu realmente acho isso hilário, a
mentira gigante que ele acabou de cuspir.

— Posso ter alguns hábitos nervosos de vez em quando — digo a ele, — e sim,
odeio confronto. Mas não há nada frágil em mim, e você sabe disso.

Van se mexe em seu assento. Eu gosto disso. Não é sempre que eu consigo
apontar suas merdas; ele geralmente tem um daqueles discursos persuasivos à
disposição.

Mas não desta vez.

Ele mesmo disse ontem à noite, do que quer que eu fugisse, deve ter sido
horrível.

No entanto, aqui estou eu, ainda inteira.

— Tudo bem — ele diz eventualmente, e a frieza se derrama em suas palavras


como mentol. — Mas o que quero dizer é, não estou interessado em partir o seu
coração. Isso é colocar muita importância nas coisas. A luxúria é como
vingança. Algo para sair do seu sistema. Não demora muito.

Finalmente: minha chance de acertá-lo com um golpe baixo. Eu me


recomendo a não o pegar.

Mas talvez os hábitos dele estejam me afetando, afinal, porque tudo que
consigo pensar é… como não pegar?

— É por isso que você sempre subia na minha cama no rancho?


— pergunto. — Apenas tirando algo do seu sistema?

Seus olhos se voltam para mim novamente.

E mesmo com aquele rosto indecifrável, sei que o cortei


profundamente. Talvez ainda pior do que ele acabou de fazer comigo.

Ele deitar na minha cama sete anos atrás não era uma coisa sexual. Ele
nunca fez um movimento. Na verdade, ele nem mesmo colocou os braços em volta
de mim.

Sempre, depois que eu acordava de um pesadelo para encontrá-lo na


escuridão, ele escorregava para baixo da colcha e fechava os olhos, me dizendo que
estava tudo bem voltar a dormir. Havia distância suficiente entre nós para sermos
respeitosos, mas não tanto que eu não pudesse sentir o calor do corpo dele.

Não tanto que eu não pudesse estender a mão e tocá-lo, uma vez que ele
adormecia.

Gostava de traçar os músculos de seus braços, tensos e alongados como um


menino. Não muito magro, mas magro.

Eu gostava de tocar seu cabelo castanho escuro e sussurrar em sua testa.

O osso saliente de seu quadril, sempre que a calça do pijama de flanela


escorregava muito.
Seus lábios.

De todas as coisas que Van me ensinou sobre o mundo até agora, ele ainda
nem mencionou coisas como beijos, ou sexo, ou namoro. Quão diferentes eram as
regras aqui?

Eles chamam de carnalidade aqui também? Algo disso era realmente um


pecado? Era normal que eu quisesse fazer todos eles, de qualquer maneira?

Era normal que eu quisesse fazer essas coisas com ele?

Mais de uma vez, tentei perguntar a ele. Mas eu estava com muito medo de
quais poderiam ser suas respostas.

Então, noite após noite, eu aprendi o que podia observando-o e arrastando


meus dedos sobre esse lindo garoto que eu queria como nunca quis outra coisa.

Uma vez, eu o beijei.

Estava claro. Ele não acordou.

Provavelmente, eu nem fiz isso direito e não poderia chamar de beijo, apenas
meus lábios passando cautelosamente sobre os dele, tempo suficiente para sentir
nossa pele encostar. Tempo suficiente para saber como ele cheirava quando
cheguei mais perto.

Recuei e jurei para mim mesma que nunca, nunca mais faria isso. Não se ele
não estivesse acordado.

Não se eu não soubesse, sem dúvida, que ele queria que eu soubesse.

Na manhã seguinte, perguntei ao Sr. Durham se poderia, em vez disso, ficar


na cocheira. Howard me emprestou um colchonete. Peguei todos os presentes que
eles me deram em caixotes de madeira, ignorando os protestos de Van.
Pelo resto dos meus dias lá, dormi horrivelmente. Mesmo depois que fui
embora, os pesadelos demoraram anos para desaparecer. Nada e ninguém poderia
afugentá-los como ele fez.

Foi por isso que ele entrou na minha cama, para guardar meus sonhos. Foi
um presente.

Então eu sei o que acabei de sugerir – que ele fez isso por desejo – não é
apenas hipócrita da minha parte. É a melhor e a pior coisa que eu poderia dizer.

É o melhor por que... cara, é bom finalmente ter a vantagem, por brevemente
colocar minha própria máscara sem emoção e fazê-lo pensar que ele não significa
absolutamente nada para mim. Isso, talvez, ele nunca fez.

Mas é o pior, porque funciona. Eu o machuquei.

E quando Van se machuca, ele fica com raiva.

— Veja se eu vou para a cama com você de novo — ele diz.

Pare, eu ordeno a mim mesma, enquanto ele se levanta e pisa para trás.

Ele faz muito isso, mas percebi que raramente é de propósito.

Seus passos são naturalmente pesados, como se a gravidade o pesasse mais


do que o resto de nós. Quando ele não está em seu skate, de qualquer maneira.

Observo suas costas no espelho enquanto ele pega seu telefone e o conecta
para carregar. Os músculos sob sua camisa sugerem tanto poder que sinto aquela
queimação entre minhas pernas novamente.

Eu acho, eu o quero.

E o desejo, com tudo que eu sou, que não quisesse.


— Mas você acabou de dizer que quer... — Minha língua trava com o
palavrão. —... dormir comigo.

— Não — ele grita por cima do ombro sem olhar, — eu disse foder. E então
deixei extremamente claro que não quero. Não da maneira que significa para
mim.

Van pode ser a única pessoa neste mundo que poderia entender essa palavra
e fazer com que significasse algo verdadeiramente íntimo.

E de repente quero experimentar isso mais do que posso suportar, mesmo


quando ele me avisou exatamente o que acontecerá se eu fizer isso.

— Meu ponto — grito de volta, engolindo em seco, — é que você não poderia
fazer isso sem ir para a cama comigo.

— Sério — ele ri sombriamente, rolando seu telefone. — Você acha que sexo
só acontece na cama? Você acha que sexo comigo só acontece na cama?

Aperto minhas coxas ainda mais fortes. Não mais, eu não acho.

— Mas — continua largando o telefone para se esticar no edredom com um


bocejo, — esta é uma discussão sem sentido. Porque, claro, desejo você,
Juniper. Vou anunciar isso por meio de um megafone em todas as transmissões
nacionais durante um ano, não me importa. Mas eu nunca agirei sobre isso.

— Bem, porque não? — desafio. Espero que meu sarcasmo pareça


convincente. — Eu não mereço tudo o que você disse sobre me dar tudo isso e tirar
tudo?

Há uma batida de silêncio. Tolamente, acho que ele está prestes a retirar
suas palavras.

— Sim — ele diz, e boceja novamente. — Mas não me importo o suficiente


para dar a você o que você merece.
Só assim, ele voleia meu golpe baixo de volta para mim.

Ligo o rádio para que ele não possa me ouvir respirando fundo todo o caminho
além da fronteira do estado de Nova York.
QUATORZE

— Você não podia ter pedido ao seu pai uma passagem de avião ou algo assim,
em vez de dirigir? Sério, cara, eu estou tão entediado.

— Alguém já te disse que você é uma vadia mimada? Quem fica entediado em
uma incrível casa de férias bem na água, onde é livre para fazer o que quiser?

Esmago uma formiga com o polegar antes que ela suba no short e mude meu
telefone para o outro ouvido, já que o direito já está cansado dos gemidos de
Theo. Se meu pai pudesse esbanjar dinheiro como o dele, e minha infância fosse
tudo sobre luxo em vez de prudência fiscal, talvez eu não me sentisse muito
culpado de descontar os cheques que papai envia porque ele acha que eu não posso
sobreviver sozinho. Em vez disso, estou morando em um carro apenas para provar
meu ponto de vista.

— Nenhum dos meus amigos estará na cidade até sexta-feira.

— Aw. Pobrezinho Rei Theo, sozinho em seu palácio vazio.


Algum pequeno pedaço de mim realmente tem pena dele, mas não porque ele
está entediado. Theo fica tão facilmente solitário, mesmo quando cercado por uma
multidão. Se minhas habilidades pessoais forem quebradas, ele terá a trágica sorte
das semi-operacionais que vêm e vão ao acaso. Eu não acho que ele realmente se
conecta com alguém, além de mim e Wes.

E deixe-me dizer, se seus únicos amigos são Durhams?

Você é uma merda triste.

— Estou apenas a cerca de... duas horas de distância, antes de tudo — digo a
ele, olhando para o relógio em uma placa de banco do outro lado da rua. Estamos
em algum bairro aleatório; Juniper fez o impossível e convenceu uma completa
estranha a deixá-la encher o tanque de água com a mangueira de jardim, em troca
de nada. Dizer a ela que a pia não funcionaria foram as primeiras palavras que
falei desde a nossa discussão esta manhã. Eu dormi, e fingi dormir, a maior parte
da tarde.

— E em segundo lugar, eu não pediria a meu pai um tanque de gasolina,


muito menos uma passagem de avião. Então, tipo, desculpe você está entediado e
sozinho, mas pare com essa merda.

— Sim — ele suspira, ou como se soubesse que era um tiro no escuro antes
de perguntar... ou ele secretamente deseja que odiasse aceitar o dinheiro de seu
velho a metade do que eu faço com o meu.

Mas ei, todos nós temos lacunas a preencher, portanto, sem julgamento. Theo
escolheu dinheiro, Wes escolheu pílulas – e eu escolhi skatismo.

— Quase pronto! — Juniper chama da parte de trás do Transit.

Cubro o microfone do meu telefone e aceno com a cabeça, antes de perceber


que ela falava com a dona da casa, não comigo.
Ocorre-me que devo dizer a Theo que estou levando um convidado. Eu poderia
entrar naquela casa com toda a lista dos Bulls de 1995 e ele não piscaria, mas
ainda assim. Minha mãe colocou algumas boas maneiras em minha cabeça.

Antes que eu possa falar, sua máquina de café expresso grita ao fundo. São
seis e meia da tarde, mas Theo é basicamente noturno. Se é que ele dorme. Eu
realmente não poderia te dizer.

Uso isso como uma desculpa para dizer adeus. Mostrar a ele o detalhamento
dessa situação será muito mais fácil pessoalmente.

Além disso, não é como se Juniper tivesse que ficar em casa conosco. Ela tem
sua casa inteira, bem aqui.

Alternativamente, eu poderia simplesmente mandá-la em seu pequeno


caminho alegre e pular na calçada.

Mas e daí? Ela ainda não pode me pagar em dinheiro, e eu realmente não
quero seu Transit. Até eu estou acima de levar a casa de uma garota embora. Até
mesmo a casa desta garota.

A essa altura, tudo o que quero é terminar meu plano original: viajar, andar
de skate, me recompor e conseguir alguns patrocinadores novamente. Eu odeio
admitir, mas seu pequeno equilíbrio cármico é a única opção onde nós dois
conseguimos o que queremos.

Antes de partirmos, Juniper pendura a mangueira de volta com tanta


precisão que eu deveria tirar uma foto para a Better Homes & Gardens.

Ela ainda bate na porta para agradecer novamente à mulher, e sai com um
abraço e dois potes de manteiga de maçã caseira.

Puta merda.
— Ensine-me a jogar assim. — Abro um frasco e pego com o dedo. A mulher
acena de sua varanda, então me forço a fazer isso de volta. É uma manteiga de
maçã muito boa. — Você falou com uma estranha para deixá-la usar sua água, de
graça, e ela age como se você tivesse feito um favor a ela.

— Não é um jogo. — Juniper acena novamente, então se curva antes que eu


entre no trânsito. — Mel com vinagre. Você ficaria surpreso como a vida é muito
mais fácil quando você não faz cara feia para todos, esperando para ser
ferrado. Educação abre muitas portas.

— Deus, basta se juntar a uma caravana hippie, já. — Passo o pote para
ela; ela passa o dedo mínimo pela borda para limpar a bagunça que deixei, coloca
a tampa de volta e enfia o dedo na boca. Isso me faz pensar em mil coisas que não
deveria. — Não é assim que o mundo funciona.

— Nem tudo, com certeza. Mas chega disso.

— Uh-huh. E sua prova?

— O tanque cheio de água e comida grátis não são provas suficientes para
você?

Suspiro. Muitas respostas vêm à mente, mas estou cansado demais para dizê-
las.

Enquanto eu dirijo, ela toca aquele podcast policial que adora. Está meio que
me atraindo, na verdade, se por nenhuma outra razão além de colocar minha libido
em coma. Nada como descrições de membros envoltos em plástico descobertos em
galinheiros modestos para manter sua mente pura.

Não posso acreditar que fui estúpido o suficiente para admitir que eu pense
nela dessa forma. O que aconteceu com não colocar ideias na cabeça?

— Então — ela diz de repente, desligando o rádio, — quando chegarmos aos


Hamptons...
— Quando você me levar para os Hamptons.

Juniper respira fundo e depois expira ainda mais. — Quando chegarmos à


casa do seu primo — diz bruscamente, — vou estacionar no Wal-Mart. Apenas me
mande uma mensagem quando estiver pronto para ir, e iremos para a próxima
parada. Aonde você quiser ir. — Intencionalmente, ela aciona a ventilação de ar
que foi direcionada para o meu rosto, para o dela. — Conforme nosso acordo.

— Os que estão perto daqui não permitem estacionamento noturno. — Uma


mentira descarada, mas sei que ela não vai verificar. — Você ficará melhor
estacionando no Theo, na lateral da casa. A entrada de carros é enorme. Você terá
espaço.

Sua boca torce para o lado. — Se você tem certeza que Theo não vai se
importar, então... tudo bem. Obrigada.

— Não estou fazendo isso por você. — Eu corto para a pista da esquerda,
então retrocedo quando lembro que esse gigante não consegue lidar com altas
velocidades. — Não gosto da ideia de você estar onde não posso te ver.

— O que?

Há uma estranha pontada de medo em sua voz, misturada com esperança.

Ela acha que estou caindo em velhos hábitos de proteção.

— Deixe-me reformular, não quero que você me abandone.

— Oh. — Relaxando, ela junta a manteiga de maçã e gira na parte de trás,


agachando e levando-o até a geladeira. — Bem, se vale alguma coisa... eu não
abandonaria você.

Enquanto ela está fora, volto a ventilação para o meu rosto.

— A história me ensinou o contrário.


Está quase escuro quando chegamos à casa. Enquanto Juniper se maravilha
com a arquitetura moderna, encontro a parte mais obscura da estrada que consigo
e estaciono.

— Vejo você em uma semana — digo a ela, em seguida, pego minha bolsa e
saio antes que ela possa me impedir.

A campainha de vídeo é sincronizada com a televisão da sala de estar. Toco e


preencho a lente com o dedo médio.

— Finalmente. — A voz de Theo vibra pelo alto-falante. — Está aberto, entre.

— Boa maneira de ser roubado, mas tudo bem. — Abro a porta maciça e entro.

Uma respiração e relaxo. Sim, odeio aceitar o dinheiro do meu pai – mas gosto
do luxo. E a casa de veraneio de Theo está nadando nela.

Eu me viro para fechar a porta.

— Ow!

— Não coloque o pé no caminho, então. — Em vez de abrir para deixar


Juniper entrar, eu deslizo e fico em seu caminho. — O que você está fazendo?

— Dizendo oi para Theo.

Eu ri. — Uh, porra, não.

— O que? Por que não?

— Você quer a verdade? — pergunto, cruzando os braços e apoiando-me em


um pilar que, tenho quase certeza, não segura nada.

— Theo não gosta de você.

Outra mentira. Theo ignora Juniper online (por minha insistência), mas ele
não dirá uma palavra ruim na cara dela. O cara é muito mole.
Ainda assim, posso dizer que ela acredita em mim.

— Sim — ela suspira, suas sobrancelhas levantadas fervendo meu sangue


novamente, — aposto que você se certificou disso.

— Com certeza. E nunca vou parar de me certificar disso.

— O que, então? Você realmente espera que eu fique sentada na garagem


dele por uma semana inteira e não o agradeça?

— Ele nem vai notar.

O ar gelado da entrada atinge minhas costas. — Notar o quê?

Theo dá um soco no meu braço e começa a xingar, mas congela quando vê


Juniper. — Oh... olá.

— Oi, Theo. — Juniper me ignora e o olhar por que, Deus, por que, que eu
atiro para o alto, para retribuir o aperto de mão que ele oferece. — Não sei se você
se lembra de mim, mas...

— Como ele poderia te esquecer, Fairy Lights? — Eu lanço um sorriso. —


Mas, pelo bem das maneiras, Juniper, Theo. Theo, Juniper. Você a conhece melhor
como a garota que beijou meu pai e depois roubou alguns milhares de dólares para
garantir.

O olhar de Theo salta entre nós. — Uh... certo — ele diz lentamente enquanto
Juniper tenta derreter mentalmente meu rosto. — Bom te ver de novo.

Passo correndo por ele em direção às escadas. — Não minta para a pobre
garota, cara.

Meu quarto favorito está esperando por mim, como todos os anos.
As duas paredes inteiras de vidro com vista para a baía foram reformadas
com perfeição; a cama está arrumada como um comercial da Macy's. A primeira
coisa que faço é bagunçar tudo jogando minha bolsa no centro e depois me jogando.

Fico lá até que Theo suba, sozinho, e acenda as luzes. — Ela se foi.

— Foi embora? — Eu me sento direito. — É melhor ela não ter ido. Nós temos
um acordo.

— Ela me disse — ele balança a cabeça, empurrando as mãos nos bolsos. —


Mas não, ela não partiu – apenas voltou para fora. É seguro para você sair agora.

— Foda-se, Theo. Eu não tenho medo dela. Ela simplesmente me irrita mais
do que qualquer outra pessoa neste planeta, só isso.

— Então por que você concordou com toda a coisa de equilíbrio dela?

— Que outra escolha eu tinha, cara? Tinha que chegar aqui, de alguma
forma.

— Então, você realmente vai deixá-la no carro assim — ele diz com a cara
séria.

— Não é como se ela fosse um cachorro no banco de trás de um Toyota,


certo? Relaxe. — Eu me levanto e apago as luzes, seguindo-o escada abaixo até a
sala de estar. — É basicamente uma casa sobre rodas. Ela ficará bem.

— Não sei, cara. Ainda parece maldoso, se você me perguntar.

— Não perguntei.

Sem palavras, cada um de nós pega um controle do Xbox, se acomoda no sofá


enorme e começa um jogo. Jogamos até uma da manhã e nos atualizamos. Embora
normalmente eu esteja dirigindo a esta hora da noite, fico exausto de repente
quando olho o relógio. Theo me zoa quando digo que vou me deitar.
— Wes estará aqui amanhã — eu o lembro, batendo minhas costas contra
uma das estantes de seu pai. É carregada com crânios de animais reais; o tio Gil
estudava zoologia antes que o chamado da selva se afogasse no chamado dos
imóveis comerciais.

Eu os seguro com minhas mãos quando dou um passo para trás. A maneira
como eles chacoalham é a parte mais assustadora de todas.

— Vocês dois insones podem jogar videogame a noite toda e dormir até o meio-
dia todos os malditos dias — acrescento, — assim como no ano passado. E no ano
anterior. Se você dormir, é claro.

— Eh, eu não tenho tanta certeza sobre isso — suspira Theo. — Wes disse
que está trazendo alguém. Tenho certeza de que ele seguirá a programação deles.

— Quem?

— Ele não disse. Apenas me avisou.

Acho que Wes tem modos melhores do que eu, o que realmente quer dizer
algo. Ambos temos problemas de raiva e habilidades menos do que estelares com
pessoas.

Quando se trata de quem é o maior idiota, no entanto, não há contestação. Eu


nasci para vencer. As explosões de Wes parecem piores porque são espalhadas pelo
mapa por paparazzi.

Por falar no diabo, Theo abre um site em seu telefone e o acena para mim. —
Talvez ele esteja trazendo Hurley.

— Sim, certo — eu rio. Mas assim que vejo as fotos, paro. É Wes com Clara
Hurley, metade da dupla de blogueiras de beleza que ele não suporta (junto com a
maioria das pessoas neste mundo), jantando com nossa tia em algum restaurante
chique de Nova York.
— Uau.

— Sim. Parece sério, se ele a apresentou a mãe dele.

Theo puxa o telefone para rolar um pouco mais.

— Nah, tem que ser outra coisa. Wes nunca namoraria nenhuma das
Hurleys.

— Tênue linha entre amor e ódio — ele murmura, sem olhar para
cima. Reviro meus olhos e dou um boa noite afiada no caminho.

Quando estou na metade da escada, ouço-o chamar: — Tem certeza de que


não quer convidá-la para entrar?

Daqui, posso ver a sala de jantar que ninguém usa. Há uma janela na outra
extremidade, onde estacionei o Transit. As luzes estão apagadas.

Continuo subindo e ignoro sua pergunta. Nós dois já sabemos a resposta.


QUINZE

— Puta merda. Está, tipo, dez mil graus aqui.

Eu me levanto do chão do Transit, o suor pingando enquanto espio Van por


cima da cama. Ele está vasculhando os compartimentos de armazenamento
traseiros. Não sei que horas são, mas o céu ainda está profundamente preto-
azulado atrás dele.

— É por isso que estou dormindo no chão. E por que estou com as portas
abertas, para fazer uma brisa cruzada. O ar condicionado está estragando.

Seus olhos brilham nos meus. — Boa tentativa.

— Supere Van. Se eu quisesse tanto dormir na casa, eu simplesmente pegaria


o quarto que Theo ofereceu.

— Theo não te ofereceria merda nenhuma.

Não posso culpá-lo por não acreditar nisso. Fiquei chocada quando, depois
que Van invadiu as escadas como um pré-adolescente tendo um ataque, Theo me
convidou para entrar e disse que havia muitas camas.
Por mais tentador que fosse, recusei. Principalmente para me salvar do
drama sempre que Van me descobrisse invadindo suas férias – mas parcialmente
por respeito aos seus desejos.

Ele não acreditaria nisso também.

— O que é toda essa água aqui? — Respingos enchem o ar enquanto Van pisa
e se move para o chão. Subo na cama e penduro a cabeça na beirada para olhar,
uma grande poça sob seus pés.

— Merda, eu sabia que estava vazando. — Sem pensar, eu me levanto,


juntando-me a ele do lado de fora. Meus joelhos e minhas mãos nuas se espalham
pela poça enquanto aperto os olhos sob o veículo.

— Sim, é do tanque de água. Aposto que está rachado.

Quando fico de pé e murcho contra o para-choque, derrotada, não consigo


entender o olhar de Van... até me lembrar que estava dormindo com um sutiã
esportivo e boxer para combater o calor.

Eu me arrasto para dentro e coloco roupas de verdade, chamando, — Por que


você está aqui às — minha mão bate no meu telefone, — 1:22 de manhã?

Ele leva um minuto para responder. — Eu deixei meu carregador.

Ótimo, o que estou usando atualmente, pois não consigo encontrar o


meu. Está desaparecido desde que Van se mudou, mas estou tentando não tirar
conclusões precipitadas... mesmo que de repente eu também esteja perdendo
algumas outras coisas.

Eu não colocaria o roubo mesquinho do passado de Van em teoria – seu


próprio tipo de equilíbrio cármico, quis dizer mais para me irritar do que realmente
igualar o placar – mas na prática? Não posso vê-lo fazendo isso.

Ou talvez você simplesmente não queira.


— Aqui. — Entrego a ele quando ele dá a volta para a porta lateral.

Em vez de me agradecer, ele balança a cabeça e desenha os lábios em uma


linha, os braços apoiados em cada lado da porta. — Você jura por qualquer
divindade que você acredita que este ar condicionado não está funcionando?

A única coisa que reviro com mais força do que meus olhos sou eu mesma, em
direção à cozinha – cento e oitenta graus de distância dele. — Sim. Mas como eu
disse, se eu quisesse um quarto, usaria um. Não se preocupe comigo.

— Você não pode dormir aqui com este calor — ele diz categoricamente.

— Já dormi em lugares piores.

— Vamos. Você realmente vai suar até a morte só para se vingar de mim?

— Acredite ou não, minha decisão não tem nada a ver com você. Eu gosto
daqui.

— Aposto que você não dirá isso quando o sol nascer.

Eu viro e pisco para ele. Ele tem razão. Mas não vou admitir.

— Vá. Aproveite suas férias. — Eu aceno para a janela escura atrás dele. —
Nós dois sabemos que você não me quer naquela casa.

Por um segundo, ele pareceu esquecer isso, que estou bem onde ele me
quer. Perto o suficiente para usar, longe o suficiente para odiar.

Mas agora que eu o lembrei, ele balança a cabeça e muda sua mandíbula,
olhando para seus pés.

Não, olhando para a poça do tanque de água, agora se espalhando até a grama
ornamental ao longo da calçada.

— Última chance — ele diz, e olha para cima com impaciência.


Eu quero. É horrível aqui fora.

Mas aceitar até mesmo isso dele – um pequeno e último esforço na decência
humana básica – seria muito perigoso. Serei pega nisso, assim como eu fui nos
últimos dois dias.

Então o que? Estou à mercê dele. Facilmente pega de surpresa sempre que
seu ódio explode novamente.

Me recuso a jogar o jogo dele, eu me lembro.

Então faço a única coisa que posso pensar que o fará ir embora, começo a me
despir de novo.

— Cristo, Juniper — ele suspira, balançando a cabeça e me deixando sozinha


na escuridão.

Pela manhã, meu tanque de água está completamente vazio. Eu me estico,


visto e levo minha carcaça desidratada para o quintal.

Não é realmente um quintal, o enorme deck parece inundar o lugar, elevando-


se no alto enquanto subo a colina até um conjunto de degraus de concreto. Quando
chego ao topo, sou saudada por muitas coisas para processar.
Primeiro, há a paisagem vívida em torno da baía abaixo e as águas cintilantes
da própria baía. Fecho os olhos na brisa por um momento, tão feliz por sentir um
pouco de ar fresco.

Uma piscina infinita fica na extremidade do deck, tão linda quanto a água
que negligencia. Paredes de concreto com bancos contornam o outro lado, próximo
à casa; uma fogueira fica em frente a várias portas de correr enormes.

Uma a uma, as seções se abrem como um acordeão de vidro e Theo aparece.

— Bom dia — ele chama.

— Bom dia. — Eu me aproximo e estendo minha mão em nosso entorno. —


Isso é incrível.

— Não é ruim — ele sorri, entregando-me uma caneca de café.

Na verdade, é um verdadeiro latte. Espuma e tudo mais.

— Entre, pegue algo para comer. Você também pode tomar banho, se
quiser. Acho que seu trailer provavelmente está faltando um.

— Uau... obrigada. — Sua gentileza é além de confusa, mas eu me encontro


me deleitando com ela como fiz com a brisa fresca da baía.

— Eu tenho um chuveiro — explico, uma vez que estamos na cozinha


(também moderna, enorme e de tirar o fôlego), comendo Torradeira Strudel 23 na
ilha, — mas meu tanque de água está rachado. Tudo bem se eu solicitar um novo
neste endereço? E uma nova peça de ar condicionado, possivelmente. Eu ainda não
tenho certeza.

23 Torradeira Strudel é um alimento de conveniência para torradeira, preparado de forma simples e rápida,
aquecendo-a em uma torradeira e depois espalhando o pacote de confeiteiro incluído por cima.
— Sim claro. O que você precisar. — Ele me estuda enquanto mastiga. —
Então, presumo que você ficará em casa, afinal?

Meu sorriso se acalma, junto com meu bom humor. Pego uma bola de glacê
no meu prato. — Não parece a ideia mais inteligente, considerando o que seu primo
sente por mim.

— Não é a casa de Van, é minha. — Theo toma um gole de seu expresso e dá


de ombros. — Mas eu entendo. Você está na lista de merdas dele, então é mais
fácil ficar fora do caminho. Só estou dizendo, se você preferir não se sentir infeliz
a semana toda, minha porta está aberta.

— Seria bom tomar banho, talvez. — E dá um gole em cerca de cinquenta dos


pequenos Perriers na geladeira de bebidas atrás dele. E mergulhar, totalmente
vestida, naquela piscina infinita.

— Então vá tomar banho. Ignore Van.

A curiosidade leva o melhor de mim. — Por que você está sendo legal comigo,
Theo? — Quando seus olhos vão do prato para o meu rosto, me forço a dizer o
resto. — Você ouviu tudo que eu fiz para ele. Você já ouviu falar que pessoa
horrível eu sou.

Ele ri no meio de um bocejo. — Uma pessoa horrível não teria se oferecido


para transportar aquele idiota pelo país. Você tem a paciência de um santo.

— E o histórico de um ladrão.

Estamos quietos. Theo não refuta isso, não que eu esperasse que ele fizesse. É
um fato simples.

Não gosto disso, mas é verdade. A última impressão que esta família tem de
mim não foi lisonjeira, e só posso me culpar por isso.
— Olha, eu faria qualquer coisa por Van — diz Theo sério, — sem
perguntas. Tudo o que ele precisa fazer é dizer a palavra.

Eu concordo. Aprendi isso quando os primos de Van visitaram o rancho


naquele verão, eles agiam mais como irmãos ou melhores amigos que por acaso
eram parentes.

— Exceto — continua empurrando o prato para longe, — tratar uma garota


como uma merda por causa de algo que ela fez anos atrás, quando ela claramente
está tentando compensar agora.

Acho que poderia chorar de gratidão só de ouvir outra pessoa reconhecer


meus esforços. Decido beber com gratidão o café com leite que ele fez para
mim. Estou muito desidratada para chorar.

— Bem... obrigada. E peço desculpas antecipadamente pela ira em que você


incorrerá por ser gentil comigo. Nós dois sabemos que Van não ficará feliz com
isso.

— Van pode chupar meu pau — zomba Theo, e se levanta para verificar o
bacon que colocou no forno.

Eu rio disso, mas não por causa do insulto em si, apenas pelo fato de que, até
ele dizer isso, eu quase havia esquecido que estava falando com um Durham.
— Já era tempo, seu idiota!

— Apenas cinco horas atrasado, também. Você teve que voltar para conseguir
Midol24?

Theo e eu caímos na gargalhada, nos revezando para tomar um gole da


garrafa de vodca e falando besteiras na entrada da garagem. A varanda em que
estamos fica ligada ao quarto do tio Gil, então nós nunca a usamos – exceto
exatamente para este propósito, importunar Wes no segundo em que ele chega.

Assim que a porta do passageiro de seu carro alugado se abre, nossos cérebros
ficam em branco.

— Droga, ele realmente trouxe Hurley — sussurro, atrapalhando-me com a


espreguiçadeira. Theo me empurra para dentro.

— Eu disse que eles estão namorando. Por que outro motivo ele a teria
apresentado à tia Billie? Você viu as fotos, cara.

24 Analgésico para cólica menstrual.


— Sim — eu bufo, — na porra do New Set. Dificilmente uma fonte confiável
de informação. — Tanta besteira foi cuspida e espalhada sobre Wes ao longo dos
anos que é mais fácil presumir que cada artigo é uma mentira. — Vou perguntar
a ele qual é o negócio.

Um acesso de tosse me atinge, ainda mais desagradável do que aquele que


me pegou esta manhã, quando Theo me acordou dando um tapa em meu rosto com
um pedaço de bacon. A única razão pela qual ele ainda está vivo é porque ele me
entregou café imediatamente depois.

Enquanto eu tusso um pulmão, Theo permanece parado na porta. — Você


está bem?

— Sim — resmungo. Pego meu inalador e aceno para ele. — Vá cumprimentá-


los. Seja um bom anfitrião. Eu te alcanço lá.

Ele hesita e depois sai. Eu inalo algumas vezes antes de ir para a porta.

Instantaneamente, eu congelo. Theo ainda está aqui.

E ele está abraçando Juniper.

— Não, sério, obrigada — ela sussurra.

Eu me pressiono contra a parede e silencio a tosse em meu peito. Não me


importo se isso me matar, estou definitivamente ouvindo isso.

— Eu me sinto muito melhor. É bom ser tratada... bem. Agradável.

Ela ri, toda borbulhante e radiante, enquanto Theo sorri e se afasta do


abraço. Ele começa a descer enquanto ela acrescenta algo que não consigo
distinguir.

— Não se preocupe com Van — Theo disse calmamente. — Você precisando


de mais, você sabe onde me encontrar.
Que. Porra.

Theo já está lá embaixo quando saio correndo para o corredor.

Juniper pula com o barulho; bati a porta com força suficiente para toda a
vizinhança ouvir.

— Van — ela engasga.

— Por que os olhinhos de veado assustados, Fairy Lights? — Lanço um


sorriso que sei que deve assustá-la ainda mais do que a porta bater.

Talvez até mais do que a forma como agarro seu quadril e a conduzo para a
parede mais próxima.

— Afinal — acrescento, colocando meu rosto no dela, — Theo disse para você
não se preocupar comigo.

— Do que diabos você está falando?

— Estou falando sobre você brincar com meu primo.

O medo que estava em seu rosto desaparece. Tudo o que resta é raiva.

E me chame de louco... mas eu poderia jurar que ela tem tanto quanto eu.

— Só vou dizer isso uma vez, Van, ouça bem. — Suas costas ficam retas,
ombros retos. — Você está errado sobre mim.

Minha risada agita as pontas de seu cabelo.

— Não, eu não estou. Eu sei exatamente o que você é. Você ainda é a garota
que usa os homens como quer. Você dá um tapa naquele sorriso inocente, pega o
que precisa e então você vai embora.

Eu me inclino mais perto, quadris pressionados em seu corpo, braços de cada


lado de sua cabeça. Ela engole. Odeio o quanto eu amo isso. — Mas saiba de uma
coisa, você pode subir por um lado da minha árvore genealógica e explodir pelo
outro, — eu respiro — e você ainda nunca me terá.

Juniper levanta o queixo, encontrando meu olhar. — Então é uma coisa boa
eu não querer você.

Atrás de nós, alguém pigarreia.

Eu empurro da parede. Juniper realiza seu pequeno ato de encolhimento.

Wes levanta as sobrancelhas para nós dois e segura a bagagem nas mãos ao
passar. — Não liguem para mim.

No segundo em que ele se vai, Juniper dispara. Não me preocupo em


descobrir onde. Contanto que não esteja de volta nos braços de Theo, eu não dou a
mínima.

Wes me puxa com uma chave de braço quando entro em seu quarto.

Como minha pressão arterial ainda está muito alta, eu desisto


imediatamente. O fato de estar tossindo ajuda; ele me solta para que eu possa
pegar meu inalador.

Conversamos um pouco, durante o qual fico sabendo que ele está, na verdade,
namorando Clara. Eu não entendo, dadas todas as merdas que ele falou sobre as
gêmeas Hurley por anos, mas nunca entendi completamente o problema dele com
elas em primeiro lugar.

Comparado aos meus problemas com Juniper, todas as suas reclamações


soaram como lamentações mesquinhas de celebridades.

— E este é o seu quarto. — Theo e Clara entram. Pelo que ouvi quando eles
subiram, ele estava dando um tour pela casa. Eu me pergunto quando suas
baterias de bom anfitrião irão se esgotar e nos deixar com o antissocial Theo. A
experiência diz que mais vinte e quatro horas, no máximo.
No segundo que ele está perto o suficiente para socar, tenho que dedicar toda
a minha energia para não fazer isso. Se ele fodeu Juniper ou não – droga, espero
que não – não é da minha conta.

Mas parece que é. E não gosto disso nem um pouco.

— Você é Van Andreas. — Clara fica na frente de Theo e me encara. — Oh,


meu Deus, eu nem percebi!

Eu sorrio e aperto a mão dela, percebendo como Wes agora parece estar
dedicando toda a sua energia para não me socar.

O inferno se eu sei por quê. Clara é fofa, mas daquele jeito de Zooey Deschanel
que eu nunca escolheria, peculiar à beira do estranho. Talvez seja uma coisa
gêmea.

E talvez o ciúme ultrajante seja uma coisa Durham, porque no segundo que
minha mão toca a dela, Wes coloca o braço em volta da cintura dela. Droga, nós
temos problemas.

Nós quatro descemos as escadas. No corredor, eu varro meus olhos em busca


de Juniper, mas não há nenhum sinal dela.

Theo e Wes vão até a adega enquanto Clara fala comigo sobre o YouTube
como se eu conhecesse metade das coisas que ela conhece.

As Hurleys estão em um nível totalmente diferente de mim, para não


mencionar em um gênero totalmente diferente, com milhões de assinantes e altas
visualizações loucas. Não sei as estatísticas exatas, mas sei que ela poderia
monetizar os círculos ao meu redor.

— Não querendo ser rude — digo, depois de pular na piscina e Clara se sentar
na beirada, — mas como você sabe quem eu sou?
Na minha cabeça, posso praticamente ouvir Juniper
dizendo, desde quando você se preocupa em parecer rude?

— Tipo, você anda de skate? — continuo — porque quase nunca sou


reconhecido fora desses círculos.

Desta vez, eu realmente ouço a voz de Juniper na minha cabeça: —


Um skatista que é conhecido em toda a sua indústria..., mas mal se registra no
radar do público em geral.

Clara explica que sua irmã costumava namorar (com gestos de entre aspas)
outro skatista de longboard que era patrocinado pela Spiral na mesma época que
eu. Antes da minha queda em desgraça.

— Nós realmente entramos nisso por um tempo — ela dá de ombros. — Até


teve aulas. Mas éramos horríveis.

Tento ecoar sua risada, mas estou muito ocupado lembrando a sensação das
costas de Juniper quando a empurrei por aquela trilha alguns dias atrás. Seu
pequeno grito quando ela caiu, tão rápido quanto uma pena, no mato.

Como suavemente seus dedos traçaram minhas tatuagens, agora ondulando


para mim sob a água até que nenhum dos meus sobrenomes esteja legível.
O dia fica borrado. Eu bebo mais do que pretendo e me planto em uma boia
quando os amigos de Theo no Hamptons chegam, a maioria com bronzeado fresco
de locais ainda melhores do que este.

Na hora do jantar, tenho uma dor de cabeça rasgando minha cabeça e uma
sensação pior rasgando meu estômago.

— Você planeja oferecer algo para Juni? — Theo pergunta quando coloco
pizza no meu prato.

Culpa, foi isso que tive o dia todo em meu estômago. Agora se foi totalmente.

— Você gosta tanto dela — digo a ele, jogando um prato de papel vazio em
seu peito, — faz você as honras.

Cometo o erro de beber mais depois do jantar, com um só objetivo, pensar em


qualquer coisa que não seja Juniper.

Uma das irmãs de uma das amigas de Theo se enrola nas minhas pernas na
piscina. — Oi, Van — ela ronrona para mim.

Acho que grunhi em resposta. Seduza, Andresco.

Ela molha os lábios, brincando com o cordão do meu short.

— Tenho dezoito anos agora.

— Hã? — Minha mão afasta a dela. Ela ri.

— No ano passado — ela incita, em seguida, revira os olhos como se o meu


olhar vazio e bêbado fosse adorável. — Eu te convidei para subir e você perguntou
quantos anos eu tinha. E quando eu disse que tinha dezessete anos, você me disse:
Desculpe, querida: vou correr muitos riscos idiotas, mas não pego menores de idade.

Isso nem começa a refrescar minha memória. No entanto, eu acredito


nela. Parece algo que eu diria.
— Mas — ela sussurra, afundando os dentes no canto do lábio, — eu tenho
dezoito anos agora.

— Engraçado como o tempo funciona — murmuro, e bebo direto da garrafa


no porta-copos. Não sei quem o colocou lá. Talvez eu. Estou tão bêbado que nem
consigo perceber que é vinho tinto até olhar o rótulo à luz da lua.

A garota toca o alto-falante portátil que alguém jogou em mim antes. Deixei
onde pousou, bem na minha barriga; ela traça as linhas dos botões até chegar ao
meu umbigo e, em seguida, traça a linha do pelo por baixo.

Aprecio a audácia, digo a ela mentalmente, porque minha boca parou de


funcionar, mas inferno de jeito nenhum.

Primeiro: legal ou não, não tenho interesse em uma adolescente. Eu


provavelmente disse a coisa de menor de idade como uma saída fácil, e fui muito
estúpido para perceber que precisaria de outra desculpa em 12 meses.

E segundo... nem um único pedaço de mim a quer, ou qualquer outra pessoa


aqui.

— Feliz aniversário atrasado — consigo dizer, batendo os dentes na garrafa


quando tomo outro gole.

Ela me agradece. — Você quer me ajudar a comemorar?

Meu cérebro perdido arrasta meus olhos para todas as janelas da casa,
procurando pela garota pela qual estou bebendo tanto para tentar esquecer.

Não há vinho suficiente nesta terra.

— Não — digo a ela.

Fazendo beicinho, ela afunda seu peso de volta nas minhas pernas.

Adormeço em algum momento, o que só sei por que acordo na água.


— Que porra é essa — eu cuspo, enquanto a garota e todos os outros no deck
riem coletivamente.

Eu praguejo e arroto água da piscina todo o caminho até as escadas. Ela


continua se desculpando e rindo. Eu continuo ignorando-a.

Eu não estou nem com raiva de ser jogado da minha boia. É lei em
festas. Desmaie em seus sapatos, você tem paus desenhados no rosto. Desmaie
dentro ou em qualquer lugar perto da piscina, e sua bunda vai para a água.

Estou apenas apavorado, só isso. E não consigo descobrir por quê.

— Van!

Cristo, há cerca de cinquenta mil pessoas na sala de estar. Ou dez. Não me


importo. Estão todos gritando para eu relaxar, e eu não estou com vontade. Eu
passo sobre as pernas de todos até chegar às escadas.

Wes e Clara estão em cima, rindo enquanto entram no quarto deles. Nadam
na minha cabeça como a água que eu poderia jurar que ainda sinto em meu peito.

Meu quarto está escuro. As janelas estão cheias de estrelas e do nada escuro
da baía.

— Van?

Eu giro para encarar a porta. Decisão terrível, meu senso de equilíbrio está
no inferno.

As feições de Juniper sangram na escuridão, entrando em foco apenas quando


eu tropeço contra a cama.

— Você está bêbado?

— Muito.
— Você está tendo um ataque de asma?

— Sim — minto, — mas não consigo encontrar meu inalador. É... é por isso
que vim aqui. Eu estava procurando por ele.

Eu estava procurando por você.

— Você fala...

Ela toca meu peito. Meu coração começa a bater ainda mais forte do que no
deck.

—... este inalador? — Ela o levanta. Nós o observamos girar no cordão, ainda
pingando água da piscina.

Juniper abre e pressiona na minha mão. Eu fico olhando para ela enquanto o
uso, em seguida, eu observo em silêncio quando ela o coloca na minha mesa de
cabeceira.

— Aqui. — Sua mão agarra a minha, pressionando outra coisa nela.

Eu a puxo para mim.


DEZESSEIS

A boca de Van bate na minha, mas não é um beijo.

Para começar, falta detalhes técnicos demais para ser chamado assim. Sim,
nossos lábios se encontram, mas fora do centro e rápido demais. Ele está
obviamente bêbado.

E por outro, ele não quer que seja um beijo.

Ele não me quer. Ele apenas acha que Theo quis.

Caímos na cama dele. Minhas mãos deslizam em sua pele quando eu


empurro. Seu peito pode receber minha admiração silenciosa, mas seu abdômen
recebe uma cotovelada acidental quando caio no chão.

— Eu estava na piscina — ele desabafa enquanto encontro o antibiótico que


derramei quando ele me puxou. Está a meio caminho da mesa de cabeceira.

— Sim — eu gemo, me esforçando até chegar lá, — eu imaginei, já que você


está encharcado.
— Não. — Quando eu me levanto, ele ainda está deitado, balançando a cabeça
com muita força e pressionando os punhos nos olhos. — Eu caí. Ou fui virado. Eu...
eu não sei.

Há uma distorção profunda na voz dele.

Não são lágrimas. Não pode ser. Quando nos conhecemos, Van me disse que
não conseguia chorar desde antes da morte de sua mãe.

Algo me diz que os últimos sete anos não mudaram isso.

Mas seja lá o que eu ouça, é a coisa mais próxima de lágrimas que Van
Durham-Andresco tem – então eu observo.

— Você se sentiu como se estivesse se afogando de novo. — Eu sento ao lado


dele. — Isso te assustou.

Acima do baixo da música de alguém lá embaixo, todos rindo e gritando uns


com os outros, eu o ouço engolir em seco.

— Sim.

— Não achei que você se lembrasse disso.

— Nem eu.

Envolvendo seu cotovelo até ele se sentar, pego a outra coisa que trouxe para
ele, queijo ralado. — Aqui. — Coloco ambos em seus dedos enrolados.

— Espere. — Ele agarra meu braço quando me levanto. — Não vá.

— Por quê?

Van pega a pílula. Digo a mim mesma que não vou pesquisar no Google, se é
ou não seguro tomar com álcool, assim que estiver no meu quarto..., mas sei que
vou. Não importa quão cruel Van seja comigo – ou pior, quão rápido ele muda de
civilizado para cruel, eu sinto uma necessidade estranha e irresistível de cuidar
dele.

Talvez até de protegê-lo.

— Não quero ficar sozinho — ele balbucia.

— Então volte para aquela garota com quem você estava nadando.

Não quero dizer isso. Não quero que ele saiba que o vi com ela, ou que me
preocupei com ele depois do nosso encontro no corredor.

Minha única graça salvadora é que eu digo isso de forma neutra, sem um
pingo de ciúme. Eu posso até estar falando sério.

Há muitas garotas lá embaixo que podem consertar a solidão dele. Ele não
precisa de mim.

Ele nunca precisou.

— Você sabia? — murmura, inclinando-se com força contra mim até que eu o
empurro, de forma que ele cai no colchão, — que eu pensei que você fosse, tipo...
encantada de verdade, quando nos conhecemos?

Fico olhando para as portas do armário. Ondas de luz da piscina brincam


sobre elas, hipnotizando-me tanto quanto suas palavras.

— Encantada?

Eu?

Van não responde. Ele já está dormindo.

Tento colocá-lo nos travesseiros, mas ele chuta e resmunga, sem ideia de onde
está ou do que está acontecendo, até que desisto. Eu me contento em rolá-lo para
o lado.
Não importa o quanto eu raciocine comigo mesma que ele ficará bem, não
posso deixá-lo.

Então ele consegue exatamente o que queria, embora ele não quisesse de
verdade: eu fico.

— Ei. Acorde e saia.

A primeira coisa que vejo quando abro os olhos é um céu ofuscante e cheio de
sol, colocando o quarto em foco.

A segunda coisa, o rosto impaciente de Van pairando sobre o meu.

— Você se importa de me dizer o que está fazendo no meu quarto? — Ele


esfrega os olhos com as palmas das mãos e se estica. A visão, combinada com
realmente conseguir tocar seu peito nu na noite passada, derrete meu cérebro.

— Oh. — Eu me levanto e afasto o cabelo do rosto, ainda grogue. — Eu apenas


estava...

— Apenas dormindo na minha cama, esperando um pouco de


diversão? Talvez você devesse latir na árvore de Theo.

A luz do sol ilumina cada partícula de poeira no quarto enquanto ele se move.
Por que de repente me sinto como uma, minúscula, deslocada e presa na
órbita dele?

— Não que eu te culpe nem um pouco por buscar um upgrade, já que eu


poderia te vestir melhor do que aquele idiota.

O olhar que ele lança para mim é tão azul, tão impossivelmente frio, que me
acorda como um mergulho em água gelada. — Mas, como eu te disse, isso não vai
acontecer.

Sim. Deveria tê-lo deixado de costas.

— Você estava bêbado — eu cuspo. — Você tentou me beijar.

— Nos seus sonhos. — Ele puxa uma camisa de sua mochila.

Uma camisa que guardei e lavei. Uma mochila que dei a ele.

Quando ele sai, eu pego a mochila e sacudo tudo dela, por todo o chão. Não
me importo se é imaturo. Pelo menos me impede de chorar.

Por cerca de dez segundos.

Tento chegar ao Transit do lado de fora, mas desabo no segundo patamar da


escada.

— Oh! Desculpe.

Eu viro. Clara Hurley está no primeiro patamar, olhando para mim com um
sorriso inseguro. Mas amigável.

E cara... eu poderia precisar de um amigo, agora.


— E neste canto, chegando um pouco mais cedo do que o esperado, Theo
antissocial, pesando apenas oitenta.

Dou um soco no ombro de Theo enquanto salto o encosto do sofá.

Seus olhos mortos vão da televisão para mim. — Ei.

— Ei. — Pego um controle sobressalente e começo um jogo. — Você dormiu,


tipo... absolutamente?

— Um pouco. — Ele provavelmente está mentindo.

— Tem certeza que não quer um expresso? Já fiz para a casa inteira, mais
um não vai me matar.

— Talvez você devesse oferecer um para Juniper, em vez disso.

Eu cavo meu cotovelo em seu peito, mas não tão forte. Minha raiva é ofuscada
pela pena.

Claro que ele não pode ficar longe dela. Por um lado – olhe para ela.

Acrescente o fato de que ele está desesperado para sentir uma conexão, para
sentir qualquer coisa e... bem. Eu sei como isso vai.
Quando você estiver quebrado o suficiente, você acreditará em qualquer
coisa.

Alguém.

— Você é o novo amigo dela com benefícios — digo a ele. — Tenho certeza de
que ela prefere obter o serviço de quarto de você.

— O que? — Sua testa franze, mas esse é o único sinal de raiva que
recebo. Droga, não é nem divertido discutir com ele quando ele está em seu modo
fechado. — Você é doido pra caralho, cara.

Abandono o jogo e passo a maior parte do dia na piscina, até que um amigo
de Theo me diz que minha garota está perguntando onde estou.

— Minha? — Eu saio tateando da minha boia. — Você fala de Juniper?

Ele encolhe os ombros. — A garota hippie. Eu não sei.

Minha risada se instala no meu estômago. Parece correto.

Eu a encontro do lado da casa, destruindo a área de armazenamento do


Transit.

— Ouvi dizer que você estava procurando por mim.

Ela se vira para me encarar. Seu cabelo está grudado no rosto com suor, e
suas bochechas estão profundamente vermelhas, como se ela tivesse corrido. —
Onde está meu canivete?

— Por quê? Planejando me apunhalar?

— Não é engraçado, Van. Também estou sentindo falta do meu carregador,


uma fronha...
— Uau — eu falo lentamente, girando no meu calcanhar para não entrar
nessa bagunça. — Bem, boa sorte com isso e com seu futuro diagnóstico de
paranoia.

Ela me puxa pela barra da minha camisa. — Por que você é assim?

Opa. Lágrimas.

Não me dou bem com mulheres chorando. Deveria ser classificado como
guerra biológica ou algo assim, porque é muito injusto que eu pudesse cuspir as
observações mais cortantes e convincentes possíveis, mas ser nocauteado por
algumas gotas de água salgada.

Minhas mãos empurram meu cabelo enquanto suspiro. — Eu não peguei suas
coisas, Fairy Lights. Acalme-se.

Do outro lado da garagem, uma porta de carro se abre. É Clara e Wes.

— Venha aqui. — Juniper me agarra pelo pulso e me puxa para o quintal


lateral, fora de vista.

— Ok. — Ela fecha os olhos e respira. — Digamos que você não pegou minhas
coisas.

— Eu não peguei. Todos aqueles podcasts policiais estão bagunçando sua


cabeça.

Seu rosto fica vermelho novamente. — Pelo que sei, você pegou minhas coisas
para fazer exatamente isso.

— Talvez sim — sorrio. — Eu disse que gostaria de torturá-la


psicologicamente até que você me pagasse de volta, não disse?

Eu me aproximo. Ainda mais perto do que no corredor.


— Ou talvez — sussurro, — eu realmente não tenho nenhuma ideia de onde
está sua merda. Porque, ao contrário de você, eu não sou um ladrão.

Juniper me encara, sem piscar, mesmo quando seus olhos nublam com mais
lágrimas.

— Não — ela bufa, — você é apenas um valentão de merda.

Ela passa por mim e volta para o veículo para continuar sua
busca. Permaneço um momento, honestamente chocado demais para perceber que
agora é a fuga que eu queria, acho que é a primeira vez que ela amaldiçoa na minha
frente.

É oficial. Definitivamente, algo está errado comigo, porque acho que gosto.
DEZESSETE

Passa uma semana sem que Van e eu nos cruzemos.

Não é um milagre. É inteiramente orquestrado pela minha mão, calculado


com tanta precisão que ficaria orgulhosa do meu cérebro por alinhar nossos
horários tão perfeitamente... se eu não tivesse tanta vergonha do meu coração por
me importar.

Algumas vezes, tarde da noite, quando ele estava bebendo, ouvi portas se
abrindo no corredor, e alguém sussurrando meu nome.

Ele estava procurando por mim.

Sempre, ele encontrava alguém desmaiado, ou dois enroscados em vez disso,


e murmurava alguma desculpa antes de fechar a porta e continuar para o próximo
quarto.

Ele até checou o quarto de Wes e Clara por duas noites, sussurrando, — Oh,
certo — para si mesmo quando o encontrou vazio.
Clara me deu seu número depois de nossa conversa no patamar daquela
manhã, mas parou de responder minhas mensagens e memes depois que foi
embora.

Não levei isso para o lado pessoal. O boato na casa era que ela e Wes eram
história, então imaginei que ela estivesse cuidando de um coração partido.

Ou amaldiçoando um coração tolo, por deixá-la se apaixonar por um Durham


em primeiro lugar.

Nossa conversa foi sobre isso, o quanto ela e Wes costumavam não gostar um
do outro, até que algo mudou.

Quando perguntei o quê, ela riu baixinho e disse que ainda não sabia.

Parte dela, disse, temia que nada tivesse realmente mudado.

Então, quando ouvi Van procurando por mim na casa, mantive minha boca
fechada e minha luz apagada. Nada era diferente aqui do que no Transit. Ele
ainda me odiava. Ele só tinha álcool nas veias e uma longa e solitária noite pela
frente.

E é exatamente por isso que escolhi a despensa, em vez de me mudar para o


quarto de Clara e Wes assim que Theo me disse que estava vazio. Van não
conseguiu me encontrar aqui; ele não tinha nenhuma razão para verificar atrás
desta porta.

Sim, parecia um desperdício passar o que sem dúvida seria minha única
semana nos Hamptons, enfurnada em uma despensa, mas eu me lembrei de que
não eram férias. Eu estava expiando. Não foi feito para ser bonito ou confortável.

Além disso, a despensa era um nome impróprio. Theo só o chamava assim


porque não tinha um propósito claro, cheio de móveis incompatíveis (incluindo
cama, televisão e cômoda) e os livros de zoologia do pai dele.
Todas as manhãs, Theo me acordava cedo para o café da manhã, antes que
Van acordasse, e nós dois passávamos na ponta dos pés pelo ronco de corpos na
sala para tomar café e comer no deck.

Metade das manhãs ele falava muito; todos os dias trazia uma versão
estranhamente quieta do garoto que eu estava, lentamente, considerando um
amigo.

Mais de uma vez, ele me perguntou por que eu simplesmente não fui embora.

— Sem ofensa — ele disse na metade da semana, — mas acho que você está
louca por fazer esse negócio. Trazê-lo aqui, eu posso entender – você não queria
deixá-lo preso no lago. Mas por que não puxa o traseiro agora, enquanto ainda
pode?

— Além do fato de que agora eu tenho que esperar a caixa de água ser
entregue? — Coloco meu café da manhã no parapeito do deck e opto por café. A
conversa sobre Van matou meu apetite. — Acho que fico pensando nos primeiros
dois dias que viajamos. Eles não foram perfeitos. Longe disso, na verdade. Mas eu
vi esse lado dele, de vez em quando, que apenas...

Pensei que andar de skate na trilha e cozinhar juntos, e em qualquer pequeno


momento entre nós que se parecesse com qualquer coisa remotamente próxima de
amizade. Isso fez meu coração doer, perceber que voltamos ao ponto de partida.

— Talvez as coisas melhorem — acrescento com um encolher de ombros, o


que faz Theo sorrir com essa cara de sua pobre garota burra.

Olhamos para o outro lado da baía e, por um segundo, desejei que ela
inundasse e me arrastasse para o oceano, porque me sentia pobre e idiota. Eu
invejei a descrença de Van no equilíbrio, de algum poder superior retribuindo todos
os nossos atos na mesma moeda.

Quase invejei sua capacidade de não acreditar em nada, nem em ninguém.


— De qualquer maneira, prometi retribuí-lo — digo a Theo, mas estava
dizendo a mim mesma. — Então, se alguém cancelar este negócio, deve ser
ele. Não eu.

Saímos dos Hamptons assim que o tanque de água chega, junto com a peça
que espero consertar o ar-condicionado traseiro. Consegui caçar a única alma por
perto que sabe como instalar os dois, em um estacionamento de trailers perto de
Commack, então eu digo a Van que vamos parar lá primeiro. — Só teremos que
sobreviver sem água da torneira por sessenta minutos. Acha que pode lidar com
isso? — Ele lança um olhar entediado e não responde.

Quando saio da garagem, Theo bate na porta e nos diz para esperar. —
Esqueceu isso — ele diz, e joga o frasco de antibióticos pela janela, no meu colo.

Eu os coloquei na mesa de cabeceira de Van alguns dias atrás, e até engoli


meu orgulho inexistente para deixar um bilhete em seu travesseiro com o
cronograma de dosagem que eu sabia que ele esqueceria.

Cada comprimido ainda está lá.

— Aproveite sua pneumonia — eu rosno, praticamente cravando-os no peito


de Van. — Parei de me preocupar com você.

Ele os pega. Espero pelo comentário cruel que sei que está chegando.
Em vez disso, ele fica em silêncio, abaixa a janela e simplesmente joga o frasco
na grama enquanto saímos.

Na comunidade de vida na van há uma piada que não é realmente uma piada,
conserte uma coisa no seu veículo e outra coisa vai quebrar logo depois disso.

— Tanque de refrigeração rachado — Van anuncia, juntando-se a mim na


beira da estrada.

Saímos do estacionamento do trailer há uns trinta minutos. Os reparos


totalizaram menos do que eu esperava e não demoraram muito.

E então, estupidamente, me permiti acreditar que tudo estava finalmente


funcionando a meu favor.

— Rachado? — repito. Primeiro a caixa d'água, agora isso? Em tempos como


agora, começo a duvidar da existência do carma.

Van me estuda como se eu fosse uma dinamite acesa. Aposto que ele tem
medo de que eu comece a chorar. Eu também. Eloise está desmoronando e acho
que estou prestes a fazer o mesmo.

Entro para me recompor. Também conhecido como, enterrar meu rosto em


um travesseiro para que eu possa chorar em paz.

— Me dê um minuto antes que você surte — ele diz, entrando.

— O que? — Limpo minhas lágrimas no lençol e olho para ele.

Ele está digitando em seu telefone, a determinação de seus dedos traindo a


expressão entediada em seu rosto.

Alguns segundos depois, ele joga o telefone de lado e se estica no chão, as


mãos atrás da cabeça.

— Feito.
— O que foi feito?

— O reboque está a caminho — ele diz de olhos fechados, — para levar este
pedaço de merda a um mecânico, de onde pegaremos um táxi para minha antiga
casa no Brooklyn. Wes acaba de responder que está tranquilo conosco até que o
Transit seja consertado. — Lentamente, ele levanta a cabeça, os olhos fixos nos
meus. — Assim você pode parar o sistema hidráulico.

Respiro fundo algumas vezes e esfrego meu rosto. — Hum... uau. Obrigada.

Van fecha os olhos novamente e encolhe os ombros.

Nossa noite vai bem, mesmo que seja principalmente porque temos Wes como
padrão. Qualquer briga que começamos é rapidamente interrompida por uma
piada ou pigarro dele, e me lembra de não deixar Van me irritar. Use mel, não
vinagre.

Por algum pequeno milagre, parece lembrá-lo de fazer o mesmo.

Pedimos pizza e assistimos a filmes antes de eu dormir. O quarto que Wes


me oferece é uma espécie de estúdio, com uma parede cheia de lindas guitarras,
equipamento de gravação e bateria embaixo da janela.

Passo minha mão com cuidado sobre cada instrumento e penso naquele que
está enterrado na minha bolsa. A coisa mais brilhante que encontrei naquele
Sprinter em ruínas.

A coisa que roubei de Van e ainda não devolvi.

Eu não quis. Quando recolhi qualquer coisa que achei que pudesse ser salva
dos destroços, vi a gaita brilhando em uma poça e a coloquei no bolso, com a total
intenção de dá-la a ele assim que pudesse limpá-la adequadamente.

Porém, algo me parou e ainda não sei o quê.


Eu acho que gosto muito dela. Lembra-me daquele menino que ele era no
rancho – autoproclamado como entorpecido e quebrado, mas capaz de respirar
emoção pura por meio deste instrumento até que sua cadência assombrosa me
dizia exatamente o que ele sentia.

Quando Van tocou sua gaita, eu sabia que ele ainda tinha felicidade e tristeza
e tudo mais. Estava apenas enterrado sob uma máscara que ele não podia deixar
escapar.

Antes de dormir, tiro-a da bolsa e passo a ponta dos dedos pelos buracos e,
em seguida, pela gravura semelhante a um fio em sua capa.

Eu sei que preciso devolver. Não é minha.

E não sou uma ladra.

Mas posso ter este último momento estudando-a a luz da lua, lembrando
aqueles primeiros dias no rancho, e me convencendo de que é apenas um pedaço
de metal. Não guarda minhas memórias de quem Van costumava ser – quem ele
ainda pode ser, no fundo. Elas estão gravadas em meu coração, e eu não poderia
esquecê-las mesmo que tentasse.

Não importa o quanto eu acho que quero.


DEZOITO

Por volta da meia-noite, eu acordo no sofá de Wes. Minha cabeça não para de
repetir toda a merda que ele me deu por fumar de novo... e toda a dor que ele me
deu sobre como tratei Juniper. Não que eu precisasse que ele me dissesse alguma
dessas coisas.

Durante toda a semana, passei o dia fingindo que eram férias normais. Mas
no segundo em que o sol se pusesse, eu começaria a procurar por ela.

Problema, não consegui descobrir onde diabos ela estava.

Apenas Theo parecia ter conhecimento dessa informação, o que me irritou


profundamente. Às vezes eu pegava um vislumbre dela, lavando pratos na cozinha
enquanto eu estava preso em uma piscina flutuante, ou passando por uma janela
quando estava na escada para a costa.

Sempre muito longe para eu chegar até ela a tempo.

— Você estava bêbado. Você tentou me beijar.


— Nos seus sonhos.

Quando minhas memórias apagadas finalmente voltaram, não fiquei nem


chocado ao perceber que ela estava dizendo a verdade.

Van sóbrio já tinha problemas suficientes para se controlar. Van bêbado não
teve chance.

E, mesmo que ela me beijasse espontaneamente, de jeito nenhum ela passaria


a noite na minha cama. Ela teria que ser convidada.

Correção – persuadida. Pedir não seria suficiente.

Algo aconteceu para fazê-la ficar.

Não foi até que eu estava de volta na piscina que me lembrei de ter caído, me
sentindo apavorado e caçando-a. Verifiquei meu próprio quarto primeiro, não
porque sabia que ela me encontraria lá, mas porque, de alguma forma... fazia mais
sentido.

Era onde ela deveria estar.

Lembrei-me do resto como uma série de socos, ela me dando meu inalador,
depois meu antibiótico. O cheiro dela acalmando meu pulso quando nada mais o
faria.

Acordar no meio da noite para encontrá-la lá e ficar tão feliz que apenas
recuei e sorri.

Eu disse a ela que sabia exatamente quem ela era. Ela me disse que eu estava
errado.

Começo a achar que ela está certa.


Se Juniper quisesse me usar, ela já teve muitas oportunidades de fazer
isso. E ela não fez. Na verdade, ela fez exatamente o oposto – me ajudando a torto
e a direito, mesmo quando eu tornei isso quase impossível.

Eu levanto. Bowie, o cachorro de Wes, geme e se joga no sulco quente que


minha bunda deixou no sofá.

Assim que abro a porta do quarto de música e sussurro, — Ei. Você está
acordada? — ela se senta e acena para mim, sem hesitação. Como se esperasse por
mim. — Escute... — passo a mão pelo cabelo e deixo cair na perna, depois coloco
no bolso.

Meus dedos envolvem o canivete para tirá-lo, mas o bom senso me


impede. Talvez seja melhor não brandir uma faca para uma garota no meio da
noite sem nenhum contexto.

Então eu vejo algo na mão dela.

Não é uma faca, mas pode muito bem ser. Parece que ela me estripou e me
apunhalou pelas costas ao mesmo tempo.

— Você roubou minha gaita. — Eu alcanço, mas ela se afasta.

— Eu não roubei — ela sibila. Seus olhos vão para a porta atrás de mim. Oh,
certo. Wes.

Não que eu realmente me importe se o acordarmos. Mas levo um segundo,


apenas um, para controlar meu volume.

Um segundo para o bom senso intervir e dizer: Dê uma chance a ela.

— Então por que você a tem? — Gritar sussurrando é o melhor que posso
fazer, mas bom o suficiente, quando percebe que estou realmente perguntando, ela
relaxa e acena o colchão de ar para mim.
Em vez disso, pego o pufe. Ela está dormindo com seu traje habitual de
camiseta e shorts de algodão, mas não consigo parar de pensar em nossa primeira
noite nos Hamptons. Vê-la de sutiã e calcinha quase me deu um ataque cardíaco
do qual teria ficado feliz de morrer.

Mas estou aqui para dar a ela uma chance e um pedido de desculpas. E nada
mais.

— Eu vi no seu Sprinter e queria limpá-la antes de devolvê-la. — Ela desliza


a gaita para mim como uma joia. — Mas, sim, eu guardei mais tempo do que
pretendia, por que... bem. Tenho boas lembranças dela. — Na luz fraca, eu a vejo
corar. — Acho que roubei — ela diz. — Eu sinto muito.

Eu a pego e a levanto de mão em mão. Assim como meus skates, ela limpou
melhor do que antes.

— Obrigado. Por devolvê-la, sim..., mas por salvá-la também.


Suavemente, eu sopro uma escala e sorrio por ainda soar igual. Graças a
Deus. — Era isso que eu estava tentando salvar.

— Sério? Achei que você ia atrás de seu computador e câmeras. Coisas caras.

Balanço a cabeça. — Sabia que tudo estava perdido. Foi só nisso que consegui
pensar quando cheguei ao lago e vi o Sprinter na água.

Ela passa os braços em volta dos joelhos e aperta o pulso com a mão. — Por
que você não procurou por ela depois que arrastaram o carro, então?

— Estava tão chateado que nem me lembrava — eu rio, soprando ar pelo


nariz.

Juniper se encolhe com um sorriso. — A raiva faz isso, eu acho.

— Sim. Faz você esquecer o que é importante. — Movendo minha mandíbula,


coloco a gaita em meu outro bolso, em seguida, dou um tapinha nele com seu
canivete. — Peguei algo seu enquanto estamos fazendo toda essa coisa de
confissão.

Quando passo para ela, suas costas ficam rígidas.

— Você pegou.

— Por acidente — explico rapidamente. — Usei para tirar um pouco de lama


da sola do meu sapato depois daquela trilha que pegamos, eu me esqueci de colocá-
lo no lugar quando terminei. Devo ter deslizado sob o meu assento ou algo
assim. Acertou meu pé quando você parou hoje.

— Por que você não disse nada quando o encontrou?

— Não sabia se você acreditaria em mim.

Ela morde o lábio e o encara novamente. — Provavelmente eu não teria.

— O que... eu mereço. Dado como eu te tratei.

Diga! Desculpe. Não é difícil.

É difícil. Não sei a razão, mas pedir desculpas sempre foi a coisa mais difícil
para mim. Dói fisicamente, como se todos os meus órgãos internos estivessem
estremecendo em uníssono.

Mamãe costumava dizer que tornaria minha vida cem vezes mais difícil do
que deveria ser se nunca aprendesse a dizer.

— Me desculpe.

— Uma palavra tão simples, Sully. Conserta muito mais do que você pensa
que pode.

Quando digo isso agora, cuspindo como leite azedo, Juniper apenas fica
olhando.
Então ela cobre a boca... e começa a rir.

— Isso realmente doeu em você — ela ri, se controlando quando chuto o


colchão de ar para mudar seu peso. — Cara, eu acabei de testemunhar um evento
único na vida. Van Durham-Andresco acabou de se desculpar com
alguém. Comigo.

— Sim — suspiro, sacudindo minhas pernas, — e agora sinto que nunca mais
farei isso.

— Não fique assim, seu bebezão. — Juniper morde o sorriso e deixa cair o
canivete em sua bagagem. — Desculpas aceitas. Mas antes de deixarmos tudo isso
passar por baixo da ponte, eu quero falar sobre o que aconteceu entre Theo e eu.
Ou seja, nada. — Raiva pisca em seus olhos quando ela se vira para mim. — Não
tenho ideia do por que você acha que dormimos juntos.

— Uh, porque você o abraçou — eu cuspo, a voz aumentando novamente, —


e disse toda aquela merda sobre eu me sinto muito melhor, obrigada, é bom ser
bem tratada, e ele disse, precisando de mais, você sabe onde me encontrar, foda-se
Van, eu acho.

Imitações horríveis, mas meu ponto é muito bem transmitido.

— Eu falava sobre o banho que acabara de tomar.

Minha boca se fecha.

Infelizmente, o trinco está quebrado.

— Bem... e aquela coisa toda de bem tratada? E a porcaria de Precisando de


mais, hein?

Os olhos de Juniper me examinam da cabeça aos pés, como se não pudesse


acreditar que eu sequer me lembro de como respirar sozinho.
— O mais — ela diz, mordendo cada palavra, — se referia ao sabonete líquido
de lavanda que ele me deu.

— Sabonete líquido de lavanda. Certo.

— O qual — ela diz, sussurrando aos gritos para mim, — que ele pegou por
causa da insônia dele, e que pensou que me ajudaria a relaxar, porque ele podia
ver claramente que meu drama com você estava cobrando um preço muito alto.

Meu cérebro não sabe o que processar primeiro, que Theo usa sabonete
líquido de lavanda para a insônia... ou o que eu já sabia – que magoei Juniper com
a forma como agi.

Essa é outra lição que minha mãe tentou tanto transmitir.

A raiva parece muito boa no momento.

Quando acaba, porém, e você precisa inspecionar sua destruição? Ela para de
ser tão boa.

No meu silêncio semi-atordoado, ela se recosta, as palmas das mãos


espalmadas no colchão atrás dela. — Quanto a ele me tratar bem, eu disse isso
literalmente, não como uma... insinuação. Theo foi amigável comigo, sim, mas foi
só isso. Amizade.

Antes que eu possa pegar e separar isso, Juniper funga.

Droga.

— Esta semana foi muito difícil, Van. Eu precisava de um amigo.

Ela pisca e mede sua respiração. — Um Durham que... não me


odiava. Qualquer um que não me odiasse, de verdade.

Fecho meus olhos. Essa verdade vai doer mais do que o pedido de desculpas,
porque eu não apenas menti para ela sobre isso. Eu menti para mim mesmo.
— Eu não te odeio — sussurro.

Quando abro meus olhos, ela está olhando para mim como se nem me
reconhecesse.

Mas ela está aliviada. A dor que estava lá antes – que eu coloquei lá – se foi,
e isso faz algo em me doer um pouco menos também.

Honestamente, não sei como me sinto sobre Juniper Summers.

Sei que às vezes ela me deixa louco e que a acho irritantemente atraente por
causa disso e apesar disso.

Sei que já comecei a perdoá-la pelo que ela fez com meu carro e meus
pertences, mas ainda não a perdoei por tudo que ela fez antes. Não sei se
posso. Não é por falta de tentativa da parte dela. Apenas outra coisa quebrada
sobre mim.

— E também sinto muito por isso — acrescento. Este pedido de desculpas dói
menos. Talvez a prática leve à perfeição. — Supor que você e Theo estivessem...
você sabe.

— Lamento ter assumido que você roubou minhas coisas.

— O veredito ainda não abrange a fronha e o carregador — aponto, e ela sorri,


parecendo envergonhada. Eu também estou.

Escolhi algumas brigas mesquinhas com ela durante esta viagem,


transformando tudo em uma batalha que simplesmente não vale o
rescaldo. Mesmo quando ganho, sinto que perco.

Mas agora, quando ambos levantamos nossas bandeiras brancas?

É estranho..., mas finalmente parece uma verdadeira vitória.


Ficamos até a hora do jantar no dia seguinte, quando ela recebe a ligação de
que o Transit está pronto para rodar (ou pelo menos, é permitido rodar) mais uma
vez. Ela dirige até sairmos de Nova York, agora com o objetivo de ir para o
Colorado e quaisquer trilhas decentes que encontrarmos ao longo do caminho.

— Trocar? — ela boceja quando paramos para abastecer. — Estou cansada.

— Certo.

Cinco minutos depois, vejo as luzes acesas no retrovisor. — Ei, você disse que
precisava dormir.

— Não — ela grita, — eu disse que estava cansada. — Ela balança o livro nas
mãos e chuta os sapatos, sorrindo. — Cansada de dirigir.

— Armou para mim — cacarejo, sorrindo quando ela ri.

Se é estar de volta na estrada ou nossa conversa na casa de Wes ontem à


noite, eu não sei. Eu meio que não me importo.

É muito bom que as coisas estejam... bem. Legal.


Antes de adormecer, estava, ironicamente, lendo um livro sobre simbolismo
dos sonhos, e não muito bom.

Além do fato de que se contradiz constantemente, não faz muito sentido


prático e parece um livro de autoajuda barato... não tem como decifrar o sonho que
tenho esta noite. Um que não tenho há anos.

Nele, estou à mesa de jantar. Mamãe me passa um prato com manteiga e


pergunta como foram minhas aulas.

Digo a ela que costurei um vestido novo e coloquei uma régua nas mãos
porque a bainha era muito curta. — O instrutor não acreditou em mim que não foi
feito de propósito.

— Você precisa ter cuidado, Jessie — mamãe suspira.

Eu fico olhando para ela. — Juni.

De repente, outra cadeira aparece na minha frente. Um homem com cabelo


até o pescoço e barba cheia, mas sem rosto de verdade, está sentado.

Ele pega o terceiro prato de comida que mamãe sempre prepara para
ninguém comer, que devo jogar na lata de compostagem depois do jantar.
— Você não pode comer isso — digo a ele. Ele usa meu garfo para comê-lo, de
qualquer maneira.

— É seu trabalho alimentá-lo agora — mamãe diz entorpecida. Ela enxuga a


boca com os bons guardanapos de linho destinados à companhia, limpa a louça e
desaparece.

— Mãe — chamo, mas não consigo me levantar da cadeira para segui-la.

— Mãe, não me deixe com ele.

— Ela está fazendo o que é esperado. — O homem põe a mão na minha.

Minha outra mão está na faca de manteiga. Eu quero agarrar. Quero usá-la
para machucá-lo. Meus dedos se recusam a se mover.

— Seria melhor se você também fizesse — ele diz.

Mais mãos aparecem e me colocam no vestido que costurei, e fui punida por
costurar, poucas horas atrás. A bainha foi encurtada ainda mais por outra pessoa.

Na minha cabeça, eles colocam um véu.

Eu acordo lentamente, não com um sobressalto. Meu coração ainda bate forte,
quando abro os olhos e encontro luzes nebulosas e oscilantes acima.

Onde estou?

Como eu costumava fazer – como não preciso fazer há anos – dou tapinhas
na cama ao meu redor.

Viro minha cabeça e procuro por ele.

Até mesmo a visão de seus ombros me acalma. Por um longo momento,


simplesmente o observo dirigir.

O sonho não é real. Isto é.


— Ei — ele diz suavemente, assustado quando eu apareço ao seu lado.

Estou arrastando o edredom em volta dos ombros; ele me ajuda a puxar o


tecido para mais perto para que eu possa sentar. Em vez do banco do passageiro,
escolho o corredor.

— Eu tive um sonho.

Ele estala a língua. — Pesadelo?

— Não sei. — Não me assustou enquanto aconteceu, mas assusta agora. Foi
o conteúdo, ou o fato de que sonhei com esse lugar absolutamente?

Não... é que mamãe se recusou a me chamar de Juni. Como se ela tivesse


esquecido quem eu realmente era.

— Jescha.

Van me lança um olhar, seu rosto brilhando em laranja à direita do rádio, e


branco pelas luzes das cordas ainda zumbindo na parte de trás do Transit. — Hã?

Meus dedos escavam a gosma dos meus olhos. Eu largo o cobertor dos meus
ombros, em seguida, alcanço seu refrigerante no porta-copos logo acima do meu
rosto.

— Meu nome de nascimento não era Juniper. — As bolhas descem pela minha
garganta. — Era Jescha.

Ele está quieto. O rádio fica estático, uma zona morta entre a última estação
e o que quer que venha a seguir.

— Mostre-me o seu — sussurro, pressionando o metal frio da lata de


refrigerante no meu lábio inferior, — eu mostro o meu.
— Olho por olho — ele diz, sua exalação se transformando em um assobio
enquanto pensa. Não dei a ele o que ele pediu, a história completa do por que eu
fugi. Mas dei a ele o que pude: uma parte.

Agora ele tem que decidir qual parte de sua história me contará.

— Papai estava emprestando para você algumas roupas velhas da minha mãe
até que pudéssemos levá-la às compras, e você perguntou o que aconteceu com
ela. Ele te contou sobre o aneurisma cerebral. Que foi repentino.

Van pega o refrigerante que não está lá. Eu o levanto lentamente, até que ele
possa agarrá-lo. Ele toma um longo gole e o devolve.

— Você disse que era horrível, não receber nenhum aviso. Mas papai disse
não, a pior parte para ele foi saber que eu estava lá quando aconteceu. Você se
lembra disso?

Mesmo com as luzes, a escuridão parece quase densa demais para acenar.

Eu lembro perfeitamente. Só não sabia que ele estava ouvindo.

Talvez eu devesse ter adivinhado, no entanto. Van estava sempre por


perto. Sempre perto de mim.

— Eu não estava lá com ela — ele diz, e aponta seus lábios quando ele força
uma risada. Provavelmente para não ouvir como ele engole depois. — Eu fiquei
bravo com ela sobre algo e saí — sussurra. — Ela estava sozinha quando morreu.

Meus membros parecem um bezerro novo em sua primeira rajada de ar


primaveril. Quando tento sentar no banco do passageiro, a tarefa de repente
parece impossível. Eu fico onde estou.

Seu cotovelo roça o topo da minha cabeça enquanto ele pega o rádio e desliga,
a estática silenciada.

— Pronto — ele diz. — Estamos quites.


Eu concordo. — Equilíbrio.

Ele dirige. Eu fico acordada e me sento com ele.

Pelo para-brisa acima, eu observo as estrelas.

Eventualmente, eu percebo que elas são apenas o reflexo das luzes atrás de
nós.
DEZENOVE

De manhã, pulo minha postagem usual no Instagram para editar o vídeo de


Van em Ohio, mostrando a ele os resultados durante o café da manhã.

— Boa edição.

— Esse elogio parece ter matado você. — Sorrindo, puxo o laptop para mim
na cama. Ele está deitado de lado, mastigando sonolentamente um hashbrown
patty25, enquanto estou de pernas cruzadas perto dos travesseiros.

Tudo o que consigo pensar é nele subindo na minha cama no rancho, e sua
silhueta contra a minha porta.

— Volte a dormir, Juniper. Você está bem.

— Terra para Fairy Lights. — Van estala os dedos entre a tela do laptop e
meu rosto. Quando pisco e olho para ele, ele puxa o guia do símbolo dos sonhos

25 Hash browns, também chamados de hashed browns, são um prato popular de café da manhã americano,
consistindo em batatas finamente picadas que foram fritas até dourar.
debaixo do meu pé. — Eu perguntei — ele enfatiza, — isso é bom? Vi você lendo
ontem à noite.

— Oh. — Eu sacudo a memória. E daí se nós estamos juntos na cama de


novo? Espaço é limitado; é uma questão de conveniência. Significa ainda menos
agora do que nos Hamptons.

Então por que seu batimento cardíaco está ficando louco?

Enquanto Van abre o livro com o braço estendido sobre sua cabeça, eu conto
a ele minhas queixas, como tudo significa algo, e nada significa o que você pensa
que significa.

— O que é estúpido. Eu tenho sonhos em que estou postando no Instagram


ou dirigindo porque, tipo... isso é o que eu faço durante o dia. É o que meu cérebro
tem que trabalhar. Mas livros como esses insistem que há um profundo significado
psicológico por trás disso.

— Sim — ele suspira, — é irritante quando algum especialista


autoproclamado analisa tudo sobre você, hein?

Estico minha perna para chutá-lo. Ele pega meu pé com a mão tão facilmente
quanto agarrar uma bola de beisebol com uma luva.

— Ouça isso — ele diz, virando de bruços. — Sonhar que você tem uma
tatuagem significa que você quer algo que o diferencie de todos os outros. Pode ser
um sinal de que você pensa que é melhor do que aqueles ao seu redor e sente a
necessidade de mostrar isso externamente.

— Eu vou comprar isso, Sr. Arrogância.

Ele aperta meu pé até sentir cãibras. Eu o puxo de volta.

— No entanto — ele continua em voz alta, — também pode ser um aviso.


Talvez um evento ocorrendo em suas horas de vigília que você considerou
passageiro ou insignificante vai realmente deixar uma marca permanente em você,
de maneiras que você não pode prever.

— Viu o que eu quero dizer? Tipo, e se você apenas sonhar com tatuagens
porque, não sei... você quer mais, ou acabou de fazer uma, ou porque você passa
por um estúdio de tatuagem aleatoriamente? É tão idiota.

— Então por que você está lendo isso?

— Achei em um banco e pensei que seria interessante. Tudo o que fez foi me
deixar com raiva pelo desperdício de árvores.

Ele se senta. — Eu achei que você seria uma especialista em interpretação


de sonhos. Mas também imaginei que você fosse uma portadora de cristal, leitora
de aura...

— Entendi. — Eu aceno com a risada dele, que aumenta quando pego meu
colar de quartzo rosa em uma prateleira. — Coisas alternativas são interessantes
de estudar, mas eu só acredito quando faz sentido para mim. O simbolismo dos
sonhos, não.

— Mas alguma régua gigante e invisível no universo, sim?

— Sim.

Imediatamente, sinto uma corrente entre nós e sei que ambos estamos
pensando na noite passada. Ainda temos que falar sobre nossa pequena troca de
confissão. Não consigo decidir se quero ou não.

— Veja — ele diz, balançando as pernas de modo que seus calcanhares batem
no depósito debaixo da cama, — minha mãe era católica, e eu sempre ouvi que você
era punido por coisas ruins que fez e que precisava expiar..., mas nem uma vez
alguém me disse que você seria recompensado pelas boas ações que fez. Espera-se
que você as faça aconteça o que acontecer. Talvez seja por isso que estou tendo
problemas para acreditar em sua pequena teoria.
— Eu ficaria mais chocada se você acreditasse, na verdade. Não parece seu
estilo. — Saio da cama para recolher o lixo do café da manhã. Na verdade, é porque
sei que meu pulso não diminuirá até que nos separemos. — Mas sim, me
ensinaram a mesma coisa.

— Você também foi criada como católica?

— Não. — Tento pensar em uma maneira de elaborar. O que me ensinaram?

No final, decido encobrir isso e seguir em frente.

— De qualquer forma, nunca fez sentido para mim que não funcionasse nos
dois sentidos. Porque não basta não ser mau. Pessoas fazem isso o tempo
todo. Apenas flutuam pela vida, totalmente isolados, cuidando da própria vida –
mas nunca percebendo a pessoa ao lado deles. Nunca ajudando outra pessoa. É
fácil não ser ruim. Ser ativamente bom, intencionalmente gentil... isso é muito
mais difícil. Portanto, devemos ser recompensados por isso.

Eu amarro a sacola de fast food e jogo no lixo.

— Mesmo que a única recompensa que recebamos — concluo, — é que nos


sentimos bem por sermos bons.

— Ah, veja: é por isso que eles não incluem um sistema de recompensa.
Orgulho. — Van cai contra a cama novamente. — Um dos sete pecados
capitais. Também há gula, luxúria, ira... toda a merda divertida da vida,
realmente.

Eu aceno enquanto ele fala, apenas parcialmente ciente disso.

— Você esqueceu avareza — acrescento. — Ganância.

Quando ele me encara, me recuso a erguer os olhos.


— Acedia: preguiça. — Minha garganta está tão seca quanto estava ontem à
noite quando peguei seu refrigerante, então pego o café que sobrou do balcão e bebo
antes de terminar. — Vangloria. Vaidade, que ostenta.

Ele franze a testa. — Tem certeza de que não foi criada como católica?

— Minha casa era apenas... rígida.

— Eu deveria dizer que merda, se você precisasse aprender latim para tudo.
—Ele se levanta e me segue até a frente, aparentemente renunciando a sua soneca
matinal para me fazer companhia. Eu não discuto, mesmo que seja óbvio que ele
precisa dormir. — É por isso que você fugiu?

Minha risada parece abrir meu peito por dentro. — Com certeza.

Van revira os olhos, percebendo novamente que essa não é toda a história. Só
mais uma parte.

Cerca de dois minutos na estrada, ele se senta e diz: — Oh, minha vez.

— Sim. Mostrei o meu.

Ele se acomoda contra a porta e bate o pé. — Vamos ver, uh... bem, uma vez,
eu dei um soco no valentão da minha infância, bem no pau dele.

— Ufa — eu rio.

— Sim. E em vez de ser parabenizado por enfrentá-lo – que foi o conselho do


meu velho, a propósito; ele não me disse como fazer, apenas que eu deveria fazer
– fui punido. Como se não bastasse o garoto me chutou nas bolas com o dobro da
força que eu soquei nele, fui suspenso por uma semana. E em casa? Meus pais me
fizeram ficar no canto da nossa sala por tipo, uma hora, com meus braços
estendidos, segurando uma Bíblia em uma das mãos e a lista telefônica na outra.

— Hum... eu posso entender a Bíblia, eu acho, mas por que a lista telefônica?
— Mamãe não conseguiu encontrar outra Bíblia.

Eu rio de novo. É uma sensação incrível pegar o peso de minhas confissões e


transformá-las em fumaça.

— Papai me prometeu que se eu enfrentasse o valentão, as coisas


melhorariam. Mas então eu finalmente consegui, e tudo o que vi foi a merda
piorando. — Van esfrega os dentes no lábio enquanto pega meu iPod do porta-
luvas, pega o cabo auxiliar no chão e o conecta. Em segundos, o podcast policial sai
dos alto-falantes, exatamente de onde paramos. — Aprendi uma boa lição naquele
dia.

— Não confiar em promessas — digo baixinho, mas Van balança a cabeça.

— Esses valentões sempre jogam para vencer. — Ele encara a tela do iPod
como uma fotografia que ele esqueceu que existia, mas ainda memorizou. — E
quanto mais você os machuca, mais forte eles te machucam de volta.
VINTE

— Conseguiu algumas boas fotos?

Tento domar o sarcasmo quando Juniper volta de seu passeio pelo


estacionamento, mas é difícil. Estamos estacionados em um Wal-Mart, em alguma
zona rural morta, e não importa quantas vezes ela repita aquela besteira sobre a
natureza encontrando seu caminho, exterior feio abrigando pequenas joias de
beleza, eu simplesmente não consigo ver.

— Sim. — Ela se senta ao meu lado e folheia o rolo da câmera. De alguma


forma, ela conseguiu o último momento do pôr do sol sem nenhuma evidência de
que foi tirado do estacionamento de um mamute comercial.

— Seus seguidores realmente amam o pôr do sol e o nascer do sol, hein?

— Esse é só para mim — ela diz, — mas sim, na verdade. E fotos do Transit,
da comida que como, dos produtos que uso... é isso que os blogueiros de estilo de
vida fazem. Publicam fotos da vida deles.

— Só as coisas bonitas, no entanto.


— Nem sempre. Também mostro os pontos negativos de viajar, como quando
o motor quebra ou um pneu esvazia. Ou quando meu aquecedor solar de água
quebrou. O que, como você sabe, ainda não mudou.

Distraidamente, eu a vejo abrir o Instagram. A transformação do meu perfil


está bem encaminhada e ainda não dei uma olhada na maldita coisa. Juniper faz
isso com muito esforço e rapidez, e deixei que ela cuidasse de tudo por enquanto.

— Vou postar sua corrida desta manhã no YouTube antes de dormir, — ela
diz — depois uma prévia no story do Instagram e uma captura do perfil real. — Ela
joga o telefone em cima da cama. — Precisamos colocar você no TikTok logo, no
entanto.

— Vou entrar no TikTok quando você subir em um skate. — Eu cutuco a


queimadura de sol que ela adquiriu anteriormente, quando encontramos uma
trilha em um parque local. Passamos horas lá. Eu, andando de skate; ela, filmando
cada movimento meu.

— Ambas as coisas beneficiam você, não a mim.

— Discordo. Você adoraria andar. — Eu me levanto, pego o skate que ela


mais gosta e entrego a ela, em seguida, coloco meu capacete na cabeça dela. — É
libertador. A maior euforia que você já teve.

Olhando ao redor, ela sorri, — Em um estacionamento?

— Deve começar pequeno. Eu não deveria ter deixado você tentar uma trilha,
primeiro. Muito intimidante.

Enquanto ela pisa, os joelhos tremendo um pouco, ela pergunta: — Até para
você?

— Eu tenho uma rara mutação genética que não me deixa mais sentir
medo. Não o suficiente para ditar minhas decisões.
— Deve ser legal.

— Você acharia. — Eu pego as mãos dela e a puxo ao longo das linhas


desbotadas do estacionamento enquanto ela encontra o equilíbrio. — O medo é
útil, no entanto. É nosso instinto mais importante, ser capaz de saber o que é
perigoso e o que não é.

— Nesse caso — ela diz quando cambaleia, — eu deveria sair dessa coisa,
porque meu instinto diz que vou cair.

— Eu não vou deixar você cair, Fairy Lights. Pare de olhar para seus pés,
olhe para o horizonte. Preste atenção para onde você está indo, não o que está
fazendo.

— É impossível. Há tipo, uma centena de coisinhas para fazer de uma vez,


apenas para ficar de pé.

— Exatamente. E você não pode pensar muito bem em todas as centenas de


coisas ao mesmo tempo.

Com a mão não agarrando seu cotovelo, levanto seu queixo. Ela engole e
arrasta os olhos para cima. Primeiro no meu rosto, depois na distância.

— Então se concentre em onde você está indo — digo a ela. — Nada


mais. Todas as pequenas coisas se encaixarão se você fizer isso.

Enquanto ela se firma, eu afrouxo meu aperto em seu braço, mas não a
solto. — É isso aí. Agora coloque um pouco de terreno embaixo de você. Mude seu
peso para este pé e use o outro para empurrar.

— Então, estou praticamente me equilibrando em um pé só?

— Quando você está tentando ganhar velocidade, sim.


— Oh, mais ou menos como a postura da árvore26. Ok... ok, eu posso fazer
isso.

— Não é nada — digo sério — como a postura da árvore.

Os termos do Yoga devem ajudar, entretanto, porque ela lida com o skate com
mais confiança depois disso. Eu digo a ela para tentar andar do meio-fio a alguns
metros de distância, até a parte de trás do Transit.

— Sozinha?

— Sozinha. — Sentado no meio do caminho contra o para-choque, cruzo os


braços, cruzo um tornozelo sobre o outro e aceno para ela. — Vá.

— Se eu fizer isso — ela grita enquanto se afasta com o skate em ambas as


mãos como uma lenha, —você tem que fazer Yoga comigo pelo menos uma vez,
antes de chegarmos ao Colorado.

— Por quê?

— Controle de raiva.

Minha risada é muito baixa. Acrobacias em câmera lenta e pequenos


alongamentos podem mantê-la calma, mas tenho certeza de que sua raiva
raramente fica mais quente do que a chama de uma vela. Tente jogar um dedal de
água em um prédio totalmente engolfado, isso é tudo que a Yoga pode fazer por
mim.

— Você se esqueceu de me ensinar uma coisa — ela grita.

26 A Postura da Árvore é uma das mais tradicionais na yoga. É a postura clássica em que o praticante
permanece em pé, apoiado em apenas um dos pés. É, portanto, considerada uma posição de equilíbrio e
fortalecimento muscular. Esse nome deve-se ao fato de que a pessoa que está nessa posição eleva o corpo em
direção ao sol. Assim também faz a árvore, presa ao chão por suas raízes sólidas, mas elevada em busca da luz do
sol e da nutrição que ela proporciona.
— Sim? O que?

— Como parar. — Ela deixa escapar isso antes de pousar diretamente em


mim, o skate rolando sob o Transit quando eu agarro seus quadris.

Nós rimos. Ela está sem fôlego por causa do passeio. Estou sem fôlego por
causa dela.

Quando ela se acalma, eu faço o mesmo. Seus olhos traçam minha boca.

— Boa pegada — ela exala.

— Bom passeio. Você já se sente como um deus?

— Ainda humana, infelizmente. — Suas mãos seguram meu peito enquanto


ela empurra, voltando a se equilibrar. Eu mantenho minhas mãos em seus quadris
apenas um segundo a mais do que o necessário.

— Eu senti uma diminuta agitação, no entanto — ela diz enquanto rasteja


sob o para-choque para agarrar o skate. Eu fico olhando para a bunda dela e ouço,
mais uma vez, o conselho de papai para parar de pensar com meu pau.

Infelizmente, não sei se meu cérebro é um substituto decente.

Não estou apenas imaginando transar com ela. Pelo menos isso poderia ser
atribuído ao seu corpo extremamente fodível e bons cálculos – proporções e partes
do corpo que meus instintos de homem das cavernas sabem que se encaixam
perfeitamente com os meus.

Não... o que estou imaginando é muito, muito mais perigoso.

Meus lábios querem a parte inferior de suas costas pressionada contra eles.

Minha pele quer um contato infinito com a dela, até que nosso suor se misture
e o cão de caça mais afiado do mundo não consiga nos diferenciar.
O mais estranho de tudo, meus braços querem segurá-la depois que
terminarmos – depois de eu ter tirado tanto de seu corpo, que tudo o que ela tem
para me dar é sua alma.

Quando ela levanta e coloca o skate em seu compartimento, vejo como sua
camisa subiu e seu short desceu, deixando-me afogar no espaço entre eles. Eu me
pergunto como os nós de sua coluna ficariam arqueando-se em um colchão.

— Agitação? — repito.

— Sim. Você estava certo, é libertador. Eu vejo porque você gosta tanto.
— Ela me cutuca para que possa fechar as portas. As pontas dos dedos dela no
meu peito podem muito bem ser uma seringa Pulp Fiction.

— Embora eu não dissesse que é a maior agitação...

Eu também não.

Não depois de ter você.

— ..., mas acho que é porque eu estava em um estacionamento, tipo, a três


quilômetros por hora. — A luz morrendo faz seu rosto brilhar quando ela se vira
para me encarar. — Obrigada por me obrigar a fazer isso. Não se esqueça do nosso
acordo, no entanto. Você me deve uma tentativa realmente boa e honesta de Yoga.

Piscando, encontro minha voz e digo a ela que certamente, é claro.

O que ela disser.

Ok, novas regras. Não mais cheirá-la. Não me importo se o chão ou a cadeira
de rede matam minhas costas, não entrarei na cama dela novamente.

Chega de me masturbar no banheiro quando ela sai para seus pequenos


passeios ao pôr do sol. Aconteceu três vezes em dois dias. Disse a mim mesmo que
era útil tirar os impulsos do meu sistema, mas agora sei que só piorou as coisas.
E, o mais importante, não mais tocá-la.

Não gosto de sentir um choque cada vez que isso acontece. Como se fosse
Juniper uma tomada de parede ajustada para dar o máximo de choque e eu ainda
ficasse feliz em enfiar meus dedos lá dentro.

Deus, eu adoraria enfiar meus dedos dentro.

Ok, mais uma regra, seja mais cuidadoso com a maneira como você expressa
merda.
Desta vez, meu sonho não tem um grama de simbolismo.

Tenho certeza de que o livro de interpretação diria o contrário, mas, pelo que
posso dizer, é cem por cento sexual.

E está cem por cento focado em Van.

Estamos na minha cama. O peso do corpo dele pressiona o meu


profundamente no colchão.

O prazer me engole em ondas enquanto ele se move dentro de mim.

— Estou tão... aliviada, eu acho. — Com a lentidão subaquática dos sonhos,


meus dedos traçam as crateras de sua tatuagem lunar.

As luzes oscilam atrás dele. — Eu pensei que você queria me destruir.

Os quadris de Van se movem com mais força, seu rosto como pedra. Cada
músculo corta as sombras. A pressão aumenta dentro de mim até quase chorar.

Sua boca repousa na minha orelha. — Quem disse que não?

Acordo antes que o sonho, ou meu eu onírico, possa terminar.


— Ei. — Van sobe pelo corredor na frente e apoia um braço contra a porta do
banheiro, o outro esticado até os armários da cozinha. Eu achava que o Transit era
bem grande, até que vi como ele o enchia com facilidade. — Você está bem?

Dou um tapinha na cama ao meu redor. É a primeira vez que preciso me


assegurar de que estou realmente acordada depois de um bom sonho.

Foi um sonho bom?

— Você estava se revirando como uma louca no retrovisor, então eu parei.


— Ele se move como se fosse se sentar na beira da cama, mas escolhe o chão.

— Por quê?

— Para ter certeza de que você estava bem, eu acho.

Espero que meu sorriso não pareça tão triste quanto parece. — Um sonho não
pode me machucar. Mas obrigada.

Ele balança a cabeça, correndo a língua pela bochecha e mexendo no depósito


debaixo da cama que não fecha completamente. Há mais coisas que ele não está
dizendo; eu sinto isso desde que fizemos as malas e trocamos de motorista durante
a noite.

— O sol está nascendo — diz ele, após um longo silêncio. Nós dois olhamos
pela janela no primeiro trecho do amanhecer, sem cor e escuro. — Você quer ir a
algum lugar bonito, tirar fotos?

— Não. Mas podíamos andar de skate.

Sua risada, enraizada no fundo de seu peito, ecoa até mim como uma canção
que nunca esqueci.
Muito para minhas novas regras. Essa foi uma batalha perdida no segundo
em que ela começou a se contorcer no colchão enquanto eu voava pela
interestadual.

Provavelmente um pesadelo, eu disse a mim mesmo, e observei o retrovisor


como um falcão.

Não... como o cachorro acordando dentro de mim novamente, sete anos mais
velho e espumando pela boca só para saber que Juniper Summers estava ao nosso
alcance. Pena que alguém não conseguiu carregar um rifle e acabar com o
sofrimento daquele filhote.

Desculpe, garoto. Não podemos tê-la.

Ela não quer nenhum de nós.

Quando estacionei e desliguei a ignição para ir acordá-la, ela gemeu.

E assim que o cachorro ouviu isso? Corrente, preso.

Não havia como encurralá-lo de volta onde ele pertencia, porque agora ele
estava enredado com o resto de mim. Foda-se as novas regras.
Meu pau pressionou contra o meu zíper, mas isso não era nada comparado
com o que acontecia no meu peito. A força do hábito me fez pescar meu inalador. A
cada explosão, eu sabia que não era a asma trabalhando.

Não era apenas tesão. Deus, eu gostaria que fosse. Teria sido tão fácil lidar
com isso – voltar para lá, montá-la como o animal que eu era agora e fodê-la até
que os sentimentos passassem.

Mas isso...

Destravei meu banco e girei, ficando de pé com uma coisa em mente, segurá-
la.

Eu queria invadir seu sonho. Se ela não estava pensando em mim naquela
bagunçada cabeça encantada, ela estava prestes a pensar.

Exceto que ela não é encantada.

Apenas confusa. Talvez até mais do que eu. Acho que descobriria, quando eu
finalmente conseguisse todas as peças da história dela.

Por um segundo, eu apenas abaixei minha cabeça e suspirei. Maldito seja


meu bom senso. A vida era muito mais fácil quando eu não o usava.

Antes que eu pudesse mudar de ideia, eu a acordei.

Agora, enquanto ela pega o telefone para encontrar algumas trilhas, digo a
mim mesmo que fiz a escolha certa ao não subir naquela cama.

O problema é que não parece certo. Nem um pouco.


Não há trilhas para mountain bike ou skate nas proximidades, e o terreno ao
nosso redor é plano. — Bom o suficiente — Van declara, quando encontramos um
parque com algumas rampas de skate.

— Seus skates ficarão bem no concreto?

— Não é tão divertido — ele diz, abrindo a traseira e me passando o


equipamento, — mas sim, você pode usar skates longboard em parques de skate
regulares. É o contrário que você não quer tentar. Confie em mim.

— Experiência pessoal, eu suponho.

Em resposta, ele levanta o short para me mostrar uma série de


cicatrizes. Parece que alguém espalhou unhas escaldantes na parte de trás de sua
coxa.

— Muito pessoal — ele diz. — Isso vai até a minha bunda.

Minha risada o faz sorrir.

Seu sorriso faz meu coração disparar.


Com apenas um capacete, nós nos revezamos. O arranjo é mais do que bom
para mim, não só estou com medo de tentar qualquer coisa além da rampa infantil,
também gosto muito de assistir Van.

Ainda não o vi andar de skate sem uma câmera de algum tipo em minhas
mãos. É completamente diferente, não ter que se preocupar com ângulos e clarões
ou chegar ao fundo das trilhas a tempo.

Não estou pensando em como ele será para o resto do mundo. Exatamente
como ele é para mim.

Ele se move tão graciosamente, tão impossivelmente seguro de si neste lugar


que nunca esteve que você pensaria que ele derramou cada centímetro deste
concreto com a mão. Até mesmo os movimentos rápidos de seus membros, decisões
de último segundo, quando ele tem menos de um segundo para tomá-las, parecem
calculados anos antes do tempo.

Sento-me de pernas cruzadas na borda do poço maior e grito, quase rindo,


quando de repente ele se lança sobre mim, para cima de um lado e para baixo do
outro em um U de cabeça para baixo. Ele chega tão perto que sinto a brisa cada
centímetro da minha pele.

— Relaxe, eu não esmagaria você — ele grita enquanto desliza em círculos


abaixo. Quando ele se vira para me encarar, acrescenta: — Não gostaria de ver
sangue no meu skate favorito.

— Parece que ele já teve o suficiente do seu sangue.

— Só por isso — ele diz, soltando-se e virando o skate em suas mãos, — não
vou segurar você firme na rampa infantil da próxima vez.

— Tenho certeza que posso administrar.


Van sorri para mim enquanto se aproxima. Estou convencida de que é a luz
do sol rosada suavizando as características e deixando brilhantes seus olhos azuis,
porque nunca o vi olhar para mim assim.

Sim, você viu.

Quando Van ainda era meu guardião... meu protetor. Meu primeiro e único
amigo em um mundo que eu não estava pronta para enfrentar sozinha.

Ele me diz para tentar um drop-in 27 na seção mais rasa e gradual do


poço. Deve ser a maneira como ele está olhando para mim que me faz assentir.

Eu caio imediatamente, e não como Van cai. Quando ele volta para a terra,
você quase pensa que foi a intenção dele.

Não, eu caio mais como um saco de gravetos, toda rígida e congelada de terror.

— Juni! — Van salta para a saliência, pousando bem na parte inferior da


encosta onde eu caí. — Merda, você está bem?

Estremeço e inspeciono o dano com ele. Um grande arranhão desce pela


minha perna.

— Como se sente? — Van agarra meu cantil, abre a tampa com os dentes e
enxágua o sangue.

Ele segura minha perna ainda envolvendo sua mão em volta da minha
panturrilha. Eu me pergunto se ele pode sentir meu pulso, como agora está ficando
fora de controle com seu toque.

— Não é tão ruim quanto eu pensava — admito, estremecendo quando ele


pega uma pequena pedra da minha pele, — mas ainda dolorido.

27 Drop-in é um truque de skate com o qual um skatista começa a patinar em uma rampa, caindo nela a
partir do top em vez de começar de baixo e bombeando gradualmente para obter mais velocidade.
— Sua primeira medalha de honra — ele diz. Ele parece orgulhoso. — Todo
mundo tem um pequeno arranhão pelo caminho, mais cedo ou mais tarde. Na
verdade, eu diria que quanto antes, melhor.

— Por quê? Separa os homens dos meninos?

— Eu sei que você está brincando, mas... sim, mais ou menos. Você nunca
sabe o quanto você realmente quer algo até que isso o derrube, e você tem que
escolher se quer ou não voltar. — O brilho de seu sorriso turva meus pensamentos
também. — Venha, vamos voltar para Eloise.

Van me ajuda a chegar ao estacionamento. Depois de insistir que posso me


enfaixar, ele volta correndo para pegar nossas coisas.

Retiro outra pedra minúscula e prendo a respiração até a dor passar. Sim,
posso me enfaixar – mas gostaria de deixá-lo fazer isso. De alguma forma, ele é
mais gentil.

Só não sabia o que faria se ele chegasse tão perto de novo.

Depois que o ferimento está tratado, estico a perna. Ainda dói, mas nem estou
pensando na queda.

Estou pensando na agitação que senti, pouco antes de acontecer. Pequena e


curta..., mas boa demais para ignorar.

— Espere — grito para ele, — quero tentar de novo.

Todos os meus músculos doem, o resultado de realizar tantos movimentos


minúsculos que nunca faço naturalmente, e tenho quase certeza de que terei cem
novos hematomas amanhã. Mas não consigo parar de ouvir o que ele disse.

Sim, então fui derrubada.

Não significa que tenho que ficar lá.


Van me entrega o skate e o capacete. Gosto que ele não faça isso com cautela
ou com um suspiro resignado. Ele está animado por mim.

— Ok — ele explica, umedecendo os lábios enquanto nos ajoelhamos na borda,


— quando você chegou nessa parte da última vez? Você inclinou para trás. Não
faça isso. É como nas trilhas, você não pode lutar contra o terreno.

— Mas eu estava indo rápido demais.

— Para que? — Ele aponta para o concreto curvo abaixo de nós. — Quando
você entra, está usando essa parte para ganhar velocidade. Ele foi projetado para
fazer exatamente isso. Você apenas tem que deixar.

Meu coração está batendo forte novamente, mas é apenas parcialmente por
causa dele. Estou realmente prestes a tentar essa loucura uma segunda vez?

— Pense assim — ele acrescenta, sentando-se na saliência e balançando as


pernas para o lado. — Você não está em um skate – você e o skate são uma
unidade. Você flui com ele, e ele flui com você.

— Uau. Isso foi tão vago e inútil, obrigada. — Consertando a alça do meu
capacete, aceno para ele. — Você não tem permissão para me chamar de hippie
nunca mais com conversas assim.

Van sorri com a boca fechada, como se fosse me chamar de espertinha, se não
fosse óbvio que estou apenas protelando.

Aperto minhas mãos e respiro fundo algumas vezes, em seguida, subo no


skate e me movo para frente até que esteja na borda, equilibrada como um
trampolim do jeito que ele me mostrou.

No caso de todos os dramas parecerem excessivos – definitivamente


são. Estamos a cerca de um metro e meio de altura, e a inclinação é tão gradual
que você poderia rolar com segurança um carrinho de bebê para baixo.
Mas ainda estou apavorada. Especialmente agora que me machuquei.

Por outro lado, sei o que esperar agora. Sei o quanto eu quero isso, mesmo
não sabendo por quê.

Dobro meus joelhos, me preparo e caio.

Van sempre diz que o tempo fica mais lento quando ele está andando de skate.

Deve ser isso o que está acontecendo comigo agora, porque os dois segundos
em que estou na curva parecem dez ou vinte, tempo mais do que suficiente para
lembrar seu conselho.

Não se incline para trás.

Flua com ele.

Meu estômago está no meu peito no momento em que chego ao fundo.

Eu pisco e me inclino para parar, em total descrença de que estou aqui, de pé


e inteira.

Eu me viro para olhar para ele, mas ele já pulou no poço para correr em minha
direção.

— Porra, sim — ele sorri, em seguida, solta o grito que meus pulmões querem
ecoar, mas ainda não consegue.

Eu me dobro. — Eu realmente fiz isso?

— Você com certeza fez. — Van agarra meus dois pulsos, balançando-os em
seus dedos para me sacudir como uma marionete.

— Você sente aquele zumbido em seus braços? Seu coração está ficando
completamente louco?
— Sim. — Também não consigo parar de sorrir e meu estômago parece
levitar. — Esta é a agitação da qual você falava, eu suponho. É incrível, não vou
mentir, mas eu não diria que é divino.

— Sim, bem. Os parques de skate não são propícios a isso, se você me


perguntar.

Ficamos em silêncio por um momento, recuperando o fôlego. Encarando.

— Mas quando o Olimpo está fechado — ele diz, enquanto tira meu capacete
para mim, — você se contenta com qualquer colina que puder encontrar.

O toque de seus dedos contra minha garganta enfraquece minha


determinação, mas não a quebra.

Mesmo a maneira como ele afasta o cabelo do meu rosto após remover o
capacete e jogá-lo de lado como se não significasse absolutamente nada em
comparação com o que está na frente dele, não é o que me destrói.

É o olhar que ele está me dando novamente.

Calmante, puro azul. Inabalável.

Tão dedicado e protetor quanto costumava ser.

Van estende a mão em meu queixo e pescoço, a outra segurando minha


cintura. Ele abaixa a cabeça e me beija, rápido, profundo e gracioso, até o sol
terminar de subir sobre o poço.

Até que fiquemos apenas nós, o resto do mundo esquecido, nesta pequena
cratera de concreto que reivindicamos como nossa.
VINTE E UM

Quando ela parou no fundo do poço, eu sabia que iria beijá-la.

Na verdade, isso é mentira. Eu soube no segundo em que ela caiu.

— Hum... Van — ela exala, quando finalmente paramos de nos beijar.

Tecnicamente, ela para. Eu poderia continuar por horas. Dias.

Colorado é superestimado, de qualquer maneira.

Suas mãos estavam no meu cabelo, mas agora elas deslizam para o meu peito
e me empurram enquanto ela recupera o fôlego.

— Você tem certeza de que quer fazer isso?

— Você pode sentir o quão forte meu coração está batendo sob suas mãos —
digo a ela, — e se você se mover alguns metros para o sul, encontrará ainda mais
provas de que, sim, eu quero fazer isso.
— Vamos, Van, estou falando sério. — Ela dá um passo atrás. Quero puxá-la
contra mim, mas também gosto da maneira como ela está tocando os lábios
agora. Como se tivesse acabado de acordar de outro sonho e quisesse ter certeza
de que é real.

— Não me beije só por que... porque algum desejo físico está superando o
resto. — Ela encolhe, mas apenas brevemente. Quando seus ombros se endireitam
e ela me olha nos olhos, é a coisa mais sexy que poderia fazer para mim. — Não
me beije se você não quer seriamente isso.

— Oh, eu quero isso. — Pressiono minha boca sorridente na sua boca séria
até que ela sorri. — Eu quero você. Agora. E estou tão cansado de fingir que não.

— Não parecia que você tinha que fingir muito. — Eu a ouço engolir. —
Especialmente quando sua amiga estava de volta aos Hamptons.

— Eu nem me lembro do nome daquela garota. E nunca toquei nela. Você não
me ouviu, todas aquelas noites em que fui procurar por você?

Juniper pega seu lábio entre os dentes, e eu sei que em cerca de cinco minutos
vou pegá-lo entre os meus. — Só quando você estava bêbado.

— Não. Eu estava sempre procurando por você. Todo minuto. Estar bêbado
me deu uma desculpa para fazer isso em voz alta.

Ela balança a cabeça para mim, mas ri novamente. Pego o equipamento e a


sigo para fora do poço.

Nós nos fechamos no Transit. Estou preocupado que ela vá para frente e saia
daqui, deixando o motor me dar a rejeição que ela é doce demais para dizer em voz
alta.

Em vez disso, ela se senta com as pernas cruzadas no chão, olhando para
mim.
Eu me sento em frente a ela.

Eu entendo. Ela quer saber o que mudou.

Sinceramente? Eu também gostaria de saber.

Na superfície, nada está diferente agora do que há alguns dias. Mas, por
baixo, toda velha emoção que tenho é desenrolada, novas se enredando até que não
posso dizer qual leva a onde.

Mas eu sei que a quero. Tudo dela. E vou seguir essa linha até o fim,
esperando que isso resolva o resto para mim.

— Minha mãe me chamava de Sully. — Eu digo isso rapidamente, as sílabas


batendo juntas tão fortemente que Juniper leva um minuto para perceber o que eu
disse. Parte da pressa é para não me acovardar.

A maior parte se resume ao fato de que não quero mencionar minha mãe, de
todas as pessoas, quando também estou pensando em despir Juniper com nada
além dos meus dentes.

— Sully — ela repete suavemente, sorrindo.

— Sim. Ou Sull. Ela era a única que não me chamava de Van. — Bato meu
polegar na janela. — Ela sempre apontava o céu para mim quando eu era criança,
tipo, Sully, baby – olha que azul. — Ela gostava quando não havia nuvens. — O
engraçado, entretanto? Minha mãe era basicamente daltônica. Teve um acidente
de carro quando era criança, bateu muito forte com a cabeça e nunca mais viu as
cores da mesma forma.

— Isso é horrível.

— Ela era muito jovem para se lembrar — encolho os ombros. — Alguns


meses depois, ela estava vivendo sua vida como sempre. As crianças são
resilientes.
— Sim. — Ela respira fundo. — Eu acho.

— De qualquer forma. — Eu aceno para a janela. — Ela não conseguia


nem ver a cor azul. Era como... verde-acinzentado para ela, ou algo assim.

Juniper ri por trás de sua mão. — Por que ela disse para você olhar como era
azul, então?

— Provavelmente só para ser engraçado. — Eu ri também. — Mas é nisso


que sempre penso quando alguém me diz em que devo acreditar ou como devo
agir. Eles não veem o mundo como eu o vejo. Eles não podem.

— Mas para ela, ele era azul. Realmente importa se ela não viu exatamente
o que você viu?

— Azul é azul, Juni. Coisas de merda são de merda. E eu tenho todas essas
pessoas dizendo, esta situação, ou o que aquela pessoa fez para te irritar, ou o que
quer que você esteja com raiva hoje – não é tão ruim. Acalme-se. Às vezes parece
que a porra do mundo inteiro está vendo as coisas erradas, mas me dizendo que
sou eu que preciso que seus olhos sejam verificados.

— Até eu?

— Deus, especialmente você. Não posso dizer uma coisa sem você jogar raios
de sol sobre isso.

Com outro pequeno sorriso, ela chega mais perto.

— A maneira como você vê o mundo não está completamente errada, Van, e


a maneira como eu vejo não é automaticamente certa. Você pode pensar que sou
muito positiva, posso pensar que você é muito negativo e as duas coisas são tão
falsas quanto verdadeiras. Mas e daí?
Lentamente, ela olha pela janela novamente. — Sua mãe não viu a cor que
você viu. Mas ela ainda viu o céu. Era isso que ela estava compartilhando com
você.

Tento fazer meus olhos seguirem os dela, mas não consigo. Esqueça o
céu. Prefiro olhar para ela.

— Talvez seja isso que você está perdendo — ela diz. — Quando alguém tenta
dissuadi-lo de estar com raiva, ou convencê-lo a olhar o mundo do jeito deles... eles
não estão dizendo que um céu verde é azul. Eles estão apenas apontando como é
claro. No final, ainda é lindo.

Eu considero isso, então balanço minha cabeça. Isso pode ser verdade com
ela, mas eu sei exatamente como o resto do mundo pensa.

Eles não ficarão felizes até que eu desista e diga a eles: Claro, verde é
azul. Merda está bem. Não, não estou zangado ou amargo.

E definitivamente não gosto disso, porque estou com medo de ficar entorpecido
de novo.

— Mas — ela continua de repente, — eu entendo o que você está dizendo.


Você parou de acreditar nas coisas que as pessoas lhe diziam por que não há como
saber se são verdadeiras. Mesmo se eles acreditarem no que estão dizendo a você
de todo o coração.

— Exatamente. Não é possível calibrar a percepção humana.

— Então, acho que é por isso que você não confia mais em promessas, e por
que você mesmo não as faz?

— Como posso? Prometemos coisas com base no que vemos e sentimos, mas
não sabemos se é preciso. E não podemos prever o futuro.

— Verdade, mas promessas são sobre intenções.


— As intenções não significam nada. Ações sim. — Eu inalo e estico minhas
pernas de cada lado dela. — De qualquer forma, sabe por que eu te disse tudo isso?

— Acho que posso adivinhar. — Ela revira o brinco. — Olho por olho, certo?

— Sim. Mas não quero qualquer confissão sua. Eu tenho uma pergunta que
você precisa responder.

A cor se esvai de seu rosto, e sei exatamente o que ela está pensando – que a
questão será sobre o que diabos aconteceu com meu pai. Ela diz que nada
aconteceu; ele nunca mencionou isso.

E, para sorte dela, não sou masoquista o suficiente para perguntar.

— Você realmente não sabe quando é o seu aniversário?

Gradualmente, ela relaxa. Ainda não é uma pergunta que ela queira
responder, mas ela aceitará. Dê a um tubarão seu membro e você pode escapar.

— Eu realmente não sei. Apenas o ano.

— Como diabos isso aconteceu?

— Enquanto eu crescia me disseram que não importava. Na verdade,


preocupar-se com isso era considerado pecado.

— Orgulho — sussurro, e ela torce a boca e assente.

— Então, quando você comemora?

Seus dedos escovam o cabelo da minha perna. — No dia em que fui para o
rancho. Quando você me encontrou.

Algo em mim dói. Não gosto disso — Por quê?


— Achei que fazia sentido escolher o dia em que minha vida parecia ter
realmente começado. — Ela morde o lábio e morde novamente. — E foi quando te
conheci.

— Não quando você me deixou?

— Não, Van. — Ela se mexe, ficando de joelhos e se aproximando, os braços


serpenteando em volta dos meus ombros. — Deixar você parecia...

— Morrer?

— Essa é a palavra que me veio à mente — admite, pressionando seu sorriso


no meu ouvido enquanto minhas mãos encontram sua cintura, — mas não queria
ser dramática.

— Não me importo.

No segundo que sua boca está perto da minha, eu me junto a ela. Ela desliza
para o meu colo e geme quando pressiono minha ereção entre suas pernas.

Suas respostas me dão cerca de mil perguntas a mais para fazer, mas eu
mordo minha língua. Eu só dei a ela uma coisa, então sei que é tudo o que ela me
dará por enquanto.

O problema é que tenho muito menos do que ela. Minha história é simples,
as decepções cumulativas da vida produziram a confusão que ela vê diante dela. E
ficarei sem coisas para contar a ela muito antes que ela termine de me contar as
dela.

Mas sou muito talentoso em fingir que as pontes não existem até chegar a
elas. Esse dia não é este, então me recuso a pensar nisso.

— Van — ela suspira, inclinando a cabeça enquanto eu lambo meu caminho


de sua boca até seu decote, — talvez devêssemos ir para a cama antes de você...
antes ...
Ela salta, cortesia da minha mão entre suas coxas.

— Mudar para a cama desperdiça um tempo precioso — digo a ela, tirando


as alças da blusa de seus ombros. — Não vou esperar mais um segundo.

Pego sua camisa bem entre seus seios, enrolo o tecido em meu punho e
empurro para baixo.

— Além do mais... o chão não tem espuma viscoelástica nem molas. Nada
para absorver os movimentos. — Coloco minha mão em suas costas e nos viro,
deitando-a enquanto abro seu sutiã. — O que significa que este carro vai se mover,
mais e mais, quanto mais eu te foder.

Eu pinto meu caminho para baixo em seu peito e puxo seu mamilo em minha
boca, sugando com força até que suas costas arquem do chão.

— O que significa que cada pessoa que passar por aqui... saberá exatamente
o que estou fazendo com você.
VINTE E DOIS

Van arranca minhas roupas ao longo do meu corpo. Minha camisa se enrosca
com meu short e calcinha úmida, um grande círculo de tecido que ele está
claramente emocionado em jogar de lado.

Ele me deixa tirar a camisa dele, mas me impede quando alcanço seu zíper.

— Ainda não. Quero provar você antes de estragar o quão doce você é.

— É essa a sua maneira de me avisar que tem um gosto ruim? — Eu rio, mas
engasgo com a imprecisão de sua frase. Ruína28.

A respiração de Van é a coisa mais quente e úmida que já senti entre minhas
pernas. Meus quadris empurram em direção ao seu rosto com a emoção disso,
antes mesmo que ele faça contato.

28 Em inglês a palavra é Ruin, que pode significar: ruína, estragar, destruir.


Ele ri e coloca o braço na parte inferior do meu abdômen como uma barra de
segurança, me prendendo.

— Devagar. Estou admirando. Você nunca ouviu que primeiro os olhos


provam a refeição?

— Van — imploro, e tenho que cobrir meu rosto com as mãos, eu estou tão
envergonhada de ter implorado.

Sua necessidade se revela em respirações pesadas e a protuberância em seu


short, mas a minha irradia por todo o meu corpo como uma febre. Isso abala minha
voz.

Faz meu sexo escorrer tanto, posso sentir em toda a minha bunda e coxas, e
sei que é isso que ele está admirando.

Divertindo-me com o que ele fez comigo, quando ele quase fez nada.

— Você já está encharcada. — Suas pontas dos dedos sobem e descem pela
minha abertura. — Eu poderia fazer você gozar em dois segundos, se eu quisesse.

Por favor, por favor, diga que você quer.

Eu sei melhor, entretanto. Van nunca termina seus momentos perto do sol
um segundo antes do necessário.

Ele empurra a língua dentro de mim, cantarolando outra risada quando eu


me contorço sob o peso de seu braço. Já estou perto, mas ele consegue manter meu
orgasmo fora do alcance enquanto ele lambe para cima e para baixo, para dentro
e para fora, bebendo cada gota de antecipação do meu corpo.

— Doce. Exatamente como eu pensava. — Seu rosto aparece acima do meu.

Em vez de seu braço cruzar minha barriga, agora tenho seu corpo inteiro para
me prender.
Sua respiração pinta o cheiro do meu próprio desejo em meu rosto. Quando
ele me beija, sua língua enche minha boca com a mesma força confiante que encheu
meu sexo.

Eu choramingo; ele sorri.

— Quer me provar?

Não consigo acenar rápido o suficiente.

Van se levanta e se inclina contra a cama sobre os cotovelos, balançando a


cabeça para o chão na frente dele. Eu rastejo mais perto.

— Porra, eu poderia assistir você fazer isso mil vezes. — Ele abre as calças,
mas espera que eu as tire.

Meus nervos me alcançam, vendo seu corpo inteiro bem na frente do meu
rosto e sabendo que só posso...

— Prove com meus olhos. — Claro, Van está absolutamente adorando que eu
pareça um pouco apavorada agora, mas ele acha que é apenas por causa de seu
tamanho.

Principalmente porque não tenho ideia do que estou fazendo.

Já vi pornografia suficiente desde que saí do rancho para saber o básico,


acho. Sem dentes, exceto por um leve arranhão de vez em quando. Inclina sua
cabeça. Use sua mão ao redor da base, se precisar – e eu definitivamente
precisarei.

Estranhamente, apesar de todo o medo que dá um nó no meu estômago... Eu


nunca quis fazer mais nada na minha vida.

— Merda, Juni — Van suspira para o teto assim que eu tomo sua ereção em
minha boca. Deslizo em minha garganta com cuidado, com medo de engasgar.
Eu faço. Duas vezes.

— Admiro o entusiasmo — ele ri, sem fôlego, — mas não precisa ir tão
fundo. Está bem.

O problema é... eu quero.

É um problema que enfrento desde que o conheço. Eu quero tudo de Van


Durham-Andresco. Cada centímetro. Cada osso fraturado e cada respiração cínica.

Só não sei se consigo lidar com tudo dele.

Eu nem sei se consigo lidar com a maioria.

Quando tento novamente, relaxando minha garganta enquanto seu


comprimento desliza mais fundo, suas unhas cavam na borda do colchão. Eu vejo
seus músculos abdominais se contraírem e seu peito arfar.

— Ok — ele ofega, alisando meu cabelo. Ele o reúne na minha nuca para me
puxar gentilmente. — Eu preciso te foder.

Precisa. Fico inexplicavelmente feliz por ele ter escolhido essa palavra.

Nós nos reposicionamos no chão. Ele me beija, misturando nossos gostos até
que nós dois gememos e nos pressionamos contra a coxa um do outro.

— Por favor, me diga que você está tomando pílula. Injeção. A porra do DIU,
até. Qualquer coisa que me deixe entrar em você. — Seus dentes afundam em meu
lábio e recuam. Ele vibra, inchado e latejando de prazer, quando ele o solta. — Eu
quero te foder sem nada entre nós.

Meu pulso enche meus ouvidos quando balanço minha cabeça. — Não tenho
nada.

— Porra — ele geme, estendendo a palavra até sua mochila.


Ele retorna com alguns preservativos, espalhando-os por perto como pétalas
de rosa.

— Peguei da casa de Theo — ele diz, acenando para eles. — Escolha.

Eu mexo neles. Estriado, ultrafino... formigamento?

— Hum... este, eu acho. — Meu estômago se revira quando passo um para


ele. Parece que estou esperando a nota para um teste quando ele o abre.

— Aqui. — De repente, ele está me cutucando no estômago e colocando um


travesseiro sob meus quadris. — Ajuda enquanto eu te fodo por trás.

— Por quê?

— Bem, um, esta é minha posição favorita. — Sua risada força uma de mim,
mas meus pulmões apertam ao perceber que não estou nem perto de ser a primeira
de Van. Esses preservativos provavelmente nem foram roubados pensando em
mim.

— Dois — ele diz, espalhando minhas pernas rudemente e pressionando a


ponta na minha abertura, — na verdade, gosto da ideia de fazer o Transit balançar
como um terremoto, e esta é a melhor maneira de fazer isso. — Seu beijo nas
minhas costas, bem na minha coluna, me faz relaxar. — Não se preocupe, podemos
mudar para a sua posição favorita.

Minha favorita. Tento pensar em uma. Absolutamente nada.

Mas o tempo para pensar acabou, porque Van entrou em mim. Um golpe
longo e rápido, todo o caminho para dentro.

Sou grata por sua escolha de posição; ele não pode me ver estremecer. Eu
empurro meus cotovelos para que eu possa pressionar meu rosto no tapete.
Através da dor, existe prazer. Galões disso. Eu nunca senti nada parecido
com isso – uma emoção dolorida e profunda que não apenas mascara a picada, mas
parece se alimentar dela.

— Deus, você é tão boa. — Seus quadris balançam em mim. Sinto minha
bunda e minhas coxas tremerem com seus movimentos, mas ser autoconsciente
sobre isso nunca passa pela minha mente. Eu gosto disso.

Gosto da fricção do tapete em meus mamilos, enquanto meus seios balançam


no tempo de suas estocadas. Eu gosto da natureza dos ruídos os meus gritos
quando o prazer ondulante aumenta, minha voz à mercê dos quadris de Van.

Gosto que meu corpo seja varrido pelo terremoto que ele está criando, ao
nosso redor.

— Todo mundo lá fora sabe que você está sendo fodida. E quando o carro
parar de balançar todos saberão que você e eu acabamos de gozar. — Suas pontas
dos dedos afastam o cabelo da minha orelha; seus dentes se arrastam por cada
centímetro que ele descobre. — Você gosta disso? Pensando que todos sabem?

— Não — deixo escapar, encontrando seus impulsos, — eu gosto apenas de


estar com você.

Os quadris de Van diminuem a velocidade, então param. A risada que ele dá


é quase confusa.

— Sério?

Coloco minha cabeça no tapete e olho para ele. — Sério.

Seus olhos se turvam por um momento. Dei a ele informações que seu cérebro
não sabe processar.

Para ele, conviver com outros humanos pode ser impossível. Mas este
humano não se cansa dele.
— Tudo bem, então — ele diz, depois de uma batida, — vamos mudar para a
sua favorita para o segundo tempo.

Quando ele se retira, a picada me alcança. Eu recuo.

— Você está bem? — ele pergunta.

Fecho meus olhos.

Diga a ele.

— Só dói um pouco. — Engulo a secura na minha garganta e pressiono meu


rosto no tapete novamente. — E… não tenho uma posição favorita. Eu nunca
tentei nenhuma.

Por muito tempo, ficamos em silêncio. Cinco segundos se transformam em


dez, depois em trinta, e ouço sua respiração lenta.

— Vá para a cama, Juni.

Aço cobre sua voz. Mas quando eu viro e olho para ele, toda a sua expressão
mudou. A confiança se foi.

Em seu lugar está algo parecido com a vergonha.

Meus membros tremem. Van se levanta e me puxa com ele, o corpo


pressionado ao meu enquanto ele me beija como fazia lá fora.

— Por que você não me disse que eu era o seu primeiro? — Ele pergunta,
parecendo tão furioso consigo mesmo que é incrível como ele gentilmente me coloca
na cama.

Enquanto ele sobe ao meu lado, limpo o suor quente de sua testa. — Você
teria acreditado em mim?

— Sim — ele diz ferozmente.


— Por quê? — Meu coração troveja. — Por que isso, quando você não
acreditou em muitas coisas que eu te disse? O que mudou?

Realmente, estou me perguntando isso.

Van desliza a mão pelo meu cabelo e desce até o queixo. — Não sei. Tempo
juntos? Todas as nossas conversas olho-por-olho? Talvez seja estar aqui na
natureza. — Ele sorri. — Você disse que a natureza pode curar quase tudo. Por
que não isso?

Eu sorrio. Isso.

— Não precisamos saber todas as respostas agora — ele diz.

Meus olhos se fecham novamente. Tento guardar isso na memória, até sentir
em cada célula. Faz diferença por que ou quando as coisas mudam, contanto que
mudem?

Azul, verde... ainda é um lindo céu.

— Agora — ele respira, arrastando sua língua ao longo do meu queixo, —


vamos nos livrar da sua virgindade da maneira certa.

Ele passa a língua sobre meus mamilos enquanto sua mão esfrega entre
minhas pernas. Seu polegar desenha círculos fortes e rápidos contra meu clitóris
quando ele levanta a cabeça para me beijar.

— Van, eu... eu estou...

— Bom — ele diz contra a minha boca. — Deixa acontecer. Eu quero fazer
você gozar tantas vezes que você estará viciada em mim.

Impossível. Eu já sou.
Minha língua se enreda com a dele novamente. Cores ofuscantes levam meu
cérebro a nada, e endureço em seus braços quando o orgasmo queima através de
mim.

— Sua primeira vez deve ser um grande borrão disso — ele sussurra. — Não
o que eu acabei de fazer com você no chão. Quero dizer, isso é divertido como o
inferno – e não se engane, eu vou te foder até perder os sentidos em cada
centímetro quadrado deste carro, muito em breve.

Seu sorriso estampa na minha testa quando me enrolo contra ele,


estremecendo com o brilho. — Mas não hoje.
Nunca fui o primeiro de uma garota.

Você pensaria que não haveria nenhuma pressão, certo? Eu poderia ser
péssimo nisso (isso é uma risada), e ela não teria como saber. Mas no segundo em
que descobri que era o dela... Eu tinha que nos tirar daquele chão.

Eu farei isso direito.

— Van — ela gagueja enquanto afundo dentro dela e alcanço entre nós para
bater em seu clitóris com meu polegar novamente, — Eu acho...

— Diga, baby. — Eu lambo a pele atrás de sua orelha. — Diga-me que você
está perto de novo.

— Estou p-perto de novo — ela administra, antes que sua boceta tenha
espasmos por meio de outro orgasmo, ainda mais longo do que o primeiro.

Dou-lhe algumas estocadas suaves até que ela se recupere, então recomeço o
processo.

— Oh, Deus — ela chora, enrolando uma mão em seu cabelo e a outra no meu,
quando eu finalmente deixo meus quadris fazerem o que eles querem. Recuar mais
simplesmente não é possível. — Oh, Deus, Van, porra.
Outro primeiro: ouvi-la usar o nome do Senhor em vão.

Ela me disse que não sabe se ainda acredita em um deus ou não, mas isso –
junto com nenhum palavrão – me fez pensar.

Eles dizem que não há ateus em trincheiras. Eu digo que não há bocas limpas
nos quartos.

— Estou gozando. — Lágrimas rolam de seus olhos fortemente fechados e


descem por suas têmporas.

— Eu também. — Eu a beijo e gemo, finalmente me deixando inclinar sobre


a borda enquanto dirijo todo o caminho para dentro dela.

Nossos corpos se contraem e estremecem, a pele escorregadia de suor


deslizando a cada ponto de contato.

Meu cérebro desliga, tão feliz por finalmente conseguir sua onda de produtos
químicos que esquece que tenho pelo menos trinta quilos a mais do que ela. Eu
desabo em cima dela.

— Oh — ela tosse, rindo enquanto eu caio para o lado.

Eu me estico ao lado dela na luz nebulosa que atravessa as janelas. — Fui


um bom primeiro?

Seus olhos piscam para cima e para baixo no meu corpo. Eu a vejo traçar
minha tatuagem de avião de papel com uma unha, como uma lâmina, marcando
sua pontuação.

Se eu pudesse, eu arrancaria o avião de papel e daria para ela ficar com


ele. Qualquer coisa para igualar a pontuação que ela acabou de me dar.

— O melhor — ela sussurra.


VINTE E TRÊS

— Não é sobre ser perfeito. É sobre fazer o que parece perfeito para você.
— Minha mão pressiona as costas de Van novamente, endireitando sua coluna
enquanto ele resmunga outra maldição. — Você está pensando demais nessas
poses. Não é isso que você me diz para não fazer no skate?

— Yoga não é nada como andar de skate. — Ele me observa voltar para o
tapete. — Vamos fazer o cachorro olhando para baixo 29 novamente. Eu gostei
desse.

— Não consigo imaginar por quê. — A maior parte desta aula de yoga
consistiu em eu afastar suas mãos da minha bunda, seios e qualquer outra parte
do corpo que estiver ao alcance dele.

29
Eu o guio por algumas saudações ao sol 30 , ouvindo atentamente para ter
certeza de que sua respiração está sincronizada com a minha.

— Bom. Viu? Você não se sente relaxado?

Quando desço para a postura de criança31, ele cobre meu corpo com o dele. Eu
o empurro, nós dois rindo até que um soar de trovão corta o ar. Isso me faz gritar,
mas Van apenas comemora.

— Tudo bem, uma tempestade. Você sabe o que isso significa.

Ele sacode a toalha enquanto enrolo o tapete, em seguida, enfia os dois


embaixo do braço. — Sem yoga, sem andar de skate – nada a fazer além de foder.

— Isso é tudo o que fizemos por três dias. — Ainda estamos no


Missouri. Nosso tempo de viagem sofreu um sério golpe. Agora que nos demos
permissão para nos tocar, é tudo o que realmente queremos fazer.

Como agora, quando ele me gira no estacionamento, me encosta ao metal


quente da porta do carro e me beija.

— Não fiz nada aqui, ainda, — ele sorri diabolicamente.

— E quanto à tempestade?

30 Sequência de doze posturas

31
— Mesmo uma inundação não poderia me impedir. — Ele fecha os olhos e se
inclina rapidamente para outro beijo.

Abro a porta atrás de mim, nós dois caindo dentro.

— Só por isso — ele grunhe, enquanto estou presa sob ele e o peso de minha
própria risada, — sem música.

— Não! — Eu agarro seu braço enquanto ele passa por mim e esconde o tapete
de Yoga e a toalha de praia. — Você prometeu.

Ele não fez isso. Não oficialmente. Van realmente não faz mais promessas.

Mas ainda sei que ele falava sério quando me disse antes de adormecermos
ontem à noite, que ele tocaria gaita para mim hoje, pela primeira vez em anos.

— Tudo bem — ele suspira, jogando-se na cama e pegando a gaita da minha


prateleira de eletrônicos. Fico exatamente onde estou, com as pernas atiradas para
fora do Transit pela porta aberta, mesmo quando começo a sentir a chuva cair.

O uivo melódico perfura o ar. É um tipo de música lenta e feliz, e sei o que ele
está sentindo.

O tempo parou. Ele está feliz por estar aqui comigo.

Depois, ele se senta e abaixa o instrumento da boca um pouco de cada vez,


como se não tivesse certeza se quer continuar tocando ou não. — Está chovendo
em você.

— Eu sei. — Aponto meus dedos do pé. — Não me importo. É uma sensação


agradável.

Ele tira os sapatos e se junta a mim. Gota a gota, a poeira em suas


panturrilhas se espalha e revela a pele bronzeada por baixo. Ele nem foi andar de
skate hoje. Ele sempre parece ter sujeira sobre ele depois que sai. Como se
estivesse magnetizado e não pudesse ficar longe dele. Ou talvez o contrário.
Quando a chuva aumenta, ele sai para deixá-la engolfá-lo.

— Eu tenho os sobrenomes dos meus pais, — ele grita para mim — porque
minha mãe queria que eu me lembrasse de que não importa quanto sangue
Durham eu tivesse em mim... eu tinha o dela também.

Ele coloca um pouco de água da chuva nas mãos e esfrega o rosto, sacudindo
o cabelo antes de olhar para mim. — Em outras palavras, para me lembrar de que
sempre tenho no mínimo duas opções. Não importa a situação. Não importa como
eu sinta vontade de reagir.

Ele abaixa os braços. Eu li suas tatuagens.

Elas estão na ordem errada, do meu ponto de vista – Andresco, depois


Durham. Mas não quando ele olha para elas.

— Meu pai costumava ser um grande idiota — ele termina, lambendo a água
dos lábios. — Então ele conheceu minha mãe. Ela o consertou.

— As pessoas não se consertam. Eles apenas ajudam uns aos outros a ver que
algo precisa ser consertado.

O trovão ribomba no segundo em que começo a falar; um ziguezague de


relâmpagos corta o céu ao meio, assustando Van de volta ao Transit enquanto nós
dois rimos. Ele mergulha bem em cima de mim e me ensopa até os ossos.

Eu o empurro e fecho a porta.

— Desculpe — ele ofega, — o que você disse?

— Nada. — Nos últimos dois segundos, eu percebi que não quero corrigi-lo.

Podemos estar um pouco certos e um pouco errados, em primeiro lugar. E em


segundo lugar... acho que Van acabou de me dizer uma coisa em que realmente
acredita. Promessas, desculpas, carma, ele deixa todas essas noções de lado.
Mas ele tem fé, claramente, de que as pessoas podem consertar umas às
outras.

Não importa o quanto eu discorde, eu me recuso a ser a pessoa que tira isso.

— Mostrei o meu — ele diz. Ele tira suas roupas e as joga na pia.

Removo as minhas e as coloco na cadeira de rede, mas ele as pega, joga no


banco do motorista e me diz para sentar.

— Na rede? Por quê?

— Você vai ver. — Ele acena para mim. — Me conte algo.

— Não consigo pensar em nada. — Nada que eu queira falar, agora. Este
momento é perfeito demais, um espaço minúsculo e sufocante com ele, no meio de
uma tempestade de verão, o mundo inteiro fechado.

— Bem — ele diz, inclinando a cabeça para drenar a água de suas orelhas, —
eu disse que meu pai costumava ser um idiota, então por que você não me conta
algo sobre seu pai? Você mencionou sua mãe algumas vezes, mas nunca ele.

— Oh. — Acho que essa resposta é bastante fácil: — Eu não sei quem ele é.

— Merda, isso é uma merda.

— Obrigada. Mas realmente... não é grande coisa. — Encolho os ombros,


girando na cadeira. — Não é como se eu sentisse falta dele, ou algo assim. Não
pode perder o que você nunca teve, certo?

— Não, eu quis dizer que é uma merda, eu te dei algumas informações bem
decentes, e tudo que eu recebi em troca foi, eu não sei. — Van sorri quando eu rio,
mas seu olhar ainda me diz que este é um momento sério.
Ele fez isso muitas vezes, nos últimos dias, felizmente, me dando pedaços de
sua história, totalmente espontâneo, porque ele está tão determinado a obter mais
da minha.

E quando não dou a ele uma parte justa, ele me questiona sobre isso. — Às
vezes eu me perguntava se era nosso vizinho. — Tão rápido quanto um raio,
Rebecca passa pela minha cabeça. — A filha dele era minha melhor amiga. E
éramos muito parecidas.

Van assobia, franzindo a testa enquanto se senta na minha frente. Suas mãos
envolvem meus tornozelos, me girando quando eu paro de fazer isso sozinha. —
Você nunca descobriu com certeza?

Balanço a cabeça.

— Onde está sua amiga agora?

— Bethesda, foi a última vez que ouvi. Mas não sei. Nós não falamos.

— Por que não?

— Ah. — Pressiono meu dedo em seus lábios. — Isso foi um olho


inteiro. Equilíbrio.

— Equilíbrio — ele suspira, em seguida, estala o meu dedo, quase me


mordendo.

Puxo minha mão para trás e rio, mas é interrompida quando ele abre minhas
pernas pelos tornozelos.

— Falando em equilíbrio — ele sussurra, abaixando a cabeça,

— Vamos ver se podemos manter os nossos enquanto testamos o peso desta


cadeira.
VINTE E QUATRO

— Você tem certeza de que este é o caminho certo? O GPS não pode fazer cara
ou coroa com isso.

— O GPS pode fazer dar uma maldita volta. Já te disse, vi a placa da


rota. Esse será muito mais rápido do que tudo o que ele queria que pegássemos.

Juniper suspira como se esperasse que eu estivesse certo, mas sabe que estou
errado. Eu levo a mão ao corredor e aperto sua orelha. Ela retribui e cita o
equilíbrio.

— Tem certeza que não quer parar e me deixar retribuir ou algo assim? — ela
cantarola, tão fofa pra caralho. — Eu me sinto mal por você não conseguir terminar
antes que aquele segurança nos expulsasse do estacionamento.

— O pervertido provavelmente espiou pelo para-brisa — zombei, — e ficou


com ciúmes por não estar fazendo nada.
Eu devo ter dito a ele também, depois que coloquei minha cabeça para fora
da janela do banheiro e ele me informou que eu não poderia ficar no
estacionamento depois das cinco.

Quando perguntei a ele o que diabos ele poderia ser autorizado a fazer
comigo, Juni me puxou para dentro pela orelha, garantiu ao cara que iríamos
embora e me deu um sermão sobre reclamar.

— Vou trabalhar nisso — disse a ela.

Mas não esta noite, aparentemente.

O primeiro carro que vimos nesta estrada sinuosa decide que oitenta
quilômetros por hora não são bons o suficiente. Não há faixa de ultrapassagem,
mas isso não o impede: ele vira, dispara ao nosso redor e volta para a nossa frente
sem um único aviso.

Eu piso no freio. O instinto joga meu braço para o lado para amarrar Juni em
seu assento, mas tudo que consigo é o espaço vazio do corredor.

Abaixo a janela, grito algumas obscenidades e acelero, garantindo que ele


verá o dedo médio que estou levantando.

— Van — ela repreende, — isso é um pouco excessivo.

— Idiotas precisam ser chamados por seus comportamentos idiotas. Estou


prestando um serviço público.

— Então acho que também estou — ela diz, — porque você realmente não
deveria ceder à raiva na estrada assim. Tudo que você precisava fazer era buzinar
para ele. Olha, agora ele está desacelerando só para nos deixar loucos.

— Eu vejo isso. E se Eloise fosse alguns anos mais nova, eu passaria direto
por ele — desacelero até que o para-choque do carro esteja novamente visível,
— Tempo32? Você está brincando comigo? Juni. Um maldito Tempo acabou de nos
ultrapassar. Somos a coisa mais lenta do mundo, agora.

— Ah, mas você está esquecendo sua própria cabeça dura — retruca, — que
está absorvendo meu ponto de vista tão rápido quanto uma esponja absorveria
xarope frio.

Quando estendo a mão para bater em sua orelha desta vez, ela pega minha
mão e a enfia em sua camisa, inclinando-se no corredor.

— Droga. Você joga tão sujo.

— Talvez — ela ri, soltando-se, — mas funcionou, aposto que você não está
mais com raiva.

Tiro meu pé de chumbo do acelerador. O carro desaparece à nossa frente em


uma colina.

— A compilação que postamos em sua página ontem está indo muito bem —
ela diz. — Toneladas de visualizações e comentários.

— Hã. Isso é bom. — Tento ficar animado com minhas coisas de mídia social,
mas simplesmente não consigo. Ela pode muito bem estar descrevendo o processo
de fabricação de anéis para cortinas de chuveiro para mim.

— Você não quer ouvir os números?

— A menos que seja a contagem de fios de seus lençóis, não me importo.

— Você é ridículo.

— Simplesmente insaciável.

32O Ford Tempo e seu gêmeo, o Mercury Topaz, são carros compactos produzidos pela Ford Motor Company nos
anos modelo 1984 a 1994.
Ela ri, mas eu não estava brincando. Essa garota não tem ideia do que ela faz
comigo.

— Posso fazer uma pergunta que você definitivamente vai odiar?

— Se você precisa.

O brilho de seu telefone diminui. Ela o vira no colo.

— Por que você usa Van Andreas em vez de seu nome verdadeiro?

— Apenas um nome de skate. Menos incômodo, fácil de lembrar. — Eu


hesito. — Por quê?

— Você já considerou... capitalizar o fato de que você é um Durham?

Eu sinto minha mandíbula apertar. — Tipo, como?

— Indo de Van Durham na comunidade de skatismo. Quer dizer, pode


aumentar as visualizações se as pessoas souberem que você é parente de Wes e
Delaney. E a mãe deles, especialmente. Todo mundo sabe quem é Billie Durham.

— Você não sabia disso.

— Sim, bem, eu não sabia muito de nada.

Eu a vejo mexer mais um pouco no telefone, espalhando o brilho ao nosso


redor.

— Ideia decente..., mas inferno, não. Primeiro, se eu substituir meu nome de


skatista por Durham, você pode apostar que usarei Andresco também. Em segundo
lugar, seria como usar o dinheiro do meu pai, em vez de me virar sozinho. Além
disso, alguém que só olha para mim porque se lembra da minha tia e primos de
seriados e essas merdas? — Balanço a cabeça. — Eles não se importariam comigo,
ou meu skate.
Aí está novamente: aquele suspiro, como se eu estivesse errado.

— Justo. Só pensei em jogar isso enquanto falamos sobre sua mídia social.

— Eu não falava. Você falava. Mas agradeço a sugestão.

Não gosto disso. Juni já deve me conhecer bem o suficiente para entender
exatamente por que não capitalizo minha linhagem de Durham. Eu nasci
nisso. Não ganhei.

Mas, apesar de todas as maneiras como nos conhecemos... ainda há muitas


coisas sobre as quais não temos a menor ideia. Especialmente eu.

— Vou te dizer uma coisa, vou adicionar meu nome verdadeiro às descrições
de meus vídeos no YouTube – meio que enterrando lá, mas não escondendo
também – se você me contar algo real sobre de onde você veio. Nenhuma dessas
pequenas espiadas atrás da cortina. Algo real.

— Isso dificilmente é uma troca justa.

— Tudo bem, eu te darei algo. Pergunte o que quiser e eu responderei.

Juni desliga a tela do telefone, desfaz o cinto e se vira para mim como se
esperasse por isso o dia todo. Eu estou realmente dentro disso.

— Por que você não acredita mais em desculpas?

O Transit geme. Sem saber, pisei no acelerador de novo, meu pé afundando


mais na medida em que eu não respondia.

— Na maior parte, elas são totalmente inúteis. Não podemos mudar o


passado. O que está feito, está feito. Tudo o que um, sinto muito, geralmente faz é
aliviar a culpa da outra pessoa, como se ela realmente fizesse algo que valesse a
pena.
— Hã. — Ela puxa um pé por baixo dela e vira. — Eu acho que posso
concordar com você nisso. É por isso que tenho toda essa coisa de equilíbrio, não é
suficiente confessar e receber qualquer punição que venha a você. Você tem que
tentar consertar. Pedir desculpas é inútil se você não corroborar.

— Exatamente. É por isso que parei de acreditar nas desculpas da maioria


das pessoas, percebi como elas são vazias.

— Elas ainda são úteis, no entanto, — diz ela. — Às vezes, só precisamos que
nossa dor seja reconhecida.

— Não. Eu não acredito. É apenas uma carta de Get Out of Jail Free33 para
a consciência culpada das pessoas.

O ar recebe uma carga. Se a cadeira dela pudesse girar para o outro lado, ela
provavelmente a colocaria de costas para mim, de repente ela parece tão
desconfortável.

— Você está falando de mim? — ela pergunta suavemente. — Por que... sinto
muito pelo que fiz a você.

— Na verdade, eu falava sobre mim.

— Você? — Ela se inclina, olhando meu rosto. — O que você fez?

— Eu já te disse. Eu deixei minha mãe.

— Van. — Se seu tom é qualquer indicação, sua expressão deve estar


pingando de pena. — Sua mãe teria partido...

— Morrido. Basta dizer, morrido. Odeio os eufemismos.

33 Uma carta Get Out of Jail Free é um elemento do Monopólio, do jogo de tabuleiro, que se tornou uma
metáfora popular para algo que tirará a pessoa de uma situação indesejada.
Juni respira calmamente e profundamente. — Ela teria morrido... estando
você lá ou não.

— Mas ela não estaria sozinha.

Minha garganta dói. Eu engulo, mas piora.

— Já é ruim ela ter morrido aos 46 anos — prossigo, — mas ficar sozinha
naquela cobertura, quando aconteceu? E ter seus últimos pensamentos sobre uma
discussão comigo que eu nem consigo lembrar mais, foi tão estúpida?

A dor se espalha para meus olhos, mas não estou preocupado em chorar na
frente dela.

Na verdade, quase receberia bem isso. Seria bom ter uma prova de que meus
canais lacrimais ainda funcionam.

— Então é a isso que me referia, com o comentário da consciência culpada —


digo a Juni. — Posso gritar desculpe no vazio até minha voz sumir, mas isso não a
beneficiaria, a pessoa que realmente precisa ouvir. Isso só me faria sentir
melhor. E não mereço isso.

Sem pensar, meus olhos piscam para a lua acima. Eu sei que Juni está
olhando para ela também.

— Sim, você merece — ela diz.

Balanço minha cabeça. A estrada abre à nossa frente, a escuridão nos


engolindo inteiros.

— Espere... seu pai ainda acha que você estava com ela, quando aconteceu.
— Silenciosamente, sua respiração falha.

Meus olhos ficam grudados no horizonte que não consigo ver.

— Foi você quem a encontrou? — ela pergunta.


Passo a língua sobre a ferida em minha boca, onde eu mordi durante uma
queda ontem. — Sim.

— Van... eu sinto mui... — Ela bufa, então ri. — Bem, desculpe.

— Obrigado.

— Mas vê? Você não se sente melhor, de alguma forma, ouvindo uma pessoa
dizer isso?

— Minha vez acabou. — Eu aceno para ela. — Mostre-me o seu. E lembre-se,


tem que ser algo real.

— Tudo o que eu te disse era real.

— Não, não é real como verdade. — Minha mão se levanta brevemente do


volante, um encolher de ombros que estou cansado demais para dar. —
Forte. Corajoso. Talvez até feio. Uma peça que deixa de sugerir a história e
realmente me dê uma boa ideia de onde você veio.

Os minutos passam enquanto ela pensa. — Minha mãe era jovem quando me
teve.

— Interessante. Mas não é bom o suficiente. — Eu aceno para ela para


mais. — Algo mais.

— Ok — ela diz lentamente. — Uh... eu parei de estudar de verdade quando


tinha doze anos. Todas as minhas aulas depois disso foram para cozinhar e
trabalho doméstico.

— Juniper, vamos lá.

— O que você quer que eu diga, Van?

— Eu quero que você pare de me dar esses detalhes sem nada que, sim, são
intrigantes como o inferno, mas na verdade não me diz uma maldita coisa sobre
quem você costumava ser. Eu já sabia que sua educação era estranha, isso ficou
bem claro quando você podia enfiar a linha na velha máquina de costura da minha
mãe como uma porra de uma turma da Nascar, mas não conseguia ligar um laptop.
Não me diga o que eu já sei.

— Você se importaria de assumir, então? Obviamente, há alguma resposta


pela qual você está aí esperando. Certamente, dê-me uma pista.

Bato no volante com a palma da mão e mordo minha bochecha para não
gritar. Incrível como os últimos dias foram diferentes..., mas uma cutucada no
passado e aqui estamos.

Estranhamente, acho que ela está com mais raiva desta vez.

É difícil dizer. A minha cresce e explode em chamas; a dela ferve


indefinidamente.

Talvez fosse bom para ela aumentar um pouco o volume. Deixar explodir.

— Você me disse para parar de dar detalhes. — Sua voz é baixa. Não
exatamente silenciosa, mas comprimida, assim como o resto dela enquanto se
encolhe. Como costumava fazer. — Mas no final, é isso que você tem me dado.
Certo? Detalhes. Partes. Foi com isso que concordamos. E isso é tudo que posso lhe
dar agora.

— Pode? — Eu desafio. — Ou vai?

— Ambos. E não deixarei você me intimidar para...

— Não me trate assim. — Meu pulso escoa pela minha cabeça, batendo em
cada centímetro do meu crânio. — Nunca mais. E depois de tudo o que passamos,
se você não pode confiar em mim o suficiente para simplesmente colocar tudo para
fora, então talvez nós...

Ela fica em silêncio, mas se desdobra.


— Então talvez nós... o quê? — sussurra.

O nó no meu peito afrouxa apenas o suficiente para eu pensar com clareza


novamente.

— Nosso trabalho não é estimular, é fazê-la se sentir segura aqui.

Eu me pergunto se meu pai sabe que seu conselho me seguiu por todo o mapa,
tagarelando em meu ouvido pior do que meus próprios pensamentos.

Ele ficaria chocado em saber que eu realmente o ouço, de vez em quando.

Então digo a ela: — Nada. Esqueça.

E então, pelo maior milagre do mundo, eu calo a boca. Sem mais estímulo,
mesmo que esteja me matando saber que há muito mais sob a superfície do que
ela me mostra.

Pela primeira vez, deixamos as coisas desequilibradas.


VINTE E CINCO

Talvez nós não possamos estar juntos.

Van não precisou terminar sua frase. Eu sabia exatamente quais palavras
seriam as próximas. Já esperava por elas, temendo o momento em que caíssem de
sua boca, desde que ele me beijou naquela pista de skate.

E sete anos atrás, elas eram inegavelmente verdadeiras.

Naquela época, eu sabia que não poderia tê-lo. Havia muito a fazer e muitos
quilômetros a percorrer, muito ainda para aprender sobre este mundo. O mundo
dele. E precisava estar sozinha.

Por mais grata que eu estivesse pela orientação de Van, eu estava cansada
de professores me contando como eram as coisas. Líderes me levando onde eu não
queria ir.

Profetas, me dizendo quem eu precisava ser.

Van olhou para mim como se eu fosse um presente estranho e perfeito caído
do céu a seus pés. Parecia que eu era...
...encantada.

Até ele tinha alguns padrões para eu cumprir, por mais inocente que
fosse. Ele me disse que eu o fiz sentir coisas novamente. Ele acreditava que eu
poderia consertá-lo.

Eu queria desesperadamente ser a garota que ele precisava. Mas não era. Eu
nunca poderia ser ela, não mais do que ainda poderia ser Jescha. Não havia
encantamento em mim, sem respostas... sem soluções rápidas. Apenas uma
fugitiva, ainda mais perdida do que ele.

— O que você está lendo? — ele pergunta, desligando o motor e girando em


minha direção. Eu me mudei do banco do passageiro para a cama em algum lugar
em torno de nossos trinta quilômetros de silêncio esmagador.

— Algo que li quando era criança.

Ele se aproxima. O outro lado da cama afunda com seu peso. Tensa, fico de
costas para ele e treino meus olhos no livro.

— É sobre o que?

— Pare, Van. Vim aqui porque não estou com vontade de ficar perto de você
agora, muito menos de conversar.

— Eu perdi minha paciência antes. E olha... eu entendo, Juni, eu realmente


entendo. Não querendo falar sobre merdas do seu passado. Só porque estou pronto
para descobrir, não significa que você está pronta para me dizer.

A passagem que tenho relido nos últimos dez minutos fica borrada. Duas
lágrimas escorregam para o lado do meu rosto.

— Dito isso — ele exala, — eu agradeceria se você pudesse tentar ver o meu
lado também. Conheço você há sete anos e ainda não conheço sua história.
— Você me conheceu duas vezes em sete anos. Não por sete anos. E de
qualquer maneira, e daí? Eu te conheço há tanto tempo, e ainda não tenho sua
história.

— Sim, você tem. Qualquer outra coisa seria apenas mais exemplos das
mesmas coisas. Então talvez você não tenha ouvido tudo, mas você sabe tudo.

Ele se inclina para perto, pairando acima de mim. Seu peso muda a cama
para que eu role e não tenha escolha a não ser encará-lo.

— Eu te contei tudo — ele diz. — E não farei você me contar o resto da sua
história se não quiser, mas..., mas se você não puder? Tipo, sempre?

Com uma respiração aguda, ele deixa as palavras desaparecerem. Seus


fantasmas dançam em volta da minha cabeça.

— Então talvez não possamos...

O mero pensamento me despedaça, coração e alma.

Sim, estávamos condenados antes. Não podíamos ter funcionado, naquela


época.

Mas sete anos muda muito, muito.

— É The Phoenix Seer. — Por fim, rolo e olho para ele. — Minha melhor
amiga e eu o líamos o tempo todo. Bem, não esta cópia exata, obviamente..., mas
nós íamos furtivamente até meu sótão e nos revezávamos lendo capítulos uma
para a outra.

Com as pálpebras semicerradas, ele estuda a capa e depois meu rosto.

— Por que o sótão?

— Não tínhamos permissão para ler ficção.


Por favor, não me faça dizer mais nada, imploro silenciosamente, enquanto
minhas cordas vocais congelam com o pouco que já dei a ele.

Porque não é pouco. Parece uma peça tão pequena, mas para mim... é tão
difícil de dizer quanto a história toda.

— O nome dela é Rebecca Hostetter. — E com isso, eu me viro e finjo


continuar de onde fingi parar. Van encaixa seu corpo contra o meu. É injusto o
quão calmo e estável está o batimento cardíaco dele, sangrando nas minhas costas
como se estivesse provocando meu coração por estar tão agitado.

— Eu tenho mais uma pergunta. Por enquanto. — As pontas dos dedos dele
estão incrivelmente quentes no meu pescoço, movendo meu cabelo até que ele
possa descansar seus lábios lá. — Se você não tinha permissão para tê-lo, como
você conseguiu o livro?

Eu sei que ele sente o estremecimento que eu dou. — Nós pegamos de


alguém. Uma garota que vimos no parque um dia.

Seus dedos traçam meu quadril, deslizando pelo meu umbigo e agitando as
páginas do livro, enquanto ele espera pacientemente que eu termine.

— Acho que... nós roubamos.

Alguns dias atrás, ele teria muito a dizer sobre isso.

Aquele Van não teria falta de comentários cortantes e insultos para jogar em
mim, trazendo a história antiga das profundezas tão rapidamente quanto eu joguei
seus pertences naquele lago.

Então, novamente, eu nunca teria confidenciado isso àquele Van.

— Aposto que aquela garota te perdoaria. — Ele beija minha nuca. Eu o sinto
sorrir quando suspiro, maravilhada em como esse pequeno toque pode trazer tanta
felicidade. — O livro obviamente significa muito para você, a ponto de procurar
outro exemplar.

— É uma boa história — aceno, fechando e admirando a capa que memorizei


centenas de vezes. — E me lembra de Rebecca.

Mais uma peça. Só por esta noite.

— É por isso que guardei o iPod que seu pai me deu. Ele me lembrava de você.

— Você poderia ter levado uma foto com você. Deus sabe que havia muitas.

Eu sorrio. As paredes da casa da fazenda estavam cobertas de fotos de Van,


da infância ao ensino médio, todas emolduradas e penduradas por sua mãe. Ele
ficou envergonhado quando seu pai me mostrou o local e se referiu a várias paredes
como outro santuário de Van, mas eu adorei.

Não tínhamos fotos em minha casa. Apenas uma única pintura a óleo da
crucificação, bem sobre a mesa de jantar, acima do prato extra que mamãe ou eu
sempre preparava. Era dez por cento de cada refeição, destinado a ser uma oferta
de agradecimento ao Senhor. Sempre achei bobo, e talvez até um pouco insultuoso
a Deus, acabarmos jogando aquela comida no lixo todas as noites.

Penso em contar isso para Van e dar a ele mais um pedaço da história..., mas
só de lembrar me deixa exausta. Frágil. Sentindo saudades da minha mãe muito
mais do que pensei que ainda fosse possível.

— Eu queria uma foto de nós dois — digo a ele em vez disso, as palavras
arrastadas pelo sono, — e nunca tiramos nenhuma.

— O que? De jeito nenhum, você está mentindo.

Balanço minha cabeça. — É verdade.

A cama se move. Estou muito longe para me virar e ver aonde ele vai; fico
feliz quando ele desliza de volta atrás de mim.
De repente, um flash sangra pelas minhas pálpebras.

— Aí.

Abro meus olhos. Ele está segurando meu telefone.

Preenchendo a tela estamos nós, eu meio adormecida com puro


contentamento no rosto; ele, aquele sorriso que adoro e os olhos mais azuis que o
azul.

— Agora você tem uma — sussurra, beijando minha bochecha enquanto


desliza o telefone na minha mão.
VINTE E SEIS

— Você recebeu minha carta?

Eu mudo meu telefone para o outro ouvido e aceno para Juni enquanto ela
desaparece na farmácia. Ela está convencida de que minha febre baixa deve ser
uma pneumonia mortal, então passamos a maior parte do dia discutindo se devo
ou não consultar um médico.

O acordo: ela pode me dosar com qualquer remédio que ela queira até
chegarmos ao próximo estado. Se não estiver melhor até lá, eu irei.

— Sim — digo a papai. — Parabéns. — Até eu posso ouvir o quão sarcástico


isso soa, mas realmente não é. Só não sou bom em parecer feliz pelas outras
pessoas. — Quando é o casamento?

— É, uh... é por isso que eu queria que você me ligasse mais cedo. — Papai ri
baixinho e suspira. Ele está chateado por eu nunca ter respondido, e não posso
culpá-lo.
Eu deveria ter ligado. Devo ser capaz de reunir mais de um simples,
parabéns, por sua segunda chance de felicidade.

— Você já casou, não é?

Ele está quieto. Acho que essa é minha resposta.

— Foi apenas Megan e eu, com algumas testemunhas aleatórias — ele diz, —
se isso ajudar. Não é como se tivéssemos um grande casamento e todos esses
convidados, e simplesmente não tivéssemos convidado você.

— Não, eu sei. Não estou, tipo, chateado ou algo assim. Casamentos são
chatos.

Sua risada é real desta vez, alta e zumbindo em meu crânio. Eu me sinto
sorrir.

— Há... mais — ele diz.

— Boas notícias? Ruim?

— Boas, mas não sei. Chocante.

Um arrepio percorre minhas costas. Febre maldita. Fecho as portas e me


enterro no cobertor. — O quê, — brinco —você a engravidou?

Mais uma vez, fica em silêncio.

— Jesus, pai. E todos aqueles sermões que você me deu sobre preservativos.

Desta vez, sua risada soa cagada de medo, que é a única resposta apropriada
que posso pensar. Megan tem quarenta anos; ela ficará bem. Muitas mães nova-
iorquinas estão carregando carrinhos de bebê e perseguindo crianças na idade
dela. Mas meu pai está chegando aos sessenta. Homens da idade dele mudam suas
posturas de golfe, não as fraldas.
— Parabéns por isso também. — Parece uma pergunta, mas ele ainda me
agradece. — Está, uh... Megan está animada?

— Oh, ela está emocionada. Você sabe que ela sempre quis um filho.

Fico feliz que ele não possa ver a cara que faço quando digo sim, eu sabia
disso. Megan é legal e tudo, mas ainda tenho um gosto amargo na minha boca de
quão amiga ela agiu quando nos conhecemos. Eu disse a ela que apreciava o
entusiasmo, mas eu tinha 21 anos na época, não precisava de nenhuma
mãe. Encontre outro Garoto Perdido, senhora, porque este cresceu.

Papai me deu um tapa decente na minha nuca por isso. Novamente, eu não
poderia culpá-lo.

— Como você está se sentindo? — pergunto, imaginando que devo a ele uma
conversa de verdade. Não sei por que não conversamos mais, para ser sincero. Nós
nos damos bem agora.

Especialmente por telefone, onde ele não pode ver as caras que faço quando
ele me irrita. Talvez seja por isso que ele se apega tanto às cartas, elas removem
meu tom de merda também.

— Aterrorizado, mas... ok. Animado. Ainda não sei.

— Não é como se fosse seu primeiro rodeio — ofereço. E se ele conseguiu criar
o bebê Van de um idiota cutucador para um adulto crescido sem emoções, quase
cético e questões de raiva à parte – ele pode lidar com quase tudo.

— Verdade. Mas acho que esse é o meu problema. Seus dias de bebê parecem
ter sido há muito tempo e tudo mudou desde então. Você sabia que monitores para
bebês têm câmeras de vídeo agora?

— Droga. Sem privacidade para ninguém, atualmente.


Nós compartilhamos outra risada. Espero tê-lo feito se sentir melhor, mesmo
que seja o mínimo.

Por precaução, decido acrescentar mais uma coisa antes de desligar: — Você
se sairá bem. Mais lento e grisalho, sim...

— Obrigado por isso.

— Mas não é como se você começasse do nada. Você conhece as cordas, desta
vez. — Agora estou realmente feliz por ele não poder ver meu rosto, porque então
ele saberia que cuspir isso parece cinquenta desculpas de uma vez. — Você é um
ótimo pai.

Há uma longa pausa.

— Sinto muito, as linhas devem ter se cruzado. Achei que estava falando com
meu filho.

— Veja — suspiro, — é por isso que não posso elogiar as pessoas. Todo mundo
é um espertinho.

Ele ri. — Obrigado. Isso... isso significa muito.

— De nada — murmuro.

— Você apenas terá que perdoar minha descrença. Não estou acostumado a
você elogiar, muito menos a mim. O que está acontecendo com você aí? A vida na
estrada deve estar mudando você.

Olho para as portas pelas quais Juniper acabou de desaparecer.

— Talvez um pouco.

— Bem, o que quer que você esteja fazendo, continue assim.


Estou fazendo Juniper Summers como se o mundo estivesse acabando, eu
acho.

Insira alguma piada do tipo “continue assim”. Não tenho energia para pensar
em nenhuma.

Não que eu diria qualquer um desses pensamentos ao meu pai,


obviamente. Além do fator de nojo, não estou com vontade de ouvir um de seus
infames discursos sobre embrulhar minha ferramenta.

Especialmente agora.

Isso, e não quero que ele me pergunte como Juni está, como acabamos juntos,
ou as centenas de perguntas que eu sei que ele terá, porque não sei se minha boca
poderia resistir a fazer a única pergunta relacionada a Juniper que eu tenho para
ele.

Por que você a deixou te beijar?

Acho que preciso desse pedaço da história de Juni mais do que qualquer
outra. E é por isso que estou com muito medo de perguntar.

Não há razão para suspeitar que ele seja algum pervertido que rouba
berços. Megan sendo quase duas décadas mais jovem o fez pensar; esqueça
qualquer um mais jovem do que isso.

Namorar em geral o assustava para valer. Inferno, o homem esperou quatro


anos depois da mamãe só para levar outra mulher para tomar café.

E Juni diz que não é o que parecia. Seja lá o que isso signifique, sei que
preciso confiar nela. Não podemos funcionar se não o fizer.

Mas ainda assim, algum pedaço minúsculo e retorcido de mim sempre se


perguntou se o encanto que me atraiu para Juniper... atraiu-o também. Mesmo
por um segundo.
Pare. Esses pensamentos são perigosos e me fazem sentir pior do que a
febre. É hora de guarda-los de volta no cofre mental a que pertencem.

Papai e eu conversamos um pouco sobre o cruzeiro, que eles estão


interrompendo graças ao enjoo matinal de Megan.

— Estaremos de volta à Nova York na próxima semana. Pare, se você estiver


na área. Mas, você sabe... eu entendo se não puder.

Meu mapa mental destaca as rotas que Juni e eu planejamos tomar. Quando
ele estiver na cidade, estaremos em Utah. Não adianta voltar para a costa leste.

— Sim, talvez — digo a ele, só para não quebrar o coração do cara. Depois
que desligamos, porém, eu percebo que realmente quis dizer isso. Sinto falta dele.

Ele provavelmente reagiria a essa notícia assim como ao meu elogio.

— Ok — Juni anuncia, abrindo a porta e sacudindo uma sacola de compras


para mim, — eu tenho quatro coisas diferentes. Não sabia qual você estaria
disposto a tentar.

— Desde que não sejam supositórios, tentarei de tudo.

Ela cumprimenta meu sarcasmo com um falso sorriso sedutor. — Aposto que
posso fazer você tentar isso.

— Se vista como uma enfermeira sexy e sim, talvez eu deixe.

Escolho um xarope antitérmico que é uma abominação contra as cerejas em


todos os lugares. Juni ri quando tenho que escovar os dentes imediatamente após
engoli-lo.

— Lembre-se do nosso acordo — ela grita pela porta do banheiro. — Se isso


não ajudar você está vendo um médico.
— Vai ajudar. Já me sinto melhor. Bom como novo. — Dou descarga
enquanto uso meu inalador, então ela não pode ouvir. Eu precisei muito mais do
que o normal hoje.

Ela dirige enquanto eu durmo. Na verdade, entrar em breve coma é mais


parecido, porque fico inconsciente pelo recorde de nove horas. É o mais longo que
dormi em meses.

Quando abro os olhos, ela está com a mão na minha testa.

— A febre passou — sussurra, puxando meu cabelo para trás.

Estalo meus dentes em seus dedos e pisco. — Eu te disse.

Caro Sr. Durham-Andresco,

Vimos suas compilações no YouTube e ficamos


muito impressionados. Gostaríamos de estender um convite....

— Poraaaa, sim.

— O que? — Juni engasga quando abre os olhos no chuveiro para me


encontrar bem em cima, no meio do caminho para fora da janela.

— Você tem que parar de fazer isso.


— Eu pararia, se eu pudesse caber naquele tubo de banho estúpido com você.
— Balanço meu telefone na frente dela. — Confira. A Associação Americana de
Skate Longboard me convidou para uma competição neste fim de semana.

O sorriso dela é tão brilhante que estou surpreso que a água não chie direto
para fora dela. — Fantástico!

Eu volto e releio a mensagem. — Quero dizer, é principalmente para novos


skatistas, os quais ninguém ouviu falar ainda, então é uma espécie de retrocesso
– mas os patrocínios são iminentes. Se você estiver meio decente, você sairá com
pelo menos um contrato.

— Então você sairá com cinquenta.

Eu me puxo para fora da janela e escondo meu sorriso.

— Ninguém gosta de um idiota.

Ela esconde melhor o dela. — Notado.

Assim que ela volta ao Transit, eu a coloco no colchão.

— Vamos celebrar.

A água que sua toalha deixou escapar brilha como a luz das estrelas em seus
ombros. Eu lambo cada conta e migro para seu estômago.

— Onde será a competição? — ela pergunta enquanto deixo um chupão em


seu quadril.

— Oh. Acho que devo verificar, hein? — Meu cérebro poupa duas células por
tempo suficiente para eu pegar meu telefone. — Uh... Medora. — Olho para ela. —
Dakota do Norte.

— Uau. — Ela limpa a garganta e se senta. — Não voltei lá desde...


— Sim. — Não há necessidade de completar essa frase. Eu sabia que quando
ela deixou nosso rancho, ela estaria deixando todo o maldito estado. Eu senti isso,
da mesma forma que acordei naquela manhã e simplesmente sabia que ela não
estava mais perto.

— Quando foi a última vez que você foi lá? — ela pergunta.

— Não voltei desde que você partiu. — Enrolo sua toalha e prendo-a na
cadeira de rede. — Papai e eu terminamos o verão, voltamos para Nova York e me
mudei.

— Mudou? Mas você tinha apenas dezesseis anos.

— Papai estava bem com isso. Precisávamos de espaço. — Eu precisava de


espaço. Eu não suportava que ele me olhasse como uma causa perdida ambulante,
não importa quantas vezes eu disse a ele que não havia roubado o dinheiro
dele. Não importa o quão óbvio fosse que sua pequena e preciosa fada tenha
armado para mim.

Eu respiro. Não fique com raiva. Aquela Juniper já se foi.

Seus braços se cruzam, abraçando sua cintura. — Foi por minha causa?

Minha hesitação carrega o ar. Eu traço o círculo perfeito de seu umbigo.

— Nah — digo a ela. A mentira mais curta que já disse.

— Vocês ainda têm o rancho?

Cutuco o chupão que fiz, já da cor de morango. — Não. Nós vendemos.

— Espero que não seja por minha causa também.

— Ia acontecer. Mamãe estava em todo aquele lugar. Precisávamos começar


a seguir em frente. — Esta é uma mentira parcial. Juniper foi um catalisador, mas
não a causa. Sua partida nos fez perceber que era hora de fazermos o mesmo.
— Se ajudar, vendemos para Howard. Ele juntou à propriedade dele e
transformou tudo em um santuário de cavalos selvagens.

Isso a faz sorrir e relaxar. Minha língua arrastando por suas coxas
certamente não machuca. — Bom. Gosto da ideia de ainda estar lá e de Howard o
ter.

— Eu também. Podemos visitá-lo após a competição, se você quiser.

E assim, a tensão voltou.

Começo a me perguntar se isso realmente desapareceu. Os dias desde nossa


última discussão trouxeram à tona uma versão mais tranquila dela.

Encolhida. Parecida demais com a garota que conheci.

Talvez seja todo o nosso passeio pelas lembranças. Não é nenhum segredo
que ela prefere esquecer sua antiga vida, e estou começando a achar que isso pode
incluir suas semanas no rancho.

— Ou... não — eu exalo. Droga. Público difícil.

— Não, não, podemos fazer isso. — Ela é tão convincente quanto eu quando
minimizava minha febre. — Se você quiser.

— Eu disse se você quiser. Eu realmente não me importo, de qualquer


maneira, exceto que podemos ver Howard. Achei que você gostaria de vê-lo, só isso.

— Eu gostaria. Só não sei se ele gostaria de me ver, depois do que eu fiz.

— Howard é incapaz de guardar rancores. É a sua maior falha.

Juniper ri baixinho, o som se transformando em um suspiro quando eu decido


encerrar toda essa conversa de Dakota do Norte com algo muito mais divertido: eu
empurro minha língua dentro dela sem avisar.
Ela deixa escapar uma sequência de pequenos ruídos divinos que eu com
prazer substituiria todas as minhas músicas. Eu alterno entre foder com minha
língua e lamber seu clitóris. Logo suas coxas se contraem contra meus ombros.

— Van — ela geme, arqueando as costas, pressionando-se com força contra o


meu rosto quando ela goza.

Eu me recuso a parar. Alcanço por baixo dela para segurar sua bunda para
que ela não possa se afastar quando o pico termina, e tudo está sensível. Tenho
vergonha de ter levado várias noites para aprender isso sobre ela, se eu continuar,
mesmo quando seus instintos a fazem empurrar minha cabeça, posso fazê-la
chegar ao orgasmo duas, três vezes seguidas.

Agora ela sabe o que estou fazendo. Seus punhos cerram contra meu cabelo
enquanto ela luta contra o desejo de me parar. Logo ela está ofegante novamente,
os quadris se contorcendo em minhas mãos enquanto eu devoro cada pedaço dela.

— Oh, Deus — choraminga quando o segundo bate.

Ela cruza os braços sobre o rosto. Tudo o que posso ver é sua boca, os dentes
mordendo seu lábio com força suficiente para tirar sangue, quando ela termina.

Nunca coloquei uma camisinha tão rápido na minha vida.

— Porra, sim — suspiro cerca de cinco segundos depois, quando empurro


minha ereção dentro dela. — Sua boceta ainda está tremendo, baby.

Seu rubor se espalhou do pescoço para o peito. Ela adora minha conversa
suja, mas fica envergonhada com o quanto ela gosta disso.

— Sabe — digo a ela, balançando para dentro e para fora com golpes
profundos e lentos que nos fazem gemer, — eu percebi algo.

Ela coloca uma mão na minha nuca, a outra afastando meu cabelo do rosto. —
O que?
— Você nunca fala sujo. Quer dizer, inferno, eu só ouvi você xingar duas
vezes, então eu acho que não é nenhuma surpresa que você não possa dizer pau ou
boceta ou Foda-me loucamente, Van, ou...

— Eu posso — ela ri baixinho, — eu só... não faço. Todas essas palavras soam
tão forçadas, quando as uso. — Ela pousa o dedo nos meus lábios. — Mas elas se
encaixam perfeitamente na sua boca imunda de marinheiro.

Desta vez, quando eu finjo que vou abocanhá-la, ela me deixa fazer isso. Eu
mordo suavemente e molho a ponta do dedo até que ela saiba exatamente o que eu
gostaria que ela fizesse com ele.

Quando ela chega entre nós para esfregar seu clitóris, quase perco o
controle. Ela é muito tímida em se tocar na minha frente.

Mas agora, ela inclina a cabeça para trás e se perde completamente.

— Eu gozei tão rápido e fortemente ouvindo você dizer apenas uma coisa suja.
— Eu recuo para a ponta, em seguida, penetro com força novamente.

Seu gemido se estende ainda mais.

Sua mão se move mais rápido.

— Mais forte, Van....

Imediatamente, eu obedeço. A cama range; aquele armário quebrado no


depósito embaixo da cama chacoalha como um furacão rasgando. — Mais.

— Não sei o que dizer.

— Diga-me para te foder. Diga-me que você está prestes a gozar no meu pau.

— Foda-me, Van — ela consegue, fechando os olhos com mais força e me


puxando para mais perto. Puxo o lóbulo da orelha entre os dentes e mordo,
sorrindo quando ela respira, — Estou gozando no seu pau.
Como previsto, eu tenho um orgasmo rápido. E tão, tão forte.

— Merda, Juni — gaguejo, o som sufocado quando empurro meu rosto em seu
pescoço e empurro o mais fundo que posso. Meus ouvidos zumbem, tudo soando
como uma televisão no mudo quando eu solto.

Nós nos abraçamos por tanto tempo que nossos braços começam a
adormecer. Eu rolo fora dela; ela se enrola no meu peito e estremece.

— Viu? — ofego. — Você foi ótima. Continue praticando e você terá uma boca
ainda mais suja do que a minha.

Ela beija o caminho até meu peito. — Eu acho que a sua é suja o suficiente
para nós dois.
VINTE E SETE

— Isso te incomoda? Seu pai ter outro filho?

— Não é como se isso mudasse minha vida, absolutamente. Eu não moro mais
com ele. — Van levanta um dedo do volante, apontando para uma saída com uma
Waffle House. — Café da manhã para o jantar?

Encolho os ombros; ele dá a volta.

Por mais tenso que ele pareça, decido pressionar um pouco mais. — Digo,
como o fato dele ter um filho com uma mulher que não é sua mãe.

Van mastiga sua bochecha. — Realmente importa como eu me sinto sobre


isso? Está acontecendo de qualquer maneira.

Sob meu olhar, ele se contorce e estala os nós dos dedos no painel.

— Ok, sim — confessa, — é estranho. Mas vou superar. Quero dizer, o cara
esperou anos apenas para namorar outra pessoa, e já se passou uma década desde
que minha mãe morreu. Ele pagou suas dívidas de viúvo, isso é certo. Por que não
ter outra família enquanto ele ainda pode?
— Você sabe que não é isso que ele está fazendo. Ele ainda terá uma
família. Está apenas... expandindo. E isso significa que a sua também está.

— Boa ideia, mas um pouco simplista demais para o meu gosto — ele bufa. —
Os três ficarão sob o mesmo teto, vivendo uma rotina. Uma vida. Alguns feriados
e brunches de fim de semana podem me apresentar, claro, mas não faço parte do
elenco principal.

Pela primeira vez, não consigo pensar em uma perspectiva positiva para
combater a negativa. Possivelmente porque não soa mal, apenas factual.

Ou isso, ou acabei de ser enganada por outro de seus discursos


superconfiantes para conseguir o que quer. Neste caso, é um fim rápido para esta
conversa que eu dou a ele. Não gosto de falar sobre o pai dele por mais de alguns
minutos.

Inevitavelmente, ele trará o beijo. Eu sei que algo em Van precisa dessa
resposta, embora ele não queira. E ainda não sei como explicaria a ele.

Na lanchonete, sentamos em nossa cabine e pedimos café descafeinado,


quente como o inferno. Van estremece no ar-condicionado de gelar os ossos,
batendo na minha mão quando o examino por febre.

— Pare com isso. Estou bem. — Mudando de assunto, ele acena o telefone
para mim. — Mandei uma mensagem para Howard perguntando se podemos
passar a noite no rancho, quando a competição acabar.

Minha fome se transforma em algo raivoso, fazendo um buraco no meu


estômago. Não quero falar sobre Howard mais do que quero falar sobre o pai
dele. — O que, uh... o que ele disse?

— Ainda não respondeu. — Van rola sua tela preguiçosamente antes de


desligá-la, usando o reflexo para arrumar seu cabelo. — Eu disse a ele que
provavelmente apenas estacionaríamos o Transit e ficaríamos nele, se parássemos.
— Seus olhos brilham nos meus. — Mas não precisamos.
— Você decide.

— Você fica dizendo isso como se não se importasse, de qualquer maneira.


— Ele cruza os braços e se recosta na cabine. — Mas tenho a sensação de que você
se importa muito. Seria ótimo se você realmente dissesse.

— O que você quiser fazer — asseguro a ele, e forço um sorriso casual antes
que a garçonete volte com nosso café.

Eu desprezo a ideia de voltar para Dakota do Norte, quanto mais para o


rancho. Mas eu prometi a Van que o levaria aonde ele quisesse.

Ele não menciona nosso acordo há dias. Queria poder esquecer também: dizer
que tudo está equilibrado e aproveite este novo capítulo. Afinal, esse acordo foi
feito entre duas pessoas muito diferentes das que estão sentadas uma em frente à
outra agora.

Mas ainda tenho que consertar o que estraguei. Não importa o quanto as
coisas tenham mudado entre nós. Fosse o que fosse.

Se algo realmente mudou.

Afasto essas dúvidas, mas o eco permanece. Continuo ouvindo isso na voz de
Clara, em nossa conversa nos Hamptons.

Eu parei de mandar mensagens para ela agora, embora parte de mim esteja
morrendo de vontade de uma atualização sobre ela e Wes. Não porque adoro
drama. Acho que só preciso de uma prova de que uma garota pode namorar um
Durham e sair inteira.

Eu não perguntei, no entanto. Estaria fora de linha; ainda somos amigas


muito novas. Mas também não sei se quero saber.
Desde que Van e eu ficamos juntos, o tempo diminuiu para um lindo
rastejar. Como estar no ar, preso dentro de um céu azul. É muito mais fácil ceder
a isso com ele, excluindo o resto do mundo.

Aproveitando nosso tempo ao sol, recusando-se a nos preocupar se cairemos.

— Deus, você e suas hashtags. — Van espia por cima do meu ombro enquanto
público minha foto no Instagram: o Transit, visto pela janela da Waffle House,
reflexos de letreiros de neon e caminhoneiros borrados no vidro.

— Hashtags são como eu fiz seus clipes de compilação se tornarem virais, —


eu o lembro — então fique quieto.

— Hashtag: vida de van — ele gorjeia, me ignorando e lendo tudo que


digito. — É por isso que você escolheu esse estilo de vida? Então você poderia
legitimar colocar meu nome em todos os lugares e não soar como se tivesse sentido
minha falta?

— Pura coincidência — digo a ele.

— Não existe. — Ele gira minha cadeira para o corredor e me beija quando
passa, me girando de volta antes que eu possa recuperar o fôlego.
Paramos para abastecer perto de Lincoln; eu aceno contra minha janela.

Eu pulo acordada, assim que ele retorna e bate à porta.

— Uau. — Esfrego meu rosto. — O que aconteceu? — Não é incomum uma


parada atiçar sua raiva. Recebemos muitas pessoas maravilhando-se com o
Transit e fazendo perguntas que ele considera muito pessoais, mesmo que não
sejam dirigidas a ele. Na verdade, acho que ele se ofende mais por mim do que por
ele mesmo.

Pela maneira como ele agarra o volante, respirando com dificuldade e olhando
para frente, sei que não é um desses momentos.

É algo diferente.

Algo pior.

Seu telefone pousa no meu colo. — Howard acabou de me responder.

Aquela sensação corroída em meu estômago retorna.

Quando pego seu telefone e rolo, isso se espalha pelo meu coração.

Você sabe que é sempre bem-vindo aqui, Van. Mas não sei se a visita
de Juniper é uma boa ideia.

E se eu fosse você... Eu observaria as coisas atentamente com aquela.

Seu pai não queria que eu contasse isso na hora – ele sabia que você
não aceitaria bem – mas agora que sei que você está namorando-a, parece
errado manter minha boca fechada.

Minhas lágrimas borram o resto. O querosene escorre pela minha garganta


enquanto desligo a tela, coloco no porta-copos vazio e espero.

— Você beijou Howard também?


Não preciso olhar para ele para saber que tipo de olhar ele está me
dando. Não é um azul doce e calmo, e não é protetor.

É frio como pedra, e cheio de ódio escaldante e infinito que eu estupidamente


pensei – ou talvez apenas esperasse – ter ido embora para sempre.
VINTE E OITO

— Não é como parece.

Graças a Deus estávamos em um posto de gasolina quando Howard


respondeu; eu li enquanto estava na fila para pagar, jogando algumas notas extras
para os cigarros quando cheguei ao balcão. Juni me convenceu a não comprar mais
depois que meu último pacote acabou.

Ela me convenceu de um monte de merda.

Dirigimos por cerca de vinte minutos antes que eu não aguentasse mais. Eu
paro ao lado de um campo e saio.

Alguns grilos cricrilam na grama à frente, mas nada mais. É como se a


natureza se calasse, sabendo que estou a dois segundos de ficar malditamente
barulhento.

Eu termino um cigarro e começo um segundo antes de Juniper abrir a porta.

— Tem certeza que deveria fumar?


— Você tem certeza que era virgem quando eu comi você? — estalo, e me
arrependo no segundo em que falo, antes mesmo de me virar a tempo de vê-la
encolher em seu assento.

Mamãe sempre me disse que levava a discussão longe demais. O maior


eufemismo de sua vida.

Algo horrível vive dentro de mim. Mais forte do que qualquer cão de guarda,
mais nojento do que qualquer parte quebrada da minha alma, me faz caçar o único
botão que certamente destruirá uma pessoa. Qualquer um que me machuque,
embora eu não possa admitir que seja o que eles fizeram.

E não apenas aperto esse botão. Eu bato com tanta força que se estilhaça.

Eu sei que ela era virgem. Foi a maneira como ela se abriu para mim. Me
beijou.

Segurou em mim.

Mas a coisa fodida dentro de mim quer pegar o presente de Juni e transformá-
lo em algo irreconhecível, amassá-lo e chutá-lo de volta para ela.

E como não posso, acho que insultá-la fingindo que não era real é a segunda
melhor coisa que a besta pode inventar.

— Há algo que eu possa dizer que você acredite? — ela sussurra.

— Sim. — Acendo o cigarro com muita força, quebrando-o. A coisa toda sibila
quando jogo um pouco na água da chuva e a encaro. — Você pode parar de dizer:
Não é o que parece ou não é o que parecia, e realmente me dizer o que diabos era.

Sentada de lado em seu assento, as pernas penduradas na porta aberta, ela


coloca o rosto entre as mãos. Alguns segundos se passam antes que ela olhe para
cima, os dedos travados atrás do pescoço. Ela olha para o campo, não para mim.
— Eu estava confusa. Bagunçada. Eu pensei... pensei que eles queriam que
eu fizesse isso.

— Jogando-os debaixo do ônibus. Legal. Banal como a merda, mas,


sabe. Pontos por fazer um esforço de uma mentira ser algo verossímil.

— Não por causa de qualquer coisa que eles fizeram — ela late, o eco de sua
voz engolido no nada do céu. — Apenas por causa do que eles
eram. Homens. Homens mais velhos. Aqueles que estavam me dando tudo isso,
me ajudando... Até aquele ponto, era tudo que eu sabia. Os homens esperavam
isso, especialmente se eles ajudassem de alguma forma. — Sua voz falha e ela se
acalma. — Era assim de onde eu vim.

— De onde você veio. O maior mistério de todos. — Cruzo os braços e me


inclino contra o Transit, sentindo-o balançar sob meu peso.

Levantamos nossos olhos ao mesmo tempo, olhando para o mesmo ponto ao


longe quando uma ave de rapina grita.

— Crown Plains.

Acho que ela está batizando o campo ou algo igualmente maluco, até que olho
para ela e vejo que está com os olhos fechados, encostada no para-brisa. Seus pés
descalços balançam com a brisa.

— Crown Plains — repito.

Hesitando, ela balança a cabeça. — É de onde eu venho.

— Nunca ouvi falar.

— Exatamente. Não era real. É assim que nos disseram que se chamava.

Ela passa as duas mãos pelo cabelo enquanto eu fico lá e lamento o fato de
que nunca serei capaz de ver uma mulher fazer isso sem pensar nela depois de um
orgasmo, ou Yoga, ou quando o ar está abafado e o suor escorre em sua espinha do
jeito que eu amo.

Lamento muito mais do que isso, na verdade. Como chegamos aqui, de volta
ao ponto de partida?

Pior do que onde começamos?

— Quem? — Foda-se, eu acendo outro cigarro. Meu peito dói muito para
conseguir mais do que um par de tragos, então eu jogo aquele na poça
também. Parece que há uma pedra no meu peito, mas meu inalador só ajuda um
pouco.

— Nossa igreja.

— Sua igreja? — Eu zombo, embora não seja minha intenção. Parece tão
bizarro, não sei mais o que fazer. Que igreja inventa um nome de cidade falso, só
para se divertir?

Essa é a história de Juniper. Cada peça adiciona outro detalhe ao quadro


geral, mas obstrui a visão pior do que antes.

— Quanto mais eu sei sobre você — digo a ela, — menos sinto que eu sei.

Ela abre os olhos e me encara. — Nada que você não consiga descobrir online.

— Não falo sobre a porra das suas postagens no Instagram ou no blog — grito,
mas apenas porque ela fechou a porta antes que eu pudesse falar.

A besta profana levanta a cabeça novamente.

Não, cabeças. Acho que tem um milhão, cada uma rangendo seus próprios
dentes e gritando uma ideia diferente e horrível para mim.

Eu soco a porta lateral sem pensar, sem me importar se ela deixar uma marca
e quebra minha mão. Eu a flexiono enquanto ando pelo Transit, me perguntando
se é mais apropriado chamar Howard para uma carona de onze horas até sua casa
do que se minha mão estiver quebrada. Eu decido não em ambos os casos.

— Talvez seja melhor se eu simplesmente deixar você no rancho — ela diz


depois que eu me coloco de volta e ligo o motor. — Depois que a competição acabar,
eu quero dizer. Você pode visitar e descansar enquanto eu acho um
acampamento. Então, quando você estiver pronto para chegar ao próximo lugar,
eu vou buscá-lo.

Isso é, essencialmente, o que havíamos planejado no início deste acordo,


Juniper passaria o verão sendo meu glorificado táxi, pisando no acelerador à
minha disposição até que qualquer ser místico em que ela acredita nos considere
quites.

Em outras palavras, não é que essa ideia seja nova.

Portanto, isso não deve perfurar minha cabeça como faz, afiado pela
percepção de que uma namorada – uma verdadeira – nem mesmo sugeriria isso.

E um namorado nem mesmo cogitaria. Mas aqui estamos. Não acredito que
pensei que íamos funcionar.

O que é realmente patético é que, pela primeira vez na minha vida, eu estava
realmente pensando com a minha cabeça. O bom senso me disse que é claro que
nós funcionaríamos, se apenas quiséssemos o suficiente. Claro que ela me contaria
a verdade antes que fosse tarde demais para importar.

— Apenas me deixe no rancho, ponto final.

O silêncio vibra tanto que estou convencido de que é a conexão auxiliar, até
confirmar que o aparelho está desligado. Ela está com seu iPod nas mãos,
segurando-o como se ainda fosse a coisa mais preciosa que ela possui. Como se
estivesse com medo de que eu tirasse dela.
A besta quer. Ele sabe, sem dúvida, que jogar aquele pedaço de metal e chips
de computador nesta estrada quebraria Juniper Summers, do jeito que ela fez
comigo muitas vezes para contar.

O cão de guarda não se atreverá a tentar, porra.

— Pensei que você não queria que eu o deixasse — ela diz.

Mantenho minha resposta na minha língua. Dói muito pensar nisso.

Você não está. Eu estou abandonando você.

— Estamos quites, Juni. — Eu bato meu inalador novamente para que ela
não possa ouvir o quão forte eu engulo. — Sua dívida está paga.

— Não, não está.

— Eu não me importo. Estou cancelando.

Não adiciono o resto. A menos que.

A menos que ela possa me dizer, de uma vez por todas, do que ela fugiu. Do
que ela ainda está fugindo, ela querendo admitir ou não.

Mas é muito tarde. Qualquer que seja sua história, não pode ser suficiente
para desfazer o resto.

— Ok — ela diz tão suave que se afoga na agitação que rasga nossas
janelas. Eu as abaixo para tentar respirar melhor. Agora acho que acabei de criar
um vácuo, sugando qualquer coisa remotamente valiosa para fora deste carro.

Ela vai para a cama. Tudo o que posso pensar em fazer é continuar dirigindo.

As pessoas sempre dizem que as coisas ficarão melhores pela manhã. Acho
que não é desse tipo que eles estão falando.
— Cristo — Van suspira quando volta para dentro após fumar. Pensei em
oferecer um guarda-chuva, mas era tarde demais; ele já havia caído na chuva. Nas
duas horas que estive acordada, vi o céu ficar cada vez mais escuro. Em um ponto,
acho que era verde.

— Aqui. — Passo uma toalha que ele se recusa a pegar, mas muda de
ideia. Ele até me agradece.

Temos uma troca semelhante quando ele tem um ataque de tosse e não
consegue encontrar o inalador, mas eu o desenrolo do retrovisor, onde ele o
pendurou, e jogo para ele.

É assim que temos estado desde o café da manhã – calados e educados.

Ele não me odeia novamente. Isso deve me trazer conforto.

Em vez disso, reduz meu coração a nada.

Isso é pior do que o ódio, indiferença.

Não sou especial o suficiente para proteger e muito sem importância para ser
odiada. Estou sendo esquecida.

— Quão longe estamos? — pergunta.


— Depende.

Ele me encara, depois encolhe os ombros com impaciência. — De que?

— Se vou te levar para Medora e esperar pela competição, então te levo para
o rancho — digo, me recusando a tirar os olhos do meu telefone enquanto ele muda
para roupas secas, — ou se você prefere ir direto para o rancho agora, e Howard
leva você para a competição.

Tradução: se eu ficarei mais dois dias com você... ou mais algumas milhas.

Não consigo decidir o que prefiro. Este último é um pouco menos doloroso.

O primeiro significa um pouco mais de tempo ao sol, mas mais longe para
cair.

— Olha, Juni... noite passada...

— Estamos a três horas do local da competição — digo a ele, antes que ele
possa terminar seu pensamento, — ou a uma hora do rancho. Apenas me diga para
onde estou levando você.

Não duvide da noite passada.

Por favor, não me deixe ser a pessoa mais forte aqui.

Apesar de todas as nossas palavras suaves e dessa tristeza se apegando a nós


como a névoa da chuva na estrada, nós dois sabemos que a noite passada revelou
duas verdades cruciais que não podemos ignorar.

Um: Van precisa entender minha história, toda a coisa feia, para confiar em
mim.

E dois... não posso contar até saber que ele confiará em mim de qualquer
maneira.
Chegamos a um impasse, que deveríamos ter visto o tempo todo. É melhor
admitirmos para nós mesmos agora, em vez de mais tarde. Não podemos
funcionar.

Não sete anos atrás. Não agora.

Sento no banco do motorista e prendo meu telefone no suporte, o dedo


posicionado sobre o aplicativo GPS. Minha mão treme, mas respiro fundo e a firmo,
depois pressiono o endereço do rancho. Ele não corrige minha escolha.

— A noite passada era inevitável — digo a ele. Apesar de todas as lágrimas


presas na minha garganta, minha voz está firme. Na verdade, quero dizer essas
palavras, embora me mate ao dizê-las.

Van e eu somos feitos de cera e penas. Nunca foi uma questão de se cairmos,
perto demais do sol para nosso próprio bem.

Sempre foi uma questão de quando.


VINTE E NOVE

Geralmente, Van insiste em dirigir quando o tempo está ruim. Sua visão é
pior do que a minha, mas sua confiança em tempestades é exponencialmente
maior. Ele gostava de brincar que era, à sua maneira, um bom equilíbrio.

Hoje, chegamos a cerca de vinte minutos de tempestade quando ele diz que
quer trocar.

— Preciso me deitar. — Ele tosse em seu cotovelo ao parar, na metade de


uma vala. O ângulo inclinado do chão parece uma casa divertida quando subo em
seu assento.

Desesperadamente, quero perguntar se ele está bem. Essa necessidade de


cuidar dele quase arranca minhas mãos do volante.

Aí eu me lembro de que não é mais minha função cuidar dele, então fico quieta
e começo a dirigir.

Ele dorme irregularmente, em vez de ficar de lado e imóvel como ele


normalmente faria. Eu finjo que ele está perto o suficiente no meu espelho para eu
traçar os ângulos de sua mandíbula mais uma vez, ou as sombras de sua
garganta... ou as tatuagens envolvendo seu ombro.

Ainda não consigo decidir se é apropriado ou irônico que o menino que adora
voar por um céu cheio de sol, esquecendo que é mortal, esteja pintado com um
frágil avião de papel e uma lua imperfeita cheia de crateras, em vez de asas e um
sol.

Adequado, eu decido. Os aviões de papel são feitos pelo homem e são


igualmente frágeis. A lua é tão bonita quanto o sol.

E é tão perigosa e mortal, se você cair do lado errado. Meu coração não bate
forte quando chegamos ao rancho. Enquanto eu navego pelos sulcos da garagem
principal, varrendo meus olhos sobre os prédios e pastagens familiares, não sinto
quase nada.

Então eu vejo a casa da fazenda e a antiga janela de Van, bem ao lado da


minha.

— Fale comigo.

— Eu não quero falar.

— Então me diga como melhorar.

— Porra — suspiro, deixando o palavrão correr do meu peito para que as


lágrimas não explodam dos meus olhos.

Não é apenas tristeza. É raiva, mais feroz do que qualquer outra que eu já
senti em relação ao que quer que controle este universo.

Por que isso me colocou na vida de Van, sabendo como estávamos quebrados
e destruídos?

Quão cruel é fazer isso duas vezes?


— Chegamos — chamo, sufocando o soluço. Eu me recuso a chorar até que
ele vá embora, porque não quero que ele pense que estou duvidando também. Eu
não estou.

Meu coração está se partindo, como acontece quando você tem que deixar
para trás tudo o que você conhece bem.

— Van? — Eu verifico o retrovisor. Ele ainda está se revirando, mas mais


devagar do que durante a viagem. Ele não acorda.

Estaciono longe o suficiente para que Howard não se sinta obrigado a vir
dizer oi, depois me viro para o corredor e chamo seu nome novamente.

Atrás de seu resmungo, ouço uma respiração irregular e tensa. Eu me levanto


e toco seu ombro, bem na lua, para sacudi-lo.

Ele está queimando.

— Van. — Eu arranco o cobertor dele. Seu inalador não está em seu pescoço.

Eu subo em cima dele, dando tapinhas em cada centímetro da cama até


encontrá-lo debaixo de seu travesseiro. Tirando a tampa, eu direciono minhas
mãos trêmulas para administrá-lo. Não adianta. Ele não consegue respirar o
medicamento em seus pulmões profundamente o suficiente.

Pela janela, vejo a porta da casa da fazenda se abrir.

Howard sorri da varanda, mas ele desaparece quando eu grito e paro na parte
inferior.

— Van está doente — deixo escapar, quase caindo da porta do lado do


motorista. — Ele está com febre, não está respirando direito...

— Ei, está tudo bem. Nós vamos tratá-lo, Juniper, não se preocupe.
Howard hesita por apenas meio segundo antes de colocar a mão no meu
ombro. — Onde ele está?

— Lá atrás — digo a ele, sentindo-me uma criança feliz por passar isso para
um adulto de verdade. Deve ser o rancho, essa sensação de voltar no tempo, não
menos desamparada e insegura do que quando tinha quinze anos. Eu vejo Howard
escancarar a porta e entrar.

— Juniper — ele chama, — você tem bolsas de gelo? Panos, toalhas?

O medo é útil; a adrenalina que despeja em meu sistema me guia através das
ações que meu cérebro não consegue controlar. Molho uma toalha de praia na pia
e fico olhando enquanto Howard a coloca sobre Van. Eu me atrapalho com meu
telefone e ativo o cronômetro enquanto ele toma seu pulso.

Ligo para o 911 quando ele me diz que Van precisa de uma ambulância. Seus
lábios estão azuis. Ele não está recebendo ar suficiente.

É muito familiar, muito recente, o uivo das sirenes pelas copas das árvores,
os paramédicos me arrastando. Quando eles perguntam se estou indo com Van,
meu coração grita que sim. Sim, vou com ele. Vou ficar.

— Eu irei — Howard diz, antes que eu possa convocar as palavras.

A boca não responde tão rápido quanto o coração.

— Juniper — ele diz, antes de entrar na ambulância, — faça-me um favor,


corra para dentro e diga à minha esposa que estarei no hospital.

— Mas... — Vamos, boca.

Diga que você não o deixará.

— Você deveria ficar, tentar se acalmar. Candace cuidará de você, certo? O


que você precisar. — Ele se senta na parte de trás e se endireita, acrescentando:
— Vou ligar para o telefone da casa e mantê-la atualizada.
E com isso, eles fecham as portas.

Eles dirigem.

Eles pegam meu protetor, meu Ícaro caído, e o puxam da minha vida como o
fio que eu não queria acreditar que ele era.
TRINTA

— Faz muito tempo.

Meu rosto congelado nem consegue espelhar o sorriso de Candace. Ele


consegue agradecê-la pelo chá oolong que ela me serve, então acho que é alguma
coisa.

Já se passaram dez minutos desde que a ambulância saiu. Os filhos de


Howard correm pela casa da fazenda como se nada tivesse acontecido. Acho que
nada mudou em suas vidas.

A mobília é praticamente a mesma de quando eu morava aqui, mas as


paredes parecem nuas sem aquelas fotos de Van. Apenas uma, uma simples dele
com seu pai e Howard na frente do celeiro, ainda está pendurada acima do micro-
ondas.

O ar tem o mesmo cheiro. Sob os cheiros superficiais de amaciantes novos,


comidas diferentes, chás de maceração embutidos nas paredes da cozinha... esta
casa ainda cheira a tinta envelhecida e armários fechados, lilás34 que bate no deck
dos fundos e terra queimada pelo sol.

Isso me quebra.

— Juniper? — Quando começo a soluçar, Candace põe a mão nas minhas


costas da mesma forma que o marido tocou meu ombro: insegura, mas
determinada a me ajudar.

Ele deve ter dito a ela que eu o beijei. É daí que vem sua hesitação. Eles não
podem confiar em mim.

Não mereço a gentileza dela, mas aceitarei avidamente cada gota.

— Ele ficará bem, querida. — Ela puxa sua cadeira para perto da minha e
me abraça. Eu me agarro a ela como se ela fosse minha própria mãe, e odeio que
meu instinto me lembre de que Crown Plains está por perto. Eu poderia ir procurá-
la.

Não, você não pode, a lógica recorda cruelmente. Crown Plains já não existe
mais. Onde quer que ele se movesse, a mamãe o acompanhava.

E ela não quer ir embora.

Candace esfrega minhas costas em círculos lentos e me diz coisas que sei que
ela não pode prometer. Estou feliz que ela faça, no entanto. Minhas lágrimas
secam. Meus membros estão firmes, especialmente quando abro os olhos e vejo
cada um de seus meninos na porta, em silêncio e encarando.

Cuide da sua mãe, quero dizer a eles. Ela está onde está sua casa.

E se você a perder, nunca mais se sentirá em casa de verdade.

34 Um arbusto ou pequena árvore da família das oliveiras da Eurásia, com flores perfumadas de
violeta, rosa ou branca e é amplamente cultivada como ornamental.
Não importa aonde você vá.

Quando estou calma o suficiente para me afastar, bebo meu chá e penso em
contar a Candace a verdade sobre o que aconteceu entre Howard e eu. Na
superfície, sim, é tão simples quanto a versão que tenho certeza que ele deu a ela.
Eu o peguei na cocheira, quando ele se sentou na cama que me emprestou para
testar seu peso.

— Experimente — ele disse, e deu um tapinha no espaço ao lado dele.

Eu fiz.

Então me inclinei e pressionei minha boca na dele, apenas para acabar com
isso. Afinal, era inevitável.

Não era?

Mas, em vez de me beijar de volta, Howard me empurrou gentilmente.

— Não — sussurrou, a raiva escurecendo seus olhos. Ele passou a mão pela
boca, como se esfregasse papel com uma borracha.

Então ele saiu enquanto eu me perguntava o que diabos eu havia feito de


errado.

De onde eu vim... os homens não se sentam na sua cama sem motivo. Eles não
apenas ajudavam você. Eles sempre queriam alguma coisa.

Nada nesta terra é de graça.

Eu poderia começar com isso. Algumas frases simples.

Elas prendem meu queixo, no entanto. Há memórias acorrentadas a elas, e


cada uma torce meu estômago só de imaginar dizê-las em voz alta.
Van acha que fugi da minha antiga vida na noite em que cheguei aqui. Uma
descrição muito mais precisa, eu escapei.

A fuga aconteceu depois, quando saí do rancho. E tenho feito isso desde então.

Não consigo parar de me mover. É quando as memórias me alcançam.

— Tem certeza de que está bem para dirigir? — Candace fecha a porta do
motorista do Transit comigo, empurrando quando eu puxo, como se estivesse
secretamente feliz por se livrar de mim. — Howard deve ligar com uma
atualização, em breve.

Eu não estou esperando. Meu coração não se acalmará até que eu veja ou
ouça por mim mesma que Van está bem.

O hospital fica a vinte minutos de distância. Deixei a voz robótica do GPS me


guiar da mesma forma que Howard me disse o que fazer antes, feliz que meu
cérebro ainda não precisasse fazer um trabalho real.

O estacionamento é pequeno, mas lotado. Estaciono e pego minha bolsa,


então a mochila de Van.

Coloco o livro dentro primeiro.

Então pego todas as suas roupas, seu telefone e o carregador. Sua toalha de
praia ainda está encharcada de quando Howard tentou abafar sua febre, então eu
coloco a minha no lugar.

Ele provavelmente nunca a usará; há uma mandala nela. Muito hippie para
Van.

Mas há um senso de justiça em dar a ele, e eu manter a sua molhada, que vai
além da conveniência. Existe algum tipo de equilíbrio.

Deixo os skates e equipamento atrás. Por enquanto.


— Juniper. — Howard me lança um olhar ríspido quando entro na sala de
espera.

Eu me pergunto se é a mesma que Van uma vez esperou, por mim.

— Candace me disse que você estava vindo, — ele diz — mas eu realmente
queria que você não tivesse dirigido.

— Como ele está? — gaguejo, ignorando as garantias de que eu estava bem


para dirigir. Talvez eu não estivesse. Mal consigo me lembrar da viagem do rancho
até aqui.

Mas, estou aqui. Estou onde Van está. Isso é tudo que me importa, mesmo
que não possa ficar por muito tempo.

— Ainda não ouvi. — Howard aponta para uma cadeira, então eu me sento.

Ele me serve café. Gosto que ele e a esposa pensem em me consolar com
bebidas quentes. É como Wes e Theo me deixando usar seus chuveiros, um gesto
tão pequeno e simples, mas cheio de calor mais figurativo do que literal. Não sei
se algum deles sabe o quanto essas coisas significam para mim.

— Ele quase se afogou — digo de repente, sentando-me ereta e virando minha


bebida. — Algumas semanas atrás, no Lago Linon – preciso avisar o médico. E se
ele tiver pneumonia?

— Ei, ei, sente-se, vou garantir que eles saibam.

Eu sento, a princípio. O instinto me diz para encolher e deixar outra pessoa


cuidar disso. Van não é mais meu para proteger.

— Não. — Desta vez, meu coração usa minha boca como o microfone
deveria. Passo meu café a Howard e vou para o corredor. — Eu direi a eles.

O posto de enfermagem está silencioso. Isso não me impede de bater os braços


no balcão e vomitar todas as informações que posso dar de uma vez, até que um
homem pisca e me pede para diminuir a velocidade para que ele possa digitar no
sistema.

Conto tudo a ele, quanto tempo Van ficou embaixo da água no lago Linon, o
nome do médico naquele dia, os antibióticos que ele não tomou. Eu até acrescento
o fato de fumar, toda a sujeira que ele provavelmente inalou ao andar de skate, e
quando ele caiu na piscina do Theo.

— Obrigada — a enfermeira diz, parecendo um pouco esgotada depois de


ouvir meu discurso pela segunda vez. — O médico dele já pode saber, mas é sempre
melhor prevenir do que remediar, certo?

Meu rosto imita seu sorriso, mas não acho que seja convincente.

As horas passam. Howard me oferece chips da máquina de venda automática,


que recuso em favor de mais café. Bebo cada xícara logo após ser servida. Quente
como o inferno, do jeito que Van gosta.

Pneumonia bacteriana, o médico nos diz. Nunca em minha vida odiei tanto
estar certa.

— A febre dele está baixa, e ele está tomando antibióticos e oxigênio. Ele já
está respondendo bem, mas precisamos mantê-lo aqui por alguns dias. Talvez
mais, com sua asma.

Ele acrescenta que podemos visitá-lo, se quisermos.

— Juniper? — Howard pergunta quando chega à metade do corredor e


percebe que não estou mais ao lado dele.

Lágrimas rolam pelo meu rosto novamente, ainda mais do que na casa da
fazenda quando Candace me abraçou. Eu quero ver Van.

Mesmo que apenas uma vez, para que meu coração pare de gritar
incessantemente e aceite que ele realmente está bem.
Mas estou com muito medo, porque se eu pegar a mão dele ainda mais uma
vez... não sei se conseguirei soltar.

Todo o pânico e agitação não desfizeram o que aconteceu entre nós na noite
passada. Nada mudou.

Melhor prevenir do que remediar.

— Isso são as coisas dele — digo a Howard, empurrando a mochila de couro


em seu peito, porque meu coração está tentando escapar do meu. — Apenas roupas
e sua escova de dente, desodorante... coisas que ele pode precisar enquanto estiver
aqui.

Não mencionei o livro. Van vai encontrar.

Não posso contar minha história a ele. Mas posso dar um fio para puxar, se
ele se importar o suficiente.

Howard olha para mim, não para a mochila. — Você não vai ficar? O que eu
digo a ele quando ele perguntar sobre você?

Ele não vai.

— Eu deveria simplesmente deixá-lo na sua casa — digo em vez disso. As


lágrimas pararam. O entorpecimento assumiu o controle.

É assim que Van se sentia, o tempo todo?

Ele disse que odiava, mas agora eu diria que era um presente. Sem
sentimentos para atrapalhar você pode fazer qualquer coisa. Não importa o quão
difícil seja.

— Isso é o que ele disse que queria — sussurro.

E como qualquer pessoa que já conheceu Van sabe, é mais fácil simplesmente
dar a ele o que ele quer.
Howard respira confuso e diz que tudo bem. Eu o poupo do constrangimento
de um abraço forçado, estendendo minha mão. Nós balançamos, como se
estivéssemos transferindo uma ação pela honra de nossa palavra.

No elevador, o entorpecimento escorrega. Fecho os olhos e inspiro pelo nariz,


expiro pela boca, até que ela se empurra de volta. Apenas fique mais um pouco, eu
imploro.

Candace suspira com a mão sobre o coração quando subo a varanda e digo a
ela que a Van ficará bem.

Então sua testa franze, vendo tudo em meus braços.

Demoro três viagens. Silenciosamente, Candace carrega cada item para a


casa da fazenda assim que eu os coloco na varanda.

Parece uma oferta em um santuário. Presentes sem sentido e sacrifícios


tardios por um deus caído.

— Vou me certificar de que ele receba tudo — ela me garante.

Sei que o entorpecimento ainda está intacto quando ela me abraça de novo,
porque, desta vez, não choro.

Quase, eu asseguro, depois de horas dirigindo.

Ainda não.

Mais algumas milhas.

Assim que passo pela fronteira de Dakota do Norte, eu paro.

Lágrimas queimam meus olhos enquanto olho para frente, seguindo uma
trilha de fumaça de madeira além das árvores.
O que foi que aquela garçonete me disse na minha primeira noite na estrada
com Van? Algo sobre ignorar um incêndio quando ela pensou sentir cheiro de
fumaça.

Isso é exatamente o que eu fiz. Ignorei as chamas, mesmo quando nos senti
derretendo. Senti o cheiro de fumaça e disse a mim mesma que não havia nada
com que me preocupar.

Limpo meus olhos. Coração partido me diz para dar meia-volta e voltar,
enquanto a autopreservação se pergunta qual direção trará menos dor no longo
prazo.

A história me diz, você já sabe.

A tristeza lembra o que tínhamos. A amargura estala sua língua para mim,
um lembrete de que nunca realmente a tivemos. Foi apenas uma ilusão.

Fumaça e espelhos, como qualquer bom ato mágico.


TRINTA E UM

Ela se foi.

Não sinto sua ausência, desta vez. Meu cérebro brilhante descobre isso
quando Howard entra no meu quarto, minha mochila pendurada na ponta dos
dedos.

— Duas internações hospitalares em menos de um mês. — Ele joga a mochila


nos meus pés e puxa uma cadeira. — Como nos velhos tempos.

— Eu gostaria. Eu ficaria feliz em trocar essa merda por uma concussão ou


alguns pontos. — Howard me levou a este pronto-socorro muitas vezes para
contar, quando eu levava meu cavalo em saltos para os quais não estava pronto,
ou andava com meu skate por trilhas que não conseguia controlar. Mas esta é a
primeira vez que o vejo parecendo assustado.

— Ei. — Bato em seu braço com minha mão com fio intravenoso. — Estou
bem. — Ainda me sentindo mal, mas bem. Se mais um médico me disser que tenho
sorte, terei de comprar um rolo inteiro de bilhetes de loteria só para espancá-los
até a morte com algo irônico o suficiente.

— Eu sei. — Ele esfrega o rosto com as palmas das mãos, meio para acordar,
meio para que eu não note o olhar vítreo em seus olhos.

Muito tarde.

Encontro o controle da minha cama e me sento, embora isso acerte meu peito
com uma marreta.

— Então isso foi pior — resmungo, — ou melhor, do que quando abri minha
cabeça naquela pedra perto de sua antiga casa?

Ele ri. — Basicamente o mesmo. Mas pelo menos naquela época eu esperava
que seus amigos aparecessem na minha varanda para me dizer que você estava
ferido. Este me pegou de completa surpresa.

Eu me pergunto se ele está se referindo à própria doença... ou que, desta vez,


o amigo em sua varanda fosse Juniper.

— Então. — Meus dedos mexem na fita sobre o meu IV, instintivamente. Eu


paro e aliso os cantos. — Hipótese remota, mas...

— Não sei para onde ela foi, Van. Pode muito bem salvar seu orgulho e não
perguntar.

Meu orgulho é a porra da última coisa que preciso salvar, e nós dois sabemos
disso. Ainda assim, agradeço por ele ter falado diretamente comigo. — Quando ela
foi embora?

— Alguns minutos atrás. — Acenando para minha mochila, ele se inclina em


sua cadeira e se estica. — Me deu isso, virou e saiu.

Se é a besta ou o cão de guarda rosnando em meu peito incapacitado, eu não


sei dizer. — Não posso acreditar que ela fez isso.
Sim, eu posso.

— Ela disse que era isso que você queria — ele deu de ombros, como se tivesse
acreditado totalmente no segundo que ela disse.

E eu acho que ele deveria. Foi o que eu disse a ela para fazer, deixar-me no
rancho e dívida paga. Deixar-me em um hospital com Howard ao lado da minha
cama em vez dela é basicamente a mesma coisa.

Mas os dois estão errados, dizendo que é o que eu queria. Não é. Apenas o que
deveria acontecer.

Graças a Deus pela desculpa conveniente da pneumonia.

Quando a picada atinge meus olhos, posso fechá-los e fazer Howard presumir
que estou exausto. Ele se levanta e dá um tapinha no meu ombro.

— Descanse — ele diz. — Vou voltar para casa para ajudar Candace a colocar
os meninos na cama, depois volto.

— Eu sou um homem adulto. Você não precisa ficar comigo a noite toda.

— Prometi ao seu pai que ficaria. — Eu o ouço rir de si mesmo na porta. — E


todo mundo sabe que você não quebra sua palavra com um Durham.

Com aquela última torção de faca não intencional, ele sai. Afundo no
travesseiro e enrosco a cânula no nariz antes de decidir, por mais que odeie, preciso
disso.

Puxo minha mochila para mais perto e procuro meu telefone. Papai
provavelmente mandou mensagens ou e-mail algumas vezes, e tenho certeza que
Theo e Wes encheram minha caixa de entrada com preocupação genuína e piadas
de mau gosto. Eu ficaria desapontado por não ter uma única mensagem de
Juniper... se não percebesse de repente que nunca demos nossos números um ao
outro.
Deixa comigo sair com uma garota e nem mesmo saber a porra do número de
telefone dela. Quer dizer, estávamos morando juntos, para todos os efeitos e
propósitos. Mas ainda.

Tudo na mochila cheira a ela. Dane-se o telefone.

Vamos guardar esta cápsula do tempo para outro dia.

Quando tento fechar o zíper, algo surge.

É The Phoenix Seer, o livro que ela me disse que leu em seu sótão.

De jeito nenhum isso foi um erro. Isso é quase o equivalente a ela colocar o
iPod aqui, ela nunca o perderia de vista por acidente.

Virá-lo em minhas mãos é como outro giro da faca rasgando meu peito, mas
principalmente porque sei que é um presente.

Eu disse a ela que a dívida estava liquidada, que estávamos quites – mas
entre isso e tudo o mais que ela me deu, foi pago e mais um pouco.

Como prometido, Howard retorna mais tarde naquela noite, mantendo vigília
ao lado da minha cama como se eu estivesse morrendo de cólera ou algo
assim. Conversamos sobre papai, Megan e o novo bebê, até que ele adormece na
poltrona.

Meu corpo está implorando para dormir também, mas meu cérebro não
aceita. Cada conversa com Juniper toca em meus ouvidos ao mesmo tempo. Cada
vez que discutíamos. Toda vez que fazíamos amor.

Foi isso que aconteceu?

Fecho meus olhos e pressiono minhas palmas neles até que vejo cores em vez
de seu rosto.
Sem mais nada para fazer, abro o livro. Um capítulo depois, eu sei que não é
o que eu teria lido quando criança, muito menos agora.

Mas continuo lendo, só porque gosto de imaginar Juniper quando ela era mais
jovem, se escondendo e rindo com a amiga sobre seu pequeno ato de rebelião.

— O nome dela é Rebecca Hostetter.

Essa memória não bate como um trem, mas como minha febre de antes, um
lento e implacável rastejar pelo meu corpo. No começo, isso me faz sentir um pouco
estranho. Não consigo identificar o motivo.

Então pego meu telefone e, porra, eu procuro o nome da garota no Google.

— Nada que você não consiga descobrir online.

Os resultados não são as contas dispersas de mídia social que eu


esperava. São manchetes, entrevistas e centenas de peças se encaixando no lugar
ao mesmo tempo. Eu leio e assisto até que tudo faça sentido.

Até eu desejar tanto que não acontecesse.


TRINTA E DOIS

Sete anos atrás

Quinze anos

— Você será uma bela noiva, Jescha.

Minha garganta se fechou quando a Srta. Doris, a costureira mais velha da


comunidade, deu um passo para trás e me deixou sozinha para me equilibrar na
caixa de frutas vazia. Corajoso da parte dela, já que quase desmaiei duas vezes.

As mulheres continuaram cacarejando que era nervosismo, como se meu


terror fosse adorável, em vez do fato de que eu não comia há muito tempo, até
mesmo o pot-pourri em pratos de vidro ao longo do manto estava começando a
parecer bom.
Só água, todos me lembraram. Todas as noivas deviam jejuar três dias antes
do casamento, para nos dar clareza e paz.

Paz? Isso era ridículo. Eu me sentia permanentemente mal do estômago,


mesmo durante o sono.

Mas clareza, eu tive muito disso.

E estava claro para mim que eu não poderia fazer isso.

À minha direita estava Elisha, uma menina nascida logo depois de mim que
me desprezava por isso. Eu podia sentir seu olhar por trás do véu, idêntico ao meu:
leve como gaze, mas ainda impossível de respirar. Assim que a Srta. Doris declarou
que estava pronto, tirei o meu e resisti à vontade de jogá-lo pela janela.

À minha esquerda estava Rebecca. Ela foi combinada com Caleb, porque o
conselho da igreja decidiu que sua beleza poderia aliviar o menino de seus
pensamentos pecaminosos. Ele chorou durante a confissão em grupo de que
sonhava com homens, e a cura aparente era dar a ele a noiva mais bonita possível.

Pelo menos Caleb tinha nossa idade. Meu par era Zachary, um homem de
quase trinta anos que eu ainda não conhecia oficialmente.

O Reverendo Barton o escolheu pessoalmente, na esperança de que eu


aprendesse a obediência que minha mãe falhou em me ensinar.

Fiz perguntas que ninguém queria responder. Cobicei coisas que não
podíamos mais ter, como bicicletas, ou filmes, ou telefones em nossas casas, em
vez dos monitorados na Casa Principal.

Minha cura? Um marido com idade para ser meu pai, que me colocaria no
meu lugar.
Era uma vez, eu pensei que era encantada, também.

Apenas, não o chamamos assim. Chamamos de “ungida”.

Escolhida.

No dia em que nasci, o Reverendo Barton me abraçou antes de qualquer outra


pessoa, até mesmo minha mãe. Ele teve a visão de que o próximo bebê nascido na
comunidade, homem ou mulher, seria seu sucessor. Uma hora depois, lá estava eu.

Não importava que eu tivesse nascido de uma mãe solteira, disse ele. Não
importava que eu me contorcesse na cadeira durante minhas aulas extras, aquelas
em que eu tinha que memorizar passagens inteiras da Bíblia antes mesmo de
poder ler, quanto mais saber o que as palavras significavam.

Eu era especial, ele me disse. Minha mãe também me disse isso, com tanta
frequência que se tornou minha memória mais antiga e forte.

Às vezes jantávamos com o Reverendo Barton em sua casa. Tive que manter
minhas roupas impecáveis, minha trança perfeita, durante a caminhada até o
morro com a mão de minha mãe suando na minha.

Ele me fez perguntas que eu não sabia responder, se eu via arbustos em


chamas ou formas estranhas e brilhantes em meus sonhos; se eu ouvia coisas como
sussurros em meu coração. Quando minha mãe tentava obter respostas de mim,
reformulando suas perguntas confusas em palavras mais simples, ele a repreendia
por interferir.
— A criança está sob seus cuidados, Allison — ele sussurrou para ela, — mas
ela pertence à comunidade. Lembre-se disso.

Além das aulas extras e esses jantares estranhos, minha infância não foi
diferente da de Rebecca ou de meus outros amigos. Brincamos em nossos quintais
compartilhados, pegamos sapos ao longo do rio e fizemos correntes de margaridas
mais compridas do que nossos braços podiam suportar.

Alguns adultos me olhavam duramente quando eu passava com um vestido


enlameado ou se agia mal durante os cultos. Eles sussurravam que a visão do
Reverendo Barton devia estar errada. Eu não poderia ser a próxima líder deles.

— Eles estão com ciúmes — minha mãe me assegurou, embora eu não


precisasse ser tranquilizada. Eu sabia que era especial. O Reverendo Barton disse
isso. Mamãe disse. Era o suficiente para mim.

Até que eu tinha sete anos e o Reverendo Barton teve outra visão.

O novo sucessor era um bebê cuja mãe quase morreu no parto. Masculino.

Minhas aulas extras pararam. Os jantares na casa do Reverendo


pararam. Os olhares e sussurros não.

— Eu não sou mais especial? — perguntei a mamãe. Eu estava convencida


de que havia feito algo errado. Se eu tivesse ficado sentada durante minhas aulas,
ou respondido melhor às suas perguntas, talvez eu ainda fosse escolhida.

— Você é para mim — ela sussurrou, puxando-me para perto. Fechei meus
olhos e senti seu vestido encharcar minhas lágrimas. Eu queria acreditar nela.

Eu queria que fosse o suficiente.


— Acabou. Vocês podem ir.

Elisha e Rebecca colocaram seus vestidos delicadamente nos cabides. Eu


enrolei o meu quando saí do banheiro e o entreguei à costureira mais jovem sem
olhar em seus olhos.

Ao sair, eu a ouvi falar para outra pessoa: — Que desrespeito. O marido dela
terá um trabalho duro.

— Mm-hmm. E pensar que ela foi escolhida.

Sim, pensei em gritar pela janela aberta, pelo seu amado


Reverendo. Suponho que ele não seja tão infalível quanto você pensava, se ele
estava errado sobre mim.

Eu sabia que era inútil, no entanto. Eu era o problema em suas mentes. Eles
ainda acreditavam em cada palavra que o Reverendo Barton lhes dizia.

Assim que Elisha desviou da grade de casas pré-fabricadas até a casa dela,
Rebecca pegou minha mão e disse: — Esta noite.

— Não. — Engoli. Minha garganta sentia como se eu tivesse comido todo


aquele pot-pourri: seca e cortada em tiras ensanguentadas. — Mais um dia. Por
favor.

— A cerimônia é em dois dias, Jessie. — Ela apertou meus dedos e me puxou


para a minha varanda, depois para dentro da minha casa.
Fomos para o sótão. Minha mãe ainda estava no Daily Acts 35 : todas as
mulheres que não tinham marido ou filhos pequenos para cuidar, passavam os
dias ajudando as que tinham. Eu podia ouvir um grupo delas no quarteirão, rindo
e batendo nos tapetes do varal de alguém.

O sótão estava sufocante, mas puxamos a escada para nós mesmo


assim. Também não abrimos a janela. Isso era muito importante. Suar valia
privacidade.

Planejamos nossa fuga por um mês, desde que nossos pares foram
anunciados.

Não foram apenas os próprios homens que nos fizeram querer partir. As
coisas estavam mudando.

Os arranjos de casamento aconteciam todos os anos; isso não era novo. Mas
a redução repentina do limite de idade do conselho de dezesseis para quinze, sem
explicação, era.

Circulava um boato de que a Unity Light, nossa igreja, estava abrindo uma
nova comunidade. Uma muito, muito longe de Crown Plains.

E havia o boato mais silencioso e muito pior, de que todos os novos


casamentos daquele ano seriam enviados para lá um dia após a cerimônia. Nosso
objetivo: povoá-lo com novos bebês o mais rápido possível.

Rebecca estava certa. Não podíamos esperar mais.

O estranho é que nunca chamamos isso de fuga; estávamos simplesmente


indo. Como se deixar Crown Plains ainda fosse tão fácil quanto sair de lá.

Êxodo, ela escreveu no final de uma lista de tarefas. Nós rimos.

35
Atos Cotidianos.
— A cerca tem o dobro da altura da escada do sótão, eu acho. Podemos subir
a escada do sótão em quatro segundos, então a cerca deve ter oito.

— A cerca é vertical — eu a lembrei. Discutimos sobre isso por semanas. Não


sei por que mais estávamos planejando tão intensamente.

Nós duas sabíamos que, quando chegasse a hora de partir, não haveria
nenhum plano. Nós apenas correríamos.

Rebecca revirou os olhos e rabiscou o 8 que havia escrito, substituindo-o por


dezesseis.

— E o outro lado?

— Não haverá tempo para descer do outro lado. Temos que pular.

Meu coração batia forte só de imaginar.

Coloquei minha mão sobre a dela enquanto ela anotava mais números. Mais
cálculos que não importariam, em algumas horas.

— Não tenho certeza se posso fazer isso.

— Você prefere se casar com Zachary? — ela respondeu, sem ser afetada.

— Mas e os nossos pais?

— Nossos pais — ela retrucou, puxando o vestido até a altura do estômago


para se abanar, — se recusam a nos ouvir. Eles se recusaram a ouvir a família
Miller, ou os Hardings. — Seus olhos se fixaram nos meus. — Eles querem ficar,
Jescha. E não há nada que eles não façam para nos manter aqui.

Lentamente, eu balancei a cabeça. Nossos pais se juntaram à igreja antes de


nascermos, e sempre falavam de como a Unity Light salvou a vida deles.

Mas os pais de Rebecca eram diferentes de minha mãe.


Ambos estavam no conselho – um grupo de cerca de trinta homens e
mulheres, indicados pelo próprio Reverendo Barton para ajudar a liderar a
comunidade. Eles jantavam regularmente na casa dele.

Minha mãe, ao contrário, caíra em desgraça há muito tempo. Ela tinha menos
laços com este lugar.

Pelo menos, eu esperava que sim.

Minha mãe tinha dezesseis anos quando se filiou à igreja.

Ela havia fugido de casa e estava dormindo em um parque público, meio


morta de abstinência de heroína, quando um homem e uma mulher se
aproximaram dela com um cobertor e perguntaram se ela precisava de uma casa.

— Simples assim — ela soluçava sempre que o Reverendo Barton pedia que
ela compartilhasse seu testemunho com os novos membros, — eu tinha uma
família novamente. Um lar. Mesmo sem me conhecer, a Unity Light me acolheu.
Eles salvaram minha vida.

Ela me disse que a igreja era menor quando ela se juntou, uma comunidade
acolhedora de amor infinito e inabalável.

O Reverendo Barton conhecia todos pelo nome. Se sua equipe de


angariadores, como o casal que encontrou minha mãe naquele banco do parque,
não o convenceu a entrar – o sorriso e o jeito do Reverendo com as palavras fariam
isso em um piscar de olhos.

Eu nasci membro, assim como Rebecca e a maioria de nossos


amigos. Vivemos em um alojamento coletivo até os três anos, pagos pela igreja, até
que o projeto Crown Plains fosse concluído.

Era uma cidade em miniatura situada em um local desconhecido, composta


por quatro grandes edifícios comuns e várias fileiras de casinhas pré-fabricadas.

Havia campos onde cultivávamos nossa própria comida e criamos nosso


próprio gado; nossa eletricidade veio da luz do sol e vento, e nossa água era
bombeada direto de um rio próximo e purificada antes de chegar à nossa porta,
todas as noites, em grandes garrafas de vidro.

Além de nossa pequena e idílica cidade, ficava a ampla casa do


Reverendo. Nos primeiros anos, ele recebia os membros ali em todas as horas da
noite e realizava belas celebrações em seu deck nas noites frias de verão.

Era perfeito, mamãe me disse. Céu na Terra. Exatamente o que o Reverendo


Barton prometeu à sua congregação.

Eu não me lembro dessa época.

Talvez seja porque eu nasci nisso, mas a Unity Light parecia longe de ser
perfeita. A vida era um sistema de regras que mudava por capricho do
conselho. Eu e as outras crianças fomos disciplinadas por todos, não apenas pelos
nossos próprios pais, é dizer toda uma aldeia. Nossas transgressões podem ser tão
pequenas quanto reclamar de nossas roupas estarem muito quentes ou pedir por
repetir no jantar.

Conforme eu crescia, as coisas só ficavam mais rígidas. O Reverendo Barton


mal reconheceu as mudanças, alegando que conforme nossa comunidade crescia,
nossas regras teriam que crescer junto.
Para mim, parecia que as regras não estavam crescendo, mas diminuindo –
apertando em torno de nós um centímetro de cada vez. Poucos de nós pareciam
preocupados com o fato de, mais cedo ou mais tarde, ficarmos sem espaço.

Durante os últimos três anos, em particular, Crown Plains tornou-se


irreconhecível. O Reverendo Barton de repente nos disse para chamá-lo de Profeta
Barton. Poucos meses depois, ele mudou novamente – Salvator. Salvador.

Em vez de cultos quatro noites por semana, agora nos encontrávamos duas
vezes ao dia, e Barton não lia mais a Bíblia. Ele simplesmente nos deu relatos
errantes e inflamados de suas visões, que ficavam mais assustadoras. Mais
ameaçadoras. Ele nos disse que o mundo estava desabando. Não estávamos
seguros fora de Crown Plains.

Ele não era mais um mensageiro de Deus, disse ele. Ele se tornou a própria
mensagem. Ele escreveria a nova Palavra, e nossa comunidade sobreviveria
quando o resto deste mundo perecesse – mas apenas se fizéssemos exatamente o
que ele disse.

Uma por uma, as famílias foram embora. Nenhuma voltou.

No dia em que as cercas foram erguidas, mamãe chorou.

Não na minha frente. Nunca na minha frente. Ela se sentou à mesa da


cozinha e disse à mãe de Rebecca: — Não foi isso que ele prometeu. Eles sempre
disseram que éramos livres para partir. Isso é liberdade?

— As cercas são para manter o lado de fora do lado de fora, Allison. Para não
nos prender. Você está com dúvidas?

Prendi minha respiração. Admitir sim significaria um retiro: um fim de


semana na Casa Principal para oração constante, jejum e nenhum contato com a
família.
O conselho considerou opcional, mas coincidentemente pararia de enviar
água para sua casa se você não fosse. Você seria ignorado, onde quer que fosse. Os
membros do conselho apareciam todas as noites para orar por sua alma condenada
ao inferno, até que, finalmente, você estava tão cansado de tudo que iria cerrar os
dentes e ir.

Participei de quatro nos últimos dois anos. A oração e o jejum, eu poderia


suportar; até o isolamento não era horrível.

Eram os homens.

Todas as noites, alguém trazia roupas limpas ou água.

Alguns roubariam sua comida.

Quando eles voltassem no meio da noite, você deveria ficar completamente


imóvel. Mesmo que subam na cama com você.

Mesmo se eles beijassem você.

Nunca foi além disso, pelo menos comigo. Percebi que se quebrasse a regra e
me movesse um pouco, beijando-os de volta, eles iriam embora mais rápido.

Era inevitável. Achei melhor acabar com isso.

Qualquer que seja o propósito, me escapou. O conselho disse que os retiros


eram um teste de espírito, então acho que continuei passando.

Cada vez que eu voltava, mamãe parecia pior do que quando a deixei, como
se ela também não tivesse comido.

— Não — ela disse à mãe de Rebecca, muito rapidamente, —claro que não. Eu
só... E se quisermos visitar a família?

— Salvator diz que ainda podemos ir e vir quando quisermos, — a Sra.


Hostetter assegurou-lhe. — Você apenas precisa avisar agora. É por razões de
segurança. — Ela fez uma pausa. — Mas talvez seja melhor se você não visitar sua
família. Lembra o que aconteceu da última vez?

— Isso foi anos atrás, no entanto. Antes de Jun... Jescha — corrigiu, — sequer
nascer. Meus pais podem entender, agora.

— Não acho que eles fariam. Mas se você quiser tentar... tudo o que você
precisa fazer é sair.

Na realidade, não era tão simples. Não depois que duzentos membros
diminuíram para cem, e então cem diminuíram para setenta. Agora, a mera
menção de se sair rendeu a você um retiro opcional.

Quando restaram cinquenta membros, mal víamos Barton mais. Ele gravou
seus discursos frenéticos em uma fita cassete que um dos membros do conselho
tocou em um alto-falante, o áudio guinchando e estalando ao nosso redor como
toras sendo queimadas. Dizia-se que ele nem morava em Crown Plains agora.

Alguns disseram que ele estava se escondendo e que a polícia tentava


encontrar uma maneira de fechar nossa comunidade. Outros alegaram que ele
estava criando nossa nova comunidade e que seria ainda mais perfeita do que
Crown Plains originalmente.

Em sua ausência, o conselho dirigia a comunidade com todo o rigor arbitrário


que ele fazia.

Não que eles tivessem que impor muito. Os mais céticos já haviam partido. A
maioria dos membros que permaneceram se agarraram a cada palavra que
pingava da boca agora gravada de Barton.

Minha mãe era uma delas – em público.

Mas na privacidade de nossa casa, eu vi outra pessoa.


Com bastante incentivo, eu poderia fazer com que ela me contasse histórias
de sua vida antes da igreja: a música que ouvia, as roupas que usava ou o como
seus pais – meus avós eram.

A única coisa que ela ainda tinha de sua antiga vida eram os discos vermelhos
de Walkman e Janis Joplin, que nós ouvíamos, baixinho, nas noites em que eu não
conseguia dormir.

Quando eu tinha mais ou menos 12 anos, perguntei a ela se nós poderíamos


deixar Crown Plains.

— Não, Juni. — Ela só me chamava assim em particular. O Reverendo


Barton havia escolhido meu nome, alegando que ouvira em sua visão. Jescha
significa “contemplar”. Eu não tinha um sobrenome. Contemplar... o que?

Minha mãe originalmente queria me chamar de Juniper Summer.

Ela o escolheu desde que era uma garotinha. Era nosso segredo, tão especial
para mim quanto o Walkman e todas as suas histórias anteriores.

— Por que não?

— Não temos dinheiro, nem carro... nenhum outro lugar para morar.

Sua resposta gelou minha pele, mas de uma forma emocionante. Eu falei
partir como uma viagem de um dia, apenas para ajudar os angariadores a
distribuir panfletos. Ela pensou que eu dizia permanentemente.

Então, o fato de responder com tais razões práticas me emocionou. Isso era
tudo que precisávamos? Eram essas as únicas razões pelas quais não nos
mudamos antes?

Partir para sempre é possível?


Porém, toda vez que eu tocava no assunto depois disso, ela balançava a cabeça
e simplesmente dizia: — Não. Nós pertencemos aqui. — A resposta dela soava tão
definitiva que me perguntei se sonhei aquela conversa anterior.

Mas a tristeza em seus olhos... eu me lembrava disso vividamente para


ignorar. Isso ficou comigo por anos.

E no dia em que as cercas foram erguidas, quando a ouvi chorar com a mãe
de Rebecca, tive certeza: ela estava duvidando.

Pelo menos parte dela, pequena e enterrada como estava, queria ir


embora. Talvez isso fosse o suficiente.

Depois que Rebecca foi para casa, sussurrando para mim que nos
encontraríamos com os outros no Edifício Sul à meia-noite, comecei o jantar para
minha mãe e coloquei apenas um prato na mesa.

Eu deveria preparar dois: um para minha mãe, a última refeição que eu


prepararia para ela antes de uma vida inteira preparando-as para meu marido, e
um para a oferta. Dez por cento de cada refeição, para agradecer a Deus por nossas
bênçãos.

Costumava ficar sob nossa pintura da crucificação, até que o Reverendo


Barton a substituiu por um retrato dele mesmo. Cada última casa tinha um agora.
Ele havia visto isso em uma visão, ele nos disse.

Quando perguntei ao conselho se isso significava que nossa oferta agora ia


para o Reverendo Barton em vez de para o Senhor, eles me fizeram esfregar
sozinha todas as tábuas do assoalho da Casa Principal.

Agora, voltei o prato de oferta para o armário e olhei para a comida, ainda
fumegante no fogão. O cheiro de frango e batatas atingiu meu estômago.

De repente, me ocorreu que eu poderia comer. Eu não seria uma noiva, então
não precisava jejuar.

Eu não precisava seguir nenhuma de suas regras.

Antes que a porta da frente se abrisse, consegui comer duas batatas assadas
com sal. Elas foram a melhor refeição que eu já tive.

Mamãe murchou em sua cadeira. Atos diários a exauriram.

Ela tinha o dobro do trabalho da maioria das mulheres porque me deu à luz
fora do casamento e alegou que não sabia o nome do meu pai. Sua expiação,
enviada diretamente do Reverendo Barton, era servir à comunidade como se ela
fosse duas pessoas – para lembrar a si mesma e aos outros do fardo de não ter um
parceiro.

Se os cônjuges eram tão importantes, não entendi por que o conselho a proibiu
de se casar como as viúvas ou divorciadas que se juntaram à nossa congregação. E
se criar um filho sozinha era o peso esmagador que diziam, por que a faziam passar
tantas horas servindo aos outros, em vez de ficar aqui em casa?

Esta noite, ao vê-la quase cair em seu assento, meu coração se partiu por
ela. Minha mente correu com todas as perguntas que eu mordi na minha língua
por anos.
— Nossa última refeição juntas — ela fungou, seu sorriso como uma corda
bamba prestes a estalar.

— Não juntas. Eu tenho que jejuar. — Sacudi meu copo de água.

O ding preencheu o silêncio.

— Embora eu suponha — continuou, como se eu nem tivesse falado, —


poderei me juntar a você e Zachary de vez em quando, assim que você se
estabelecer.

— Você realmente quer que eu me case com Zachary? — soltei. Eu pretendia


conduzir as coisas com elegância: é por isso que não preparei o prato de oferta. Eu
queria que ela me perguntasse por que não estava lá.

Eu queria uma maneira de finalmente contar a ela. Mãe, eu estou duvidando.

Não. Eu estava além das dúvidas.

Eu tinha acabado.

— Você não quer se casar com Zachary? — ela perguntou.

— Mãe. — Peguei suas duas mãos sobre a mesa, então as apertei com toda a
urgência que Rebecca fez comigo quando deixamos a prova do vestido. — Você
sempre me disse que o conselho nos daria uma escolha se não concordássemos com
nosso casamento, poderíamos apelar. E se não nos sentíssemos prontas para casar,
poderíamos esperar. — Eu pisquei para ela. — Eles não estão mais nos deixando
apelar. Não temos permissão para esperar.

— Salvator mudou as regras por um motivo, Jescha.

— Juni — rebati, quando ela puxou as mãos para comer, como se esta fosse
qualquer outra refeição. Como se essa fosse qualquer outra conversa. — E qual
razão? É o mesmo que quando as cercas foram erguidas. Ele está voltando atrás
em suas promessas.
Ela cortou a batata em nada e não respondeu.

— Eu não quero ir — sussurrei, e o soluço que mal contive desde que ela
voltou para casa caiu sobre a mesa.

Com cuidado, ela colocou seus talheres em uma cruz e se levantou para me
abraçar. — Não estarei longe.

Sim, você estará, pensei, segurando seu vestido em minhas mãos e


empurrando meu rosto em seu estômago como uma criança.

Depois que ela terminou de comer, ela perguntou se eu gostaria que ela
trançasse meu cabelo. Eu disse sim. Ela não fazia isso há anos.

Suas mãos frias no meu pescoço e na testa, puxando o cabelo para trás e
enrolando-o, me acalmaram. Isso me lembrou de quando eu era pequena e estava
com febre, e ela veio me ver no meio da noite.

— Posso ver sua tatuagem? — perguntei, quando ela terminou a trança e me


disse para ir para a cama.

Ela riu e disse que eu já havia visto um milhão de vezes.

— Um milhão e um, então.

Era um pequeno coração preto em seu tornozelo, sempre escondido por sua
meia-calça e os vestidos até os tornozelos que todos nós usávamos. Ela fez quando
tinha quinze anos, em uma festa. Antes do Unity Light.

— Seu corpo é um templo. Nunca o danifique com as bugigangas e manchas


deste mundo. — Os ensinamentos de Barton soaram em meus ouvidos, sem
sentido, mas memorizados, quando toquei a tinta desbotada incrustada em sua
pele.

— Você tinha a minha idade quando a fez. — Sentei-me no tapete marrom


liso ao lado da cama e cutuquei o coração novamente.
— Sim. Eu não deveria, no entanto.

— Porque não era seguro? — perguntei, que foi o que ela me disse antes.

Minha mãe balançou a cabeça e parecia tão cansada que quase me fez
bocejar. — É uma mancha.

Engoli minha próxima pergunta – a que eu queria fazer há semanas.

Se eu for embora, você vai embora comigo?

Apesar de todos os sinais de sua infelicidade, suas dúvidas... minha mãe


ainda confiava em Barton. Ela amava Unity Light e as planícies. Não pelo que era,
mas pelo que costumava ser e poderia ter se tornado.

Quando passei por sua porta rachada pouco antes da meia-noite, prometi
silenciosamente, voltarei para buscá-la.

Eu não sabia quando ou como. Mas no segundo que eu pudesse, eu voltaria


para Crown Plains e a tiraria de tudo isso. Os humores e as visões em constante
mudança de um líder enlouquecido. Uma comunidade que se autodenominava sua
família, mas não tratava nenhum de nós com o amor que tínhamos um pelo outro.

Mas antes que eu pudesse salvá-la, eu precisava me salvar.

Éramos cinco, agachados nas sombras do Edifício Sul naquela noite. Hanna
e Ada, irmãs, tinham apenas 12 e 13 anos. Eu estava preocupada com elas, mas
pelo menos elas tinham uma à outra. Joshua foi uma surpresa; eu não sabia que
ele queria deixar Crown Plains. Ele parecia gostar daqui.

Claro, ele gostava mais de Rebecca. Talvez saber que ela não poderia mais
apelar da decisão do conselho e pedir para se casar com ele, em vez disso, o motivou
a se juntar a nós.

— Eles têm cachorros agora — ele sussurrou. — Eu os ouvi latindo na outra


noite.
— Holofotes — Ada acrescentou, enquanto enfiava a longa trança da irmã no
vestido, depois se virava para fazer o mesmo para ela. Inteligente. Rebecca e eu
fizemos isso uma pela outra, enquanto Joshua prendia seu cabelo na altura dos
ombros em um elástico na base do pescoço.

— Amarre seus vestidos — ele disse a todas nós.

— Podemos simplesmente usar nossa roupa de baixo — Rebecca ofereceu,


mas ele explicou que a floresta fora de Crown Plains se estendia por quilômetros.

— Seus vestidos vão mantê-las aquecidas, fazer boas bandagens... vocês


podem precisar deles mais tarde.

Nós concordamos. Nenhum de nós sabia exatamente onde ficavam as


planícies – ou a que distância nós estávamos de qualquer outra coisa. Viajando a
pé e evitando todas as estradas, poderíamos ficar dias nesta mata.

— Jess? — A mão de Rebecca encontrou a minha, quando nós cinco nos


alinhamos nas sombras para esperar. — Eu prometo, não vou deixar você.

— Você não pode fazer essa promessa. — Havíamos jurado dias atrás, no
sótão. Não importa o que acontecesse, nós continuaríamos.

Com ou sem a outra.

Joshua estalou os dedos: o sistema de irrigação dos campos foi ligado. Não
eram barulhentos, mas ajudariam a disfarçar o barulho da cerca.

Juntos, nós corremos.

Rebecca passou por mim quando tropecei na grama. Em retrospecto, acho que
ela estava me empurrando – sabendo que não havia tempo para me ajudar a
levantar. Tudo o que ela pode fazer foi me aproximar um pouco mais.
Cortei minha coxa no topo da cerca. Os pesadelos cortavam essa memória e
me diziam que era arame farpado, mas não, era apenas os picos irregulares do elo
da corrente, porque não era bem construído. Foi construído rápido.

Eu fui a última a cair. Um por um, ouvi todos baterem no chão e irem embora,
mas não consegui. Meus músculos pareciam congelados.

Agarrei-me à cerca e olhei para as luzes no topo da colina.

Não havia holofotes nem cachorros: meus pesadelos também os lançariam,


uma vez que eu partisse. Tudo que eu via eram os faróis de um dos carros do
conselho. Talvez a cerca tivesse um alarme silencioso e eles estivessem enviando
pessoas para verificar.

Talvez houvesse câmeras, escondidas nos prédios ou nas árvores.

Talvez ninguém tivesse ideia de que estávamos indo embora, e tudo isso foi
mais fácil do que pensávamos.

Então por que você ainda tem que escalar uma cerca em primeiro lugar?

Com esse pensamento, veio a vontade de olhar para o portão, a vários metros
de distância. Sempre estava trancado. Apenas os membros do conselho conheciam
a combinação.

Prendi a respiração e fiquei um peso morto, pendurada na barra superior.

Eu soltei.

Outra mudança que meus pesadelos criariam: meu tornozelo torceu e minha
outra perna quebrou. Que me virei e manquei atrás dos outros em um ritmo
lamentavelmente lento, enquanto Rebecca olhava para trás como se quisesse
ajudar.

Na verdade, eu apenas senti uma dor latejante em ambos os tornozelos que


desapareceu rapidamente. Correr foi fácil.
E ninguém olhou para trás por mim, porque eles já haviam partido.

Corri até vomitar. As batatas que eu comi, meu jejum quebrado, pareciam
que mal haviam sido digeridas quando pousaram nas folhas em decomposição sob
meus pés.

Já era de manhã. A luz do sol manchada revelou o sangue manchando meu


vestido que não percebi até agora: meus braços tinham cortes, ou da cerca ou dos
galhos afastados do meu caminho por horas a fio.

Encontrei um riacho e bebi, mas vomitei cada gota alguns minutos


depois. Cãibras rolaram pelo meu estômago até que eu me agachei atrás de uma
árvore para me aliviar, tonta demais para ficar envergonhada.

Quem estava aqui para ver, afinal? Claramente, os outros encontraram


caminhos melhores do que os meus. Eu não vi ou ouvi ninguém desde que eles
caíram da cerca.

As horas se passaram assim: andar alguns metros, vomitar, ir ao banheiro,


piscar para afastar a tontura quando me levantei e repetir.

Não foi um processo consciente. Tudo que eu sabia era que não conseguia
parar. Não até encontrar um lugar seguro.

Por volta do meio da tarde, caí de exaustão em minhas mãos e joelhos.


Chorei.

Os galhos e folhas mal foram esmagados quando rolei sobre eles, abraçando
os joelhos contra o peito. Eu me sentia leve, irreal e desbotada.

Eu me perguntei se Rebecca ainda estava correndo. Talvez ela e Joshua


tenham ficado juntos.

Talvez ela também estivesse deitada no mato em algum lugar da floresta,


pensando em mim.

Galhos quebraram nas proximidades. Balancei minha cabeça e vi um veado


por entre as árvores.

Eu nunca vi um tão perto. Era uma corça, com suaves manchas brancas em
seu corpo, que lembravam gotas de leite em nossa mesa de jantar.

Parou para cheirar algo. Quando me sentei para olhar, ele se endireitou,
piscou para mim e disparou por onde veio.

Rastejei até o local onde ele estava. Havia um bloco branco enfiado em um
tronco de árvore morta. Quando o toquei, parecia granulado.

Um pedaço se lascou em meus dedos. Se o cervo pode comer isso, eu não


posso?

Era sal. Deixei derreter na língua e me lembrei das batatas que comi em
casa. Já pareciam anos atrás.

Eu me perguntei se a comunidade estava procurando por nós. Se mamãe


estava procurando por mim.

O sal dobrou minha sede e triplicou as náuseas. Eu me levantei e sentei no


tronco para inspecionar meus pés. Eles estavam cobertos de bolhas
estouradas. Meus sapatos, simples sapatilhas de tecido, estavam cheios de
sangue. Seu cheiro metálico me fez vomitar, mas não sobrou nada.
Tudo girou. Meu coração batia forte de exaustão e um pensamento
implacável: que eu morreria aqui.

— Se sua alma abomina minhas regras... eu vou visitá-lo em pânico, e com


doenças devastadoras e febre que consomem os olhos e fazem o coração doer.

— Vou puni-lo sete vezes mais por seus pecados.

Lágrimas encheram meus olhos novamente. Eu não deveria ter partido. Pelo
menos Crown Plains era seguro. Eu tinha abrigo, comida e água potável bem na
minha porta. Eu tinha minha mãe.

Horas se passaram enquanto eu me arrastava. Eu ainda ia em frente –


alguma direção que ficasse longe das planícies? Eu gostaria de saber mais sobre a
natureza: o que é seguro comer e beber, ou como saber minha direção observando
pedras ou árvores. O melhor que pude fazer foi julgar o tempo com base na
claridade do céu, e isso era inútil. De que adiantava saber que era quase hora do
jantar quando eu não tinha nada para comer, ou saber que havia caminhado cerca
de uma hora sem fazer ideia de quantos quilômetros haviam pela frente?

Finalmente, a moita se transformou em pedras. Talvez eu estivesse perto de


uma trilha ou de outro riacho – qualquer coisa.

Minha cabeça estava girando novamente, pior do que antes. Perdi meu
equilíbrio; meu pé ficou preso entre duas pedras e eu caí.

A dor rasgou meu joelho e tornozelo. Eu caí de cara contra uma rocha
dentada, sentindo que cortou minha bochecha.

Continue.

Estava escurecendo novamente. Eu sabia que não poderia sobreviver mais


uma noite aqui. Não sozinha.
A última parte da minha jornada acabou. Tentei me lembrar: o quanto andei
ou como consegui andar. Talvez fossem milhas. Talvez fossem apenas alguns
metros.

Quando vi uma luz por entre as árvores, âmbar e nebulosa, meu coração sem
fôlego pareceu começar a bater novamente, como se tivesse adormecido porque o
resto de mim não conseguia.

Quando o vi, pareceu parar.

Talvez, por apenas um segundo, tenha acontecido: tudo ficou em


branco. Senti a sujeira sob meu rosto e ouvi sua voz, chamando à distância por seu
pai.

Quando finalmente abri os olhos, seu rosto foi a primeira coisa que encontrei
na escuridão suave e estrondosa.

— Nome?

O suco de laranja queimou minha garganta. Bebi cada gota, depois abri o suco
de maçã na bandeja à minha frente e bebi também.

Tudo doía. O médico disse que tive sorte: meu pulso, joelho e tornozelo
estavam muito torcidos, mas não quebrados. Apenas um corte exigiu pontos. O
resto estava fechado com adesivos de borboleta, como aquele na minha bochecha
que fazia doer ao sorrir. Não que eu tivesse tentado.
— Juniper Summers — disse a ele, finalmente. Perguntei se poderia beber
mais suco. Ele me ignorou.

— Aniversário?

Por que não inventei um, atirando qualquer data antiga com a mesma
facilidade com que joguei o nome que nunca recebi, eu não tinha ideia. Tudo que
eu podia fazer era contar a ele o ano e encolher os ombros para o resto.

Ele fez mais perguntas. Na época, eu realmente não conseguia me lembrar


de muita coisa; meu cérebro parecia ter sido empurrado por uma peneira e preso
na minha cabeça, todo enrugado e deformado.

Mas mesmo quando minha memória se recompôs, não contei a ninguém sobre
Crown Plains, ou o Reverendo e Unity Light.

— Ela pertence à comunidade. Lembre-se disso.

Pelo que eu sabia, eu realmente pertencia à igreja. Suas regras ainda


nadavam em minha cabeça; eu as testei constantemente neste novo mundo,
imaginando quais, se houver, ainda se aplicavam.

Bugigangas e manchas estavam por toda parte – tatuagens nos pulsos da


enfermeira da noite, piercing labial da fisioterapeuta que visitou. As meninas no
corredor usavam shorts minúsculos, misturando tecidos e mostrando a pele, mas
ninguém as fez trocar. Elas praguejaram baixinho e não se desculparam com
ninguém.

O menino que eu encontrei... Será que ele me encontrou? – entrou com um


corte de cabelo uma manhã, seu cabelo na altura do queixo agora tosado nas
laterais e caindo lindamente em sua testa. Quando perguntei se ele precisava de
um ancião para cortá-lo com uma tesoura especial, ele riu e inclinou a cabeça para
mim.
— Ancião? — ele bufou, cruzando os braços na grade da minha cama. — Eu
acho. Quer dizer, era um cara da idade do meu pai. Mas nenhuma tesoura especial,
nem nada. Apenas tesouras.

As coisas são diferentes aqui, percebi.

Maravilhosamente, terrivelmente diferente.

Talvez não devesse ter me surpreendido, durante anos eu questionei as


interpretações de Barton da Bíblia e suas chamadas visões. É claro que ele não
tinha influência fora das fronteiras de Crown Plains.

Foi por isso que ele as colocou lá.

Mas fiquei surpresa que mesmo os sete pecados não eram tratados como um
grande negócio aqui. Todos pareciam concordar que eram ruins, mas agiam como
se fossem parcialmente inevitáveis.

Às vezes, eles até os aplaudiam.

Quando eu repetia quase todas as refeições, as enfermeiras ficavam


emocionadas. Elas disseram que eu estava abaixo do peso e precisava de carne com
os ossos. Ninguém mencionou a gula.

A televisão mostrou as pessoas desejando abertamente umas às outras e


chamou isso de paixão, ou química. Ganância foi chamada de ambição.

No rancho, vi Van se recusar a ajudar nas tarefas até que seu pai gritou alto
o suficiente para sacudir as janelas. Preguiça.

Ira. Eles se reconciliaram na hora do jantar.

Quando eu ainda morava na casa da fazenda, Van passou horas me


ensinando sobre este mundo. Sobre si mesmo. Ele era orgulhoso.
Eu adorei, do jeito que adorei as fotos dele enchendo as paredes. Unity Light
ensinou que o orgulho é o pior pecado, mas eu queria tanto ter a confiança que Van
tinha. Para me sentir especial novamente. Para ser o suficiente, sem ninguém ter
que me dizer que eu era.

Inveja. Eu queria tanto ser como ele, eu o estudava em seu sono.

O Reverendo Barton nos disse que os sete pecados eram mortais porque nos
impediam de viver da maneira que deveríamos viver, e precisávamos fazer o que
pudéssemos para evitá-los. Quase todas as religiões que estudei depois que parti,
tentando descobrir em que acreditava, diziam algo semelhante: que o propósito de
ser humano era tentar ser tudo menos isso.

A natureza, eu percebi, não era assim. Funciona com o que tem e aceita tudo
como é. Os cervos não foram instruídos a deixar de serem cervos. As árvores caídas
não foram esquecidas; elas ganharam uma nova vida.

Eu ainda acreditava em algo maior do que nós.

A natureza parecia muito bem projetada para ocorrer por acidente. Mas parei
de tentar descobrir o nome desse Algo há muito tempo, do jeito que parei de
classificar as pessoas pelos sete pecados mortais.

Sim, eu estava com inveja e Van era vaidoso. Mas alguns dias, ele era
preguiçoso, desonrando seu pai com sarcasmo e se recusando a fazer as tarefas
mais simples.

Algumas noites, quando ficava acordada pensando em todo o tempo que perdi
para Crown Plains, era como se me afogasse sob o peso da minha própria ira.

Às vezes ele me olhava com luxúria, ou talvez ganância: me querendo só para


ele, como ele pudesse ficar comigo. Meu doce e pecador protetor.
Cometemos todos os sete e mais alguns. Cada um de nós. Aprendi que há uma
grande ironia em chamar essas coisas mortais, porque parecia impossível viver
sem elas.

Uma ideia nobre, perfeita. Mas vi aonde lutar para ser perfeito poderia te
levar: em pé em uma colina, seu pequeno império idílico queimando a seus pés.

Nos anos depois que deixei Crown Plains, sempre que me perguntava em que
realmente acreditava e quem queria ser... eu pensava em Van. Ele sempre estava
manchado de lama ou coberto de poeira quando voltava para casa.

— Tem certeza que não é feito de terra? — Howard costumava brincar,


batendo palmas para que uma nuvem se erguesse sobre ele.

— Então era Adão — Van brincava, e se benzia com reverência sarcástica.

Os pecados eram marcas ao longo de nossas almas, o Reverendo Barton nos


disse, como fuligem ou terra. Ele agiu como se apenas seus ensinamentos
pudessem nos limpar.

Mas eu começava a gostar da terra. Se fosse de onde viéssemos e para onde


voltaríamos, então eu queria viver nela da maneira que Van fez, abraçando-a com
toda a sua honestidade. Como o resto da natureza, a terra não fingia ser algo que
não era.

Decidi que ainda expiaria o que fiz de errado. É nisso que eu acredito.

Mas, ao contrário da Unity Light, eu não me obrigaria a fazer isso por


transgressões arbitrárias. Os únicos pecados que eu consertaria – as únicas
marcas que limparia de minha alma – seriam aqueles que machucariam os outros.

O Reverendo Barton estava certo quando disse que o mundo exterior era
imperfeito e perigoso. Mas os humanos também. Afinal, nascemos do pó.

Quebrado, imoral e bonito.


TRINTA E TRÊS

Nos Dias de Hoje

— Van, querido? O avião deles acabou de pousar.

Cautelosamente, Candace enfia a cabeça no quarto de hóspedes. Deixei a


porta escancarada para que ela parasse de fazer aquela coisa em que bate, depois
bate de qualquer maneira. Deus ajude seus filhos na adolescência. — Você quer ir
conosco para buscá-los?

— Estou meio cansado. Acho melhor descansar um pouco. — É minha


desculpa inflexível ultimamente. Ninguém questiona os níveis de energia de um
cara que acabou de ser hospitalizado.

E não é mentira: estou sempre cansado e sempre precisando de um


descanso. Mas raramente durmo.
Desmaiei ontem, depois que Howard disse que um passeio pelo rancho
poderia ser bom para mim. Candace o repreendeu por me pressionar a fazer isso,
mas eu estava grato. Eu precisava de um empurrão.

Qualquer coisa para me tirar da cama – cinco dias no hospital, depois três
direto nesta. É a mesma que Juniper usou quando ficou conosco, mas agora tem
um colchão de espuma viscoelástica.

Também não se encontra no mesmo quarto, graças a Deus.

Os filhos de Candace e Howard ocuparam todos os cômodos daqui, então estou


no minúsculo escritório que eles usam como móveis sobressalentes. Um quarto de
armazenamento.

Eles me dizem que é minha indefinidamente. Howard está tentando me fazer


ficar um pouco. Ele até tem um Dodge velho que posso usar, em troca de ajudar
com os cavalos até a primavera.

Eu estou tentado. Perder a competição de skate me custou um importante


tempo cara a cara com alguns patrocinadores, mas há outro perto de Fairview no
final do verão. E com muitas trilhas ao redor, posso continuar atualizando meu
canal e redes sociais enquanto isso.

Minha cabeça gira roboticamente para o material que Juniper me deixou.

Quando Candace ingenuamente me disse que colocaria minhas coisas no meu


quarto, eu esperava os skates e o capacete. Mas a visão de seu laptop e câmeras
me pegou de jeito.

— Agora estamos quites — dizia o Post-It dentro do laptop.

O mais cruel de tudo, ela não limpou a maldita coisa. Quer dizer, tudo bem:
ela queria uma fuga rápida, então eu entendi. Mas um reset de fábrica a teria
matado? Deus sabe que não consigo excluir as postagens, vídeos ou fotos dela. Não
consigo nem parar de olhar para eles.
Como agora. Eu deveria escrever ao diretor da competição, que me enviou
um, sinto muito por não poder vir, e-mail quando soube que eu estava doente.

Em vez disso, estou lendo a postagem de Juniper sobre a navegação baseada


apenas nas estrelas, mesmo quando se está viajando pela rodovia.

Ei, não deve ser muito difícil redigir um e-mail simples, certo?

Certamente posso tirar minha mente de Juni por alguns minutos.

Caro Sr. Ingram,

Obrigado pelos votos de boa sorte; eu aprecio isso, porque respirar realmente
dói como uma cadela atualmente.

Sim, é uma pena ter perdido a competição, e talvez uma pena ainda maior eu:

1) Nem percebi, devido à minha mudança para a Porta da Morte, e

2) Não poderia dar a mínima, tendo acabado de saber que minha namorada
escapou de uma porra de um verdadeiro culto.

Selecionar tudo. Excluir.

Fecho o laptop e o coloco de volta na mesa.

— Ei, Lex — eu chamo o filho mais velho de Howard quando o vejo, — ainda
tem aquelas bebidas energéticas? Vi você bebendo no café da manhã.

— Mamãe me disse para não te dar. Ela acha que você vai desmaiar de novo.

— Eu nunca sonharia em dizer a um menino para desobedecer a sua mãe —


cacarejo, sentando ao lado dele, — mas digamos apenas, se eu deixasse cinco
dólares nesta mesa de café e, em alguns segundos, um energético tomasse o seu
lugar? Eu não reclamaria.

Sorrindo, ele vai à geladeira. Bom garoto.


Infelizmente, nosso plano é interrompido por nossos pais entrando pela porta
da frente. A risada estridente de Megan espalha-se por mim.

— Van! — Ela me mostra seus anéis primeiro, abanando a mão entre nós
antes de me abraçar. Como eu estava apenas na metade do caminho para ficar de
pé, seu entusiasmo me empurra de volta para as almofadas.

— Não, não se levante — papai ri, se abaixando para me abraçar quando


Megan está fora do caminho. — Você parecia um pouco tonto, aí.

Penso em dizer a ele que estou bem: foi sua noiva quem me deixou
desequilibrado. Mas ele perderia minha piada por um largo quilômetro e
assumiria que estou sendo um espertinho. Brigas não são bons encontros.

Além disso, ainda estou muito fraco. Só de descer as escadas me deixou sem
fôlego, e o processo de parcelar olá e perguntas do tipo, como foi o voo, me esgota
ainda mais. Quando Lex me traz uma caneca de chá que é na verdade Red Bull,
quero jogar mil dólares nele.

Eu me contento em deixar os cinco dólares atrás do sofá enquanto faço um


alongamento falso. Ele o pega enquanto sai.

Megan nos contou sobre a cerimônia de casamento e os nomes que ela já


escolheu para o bebê que eles conceberam, tipo, três segundos atrás. Eu observo
papai cuidadosamente enquanto ela fala. Sim. O cara está apavorado.

Mas feliz.

Conhecendo-o – e a todo e qualquer Durhams, na verdade – é o que mais o


assusta. Temos tendência a estragar coisas boas.

Estou morrendo de vontade de contar a ele sobre Juniper. Não apenas a


merda do culto, embora eu não vá mentir será bom saber o que ele pensa dessa
reviravolta enorme e louca.
Talvez não devesse ser, no entanto. Enorme, sim, e absolutamente
malditamente louco. Mas uma reviravolta... Não tenho tanta certeza.

Assim que o choque passou e eu realmente pensei sobre isso, vi muitas coisas
que deveriam ter me dado uma dica antes. Eu a conhecia bem o suficiente para
descobrir.

Claro, ela me conhecia bem o suficiente para descobrir que eu sou péssimo
em ler nas entrelinhas. Você precisa me dizer merdas à queima-roupa, de
preferência enquadrado de tal forma que eu ache que seja sobre mim. Eu escuto
muito bem, quando sou o assunto.

Como agora.

— Os médicos disseram que demorará algumas semanas até que ele volte a
cem por cento — Howard diz a papai, olhando para mim em busca de confirmação,
— mas adoraria tê-lo aqui, se ele quiser ficar.

Papai olha para mim também. — Não é uma má ideia.

Bem, maldição. Eu esperava que ele me chamasse para morar com ele e
Megan por algumas semanas. Não porque eu quero; se eu decidir voltar para Nova
York, aquele colchão de ar na sala de música de Wes é definitivamente minha
preferência. Mas seria bom receber a oferta.

Novo bebê, nova família, eu me lembro. O apartamento deles em Manhattan


é chique..., mas ainda é um apartamento em Manhattan.

Espaço é limitado. E, conhecendo Megan, um decorador de interiores


transformará o quarto de hóspedes em um berçário antes mesmo de pousar no
JFK.

— Estou pensando nisso — asseguro a eles, principalmente para que parem


de olhar para mim. Quase sinto falta de Megan estar aqui para dominar a
conversa. Ela está falando no ouvido de Candace sobre roupas de bebê na cozinha,
como se a mulher não tivesse estado lá, seis vezes já.

— Você vai contar a ele? — Howard pergunta de repente. Certeza que ele
esperou propositalmente até que eu estivesse bebendo para fazer isso, só assim eu
engasgaria com meu chá que não é chá.

Papai olha entre nós. — Contar o quê?

— Van descobriu algo muito interessante sobre nossa Srta. Juniper.

Papai bebe sua cerveja e acena para eu cuspir, com essa cara de que nada o
surpreenderia a essa altura.

Ha: estive lá, cara.

— Era um culto. — Arrasto meus dentes sobre meu lábio e vejo as peças
clicarem em sua cabeça também. — Foi disso que ela fugiu.

— Merda — papai exala, esfregando o pescoço com força suficiente para polir
o bronzeado novo. — Quero dizer... uau. Acho que não deveria estar muito
surpreso, dado o quão pouco sabíamos sobre ela. Inferno, dado o que sabemos. Mas
mesmo assim.

Howard ri amargamente. — Disse a mesma coisa quando Van me contou. É


tão surreal pensar que algo assim existe, muito menos tão perto.

— Não mais — eu o lembro, então explico para papai. — O complexo se mudou


depois que Juniper e um monte de outras pessoas partiram. O líder deles reuniu,
tipo, vinte membros e levou para Deus sabe onde, provavelmente com um nome de
igreja totalmente diferente. Mas costumava ser nas montanhas, a apenas trinta
quilômetros daqui.

— Não muito longe — papai acena lentamente, ainda em choque.


Eu aceno também. Mas fico pensando em como trinta quilômetros é um longo
caminho a pé.

A jornada de Juniper de Crown Plains até nós ainda é desconhecida. Só posso


supor que foi semelhante ao descrito cansativamente, em dezenas de entrevistas
e artigos, por sua amiga Rebecca.

Nós nos revezamos para preencher papai com o que sabemos; eu passo meu
telefone para que ele possa assistir aos clipes de documentário que memorizei, até
agora.

Rebecca descreve como as meninas foram beijadas e tocadas durante o sono


durante retiros, que soam como sessões de lavagem cerebral para mim. Eles foram
feitos para testar a determinação dos homens ou alguma merda, e as meninas
precisavam deixar isso acontecer. Era esperado. Especialmente se os homens as
ajudassem de alguma forma ou mostrassem gentileza.

Igualmente repugnante é sua descrição das cerimônias de casamento em


massa, onde todas as mulheres de quinze e dezesseis anos daquele ano foram
combinadas com homens e abençoadas com o dever sagrado de se multiplicar.

Em outras palavras: Espero que você tenha gostado de ser criança, porque
agora a sua vida inteira será de servir a esse cretino e dar ao culto mais mentes
para distorcer.

— Por que ela simplesmente não nos contou? — Ele puxa o cabelo para trás
e engole quando os créditos começam.

— Acho que ela queria esquecer o que aconteceu — digo baixinho, sentindo a
culpa estrangular meus órgãos. Estou surpreso que ainda haja alguma coisa com
que trabalhar.

A pior parte é que não sei do que me sentir mais culpado – que eu pressionei
Juniper para falar sobre algo que era tão difícil para ela, ou que não a pressionei
o suficiente. E muito, muito mais cedo.
— Não posso culpá-la por isso — papai suspira. Ele devolve meu telefone. —
Deus. E pensar que essa foi a primeira coisa que você sugeriu, Howie.

Eu me inclino em volta do meu pai para olhar para ele. — Foi?

— Oh, com certeza. Lembra o que ela estava vestindo? Aquele vestido longo
e estranho? Cabelo abaixo da cintura, sem maquiagem, nem mesmo brincos, o jeito
que ela falava. Até a última coisa sobre ela, gritava culto para mim. Ou pelo menos
uma daquelas famílias intensamente religiosas onde acontecia o mesmo tipo de
coisa, só que em menor escala. E o beijo? Sabia que vinha de algum tipo de abuso.

Papai respira fundo e dá uma cotovelada nele.

— Ow, o quê? Van já sabe que ela me beijou, nós conversamos sobre isso.

— Ela beijou você também — acrescento, olhando para papai.

Eles olham para mim como se eu tivesse acendido o fusível de uma bomba. Eu
olho para as minhas mãos, muito limpas e curadas depois de dias sem uma trilha.

— Van... — Papai limpa a garganta. — Não era...

— Eu sei. Não era o que parecia. — Meus olhos pousam no meu telefone, os
créditos do documentário ainda rolando. — Está tudo bem.

Todos nós tossimos no silêncio. Acho que os meus são os únicos verdadeiros.

— De qualquer forma — papai diz a Howard, depois de um momento, — acho


que você estava certo.

— Acho que sim. Mas, caramba... eu realmente não pensei que fosse.

— Por que você não disse aos médicos dela que achava que ela viera disso?
— pergunto. O cão de guarda está de pé, andando acorrentado em seu
círculo. Lembro a mim mesmo que não estou com raiva de Howard.
Também não estou de Juniper, por não ter me contado.

É com aquele Reverendo Barton. Eu meio que espero que o idiota ainda esteja
vivo, só para que eu possa um dia ter a honra de matá-lo eu mesmo.

— Eu contei. Eles não conseguiram obter nenhuma resposta dela.

— Nós a enviamos para a terapia — papai me lembra. — A assistente social


a levou... o quê, quatro vezes? Não tenho ideia do que ela disse ao psiquiatra, no
entanto.

— Provavelmente nada — diz Howard.

Sim, eu acho, por minha causa.

Quando a assistente social veio levá-la para a primeira consulta de terapia,


eu disse a ela para tomar cuidado com o que ela dissesse – que o estado poderia
colocá-la em um hospital psiquiátrico, se ela não tomasse cuidado.

— E você não quer isso, certo? Você quer ficar aqui. Comigo.

Ela me disse que sim, é claro que queria ficar. Apertou minha mão e passou
por aquela porta, apenas alguns metros de onde estou sentado agora, pronta para
mentir.

A culpa queima novamente, mas eu a apago com alguma verdade fria:


Juniper não mentiu para seu terapeuta ou evitou perguntas por minha causa. Ela
simplesmente sabia que seria mais fácil escapar do rancho do que de um hospital.

— Pobre garota. — Papai suspira de novo e olha para o teto. — Gostaria de


ter ajudado a ela.

— Acho que ajudamos — Howard diz, mas nós o dispensamos. Estou com o
papai nisto.
Salvamos a vida de Juniper na noite em que ela veio aqui. Nós a equipamos
com o básico para sobreviver por conta própria depois que ela partiu. Mas não a
ajudamos nem a metade do que poderíamos. Ela não nos deixou.

Enquanto me arrasto escada acima para descansar até o jantar, ouço meu pai
perguntar a Howard como Juniper entrou em cena novamente.

Resumidamente, penso em gritar, ela jogou minha vida inteira no lago e não
conseguiu recuperá-la, então se ofereceu para compartilhar a dela.

E quando aquilo quebrou e queimou como o desastre que nós dois sabíamos
que aconteceria... ela me contou sua história, em vez disso.

Esqueça o laptop e todo o seu equipamento. É para onde seu Post-It deveria
ter estado: bem na capa daquele livro.
TRINTA E QUATRO

— Deve ter sido um baita rompimento.

Eu levanto, quase caindo do balanço quando papai aparece.

— Jesus, dê ao cara algum aviso.

— Bati a porta da varanda — ele ri, — mas não sabia que você estava tão
concentrado.

Minhas mãos fecham o livro e o giro na luz fraca. — Só um romance infantil


que Juniper disse que costumava ler — dou de ombros, como se não fosse a última
pequena parte dela que me restava. Ela me bloqueou em todas as redes sociais,
mas uma conta fictícia revelou que ela não postou nada em dias. A última foi uma
foto de um pouco de aveia que comemos juntos uma manhã.

Um bando de seus seguidores enlouqueceu, porque era possível ver meu braço
ao fundo. Eles adoraram a ideia de Juniper encontrar alguém na estrada.
A saudação inicial de papai é registrada quando ele se senta na cadeira de
balanço à minha frente. — Por que você diz isso?

— O quê, a separação? — Bebendo seu café depois do jantar com uma das
mãos e acenando preguiçosamente para mim com a outra, ele diz: — Só dizendo
que deve ter sido horrível, dada a sua aparência.

— Uh, eu tive pneumonia, mas obrigado pelo impulso do ego.

— Foi sério?

— É alguma vez sério? — Eu rio, mas a piada parece que desliza de volta pela
minha garganta. Fico olhando para os campos iluminados pela lua atrás dele.

— Então por que você parece tão infeliz agora que ela se foi?

Boa pergunta. Por que continuo lendo este livro como se a própria Juni fosse
sair dele? Como é que continuo acordando, todas as noites, com esse desejo de ir
procurá-la mil vezes mais forte do que o que sentia nos Hamptons?

— Acho que a amava.

Papai estremece, dramático como a merda e aperta o coração. Eu jogo meu


marcador para ele enquanto ele ri.

— Não há acho nisso — ele diz. — Se você acha que a amava, eu tenho uma
notícia para você: você a amava absolutamente.

Sento-me com um tipo de ruído pft36, mas não afasto o olhar.

— É assim que foi com você e mamãe?

Ele acena com a cabeça e puxa um tornozelo sobre o joelho, balançando


firmemente e sorrindo como se estivéssemos em algum comercial do Country

36 Exclamação de descrença.
Time. — Sua avó disse desde o primeiro dia, quando cheguei em casa do trabalho
e não parava de reclamar dela.

— Espera. — Eu planto meus pés, parando no meio do balanço. — Você


sempre me disse que convidou mamãe para sair no dia em que a conheceu.

— Oh, eu a convidei. — Ele ri. — Eu a queria imediatamente. Mas isso não


significa que eu gostasse dela.

Balanço a cabeça, mas não para ele – para nós dois. Em tudo o que reside no
cromossomo Y de Durham que nos torna tão estúpidos.

— Ela me deixou louco — continua, — e eu não conseguia o suficiente.

Sim, parece certo. Até eu vi muito disso, crescendo. Os dias de papai como um
idiota acabaram, mas ele ainda era muito tenso e um especialista em mudanças
de humor.

Mamãe sorria ainda mais brilhante quando ele fazia uma careta. Ela beijava
suas orelhas e dizia todos os pensamentos bons e doces que passavam pela cabeça
dela: Está um dia tão bom, vamos levar Sull ao parque.

Faça uma pausa de todos esses números, Sterling – dance comigo.

Ela não pararia até que o humor dele se recuperasse.

— Todo o nosso primeiro encontro não passou de discussões — papai ri. —


Voltei para casa xingando todo mundo, batendo armários e jurando que havia
acabado com ela. Não sei como ela me irritou assim... mas ela fez.

— Como você conseguiu um segundo encontro, se o primeiro foi tão horrível?

— Isso — papai respira, — foi obra da sua avó. Ela imaginou que qualquer
garota que me irritasse tanto era uma defensora, porque isso significava que eu
não poderia assustá-la. Disse que finalmente encontrei meu par e que ela seria boa
para mim.
— Acho que ela estava certa.

— Ela estava. Mas é claro que eu não queria ouvir, então ela decidiu ir à loja
no dia seguinte, anunciar que estava lá para falar com sua futura nora, e dizer a
sua mãe que eu valeria a pena todo o trabalho, se ela estivesse pronta para o
desafio.

— Oh, meu Deus — eu rio. — Eu diria que não posso acreditar que ela fez
isso, mas... eu posso totalmente. — Vovó Durham era malditamente excepcional
para o bem de todos, especialmente para ela.

Papai sorri e massageia a ponta do nariz atrás dos óculos. — Sim, realmente
deveria ter previsto isso. Mas, no momento, fiquei muito horrorizado. E chateado.

— O que mamãe disse?

— Nada. Ela apenas sorriu e pediu licença para ir à sala dos fundos até que
minha mãe finalmente foi embora, então não falou comigo o resto do dia. Quando
finalmente nos encontramos no relógio de ponto, foi tão estranho que só consegui
pensar em dizer, Saia comigo de novo.

— Muito suave.

— Sempre. — Papai abre os braços e se inclina para trás. — Funcionou, no


entanto. Saímos de novo, discutimos ainda mais..., mas desta vez gostei. Ela me
criticou por coisas que ninguém mais faria. Quando eu ficava com raiva e começava
a gritar, ela apenas tocava meu braço e calmamente explicava por que eu estava
sendo um idiota, e então eu parava. Não sei como ela fazia isso. Era como
encantamento.

Meu sorriso desaparece. Golpe baixo, universo.

Acho que não posso estar muito zangado. Eu ganhei aquele soco cármico.
— Ela consertou você — termino, balançando a cabeça para lembrá-lo de que
já conheço essa parte da história.

— Eu não diria consertou. — Ele tira um pouco da sujeira do sapato e depois


tira os fiapos da meia. Tem logotipos Polo por toda parte, em cores de garoto de
fraternidade que meu pai nunca escolheria.

Megan deve ter comprado. — Foi mais como... ela me mostrou como eu era
ferrado e que eu precisava trabalhar em mim mesmo se quisesse ficar com ela.
— Ele sorri. — E Deus, eu nunca quis nada mais.

— As pessoas não se consertam. Eles apenas ajudam uns aos outros a ver que
algo precisa ser consertado.

Juniper achou que eu não ouvi o que ela disse naquele dia. Eu fingi que a
tempestade a abafou, porque eu queria foder, não brigar. Mas quando as palavras
se estabeleceram na minha cabeça algumas horas depois, eu meio que entendi o
que ela queria dizer.

Mudar de lugar, adotar novos estilos de vida – apaixonar-se por alguém:


nenhuma dessas coisas resolve realmente nossos problemas da maneira que
esperamos que resolvam. Isso é pedir um pouco demais deles.

No entanto, eles destacam as falhas e nos estimulam a finalmente melhorá-


las. Nós apenas temos que respirar e fazer isso.

Papai passa a língua pela bochecha por um momento, olhando para mim por
cima dos óculos. — Candace me disse que você não tem comido ou dormido muito.

— Muito ocupado cuidando de um coração partido, aparentemente. — Digo


isso como a piada que não pude fazer antes, todo sarcasmo frágil e amargura, mas
é quase um alívio saber o que há de errado comigo. Finalmente, um diagnóstico.
É por isso que meu peito ainda dói pra caralho, embora eu esteja respirando
bem. Por que funções humanas básicas como dormir e comer parece totalmente
opcional, ultimamente. Eu estava apaixonado.

Você ainda está.

Mas não há nada que eu possa fazer a respeito. Se e quando eu a encontrar


novamente, o que eu diria?

— Ei, lembra como eu desrespeitei seus limites e te forcei a me dizer merdas


que você não estava pronta para compartilhar? Como não pude confiar em você até
saber que passou por um inferno absoluto? Sim, vamos colocar um ponto nisso e
voltar a ficar juntos, porque estou uma bagunça sem você.

Ah sim. Tão romântico. Se ela ainda não me odeia, ela iria depois desse
pequeno discurso.

Esfrego meu rosto e suspiro, desesperado por uma mudança de tópico. Pela
primeira vez na vida, acho que estou cansado de falar de mim mesmo.

— Já está começando a parecer real? — pergunto a papai e aceno com a


cabeça em direção à porta. — O bebê, eu quero dizer. Agora que Megan está
escolhendo nomes e coisas.

— Muito. Mas a estranheza está indo embora, isso é bom. Estou


principalmente apenas... animado. Parece uma segunda chance.

Concordo com a cabeça, meu rosto inexpressivo vindo em seu socorro: ele não
pode ver como me fortalece dizer: — Sim. Segunda chance de ser pai. Um novo
começo.

— O que? — Sua risada é distorcida, a maneira como você reagiria a uma


criança dizendo algo igualmente precioso e estúpido.

Quando ele percebe que eu não estava brincando, ele para.


— Eu disse sobre... se apaixonar de novo — ele diz. — Se casar
novamente. Por que você acha que eu quis dizer isso?

Encolho os ombros. — Não consigo imaginar que eu era o filho que você
esperava ter, só isso.

— Na verdade, você é exatamente o filho que eu esperava.

Levanto minha sobrancelha para ele. — Certo.

— Sério. — Ele acena para mim. — Teimoso, de temperamento explosivo,


confiante à beira da arrogância...

— Como é a tradição de Durham.

— ...Tão parecido comigo — papai termina, — que eu poderia prever todos os


problemas que você causaria para si mesmo toda vez que eu olhasse para você.

— Como olhar para o futuro?

— Como olhar em um maldito espelho.

Quase sorrio. Papai apoia o queixo na palma da mão.

— Em minha defesa — digo a ele, — não fui tão ruim assim. Eu poderia estar
lá fora cheirando coca, roubando bancos, assaltando pessoas...

— Não é a melhor defesa.

— E — acrescento presunçosamente, inspecionando minhas unhas, —eu não


engravidei uma garota.

— Ai. — Papai sorri de novo e se levanta, caminhando até a grade oposta. Eu


sigo.

Ele range. — Você sabe que esse era um dos meus maiores medos por você,
quando era adolescente? Que você engravidaria uma garota?
— Não me diga. — Aperto os olhos para além do celeiro e encontro a
cocheira. — Engraçado, já que não perdi minha virgindade até depois disso. Eu
tinha vinte anos.

Também engraçado: não consigo nem lembrar o nome daquela


garota. Alguma amiga da irmã de uma estrela de cinema que conheceu minha
prima, Delaney, durante uma visita a Burbank. Eu estava bêbado e mal me
lembrava da experiência.

Mas me lembro de cada detalhe da primeira vez de Juniper. Acho que sempre
irei.

Papai faz uma careta; ele não quer ouvir sobre minhas façanhas. Ele pode
lidar, no entanto. Eu sou aquele que está prestes a ter um irmão ou irmã aos 23
anos, um pequeno pacote de prova viva de que meu pai tem suas próprias façanhas.

— Sério? — ele pergunta. A princípio, acho que ele está falando com
o mosquito Jurassic Park que ele acabou de dar um tapa no ombro, mas ele se vira
e me encara. — Você nunca fez nada com todas aquelas garotas com quem saiu no
colégio? Todas aquelas que ligavam ou apareciam no apartamento, chorando
muito?

— Quero dizer, eu fiz coisas — sorri, e ele se encolhe novamente, — mas nada
que pudesse ter uma menina grávida.

— Então o que aconteceu com aqueles preservativos que coloquei no seu


banheiro para você? Lembra-se disso?

— Vividamente. Obrigado por desfazer quase uma década de


repressão. Quanto à onde foram, carreguei um na carteira. Manter as aparências,
você sabe.

— E o resto?
— Explodidos como balões e enviados para as ruas de Nova York da varanda
da cobertura — digo com orgulho. — Ideia de Wes e Theo, se vale alguma
coisa. Não minha.

— Por que você simplesmente não me disse que não estava fazendo isso? Toda
aquela merda que eu te dei, todos aqueles sermões...

— Você não teria acreditado em mim. Inferno, você nem acredita em mim
agora. — Aceno minha mão com a descrença estampada no rosto dele. — E mesmo
se acreditasse? Você teria continuado me dando merda sobre isso, imaginando que
era apenas uma questão de tempo. Estou errado?

Papai fica olhando para a terra novamente. Eu me pergunto se ele sente falta
disso aqui, ou se parece muito com o de Howard agora.

— Ok, então eu provavelmente não teria acreditado em você. Ou, como você
disse, presumisse que aconteceria em breve, independentemente.

— Exatamente. Você continuou exigindo saber, então naquele ponto eu


estava tipo, Ele nem mesmo merece saber. De que adiantaria sua confiança se eu
tivesse que lhe dar uma prova primeiro?

Minhas próprias palavras me atingem na brisa. Tudo bem, universo: ironia,


notada.

Mas, de novo, nada que eu possa fazer sobre isso agora.

— Bem — papai suspira, — não que isso signifique algo tão depois do fato...,
mas sinto muito.

Hã. Talvez Juni estivesse certa sobre as desculpas serem úteis, mesmo que
elas não possam mudar o que foi feito. Ouvir meu pai dizer isso me faz sentir um
pouco melhor.

— Desculpas aceitas — digo a ele.


Na verdade, eu digo isso para as tábuas sob meus pés; papai tecnicamente
direcionou seu pedido de desculpas para a escuridão à frente. Ainda estamos nos
acostumando com toda essa coisa de desculpe. O contato visual é muito avançado.

Ele se afasta da grade como se estivesse voltando para dentro, então eu sei
que preciso ser rápido. Mais uma confissão.

— Papai? — Por mais difícil que seja, eu o encaro. — Eu tenho algo para te
contar.

Quase desmaio. Como ele reagirá está além de mim. Talvez me coloque
contra a parede da sala de jantar de Howard.

— Eu não estava lá quando aconteceu. — Meus olhos ardem, outra ameaça


vazia do meu corpo, arrastam-se para o dele. — Quando mamãe morreu.

Seu silêncio me abala mais do que seus gritos jamais poderiam.

Não há nada em seu rosto. Nenhuma pista do que ele está sentindo.

Eu costumava pensar que era uma coisa boa, a máscara Durham de gelo e
pedra. Agora estou pensando que fomos amaldiçoados.

Talvez seja por isso que foi tão fácil para meus sentimentos desaparecerem. A
dormência se espalhou de fora para dentro.

— Ela e eu brigamos por algo — acrescento, engolindo em seco. — Eu nem


lembro o que..., mas eu saí. Passei um tempo com alguns amigos, depois fui para
casa porque percebi que ela não havia me ligado. Eu pensei, tipo, Ok, ela deve estar
muito brava comigo desta vez.

Minha garganta aperta. Toco meu inalador por baixo da camisa, mas sei que
não é essa a sensação. É algo muito mais difícil de consertar.
— Então eu cheguei em casa — termino, — e a encontrei no chão. Chamei a
ambulância e tentei acordá-la. Tentei tanto, mesmo quando sabia que ela havia
morrido.

Acho que aquela picada em meus olhos não era uma ameaça vazia, afinal. Eu
toco meu rosto e encaro as lágrimas em meus dedos, do jeito que você inspecionaria
seu próprio sangue após ser apunhalado.

Elas não fazem sentido.

Elas assustam demais.

— Ei, está tudo bem — ele sussurra, quando aceito seu abraço porque, merda,
eu não sei mais o que fazer. Achei que meus dias de choro haviam acabado há
muito, muito menos precisando de abraços e tapinhas nas costas.

A única coisa adulta sobre isso – além de elevar-me uns bons quinze
centímetros acima do meu velho – é que não tenho que forçar minhas
desculpas. Pela primeira vez, dizer, sinto muito, acontece facilmente.

Parecem horas antes de eu me recompor. Ouvi a porta de tela se abrir em


algum momento, depois se fechar rapidamente; provavelmente Candace, dando
meia-volta no segundo em que viu a anomalia.

— Você não está bravo? — eu fungo e tusso o resto das lágrimas da minha
garganta. Eu os cuspo por cima da grade e ignoro o olhar de repreensão que ele
lança.

— Estou aliviado, na verdade. Eu gostaria que você não a tivesse visto assim
– que eu tivesse a encontrado, em vez disso. Mas saber que você, pelo menos não
percebeu o que realmente estava acontecendo... talvez não devesse me trazer um
tipo estranho de paz, mas traz.

— Para mim, não. Ela estava sozinha. Seu último pensamento foi quão
irritada ela estava comigo. Como eu fui um merda com ela.
Papai está quieto. Ele pega algumas bolhas de tinta na grade. — Não sei se
isso vai te ajudar, — ele diz — ou te fazer sentir pior.

— Eu não poderia me sentir pior. Conte-me.

— Ela estava com as chaves nas mãos. E ela estava calçando sapatos, lembra?

Hesito, depois balanço a cabeça.

— Na época, não pensei em nada disso. Todos os detalhes borrados juntos,


honestamente. Mas agora, sabendo o que você acabou de me dizer...

Ele me encara, recusando-se a continuar até que eu olhe para ele.

— Ela estava saindo para procurar você, Van. Seu último pensamento não foi
que ela estava com raiva de você. Foi que ela sentiu sua falta.

— Você não sabe disso. — Eu me pergunto se os dutos lacrimais podem torcer


com o uso excessivo após a atrofia, porque parece que os meus estão pegando
fogo. — Talvez ela estivesse saindo para comprar mantimentos ou algo assim.

— Em sua calça de moletom? — Papai ri.

Esse é um ponto muito bom. Mamãe nunca saía de casa a menos que estivesse
vestida.

Exceto quando ela saía procurando por mim.

Megan o chama de uma janela do andar de cima; ela não consegue encontrar
suas escovas de dente elétricas. Ele grita que vai levar logo, então vira o olhar do
telhado da varanda para mim.

— Estou feliz que você me disse.

— Sim? — E aqui pensei ter feito por egoísmo querendo me sentir melhor,
temendo que isso o fizesse se sentir pior. Mas é completamente o oposto.
Então, novamente, por mais terrível que eu me sinta agora, minhas
bochechas queimando e o ego despedaçado... eu meio que me sinto melhor também.

Papai aperta meu ombro antes de ir. — Não fique acordado até tarde. Você
tem seu acompanhamento com o médico amanhã.

— Eu sei — digo a ele, embora tenha me esquecido completamente do


compromisso. Uma vez que ele está dentro, pego o livro de Juniper do balanço e
desço para a calçada da frente.

É uma pequena faixa de calçada que nunca terminamos. Acho que Howard o
colocou em banho-maria também, porque ele ainda termina depois de algumas
placas de concreto, transformando-se em um caminho gasto pela grama.

Sem pensar muito, sigo-o até a cocheira.

Foi limpa e pintada, mas ainda parece que estou voltando no tempo quando
entro e vejo todas aquelas luzes de fada.

Howard me disse que as deixou. Seus meninos costumavam vir aqui para
mini acampamentos e usá-las para ler histórias em quadrinhos ou jogar Twister,
mas não fazem isso há alguns anos.

Enfio o livro debaixo do braço e me ajoelho no chão, procurando o


plug. Quando o coloco na tomada na parede, prendo a respiração. Empurro.

Nada acontece.

Após mais duas tentativas, desisto. Elas queimaram, agora emaranhados


inúteis de fios e vidro.

Mas quando abro a porta para sair, olho para trás e vejo o luar refletido em
cada lâmpada.
TRINTA E CINCO

— Uau, que van linda!

Olho para cima com meu coração batendo duas vezes mais rápido do que
deveria.

Você pensaria que meu cérebro teria algum tipo de filtro para capturar
sentenças como estas: muitas vezes por dia eu ouço, leio ou digo a palavra van que
significa um veículo, não um nome.

— Obrigada — gerencio, enquanto os transeuntes circulam meu para-


choque. Estar perto de pessoas é a última coisa que eu quero agora, então não os
convido a entrar. Quando perguntam se podem abrir a parte de trás para ver o
resto – já segurando as alças; quem faz isso? – eu mordo a língua, mas balanço a
cabeça.

Eles se afastam como se eu tivesse gritado com eles, o que eu


esperava. Aprendi muito nos últimos dias, mas principalmente isso: algumas
pessoas têm tanta certeza que você dirá sim, tão convencidas que o seu negócio
também é delas, que pegam sua exibição de espinha dorsal e chamam de grosseria.
Ah, bem. Não é problema meu.

Eu me pergunto se era assim que Van se sentia, a meio caminho entre


entorpecido e furioso a qualquer momento. Não gosto disso é uma corrente baixa
que zumbe pelo seu corpo e deixa você se sentindo um pouco fora do centro, o tempo
todo.

Apesar do calor que irradia do estacionamento da loja de eletrônicos, fecho o


Transit e fico na cama enquanto o ar-condicionado se esforça para ganhar o seu
sustento. Minha nova câmera e computador permanecem fechados na prateleira,
me provocando.

Eu sei que preciso trabalhar. Uma foto, uma postagem no blog... qualquer
coisa. Mas não tenho ideia do que escrever, e não há nada que queira fotografar ou
filmar aqui. Até o amanhecer desta manhã parecia abafado.

O laptop é barato, um grande retrocesso do meu antigo – o tipo que usei


quando estava apenas começando. Parece apropriado. Eu também sinto que fui
rebaixada. Algo muito próximo da pessoa que eu era há sete anos.

Eu abro, mas não para trabalhar. Após pular todos os pedidos de


configuração, sigo para o navegador.

Não, digo a mim mesma, quando começo a digitar, Culto da Unity Light, na
barra de pesquisa, assim como tenho feito no meu telefone todos os dias desde que
saí de Dakota do Norte.

Estar de volta acabou de abrir a ferida que Van primeiro deu os pontos, com
toda aquela conversa de, me mostre o seu, eu mostro o meu. Não consigo parar de
cutucar para confirmar que, de fato, ainda dói.

Não estou lendo ou assistindo nada que não saiba, é claro. Muitos ex-
membros deram entrevistas. Cultos são um grande negócio na mídia, o tipo de
coisas de que os espectadores e leitores não se cansam. E quanto mais detalhes
você der, melhor.
Rebecca logo emergiu como a fonte favorita, porque ela era uma das poucas
pessoas nascidas lá que estava disposta a repetir as mesmas histórias,
indefinidamente. A maioria dos outros ex-membros são como eu: nenhum
interesse em reviver o passado.

Talvez fosse mais fácil se o Unity Light não existisse mais – se ainda não
estivesse operando em algum local desconhecido com um novo nome. Se todos nós
estivéssemos fora.

Eu clico em um artigo. Já li este várias vezes. Meus olhos sabem exatamente


que amostra de parágrafo procurar.

— Sim, tivemos que deixar tudo para trás, mas não era como se tivéssemos
muito para começar. Unity Light não permitia a maioria dos eletrônicos —
Hostetter disse sobre sua fuga angustiante com um grupo de outros adolescentes
– uma das quais estava, como ela, noiva contra sua vontade e se casaria poucos
dias depois.

— Não tínhamos fotos, exceto as que a igreja tirou para os panfletos de


recrutamento. E nenhum livro que não tenha sido aprovado pelo conselho. Eles
estavam no comando de tudo o que fazíamos.

Hostetter tinha um livro que ela estimava, no entanto, uma cópia gasta do
best-seller de fantasia de classe média The Phoenix Seer, de D. Amelia Royce.

— Minha amiga e eu o pegamos da mochila de uma garota em um parque —


Hostetter explicou. — Quando ainda tínhamos permissão para deixar Crown
Plains para viagens especiais. Era como uma vida circense... essa coisa em que
deveríamos ir a parques e distribuir panfletos para as crianças.

De acordo com Hostetter, o grupo foi instruído a visar adolescentes que


usavam drogas ou bebiam, ou aqueles que pareciam ter fugido.

— Almas perdidas — ela disse. — Era isso que deveríamos encontrar.


Eu pulo a parte sobre o processo de recrutamento da Unity Light. Isso me
enoja demais, me faz imaginar muito vividamente o que minha mãe passou. Como
nós, os angariadores adultos foram instruídos a procurar almas perdidas. Quanto
mais jovem, melhor.

Ainda me lembro daquela viagem. Era o meio do verão. Mais tarde, eu


percebi que essa hora foi escolhida de propósito: era quando a maioria das crianças
fugia de casa.

Nosso acompanhante consertou minha trança quando saímos do ônibus e nos


espalhamos. Éramos dez. Nós tendíamos a ficar em panelinhas, divididos no grupo
que nasceu na Unity Light, ou basicamente crianças quando suas famílias se
juntaram, e as crianças que ainda se lembravam de suas vidas anteriores. Eles se
amontoaram em grupos e reclamaram do quanto sentiam falta da televisão ou da
escola.

Secretamente, adorei ouvir suas conversas. Eu pairava por perto e bebia tudo
o que diziam, mesmo quando não entendia.

Naquele dia, Rebecca e eu distribuímos nossos panfletos juntas. Ela achava


hilário sempre que eu estragava tudo, especialmente para pessoas intrometidas
que faziam muitas perguntas. Deveríamos ignorá-los e seguir em frente; os
acompanhantes disseram que já não podiam ser salvos, muito atolados em
dúvidas.

Eu gostava de conversar com eles, no entanto. Eu elogiaria suas tatuagens e


piercings. Eles admirariam nossas longas tranças ou zombavam de nossas roupas
antiquadas.

No final da viagem, conversamos com todos em nosso canto do parque e


distribuímos todos os nossos panfletos. A maioria acabaria no lixo, mas pelo menos
o acompanhante não poderia nos punir por sermos preguiçosos. Fizemos nosso
trabalho.
— Jessie — Rebecca sussurrou, me dando uma cotovelada quando me juntei
a ela em um banco para descansar, — olhe.

Limpei o suor dos olhos e me virei. Havia uma mochila rosa no chão, aberta.

Dentro estava o livro.

— Pertence a ela, eu acho. — Rebecca acenou com a cabeça para a garota nas
barras, do outro lado do campo de futebol.

— The Phoenix Seer — li. Nossas pontas dos dedos traçaram o relevo da
capa. Era linda, mas gasta, o que me fez amá-lo ainda mais.

Cobiçando, eu recitei em minha cabeça. Querer o que o seu vizinho tem no


prato, quando você deveria ser grato pelo que está no seu prato.

O que estava em nossos pratos?

Livros de capítulos das visões-poesia do Reverendo Barton, seu rosto


estampado na capa, enchiam a única estante de livros da minha casa. Rebecca
também. Algumas traduções variadas da Bíblia e livros enfadonhos sobre costura
ou culinária completaram o resto. Até os gibis religiosos que costumávamos
comprar na escola semanalmente foram banidos.

Nossos pratos estavam vazios. Esta garota, pendurada nas barras por suas
pernas bronzeadas e nuas enquanto seu cabelo na altura dos ombros esvoaçava ao
redor dela, tinha tanto.

Sua mochila era rosa brilhante e metálica. Estatuetas caíram de ambos os


zíperes e, quando cutuquei a mochila, pude ver todos os tipos de pequenos tesouros
dentro: pulseiras, brinquedos e doces que me deram água na boca só de olhar.

Ela tinha dois outros livros lá também. Ela sentiria falta deste? Uma única
mordida de um prato transbordando?
— Rápido — eu disse a Rebecca, e enfiei na sacola do panfleto quando
ninguém estava olhando. Ela o cobriu com nossos sanduíches não comidos e me
seguiu até o ônibus.

Escondemos o livro entre a parede e o assento quando o acompanhante


recolheu nossas sacolas, elogiando-nos por cumprirmos nossa cota de
panfletos. Rebecca sorriu e agradeceu, mas eu não estava ouvindo. Tudo que me
importava era aquele livro.

Eu o escondi debaixo do vestido durante a viagem de ônibus de volta para


Crown Plains, que levou horas. Quando mais velha, percebi que a razão para isso
era dupla.

Primeiro, eles queriam recrutar pessoas o mais longe possível, para que a
polícia e os membros da família não pudessem rastreá-los.

E, segundo, adormeceríamos antes que a viagem terminasse.

Eles não queriam que soubéssemos onde ficava Crown Plains. Como estava
perto de qualquer outra coisa.

Eu olho novamente para o artigo.

Infelizmente, Hostetter não conseguiu encontrar sua amiga desde que eles
deixaram o culto.

Seu apelo sincero se tornou viral no Facebook há um ano, pedindo a qualquer


pessoa com informações sobre Jescha Cole para entrar em contato com Hostetter.

No momento da publicação, o paradeiro de Cole ainda é desconhecido.

— Recebo e-mails todas as semanas — Hostetter diz. — As pessoas dizem


que a viram em um estado, mas o próximo e-mail diz que ela está em outro país ao
mesmo tempo. Nenhum dos que seguimos acabou sendo ela.
Hostetter abandonou sua busca, mas diz que se recusa a temer o pior – que
sua amiga não sobreviveu a sua fuga do complexo Unity Light.

— Jescha era – é – uma das pessoas mais fortes que já conheci. Se eu consegui
sair de lá, ela também conseguiu. Então, a única razão pela qual posso pensar que
ela ainda não foi encontrada... é porque ela não quer ser.

Fecho o laptop e me deito, fechando os olhos contra os vestígios do


desodorante de Van. Juro que continuo cheirando, não importa quantas vezes eu
lave esta roupa de cama.

Rebecca estava meio certa.

No começo, eu queria que ela me encontrasse, ou vice-versa. Passei cada


minuto ao ar livre no rancho observando a floresta, esperando que ela aparecesse.

Alguns meses depois de partir, eu estava pulando em abrigos para moradores


de rua e fazendo bicos para economizar para o Transit, quando o primeiro carro
que comprei deu errado. Uma noite, quando era muito cedo para reservar uma
cama, mas muito escuro para procurar trabalho, fui à biblioteca mais próxima e
sentei-me diante de um computador.

Lentamente, digitei o nome de Rebecca em um mecanismo de busca.

Ela já estava dando entrevistas. Fiquei chocada ao encontrar dezenas de


outros, de ex-membros que partiram anos atrás. Pensei que Crown Plains e Unity
Light e Barton eram um segredo, exatamente como ele pretendia que fossem, mas
a maior parte do mundo exterior já sabia sobre eles.

Então, por que ninguém nos salvou?

Rebecca rapidamente fez uma carreira confortável falando sobre Plains, o que
me impediu de procurá-la. Naquele sótão sufocante quando planejamos nossa fuga
pela primeira vez, dissemos que mal podíamos esperar para deixar tudo para trás
e nunca mais falar sobre isso.
Claramente, ela mudou de ideia.

E isso foi bom para ela. Se ela queria exibir os detalhes diante das câmeras e
repórteres o dia todo, quem era eu para julgar? Mas isso não significava que eu
quisesse estar perto disso.

Eu sentia falta dela. Eu ainda sinto.

Mas ela me conhece como Jescha, e Jescha não existe mais.

Unity Light não estava procurando por mim, disso eu sabia.

Eles só foram atrás daqueles que foram embora quando pareciam


inseguros. Escalar uma cerca e correr pelo deserto na calada da noite? Não tive
mais certeza do que isso.

E se Rebecca e os outros ex-membros pudessem contar suas histórias sem o


Unity Light vir atrás deles, eu sabia que estava segura para postar o que quisesse
sobre minha nova vida.

Na época em que comecei meu blog – com meu corte de cabelo, ganho de peso,
roupas novas e um pouco de maquiagem – eu não parecia mais como antes. A
ameaça de ser reconhecida se foi. Mesmo que alguém descobrisse quem eu era, eu
tinha meu Transit. Eu teria ido embora antes que pudessem olhar duas vezes em
minha direção.

Havia apenas uma pessoa que eu queria que me encontrasse.

E ela seria capaz de ver as mudanças, os anos, e me reconhecer em um piscar


de olhos.

Se ela alguma vez veio me procurar.

Mas agora, ninguém está procurando por Juniper Summers. Acho que estou
procurando por mim mesma, se quiser ser dramaticamente poética sobre
isso. Toda hippie. O que não faço.
Meu telefone está vibrando. Alguém que não conheço está me mandando uma
mensagem no Instagram.

Eu abro. Geralmente é spam, mas de vez em quando é um novo seguidor ou


outro van life37 procurando se encontrar e sair.

Ei. Sua bio diz DM para perguntas?

Eu digito, Claro, como posso ajudar? e forço alegria suficiente em meus


polegares para adicionar um emoji de sorriso.

Quão longe você costuma viajar em uma semana?

Pergunta estranha, eu acho. A maioria das pessoas emoldura isso de forma


diferente: quantos quilômetros por gasolina o Transit faz, quanto tempo fico em
cada cidade, etc.

Mas eu disse que ajudaria, então respondo que depende se estou viajando
para algum lugar específico ou apenas vagando por um tempo.

Digamos que você esteja dirigindo para ficar o mais longe possível
de uma pessoa. Onde você pode acabar?

Minhas sirenes esquisitas soam... até que olho para o nome de usuário
novamente e realmente levo um segundo para lê-lo.

Flew2Close.

A foto de perfil é, obviamente, uma pintura a óleo recortada de Ícaro.

37 Termo usado para definir o estilo de vida de quem vive a bordo de uma van.
TRINTA E SEIS

Deixo meu telefone cair no porta-copos, afivelo o cinto de segurança e dirijo


até escurecer.

Devo responder a ele?

Não, definitivamente NÃO. A única resposta correta é nenhuma, mesmo que


doa. É melhor para nós dois.

Um término limpo e simples.

Quando as estradas estão desertas demais para manter meu interesse e


começo a me sentir cansada, paro em um estacionamento e olho para o reflexo
oscilante das luzes de corda no meu para-brisa.

Meu coração bate quando pego meu telefone novamente, puxando-o para a
cama como uma âncora. Eu me deito e abro o aplicativo.

Ele não escreveu nada novo, ainda esperando pela minha resposta.

Juni: Eu bloqueei seu perfil real por um motivo, você sabe.


Van: Eu sei. Porque fui um idiota de proporções sem precedentes. E
sinto muito.

Juni: Não é por isso. O oposto, na verdade – você estava certo. Não
podemos funcionar. Nunca deveríamos ter tentado.

Juni: …

Juni: Não sou quem você pensa que sou.

Van: Eu sei.

Van: Você é ainda mais incrível do que eu pensava.

Eu rolo e limpo minhas lágrimas no travesseiro.

Van: Lamento ter pressionado você a me dizer quando não estava


pronta.

Van: Lamento não poder simplesmente ter confiado em você.

As lágrimas triplicam. O que eu não daria para ter aquele entorpecimento de


volta, o tipo que me abasteceu ao longo da fronteira de Dakota do Norte.

Eu me preparo para digitar que aceito suas desculpas, embora não saiba se
aceite ou não. Começo a achar que ele estava certo. Elas não significam muito,
quando não podem mudar nada.

Van: Volte para casa.

Juni: Estou em casa. Meu Transit é minha casa.

Van: O diabos que é.

Ele está certo sobre isso, suponho. Não me sinto mais em casa aqui. Desde
que ele partiu.
Não parecia muito com uma antes disso, também.

Em nenhum lugar.

Por isso viajar foi a única coisa que fez sentido depois que deixei o rancho. Se
eu não conseguisse encontrar um lugar que parecesse meu, reivindicaria
temporariamente todos eles.

Penso em dizer a ele que não foi apenas sua incapacidade de confiar em mim
que nos quebrou. Também sou eu.

Não importa quão profundos meus sentimentos por ele se tornaram, eles
foram facilmente esmagados em face de um simples fato: Van me lembra de coisas
que eu preciso esquecer. Ele abriu feridas que fechei há muito tempo.

E eu sei que a única maneira de as fechar é fazendo o que eu fazia antes:


continuar em movimento. Sozinha.

Van: Estou com saudades.

Meu coração, tudo o que sobrou dele, se quebra em pedaços. Eu também sinto
sua falta. Sinto tanto sua falta, não posso acreditar que estou fazendo isso de novo.

Eu o bloqueio.

Outra mensagem chega menos de cinco minutos depois. Nome de


usuário: Sk8G0d. Bloqueio.

Van_Andreas2pointoh.

Sullivan96.

Juni.Come. Home.

Uma após outra, bloqueio todas as contas descartáveis que ele cria.
Fico acordada por horas, reforçando essa parede digital em torno da minha
vida – certificando-me de que Van Durham-Andresco, a única pessoa que
realmente está procurando por mim, nunca me encontre novamente.
TRINTA E SETE

— Que nojo. Vá para a porra do quarto.

— Vá a porra da sua própria casa — Wes brinca, antes de colocar a mão no


vestido de Clara até o elevador.

Eu continuo com minha maratona de solidão de videogame e finjo que não


ouço todas as merdas sujas que ele está dizendo, e ela o calando através de sua
risada.

Dormindo em sua sala de música há apenas dois dias, mas já estou farto
disso. Se eu soubesse que teria que ouvir meu primo ficar incrivelmente feliz
enquanto eu ficasse na casa dele teria aceitado a oferta de Howard.

Não, você não teria.

Ficar no rancho era muito mais difícil do que assistir Wes se tornar um idiota
apaixonado. Pelo menos aqui minhas lembranças de Juniper estão limitadas ao
conhecimento de que uma vez ela tomou banho no mesmo banheiro e dormiu no
mesmo colchão de ar que agora chamo de casa.
Ela não envia mensagens há semanas. Metade das vezes, ela me bloqueia
sem nem mesmo ler.

Eu poderia enganá-la, esperar algumas semanas até que ela abaixasse a


guarda, usar um nome que ela não pudesse decifrar e atraí-la para uma conversa
normal. Fazer com que ela pensasse que eu fosse alguém vivendo em uma van ou
algo assim, marcar um encontro. Não muito tempo atrás, esse teria sido o meu
Plano A.

Agora, porém… parece errado. Se eu ganhar Juni de volta, quero que seja
totalmente honesto. Sem jogos.

Eu gostaria que alguém tivesse me avisado que o auto aperfeiçoamento vem


com o pesado efeito colateral da integridade. É tão inconveniente.

— Sua mãe está ligando — informo Wes quando ele retorna, parecendo tão
apaixonado que quero dar um chute giratório na cabeça dele. Ele tem sorte de
estar feliz por ele, mesmo que esteja enterrado na minha própria autopiedade.

Acenar com o telefone para ele ainda é uma boa retribuição, no entanto.

Nada como a foto da sua mãe para matar o clima.

— Oi mãe. Uh... sim, por quê? — Ele faz uma pausa, suspira e olha para
mim. — Ela quer saber se você ainda está bem com algum cara da Frey.

Suspiro também. A necessidade incontrolável de minha tia de buscar


conexões – e nem mesmo ter a decência de entrar em contato comigo diretamente
por causa disso – é exaustiva.

— Nunca estive. Eu me encontrei com eles algumas vezes, mas recusei para
Spiral.
Wes repassa essa informação e esfrega os olhos enquanto ela fala. — Ela diz
que eles têm uma grande campanha nacional chegando, e meu padrasto quer um
teste.

— Tia Billie, — grito — você sabe que fui convidado para ser um atleta
patrocinador do equipamento de skate, certo? Não um modelo para suas roupas de
rua.

— Aqui — Wes diz. Ele joga o telefone enquanto sua mãe conversa. — Não
serei o canal para essa merda, você fala com ela.

Pego o telefone das almofadas onde pousou.

Cristo, ela ainda está falando.

—... apenas imaginei que você poderia ter alguma influência aí, isso é tudo.

— Desculpe, tia Bills, mas tenho tanta influência em Frey quanto andar na
rua. Alguns caras gostavam de mim, mas eu não...

— Isso é bastante! Adler só precisa do pé na porta, só isso. Uma pequena


vantagem. A agência dele abandonou completamente a bola, então estamos
cuidando do assunto em nossas próprias mãos. — Um liquidificador preenche o
fundo; eu a ouço fechar uma porta, a linha silenciando.

— Estaremos em Nova York amanhã de manhã. Encontre-nos em frente ao


prédio Frey às... vamos marcar as nove.

— Não vamos. — Minha risada não é de diversão, apenas de descrença. —


Sério, eu não tenho uma entrada lá como você está pensando. Meu representante
na indústria ainda é uma merda.

— Linguagem — ela repreende, como se seu próprio filho não falasse a mesma
língua. — E tenho certeza de que não é tão ruim quanto você pensa. Deve haver
skatistas por aí com reputações muito piores.
É verdade. As drogas são galopantes; pelo menos posso dizer que estou
limpo. Eu nem mesmo bato na garrafa com tanta força ou frequência como a
maioria dos outros, que tratam Svedka38 como Folgers39 e Jack40 como Nyquil41. E
Nyquil de verdade, como coquetéis grátis em uma festa no escritório.

O outro lado da moeda, porém, é que fez minhas brigas e rixas parecerem
piores. A Spiral até me submeteu a um teste de drogas, porque eles simplesmente
não podiam acreditar que minhas explosões não foram alimentadas por algo
ilegal. Imagine o choque deles quando meu mijo e cabelo foram relatados
espumantes e limpos. Desculpe, meninos: essa raiva sou todo eu.

Era tudo eu. Não mais.

Tornou-se uma pequena obsessão, continuar a trabalhar em minha raiva


mesmo sem Juniper e as habilidades de cura da natureza. Imagino que se
conseguir controlar isso no meio de uma cidade que nunca para de gritar, eu
estarei curado.

Nenhuma alma sabe. Até Wes. Principalmente Wes, na verdade. Eu não


teria como reclamar se ele ouvisse os podcasts de autoajuda que tenho ouvido todos
os dias desde minha conversa com papai na varanda da casa da fazenda.

Ele ecoando o que Juniper disse, sobre as pessoas não consertarem umas às
outras, era verdade.

Ela me deu muito. Esvaziou seu passado e agitou toda aquela dor, apenas
para me fazer encarar a minha e finalmente admitir que tinha problemas. E eles
não eram culpa de ninguém, apenas minha.

38 Marca de vodca.

39 Marca de café.

40 Marca de uísque.

41 Marca de xarope.
Claro, as pessoas ainda me irritam. As pessoas são irritantes e rudes, e estão
sempre na sua cara quando você só quer ser deixado sozinho. Mais ou menos como
a tia Billie agora, enquanto interpreta meu silêncio como um sim e desliga,
solidificando nossos planos de nos encontrarmos amanhã sem nenhum acordo real
de minha parte.

Mas na maioria das vezes, estou percebendo que as pessoas agem como nós
porque os humanos simplesmente fazem essa merda. Invadimos o espaço um do
outro quando estamos solitários. Discutimos sobre coisas idiotas para que
possamos ignorar as conversas importantes um pouco mais.

Às vezes, usamos um ao outro. Especialmente as pessoas que mais amamos.

Manter tudo isso em mente não me impede de ficar com raiva, mas está me
ajudando a me controlar melhor. Digo a mim mesmo que o cara esbarrando no meu
ombro no metrô ou a mulher segurando a fila do supermercado por causa de um
cupom vencido... são apenas humanos. Estamos todos tentando descobrir a merda.

Talvez essa seja a correção que eu deveria ter buscado, o tempo todo: mudar
a forma como eu olho para as pessoas, ao invés de evitar que a humanidade espere
por alguma cura mágica.

Quando passo o telefone para Wes, ele sufoca o riso por trás de um assobio
longo e baixo. — Rolo Compressor Billie ataca novamente.

— Como diabos ela faz isso?

— Confiança injustificável. — Wes rouba meu controle e retoma meu jogo. —


Ela fala consigo mesma sobre a ideia, primeiro. Assume que conseguirá o que
quiser sem a menor dúvida, e a outra parte não pode dizer não.

Eu costumava pensar que era assim que eu também conseguia tudo que
queria na vida: confiança. Agora não consigo parar de ouvir o que Juniper disse
uma vez, sobre crianças se transformando em pirralhos mimados.
A linha entre confiante e arrogante é tão incrivelmente tênue quanto aquela
entre amor e ódio.

De manhã, fico do lado de fora do prédio de Frey e bocejo amargamente até


que tia Billie e o marido saem de um táxi.

Ela me envolve em um abraço enquanto ele me oferece um expresso triplo e


um soco estranho.

Normalmente, estou dando merda a ele em nome de Wes, chamando-o, Tio


Addie, para rir da ironia: o cara é apenas alguns anos mais velho que nós. Isso, e
é difícil considerar um cara da família quando ele é seu quinto tio em duas décadas.

Os podcasts de autoajuda devem estar ajudando mais do que eu pensava,


porque agradeço a ele pelo café e até tenho uma conversa agradável no
elevador. Ele pergunta como vai minha carreira no skate; eu pergunto sobre seus
programas de modelagem e não tiro sarro dele uma vez por dizer merdas como
passarela, Linha de queda ou índice de massa corporal.

Até a tia Billie percebe, a ponto de continuar me olhando com


desconfiança. Aqui está ele, o novo e melhorado Van Durham-Andresco. Quem
teria pensado que tudo que levaria para chegar a este ponto seria perder tudo o
que possuo, quase morrer em um lago, pegar pneumonia e ter meu coração
esmagado contra a parede?

A reunião vai muito bem. Acontece que minhas conexões estão melhores e
mais intactas do que eu imaginava. Isso, ou Frey apenas opera sob a porra de uma
rocha e não tem ideia de por que meus patrocinadores me abandonaram.

Adler é enviado escada acima para se encontrar com um consultor de elenco,


enquanto tia Billie e eu conversamos um pouco com os caras que primeiro me
procuraram para obter patrocínio. Um deles me dá seu cartão e me diz para
manter contato. Quando saímos, estou tentado a me beliscar e ter certeza de que
realmente acordei esta manhã.
— Que grande empresa! Por que você não fez esse acordo com eles, alguns
anos atrás? — ela me pergunta em nossa corrida de táxi para o almoço. Sugeri o
lugar no Brooklyn onde agora estou servindo mesas para economizar para um novo
veículo, mas deveria ter pensado melhor. Billie Durham só janta em
estabelecimentos que lançam olhares feios para meus jeans sujos.

— Consegui uma oferta melhor — encolho os ombros, porque realmente foi


tão simples, na época.

Gostei muito mais das pessoas da Frey desde o início. Eles pareciam mais
genuínos. Até mesmo alguns dos chefões eram skatistas profissionais
aposentados. Não ficava mais real do que isso.

Mas a Spiral ofereceu mais dinheiro. E, ao contrário de Frey, eles não


mencionaram exclusividade, então eu estava livre para aceitar a oferta da Creigh
Supply também. Imaginei que quanto mais, melhor – como, quanto mais dinheiro
e direito de me gabar eu teria.

Que idiota estúpido você costumava ser.

— Obrigado por organizar isso — Adler disse baixinho do outro lado da


cabine. Ele parece nervoso, e acho que é minha culpa. Por que ele deveria confiar
na minha repentina bondade, quando tudo que fiz desde que ele se casou com
minha tia foi tratá-lo como lixo?

— Sem problemas — digo a ele, embora não tenha feito muito.

Tia Billie marcou a reunião. Eu apenas a deixei dizer meu nome,


principalmente porque eu não achava que ainda tivesse algum peso para isso.

Durante o almoço, tia Billie fala com entusiasmo sobre meu pai ter outro bebê
na idade dele, como se fosse um escândalo. — Será tão difícil ajustar, depois de
todos esses anos. Ele não troca fraldas desde... bem — ela ri, acenando com o garfo
para mim, — desde que você era um bebê.
— Sim. Tenho me trocado há mais de duas décadas.

Adler ri. Tia Billie me dá uma cotovelada, um lembrete silencioso de que este
é um belo lugar.

— Aposto que é uma menina. — Ela gira o garfo como se estivesse comendo
macarrão, não salada. — Seus pais sempre quiseram uma filha, sabe. Não em vez
de um filho — ela acrescenta rapidamente, — mas mais que um.

— Sim. Eles queriam uma grande família. — Meus pais não falavam muito
sobre isso, o fato de que eu era sua maravilha de um só golpe antes que mamãe
precisasse de uma histerectomia devido a miomas. Mas eu sabia que eles queriam
mais do que tinham. Todos nós.

— Ela ficaria feliz. — Tia Billie termina meu vinho e despeja o resto em seu
copo, enquanto Adler bebe sua água de pepino. Deus, a vida de modelo me
mataria. Puxo meu bife para mais perto e como a gordura que inicialmente ignorei,
porque vê-lo beliscar frango sem pele e aspargos grelhados me deixa dez vezes
mais faminto.

— Minha mãe? — pergunto.

Ela concorda. — Seu pai tem estado tão... diferente desde que ela
faleceu. Conhecer Megan foi a primeira vez que o vi sorrir de verdade, como
costumava fazer. E a maneira como ele fala sobre o novo bebê? Ele está tão
assustado e animado como quando sua mãe estava grávida de você.

— Papai também estava com medo? — Eu ri.

— Oh, Deus, sim.

— Por quê? Eles planejaram me ter. — Gastou cerca de trinta mil para fazer
isso também. Isso com certeza não acalmou meu ego, enquanto crescia sabendo
que havia um grande cifrão ligado à minha existência.
— Isso não o torna menos assustador. Você começa a pensar em seus próprios
pais e em todos os erros que eles cometeram com você, e jura para si mesmo que
não cometerá o mesmo com seus filhos..., mas você os comete de qualquer maneira.
Ou uma bagunça de novos.

A tristeza atravessa seu rosto. Tenho a impressão de que ela está pensando
nos muitos, muitos erros que cometeu com Wes e Delaney.

— De certa forma, para o seu pai é fácil ele já passou por isso antes e sabe
todas as técnicas a fazer. Mas ele também tem que lidar com aquele medo
novamente, e desta vez ele sabe que não é infundado. Ele sabe que não é uma
questão de se ele vai cometer erros... apenas quais. E acredite em mim, não
importa o quão culpado ele faça você se sentir por bagunçar tudo, ele está se
culpando ainda mais.

— Mas não é como se papai fosse responsável por meus problemas e erros —
protesto. — Filhos fazem suas próprias escolhas. Ele não deveria se sentir culpado.

Tia Billie dá um tapinha no meu braço com uma risada suave. — A


paternidade depende da culpa, querido.

Do lado de fora, agradeço o almoço e me separo com um abraço para minha


tia e outro soco um pouco menos estranho com Adler. Eles acenam para eu sair do
táxi; eu ando até a estação de metrô.

No prédio de Wes, eu esbarro com ele nos degraus, trazendo Bowie de volta
de uma caminhada. — Como foi? — ele pergunta, enquanto o cachorro lambe o
cheiro de bife dos meus dedos.

— Surpreendentemente... bom.

— Uau — ele diz tão chocado como se eu tivesse dito a ele que sua mãe
anunciou uma nova carreira como freira. — Bem, eu ia perguntar se você queria
uma cerveja para relaxar depois do combate, mas acho que não preciso.
— Talvez aceite mais tarde. Preciso dormir por algumas horas.

— Outra noite ansiando por Fairy Lights, hein? — Wes me dá um puxão no


caminho para o elevador. Eu o soco no estômago como vingança.

— Não — minto, — outra noite ouvindo você e Clara transando como dois
cavalos surdos. Especialmente você. Já ouviu falar de uma mordaça de bola?

— Você é tão fofo quando está com ciúmes.

Tiro o boné da cabeça dele, só porque não consigo pensar em uma


resposta. Obviamente, não é dele transando com Clara que estou com ciúme –
apenas como ele está nojentamente feliz agora, mesmo quando ela não está por
perto.

— As coisas ficaram estranhas em um ponto, com sua mãe — digo a ele,


quando o elevador abre e Bowie o puxa para frente. — Ela ficou com uma expressão
muito triste na hora do almoço. Acho que ela quase chorou.

— Sobre o que?

— Ela falava sobre meu pai ter outro bebê, e como a paternidade é, tipo, nada
além de foda-se constantes. Ou se preocupando em estragar tudo.

Folheando seu chaveiro, Wes levanta uma sobrancelha e acena com a


cabeça. — Bem, minha mãe é uma especialista nesse assunto.

Nós entramos. Esquecida minha necessidade de tirar uma soneca, aceito a


cerveja que ele me entrega antes de nos acomodarmos no sofá.

— Como você a perdoou? — Eu deixo escapar, então bebo minha bebida para
que tenha algo para fazer quando ele olhar para mim.

— Depois que ela roubou aquele dinheiro de Delaney e eu, você quer dizer?
— pergunta ele. Eu concordo. Ele se recosta e encolhe os ombros. — Quero dizer…
ela se desculpou.
— Certo — digo lentamente, — mas não é como se isso resolvesse. Mesmo ela
devolver o dinheiro não resolveu, porque o problema é que ela tirou seus ganhos
para começar.

Não quero deixar que a raiva suba em minha voz, mas é difícil. Ainda estou
chateado com o que a tia Billie fez aos filhos, por mais que a ame. Porque eu a amo,
na verdade. É doloroso ver pessoas de quem você gosta estragar tudo de forma tão
suprema.

— O pedido de desculpas foi o Passo Um — ele diz, apontando a boca de sua


cerveja para mim. Um pouco entorna; Bowie gira e geme pedindo mais até Wes
jogar uma bola de tênis. — O resto foi que ela começou a trabalhar para ser uma
mãe melhor.

— Eh... — Eu faço um movimento oscilante com minha mão. Ele ri baixinho


e pega o rótulo de sua garrafa.

— Definitivamente ainda tem coisas para trabalhar, — concorda — mas ela


realmente tenta. Além disso, não espero que ela seja, tipo, a Supermãe de
repente. Tudo que eu precisava era de esforço suficiente para fazer seu pedido de
desculpas significar alguma coisa.

— Desculpas, é inútil — murmuro, — se você não corroborar.

Wes acena com a cabeça novamente e bate sua cerveja na minha, mas eu a
coloco de lado e me levanto.

— Saindo? Achei que você estivesse cansado.

— Fodidamente exausto. — Mas ou aquele expresso que Adler me deu está


finalmente fazendo efeito, ou não estou usando nada além da adrenalina de um
novo plano.

Do jeito que meu coração está batendo, eu diria que é o último.


— Só... pensei em algo que preciso fazer.

— É muito dinheiro, filho.

Papai se recosta na poltrona depois que termino de balbuciar meu


plano. Ainda estou sem fôlego, além da corrida que fiz entre as estações de metrô
e o táxi que peguei para chegar aqui.

Quando ele me oferece um dos La Croix42 de Megan – que não suporto – fico
feliz em aceitar.

— Eu sei — ofego, após engolir metade da lata. — Acredite em mim, se eu


pudesse conseguir esse tipo de dinheiro servindo mesas, eu o faria. Mas não
posso. Não no prazo que eu preciso. — Balanço minha bebida no ar como uma
torrada meia-boca. Aos pais com dinheiro. — Então aqui estou.

Ele está fingindo pensar sobre isso. Solenemente, espero, sabendo que isso é
apenas uma formalidade. Agora, os dividendos de papai rivalizam com o que ele
costumava ganhar em Wall Street. Ele e Megan não sentirão nenhum pouco de
tensão.

42 Marca de vinho
Não que meu orgulho não esteja totalmente destruído, agora. Odeio fazer
isso. E definitivamente não aceitarei nada por nada.

— Vou devolver cada centavo dentro de um ano — digo novamente, —


aconteça o que acontecer. Mesmo se eu tiver que desistir de andar de skate e me
limitar a servir. Inferno, eu vou conseguir um emprego de escritório, se for
necessário.

Papai ri. — Nunca pensei que ouviria você dizer isso. Deve ser muito
importante para você.

— Você não tem ideia.

Piedade enche seus olhos. É possível que eu pareça ainda mais patético do
que me sinto, rastejando por um cheque do querido e velho papai.

Por outro lado, ele tem um coração mole. Sempre teve, mesmo quando está
determinado a esconder.

— Aqui. — Papai destaca o cheque e passa para mim. — Se precisar de mais,


me avise.

— Isso deve ser o suficiente. — Passei meu tempo de viagem entre o Brooklyn
e aqui pesquisando malditamente e calculando uma provável estimativa. Mesmo
assim – bom saber, caso minha matemática esteja errada. — Obrigado.

— De nada. E não se preocupe em me pagar.

— Não estou preocupado com isso — digo com firmeza, — porque está
gravado em pedra. Não importa o que eu tenha que fazer, você terá tudo isso de
volta em doze meses ou menos, como eu disse.

Quando estendo minha mão, ele dá um sorriso confuso e aperta.

— Sério — ele diz, — sem pressa.


— Sim, pressa. — Segurar este cheque não fere apenas meu orgulho. Tudo
parece errado, e sei que não vai passar até que eu retribua sua bondade e mais um
pouco. Eu odeio dever às pessoas.

Acho que, indo direto ao assunto, eu odeio deixar as coisas desequilibradas.

Mas se eu tiver que tirar alguma escala cósmica e invisível do meu favor para
empurrá-lo para Juni... Vou bater do meu lado todo o caminho para o céu.
TRINTA E OITO

Três meses depois

Geralmente, adoro o outono no meu Transit.

Todos os anos, você me verá postando incessantemente sobre a mudança de


folhas, abóboras, clima de suéter, fogueiras... todas as coisas que as pessoas ligadas
à natureza amam no outono também, mas que ficam ampliadas quando você mora
na estrada. Eu acho que é porque a vida na van é toda sobre aconchego e aproveitar
as pequenas coisas da vida.

Exceto, aparentemente, este ano.

— Vamos — eu gemo, quando percebo que a janela do banheiro está vazando,


mais uma vez, e a água da chuva escorre pela parede atrás do banheiro. A corrente
de ar que deixa entrar é tudo menos aconchegante.

A fita adesiva ajuda, mas sei que só vai piorar quando a tempestade
aumentar. Adicione o fato de que a estrada de acesso deve inundar e rapidamente
fica claro que preciso deixar este acampamento e encontrar um estacionamento
coberto.

— Decidiu não enfrentar a tempestade afinal, hein? — A mulher na entrada


do parque sorri paternalista enquanto atravesso o portão.

Honestamente, pode ser apenas eu projetando minha própria amargura em


seu rosto. Tenho feito muito isso nos últimos meses: achando difícil presumir o
melhor das pessoas.

Por mais que odeie a ideia de estacionar em um hospital, é o primeiro lugar


que encontro com um deck. Escolho o nível mais vazio e entro em uma vaga, desligo
o motor e abro as portas traseiras.

Esta noite, minha visão é o centro de Jackson. Emoldurado em concreto e


chuva, não é exatamente uma visão que você colocaria em um cartão postal.

Mas eu gosto da tempestade, agora que não está invadindo o Transit. Cada
barulho de trovão ecoa pela estrutura, me sacudindo até os ossos.

Pego meu celular e abro meu último post: minha viagem para Horseshoe
Bend, onde conheci um casal recém-casado viajando para o mesmo festival de
cinema que eu. O cara acabou sendo carpinteiro, então trocamos: ele consertou o
depósito barulhento debaixo da minha cama e dei a eles uma lata extra de café que
comprei antes que a civilização desse lugar virasse um deserto sem fim. A garota
estava tão grata por ter cafeína novamente que me deixou tirar fotos do trailer
deles para o blog.

Eles foram as pessoas mais amigáveis que conheci desde que comecei a viajar,
mas acampar perto deles foi difícil. Eles estavam tão apaixonados um pelo outro,
sempre se tocando e rindo.

Uma foto que tirei – suas iniciais, gravadas no teto sobre o beliche – fez meu
coração cantar e doer ao mesmo tempo.
Eu amei que eles tivessem esse tipo de amor. Eu odiava não ter isso.

Eu desprezei, com cada célula do meu corpo, o que quase fiz.

No final, decidi não postar esse. Talvez eu tenha pegado sabendo que o
guardaria para mim o tempo todo. Por mais que doa, sinto um tipo estranho de
paz quando olho. Como agora.

Ou como quando eu olho para outra foto no meu telefone, uma que eu sei que
seria melhor excluir, mas é preciosa demais para tentar.

Quando deslizo para ela, meu coração se parte ao meio. Eu acho. Pode não
haver mais nada neste ponto.

Seus intensos olhos azuis. Aquele sorriso que antes parecia impossível de
desenhar.

Meu próprio rosto, sonolento, mas irradiando pura felicidade que não sentia
desde então.

Um cupê com vidros escuros passa lentamente. O motorista, embora


obscurecido, está obviamente olhando para mim.

Puxo minhas pernas e fecho as portas, em seguida, eu tranco as outras.

O Unity Light não está procurando por você. Eu me deito e respiro até minha
pulsação desacelerar, ouvindo o carro. Ele segue em frente.

Logicamente, percebo que o motorista provavelmente olhava pasmo para o


Transit. Acontece muito. Mas ainda não relaxo até espiar pela janela traseira,
encontrar o carro na vaga em frente à minha e observar uma senhora frágil sair
do lado do motorista. Um balão de bebê e um carneirinho de pelúcia rosa enchem
seus braços.

Viu? Alarme falso.


No entanto, não é ruim ser cautelosa. O medo é útil. Eu só queria que meus
primeiros pensamentos fossem os horrores que ouço em meu podcasts policial, em
vez de um angariador um dia se aproximando de mim.

Pode ser por isso que comecei a ouvir todas aquelas histórias de crime: para
dar ao meu cérebro uma dose de realidade e lembrá-lo de que, estatisticamente
falando, era mais provável que eu sofresse cem outros destinos horríveis – ou
absolutamente nenhum – do que ser arrastada para qualquer culto. Muito menos
aquele.

Os humanos podem sofrer de uma confusão de preconceitos cognitivos,


porém, e eu não ficaria chocada em saber que tenho todos eles.

É difícil dizer a si mesmo que X ou Y não acontecerão quando já


aconteceram. Você para de confiar em estatísticas após ter sido uma. Balanço
minha cabeça e esfrego meu rosto. Chega de pensar na Unity Light. Chega de
medo. Chega de Van.

Meu telefone toca: uma mensagem de Clara, que se comunicou


continuamente comigo nos últimos três meses. Principalmente, nossas conversas
consistem em conversas de trabalho, fotos engraçadas e discussões aprofundadas
sobre cada episódio de Cut to the Chases, uma sitcom que Wes estrelou quando era
criança.

Ela não conseguia acreditar que eu nunca ouvira falar, mas ficou emocionada
em apresentar-me a comédia de humor que definiu nossa infância.

Só a sua, pensei. Mas concordei em assistir o piloto, por causa dela.

Wes não se parecia em nada com Van e me ajudou a dar ao programa uma
chance justa. Ver Durham em qualquer lugar nos créditos de abertura quase me
fez jogar meu laptop pela janela, mas eu superei. Eventualmente.

Agora estou na última temporada, com uma nova rotina noturna de assistir
a dois ou três episódios após o jantar. Não sei por que gosto disso, exceto que é um
daqueles programas de bem-estar em que tudo sempre dá certo. É bom apertar o
Play e saber que um final feliz está garantido.

Abro minha thread 43com Clara e leio sua mensagem.

Clara: Em que episódio você está?

Juni: Aquele em que Maisie pensa que seus pais a estão expulsando,
mas estão apenas reformando seu quarto.

Clara: Ooh, esse é bom. Mas toda a última temporada foi boa, de
verdade.

Juni: Você disse isso sobre todos os episódios. E a cada temporada.

Clara: E eu sempre falei sério.

Clara: ...

Clara: Então, onde Eloise estacionou esta noite?

Eu me levanto e tiro uma foto pela janela traseira, em seguida, mando para
ela com a legenda: Mississippi. Impressionante, não é? Não parou de chover desde
que cheguei aqui. Ela manda alguns emojis de risada, com uma cara chorosa
misturada com simpatia.

Clara: Olha, vou direto ao assunto. Trocadilho totalmente


intencional.

Clara: O que você acha de uma viagem rápida ao Brooklyn?

Juni: Não legal.

43É uma série de respostas a uma única postagem. Eles podem ser do autor da postagem original ou de
outros usuários, mas estão todos conectados e podem ser vistos a partir da postagem original.
Clara: Eu sei... a coisa toda de Van..., mas minha irmã e eu estamos
lançando uma linha de tintura de cabelo e um monte de outras coisas
neste fim de semana. A empresa está dando uma grande festa.

Clara: Eu realmente, realmente adoraria se você viesse como minha


convidada.

As bandeiras vermelhas estão por todo o lado neste convite. Clara tentou me
fazer apenas falar com Van via mensagem ou Instagram, até mesmo por correio
tradicional, por meses. Ela parece convencida de que podemos fazer as coisas
funcionarem.

Se não fôssemos amigas, eu diria que ela teve sorte. Seu Durham não a
lembra da pessoa que ela costumava ser, ou de onde ela veio. Ele nunca desconfiou
dela com tanta intensidade que ela parou de confiar em si mesma.

O outro problema: ela acha que odeio Van. Eu gostaria. O ódio é muito mais
fácil de superar.

Juni: Isso é verdade? Van não estará lá?

Clara: Apenas Wes, eu, Georgia e seu namorado. Juro.

Penso em dizer a ela que não confio mais em promessas. Eu tive muitas
quebradas para mim e por mim.

Clara: Se te ajuda a persuadir... nossa linha precisa de


embaixadores.

Clara: E posso ou não já ter falado sobre você para o pessoal da mídia
social na Rue.

Clara: Eeee eles podem ou não querer falar com você sobre alguns
posts patrocinados em seu blog.

Juni: Acertando-me com armas grandes, hein?


Juni: ...

Juni: Envie-me a data/hora/local.


Nos últimos meses, lentamente memorizei o interior do prédio ao lado do
nosso.

Todos os dias, visito uma mulher no último andar que me disse, no dia em
que se mudou, que este era o andar mais alto que ela já morou. Acho que ela olhou
para o horizonte obstruído por uma boa hora.

Ela me serve chá quando chego, quer eu peça ou não. E nunca gosto, porque
realmente não gosto de chá. Eu só gosto que ela pense em fazer isso por mim.

Nós conversamos e assistimos filmes; trago comida do trabalho para ela e,


ocasionalmente, Bowie, que ela adora. Já que ela dá uma fatia de presunto para o
cachorro com a mesma religiosidade com que me dá chá, ele definitivamente sente
o mesmo por ela.

Às vezes, ela chora. Eu costumava passar essas visitas sem fazer nada, mas
tentando animá-la, até que um dia ela me informou que não era necessário,
querido. Chorar ajuda, disse ela. Depois disso, trabalhei em simplesmente sentar
ao lado dela e ouvir.

Demorou semanas, mas eu a convenci a circular por Nova York alguns


quarteirões de cada vez. Multidões a assustam e ainda meio que me irritam apenas
por princípio. Nenhum de nós se importa com pessoas invadindo nosso espaço
pessoal. Mas eu sabia que ela precisava sair algum dia, e ela também.

Ela lê muito. Comprei um tablet para ela, mas ela não gostou que não seja
real. O peso dos livros reais em suas mãos é importante para ela. Talvez seja
porque ela ficou sem eles por tanto tempo.

Seu telefone a confunde, mas ela está determinada a aprender como usá-lo,
junto com seu computador. Netflix a fascina. Cabo lhe dá dor de cabeça, acho que
porque ela perdeu todos os programas que gradualmente levaram ao excesso de
reality shows e dramas adolescentes.

Ela me chama de Sullivan constantemente, se desculpando sempre que eu a


corrijo.

Aos domingos, quando estou fora do trabalho, eu a levo para a Catedral de


São Patrício em Nolita, onde costumava ir à missa com minha mãe. Não
comparecemos, mas sentamos do lado de fora e observamos a multidão vestida
saindo pelas portas quando o culto acaba.

— Você gostava de vir aqui? — ela perguntou uma vez. Foi um dia
excepcionalmente quente; ela enxugou o suor da limonada congelada e jogou as
gotas na calçada.

— Uma vez que descobri que O Poderoso Chefão foi filmado aqui,
definitivamente. — Ela riu. Ficando sério, acrescentei: — Gostava de estar com
minha mãe. E algumas semanas, quando ele estava se sentindo bem, nós
trazíamos meu avô.

A pontada no meu estômago foi inesperada. Claro, eu sentia muita falta de


minha mãe e de meu avô, mas suas mortes estavam no passado. Por que estava
doendo muito mais ultimamente?

— São memórias maravilhosas — ela disse suavemente. — Segure-as.


Hesitei, então disse a ela que faria. Seus pais morreram anos atrás, um após
o outro, mas ela só descobriu no mês passado. Eu me perguntei como seria,
lamentar as pessoas que o mundo já deixou ir. Um ferimento recente com uma
adaga tão velha.

— Vamos. — Entramos depois que todos saíram. Ela admirou a arquitetura,


demorando-se com os santos nas janelas por mais tempo do que eu acho que ela
pretendia.

— Você ainda acredita em Deus? — ela perguntou quando parei para acender
uma vela.

— Às vezes.

Seus olhos dançaram da chama para o meu rosto enquanto eu me benzia,


uma versão rápida que mais parecia coçar uma coceira. — Então hoje é um
daqueles momentos?

Dei de ombros. Ela não perguntou para quem acendi a vela, mas acho que ela
já sabia. Conversamos muito sobre a filha dela.

— Você acha que já está pronta? — perguntei, todas as semanas. O cão de


guarda foi ficando mais domesticado, com o tempo e a prática, mas eu ainda era
Van: queria o que queria. E eu queria isso agora.

Mas eu sabia que isso não era sobre mim. Era expiação. Parabéns aos poderes
constituídos por incorporar uma das minhas maiores falhas a este plano:
impaciência.

Cada vez que ela balançava a cabeça, dizendo: — Ainda não — levava tudo
de mim acenar e dizer que entendia.

Até a semana passada, quando a mãe de Juniper disse que sim. Ela estava
pronta para vê-la.
Demorou apenas algumas semanas para o investigador particular localizar a
Unity Light, agora chamada Unitum Templo. O complexo deles era apenas uma
pequena fazenda em Ohio, assustadoramente perto de onde Juni e eu
dirigimos. Não tinha cercas, nem alarmes – apenas vinte ou mais pessoas,
morando em uma fileira de casas grandes.

A equipe que foi buscá-la trabalhou rapidamente. Achei que eles fariam isso
como nos filmes, jogando uma sacola na cabeça dela e puxando-a para dentro de
um carro em movimento, cuspindo poeira ao partir.

A realidade era muito mais entediante, mas reconhecidamente melhor para


ela: eles vigiaram a fazenda até saberem exatamente quando ela estaria
sozinha. Nas tardes de terça, ela levava um cavalo até a estrada para pegar a
correspondência.

Eles a chamaram do outro lado da rua e se aproximaram a pé. Ela montou


em seu cavalo e saiu.

Quarta à tarde, quando foi a vez de outra pessoa pegar a correspondência, ela
voltou. Ela permaneceu perto da caixa de correio, estremecendo quando eles
pararam o carro atrás dela. Mas ela se virou e ouviu.
Inicialmente, ela balançou a cabeça com as perguntas. Você está infeliz
aqui? Você está sendo mantida aqui contra sua vontade? Você não é Allison Cole, a
adolescente desaparecida de Duluth?

Você tem uma filha chamada Jescha?

No segundo em que mencionaram Juni, Allison jogou a correspondência na


lama e cobriu a boca.

Ela queria voltar para pegar suas coisas; eles disseram a ela que não havia
tempo. O motor de um carro zumbia na estrada longa e sinuosa que conduzia
através da parede de árvores até a fazenda.

— Agora ou nunca — disseram a ela.

Ela enrolou as rédeas do cavalo em volta da caixa de correio e entrou no


carro. Eles partiram.

Quando ela perguntou quem os enviou, eles simplesmente disseram a ela, —


O nome dele é Sullivan. Você vai conhecê-lo em breve.

Uma hora em um motel deixou claro que ela não precisava ser
desprogramada. O fato de partir voluntariamente já era uma grande pista, mas
mesmo assim. Eles esperavam algum tipo de desafio.

Mais de vinte anos em um culto, e ela abandonou sua lealdade a ele como a
correspondência que ela jogou naquela vala? Algo estava acontecendo.

Não que eu soubesse de nada disso em tempo real. Eu nem sabia se eles a
tinham tirado de lá; semanas se passaram com silêncio total.

— Eu paguei a esses caras uma tonelada de dinheiro. Você pagou a eles uma
tonelada de dinheiro. Nós nem recebemos, tipo... uma mensagem de progresso?
Papai riu da minha indignação e disse que eu estava assistindo a muitos
programas policiais, mas ficou quieto quando acrescentou: — Espero que eles não
tenham pegado o dinheiro e fugido.

Do jeito que ele disse, eu sabia que ele não dava a mínima para o dinheiro
vivo. Ele só queria isso para Juniper, quase tanto quanto eu.

Foi em agosto que veio o telefonema – o aniversário de quando Juni apareceu


em nosso rancho, na verdade. Seu aniversário escolhido.

Disse a mim mesmo que era apenas coincidência, mas outra coisa na minha
cabeça dizia: Não existe tal coisa.

Nós nos conhecemos em um hotel em Jersey. Allison apertou a mão de meu


pai primeiro, depois a minha, e sentou-se rigidamente na cadeira perto da janela
antes de perguntar: — Então você sabe onde minha filha está? — Enquanto ele
contava a Allison os detalhes do tempo de Juniper em nosso rancho, eu fui para o
corredor e paguei à equipe de resgate a segunda metade do que eu devia, então
agradeci por tudo que eles fizeram.

Um dos membros da equipe, uma garota da minha idade com tatuagens


saindo do colarinho da camisa, permaneceu enquanto os outros iam embora. Ela
inclinou a cabeça, sorrindo docemente, e perguntou se eu estava saindo com
alguém.

— Não — disse a ela, fingindo reorganizar os cartões na minha carteira. Odiei


como essa resposta não parecia nem um pouco mentira. — Mas — acrescentei, —
aquela mulher aí? — Bati meus dedos no papel de parede em relevo do corredor. —
Estou apaixonado pela filha dela.

A risada dela foi gentil e cheia de simpatia antes de dizer: — Bem, eu garanto
que ela vai te amar de volta, depois do que você fez por ela.
— Não foi por isso que eu fiz. — Enfiei minha carteira no bolso e empurrei
meu queixo para o corredor, onde o resto do grupo estava entrando no
elevador. Quando ela se virou para olhar, voltei para o quarto.

Ao longo da tarde, concordamos com um plano: Allison ficaria no apartamento


que eu acabara de alugar, bem ao lado do prédio de Wes, até que ela estivesse
pronta para decidir seu próximo movimento. Eu nem mesmo tentaria entrar em
contato com Juni, por mais que eu já estivesse morrendo de vontade, até que sua
mãe me desse o sinal verde.

— Eu não entendo — gritei com papai, quando nos hospedamos em nosso


quarto do outro lado do corredor para passar a noite. — Ela está longe de Juni há
sete malditos anos e não quer vê-la imediatamente?

— Esta mulher realmente pensou que nunca veria sua filha novamente,
Van. Se ela precisa de tempo para se ajustar à ideia, não cabe a nós forçá-la.

Amaldiçoei e pensei em socar uma parede, mas respirei fundo em vez


disso. Meus pulmões queriam um cigarro, mas eu já estava um mês longe deles e
sabia que me arrependeria. Isso, e papai enfiaria minha cabeça na parede que
deixei intacta.

Durante nossa longa viagem de volta ao Brooklyn, minha paciência se


manteve estável.

Mas assim que terminamos de mostrar a Allison sua nova casa, o cão de
guarda latiu.

— Por que você não quer vê-la?

Sua sobrancelha franziu quando ela se afastou da janela. Papai estava no


corredor em seu telefone, e vi seus olhos voarem para a porta aberta com um leve
pânico.
Eu respirei fundo até que meu volume abaixasse, mesmo que isso não
pudesse corrigir meu tom. Eu não queria assustá-la, mas estava com
raiva. Furioso.

Cada minuto que ficamos aqui, conversando como se tudo estivesse normal,
era mais um minuto que Juniper passava na estrada pensando que não tinha
ninguém neste mundo.

Ela estava deixando Juni sem mãe.

— Como você pode não estar pronta para vê-la? Depois de sete anos? Cristo,
eu estou sem ela há menos de sete semanas e estou desmoronando. — Fecho meus
olhos. Não ajudou; quando voltei e olhei para ela, tudo ficou borrado.

Allison apertou os lábios e olhou para o chão.

— Não quero que ela me veja assim, parecendo e soando exatamente como eu
estava da última vez que nos vimos. Quero que ela saiba, quando eu disser que
estou diferente agora... é isso mesmo.

Meus pés congelaram. Na poeira que sacudimos das prateleiras e das tábuas
do assoalho, movendo-nos na mobília do quarto de hóspedes de papai que virou
berçário, eu a encarei.

Eu concordei.

No final, essa foi exatamente a coisa certa para Allison me dizer, a frase
perfeita para que eu entendesse por que ela ainda não podia ver Juni. Não foi
diferente do que eu fiz, encontrar sua mãe e me relegar a mais tempo no colchão
de ar de Wes.

Na próxima vez que dissermos a Juni que sentíamos muito, queríamos que
ela visse por si mesma o quão longe iríamos para provar isso.
Nós nos conhecemos da mesma forma que Juni e eu nos conhecemos: um
pedaço de cada vez.

Contei a Allison sobre minha infância, todos os meus erros idiotas; ela me
contou sobre a dela. Fazia mais sentido, como ela caiu na Unity Light, quando eu
soube que ela era uma adolescente em fuga viciada em heroína.

Muitas das entrevistas que vi tinham esse tema. O culto recrutou pessoas
vulneráveis, a maioria perdida. Isso fortaleceu a congregação, de modo que as
famílias que atraíram mais tarde – proprietários de casas com economias para
drenar e ativos para assinar – ficariam sobrecarregados com sorrisos de boas-
vindas e testemunho de gratidão.

Quando contei o que sabia sobre a filha dela agora, ela me contou histórias
de quando Juni era pequena. Como ela uma vez foi escolhida para ocupar o lugar
de seu Reverendo e depois posta de lado por capricho.

Eu disse a ela que me apaixonei por sua filha, mas estraguei tudo. Eu não
confiava nela o suficiente.

Ela me surpreendeu ao dizer que Juni bagunçou também.

— Eu posso certamente entender por que falar sobre isso seria difícil — ela
suspirou, servindo-me outra xícara de chá que eu não havia pedido, —mas ela
precisava confiar em você o suficiente para lhe contar tudo. Não apenas
vislumbres. E parece que ela não se permitiria fazer isso.
— Sim, bem. — Atirei um cubo de açúcar do prato que ela estendeu para mim,
observando-o espirrar no meu chá e na pia. — Não é como se eu tivesse dado a ela
muitos motivos para confiar em mim, pela maneira como eu a tratei nas primeiras
semanas na estrada. E suas últimas semanas no rancho, quando presumi que tudo
o que ela disse era mentira.

Eu pausei. — Quando ela roubou do meu pai, parecia confirmação de


tudo. Mas talvez eu a tenha deixado com a sensação de que não havia
escolha. Viver de acordo com as expectativas ou não importa. — Eu
definitivamente sabia como era. A maior parte dos problemas que tive quando
criança era porque todos ao meu redor prendiam a respiração, esperando que eu
fizesse isso.

— Ela roubou do seu pai?

Estranhamente, Allison não pareceu arrasada com a revelação sobre sua


filha. Apenas curiosa.

Hesitando, expliquei os cartões de crédito perdidos, o skate estrategicamente


encomendado, e como Juni fez saques com os cartões antes de deixá-los nos
estábulos para me incriminar.

Não, eu me lembrei. Para ganhar tempo.

Allison sorriu, seus olhos ficando vidrados.

— O que?

Ela fungou e piscou, balançando a cabeça. — Nada. É só... Alguns meses


depois que Juni fugiu de Crown Plains, ela voltou para me buscar.

Meu pulso sangrou pela minha garganta e em meus ouvidos. Pousei minha
xícara e observei suas mãos rasgarem o guardanapo em seu colo.
— Eu estava fazendo atos cotidianos — disse ela, depois revirou os olhos e
corrigiu: — Trabalhando. Trabalho não remunerado, acho que você chamaria. Eu
estava limpando um dos prédios perto da lateral da propriedade e de repente... eu
vi Juni.

Sua voz falhou. — Ela estava do lado de fora da cerca. Ela não era mais a
mesma – mas eu sabia que era ela, apenas pela maneira como ela me olhava. Eu
escapei depois do pôr do sol e lá estava ela, sentada contra uma árvore. Esperando.
Ela me disse que consertou tudo. Que tinha algum dinheiro agora e um carro
esperando por nós na base da montanha. Houve até... não me lembro como se
chama...

Esperei pacientemente enquanto ela descrevia. Ela esquecia muito das


palavras: qualquer coisa que ela vagamente sabia quando era adolescente, mas
não viu ou ouviu falar desde então.

— ATV44 — avisei, quando ela terminou de tropeçar nos detalhes.

— ATV. É isso aí. — Ela assentiu com a cabeça, repetindo novamente em voz
baixa.

— Você não foi com ela.

Com outro sorriso triste, Allison apontou para si mesma e para o


apartamento, como se dissesse obviamente não.

— Por quê? — sufoquei o cão de guarda, embora eu quisesse gritar com


ela. Eu queria destruí-la, do jeito que eu sabia que ela destruiu Juni quando a
rejeitou, depois de tudo que ela fez para voltar para ela. Voltar para um lugar que
ela desprezava. Enfrentando o lugar selvagem no qual ela quase morreu, apenas
alguns meses antes.

44 Um veículo todo-o-terreno ou ATV, também chamado de quatro rodas ou quadriciclo, é um pequeno


veículo off-road. ATV é mais parecido com uma moto com quatro rodas.
Roubar das pessoas que a ajudaram, uma tarefa que agora eu sabia que devia
tê-la matado para realizar. Mas ela precisava. Ela não tinha ideia de que teríamos
apenas dado o dinheiro a ela, ou contratado pessoas para ir buscar sua mãe para
ela.

— Você escolheu o culto em vez dela? — continuei, com o peito queimando de


vontade de gritar. Eu me conformei em usar a palavra culto, que Allison sempre
vacilava. Ela preferia chamar a igreja pelo novo nome.

Naquele momento, eu não dei a mínima para o que ela preferia.

— Não — ela sussurrou, mas o olhar que ela me deu segurou toda a fúria que
seu volume não conseguiu. — Eu a escolhi e a mim mesma.

Na manhã seguinte à partida de Juni e suas amigas, ela disse, o conselho


deles convocou uma reunião. Eles disseram aos pais enlutados que resistissem a
qualquer impulso de falar com os filhos. Eles disseram que não podiam ser salvos.

Alguns dos pais sofreram uma lavagem cerebral tão completa que
aceitaram. Mas, quando a reunião terminou, os membros do conselho puxaram
Allison de lado e falaram com ela em particular. Eles viram sua dúvida, ela disse.

— Então eles fizeram um acordo comigo. Se eu ficasse... eles deixariam


Juniper em paz. Mas se eu saísse, ou me comunicasse com ela de alguma forma,
eles viriam atrás de nós duas. — Allison enxugou o rosto com um pano de prato e
exalou, recompondo-se um pouco antes de acrescentar: — Agora eu sei que essas
eram apenas ameaças vazias. Mas quando eu vi Juni, esperando por mim do outro
lado daquela cerca...

— Ela parecia muito melhor, Sullivan. Tão saudável e – e feliz. — Seus


ombros caíram, todo o fôlego foi roubado de seus pulmões quando a palavra saiu.

— Eu não poderia tirar a vida dela novamente. Não mais do que já


tirara. Passei tantos anos me odiando pelo que fiz a ela, por tê-la naquele
lugar. Mantê-la lá, tudo porque eu não conseguia ver as coisas como elas realmente
eram.

Fiquei quieto por um tempo, até que ela se acalmou e jogou o guardanapo
enrolado na bandeja. — Há uma coisa boa que saiu de você se juntar à Unity Light,
no entanto.

Ela ergueu uma sobrancelha para mim, legitimamente cética.

Embora meus problemas de raiva tenham melhorado muito, o otimismo


ainda não era minha praia. Apontar resultados positivos parecia tão natural para
mim quanto ela dirigir um veículo motorizado.

— O que?

— Ter Juniper. — Eu destampei o bule de chá e coloquei mais em sua


xícara. — Ela não existiria, se você não tivesse entrado. Certo?

— Suponho que não. — Seu sorriso foi forçado, mas vi seus nervos se
acalmarem.

— Então, o pai dela estava no culto, na igreja também, suponho?

Allison olhou para mim por um momento, então deixou seus olhos caírem
para a mesa de café. — Sim.

— Ele ainda está lá? — Eu me levantei, energizado por este novo plano
nebuloso. — Podemos voltar por ele.

— Sente-se, Sullivan — ela riu asperamente, colocando a mão no meu braço.

Como mágica, isso me acalmou. Me fez sentar novamente no sofá.

— Ele não a quer. Ou eu. E ele nunca deixará a igreja. Se ele ainda estiver
vivo; eu realmente não tenho certeza. — Allison mexeu seu chá e bebeu.
Quando eu disse que ainda valia a pena tentar, ela tocou no meu braço
novamente e balançou a cabeça.

— Confie em mim — ela disse. — O pai de Juni realmente não pode ser salvo.

— Acabei de receber a mensagem de Clara. — Wes entra correndo no


apartamento e balança o telefone para mim, ofegante. Ele provavelmente abriu
mão do elevador pelas escadas, apenas para chegar aqui um segundo mais rápido.

— Elas estão a caminho.

Olho para Allison. Ela está vestida com um vestido preto simples e cardigã
cinza, mas usou um pouco da maquiagem que Georgia e Clara lhe deram. Seu novo
corte de cabelo, na altura dos ombros, com franja, complementa o formato do rosto:
um pouco mais redondo do que quando nos conhecemos. Mais saudável.

Ela está quase irreconhecível pela mulher que apertou minha mão pela
primeira vez naquele quarto de hotel em Jersey. Por mais difícil que fosse ter
paciência, eu realmente entendo por que ela não queria que Juniper a visse
imediatamente.

Essa versão dela não deixa espaço para dúvidas. Ela mudou.
Eu me olho no vidro da janela da sala de estar e me pergunto se vou parecer
diferente para Juni também..., mas provavelmente não. A maioria das minhas
mudanças ocorreram internamente.

Além disso, não é disso que se trata esta noite.

— Dez minutos — Wes nos atualiza, então aponta o polegar para a porta. —
Nós vamos sair agora, então ela não nos verá.

— Boa ideia. — Wes saiu mais cedo da festa de lançamento do produto das
gêmeas para me ajudar. Se Juni o avistar no caminho para dentro, ela saberá que
algo está acontecendo. Idem se ela avistar meu pai.

Eles vão até o apartamento de Wes para brincar de vigia da varanda dele. É
melhor se eles fizerem isso. Meus nervos me fazem pensar que todo carro, toda
garota loira, pode ser ela.

— Acho que você está mais nervoso do que eu — Allison ri, endireitando
minha gravata. — E desde que sinto que posso desmaiar a qualquer momento,
estou muito preocupada com você.

— Estou bem. — Eu não estou bem. O pensamento de vê-la novamente faz


meu estômago revirar.

— Você acha que ela vai fugir, se ela te ver?

— Eu sei que ela vai. É por isso que as gêmeas estarão guardando o saguão.

A culpa agita meu estômago mais do que meus nervos, embora não tenhamos
tecnicamente enganado Juniper para trazê-la aqui.

A coisa de Clara sobre a festa de lançamento e sua empresa querer conhecer


Juni era verdade. Só não a história completa.

Meu telefone está tocando.


Wes: Ela está aqui.

Jesus, esqueça desmaiar; eu poderia deixar meu corpo completamente agora,


estou tão nervoso. Mostro meu telefone para Allison, que respira trêmula, me
abraça e vai esperar no sofá.

O elevador zumbe quando fecho a porta do apartamento. Eu me pressiono


contra a parede, escondido apenas fora de vista.

As portas se abrem.

—... só não sabia que você morava tão perto de Wes, só isso — ouço Juni dizer
a Clara. A suspeita envolve sua voz.

— Eu não moro. — Pobre Clara e sua alma doce e honesta; eu sei que essa
coisa toda não foi fácil para ela superar.

Especialmente esta parte – entrar no elevador e dizer a Juni: — Desculpe.

— Desculpe? Q... Ei! — Juni bate nas portas com as palmas das mãos.

— Clara!

— Não fique brava com ela.

Juni pula, mas não suspira. Ela não se vira para me encarar, ou mesmo olha
para trás quando meus passos se aproximam.

Em vez disso, ela deixa suas mãos deslizarem pelas portas manchadas
cromadas, fechando os olhos quando diz: — Eu fodidamente sabia.
TRINTA E NOVE

A princípio, presumo que a risada de Van seja porque eu praguejei. Sem


dúvida ele fará uma piada sobre eu ter uma boca suja.

Sem dúvida ele tentará me pegar em seus braços e me beijar, me lembrando


do que seu corpo pode fazer ao meu, então esquecerei o que nossos corações fizeram
um ao outro.

Mas quando me viro para dizer exatamente por que isso não pode acontecer,
percebo que ele riu porque estava nervoso.

Ele morde o lábio, muda seu peso... tantas pequenas coisas que eu nunca vi
Van fazer. Não por autoconsciência, pelo menos.

Ele está em um terno que enfraquece meus joelhos. Seu cabelo está mais
curto, com gel e penteado tão bem que não se parece com ele mesmo até que ele
passa as duas mãos nele e suspira, bagunçando tudo. — Não culpe Clara — ele
diz. — A festa, o encontro com a sua empresa: nada daquilo era mentira. Ela
realmente queria você lá. E quando ela me perguntou se eu ficaria bem com vocês
saindo, o resto — ele gesticula atrás dele, para uma porta que não parece diferente
das outras, — meio que aconteceu. Tudo daqui em diante é ideia minha. Então me
culpe.

— Eu vou — murmuro, mas tiro meu dedo do botão do elevador sem


pressioná-lo.

Por mais que doa ver Van, estou bizarramente feliz por ele estar na minha
frente agora. Desde o minuto em que cheguei a Nova York esta tarde, meu coração
não parava de palpitar e fissurar – uma atração constante entre a felicidade e o
desgosto, apenas por saber que estávamos na mesma cidade.

Ele pega minha mão e me puxa para a porta no final do corredor, mas não a
abre.

Depois de colocar um pouco de cabelo atrás da minha orelha, ele descansa a


mão no meu rosto. — Você é ainda mais bonita do que eu me lembrava.

— Já se passaram três meses — digo a ele, embora minha memória esteja se


chutando por fazer a mesma coisa: esquecendo quão azuis seus olhos realmente
são, e como seu toque pode me destruir com o movimento mais suave e lento.

Como seu beijo pode drenar meus pulmões em meros milissegundos, mas
deixar uma gagueira em meu pulso que leva horas para passar.

Quando ele se afasta, pressionando os polegares nas lágrimas que escorrem


dos meus olhos, eu balanço a cabeça.

— Eu sei — ele sussurra.

Lentamente, ele dá um passo para trás.

— Isso não fazia parte do meu plano. Beijar você. — Ele toca a boca e sorri. —
Não pude evitar.

— Plano? — pergunto, não porque estou surpresa que ele tenha um – só


porque não posso acreditar que beijar não foi o primeiro ponto em sua lista.
— Por mais que eu esteja morrendo de vontade de ver você — explica
suavemente, — não é por isso que eu pedi a Wes e as gêmeas para me ajudar a
trazê-la aqui. Na verdade, pela primeira vez na minha vida, vou admitir
prontamente que isso não é sobre mim.

Meu sorriso nos choca, por menor que seja. — Então por que você me trouxe
aqui?

Van molha os lábios e olha para a porta. Ele põe a mão na maçaneta.

— Acredite ou não — ele diz, enquanto sua outra mão pressiona minhas
costas para me empurrar para a frente, — eu encontrei a única pessoa neste
mundo que queria ver você ainda mais do que eu.
Logo após a soleira, Juniper para.

Allison fica no sofá, mesmo quando todo o seu corpo fica tenso, como se ela
quisesse correr para Juni e abraçá-la, sem intenção de soltá-la. Eu conheço o
sentimento.

Mas também sei que não consigo imaginar isso. O que quer que esteja
passando pela mente de Allison agora, é de uma perspectiva que não consigo
entender.

Silenciosamente, eu saio.

Não vou longe. O cão de guarda me faz sentar contra a porta, em silêncio e
ouvindo, caso alguma delas precise de ajuda.

Não, eu percebo. Não o cão de guarda. Sou só eu.

Há murmúrios e fungos. Ouço Juni perguntar, — Como?

E sua mãe ri em meio às lágrimas, — Sullivan.


Meus olhos se fecham. Eu inclino minha cabeça contra a porta e lembro que
isso é o melhor que posso – e devo – esperar: que Juni tenha sua mãe de volta...
quer eu consiga Juni de volta ou não.
QUARENTA

QUANDO A MULHER no sofá se levanta para me dizer olá, as lágrimas em


seus olhos refletem as minhas, eu dou um passo para trás. Minha coluna pressiona
a porta que Van fechou.

A mulher para e junta as mãos na frente dela, parecendo estranhamente


paciente. Como se já tivesse esperado por isso por tanto tempo, mais alguns
momentos não a incomodarão.

— Oi — ela sussurra.

Meu batimento cardíaco, já ensurdecedor quando vi Van, sacode o mundo ao


meu redor como um estrondo sônico. Empurro a porta e me firmo em um porta-
guarda-chuva vazio. — Oi.

Engolindo, ela dá mais um passo. Depois outro, até que esteja bem na minha
frente.

Fico perfeitamente imóvel enquanto ela me estuda.


— Você cresceu — diz ela, e dá um sorriso tão quebrado e instável em meio
às lágrimas que eu finalmente sei que é ela.

Minha mãe me abraça como se estivesse me protegendo de uma queda. É


assim que me sinto, me deixando desmoronar contra ela: como se acabasse de
pousar aqui, depois de cambalear pelo céu sem nenhuma ideia de onde
pararia. Quebrada pelo esforço de voar. Queimada ao sol.

Eu quero me enrolar em seu colo como quando era pequena, mas me afastar
ao mesmo tempo. Ela não se parece em nada com o que eu me lembro, mas se
parece com tudo que eu chamei de lar.

— Aqui — diz ela, e me leva até o sofá. Estranhamente, nós nos sentamos
separadas. Talvez eu precise de apenas um pouco de distância, um pouco mais de
tempo, para fazer todas as perguntas que estão passando pelo meu cérebro de uma
vez.

Escolho a mais curta e fácil primeiro.

— Como?

— Sullivan — mamãe ri, fungando. Ela pega alguns lenços de papel da mesa
de café e me passa um. Eu pego, meu olhar vagando para a porta fechada. — Ele
tem um coração maravilhoso — acrescenta.

— Sim — digo baixinho. — Ele tem.

Passamos horas conversando. Quando pergunto por que ela não saiu quando
voltei para buscá-la, ela me conta tudo. As mentiras que a alimentaram e que
levou anos para ver, e como ela pensava que ficar era a única maneira de me
manter a salvo.

Ela me fala sobre a igreja, ou o que resta dela; quando mais pessoas fugiram
e tantos ex-membros começaram a compartilhar suas histórias, Barton entrou em
pânico. Os que permaneceram foram embalados e transportados para New
Ground, um complexo muito menor em Ohio.

O estranho, diz mamãe, é que esse novo complexo foi o mais próximo que a
comunidade chegou do que lhe foi prometido: um local de trabalho árduo, mas com
muito amor. O Conselho não existia mais. Regras foram relaxadas. Os membros
realmente se sentiam como uma família.

— Todos disseram que New Ground era realmente uma chance para
recomeçar. Que era perfeito. E de várias maneiras... foi. — Ela hesita antes de
colocar meu cabelo atrás da orelha, o lado oposto que Van tocou. — Mas não para
mim. Não se eu não tivesse você.

Eu me inclino em sua palma e fecho meus olhos contra as novas lágrimas. —


Por que você não foi embora? Não quando eu voltei; entendo essa parte agora. Mas
quando ele mudou a Unity Light para o novo complexo, e não havia cercas... por
que você ficaria, se visse o que realmente era?

Sem querer, eu me afasto. Bolhas de raiva de algum lugar escuro que não
gosto de pensar.

— Eu disse que esperaria. Lembra? — Minhas pernas me carregam pela


sala. Estar perto dela dói muito. — Através da cerca naquele dia? Eu disse que
havia mudado meu nome e que me certificaria de que você tivesse uma maneira
de me encontrar quando estivesse pronta para partir.

Foi por isso que me coloquei online, mas me mantive distante do maior
número de pessoas possível: para que, quando ela estivesse pronta, pudesse me
localizar e saber que era seguro. Ela não teria que ter medo de novas
pessoas. Seria apenas eu e ela, como sempre.

Foi tudo por ela. Tudo por um dia em que ela finalmente se obrigaria a
escalar, descer e correr, assim como eu.
Mas ela não fez. Mesmo agora, um momento pelo qual passei anos esperando,
não aconteceu porque ela queria me encontrar. Aconteceu por causa de Van.

Mamãe fica em silêncio enquanto eu grito e ando de um lado para o outro. Ela
encara os lenços em suas mãos e, quando termino, concorda. Mas ela ainda não
fala.

— Você caiu nessa? — Eu deixo escapar. Não é minha pergunta final, mas é
a mais difícil de fazer.

— Quando ele se chamou de messias — prossigo, voltando para ela, — você


realmente acreditou nele? Eu sei que você não acreditou. Talvez você quisesse
acreditar nele, só porque sempre acreditou..., mas sei o que vi. Você tinha dúvidas,
assim como eu.

Minha mão atinge o centro do meu peito, e sei que a raiva está atingindo seu
pico mais brilhante e quente antes de morrer de volta a uma brasa. — Então, por
que essas dúvidas não venceram?

Mamãe enxuga as lágrimas com a ponta dos dedos e encara os prédios do


outro lado da rua, não eu.

— Eu tinha dúvidas — sussurra, — mas sim, eu acreditei em parte do que


ele disse. — Seus olhos se fixam nos meus. — Como se ele fosse atrás de você
pessoalmente, caso eu fosse embora. Não o conselho, porque ele não existia
mais. Não angariadores ou anciãos..., mas ele mesmo. Eu acreditei nisso
completamente.

— Por quê? Ele nunca foi atrás dos outros que partiram. Por que eu?

Mamãe mexe o lábio entre os dentes. — Ele sempre sentiu que você pertencia
a ele, Juni.

— À igreja, você quer dizer. — Meu coração bate novamente. — Era o que ele
sempre dizia. Que você estava me criando, mas eu pertencia à comunidade.
— Não — ela respira, a voz embargada, — a ele. — Seu olhar viaja para o
meu. — Ele era seu pai.

Os músculos das minhas pernas travam. Pressiono as palmas das mãos em


meus olhos e balanço a cabeça, uma e outra vez, tentando apagar este momento.

Tentando tanto desaprender o que penso, no fundo, eu sempre soube.

— E Rebecca? — Consigo nos ver lado a lado quando crianças, como uma
fotografia que nunca existiu. Nosso cabelo loiro e covinhas. Olhos em formato de
amêndoa que combinavam perfeitamente com os de Barton, camuflados apenas
pelo fato de que a cor combinava com os de nossas mães.

— Acredito que ele era o pai de Rebecca, também — mamãe sussurra, — mas
os pais dela... — Envergonhada, ela se inquieta com um guardanapo.

— Quando eu me juntei à Unity Light, antes de Crown Plains existir — ela


diz, — as adolescentes foram enviadas em jornadas espirituais, com homens mais
velhos como nossos acompanhantes.

— Jornadas espirituais — repito entorpecida. Tenho medo de respirar. Meus


pulmões estão torcidos. — Como retiros?

— Um pouco. Mas mais. Menos... responsabilidade. Ficamos em cabanas em


algum lugar da floresta por semanas, jejuando e orando, ouvindo os sermões do
Reverendo Barton. Eles eram tão bonitos, naquela época.

Ela alisa o vestido e respira fundo o suficiente para nós duas. — À noite, os
homens entravam em nossos quartos para se deitar conosco, nos beijar... Eles
deveriam chegar à beira da tentação e então resistir a ir mais longe. Barton
chamava isso de teste.

A bile sobe pela minha garganta. — Eles também faziam isso em retiros na
Casa Principal.
Horror lampeja em seu rosto quando ela olha para mim. — Alguém já...

— Beijando — explico rapidamente. — Isso foi o mais longe que eles foram.
— Eu quase rio agora, sabendo a verdadeira razão pela qual aqueles homens
sairiam correndo do meu quarto se eu os beijasse de volta. Eu os
assustei. Ameaçava-os com a tentação e o fracasso de seus testes estúpidos e
nojentos.

— Eles sempre nos disseram que os retiros eram para fortalecer nosso
espírito — murmuro.

— Não — ela diz, — só para os homens. Se resistiam a ir longe demais com


as meninas, o Reverendo os elogiava na confissão do grupo. Se não o fizessem...
eram enviados em caminhadas sem comida ou água.

— Mas é claro, o Reverendo nunca se confessou. — Seus olhos


escurecem. Neles, eu vejo a ira que não sabia que ela era capaz. — Ele nunca
admitiu que fez seu próprio teste e falhou.

— Ele entrou no seu quarto — sussurro, — e ele...?

— Sim. E eu deixei. — Lágrimas escorrem de seu queixo. — Eu era tão


jovem... tão perdida. Pensei que queria. Pensei... que eu o queria.

Minhas palavras competem com a náusea. — Não foi sua escolha. Você não
tinha idade suficiente para fazer isso. E ele teria feito de qualquer maneira.

Eu sei disso sem sombra de dúvida em meu coração.

O Reverendo Barton pegava o que queria. Ele era um monstro.

E a coisa mais assustadora sobre ele era que costumava ser um


homem. Bonito, charmoso... ajuda promissora para uma alma perdida sem ter a
quem recorrer.
— Eu sei disso agora — mamãe diz, com a mandíbula rígida. — Mas durante
anos depois disso, eu me culpei. Eu estava com vergonha de falar. O que era
exatamente o que ele queria.

— Por que ele não tratou a Sra. Hostetter da maneira como tratou você?

— Ele negava ter conhecimento com ela. Ninguém disse em confissão que eles
se deitaram comigo... porque ninguém deitou, exceto o Reverendo. Mas o Sr.
Hostetter confessou que falhou no teste da mãe de Rebecca, então, quando ela
engravidou, todos presumiram que o bebê era dele. Talvez ela também.

Finalmente, seus olhos voltaram ao foco. — Mas quando você e Rebecca eram
crianças, percebi muitas semelhanças para continuar negando. Ambas eram filhas
de Barton.

Acho que meus joelhos travaram. A sala parece muito pequena e grande ao
mesmo tempo.

— É por isso... — Minha respiração vem em goles rasos. Não quero perguntar
mais. Eu quero fugir de sua história. Acho que quero fugir dela, só para bloquear
os detalhes para sempre.

Mas sei que não posso. Já tentei isso e sei que nunca funciona.

Aperto meus olhos fechados. — É por isso que fui escolhida?

— Acho que sim — ela diz suavemente.

Instantaneamente, penso no menino que Barton me substituiu como seu


sucessor, e no bebê cinco anos depois que o substituiu. Todos nós tínhamos cabelos
como o sol. Covinhas como pequenas crateras.

A crueldade e a injustiça me sufocam. Minha mãe foi feita para expiar a vida
de mãe solteira que Barton trouxe para ela. Punida por pecados que não cometeu.

Mas eu também. Eu precisava escapar da vida para a qual ela me levou.


Então passei anos criando uma nova vida para nós, esperando por ela.

A brasa da raiva queima meu estômago novamente.

— Ok. — Eu forço minhas pernas a se moverem novamente, andando em um


círculo amplo ao redor da sala. — Digamos que você acreditasse que ele viria atrás
de mim, então, por causa disso. Porque ele era meu...

A palavra aperta minha garganta fechada.

Meu pai.

Engraçado: de todos os nomes que Barton nos fez chamá-lo, este é o que mais
me enoja.

— O que mudou? — aponto para a porta fechada. — Por que você saiu agora?

— Quando a equipe que Sullivan contratou apareceu — ela disse, firmando a


voz, — eu havia acabado de ouvir que Salvator...

— Não. — Aponto para ela. — Não o chame assim. Nunca o chame assim.

Com um piscar forte e assustado, ela se corrige.

—... que Barton… estava no hospital. Ataque cardíaco. No início, achei que
fosse apenas um boato. Eles sempre circulavam em Crown Plains, então por que
não em New Ground? Mas então eu ouvi seu assistente falando com alguém... e
descobri que era verdade.

Uma expressão de alívio pinta seu rosto, embora uma pontada de vergonha –
sentir tanta alegria pela dor de outro humano, não importa o quanto ele mereça –
apareça.

— Levei o cavalo para a estrada e disse a mim mesma que ia embora. Era
isso, eu finalmente ia. Se ele estivesse doente ou morrendo, eu sabia que ele não
poderia ir atrás de você. Eu sabia que você estaria segura.
— Mas então cheguei à caixa de correio... e algo me impediu. — Ela balança
a cabeça. — Nem sei o quê. Medo, eu acho, de que a notícia não fosse verdade, e
eles estivessem apenas nos testando. Essa sensação – como se eu estivesse traindo
as pessoas que me salvaram. Confusão, porque eu não tinha ideia de onde
estávamos ou para onde poderia ir. Então eu saí do cavalo, e peguei a
correspondência... e me preparei para voltar.

Um caroço substitui a raiva na minha garganta, porque sei exatamente o que


ela quer dizer. Eu senti isso.

Sim, corri para aquela cerca. Eu escalei e pulei.

Mas ainda me lembro daquele momento nas sombras do Edifício Sul, quando
congelei e pensei: Devo ficar?

— Barton sequer precisou construir uma cerca ao redor da nova comunidade


— sussurra. — Ele sabia que se ficasse em nossas cabeças e nos quebrasse o
suficiente... construiríamos a nossa própria.

Ela fecha os olhos com força, mas abre quando sente minha mão fechar sobre
a dela. Eu aperto, para mostrar a ela que eu entendo.

Ela aperta de volta, para me mostrar que está grata.

— Então — ela termina, levantando o queixo e engolindo, — as pessoas que


Van contratou apareceram. Eles perguntaram sobre você. — Ela leva minha mão
à boca e a beija, segurando-a nas suas enquanto sorri. — Qualquer cerca que eu
construí para mim, desabou. Bem assim. Eu sabia que não era coincidência eles
estarem lá, bem quando eu precisava de alguém para me empurrar.

— Não existem coincidências — digo a ela, um eco suave, mas sincero, do que
ela sempre me disse.
Quase caio no apartamento quando a porta se abre.

Juniper ri enquanto eu me endireito, tropeçando. Já passaram horas; meu pé


está dormente, e o resto de mim quase seguiu o exemplo.

— Você quer entrar? — ela pergunta, e me leva pelo pulso antes que eu possa
responder.

O que é bom, porque o único que tenho é, inferno, sim.

Allison me abraça e diz que vai conversar um pouco com Clara e Geórgia lá
embaixo. De repente, Juni e eu estamos sozinhos. Isso não fazia parte do plano.

Tudo o que eu planejei, na verdade, foi colocar Juni no mesmo cômodo que
sua mãe, e que ela me abandonaria ou me expulsaria quando a reunião
terminasse. Eu me preparei para ambos.

Mas olhando para ela agora, com toda a maquiagem perdida e o sorriso mais
exausto e lindo no rosto que eu já vi... eu sei que não posso deixá-la ir embora. Não
sem mim.
Ela me deixa segurar seu rosto, aproximando-se até que eu juro que sinto seu
coração batendo contra o meu. Assim que me inclino para beijá-la, ela pressiona o
dedo nos meus lábios.

Lentamente, eu aceno e recuo. Um pouco mais de espera não vai me matar.

— Aqui. — Eu pego a mão dela e a puxo para o quarto.

Allison prefere o sofá; ela se sente mais segura quando pode ver a porta da
frente o tempo todo. Esse é o primeiro item da agenda quando ela encontrar um
terapeuta permanente – mas, enquanto isso, sua recusa em dormir aqui se
mostrou muito conveniente para meus planos. Wes e eu passamos mais de uma
hora montando a cama, arrastando um colchão... e pendurando luzes de barbante
por todo o teto.

Juniper aperta uma das lâmpadas que desce pela parede até a tomada.

— Perigoso — ela diz. Demoro um minuto sólido para perceber que ela está
me imitando.

— Eh — encolho os ombros, — eu estou me recuperando dessas coisas.


Pendurá-las foi uma merda, mas não consegui pensar em uma maneira melhor de
decorar o seu quarto.

— Meu quarto? — ela pergunta, mas balança a cabeça com um sorriso, como
se não soubesse o que mais ela deveria ter esperado.

Ela estuda a mesa de cabeceira, onde cuidadosamente coloquei sua cópia


de The Phoenix Seer, antes de varrer os olhos pela teia de lâmpadas e
arame. Ainda prefiro estrelas de verdade. Do tipo que você veria em Dakota do
Norte, não em Nova York.

Mas, no momento, essa é a melhor vista que eu poderia pedir.


— Por que você fez isso por mim, Van? — Ela aponta para o quarto, mas sei
que não é isso que ela quer dizer.

— Chame de expiação. — Eu me aproximo novamente e toco seu brinco com


o polegar, girando a joia falsa na luz das estrelas falsa. — Dizer que sinto muito
não foi o suficiente. Eu precisava provar.

Eu trago minha testa na dela. O cheiro dela quase machuca meus pulmões,
eu a respiro tão rápido e completamente.

— Mas não era para reconquistá-la. — Minha boca paira perto da dela até
que parece que todas as células estão zumbindo. Acordando de um sono longo e
entorpecido. — Você me mudou, Juni. Não sou o cara que você deixou em Dakota
do Norte.

Fungando, ela dá uma espécie de revirar os olhos autodepreciativa.

— Que hora?

— Qualquer uma. Mas especialmente nesse momento. — Gentilmente, eu


atraio meus lábios aos dela. Não é bem um beijo.

Mais como uma varredura cuidadosa e de teste, como o que ela fez comigo
todos aqueles anos atrás na casa da fazenda, quando pensou que eu estava
dormindo.

— Nós conhecemos as histórias um do outro agora. Estar com você, e depois


perder você... isso me mostrou o que eu precisava consertar caso quisesse ter um
final feliz. E a única maneira de retribuir – para restaurar esse equilíbrio – era
fazer o que pudesse para garantir que o seu também fosse restaurado. É por isso
que a encontrei para você.

— Mas o que acontecer depois desta noite? — Eu prendo seu queixo em meus
dedos quando ela desvia o olhar. — É a nossa história. E não deixarei isso acabar
aqui.
Finalmente, eu a beijo.

Não foi um toque suave ou um leve toque de pele, mas um beijo de verdade.

Intenso, rápido e real.

— Eu te amo.

Digo contra a boca dela, antes mesmo que o beijo termine. Antes que ela possa
dar uma resposta se ficará ou não, ou antes de adormecer e acordar para descobrir
que toda a magia dessas pequenas luzes se foi... preciso que ela saiba.

Meus pulsos formigam. Ela está traçando as letras dos meus nomes com os
polegares, mantendo minhas mãos no rosto como se eu fosse querer soltá-la.

— Ok — digo a ela, — eu mostrei o meu.

Lentamente, suas mãos se movem para o meu peito. As pontas dos dedos
dançam em meu coração, como se ela estivesse traçando sua forma. Uma grande e
profunda mancha de tinta que só ela consegue entender.

— Eu também te amo — ela sussurra.

Ela sorri em meio às lágrimas enquanto agarra minha gravata e me puxa,


pressionando seus lábios contra os meus.
EPÍLOGO

Quatro anos depois

— Pronta?

Cada centímetro da minha pele gruda nesta cadeira. Principalmente meu


pulso, até o cotovelo, enquanto o tatuador o segura e gira minha mão da maneira
certa. Quem diria que antebraços poderiam transpirar?

Minha outra mão aperta a vida de Van. A multidão ri, a maioria balançando
a cabeça em descrença. Também não consigo acreditar que estou fazendo isso.

Não a tatuagem em si. Nem mesmo o fato de fazer minha primeira na frente
de praticamente todo mundo que Van e eu conhecemos.

É o que estou fazendo e onde.


— Vocês são loucos. — Wes joga Hal contra seu ombro e dá um passo mais
perto para ver, até que Georgia o expulsa do quadro: ela está filmando cada
estremecimento que dou, declarando, Ouro para o Insta.

— Você está presa a mim agora, querida. — Van balança seu dedo enrolado
para mim. Ele foi primeiro, obtendo um simples design preto que começo a achar
que foi a escolha mais inteligente.

Mais rápido

Mas quando eu olho para baixo para verificar o progresso do artista enquanto
ele limpa um pouco de sangue, eu decido que o meu também é perfeito.

É uma faixa trançada com, em vez de uma pedra central, um círculo pequeno
e simples. Um lembrete de que tudo se conecta e nada é um acidente. Van brinca
que é uma pequena roda de skate.

Mamãe sai da multidão, presumo para estalar a língua em


desaprovação. Não é a tatuagem que ela não gosta, apenas a ideia de que minha
aliança de casamento ficará para sempre embutida em minha pele. Uma bela
mancha que nunca vai limpar.

— É tão... permanente — ela disse, quando dissemos que não haveria a parte
do anel em nossa cerimônia: apenas um anúncio de que, em vez de uma Primeira
Dança, estaríamos fazendo o que Van chamou de Primeira Tatuagem.

— Não é esse o objetivo do casamento? — brinquei.

Agora, porém, sua desaprovação desapareceu. Ela até sorri quando o artista
para e deixa olhar.

— É melhor do que eu esperava — ela diz, depois de uma batida. — Mas


ainda acho que é estranho.
— Que bom que não sou o único. — Sterling se aproxima para roubar um
olhar, libertando a mão da irmã de Van quando ela se contorce. Annabelle observa
a agulha com cuidado, depois me pergunta se dói.

Pelo menos, suponho que seja o que ela pergunta. Já é difícil entender uma
criança de três anos nas melhores condições. Adicionar música pulsante e cem
pessoas falando ao mesmo tempo, e é quase impossível.

— Dói — digo a ela, sorrindo para as manchas de fondue de chocolate em seu


vestido de florista, —mas... do jeito que as tatuagens doem. Doloroso. Mas não é
uma dor real.

— Uau — Van diz, quando o artista educadamente pede ao nosso público para
se dispersar, porque eles continuam bloqueando a luz, — quem precisa de uma
mesa de doces? Só precisamos ficar aqui e continuar fazendo tatuagens. Toda a
recepção vai se alinhar para poder dizer merda.

— Eu disse que devíamos ter ido ao estúdio ontem.

Minha ideia – remover as bandagens no altar e revelar nossos anéis – ainda


parece estar muito acima disso.

Mas Van insistiu que contratássemos um artista para fazer a coisa toda ao
vivo, então cedi. Ele tinha tão poucas preferências neste casamento, era bom dar
a ele uma coisa que ele queria.

E Deus sabe que foi mais fácil. Sua raiva pode ser coisa do passado, mas não
sua teimosia.

Quando o artista termina, passa um pouco de pomada e envolve meu dedo,


lembrando-nos de mantê-los cobertos por no mínimo duas horas, de preferência
mais.

— Nem um minuto depois das onze da noite — Van diz, colocando a ponta na
palma da mão antes de me levar para a pista de dança no meio do salão.
— O que tem às onze da noite? — pergunto.

Ele passa os braços em volta da minha cintura e nos balança no ritmo da


música. — O exato segundo em que estarei despindo minha nova noiva. Até a
última peça de roupa, tudo. Incluindo bandagens.

Ele me dá um beijo tão apaixonado, sei que ele pretende que seja uma prévia.

Quando ele se afasta, varrendo o olhar pelo meu corpo, ele acrescenta: —
Embora eu possa dizer, este vestido é perfeito.

— Você diria isso se eu estivesse usando um roupão de banho.

— E eu ainda estaria falando sério.

O DJ anuncia as danças de nossos pais. Passo a primeira metade da música


dançando com minha mãe enquanto Van dança com Megan, até que Annabelle
chora e seu irmão a pega. A multidão ri e balança a cabeça bem-humorada: aquela
garotinha é mais doce que o açúcar, mas um pouco mimada – e tão determinada
quanto o resto dos Durham.

Quando ela quer alguma coisa, há uma boa chance de conseguir.

Eu danço com o pai de Van na segunda metade da música.


Ele me abraça quando a música acaba e diz: — Bem-vinda à família,
Juni. Tem certeza que está pronta para ser um Durham?

Sorrindo, aponto para o meu anel eterno. — Com certeza.

Quando Van propôs casamento há quase dois anos, estávamos na Califórnia,


observando o nascer do sol e fazendo nossa Yoga matinal. Ele continuou tirando
sarro dos meus novos tapetes, agora estampados com o logotipo do meu blog: JS
em escrita fluida e meu nome completo escrito em letras maiúsculas embaixo.

— Você está com inveja que Frey não deixará você dar um tapa em Van
Andreas sobre tudo.

Ele estendeu a mão para bater levemente na parte de trás do meu joelho,
tentando me derrubar. Eu me segurei e joguei um pouco de grama nele, nós dois
rindo na luz rosada.

— Você sabe o que soa melhor do que Juniper Summers?

— Deixe-me adivinhar: Cominho do Inverno? Outonos de Anis? Você precisa


de um novo material.

— Você ama isso.

— Falso. — A única vez que eu realmente ri de uma de suas piadas sobre


nomes, forte o suficiente para trazer lágrimas aos meus olhos, foi quando ele
ergueu uma vela chamada, Solstício de Coentro, em uma loja e anunciou, com uma
cara completamente séria: — Olhe para isto. Esses bastardos roubaram o nome
que eu estava guardando para o nosso primeiro filho.

— De qualquer forma — ele disse agora, — não era isso que eu ia dizer.
Suspirando, abaixei-me em uma pose de herói45 e fechei os olhos, respirando
fundo antes de perguntar: — Tudo bem: o que soa melhor do que Juniper
Summers?

— Juniper Summers-Durham-Andresco. Ou praticamente qualquer variação


nesse sentido, dado o quão difícil é. Não serei exigente.

Eu olhei para ele, então me levantei em choque.

Talvez até com um pouco de medo, mas do tipo bom.

Ele não estava mais lutando com a prancha lateral 46 que tentava há pelo
menos dez minutos. Em vez disso, ele estava ajoelhado, o sorriso brilhando no sol
nascente. Em suas mãos estava uma bolha de plástico de uma máquina de um
quarto de dólar.

— O anel não é real — ele disse, abrindo-a e jogando-o na palma da mão, —


mas a proposta é.

Minha visão ficou turva com as lágrimas enquanto eu ria e inspecionava o


anel de plástico, quase tão resistente quanto a aba de uma caixa de suco de
laranja. — Eu disse que não precisava de um anel quando você me pedisse em
casamento.

— Eu sei, eu sei: a coisa toda da tatuagem. Mas propor de mãos vazias parecia
errado. — Ele ergueu minha mão esquerda e a beijou, olhando para mim.

45

46
— Não ensaiei um discurso — confessou. Acho que ele quase
corou. Certamente, foi apenas um truque de luz. — Não há nada que eu possa dizer
que já não tenha dito um milhão de vezes.

— Um milhão e um, então.

Ele riu, depois engoliu em seco ao encontrar as palavras.

— Todo dia que acordo perto de você, eu quero me fazer melhor do que no dia
anterior. Quero provar a este universo que mereço o presente que ele me deu. E
isso é exatamente o que você é, Juni. O que você sempre foi. Eu soube desde o
primeiro momento em que te vi. Mas eu ainda não estava pronto para isso. Eu te
tratei como uma cura. E quando não consegui uma... eu culpei você. Foi preciso te
perder duas vezes para perceber que eu não precisava de alguém para me
consertar. Eu precisava de alguém que pudesse me fazer finalmente querer me
consertar.

Senti meu próprio rubor começando. — Você faz com que eu pareça
um pouco perfeita demais.

— Oh, você está longe de ser perfeita — ele riu, apertando minha mão com
mais força quando fingi que a puxava. — E foi exatamente assim que você me
amarrou, na segunda vez. Não fui atraído porque pensei que você fosse um anjo
caído. Foi porque eu vi que você era mais parecida comigo do que eu pensava.

Ele ficou sério novamente. O nascer do sol nadando no azul de seus olhos.

— Magoado — ele disse, — e quebrado..., mas aqui estava você, fazendo isso
sozinha. Encontrando o lado bom de quase tudo. Vendo coisas bonitas onde
ninguém mais veria. Isso me deixou esperançoso. Porque claramente, você viu algo
em mim que eu não pude. Algo que valesse a pena salvar. E isso me fez querer
encontrá-lo também.
Ele olhou para o anel na palma da mão novamente, jogando-o no ar e
pegando-o entre os dedos – graciosamente e com um sorriso confiante para
combinar.

— Eu costumava pensar que você era encantada — ele disse. — Agora eu sei
que você é.

Automaticamente, eu balancei minha cabeça, pronta para dizer a ele, de


todas as formas, que sua escolha de palavras não poderia estar mais errada. Ele
estendeu a mão e cobriu minha boca antes que eu pudesse.

— É nisso que eu acredito, Juni. Que todas essas coisas incríveis sobre você,
mesmo as partes imperfeitas, resultam em algo mágico. Discorde o quanto
quiser. Não mudará minha mente.

Meus dentes deram uma mordida suave em sua palma. Ele puxou a mão.

— Você vê mágica. Tudo o que vejo sou eu. E se o que você está chamando de
azul — eu disse baixinho, — for, na verdade, verde?

— Então eu passarei o resto da minha vida te convencendo a ver as coisas do


meu jeito.

Van colocou o anel no meu dedo. Como sempre, ele estava tão seguro de si:
tão convencido de que eu lhe daria o que queria, ele presumiu minha resposta
antes mesmo de perguntar.

— Juniper Summers, você quer se casar comigo?

Ele estava certo em presumir.

Minhas pernas enfraqueceram. Afundei no tapete na frente dele e sussurrei


sim.
Usei aquele anel falso por semanas, até que a tinta prateada descascou e a
pedra de plástico se soltou. Van comprou outro para mim no primeiro mercado que
encontramos. Este era de liga de metal e meu dedo ficou verde em uma semana.

Ele fez isso durante todos os dois anos de nosso noivado: deslizando anéis de
cinquenta centavos em meu dedo a cada mês ou assim, sempre que o último ficava
muito gasto ou rachado.

— Aqui — eu disse a Clara, quando nos alinhamos do lado de fora da sala de


eventos esta tarde. Eu pressionei o anel – faixa pintada de prata, pedra de plástico
rosa – na mão dela. Eu havia esquecido que estava usando até a música começar.

Ela fingiu acariciá-lo, como sempre fazia com meus anéis, e colocou-o em seu
dedo mindinho por segurança. Ainda que eu não precisasse mais, ela sabia que eu
iria querer ficar com ele. Eu guardei todos.

Cada um fica em uma caixinha em nossa prateleira de equipamentos no


Transit. Ela chacoalha quando dirigimos, uma música desafinada e estridente que
adoro. Uma caixa inteira de promessas.

Eu amo todos eles tanto quanto a tatuagem marcada em minha pele agora, e
a forte linha preta manchada na dele.
— Porra, minhas costas estão me matando. — Wes se estica contra o pilar da
barra e faz uma careta. — Dois meses em um ônibus de turnê foi um inferno. Não
sei como você e Juni dormem naquele Transit o ano todo.

— Yoga — respondo, e ele e Theo bufam como se eu estivesse brincando. Eu


acho que é mais fácil acreditar que todas aquelas fotos minhas no Instagram de
Juni fazendo poses de árvores e ombreiras foram encenadas contra a minha
vontade, em vez de eu lentamente (e, Deus, tão relutantemente) começando a
gostar.

Eles batem na minha cerveja com a deles, depois vagueiam para encontrar
suas mulheres, como se elas estivessem em coleiras retráteis. Não que eu possa
falar.

Porque no segundo que vejo Juni na multidão, rindo com Allison e tia Billie,
eu praticamente levito para ela.

— Roubando minha esposa — anuncio. A mesa me vaia até a pista de dança.

— Nós acabamos de dançar, tipo, cinco minutos atrás — Juni me lembra.

— Então eu gosto de dançar. Processe-me.


Ela ergue uma sobrancelha. Ok, eu estou mentindo. Não só odeio dançar, sou
péssimo nisso. O fato de pisar em seu vestido e pés a cada trinta segundos prova
isso.

— É uma desculpa adequada para colocar minhas mãos em você — confesso.

— Aí está. — Ela sorri e ajeita minha gravata. — Sabia que arrancaria a


verdade de você, mais cedo ou mais tarde.

Sam, um dos meus amigos através de Frey, passa furtivamente e pede para
interromper.

Eu puxo Juniper para mais perto. — Nem uma maldita chance.

Sutilmente, ele me vira e ri pelo salão.

Delaney enrubesce como um caminhão de bombeiros quando ele passa pela


mesa dela.

Droga, ela está mal. Acho que faz sentido: Laney cresceu protegida, cercada
por regras, sempre ensinada que era muito frágil. Como a maioria dos skatistas,
Sam vive para quebrar as regras.

Inferno, às vezes nós nos quebramos, só para que outra pessoa não tenha a
chance. Definitivamente não é a raça mais inteligente.

Exemplo: ele nem percebe ela, ou os olhos apaixonados que ela está atirando
nele como um holofote, e passa direto sem olhar. Ela morde o lábio antes de se
encolher de volta em sua cadeira.

Faço uma nota mental para avisar minha prima que Sam Peregrine
definitivamente não vale a pena.

Mas talvez eu não devesse. A história prova que não sou o melhor juiz nesse
tipo de coisa.
— Sam realmente não queria dançar comigo, você sabe.

Juni arruma minha gravata novamente e estreita os olhos para mim, em


seguida, levanta o dedo anelar como se estivesse me sacudindo. — Você ainda está
com ciúmes? Mesmo depois disso?

— Não com ciúmes. Apenas protetor. — Eu puxo sua cabeça contra meu
ombro... principalmente para que eu possa verificar meu relógio atrás das costas.

Cristo, essa recepção nunca vai acabar?

Lendo minha mente, como sempre, Juni me diz para parar de desejar que o
tempo passe. — Só temos uma recepção. Saboreie.

— Você sabe exatamente o que eu quero saborear, e não é uma festa


exagerada.

Ela me cala com uma risada. — Noventa por cento dos nossos convidados
são sua família e amigos, lembra?

Eu olho em volta. Ela me pegou lá. Só os Andrescos ocupam metade do salão,


enquanto os convidados de Juni mal conseguiam ocupar duas mesas.

— Você gostaria que Rebecca estivesse aqui? — pergunto. Aquele cartão de


resposta, infelizmente, eu tenho que recusar, atingiu Juni com mais força do que os
outros.

— Um pouco. — A música muda para algo mais rápido. Ela cutuca meus
quadris até que estou dançando no ritmo. — Talvez seja melhor ela não ter
conseguido vir.

Encolho os ombros. — Talvez.

Secretamente, concordo cem por cento. Rebecca e Juni não se veem há mais
de uma década: reunir-se em um casamento parece um pouco demais, em
comparação com um estande no Starbucks ou happy hour em algum restaurante.
Três anos atrás, Juni mandou um e-mail para ela contando sobre Barton ser
seu pai. Rebecca já sabia que ele era o pai dela; aparentemente, a mãe dela
confessou logo após sua morte, quando o novo complexo foi leiloado e transformado
em terras comerciais. Mas a notícia de que ele também era o pai de Juni a
surpreendeu.

Por um tempo, elas se entusiasmaram com a ideia de serem irmãs, mas logo
ficou óbvio que elas se distanciaram muito desde Crown Plains. Isso era tudo que
elas ainda tinham em comum.

O lugar onde a história compartilhada terminou.

Juni passou anos em terapia encontrando algum tipo de paz sobre o culto, e
nunca planejou revelar publicamente que ela era um membro.

Rebecca ganha a vida revivendo isso. Não é exatamente compatível para


amizade.

Ainda assim, eu mordi minha língua quando aquele convite foi feito. Não era
minha decisão. Apenas Juniper pode decidir como lidar com seu passado.

Meu trabalho? Tornar seu futuro o mais incrível possível.

— Olha — ela ri, apontando para Wes e Clara do outro lado da pista de
dança. Ele está embalando Hal contra seu peito, de frente para ele, para que Clara
possa segurar seus pequenos punhos rechonchudos e dançar com ele.

Melancolicamente, Juni suspira: — Eu quero um.

— Então eu vou te dar um.

Ganho um olhar de, sim, certo. — Eu estava brincando.

— Eu não estava. — Quando ela tenta arrumar meu cabelo, estalo seus
dedos.
Ela se vira rindo, então eu pego sua mão e a giro. Meus braços envolvem sua
cintura por trás.

Ainda bem que a saia dela tem cerca de cinquenta camadas de merda. Não
tenho certeza se conseguiria lidar com o atrito de sua bunda contra mim sem
algum tipo de proteção.

— Se você quiser um desses — sussurro em seu ouvido, — eu te darei um esta


noite.

Nossos quadris diminuem quando a música muda. Não tiramos os olhos do


bebê.

Bem, ela não sabe. Estou olhando para ela, um esporte que eu poderia
praticar a noite toda.

— Não podíamos viajar com um bebê no Transit.

— Claro que poderíamos. Colocamos em uma gaveta. — Evito a mão que ela
estende para me golpear. — Estou pensando em nos livrarmos da cadeira de rede,
tirar um armário e construir algum tipo de berço personalizado. Ou apenas vender
a porcaria toda e comprar um trailer.

— Não venderemos Eloise — ela diz com firmeza, e pode até bater o pé para
finalizar. Muito difícil de dizer com esse vestido. — A substituição do motor tem
apenas dois anos. Ela é praticamente nova de novo.

— Bem, bem. Mas, falando sério, muitos skatistas viajam com seus filhos. Se
eles podem fazer isso, nós também podemos. — Faço uma pausa. — Se eu puder
continuar fazendo isso, é claro.

Testo meu peso contra o joelho que machuquei no início deste ano. Mesmo
sem a dor, ainda lembro vividamente como me senti quando comi merda em uma
trilha em Aurora e soube que havia rompido um ligamento.
— Sem conversa sobre aposentadoria — ela repreende, virando para me
encarar novamente. — O médico disse que seu joelho ficará bom após a
fisioterapia. Sua lesão não é permanente. Não pode limitar você.

Seu dedo cutuca minha testa, bem no centro. — Isso, no entanto, pode.

Enquanto ela me tira da pista de dança para onde o cerimonialista está nos
chamando, eu suspiro, — Por que você sempre tem que arruinar meu pessimismo
com essa porcaria de lado bom?

— Porque até a lua — ela sorri, andando de costas para me puxar, — precisa
de um pouco de sol.

— Legal.

Juniper enrola nossas ataduras e as joga no lixo do banheiro. Juntos,


inspecionamos nossas tatuagens de anel sob as luzes da penteadeira.

— Minha mãe — ela suspira enquanto os limpamos, —realmente não gostou


disso.

— Ela vai nos perdoar quando lhe dermos um neto. — Eu vou dar um tapa
na bunda dela, mas toda aquela porra de tule me impede.

— Você ainda está nisso?


— Estou prestes a cair em você.

Juniper grita de tanto rir quando eu a pego e a carrego para o quarto da suíte,
no meio do caminho a jogo no colchão.

— Então o que, exatamente — pergunto, enquanto ela se levanta e começa a


me despir, — devo gritar quando eu gozar? Sra. Durham? Durham-
Andresco? Summers-Durham?

— Eu ainda gosto mais de Durham-Summers, na verdade.

— Deus, você escolheria o nome mais mesquinho do grupo. — É uma sensação


incrível quando ela joga minha camisa e terno no chão, jogando a gravata em
algum lugar atrás de nós; não suporto me arrumar.

Suas mãos na fivela do meu cinto parecem ainda melhores – até eu perceber
que estão tremendo.

— Espera aí — eu rio, observando-as, — você está seriamente nervosa? Já


fizemos sexo mil vezes, Juni.

Ela bate no meu peito nu e volta ao trabalho de me despir, então se vira para
que eu possa descompactá-la. — Não estou nervosa. Apenas... assustadoramente
excitada.

Eu paro, meus dedos descansando na parte inferior de suas costas. — Não


precisamos ter um bebê se você não estiver pronta.

Lentamente, ela olha para mim por cima do ombro. — Você está?

— Não. — Eu mordo sua orelha quando ela ri. — Mas eu me aprontaria.

É assim que é. Você se prepara tanto quanto você pode, então...


pula. Descobre o resto enquanto cai.
Juniper considera isso com um olhar pensativo, que minha boca rapidamente
apaga quando eu lambo sua coluna nua, empurrando o vestido e um sutiã esquisito
com espartilho para o chão. Tanta embalagem extra, quando tudo que eu quero é
o que está dentro.

Mesmo assim, parece errado jogar o vestido de lado como se ele fosse
inútil. Juni, sua mãe, as gêmeas e Megan foram a pelo menos três lojas de noivas
para encontrá-lo.

Enquanto o coloco sobre uma poltrona, Juniper pergunta se fiquei chateado


por ela não querer arremessar a liga.

— Não — eu rio. Claro, poderia ter sido bom para uma risada ou duas – todo
mundo me observando me perder na nevasca daquela saia enquanto ela corava até
a morte – mas eu estava feliz por desistir disso e poupá-la do constrangimento.

Especialmente agora, quando volto para encontrá-la usando uma.

— Ela veio com o vestido — explica, subindo mais alguns centímetros e, ao


fazê-lo, elevando meu batimento cardíaco a níveis letais.

Corro meus dedos sobre a renda até que ela estremece, então faço o mesmo
com sua delicada calcinha branca. — A calcinha também?

— Não. — Ela se deita e fecha os olhos, derretendo ao sentir minha respiração


em sua coxa. — Essa, eu mesma escolhi. Apenas para você.

— Você tem um gosto excelente. — Afundo meus dentes na liga primeiro,


descendo por sua perna como se tivesse feito isso centenas de
vezes. Definitivamente imaginei muito isso.

Começo a fazer o mesmo com a calcinha, mas ela ri e me avisa que vou rasgá-
la.
— Eu adoraria rasgá-la, na verdade. — Descanso minha cabeça em sua coxa
e faço um beicinho falso. — Posso?

— Por que você está perguntando? Nós dois sabemos que você está prestes a
fazer isso, de qualquer maneira, agora que coloquei a ideia em sua cabeça.

Finjo pensar nisso. — Verdade. — Dois segundos depois, cortei ambas as


finas tiras de renda abaixo de seus ossos do quadril. Quase não custou nenhum
esforço, mas Juniper ri e diz que está impressionada.

— Se você gosta do que posso fazer com meus dentes — digo a ela, jogando a
calcinha de lado, — você vai adorar o que posso fazer com a minha língua.

Antes que ela pudesse pensar em algo inteligente, abaixo minha cabeça e
envolvo seu clitóris com minha boca. Ela engasga meu nome, as costas arqueadas
até relaxar na cama macia.

Meus dedos a enchem. Dois, depois três, atingindo seu ponto G até que ela
vai de molhada para fodidamente encharcada. O cheiro é viciante, como tudo mais
nela.

Eu sei que tivemos um longo noivado por um motivo, economizando meus


contracheques de Frey e o dela da Rue Royale para que pudéssemos conseguir o
casamento que ela merecia – mas agora, estou me culpando por não ter encerrado
isso antes.

Não para mostrar ao resto deste mundo que ela é minha..., mas para mostrar
a eles que sou dela. Prova que esta mulher e eu sempre voltaremos um ao outro,
não importa o que fique em nosso caminho. Até nós mesmos.
Van me faz gozar duas vezes antes que seu rosto ofegante, a respiração
misturada com minha própria doçura, apareça.

— Sim ou não? — Ele segura o preservativo entre dois dedos.

Cérebro nadando em produtos químicos, corpo ainda tremendo com o que ele
fez comigo, quase digo a ele para esquecer a camisinha. Eu quero um bebê. Quero
o filho dele.

Mas um pequeno pedaço de clareza nos atinge enquanto nos reposicionamos


sob as cobertas, e eu aceno. — Preservativo.

Sem hesitar, ele o coloca. — Mudou de ideia?

— Nem um pouco — sorrio, tirando seu cabelo da testa enquanto ele desliza
dentro de mim. Eu respiro fundo, me ajustando, e continuando. — Saber que você
quer um me faz querer um bebê ainda mais.

— Então por que diabos eu estou usando isso?

— Paciência. — Mordo seu lábio quando ele me beija. — Esta noite é a


primeira vez que falamos sobre isso. Talvez seja melhor se discutirmos isso pelo
menos mais algumas vezes?
— Não é exatamente meu estilo.

— Oh, eu sei. — Todo mundo sabe. Quando Van quer alguma coisa, ele vai
sem hesitar.

É uma das coisas que mais amo nele: ele vive sua vida com uma paixão
intensa e desenfreada. Levou apenas algumas décadas e algumas mudanças para
canalizar isso corretamente.

— Isso é diferente, no entanto — explico. — Não seria apenas sobre


nós. Estaríamos criando uma vida totalmente nova. — Uma história totalmente
nova, junto com a nossa.

Van me preenche completamente e faz uma pausa, respirando com


dificuldade pelo esforço de se conter. Seus olhos piscam entre os meus e ele balança
a cabeça.

— Você está certa — ele diz. — Só porque queremos, não significa que
estamos prontos para isso.

— E talvez você também esteja certo: que nunca estejamos realmente prontos
e teremos que descobrir isso à medida que avançamos.

Ambos podem ser tão falsos quanto verdadeiros.

Então, por enquanto, enquanto Van balança seus quadris para se retirar e
me preencher novamente, nós deixamos que todas as conversas sobre nosso futuro
se transformem em pó.

Este momento é tudo que me importa: o brilho do suor em seu peito esculpido,
seu pulso enlouquecido batendo dentro de cada pulso... e aqueles olhos que fazem
o tempo desacelerar toda vez que olho para eles.

Ele diminui o ritmo e para completamente. Minhas unhas arranham seu


couro cabeludo enquanto ele puxa meu mamilo em sua boca, me provocando.
— Não pare — imploro. — Estou perto de novo.

— Paciência — ele diz.

Eu gemo. Dane-se a paciência.

Tempo para o último recurso – a coisa que sempre, sem falha, deixa Van tão
perto que ele não pode deixar de me atingir com todas as suas forças.

— Foda-me, Van — choramingo, contorcendo-me sob sua língua provocante


enquanto ele migra de um seio para o outro. — Foda minha boceta com esse pau
latejante até eu gozar.

— Merda — ele exala. Como previsto, seus quadris começam a se mover


novamente. — Você está ficando muito boa nisso.

— Aprendi com o mestre. — Pressiono minha boca suja contra a sua


infinitamente mais suja, cada gemido zumbindo em seus lábios.

— Sabe — ele respira contra meu ouvido —, estou realmente gostando


disso. Sra. Durham-Summers.

Por razões que não consigo entender, e já sei que nunca irei, esta única
declaração me leva ao limite.

— Juni — ele suspira, liberando assim que meu orgasmo começa.

Sua testa pressiona a minha, o suor se misturando; afundo minhas unhas em


suas costas e o seguro perto, muito depois do grande fim.

Quando ele finalmente sai, eu pego um chiado em sua garganta.

— Aqui. — Encontro seu inalador, fora do costumeiro cordão e aninhado no


bolso de seu smoking. Ele revira os olhos, mas me deixa administrar.
Sua necessidade diminuiu drasticamente desde que ele parou de fumar (e
passou a usar uma bandana no rosto enquanto andava de skate; ideia minha). Mas
eu ainda ouço, sempre: qualquer indício de luta em seu peito. Qualquer sinal de
que precisa de ajuda, mesmo quando não quer.

— Eu estava bem — ele diz, quando coloco o inalador na mesa de cabeceira e


me deito em seus braços, — mas obrigado, sra. Superprotetora.

— Você gosta mais desse do que Durham-Summers?

— É certamente mais adequado.

— Você sabe.

Van ri baixinho enquanto beijo seu peito. Sua pele formiga com o ar frio.

Eu sou superprotetora. Nós dois somos. Talvez até um pouco paranoicos, às


vezes.

Mas quando você já perdeu a melhor coisa que já aconteceu com você, muito
poucas coisas parecem loucas demais para ter certeza de que você nunca mais
perderá.

— Eu te amo — ele sussurra. Suas pontas dos dedos traçam minha tatuagem
do anel.

— Eu também te amo. — Eu viro seus antebraços e rastreio seus nomes.

Andresco, dado a ele por uma mulher que nunca conheci, mas sinto que já
conheci. Espero que ela saiba que homem incrível ela criou.

Durham, da família à qual me juntei hoje..., mas fui bem-vinda muito antes
disso. Um legado de corações suaves e gentis escondidos na pedra.

Em seguida, traço o avião de papel – permanentemente no ar, sempre


apontando para o céu.
Por último, nos segundos antes de adormecermos, toco a lua em seu ombro.

Não apenas as crateras perfuradas tatuadas em sua pele, mas os espaços em


branco no meio: cada pico onde a lua real reflete a luz do sol.

Fim

Você também pode gostar