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Acórdãos TRC Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra


Processo: 798/16.4T8PBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
SINAIS VISIVEIS E PERMANENTES
NULIDADE DA SENTENÇA
CONTRADIÇÃO
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
ÓNUS DE ESPECIFICAÇÃO
PASSAGEM DA GRAVAÇÃO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 27/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.S 1251, 1543, 1548 CC, 615 Nº1 C), 640, 662 CPC
Sumário:
1. A sentença só é nula por contradição entre os seus fundamentos e a decisão se a
contradição for lógica, isto é se na fundamentação da sentença o julgador seguir
determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em
vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente.
2. Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art.
640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente quando os meios
probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham
sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos a
indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda tal
impugnação.
3. A omissão desse ónus, imposto pelo nº 2, a), do referido artigo, implica a
rejeição do recurso da decisão da matéria de facto, pois tal ónus não se satisfaz
com a menção de que os depoimentos estão gravados no sistema digital com início
às …e termo às … (ou que os depoimentos gravados duraram um determinado
tempo), nem com a referência sumária do que as testemunhas terão afirmado na
audiência;
4. Tendo o juiz fundamentado a sua convicção da resposta a certos pontos da
matéria de facto conjugadamente em múltiplos depoimentos testemunhais, diversa
prova documental e prova por inspecção judicial, não pode a mesma ser alterada,
ao abrigo do art. 662º, nº 1, do NCPC, se os documentos particulares existentes nos
autos e o teor da aludida inspecção, em que o recorrente baseia a sua impugnação
factual, não conseguirem impor decisão diversa, por destituídos de força
probatória plena.
5. A razão de ser da impossibilidade em usucapir uma servidão não aparente, que
não se revela materialmente em termos inequívocos, reside na preocupação legal
de se evitar tal constituição em situações em que a actuação/posse é exercida por
mera tolerância do dono do dito prédio serviente ou, até, sem que este dela tenha
conhecimento.

6. Não se provando existir qualquer sinal visível e permanente (trilho em terra


batida ou calcada), com a localização e configuração indicada pelos requerentes no
requerimento inicial, a partir do prédio dos requeridos e até aos seus prédios não é
possível constituir-se, por usucapião, a respectiva servidão de passagem.
Decisão Texto Integral:

I – Relatório

1. E (…) e marido M (…), residentes em Pombal, M (…), residente nos EUA, e


ML (…), residente em Pombal, por apenso a acção declarativa de processo
comum já instaurada, deduziram procedimento cautelar comum contra A (…) e
mulher E (…), G (…) e S (…), todos residentes em Pombal, pedindo que se
ordene aos requeridos que:

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a) retirem todos os objectos e materiais colocados na faixa de terreno


identificada a vermelho nas plantas (docs. 8 e 9 juntos à PI da acção principal),
com as características indicadas em 15.º, que se encontra onerada com uma
servidão de passagem a favor dos prédios assinalados a azul nas ditas
plantas, correspondentes aos descritos em 1.º desta petição e que constitui o
único meio de acesso dos requerentes aos seus prédios;
b) reponham o leito da serventia no estado anterior às condutas ilícitas, de
forma a torná-la transitável em toda a sua extensão;
c) abstenham-se de, no futuro, a lavrar ou por qualquer meio destruir o
caminho de servidão para acesso à propriedade dos requerentes ou praticar
quaisquer actos que perturbem ou impeçam o livre acesso, por parte dos
requerentes aos seus terrenos descritos em 1.º da petição.
Alegaram, em síntese, serem donos e legítimos possuidores, em regime de
compropriedade, na proporção de uma terça parte indivisa para cada, dos
prédios rústicos inscritos na matriz sob os artigos 10.061 e 10.065 da freguesia
de Pombal, prédios esse que passaram a amanhar desde 1981. Que tais
prédios estão encravados, razão pela qual o acesso aos mesmos sempre se
efectuou, há mais de 50 anos, através de uma faixa de terreno dos prédios
sitos a poente destes, pertencentes aos primeiros requeridos, (…), e aos réus
(…) e Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de (…), da qual a terceira
requerida é contitular, faixa de terreno com cerca de 2,60 m de largura, com
início a poente na Estrada de Soure e que se estende para nascente
desembocando nos prédios dos requerentes, e que vem sendo utilizada, por
tempos imemoriais, pelos sucessivos proprietários dos terrenos, constituindo o
único local de passagem a pé, de carro de bois, carroça, e mais recentemente
com tractores e demais máquinas agrícolas, para os respectivos prédios, a fim
de lavrar, semear, ceifar, regar, plantar e cuidar das árvores e colher os seus
frutos e efectuar todas as demais tarefas da actividade agrícola nos prédios
descritos. O que sempre fizeram à vista de todos e com conhecimento da
generalidade das pessoas, sem oposição ou violência de quem quer que
fosse, continuadamente, pelo mesmo sítio, sem quaisquer interrupções,
actuando com a convicção que exerciam direito próprio e não se encontravam
a ofender ou prejudicar quaisquer direitos de outrem. Pelo que, adquiriram, por
usucapião, o direito de passagem, servidão essa a onerar os descritos prédios
dos réus em benefício dos seus referidos prédios. Que os requeridos
começaram a deduzir oposição à passagem dos requerentes por aquela faixa
de terreno, vindo progressivamente a obstar ao exercício de tal direito,
colocando até obstáculos no leito da serventia por forma a impedir absoluta e
totalmente o acesso dos requerentes aos seus terrenos. Em consequência de
tais actos encontram-se impedidos de explorar os seus prédios, de os cultivar,
de proceder à limpeza dos mesmos, de plantar árvores, enfim de os aceder
livremente e em segurança, a pé ou com qualquer veículo. Tendo necessidade
urgente de aceder aos seus prédios para tanto, para proceder à preparação do
terreno e à sementeira das espécies, precisando as oliveiras implantadas de
cuidados inadiáveis, sob pena de não sobreviverem, nomeadamente de serem
podadas, e nos meses de Verão precisam de ser regadas.
Os requeridos deduziram oposição, negando que os prédios dos autores
estejam encravados, uma vez que os mesmos têm acesso à via publica
através de uma serventia a nascente dos prédios e de um caminho público a
norte o qual dá acesso à estrada de Soure, que sempre utilizaram para terem
acesso aos seus prédios. No entanto, há cerca de 2 anos, o proprietário dos
prédios situados a norte do referido caminho publico utilizado pelos
requerentes como acesso à estrada de Soure fechou o tal caminho impedindo
os autores de por ali passar. E foi a partir do encerramento de tal caminho, em
2014, que os requerentes, esporadicamente, começaram a utilizar uma faixa
de terreno situada a sul dos prédios dos requeridos sem nunca serem
autorizados a tal. Sendo que, desde finais de 2014, se opõem à utilização de

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tal faixa de terreno pelos requerentes, e sendo verdade que colocaram


obstáculos nos seus prédios a fim de impedir que aqueles persistissem na
utilização abusiva dos mesmos na violação do seu direito de propriedade.
Os requerentes litigam de má fé, pelo que a final deverão ser condenados
como tal em multa no valor de 2.500 € e em indemnização de igual montante.
*
A final foi proferida sentença que julgou improcedente o procedimento cautelar
e em consequência indeferiu as providências requeridas. Mais se decidiu não
condenar os requerentes como litigantes de má fé.
*
2. Os requerentes interpuseram recurso, tendo concluído que:
(…)

II – Factos Provados

1) E (…) e M (…), têm registada a seu favor, desde 09/01/1990, por doação de
M (…) e M (…), a aquisição de um terço do prédio rústico composto de terra
de cultura e eucaliptal, sito em (...) , limite de (...) , inscrito na matriz predial
rústica sob o artigo 10.061 da freguesia de Pombal e descrito na Conservatória
de Registo Predial de Pombal sob o nº 3868 da mesma freguesia.
2) ML (…) tem registada a seu favor, desde 09/01/1990, por doação de M (…)
e M (…) a aquisição de um terço do prédio rústico composto de terra de cultura
e eucaliptal, sito em (...) , limite de (...) , inscrito na matriz predial rústica sob o
artigo 10.061 da freguesia de Pombal e descrito na Conservatória de Registo
Predial de Pombal sob o nº 3868 da mesma freguesia.
3) M (…), casado com I (…), no regime da comunhão de adquiridos, tem
registada a seu favor, desde 09/01/1990, por doação de M (…) e M (…), a
aquisição de um terço do prédio rústico composto de terra de cultura e
eucaliptal, sito em (...) , limite de (...) , inscrito na matriz predial rústica sob o
artigo 10.061 da freguesia de Pombal e descrito na Conservatória de Registo
Predial de Pombal sob o nº 3868 da mesma freguesia.
4) E (…) e M (…), têm registada a seu favor, desde 09/01/1990, por doação de
M (…) e M (…), a aquisição de um terço do prédio rústico composto de terra
de cultura e eucaliptal, sito em (...) , limite de (...) , inscrito na matriz predial
rústica sob o artigo 10.065 da freguesia de Pombal e descrito na Conservatória
de Registo Predial de Pombal sob o nº 3872 da mesma freguesia.
5) ML (…)tem registada a seu favor, desde 09/01/1990, por doação de M (…) e
M (…)a aquisição de um terço do prédio rústico composto de terra de cultura e
eucaliptal, sito em (...) , limite de (...) , inscrito na matriz predial rústica sob o
artigo 10.065 da freguesia de Pombal e descrito na Conservatória de Registo
Predial de Pombal sob o nº 3872 da mesma freguesia.
6) M (…), casado com I (…), no regime da comunhão de adquiridos, tem
registada a seu favor, desde 09/01/1990, por doação de M (…) e M (…), a
aquisição de um terço do prédio rústico composto de terra de cultura e
eucaliptal, sito em (...) , limite de (...) , inscrito na matriz predial rústica sob o
artigo 10.065 da freguesia de Pombal e descrito na Conservatória de Registo
Predial de Pombal sob o nº 3872 da mesma freguesia.
7) Em escritura notarial, outorgada em 10/07/1981, M (…) e M (…) declararam
doar, com reserva de usufruto, os prédios supra descritos, aos seus filhos (…),
na proporção de um terço para cada.

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8) M (…) faleceu no dia 13/11/2011 e M (…) faleceu no dia 24/01/1986.


9) Os prédios identificados em 1) e 4) não confrontam com a via pública.
10) A (…) e E (…) têm registada a seu favor, desde 15/10/2010, por compra a
(…), a aquisição do prédio rústico composto de terra de cultura com tanchas,
sito em (...) , limite de (...) , inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 10.072
da freguesia de Pombal e descrito na Conservatória de Registo Predial de
Pombal sob o nº 24106 da mesma freguesia.
11) Encontra-se inscrito, desde 1957, na matriz predial rústica sob o artigo
10.067 da freguesia de Pombal, o prédio rústico localizado em sito em (...) ,
limite de (...) , tendo como titular M (…).
12) Encontra-se inscrito, desde 1957, na matriz predial rústica sob o artigo
10.064 da freguesia de Pombal, o prédio rústico localizado em sito em (...) ,
limite de (...) , tendo como titular D (…).
13) Encontra-se inscrito, desde 1957, na matriz predial rústica sob o artigo
10.066 da freguesia de Pombal, o prédio rústico localizado em sito em (...) ,
limite de (...) , tendo como titular D (…).
14) Encontra-se inscrito, desde 1957, na matriz predial rústica sob o artigo
10.068 da freguesia de Pombal, o prédio rústico localizado em sito em (...) ,
limite de (...) , tendo como titular D (…).
15) Encontra-se inscrito, desde 1957, na matriz predial rústica sob o artigo
10.069 da freguesia de Pombal, o prédio rústico localizado em sito em (...) ,
limite de (...) , tendo como titular D (…).
16) Encontra-se inscrito, desde 1957, na matriz predial rústica sob o artigo
10.071 da freguesia de Pombal, o prédio rústico localizado em sito em (...) ,
limite de (...) , tendo como titular D (…).
17) O prédio referido em 10) confronta a Poente com a Estrada de Soure,
tendo sido colocada nesse mesmo prédio uma vedação com pilares e arames,
tapando o acesso directo desde a Estrada de Soure para nascente.
18) O prédio identificado em 10) não está actualmente cultivado, estando nele
implantada uma casa.
19) Junto ao limite nascente do prédio identificado em 10), existe um carreiro
visível e calcado, com marcas de rodados, localizado entre uma latada
existente a sul e culturas existentes a norte, com uma largura de cerca de 2,40
metros, prolongando-se em direcção a nascente, cerca de 22 metros, até
atingir o prédio identificado em 11), tendo aí uma largura de cerca de 2 metros.
20) No referido percurso existem vestígios de uma ou duas árvores de grande
porte, implantadas em tempos no leito desse mesmo caminho, sem que,
todavia, tal impeça a passagem.
21) A partir do limite nascente do prédio identificado em 11) deixam de ser
visíveis marcas de rodados ou calcamento, sendo que o prédio localizado a
nascente do mesmo encontra-se por cultivar, tendo algumas árvores
implantadas, vestígios de várias outras árvores entretanto arrancadas e alguns
cepos cortados.
22) A partir de data concretamente não determinada, mas desde há mais de
20 anos, para acederem aos prédios identificados em 1) e 4), a pé ou com
animais soltos ou carros de tracção animal e tractor, os requerentes (…)e
antes deles M (…) passaram a utilizar uma faixa de terreno existente nos
prédios identificados em 10) a 16), no sentido Poente/Nascente, com início na
Estrada de Soure, incluindo a parte onde se encontra implantado o carreiro
referido em 19).
23) O que fizeram à vista de todos, na convicção de que podiam passar e de

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não se encontrarem a ofender ou prejudicar direitos de outrem.


24) Sem oposição de ninguém, até Março de 2014.
25) O requerido A (…), no dia 24 de Março de 2014, dirigiu-se ao requerente,
M (…), que se deslocava para os terrenos descritos em 1) e 4), proferindo a
seguinte expressão: “Você não passa aqui mais, nem você, nem o G (…)”.
26) No dia 29 de Março de 2014, o requerido A (…) lavrou o prédio identificado
em 10).
27) Os requerentes, através de advogada, remeteram então ao requerido A
(…) a carta, datada de 04/04/2014, com o teor constante de fls. 87/88 dos
autos principais.
28) Tendo o requerido A (…), também através de advogada, remetido em
resposta a carta, datada de 05/01/2015, com o teor constante de fls. 121 dos
autos.
29) Em Junho de 2015, quando a requerente E (…) se dirigia para os terrenos
descritos em 1) e 4), a fim de ir regar as oliveiras que tinha plantado
ultimamente, deparou-se do lado sul dos prédios referidos em 12) a 16), com
ferros, fitas, paus, arame colocadas pelo requerido G (…), bem como com uma
placa onde este fez escrever “propriedade privada”, de modo a impedir a
passagem dos requerentes.
30) Os requerentes, através de advogada, remeteram então ao requerido G
(…) as cartas, datadas de 26/06/2015 e 10/07/2015, com o teor constante de
fls. 93 a 95 e fls. 97 dos autos principais.
31) Até à instauração da presente acção, o requerido G (…)não removeu os
referidos obstáculos.
32) No dia 27 de Janeiro de 2016, a requerida S (…) colocou e ordenou a
colocação de diversos troncos de árvores, de maior dimensão, para impedir a
passagem dos requerentes.
33) Após tal data, o prédio identificado em 10) foi lavrado, incluindo na parte
calcada e com marcas de rodados que ligava o carreiro referido em 19) à
Estrada de Soure.
34) Tendo aí sido colocada a vedação referida em 17).
35) Encontrando-se desde então os requerentes impedidos de acederem aos
prédios referidos em 1) e 4) através do referido caminho ou através de
qualquer outro acesso.
36) Os prédios referidos em 1) e 4) têm aptidão agrícola para o cultivo de
milho, feijão, favas, batatas, couves e encontram-se ali implantadas oliveiras.
37) Os requerentes necessitam de aceder aos referidos prédios para arrancar
as oliveiras que sucumbiram por falta de tratamento e replantar, regá-las,
cortar a erva, fresar a terra, fertilizar o terreno, semear, cuidar das plantações e
das árvores, para colher os frutos, para lavrar a terra e proceder à sua limpeza.
38) A Norte do prédio referido em 10), com início na Estrada de Soure, existe
uma entrada que dá acesso a um caminho com a largura de 3,80 metros,
caminho esse que se encontra pavimentado.
39) No início do caminho referido em 38) existe uma placa com a inscrição
“propriedade privada” e ainda uma placa toponímica com a referência
“Travessa das Mimosas”.
40) Tal caminho projecta-se a nascente, passando a ser de terra batida quando
termina o empedrado, inflectindo então para Norte até chegar a uns anexos e
sem qualquer continuação.

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41) No limite do caminho referido em 38), a nascente, não existe qualquer


ligação visível a qualquer outro caminho, existindo várias árvores e sem que o
mesmo confronte com os prédios referidos em 1) e 4).
42) Com início na Rua dos Melros, existe ainda um carreiro calcado que se
projecta em direcção a noroeste curvando para norte, sendo que, no seu início,
tal carreiro tem cerca de 1,9 metros, terminando antes de atingir o limite dos
prédios referidos em 1) e 4), a poente, curvando para norte em direcção a um
outro prédio.
43) Sem prejuízo de existir uma zona mais calcada na vegetação alta aí
existente que aparentemente se dirige em direcção aos referidos prédios, com
uma largura de cerca de 50 cm.
44) No local referido em 42), os prédios referidos em 1) e 4) localizam-se num
plano superior, existindo uma barreira com pelo menos 3 metros de altura.
*
Não se provou:
a) De que forma, a partir do prédio referido em 11), os requerentes e antes
deles M (…) e M (…) acediam aos prédios descritos em 1) e 4),
designadamente que o fizessem, a partir de tal ponto, pela faixa indicada a
vermelho nas plantas juntas à petição inicial da acção principal como docs. 8 e
9.
b) Que o carreiro calcado referido em 19) desembocasse nos prédios referidos
em 1) e 4).
c) Que a faixa referida em a), desde tempos imemoriais, fosse o único acesso
aos prédios referidos em 1) e 4), para passagem a pé, de carro de bois,
carroça, sem prejuízo do que se provou em 35).
d) Que em toda a sua extensão a passagem de pessoas, animais e veículos
pela faixa de terreno referida em a) revela-se por sinais de terra calcada, sem
cultivo e sem vegetação, com trilhos de circulação de tractores, máquinas
agrícolas, animais e pessoas, devido à frequente utilização da referida
passagem pelos requerentes e pelos seus antepossuidores, bem como
familiares destes, para os seus prédios, sem prejuízo do que se provou em
19).
e) Que a faixa referida em a) sempre esteve livre e sem qualquer vedação que
impedisse a circulação de veículos, máquinas, animais e pessoas, a qualquer
dia e hora e os requerentes, à semelhança dos seus antepossuidores, sempre
acederam aos prédios identificados em 1) e 4), sempre e somente através da
referida faixa de terreno.
*
II – Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas
conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do
NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.
Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.
- Nulidade da sentença.
- Alteração da matéria de facto.
- Se os prédios dos requeridos estão onerados com uma servidão de
passagem, constituída por usucapião, a favor dos prédios dos requerentes.
- Em caso afirmativo, se existe um fundado receio de ocorrência de lesão
grave e dificilmente reparável a tal direito, e suas consequências.

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2. Nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, c) do NCPC, é nula a sentença


cujos fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Como ensina Lebre de Freitas (CPC Anotado, Vol. 2º, 2008, nota 3. ao artigo
668º = ao actual artigo 615º, pág. 704), “Entre os fundamentos e a decisão não
pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o
julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada
conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a
oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde
com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o
erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos
factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu
entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos
perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade;
mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para
determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra
consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade
verifica-se.”.
Na sentença recorrida escreveu-se que:
“Nos termos do artigo 362º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, sempre que
alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente
reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou
antecipatória, concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito
ameaçado, podendo o interesse do requerente fundar-se num direito já
existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva,
já proposta ou a propor.
Por outro lado, dispõe o artigo 368º nº 1 do Código de Processo Civil que, a
providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do
direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão.
O decretamento da providência cautelar inominada está assim dependente do
preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos:
- Probabilidade séria da existência do direito invocado (fumus boni juris);
- Fundado receio de que outrem, antes da acção ser proposta ou na pendência
dela, cause lesão grave e dificilmente reparável a tal direito (periculum in
mora);
- Adequação da providência à situação de lesão iminente;
- Não existência de providência específica que acautele o direito.
Neste conspecto, face ao requerido e ponderando a posição assumida pelas
partes cumpre decidir, desde logo, da probabilidade séria da existência do
direito invocado (fumus boni juris).
Concordando-se com A. ABRANTES GERALDES (Temas da Reforma do
Processo Civil, vol. III, 2ª edição, Coimbra, 2000, p. 75), quando refere que,
para tal, “não se exige um juízo de certeza, bastando-se a lei com um juízo de
verosimilhança (“probabilidade séria”, segundo o art. 387º, nº 1) formulado pelo
juiz, com base nos meios de prova apresentados ou naqueles que o tribunal
oficiosamente aprecie, embora tal juízo não deva ser colocado num patamar
tão baixo na escala gradativa da convicção do juiz que se tutelem situações
destituídas de fundamento razoável”.
O que passará por decidir se e em que termos assiste aos requerentes o
direito de passarem pelos prédios dos requeridos, a coberto de um alegado
direito de servidão de passagem, adquirido por usucapião, para acederem ao
seu prédio.
Nos termos do disposto no artigo 1543º do Código Civil, servidão predial é o

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encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente


a dono diferente, dizendo-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante
o que dela beneficia.
Quanto ao modo da sua constituição, há que atender ao disposto no artigo
1547º do Código Civil, donde resulta que as servidões prediais podem ser
constituídas por contrato, testamento, usucapião ou destinação do pai de
família.
No caso os requerentes pretendem o reconhecimento da existência de uma
servidão de passagem, com os limites por eles alegados, servidão essa que se
terá constituído, por usucapião, em benefício do seu prédio.
Assumindo-se, fazendo uso das palavras de PIRES DE LIMA / ANTUNES
VARELA (Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, Coimbra, 1987, p.
614/615), que a servidão “(…) trata-se de um encargo que recai sobre o
prédio, de um encargo imposto num prédio, de uma restrição ao gozo efectivo
do dono do prédio, inibindo-o de praticar actos que possam prejudicar o
exercício da servidão. Deste modo assinala a lei expressamente o carácter
real da servidão.
A indicação de que a servidão é um encargo sobre o prédio afasta ainda toda
a ideia de servidão imposta a uma pessoa em proveito de um prédio, como
sucedia nas clássicas servidões da gleba, há muito abolidas do nosso direito”.
Desde logo, atendendo a que a servidão em causa terá por referência os
prédios alegadamente propriedade de requerentes e requeridos (daí
decorrendo a respectiva legitimidade substantiva dos mesmos), cumpre relevar
que tais direitos não foram colocados em causa pelas partes, devendo
assumir-se, como pacífico, que os prédios identificados em 1) e 4) são dos
autores.
Sem prejuízo da presunção decorrente das respectivas inscrições registrais e
do disposto no artigo 7º do Código de Registo Predial.
Assumindo assim que o litígio exclusivamente recai sobre a existência ou não
da servidão e não sobre a propriedade dos prédios envolvidos, cumpre atender
ao seguinte.
O conceito de usucapião mostra-se definido no artigo 1287º do Código Civil,
donde decorre que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos
reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo
disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a
sua actuação.
Por outro lado, nos termos do artigo 1251º do Código Civil, posse é o poder
que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício
do direito de propriedade ou de outro direito real.
O legislador optou por uma concepção subjectiva de posse (na esteira dos
ensinamentos de Savigny), qualificando como mera detenção, todas as
situações de exercício de poderes de facto, em que não se verifique uma
específica intenção de domínio, um verdadeiro animus – elemento psicológico-
juridico – tradutor de uma intenção de agir como titular de determinado direito
real.
No entanto, a prova do animus, está amplamente facilitada, dado que o
legislador, apercebendo-se da dificuldade da sua prova, consagrou no nº 2 do
artigo 1252º do Código Civil, uma presunção de posse em nome próprio,
naquele que exerce os poderes de facto sobre a coisa, cabendo pois, ao que
se arroga possuidor, provar que o detentor verdadeiramente não possui.
Conforme se decidiu no Assento de 14 de Maio de 1996, “podem adquirir por
usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder
de facto sobre uma coisa” (Boletim do Ministério da Justiça”, nº 457, pág. 55).

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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc...

Para existir posse, é necessário assim que haja uma actuação de facto sobre
determinada coisa, traduzida na prática de actos materiais que
consubstanciem uma relação de domínio ou o exercício de um qualquer outro
direito menor.
(…)
Por outro lado, é preciso ter presente que a posse adquire-se, entre outras
formas, pela prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais
correspondentes ao exercício do direito, nos termos do artigo 1263º alínea a)
do Código Civil.
Para o acto de investidura na posse não é suficiente a prática de um único
acto, mas de vários, embora possam ter conteúdos distintos e, por outro lado,
sem que esta reiteração implique a necessidade de uma actuação ininterrupta
e/ou contínua.
O que é certo é que, para o apossamento, é já necessária uma actuação com
uma intensidade superior, traduzida em actos materiais de uso, fruição ou
transformação, reveladores, de forma indubitável, de que entre a coisa e o
adquirente se estabeleceu, “ex novo”, uma clara relação domínio.
Nas palavras de HENRIQUE MESQUITA, com o que se concorda, “o
essencial, em suma, é que os actos aquisitivos, variáveis de caso para caso,
se dirijam ao estabelecimento de uma relação duradoura com a coisa não
bastando um contacto fugaz, passageiro.” (Direitos Reais”, Coimbra, 1967,
pág. 97).
Por outro lado, para a aquisição da posse, nos termos da alínea a) do artigo
1263º do Código Civil, é ainda necessário que os actos materiais sejam
realizados com publicidade, entendendo grande parte da doutrina que este
requisito da publicidade é referido ao conceito de posse pública, consagrado
no artigo 1262º do Código Civil, donde se infere a necessidade de os actos
serem praticados de modo a puderem ser conhecidos pelos interessados
(entre outros, Pires de Lima/Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. III,
Coimbra, 1987, pág. 26; Henrique Mesquita, “Direitos Reais”, Coimbra, 1967,
pág. 85; Manuel Rodrigues, “A Posse, Estudo de Direito Civil Português”,
Coimbra, 1996, pág. 187. Contra, cfr. Orlando de Carvalho, “Revista de
Legislação e Jurisprudência”, Ano 124, Coimbra, pag. 260 e Durval Ferreira,
“Posse e Usucapião”, Coimbra, 2002, pág. 159)
Quando os actos materiais não apresentem a exterioridade suficiente para
serem conhecidos dos interessados, quer porque, de per si, não a possuam,
quer porque, por acto voluntário do seu autor, sejam ocultados, então, serão
meros actos clandestinos, insusceptíveis de conformar qualquer apossamento.
Aqui chegados, cumpre atender que tais preocupações, no caso das servidões
constituídas por usucapião, foram levadas pelo legislador ao extremo de não
permitir tal constituição nos casos de servidões não aparentes.
Com efeito, por força do disposto no artigo 1548º do Código Civil, as servidões
não aparentes não podem ser constituídas por usucapião, considerando-se
não aparentes as servidões que não se revelam por sinais visíveis e
permanentes.
Como se deixou expresso no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de
15/10/2013 (base de dados da DGSI, processo nº 78/11.1TBSCD.C1), “(…) a
irrelevância do magno instituto da usucapião para a constituição de invocadas
servidões que não se revelem materialmente em termos inequívocos, reside
na preocupação legal de se evitar tal constituição em situações em que a
atuação/posse é exercida por mera tolerância do dono do dito prédio serviente
ou, até, sem que este dela tenha conhecimento”.
Tendo presente que – a não exigir-se um rigor acrescido nos referidos termos

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– muitas servidões poderiam constituir-se assim de forma clandestina (por


serem de todo desconhecidas) ou legitimar-se-iam até pela mera prática de
actos compatíveis com a mera tolerância do proprietário onerado.
Com efeito, conforme se deixou sumariado no acórdão do Tribunal da Relação
de Coimbra de 10/07/2013 (base de dados da DGSI, processo nº
2482/08.3TBAGD.C1:
“1. No domínio do Código Civil de Seabra, até à alteração introduzida neste
código pelo Decreto n.º 19 126, de 16 de Dezembro de 1930, as servidões
descontínuas, como é exemplo típico a servidão de passagem, não podiam ser
adquiridas por usucapião.
2. A razão da proibição residia na circunstância do legislador recear que actos
de tolerância, de solidariedade ou boa vontade dos proprietários, para com os
seus vizinhos, tolerando a passagem destes pelos seus terrenos, se
tornassem em motivo de aquisição de direitos, contrariando as expectativas de
quem havia manifestado apenas tolerância e boa vontade.
3. A partir do momento em que o legislador permitiu a aquisição de servidões
de passagem por usucapião, a lei exigiu, para isso ser possível, factos
inequivocamente demonstrativos da existência de situações duradouras e
vinculativas, isto é, a existência de sinais visíveis e permanentes – n.º 2 do
artigo 1548.º do Código Civil –, demonstrativos da inexistência de uma
situação precária originada por actos de mera tolerância.
4. A visibilidade dos sinais respeita à sua materialidade, no sentido de serem
percepcionáveis e interpretáveis como tais pela generalidade das pessoas que
se confrontem com eles. A permanência consiste na manutenção dos sinais,
com a aludida visibilidade, ao longo do tempo, sem interrupções (pelo menos
nos casos em que a ausência temporária dos sinais torne equívoco o seu
significado), por forma a gerar e manter a ideia de que se trata de uma
situação estável e duradoura e, ao mesmo tempo, afastar a hipótese de se
tratar de uma situação precária, podendo tais sinais, no entanto, ser alterados
ao longo do tempo ou substituídos por outros.”.
Sendo que, como bem salientam ANTUNES VARELA / PIRES DE LIMA
(Código Civil Anotado, vol. III, 1987, p. 629) “ (…) continua a entender-se que
se torna as mais das vezes difícil distinguir entre as servidões não aparentes e
os actos de mera tolerância, consentidos jure familiaritatis, que não reflectem
uma relação possessória capaz de conduzir à usucapião (cfr. D., 41, 2, 41).
Admitir a usucapião como título aquisitivo deste tipo de servidões, não
obstante a equivocidade congénita dos actos reveladores do seu exercício,
teria o grave inconveniente de dificultar, em vez de estimular, as boas relações
de vizinhança, pelo fundado receio que assaltaria as pessoas de verem
convertidas em situações jurídicas de carácter irremovível situações de facto,
assentes sobre actos de mera condescendência ou obsequiosidade. Preferível
julgou a lei cortar o mal pela raiz, presumindo-se juris et de jure o título
precário e mantendo a eliminação indiscriminada da usucapião como aquisitivo
das servidões não aparentes a fim de facilitar as relações de boa vizinhança
entre os donos de prédios contíguos ou próximos.
No mesmo sentido milita ainda a circunstância de, não havendo sinais visíveis
e permanentes reveladores da servidão, sendo esta porventura exercida só
clandestinadamente, a atitude passiva do proprietário poder ser apenas devida
à ignorância da prática dos actos constitutivos da servidão.”.
Daqui decorre que, como se disse, sendo a posse mais do que um mero poder
de facto exercido sobre determinada coisa – corpus – implicando, de igual
forma, uma intencionalidade específica de actuação como beneficiário do
direito – animus, no caso particular da constituição de uma servidão, por
usucapião, tal direito pressuporá sempre, além do mais, que tal posse seja
revelada por sinais visíveis e permanentes, que o revelem de forma

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indiscutível.
Na qualificação do que se deverá entender por sinais visíveis e permanentes,
cumpre ainda aderir ao entendimento expresso no acórdão do Tribunal da
Relação de Coimbra de 16/10/2012 (base de dados da DGSI, processo nº
2763/08.6TBPBL.C1), na parte em que se referiu que:
“(…) Por sinais entende-se tudo aquilo que possa conduzir à revelação de
qualquer coisa ou facto, principalmente indícios que revelem a existência de
obras destinadas a facilitar e a tornar possível a servidão.
Na servidão de passagem poderão ser, por exemplo, a existência de um trilho
de terra batida ou empedrada, de sulcos de rodados de tracção animal
deixados pelo decorrer dos tempos, em pedras existentes no caminho,
tranqueiros, cancelas, pontes, etc.. A servidão de passagem tornar-se-á
aparente desde que se faça um caminho, uma ponte ou se abra uma porta.
Esses sinais hão-de ser visíveis, permanentes e inequívocos, pois só deste
modo poderão indicar a existência de servidão aparente. (…)
Além de visíveis ou aparentes, os sinais devem ser permanentes, revelando
uma situação estável, que foram postos com intenção de assegurar a serventia
de um prédio para o outro, com carácter de permanência. …”.
E importa ainda ter presente que, será sempre pelo valor e conteúdo dos actos
materiais praticados que se há-de qualificar o direito possuído,
designadamente atendendo à extensão dos poderes materiais exercidos.
Como bem se deixou expresso no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
de 21/10/2014 (base de dados da DGSI, processo nº 607/06.2TBPMS.C1),
com o que se concorda, “(…) quanto à regulação da extensão e exercício da
servidão, a lei remete para o título constitutivo e na sua insuficiência para a
norma supletiva do art.1565 CC.
Constituída uma servidão por usucapião, o seu conteúdo ou extensão e o seu
exercício determina-se pela posse do respectivo titular, segundo o princípio
“tantum prescriptum quantum possessum “.
A extensão visa o elemento quantitativo (por exemplo, o comprimento e largura
do caminho), o exercício reporta-se ao elemento qualitativo (por exemplo, na
servidão de passagem o exercício a pé ou de carro) (cf. Tavarela Lobo,
Mudança e Alteração de Servidão, pág.13 e 41).
Sendo o título da constituição da servidão a usucapião, o exercício e extensão
da servidão afere-se pela posse do titular, a chamada “ posse da servidão”.
Por conseguinte, tanto o modo de exercício da servidão, concebido como
exercício efectivo, a maneira como a servidão é exercida, tudo o que serve
para precisar o seu conteúdo, a maior ou menor extensão, como o “tempo de
exercício”, ou seja, o período no qual a servidão deve ser exercida, a época do
aproveitamento das utilidades que a servidão oferece, são determinados pelo
título.”.
Sem se esquecer, por último, que para a aquisição do direito de servidão, por
usucapião, a lei impõe o decurso de determinado tempo e o exercício da posse
em determinadas condições, necessariamente, em termos públicos e pacíficos
(artigo 1297º do Código Civil).
Devendo entender-se que a posse é pacífica quando não foi adquirida com
violência, considerando-se violenta a posse, quando, para obtê-la, o possuidor
usou de coacção física ou de coacção moral nos termos do artigo 255º.
E que posse pública, por força do artigo 1262º do Código Civil, é aquela que se
exerce de modo a poder ser conhecida pelos interessados.
Nas palavras de L. CARVALHO FERNANDES (Lições de Direitos Reais, 4ª

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edição, Lisboa, 2005, p. 286), para preencher o conceito de publicidade não é


necessário “o conhecimento efectivo do exercício da posse por aqueles a
quem possa interessar, bastando a possibilidade de dela se aperceberem
aqueles a quem a posse afectar. Trata-se, portanto, de critério a ser valorado
em termos objectivos e não subjectivos. Se o exercício for tal, que uma pessoa
de normal diligência, colocada na situação do titular do direito, daquele se teria
apercebido, a posse é pública”.
Posse pública esta, como se disse, a implicar um grau acrescido de exigência,
nos casos de servidões constituídas por usucapião, a exigir, além do mais, a
sua revelação através de actos visíveis e permanentes (a significar que, nos
casos de servidão de passagem, por exemplo, não chegue demonstrar-se que
sempre ali se passou, sem oposição e de forma publica, mas igualmente a
demonstração de sinais que demonstrem, inequivocamente, a sua aparência,
nos termos sobreditos).
Subsumindo o exposto ao caso em apreço, no confronto com o que se provou,
constata-se que os requerentes lograram demonstrar que a partir de
determinada altura começaram a aceder aos seus prédios através de uma
faixa de terreno existente nos prédios dos requeridos, sem qualquer oposição,
o que fizeram por mais de 20 anos.
Todavia não lograram demonstrar, como lhes incumbia (artigo 342º nº 1 do
Código Civil), que existam ou tivessem existido sinais visíveis e permanentes,
que fossem susceptíveis de revelar tal passagem (não clandestina) para os
seus prédios e com os efeitos pretendidos.
Isto porque não se provou existir ou ter existido qualquer trilho em terra batida
ou calcada, com a localização e configuração indicada pelos requerentes, a
partir do prédio referido em 11), sem prejuízo de resultar da prova produzida
que tais vestígios se estenderam, outrora, desde a Estrada de Soure e
consequentemente também ao prédio do requerido Adelino.
E posto isto, afigura-se-nos que, não tendo os requerentes demonstrado a
existência de sinais visíveis e permanentes que revelem a alegada passagem
até ao limite dos seus prédios, também não lograram demonstrar, ainda que de
forma sumária, o direito de ver reconhecida a invocada servidão de passagem
constituída por usucapião e cujo efeito útil se pretendia acautelar com as
providências requeridas.
Sendo certo que não caberá relevar, em concreto, a constatada situação de
encrave dos prédios e impedimento daí decorrente para os requerentes de a
eles acederem, na medida em que os mesmos não fundaram a sua causa de
pedir (nesta e na acção principal) em qualquer eventual direito legal de
passagem, a tutelar nos termos previstos nos artigo 1550º e 1553º do Código
Civil, mas sim num direito de servidão voluntária, constituída por usucapião.
(…)
Tudo para concluir pela improcedência do presente procedimento cautelar e
pelo consequente indeferimento das providências requeridas. “.
Quer isto dizer que na dita sentença pese embora os requerentes tivessem
logrado demonstrar que a partir de determinada altura começaram a aceder
aos seus prédios através de uma faixa de terreno existente nos prédios dos
requeridos, sem qualquer oposição, por mais de 20 anos, não lograram já
demonstrar, como lhes incumbia (art. 342º, nº 1, do CC), que existam ou
tivessem existido sinais visíveis e permanentes, que fossem susceptíveis de
revelar tal passagem para os seus prédios e com os efeitos pretendidos.
Isto porque não se provou existir ou ter existido qualquer trilho em terra batida
ou calcada, com a localização e configuração indicada pelos requerentes, a
partir do prédio dos requeridos e até aos prédios dos autores.

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O que mostra que a conclusão a que se chegou é compatível com a previsão


ínsita no art. 1548º do CC e com o facto do reconhecimento da servidão de
passagem estar sempre dependente da existência de sinais visíveis e
permanentes, o que não se provou, pois, como se deixou expresso na
fundamentação, nos casos de servidão de passagem, não chegará
demonstrar-se que sempre ali se passou, sem oposição e de forma pública,
mas igualmente acarretará a demonstração de sinais que revelem,
inequivocamente, a sua aparência.
Não existe, assim, qualquer contradição, mostrando-se a fundamentação de
direito coerente com os factos apurados e coerente com a decisão a que se
chegou. Poderá haver erro de julgamento, por errada subsunção dos factos
apurados ao direito, o que iremos verificar no infra ponto 4., mas contradição é
que não existe.
Não se detecta, por isso, a nulidade apontada.
3. Os recorrentes impugnam os factos não provados a) a e), pretendendo a
resposta de provado (vide as suas conclusões de recurso 12.), pelos motivos
que afirma. Estribam-se no depoimento das testemunhas, arroladas por ambas
as partes, (…)nos documentos que indicaram, plantas (docs. 8 e 9) e
fotografias (docs. 18 a 38), e inspecção ao local (vide as suas conclusões de
recurso 11., 13. a 21.).
Foi em tal tipo de prova - prova testemunhal, exactamente as testemunhas
indicadas, prova documental, designadamente outras fotografias que não as
indicadas pelos apelantes e prova por inspecção - na qual, conjugadamente,
se fundou o julgador de facto para responder, nos termos expostos, à referida
factualidade, como consta expressamente da sua motivação à decisão da
matéria de facto (vide fls. 152/157).
Nas alegações (corpo) os recorrentes referem sumariamente aquilo que as
referidas testemunhas terão dito/afirmado na audiência de julgamento, e
extraem conclusões. Mais referem (no corpo das alegações e refeeridas
conclusões) que tais depoimentos testemunhais estão gravados no sistema
digital, com início às …e termo às … .
Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art.
640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, sob pena de rejeição.
Ou seja, de tal dispositivo verifica-se que a lei exige 5 requisitos:
i) Que o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera
incorrectamente julgados;
ii) Qual o sentido correcto da resposta, que na óptica do recorrente, se
impunha fosse dado a tais pontos;
iii) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou registo
ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa;
iv) E por que razão assim seria, com análise critica criteriosa;
v) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na
apreciação das provas tenham sido gravados, indicação com exactidão das
passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo de facultativa
transcrição dos excertos relevantes.
Ora, das suas alegações de recurso – corpo e conclusões - verifica-se que a
recorrente não cumpriu o 5º dos indicados requisitos legais, pois não indicou,
em lado algum, com exactidão as passagens da gravação em que funda a sua
impugnação, baseada nos indicados depoimentos testemunhais que referem,
apesar de, face à gravação efectuada (vide a respectiva acta a fls. 124/129),
haver identificação precisa e separada de tais depoimentos.

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Na realidade, o ónus imposto a qualquer recorrente no aludido nº 2, a) do art.


640º, do NCPC não se satisfaz com a menção de que os depoimentos estão
gravados com início às …e termo às … (ou que os depoimentos gravados
duraram um determinado tempo), nem sequer com a transcrição, total ou
parcial, dos depoimentos prestados, já que esta é meramente facultativa. Não
deixando a lei neste ponto qualquer dúvida, face aos termos claros e
terminantes com que está redigida (vide igualmente no mesmo sentido L.
Freitas, CPC Anotado, Vol. 3º, T. I, 2ª Ed., nota 4. ao artigo 685º-B, págs.
62/64, e A. Geraldes, Recursos em P. Civil, 2ª Ed., 2008, notas 3. e 4. ao
referido artigo, págs. 138/142, normativo do CPC semelhante ao actual 640º
do NCPC, e a título de exemplo os recentes Ac. desta Rel. de 10.2.2015,
Proc.2466/11.4TBFIG e de 17.12.2014, Proc.6213/08.0TBLRA, e Ac. do STJ,
de 19.2.2015, Proc.405/09.1TMCBR, disponíveis em www.dgsi.pt). No caso, os
recorrentes limitam-se a referir que os apontados depoimentos se encontram
gravados no sistema digital com início às …e termo às …, e sumariam o que
as testemunhas terão afirmado, em vez de indicar com exactidão as
passagens da gravação em que tais pessoas depuseram, no sentido
supostamente afirmado/defendido pelos apelantes, a fim de permitir, como
pretendiam, a eventual resposta de provado, aos apontados factos, depois de
prévia audição por esta Relação e subsequente análise e ponderação de tais
depoimentos.
Assim, face ao não cumprimento do referido ónus legal, a impugnação da
matéria de facto não pode proceder com base em tais depoimentos.
Vejamos agora a prova documental indicada pela recorrente.
Trata-se de 2 plantas e várias fotografias. São documentos particulares de
apreciação livre para efeito de impugnação dos factos deduzida pelos
recorrentes.
Ora, não é possível impugnar determinados factos com base apenas em
documentos de apreciação livre, quando o julgador de facto se baseou
adicional e conjugadamente em vários tipos de prova, como a prova
testemunhal e a prova documental (art. 662º, nº 1, do NCPC).
Na verdade, nos termos deste normativo, deve alterar-se a matéria de facto
quando a prova produzida impuser decisão diversa, seja quando constarem do
processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre
os pontos da matéria de facto, seja por os elementos fornecidos pelo processo
serem insusceptíveis de ser destruída por quaisquer outras provas.
Abarcam-se neste segmento as situações em que a decisão de facto, na parte
impugnada, tenha sido exclusivamente sustentada na apreciação, isolada ou
conjuntamente, de documentos, de declarações confessórias, de relatórios
periciais, de depoimentos escritos ou gravados, sem exclusão do uso simples
ou conjugado de regras da experiência congregadas em presunções judiciais.
Por exemplo, constam do processo elementos que, só por si, determinem uma
decisão diversa e cujo valor probatório seja insusceptível de ser afectado ou
perturbado pela análise de outros meios de prova, como ocorre quando o
tribunal recorrido tenha desrespeitado a força probatória plena de certo meio
de prova. É o caso de ter sido junto ao processo um documento com valor
probatório pleno relativamente a determinado facto (arts. 371º, nº 1, e 376º, nº
1, do CC), mas apesar disso, o julgador considerou-o não provado, ou foi
desatendida determinada declaração confessória constante de documento ou
resultante do processo (arts. 358º, do CC, 567º, nº 1, e 463º, do NCPC), ou um
acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado
facto (art. 574º, nº 2, do NCPC), atribuindo-se prevalência à livre convicção
formada a partir de outros elementos probatórios. Ou, ainda, foi dado como
provado certo facto com base em meio legalmente insuficiente (por ex.
depoimento testemunhal, nos termos do art. 393º do CC).

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Ora, os aludidos documentos referidos pelos apelantes, não tem a virtualidade


de, por si, implicar, sem mais, resposta diferente aos indicados factos
impugnados. Primeiro, por não terem força probatória plena. Segundo, porque
a possibilidade legal de alteração encontra no citado dispositivo o seu limite,
ou seja, que não tenham sido produzidas outras provas capazes de destruir ou
abalar o efeito probatório livre decorrente de tal documento.
Constatando-se, assim, que o julgador de facto não estava vinculado
probatória e plenamente, pelos mencionados documentos, a responder como
os apelantes pretendem aos apontados factos impugnados, antes podendo
fazê-lo com recurso a outros elementos probatórios, como o fez.
Quando assim acontece, como no caso em apreço, quando o julgador de facto
motiva a sua decisão da matéria de facto, conjugadamente, em múltipla prova
testemunhal, diversa prova documental, e prova por inspecção, então a
impugnação da matéria de facto com base apenas em documentos de
apreciação livre não tem a aptidão de conseguir desmontar ou fazer desabar a
matéria dada por provada ou não provada, invertendo o teor da resposta dada
como agora pretendem os apelantes.
Mutatis mutandis se aplicam estas considerações à prova por inspecção
judicial que é de apreciação livre (art. 391º do CC). Mais uma vez, aqui, o teor
da inspecção judicial (cfr. fls. 137/139) não permite, por si, seguir no caminho
pretendido pelos recorrentes, não joga em seu abono. Aliás o registo da
inspecção está feito com precisão e de modo extenso pelo juiz, inspecção que
serviu de modo forte à convicção do julgador, como este deixa perceber na sua
fundamentação de facto e os recorrentes, inclusive, nem analisam
pormenorizadamente a mesma na sua impugnação de modo a desacreditar a
convicção do julgador.
Desta sorte, por todo o exposto, improcede a impugnação da matéria de facto
apresentada pelos apelantes.
4. Atenta a bem elaborada e correcta fundamentação de direito da sentença
recorrida dela não dissentimos, merecendo, assim, a mesma a nossa adesão.
Na verdade, da previsão ínsita no art. 1548º do CC resulta que o
reconhecimento de uma servidão de passagem está sempre dependente da
existência de sinais visíveis e permanentes, o que não se provou, pois, como
se deixou expresso na fundamentação da dita sentença, nos casos de
servidão de passagem, não basta demonstrar-se que sempre ali se passou,
sem oposição e de forma pública, mas igualmente acarretará a demonstração
de sinais que revelem, inequivocamente, a sua aparência.
Ora, como acima já referido, embora os requerentes tivessem logrado
demonstrar que a partir de determinada altura começaram a aceder aos seus
prédios através de uma faixa de terreno existente nos prédios dos requeridos,
sem qualquer oposição, por mais de 20 anos, não lograram já demonstrar,
como lhes incumbia (art. 342º, nº 1, do CC), que existam ou tivessem existido
sinais visíveis e permanentes, que fossem susceptíveis de revelar tal
passagem para os seus prédios e com os efeitos pretendidos.
Isto porque não se provou existir ou ter existido qualquer trilho em terra batida
ou calcada, com a localização e configuração indicada pelos requerentes, a
partir do prédio dos requeridos e até aos seus prédios (basta compulsar,
esclarecedoramente, a relevante matéria constante das a) a e) do elenco dos
factos não provados).
Por conseguinte a pretensão dos recorrentes não podia proceder como não
procedeu.
5. Tendo em conta que os requerentes não lograram demonstrar a
probabilidade séria da existência do direito invocado, 1º requisito legal do
deduzido procedimento cautelar comum, assim naufragando logo a sua

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Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc...

pretensão, prejudicada fica a apreciação das demais questões (art. 608º, nº 2,


do NCPC).
6. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):
i) A sentença só é nula por contradição entre os seus fundamentos e a decisão
se a contradição for lógica, isto é se na fundamentação da sentença o julgador
seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada
conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente;
ii) Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do
art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente quando os meios
probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas
tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos
depoimentos a indicação com exactidão das passagens da gravação em que
se funda tal impugnação;
iii) A omissão desse ónus, imposto pelo nº 2, a), do referido artigo, implica a
rejeição do recurso da decisão da matéria de facto, pois tal ónus não se
satisfaz com a menção de que os depoimentos estão gravados no sistema
digital com início às …e termo às … (ou que os depoimentos gravados
duraram um determinado tempo), nem com a referência sumária do que as
testemunhas terão afirmado na audiência;
iv) Tendo o juiz fundamentado a sua convicção da resposta a certos pontos da
matéria de facto conjugadamente em múltiplos depoimentos testemunhais,
diversa prova documental e prova por inspecção judicial, não pode a mesma
ser alterada, ao abrigo do art. 662º, nº 1, do NCPC, se os documentos
particulares existentes nos autos e o teor da aludida inspecção, em que o
recorrente baseia a sua impugnação factual, não conseguirem impor decisão
diversa, por destituídos de força probatória plena;
v) A razão de ser da impossibilidade em usucapir uma servidão não aparente,
que não se revela materialmente em termos inequívocos, reside na
preocupação legal de se evitar tal constituição em situações em que a
actuação/posse é exercida por mera tolerância do dono do dito prédio
serviente ou, até, sem que este dela tenha conhecimento;
vi) Não se provando existir qualquer sinal visível e permanente (trilho em terra
batida ou calcada), com a localização e configuração indicada pelos
requerentes no requerimento inicial, a partir do prédio dos requeridos e até aos
seus prédios não é possível constituir-se, por usucapião, a respectiva servidão
de passagem.
IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, confirmando-se a decisão


recorrida.
*
Custas a cargo dos recorrentes.
*
Coimbra, 27.9.2016
Moreira do Carmo ( Relator )
Fonte Ramos

Maria João Areias

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