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Pedagógicos e
Aprofundamentos
Autor: Prof. Mário Luiz Miranda
Colaboradores: Profa. Vanessa Santhiago
Prof. Marcel da Rocha Chehuen
Professor conteudista: Mário Luiz Miranda
Natural de São Paulo, é mestre em ciências, desde 2012, pela Escola de Educação Física e Esporte da Universidade
de São Paulo (USP) e graduado, em 2004, em Educação Física na Universidade Paulista (UNIP), onde atua como
coordenador pedagógico, desde 2006, e professor nas disciplinas de Aprendizagem e Desenvolvimento Motor e Lutas:
Aspectos Pedagógicos e Aprofundamentos, da qual é o líder acadêmico. Exerce docência para cursos de pós-graduação
na disciplina de Teoria de Aprendizagem Motora, por meio de Ensino a Distância (EaD) em Instituição de Ensino Superior
(IES): Estácio de Sá, Universidade Municipal de São Caetano do Sul e Grupo Ser Educacional, na Universidade Maurício
de Nassau. Seus principais trabalhos publicados versam sobre: A iniciação no Judô: relação com o desenvolvimento
infantil; Efeitos do uso da instrução verbal e demonstração por vídeo na aprendizagem de uma habilidade motora do
Judô; estudos de prática formalizada de kata (rotinas de aprendizagem de golpes da modalidade de Judô), com título
Práctica y caracterización de las katas por profesores y árbitros de Judô experimentados, Psychological, physiological,
performance and perceptive responses to Brazilian Jiu-Jitsu combats e livro sobre Respostas psicofisiológicas da
arbitragem de Judô: efeitos da experiência dos árbitros e do nível das competições. Também participou da elaboração
dos livros-texto do curso de EaD da UNIP nas disciplinas de Crescimento e Desenvolvimento Humano e Aprendizagem
e Desenvolvimento Motor. É árbitro internacional de Judô pela Federação Internacional de Judô e atua como
coordenador e palestrante de cursos de arbitragem pela Federação Paulista de Judô.
CDU 796.8
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
permissão escrita da Universidade Paulista.
Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Comissão editorial:
Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
Apoio:
Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
Projeto gráfico:
Prof. Alexandre Ponzetto
Revisão:
Kleber Nascimento
Vitor Andrade
Sumário
Lutas: Aspectos Pedagógicos e Aprofundamentos
APRESENTAÇÃO.......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO............................................................................................................................................................7
Unidade I
1 LUTAS NO ESPORTE EDUCAÇÃO....................................................................................................................9
1.1 Definições................................................................................................................................................. 10
1.1.1 Lutas...............................................................................................................................................................11
1.1.2 Artes Marciais na Antiguidade........................................................................................................... 12
1.1.3 Defesa Pessoal e as Artes Marciais na atualidade...................................................................... 15
1.1.4 Modalidades de Esporte de Combate.............................................................................................. 27
2 LUTAS, ARTES MARCIAIS E AS MODALIDADES DE ESPORTE DE
COMBATE NA EDUCAÇÃO ATUAL.................................................................................................................. 32
2.1 Contato corporal natural humano: brincadeiras turbulentas............................................. 32
2.2 Diferenças entre briga e Luta........................................................................................................... 35
3 FUNDAMENTOS TÉCNICOS DAS LUTAS................................................................................................... 38
3.1 Princípios de domínio e de confronto.......................................................................................... 45
4 LUTAS NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO FÍSICA....................................................................................... 53
4.1 Jogos de Combate................................................................................................................................. 57
4.2 Bullying e as Lutas................................................................................................................................ 60
4.3 Lutas e interdisciplinaridade............................................................................................................. 63
4.4 O papel do profissional de Educação Física e as Lutas.......................................................... 64
4.5 Lutas brasileiras...................................................................................................................................... 66
4.5.1 A Capoeira................................................................................................................................................... 66
4.5.2 As Lutas africanas.................................................................................................................................... 78
4.5.3 Outras Lutas indígenas brasileiras..................................................................................................... 79
4.6 Ensino nas Lutas.................................................................................................................................... 82
4.6.1 Aprendizado motor em Lutas............................................................................................................. 83
4.6.2 Psicomotricidade nas Lutas................................................................................................................. 86
4.6.3 Classificação das tarefas motoras nas Modalidades
de Esportes de Combate e Artes Marciais................................................................................................. 89
Unidade II
5 LUTAS NO ESPORTE PARTICIPATIVO......................................................................................................... 97
5.1 Segurança pessoal no uso cotidiano............................................................................................. 98
5.2 Segurança pública e a prática participativa nas Lutas........................................................100
5.3 Lutas e a promoção da saúde........................................................................................................102
5.4 Idosos e as Lutas..................................................................................................................................105
5.5 As Lutas virtuais...................................................................................................................................110
6 LUTAS E RECREAÇÃO....................................................................................................................................116
6.1 Lutas na recuperação de dependentes químicos...................................................................122
Unidade III
7 LUTAS NO ESPORTE DE RENDIMENTO...................................................................................................130
7.1 O estudo da Biomecânica nas Modalidades de Esporte de Combate............................132
7.1.1 Os deslocamentos nas Modalidades de Esporte de Combate............................................ 135
7.1.2 Capacidades motoras condicionantes e suas consequências............................................. 137
7.1.3 Equilíbrio nas Modalidades de Esporte de Combate...............................................................141
7.1.4 Torque e alavancas nas Modalidades de Esporte de Combate........................................... 142
7.2 Aspectos fisiológicos nas Modalidades de Esporte de Combate.....................................148
7.3 Perda deliberada de peso.................................................................................................................154
8 MEDIDAS E AVALIAÇÃO EM MODALIDADE DE ESPORTE DE COMBATE...................................155
8.1 Medidas fisiológicas...........................................................................................................................156
8.2 Medidas subjetivas..............................................................................................................................157
8.3 Avaliação de medidas motoras e físicas....................................................................................158
8.4 Metodologia de treinamento para Modalidades de Esporte de Combate...................159
8.4.1 Periodização............................................................................................................................................ 162
8.5 Lesões nas Modalidades de Esporte de Combate...................................................................163
8.6 Arbitragem nas Modalidades de Esportes de Combate.......................................................165
8.7 Características psicológicas.............................................................................................................167
APRESENTAÇÃO
Desse modo, a disciplina caminhará para introduzir elementos de construção de importantes valores
da área da Educação Física e esportes: discorrerá sobre aspectos relacionados às ciências humanas, isto é,
entender o comportamento humano diante do aprendizado e exercício das Lutas, e as ciências naturais,
ou seja, a compreensão no emprego dos elementos de natureza anatômica, mecânica e fisiológica na
prática das Lutas.
A disciplina visa dar suporte à formação integral do universitário e versará de modo abrangente a
tudo que se relacione ao universo das Lutas.
INTRODUÇÃO
A humanidade tem se deparado com as Lutas desde os tempos mais remotos. Atualmente elas
estão cada vez mais difundidas no contexto social, econômico, político e esportivo. Assim, a disciplina
Lutas vem ao encontro da necessidade de o futuro professor se envolver com a aplicação de seus
fundamentos nas aulas de Educação Física para iniciação esportiva, lazer, promoção e conscientização
da saúde, autoconhecimento e de alto rendimento esportivo, e relacioná-los com elementos sociais,
educativos e o progresso individual e coletivo.
O conteúdo a ser oferecido nesta publicação transcorrerá por associação com outras áreas do
conhecimento humano, pois abordaremos a filosofia e a sociologia das Lutas, a classificação motora e
o aprendizado expansivo de seus gestos técnicos, os estudos biomecânicos, a aplicação dos princípios
básicos da fisiologia e da metodologia de treinamento para os praticantes de Lutas. O leitor vai encontrar
subsídios para formalizar um acervo importante sobre história, origens, metodologias de instrução
formativa, preparação generalizada e fundamentos científicos que permitam sua atuação nas áreas
de introdução técnica-esportiva das Lutas e, adicionalmente, a captação do universo de informações
acadêmicas necessárias para sua futura especialização em aplicação desportiva competitiva.
Portanto, é essencial que no Ensino Superior de Educação Física se possa analisar a disciplina de
Lutas em um conjunto abrangente de aplicações (DEL VECCHIO; FRANCHINI, 2006).
A dimensão e as especialidades das Lutas são tamanhas e exigem adaptações particulares para o
seu estudo e compreensão. Logo, vamos direcionar três unidades específicas para nossa apresentação:
1º) as Lutas no contexto do Esporte Educação – formação e iniciação esportiva, vinculada ao princípio
do desenvolvimento esportivo e à construção da cidadania; 2º) do Esporte Participativo – recreacional e
saúde e, por fim, 3º) do Esporte de Rendimento – competição e preparação esportiva profissional.
7
Observação
Usaremos AEC para nos referir a Antes da Era Comum e EC para Era
Comum. A Era Comum se inicia com o ano I do calendário gregoriano.
Observação
8
LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Unidade I
1 LUTAS NO ESPORTE EDUCAÇÃO
Primeiramente se faz necessário relembrar a definição de Esporte Educação e seus aspectos mais
contemporâneos e, para isso, vamos discorrer de forma breve sobre o aparecimento de atividades
esportivas humanas.
O esporte (ou as atividades pré-esportivas) é um fato real, que aconteceu de modo indispensável
na sociedade humana desde os tempos mais remotos. Em especial, o nascimento do esporte combativo
decorreu, essencialmente, da necessidade do ser humano em sistematizar os movimentos instintivos
da Luta, da espontaneidade corporal, e se fundamentou nas vertentes primitivas da natureza humana
relativas à manutenção de sua própria sobrevivência.
É fato que para chegarmos aonde chegamos como sociedade organizada, o enfrentamento prévio
com predadores foi constante, e graças à manifestação da inteligência o ser humano se sobressaiu
de modo incomparável diante de todas as ameaças que o colocavam em risco de se transformar em
alimento de animais maiores e carnívoros. Além disso, a organização social e o desenvolvimento de armas
auxiliaram bastante no estabelecimento de uma posição mais confortável frente aos seus inimigos mais
imediatos. Na verdade, podemos descrever essas manifestações corporais de defesas e ataques como
atividades pré-esportivas, pois elas não eram estruturadas para servirem aos domínios político, social,
econômico e cultural como se fazem presentes na sociedade contemporânea.
Adiante vamos ampliar esse tema sobre o esporte e as Lutas relativas às sociedades mais antigas e
discorrer sobre as artes e modalidades que se destacavam nas mais distintas civilizações. O importante
agora é trazer a compreensão de que, a partir das práticas de atividades pré-desportivas combativas,
sempre existiu a prevalência de alguém, por ser o mais forte, aquele muito mais rápido ou ao mesmo
tempo o mais competente. Segundo Campbell e Moyers (1990), o ser humano não consegue seguir
sozinho as suas aventuras pela vida, ele segue a trilha do herói para encontrar a sua própria experiência.
A partir de então, houve condições para práticas organizadas em eventos de modalidades bastante
aguerridas, umas muito brutais e outras mais brandas, com intenção de se encontrar sentido na
participação do confronto como parte da existência e chegar ao êxtase como exemplo a ser seguido.
Desse modo, houve a continuidade da utilização, então sistematizada e direcionada do esporte para o
enaltecimento da vitória, do troféu e da diferenciação entre “maiores” – ou vencedores e “menores” – os
derrotados. Paralelo a isso, ocorreu a comparação, pela coletividade em geral, de que essas conquistas
esportivas eram realizadas por heróis sobre-humanos. Tal fato permaneceu por longo tempo, desde os
combates dos Jogos Olímpicos na Grécia Antiga e Clássica. Em seguida, nas disputas dos gladiadores
romanos, passando pelas competições cavalariças medievais na Idade Média, os eventos e disputas
violentas acontecidas durante a Revolução Industrial, chegando aos tempos modernos, novamente com
9
Unidade I
os Jogos Olímpicos da Era Moderna, no fim do século XIX, até os Jogos contemporâneos, nos idos da
década de 1970.
Lembra Tubino (2010) que é notório que a globalização e o desenvolvimento social e econômico
salientaram a importância da prática de atividades físicas para a saúde e, além disso, houve o
reconhecimento do esporte como valioso instrumento de fomento social para o ser humano. Essas
afirmações se fizeram constantes na Carta Internacional de Educação Física e Esporte (UNESCO, 1976),
independente das práticas de rendimento esportivo até então conhecidas e exaltadas na sociedade.
No Brasil, essa determinação, aliada à Constituição Brasileira de 1988, a qual estabeleceu o direito às
práticas esportivas formais e não formais para todos os cidadãos brasileiros, provocou o entendimento
do desporto para além do rendimento competitivo, ampliando seu conceito para o emprego como
esporte lazer/saúde – ou Esporte Participativo e também como Esporte Educação, de tal modo que
se aflorou o esporte para a concepção socioeducativa, isto é, o de direcionar para a constituição da
cidadania, da coeducação, promover a cooperação e solidariedade, além de estar comprometido com o
espírito e desenvolvimento esportivo (TUBINO, 2010).
Ressalta-se que o esporte educacional volta-se essencialmente para crianças e adolescentes e pode
ser exercido por meio de atuação escolar: curricular ou extracurricular, nas comunidades e instituições
não governamentais. Ademais, concebe-se e deve-se ter atenção especial por intermédio da iniciação
esportiva em clubes e academias, respeitando-se essencialmente de modo acadêmico e científico o
espectro desenvolvimentista de promoção cognitiva, psicossocial e física desses indivíduos.
Assim sendo, o Esporte Educação faz parte do contexto profissional do qual o professor de
Educação Física deve se inteirar. É de sua total responsabilidade colaborar na constituição integral do
ser e portanto usar a disciplina de Lutas como mais um excelente instrumento para contribuição na
formação infantojuvenil.
Como se verá nesta publicação, as Lutas abrangem uma ampla ação motora, incentivam o desenvolvimento
afetivo-emocional, a construção da reflexão e juízo de valor e a ascensão para a Educação Física.
Iniciaremos fazendo uma distinção importante do uso do termo Lutas, Artes Marciais e Esportes de Combate.
Lembrete
1.1 Definições
Na nossa sociedade ocorre a utilização bastante ordinária do termo Lutas, mostrando significação
de algo, cujo resultado a ser alcançado se deverá ao confronto irracional, gerando violência e causando
prejuízo para outrem, além de dar sentido de ação, que requererá o uso de algum poder de imposição
e choque com valores desumanos. Além disso, é comum haver uma mistura de significados cujas
10
LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
colocações nas descrições literárias, acadêmicas, revistas, blogs, sites e jornais trazem alguma desordem
quanto ao seu emprego correto e compreensão, em especial se confundindo com as atividades de
Modalidades de Esporte de Combate e das Artes Marciais. Dessa maneira, faremos uma diferenciação
e padronização acadêmica para atribuir adequadamente as disposições, as classes e os estudos que
serão discutidos nesta publicação. As classificações e categorias sugeridas para distinguir os nomes das
atividades exercidas por meio de combates corporais ou com armas auxiliarão extremamente o juízo e
o aproveitamento das Lutas na educação, na saúde e no esporte.
1.1.1 Lutas
Segundo Mahatma Gandhi (1948), “A alegria está na Luta, na tentativa, no sofrimento envolvido, e
não na vitória propriamente dita”.
Lutas indicam prontidões que se caracterizam por serem de confronto, seja corporal, seja mesmo de
embate da retórica, alcançando até aquelas que visam pretensões sócio-político-profissionais e as que
exigem posicionamentos de ideias e sentimentos. Em geral, as Lutas se associam a conquistas eficientes,
atingindo objetivos determinados, sem que haja fundamentalmente a preocupação com a derrota do
adversário, mas sim em atingir o seu próprio êxito. Os escrúpulos são de ordens restritas ao contexto e
nível humano dos participantes da contenda, subjuga-se o oponente e debela-se sua resistência para se
atingir o sucesso. O mais importante é vencer, e não necessariamente acabar com seu adversário.
Para se dar um exemplo concreto para o uso da palavra Luta com a intenção de se vencer, mas
não de abater o oponente, citam-se os animais que Lutam pelo acasalamento, tomadas de liderança
e domínio de território para a proteção à prole, exemplo: “Os elefantes mais jovens Lutaram para
destronar o animal mais velho do armento” ou “Os hipopótamos Lutam ferozmente contra a invasão
de seu território, e nenhum outro animal se atreve a se aproximar quando estão vigilantes”, “Ursos
Lutaram pela fêmea, o perdedor abandona a região e vai procurar outra oportunidade de perpetuar seus
genes”. Nos jornais e revistas também se encontram repetidamente descrições que mencionam o termo
Luta. De acordo com UOL Notícias (2009), coloca-se o vocábulo como procedimento para se atingir
determinado sucesso, assim apresentado: “O documento contempla uma série de melhoras na Luta
contra a imigração irregular, que buscam aprofundar os instrumentos de prevenção, aumentar a eficácia
dos procedimentos de repatriação e a melhora das garantias nas diferentes situações”. Na política, o uso
da palavra Luta é muito comum, como no modelo político-educativo citado por Rui Barbosa: “Quem
não Luta pelos seus direitos, não é digno deles”. A palavra induz a um significado amplo de buscar e
conquistar algo, mas não necessariamente exterminar seu opositor. É comum verificar-se que políticos
disputam uma votação e ao fim quem vence diz-se que lutou muito para conquistar os votos da maioria.
Outro exemplo que designa com propriedade sua compreensão está contido na seguinte descrição:
“Mesmo com condições climáticas desfavoráveis, o piloto lutou para dominar o avião e conseguiu fazer
uma aterrissagem segura, salvando todos os tripulantes”. O termo Luta assume a realidade de ser usado
como jornada, trabalho, conquista, determinação e atitude.
oponente direto e proveitosa para a sociedade. Relembrando Aristóteles, descrito por Guthrie (1998),
faz-se uma livre associação da definição de Luta compreendendo a utilização do conceito de ethos:
caráter moral e identidade de preservação universal da vida, do logos: racionalidade na validade dedutiva
e do pathos: emotividade humana como caminho participativo, e não somente como condicionamento.
Observação
O emprego corporal na história humana é bastante efetivo, pois nos primórdios da humanidade
restava apenas o próprio corpo como dispositivo para práticas e enfrentamento de ameaças à
sobrevivência. Devido à evolução humana, à concepção das estruturações sociais, à formação de
grupos e ao aparecimento de ferramentas e armas como pedras lascadas, lanças e dos recursos de
cordoaria, o ser humano conseguiu se estabelecer com solidez e provar sua eficiência frente aos
grandes inimigos e predadores.
Vai-se reforçar e se apresentar a definição de arte marcial em duas etapas bem distintas: a primeira
parte desde AEC, que se inicia no conhecimento histórico dos primeiros arranjos das civilizações que
visavam as necessidades que se faziam presentes para sobrevivência social, até quase meados do século
XIX. Essa indicação continua a partir do fim dessa época para os dias atuais.
12
LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Como já se mencionou, as Artes Marciais eram ações coordenadas para serem usadas na guerra,
ou seja, metodologias específicas para organizar, empreender e participar de atividades de combate
territorial, corporal e plenamente armamentista, por meio de esquadrões que representavam interesse
político, ideais religiosos e econômicos de estados e soberanos. Em geral, os governos e seus executivos
procuravam expandir seus domínios para poder prover condições de manutenção de seu poder, liderança,
perpetuação monárquica e também oferecer condições de sustentação de seus reinos. Outros objetivos
como a cobiça mandatória, a escravatura, o enriquecimento dos monarcas e a defesa da pátria eram
motivos bastante usados para se guerrear e organizar movimentos militares.
O mais antigo documento histórico já angariado sobre prélios humanos é a “Estela de Abutres”,
bloco monolítico de pedra, que se encontra no museu do Louvre em Paris, cujas inscrições retratam a
primeira guerra registrada, por volta de 2.525 AEC, no qual constam detalhes de planejamento e disputas
ferrenhas. Essa peleja aconteceu na província de Lagash, antiga região da Suméria, que, segundo as
inscrições lidas sobre a rocha, travava guerras contra a cidade de Umma, por captação de água e para
aquisição de terras cultiváveis (COOPER, 1983; MELLA, 2004).
Observação
A figura a seguir mostra uma parte da escultura achada, a qual descreve também o tratado de paz
acordado depois da vitória do rei Eannatum de Lagash sobre a cidade de Umma.
Figura 2 – Estela de abutres: bloco monolítico de pedra retratando a guerra e o acordo entre as cidades
de Lagash e Umma. Museu do Louvre, Paris
13
Unidade I
Muito conhecido e divulgado na atualidade, pode-se ressaltar, para justificar o termo Arte
Marcial, o livro A Arte da Guerra, de Sun Tzu, que foi um general chinês que viveu, segundo alguns
documentos, nos idos de 500 AEC, junto ao rei Ho Lu, no reinado da era WU (CLAVELL, 1983). Naquela
época, esse chefe militar, líder incontestável, deixou registros que davam diretrizes bastante seguras
para selecionar e treinar soldados, planejar, deixando bem concebidas as atividades guerreiras
e as marchas a serem efetuadas de acordo com as próprias vontades, necessidades estratégicas e
disposições inimigas.
Conforme assinala Sun Tzu, na paz era preciso se preparar para a guerra e, na guerra, preparar-se
para a paz. Desse modo, os estudos bélicos ou a constituição da “Arte Marcial” eram fundamentais para
o Estado, para o ser humano e, por fim, questão de vida ou de morte! (CLAVELL, 1983).
Mais adiante, na sociedade ocidental, o vocábulo Arte Marcial se relaciona às atividades exercidas
com os mesmos propósitos já delineados no parágrafo anterior, e com a mesma epistemologia, isto
é, designação de artimanhas específicas para as estratégias bélicas. Contudo, o termo é ainda muito
demarcado pela mitologia grega, já que essa crença dispunha especificamente de deuses da guerra
– Atena, feminina e estratégica e Ares, masculino e impetuoso, reconhecido principalmente em
Esparta. Outras culturas e religiões se manifestaram também cultuando deuses que representavam
a incursão guerreira, por exemplo: as divindades Odin e Thor, da mitologia nórdica, o deus Ogum,
da mitologia iorubá (vinda da África – dos países da República do Benim e da Nigéria). Do mesmo
modo, a divindade Belona, juntamente com o deus Marte, responsáveis pela guerra e pelas armas,
aparecem na mitologia romana, os quais surgiram como substitutos dos deuses Atena e Ares,
respectivamente, por terem dado sequência natural da mescla de mitologias grega e romana. Do
nome do deus Marte deriva o vocábulo Marcial.
Portanto, o procedimento técnico e tático para o combate era condição natural e bem estabelecida
na sociedade humana. Guerrear significava planejamento, logística, coordenação de movimentos da
armada, operações de direcionamento de recursos financeiros, e táticas de posicionamento, ataque e
defesa, isto é, estudos muito profundos, conhecimento do inimigo, de seu território, de seus costumes,
geografia, número de soldados etc. Obviamente o termo arte tem relação com magnitude, excelência e
intensidade, por essa condição o designativo composto Arte Marcial se consolidou, então, em tempos
antigos como o sinônimo de a excelência para a guerra.
14
LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Embora bem ilustrado e se relacionando com a literalidade, o termo Arte Marcial foi acomodado
por outras vertentes sociais e sofreu alterações substanciais em sua acepção e deve-se seguir adiante e
explicitar a segunda etapa que altera seu significado relativo ao emprego atual, contribuindo para a melhor
categorização do termo. Para isso, faz-se uma colocação referente à Luta como Defesa Pessoal, ou seja, o
uso organizado de ações de combate para a própria conservação da vida e segurança física e emocional.
O ser humano se defendeu sempre com o uso de suas próprias atribuições e possibilidades. Procurou
usar seus membros superiores e inferiores e outras partes corporais, como a boca e a cabeça, de modo
a imobilizar, afastar, dominar, refrear e também se proteger de acometimentos que o colocavam em
perigo de sobrevivência, detrimento de território, perda de sua prole e ameaça à sua liderança. A essas
ações chamamos de Defesa Pessoal. Assim sendo, a Defesa Pessoal se relaciona diretamente com o
emprego corporal e ao uso de armas que visam à própria segurança e de seus familiares e amigos, além
do grupo ao qual pertence ou ao qual era designado por obrigação ou vontade própria.
15
Unidade I
Essas práticas de defesa corporal e uso de armas derivam basicamente de duas vertentes, bem
generalizadas, que parecem muito similares, mas que contêm diferenças importantes para que possamos
definir a segunda etapa do significado atual do termo Arte Marcial. Essas vertentes de classificam em:
Lutas ocidentais e Lutas orientais.
As Lutas ocidentais são vastamente documentadas por meio da arqueologia e de seus estudos
antropológicos e encontradas em pinturas rupestres e esculturas. Segundo Levinson e Christensen
(1999), desde a época dos sumérios na Mesopotâmia, por volta de 3000 AEC, encontram-se em afrescos
Lutadores que parecem estar Boxeando.
Os egípcios também são relatados por Doberstein (2010) como exímios guerreiros treinados em
armas e competências corporais de Lutas desde a época do faraó Djoser, da terceira dinastia, que reinou
entre 2737 e 2717 AEC.
López (2011) descreve que a civilização dos egeus na antiga Creta usava as Lutas como preparação
guerreira e educacional, por meio de Jogos de Combate com os punhos fechados; elas ficaram conhecidas
pelos achados do sítio arqueológico de Tera, em Santorini, atual Grécia, nos quais se encontraram várias
esculturas e afrescos. A mais divulgada dessas pinturas apresenta a figura de dois meninos se golpeando,
remanescente da época compreendida entre 1700 e 1500 AEC, e parecia ter conotação de preparação
educativa e também guerreira, pois os meninos usavam luva em apenas uma das mãos; uma delas
golpeava e a outra servia apenas para se defender.
Em seguida, encontram-se os gregos, povo no qual as Lutas eram parte integrante e faziam parte da
educação militar para defesa incansável da nação e das comemorações pelas boas colheitas (SCANLON,
2014). Além disso, ressalta-se a importância dos Jogos Olímpicos. Os documentos acerca dos referidos
16
LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Jogos gregos citam as Lutas de Boxe, a Luta olímpica e o Pankration Athlima – Pancrácio esportivo –
como o auge das competições na Grécia Antiga. Esta modalidade possuía poucas regras (eram proibidas
as mordidas e os ataques aos órgãos genitais e aos olhos), no entanto deveriam ser rigorosamente
cumpridas, caso contrário o infrator era execrado publicamente e em muitas ocasiões expulso da cidade.
Os vencedores eram venerados pela força, pela inteligência e determinação e o público os relacionava
aos mitológicos personagens Héracles (Hércules, de força descomunal) e Teseu (personalidade perspicaz,
ágil e significativamente potente). Esses deuses e semideuses eram considerados heróis que serviam
como modelo da aventura humana, da participação e construção da vida.
Figura 5 – Ânfora grega mostrando Héracles e a Luta contra o centauro Nesso entre 625-600 AEC. Museu arqueológico de Atenas
Figura 6 – Escultura de mármore do semideus Teseu Lutando contra o Minotauro de Étienne-Jules Ramey – Jadins de Tuileries, Paris,
França, 1828
17
Unidade I
As Lutas assumiram grande importância na educação grega, em especial na Era de Alexandre III, O
Grande (356-323 AEC), no extenso império macedônico, pois, além de fazerem parte do treinamento
militar, estendiam-se para o fortalecimento físico, na construção do corpo belo e harmonioso, e propiciava
o afloramento da inteligência estratégica, política e tomada de decisões rápidas. Esse conceito se aliava ao
ideal de educação clássica baseada na paideia, que visava à formação integral do estudante por meio de
disciplinas como ginástica, Lutas e exercícios físicos, matemática, filosofia, história, geografia e gramática.
Essa educação fundamentava o ser na sociedade na qual se vivia e as Lutas eram estudadas para que se
pudesse verificar especialmente como se podia alcançar a aretê, ou seja, a virtude e a excelência no trato
social. Na época era inegável a necessidade de se prover bons cidadãos para o desenvolvimento da pátria,
além de que pudessem se estabelecer diante de tantas ameaças vindas de inimigos que constantemente
desejam invadir seus territórios. Assim, a Defesa Pessoal era direcionada para a preparação do indivíduo e o
estudo das artes da Luta visava o entendimento do uso das suas capacidades físicas e habilidades para se
alcançar um estado de prontidão social e guerreira, enfim, a defesa da pátria igualmente.
Portanto, naquela época, pelo estudo das Lutas e pela interatividade na sua prática, – surgia a ética
no uso dos próprios potenciais corporais–, pois para se Lutar, é necessário ao menos que dois oponentes
se coloquem em posições antagônicas. A Defesa Pessoal implicava a justificação do próprio ser humano.
Saiba mais
Dando continuidade ao pensamento para explicar o termo Arte Marcial para a atualidade, trazem-
se algumas considerações acerca das Lutas orientais, famosas pela sua eficiência motriz e plasticidade
corporal. Essas Lutas provenientes das regiões asiáticas do planeta se destacavam por serem consideradas
as precursoras de sistemas de Defesa Pessoal, pois eram vistas como propriedades individuais para a
busca da segurança individual.
De acordo com Ohlenkamp (2003), compilado pelo comando do exército imperial japonês no ano
720 EC, documentam-se as disputas de Lutas de força do torneio de “Chikara Kurabe”, ocorrido em 230
AEC. Esse documento parece sugerir, por estudiosos e pesquisadores, que essa Luta foi protagonista
dos primeiros estágios embrionários como predecessora das resultantes que chamamos de Sumô e de
Jujutsu (atualmente chamada de Jiu-Jitsu – técnica suave) e com o emprego estratégico e formativo na
preparação de soldados. Veja a seguir as figuras que retratam as referidas Lutas.
18
LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Figura 8 – Jiu-Jitsu
Por sua vez, é muito divulgado, quase que por unanimidade entre os praticantes de Lutas asiáticas,
que as origens das Lutas e Artes Marciais de Defesa Pessoal derivam de estudos, práticas e disseminação
promovidas pelo monge chamado Bodhidharma (Damo), tendo sido documentada sua aparição no
templo budista Shaolin na China, em 527 EC (ASHRAFIAN, 2014). A lenda ou o fato da criação dessas
ações de grande precisão corporal por Bodhidharma se relaciona à ocorrência de muitos saques aos
templos budistas, e ataques corporais aos monges, que viviam entre os arredores da Pérsia e da Índia.
Assim sendo, ele decidiu que haveria de ter uma maneira de defender os víveres e pertences dos
monásticos contra os bandidos e salteadores. Muito provavelmente, cita Ashrafian (2014), Bodhidharma
estudou as técnicas da Luta Kalaripayattu – ações sistematizadas de Lutas corporais encontradas na
Índia desde o ano 600 AEC (MIGUEL, 2011). Ainda nos lembra Ashrafian (2014) que se dá crédito a
Bodhidharma nas documentações encontradas no templo Shaolin à criação de ações corporais de
19
Unidade I
Portanto, a Defesa Pessoal se estabeleceu como necessidade para se enfrentar a cobiça e a ganância,
e é importante lembrar que as Lutas instituídas nessas regiões cultivaram a condição de que a habilidade
é fator determinante para se contrapor à força exagerada. Consolidou-se a compreensão de que o uso
da força deve ser muito bem aproveitado para não se desperdiçar energia, garantindo o êxito da própria
segurança contra ofensivas baseadas em tamanho ou força estúpida.
Por sua vez, as Lutas orientais proporcionavam ao indivíduo uma maior compreensão da natureza
que o rodeava e que o entendimento das atuações das forças naturais e sua aplicação por intermédio
das estruturas anatômicas corporais causariam a conquista da habilidade de se preservar e garantir
a própria sobrevivência. A integração com a natureza mostrava-se imensamente importante, pois
o indivíduo aprendia a usar recursos corporais que o levavam à imaginação e à ponderação e o
instigavam a analisar e pesquisar sobre o próprio corpo e seus movimentos, garantindo êxito e
grande precisão motriz.
Antecipação, agilidade, agudeza, reação instantânea, posicionamento e esquivas corporais são essenciais
para permitir que os movimentos humanos se transformem em ações com grande sofisticação anatômica
devido à excelência na combinação articular para execução de golpes e técnicas de contundência,
projeção e domínio. Ao mesmo tempo, essa prática tão especial desperta reflexões interessantes: Para
conseguir desempenho, tenho que enfrentar minhas dificuldades e ainda neutralizar as ações de meu
oponente; preciso de um oponente que vai permitir a descoberta de minhas deficiências; necessito
descobrir a mim mesmo, saber como posso usar minha corporeidade da melhor maneira possível;
preciso compreender meus erros e corrigi-los. Todas essas obrigações levam o indivíduo a uma maior
percepção de suas capacidades físicas, motoras, afetivas e intelectuais.
Várias especialidades de Lutas criadas para serem usadas por combatentes nas inúmeras batalhas
militares da civilização foram sistematizadas em práticas específicas para se atingir a descoberta do
próprio ser, favorecer a construção de indivíduos com grande capacidade de autocontrole e concentração,
conscientes de seus deveres e promotores dos direitos de todos e atuar de modo cortês e ético. Pode-
se citar o Judô, o Karatê, o Aikido, sistematizados no Japão, o Hapkido, na Coreia, o Tai chi chuan, na
China, e a Yoga, da Índia, como Lutas que vieram para ajudar seus praticantes a aprender e descobrir a
si mesmo, promover a saúde, o desenvolvimento social e psicomotor do indivíduo.
Portanto, atualmente, Artes Marciais integram uma significação compreendida por atividades físicas
específicas de combate corpóreo e uso de armas com vasta plasticidade física, estratégia de movimentos
precisos e contundentes com fins de definição vital, concomitantemente ao fortalecimento espiritual
e autodomínio, abalizadas por filosofia própria, isto é, a busca da sabedoria e estímulo à reflexão e ao
aprofundamento das relações humanas.
O emprego das Artes Marciais e sua aplicação atual são estritamente voltados para: bem-estar,
autoconhecimento, formação do caráter, meditação, busca de equilíbrio interior, ampliação das relações
sociais e motivação do desenvolvimento cognitivo (MIGUEL, 2011).
Chega-se à conclusão que em alguma ocasião, considerando-se os casos mais diversos, existirão
vulnerabilidades para o ser humano. Por mais que se adotem meios para se evitá-las, no embate das
Lutas os adversários podem colocá-las à prova ou prepararem estratagemas que exponham a natureza
falível do ser humano. O exercício das Lutas, em especial das Artes Marciais, consente que se evidenciem
demandas e pressões que ponham à mostra essas fragilidades e deixem o indivíduo mais acautelado
e mais seguro em si próprio e nas suas relações sociais. As Artes Marciais ensinam a construir os mais
distintos valores psicossociais: autocontrole, respeito mútuo, descoberta de potencialidades, aceitação
de diferenças, empatia e reconhecimento da importância de seu adversário para o seu progresso.
21
Unidade I
As Lutas que originaram as Artes Marciais se distinguiram como os ambientes que mais permitiram
interferências religiosas, filosóficas e contemplativas, distanciando-se de suas raízes originais, as quais
a definiram primeiramente como “Excelência para a Guerra”, para depois tornarem-se processos de
autoconhecimento, interação na sociedade e comportar a ampliação do desenvolvimento do ser humano
nos aspectos físicos, emocionais e cognitivos.
As Artes Marciais sugerem condutas bastante específicas de comportamento e exigem que seus
praticantes as sigam com determinado rigor. A sua introdução prática ocorreu, sobretudo, por meio de
academias especializadas e por terem em seus comandos instrutores ou, como preferem ser chamados,
mestres. Esses mestres foram direcionados por seus antigos mentores, os quais receberam heranças
muito fortes de movimentos filosóficos e religiosos, que envolveram procedimentos bem peculiares.
Desse modo, muitos princípios, rituais e valores das Artes Marciais provieram de axiomas fundamentados
por pensadores importantes como Buda, Confúcio e Lao-Tsé, cujas máximas foram amplamente aceitas no
contexto político-social de determinadas épocas. Os rituais e seus fundamentos estabeleceram comportamentos
humanos bastante aprazíveis, cuja importância é inegável na formação do ser (CAMPBELL; MOYERS, 1990).
Além da preocupação máxima no emprego apropriado das técnicas de ataques, defesas e esquivas por seus
praticantes, a ritualização e os protocolos impostos pelas práticas filosóficas, religiosas e mitológicas, a execução
das Artes Marciais envolvia, profundamente, o respeito à ética humana, em especial à vida!
De maneira generalizada, aprende-se nas Artes Marciais a Lutar para se evitar o conflito!
Portanto, a prática se sistematizou, acima de tudo, nos dogmas de preservação da vida. O indivíduo
deve batalhar para dar prosseguimento à racionabilidade sincera e à sua sobrevivência, acolhido por uma
educação compassiva, direcionada e austera, que o faça atingir os ideais humanos, isto é, a construção
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
da harmonia e sintonia para se evitar o confronto desnecessário entre seus semelhantes; Lutar para
evitar a violência própria do caráter animal primitivo e integrar o sujeito ao universo.
Assim, as Artes Marciais, devido às mais diversas extensões humanas, organizaram-se para estruturar
meios de resguardo da paz, da harmonia e da defesa de alicerces de sobrevivência humana, como
o direito à propriedade/território, o bem comum, a organização da convivência social, dos interesses
coletivos e o progresso do ser.
Países como Índia, China e Japão e regiões como a península coreana foram fortemente influenciados
por movimentos religiosos e filosóficos como Hinduísmo, Budismo, Xintoísmo, Confucionismo e Taoísmo.
Cada qual desses movimentos afetou, com maior ou menor alcance, o ambiente de organização política
e social dessas sociedades e a reformulação das Lutas de guerra comuns naquelas regiões (SUGAI, 2000).
Sabe-se que a religião Hindu é muito antiga, registrada por estudiosos a partir de 6000 AEC. Porém,
os documentos mais conhecidos provêm das circunscrições deixadas nos Vedas (os mais antigos textos de
tradições religiosas da Índia), escritos em 1500 AEC são base do Hinduísmo, formados por mantras, hinos,
orações, mágicas, encantos e rituais. Os fundamentos mais sintéticos do Hinduísmo apregoam o uso da
Yoga (também conhecida como Ioga), como prática de exercícios físicos que implicavam a meditação e
unificação corpo-mente para a busca da iluminação da consciência. Anteriormente, os primeiros monges
indianos, conhecidos como ascetas, que já se encontravam estabelecidos em anos mais antigos que esses
já mencionados, já proclamavam e exerciam a austeridade do corpo para treinamento de disciplina e
autodomínio. Os exercícios deveriam levar ao autoconhecimento, ao controle das emoções, a não violência, à
superação de adversidades e concentração mental. Além disso, eram usados como treinamentos de posições
que possibilitavam defesas opostas aos ataques de invasores do corpo e da alma, isto é, a constante Luta
interna contra seus temores.
O Budismo surgiu na Índia com Siddhartha Gautama (448-368 AEC) e propagou essencialmente
ideias de destemor ao perigo, desapego material e desprendimento, isto é, o servir incondicionalmente
ao próprio ser humano.
23
Unidade I
O Xintoísmo apregoou de maneira relevante o respeito à pátria, à sua terra, a lealdade para com
seus antepassados e a consideração aos valores morais como a reverência e a educação nas relações
humanas, em especial o respeito à individualidade. Data-se a sua criação no mandato do imperador
nipônico Jimmu, em 660 AEC.
O Confucionismo foi uma organização filosófica social, com grande repercussão na China,
creditada a Confúcio (Kung Fu Tsu, 551-479 AEC), pensador e filósofo chinês. Seus aforismos, e a sua
implantação respectiva, resgataram a estruturação da sociedade chinesa e consentiram uma época de
amplo progresso para a civilização desse país, avanço nas relações entre as pessoas, fundamentada na
educação, formação de conceitos de importância da família, estímulo ao esforço como instrumento
para alcançar conquistas e valorização do mérito. Além disso, os procedimentos de organização social
de Confúcio inseriram o conceito de hierarquia e respeito aos mais idosos e para aqueles que possuíam
maior instrução e eram responsáveis pela educação nas escolas. A alfabetização era obrigatória e
os professores eram venerados e reverenciados como denodos imprescindíveis da formação de uma
sociedade justa e humana. Valores como benevolência, honradez e honestidade faziam parte da
sociedade entusiasmada com os pensamentos gerados por Confúcio. Altruísmo e ritualização dos atos
cotidianos canalizavam as afinidades entre todas as classes sociais – “Não faças ao outro aquilo que
não queres que façam a ti”, aforismo que pressentia a ética da reciprocidade fundada por esse filósofo
chinês. Confúcio teve oportunidade de vivenciar parte da era das Primaveras e Outonos, entre 722-481
AEC, com grande desenvolvimento da instrução matemática, das ciências naturais e humanas, culturais
e avanços tecnológicos na China, ainda mais difundidos e fundamentados pelos ensinamentos desse
mestre (SUGAI, 2000).
A composição do equilíbrio de forças entre o ser humano e o universo foi a doutrina de aprofundamento
da sabedoria buscada por Lao-Tsé. Esse filósofo chinês criou o conceito do Zen, ou do encontro do vazio
da existência humana, com o axioma: interação com a natureza e o cosmo. A sua sabedoria impôs o
preceito de que o ser humano é composto de forças negativas e positivas, que devem continuamente
estar equilibradas para evitar as disfunções emocionais, físicas e mentais. Os samurais adotaram normas
tais como as preconizadas por Lao-Tsé, descritas nesse ditado: “Uma espada deve ser usada sempre para
se conseguir manter a honra, e a maior honra de uma espada é causar o efeito a que se aspira de justiça,
mas sem precisar ser desembainhada de seu lugar de repouso” (LAO-TSÉ, 2004, p. 16).
Também foi usada a frase de Sun Tzu, tirada do livro A Arte da Guerra: “A suprema arte da guerra é
derrotar o inimigo sem Lutar” (CLAVELL, 1983, p. 26).
Lao-Tsé também assentou o conceito de que as atividades humanas não podem e não são
encaminhadas somente pela lógica racional, e sim pela imprevisibilidade: o ser humano deve de modo
imperativo compensar, permanentemente, suas atitudes, em acordo com seus semelhantes. Nas Artes
Marciais orientais, transformadas em Modalidades de Esporte de Combate, verifica-se claramente
que, por mais que se estude a tática do adversário e tente se prognosticar tudo o que dele poderá
surgir, acontecem verdadeiros arranjos surpreendentes, cujas ações e reações serão sucessivamente
imprevisíveis, o que transforma esses combates em importantes demonstrações de intensa capacidade
de adaptação cognitiva e emocional.
24
LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Saiba mais
Segundo Gardner (1995), o ser humano parece dispor de múltiplas inteligências, no caso sete distintas:
musical, linguística, corporal-cinestésica, lógica-matemática, espacial, interpessoal e intrapessoal, as
quais se manifestam de maneiras diferentes e podem se conjugar por meio das capacidades genéticas
próprias associadas aos estímulos ambientais e culturais. Ele propõe também que as inteligências são
independentes e os indivíduos podem revelar diferentes capacidades intelectuais, cujas atuações podem
se conjugar em uma ou mais dessas inteligências.
A capacidade de agudeza linguística provém da estrutura biológica do ser humano em mostrar algum meio
de comunicação inerente da capacidade filogenética humana. Porém, seu aprimoramento depende muito dos
estímulos de escrita, leitura, debates, discussões orais, declamativas, retóricas que favoreçam a formação de
estrutura de linguagem, sintaxe, semântica e criatividade literária, oral e poética (JOHNSON, 2010).
As extensões filosóficas e religiosas citadas anteriormente, aliadas às práticas efetivas nas Artes
Marciais, proporcionam abrangentes mecanismos de constituição mental e afetivo-social sobre
seus praticantes. Esses mecanismos se apresentam densamente vinculados à formação de múltiplas
inteligências, dentre elas as que mais se destacam são: a cinestésica-corporal, a intra e a interpessoal,
ou emocional, a inteligência lógica e a de noção de orientação espaçotemporal.
certo e evitar as tentativas imaginárias. O avaliar é baseado em experiências já vividas e as reações são
bem organizadas e eficientes. A prática de movimentos bem precisos leva em consideração a eficácia
da ação e provoca a concepção de séries motrizes bem claras e com grande poder resultante. O estudo
anatômico e as posições físicas mais vulneráveis, bem como a utilização da máxima variação nos graus
de liberdade musculoarticular provocam a estruturação única de raciocínio coerente e sistemático. As
Artes Marciais possuem movimentos complexos, porém fundamentados em combinações corpóreas
específicas. Ao mesmo tempo, têm regras de conduta e ritualização sequencial que permitem seguir
normas e padrões que incentivam a reflexão de atitudes. A dedução lógica é construída pela reatividade
exigida pela proposta de combate corporal e exercício de resolução de problemas instantâneos e
imediatos, construindo princípios importantes para aprendizagem da tomada de decisão. Antecipação de
movimentos pela dedução de resultantes corporais ao se contextualizar a conjunção de ações do oponente
também exerce entusiasmo intelectual e provoca o desenvolvimento de reações predeterminadas que
evitam riscos e previnem o fracasso.
A seguir podem-se observar duas figuras obtidas do livro Judô Kodokan (2008), que mostram
princípios da física dinâmica de alavanca, formada pelo contato específico característico do Judô,
necessário para a projeção do adversário. Essas ações coordenadas são provocantes oportunidades de
formação das inteligências lógica dedutiva e cinestésica-corporal.
a) b)
26
LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Conseguir manter o autocontrole, mesmo nas condições mais desfavoráveis, por exemplo, recebendo
acometimentos ofensivos, de ordem anatômica ou até psicossocial e mostrando capacidade de superação
da presença do outro sobre seu campo de conforto e privacidade situacional é uma das qualidades humanas
mais admiráveis. O indivíduo que pratica Artes Marciais se distingue na construção do autocontrole, pois
alcança capacidade de suportar as mais duras ofensas e ataques, de modo a absorvê-las completamente,
recuperar seu centro e equilibrar as forças que o desestabilizaram. Suplanta seus medos, controla seus
instintos e evita o conflito desnecessário. Ao ser atacado, não reage intempestivamente, mas acostuma-se
a analisar fria e rapidamente a situação e retoma sua posição de equilíbrio, mantém-se lúcido e racional,
tomando a decisão mais favorável. Chama-se isso de contenção emocional. Essa inteligência lida com os
aspectos internos da própria reorientação mental, isto é, a inteligência intrapessoal e com os aspectos
que provêm de atitudes de interatividade pessoal, ou seja, a inteligência interpessoal. Nas Artes Marciais,
respeita-se para ser respeitado. Muitas vezes se deve ceder para vencer; controlar impulsos e brandir seus
instintos de tal modo a agir para se alcançar o resultado que contemple a preservação da vida, do controle
da situação, do domínio emocional e o alcance da harmonia pelo estabelecimento da racionalidade.
As competições atléticas na Antiguidade sempre tiveram como objetivo celebrar algum acontecimento,
perpetuar o nome de antepassados, promoverem a paz entre os povos e agradecer pelas colheitas e condições
climáticas que davam segurança e estabilidade social. O maior evento esportivo humano organizado atingiu
27
Unidade I
sua máxima realização por meio dos Jogos Olímpicos gregos. Havia as modalidades “leves”: corridas com
cavalos, as ginásticas, as corridas atléticas e corridas com o porte de armas e depois as modalidades “pesadas”:
as Lutas, “pale”, em grego. Essas Lutas, ou melhor, agora designadas como Modalidades de Esporte de Combate,
eram disputadas com grande intensidade e muito apreciadas pela população.
Segundo Poliakoff (1987), baseado nas obras literárias do filósofo Lucius Flavius Philostratus
(170-250 EC), sofista da época de domínio imperial romano conhecido como Philostratus de Lemnos, a
principal competição dos Jogos Olímpicos realizada na Era Antiga e na Grécia Clássica helenística eram
as Lutas. Como já mencionado anteriormente, o pugilismo, a Luta livre olímpica e principalmente o
Pancrácio – Pankration Athlima, em grego – Modalidades de Esporte de Combate referenciadas nos Jogos
Olímpicos a partir de 648 AEC. Essas Modalidades se tornaram o clímax das competições e mostravam ao
povo helênico não apenas um vencedor, mas um herói que havia conquistado a glória pelo uso do corpo
como instrumento de submissão ao seu adversário. No trabalho chamado Imagines, de Philostratus de
Lemnos, e posteriormente complementado por seu sobrinho Philostratus de Atenas, conhecido como o
Jovem, a multidão delirava em apupos e aplausos ao vencedor e o aclamava como um super-homem.
Ambos os Philostratus afirmam que a vitória na competição dessas Modalidades de Esporte de Combate
não era obra do acaso, e sim produto de árduos treinamentos com foco nas habilidades de sujeição física,
no uso perspicaz da força, em estratégias de atuação, respeito ao adversário e concentração descomunal
em objetivos determinados (POLIAKOFF, 1987). Essas descrições já demonstram a estruturação das Lutas
como modalidades organizadas e reconhecidas como atividades de grande interesse público.
Obviamente, as contendas eram legitimadas por regulamentos específicos. Apesar de haver poucas
regras no Pancrácio, deviam-se respeitar as normas de não morder o oponente, jamais atacar seus olhos
e tampouco investir contra os órgãos genitais. No edital de todos os Jogos Olímpicos estava determinado
que fosse proibido matar seu adversário e essa regra era muito importante nas Lutas, pois os combates
corpóreos eram muito intensos e causavam contusões e lesões extraordinárias (YALOURIS, 2004).
Figura 15 – Estátua de Milón de Crotona, cópia da obra de Pierre Puget, São Paulo: seis vezes campeão olímpico de Lutas nos 60º, 62º
e 66º Jogos Olímpicos gregos
28
LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Figura 17 - MMA: as semelhanças entre ambas as Modalidades de Esporte de Combate são bastante evidentes
Assim, o conceito de competição, agôn, próprio da cultura grega, que estabelecia a norma de que
sempre se pode ser melhor, espalhou-se e formalizou o Esporte de Rendimento, presente em diversas
Modalidades de Esporte de Combate.
Figura 18 – Estátua de pugilista, cópia romana, século I d.C. (Idade Augusta), coleção BNL, Roma
Nos Jogos Olímpicos contemporâneos, ainda fazem parte do programa uma parcela considerável de
Modalidades de Esporte de Combate. A sua participação envolve 25% do total de medalhas distribuídas
nos jogos, mostrando a importância dessas disputas no interesse olímpico.
Ilustrando a riqueza de disponibilidades de Lutas ao se pesquisar sobre esse tema, suas origens e
aplicação, encontram-se muitos tipos e variações de combates, os quais foram fundamentados em
culturas e práticas sociais as mais distintas. A seguir apresentamos dois quadros com algumas Lutas, Artes
Marciais e Modalidades de Esporte de Combate, com seus nomes mais comuns no ocidente e no oriente
e com suas possíveis origens, sugerindo algumas observações gerais relativas ao seu aparecimento ou
documentação arqueológica e/ou histórica:
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Turquia
Yağli güreş (Luta turca ou Luta de Séc. XI – tártaros
azeite)
Península Coreana Tae kwon do, Hapkidô, Tsangudô General Choi – ano de1955 EC
Sul da China/Vietnã
Vietnã/Laos/Camboja Viet vo dao, Quankido, Ving Tsu
(Winchun) Sra. Yim Wing Chun, após o ano 1733
(destruição do templo Shaolin)
Filipinas/Indonésia/Arquipélago Malaio
Kali Silat/Arnis de Mano/Eskrima/ Na Indonésia, chama-se Pencat Silat
Dumog
Índia Yoga, Kalaripayattu, Gatka Ano 600 AEC
Defesa Pessoal militar
Israel Krav Maga
Criador Imi Lichtenfeld, 1940 da EC
Uzbequistão/Irã/Pérsia Kurashi Ano 1000 EC
Mongólia Bayiridax e Bökh Séc XIII, Genghis Khan
Maoris – instrumentos de agricultura
Nova Zelândia Mau Räkau – mitologia
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Unidade I
A Educação Física é área fundamental de orientação e formação de indivíduos para que exerçam
atitudes cidadãs, possam ser protagonistas da busca de seu conhecimento em todos os espectros de
atividades humanas, sejam elas científicas, filosóficas, culturais ou sociais. Além disso, ela deve servir
para que o sujeito tenha condições de entender sua atuação em sociedade, que seja um ator influente
no exercício da cidadania e para que possa exigir seus direitos de maneira a alcançar suas demandas
por meio da atuação reflexiva, persistente, ponderada e no âmbito da lei e da humanidade. A disciplina
de Lutas se interliga diretamente a esses conceitos e por isso é parte primordial complementar para
manifestar a gênese educacional essencial para a construção de indivíduos comprometidos com
altruísmo, benevolência, bem-estar social, econômico, cultural e principalmente a convivência pacífica.
Pelas razões expostas, vai-se considerar, nesse momento, como se fundamenta a aplicação das Lutas
por meio da Educação Física no contexto educacional, em qualquer âmbito da sociedade.
A essência humana é construída por uma incessante capacidade de Lutar em vários campos de
expressão corporal. Como os animais, somos moldados para enfrentar situações que possam determinar
nossa sobrevivência. Apesar de dependermos mais de nossos genitores e ascendentes nos primórdios
de nossa existência do que a maioria dos animais em geral, determinados atos são constitutivos de
nosso crescimento e desenvolvimento. Algumas aproximações corporais frequentes e com contato
físico intenso são usuais entre as crianças e parecem divertir e trazer componentes desenvolvimentistas
importantes para a socialização e as autodescobertas.
Vejam as figuras a seguir que comparam essas atividades entre animais e humanos:
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Figura 22 – Duas crianças brincando de Lutar (Severin Nilsson, Nordiska Museet, Suécia, entre 1880/1910)
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Unidade I
Não se pode deixar de destacar que as crianças, espontaneamente, mostram atividades de contato
corporal com tentativas de domínio físico, de supremacia corpórea e de agitação corporal com
empurrões, agarramentos e até contatos contundentes. Manifestações de jogos de força, desequilíbrios
e abarcamentos são bastante comuns. Elas são classificadas como brincadeiras turbulentas, próprias
da irrequietude infantojuvenil. A característica principal dessas revelações animadas e de intensidade
controlada entre seus participantes apresenta o afloramento do sorriso e da diversão (MORAES; OTTA,
2003). Outro fator importantíssimo é que a brincadeira começa de modo lúdico, isto é, espontâneo e
fluente, sem imposições.
Deve-se aproveitar dessa característica natural que provém das crianças e púberes, estudantes dos
ciclos fundamentais e médios nas escolas, e associar o desenvolvimento dos melhores atributos da
disciplina de Lutas como questão para a ampliação e construção de valores psicomotores e psicossociais.
Brincadeiras turbulentas são atividades de grande solicitação imediata e promovem vários disparos de
impulsos nervosos para se solucionarem problemas advindos da própria situação, não necessariamente
esperada, mas que provoca uma instantânea sensação de poder ou de limitação, contudo sem que se
possa sentir perdido ou que não se espere a cooperação do companheiro.
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
As ações executadas nas brincadeiras são livres de ferramentas, instrumentos ou necessidade de regras
rigorosas, mas também são conjuradas de comum acordo em momentos que levam a circunstâncias
bastante divertidas e aproveitáveis. O potencial de prejuízo ou possíveis lesões se dilui pelas próprias
relações de afinidade. Despontam autolimitações instintivas pelo entendimento mútuo das condições
de corporeidade próxima.
Essa disposição do ser humano em manter contato corporal favorece a compreensão de que se podem
diferenciar situações em que não há controle emocional daquele que se estabelece como calculado e
lógico. Assim, no próximo item se fará uma distinção essencial entre os conceitos de briga e de Luta,
fundamental para a compreensão do emprego das atividades de Lutas no universo educacional esportivo.
Muitas situações cotidianas parecem trazer à tona sentimentos exasperados provindos de desgoverno
emocional e total falta de racionabilidade.
A sociedade atingiu circunstâncias críticas de envolvimento quase que exclusivas para a sobrevivência
contemporânea, com o trabalho assumindo papel de intensa pressão e cobrando frequentes resultados
dos indivíduos.
As brigas configuram ações tomadas por quem sofreu sequestro emocional, isto é, perdeu a noção
de se colocar no lugar do outro e assume uma identidade que toma conta do seu ser, um sentimento
impulsivo que domina a razão (GOLEMAN, 1996).
Em suma, brigar é uma atitude bruta e incivil, desprovida de coerência e baseada em sentimentos,
isto é, aparece por intermédio das perdas racionais; a emoção toma conta do que se faz, sem qualquer
justificativa razoável.
Usualmente vemos em competições de Jiu-Jitsu painéis e faixas com os seguintes dizeres: “Quem Luta
não briga”. Essa máxima de origem pública se estabeleceu até como lema de projetos sociais por meio
da prática de esportes recreativos com professores de Tae kwon do e o Karatê, além de outros esportes
de combate e Artes Marciais. Tal pensamento surge da institucionalização da regra de conduta, na qual
o respeito ao oponente em qualquer situação deve ser o ponto primordial do relacionamento humano,
o domínio dos anseios deve ser permanente e o autocontrole exercido na sua mais profunda empatia.
Aqui a regra principal é ceder para vencer, ousar, porém saber dosar, portanto, prevenir o conflito é
um modo inteligente de se Lutar. Evitar a desordem e manter a propriedade emocional traz condições
de reflexão e tomada de decisão adequada, correspondente ao círculo equitativo da razão. Como nos
lembra Aristóteles (1973), “A verdade está no justo meio”. O ser deve se envolver veementemente em
seu meio social e buscar a veracidade das relações humanas através da reflexão pura. A Luta é racional,
a briga é emocional. Na briga age-se por instinto e obtêm-se resultados desastrosos, em que o indivíduo
submerge a si mesmo e se arrasta para atitudes sem precedentes e com total ausência de ponderação,
trazendo consequências muitas vezes irrecuperáveis. Brigas por desejos e pensamentos que se formam
como dogmas pessoais se transformam em batalhas públicas com consequências desastrosas, como se
podem ver nas brigas de torcidas nos estádios.
Em muitas das Modalidades de Esporte de Combate, como no Judô Olímpico e no Tae kwon do, e
em todas as Artes Marciais que preservam as tradições mais clássicas, é obrigatória a saudação inicial e
final, salientando a ligação de respeito, ética e aceitação das regras estabelecidas entre os combatentes.
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Aqui se lembra que não se está Lutando contra alguém, mas se está lutando com alguém. As regras
do combate devem ser seguidas à risca para o bom entendimento e desenvolvimento de ambos os
Lutadores. O respeito traz a consideração e compreensão de que ambos estão desempenhando suas
melhores qualidades, dentro das regras, e sempre nos mais altos valores éticos e humanos. Sabe-se
que hoje você pode vencer, porém amanhã poderá ser a vez de seu adversário. O que vale não ter mais
ninguém para medir seu desempenho? Como poderei melhorar se não tenho desafios?
As Lutas têm trazido aos seus praticantes a clara capacidade de se manter e aprender o autocontrole,
caso contrário se admitirá enfrentar situações irreversíveis de perda de domínio e desarranjo emocional,
sem possibilidade de recuperação. É fácil imaginar que um Lutador de Boxe ou de Tae kwon do aprende
37
Unidade I
a suportar constantes percussões sobre suas faces. Caso ajam por instinto e reajam a um soco de
maneira estabanada, vão, seguramente, tomar mais um soco decisivo, porque não conseguem visualizar
e racionalizar as condições de enfrentamento e, por conseguinte, perderão a Luta. Esses atletas se
preparam, não brigam, mas sim Lutam, e procuram refletir sobre todos os abalos sofridos e igualmente
acerca de seus costumes. A prática de Lutas ajuda a preparar seus praticantes a suportarem as pressões
que provêm do aprendizado das próprias Lutas e suas maneiras de enfrentamento.
O estudo de Lima (2000) menciona que a prática do Wushu (Kung Fu) nas escolas provoca maior
aproximação nas afinidades sociais, como empatia, sociabilidade e respeito interativo. Outra pesquisa
importante que vale a pena referendar aqui é a de Diniz e Del Vecchio (2013), que mostra que a prática do Tae
kwon do, no projeto “Quem Luta não briga”, da secretaria municipal da cidade de Pelotas – RS, proporciona
comportamentos positivos em relação ao exercício de relacionamento humano como: consideração pelos
mais velhos, irmãos, pais, aumenta a tolerância frente às diferenças, melhora a convivência por meio de
demonstração de maior solidariedade e a redução significativa da agressividade verbal e física nas escolas.
Cada Modalidade de Esporte de Combate, Arte Marcial ou Lutas em geral demonstram movimentos
corporais bastantes variados e próprios. Eles são chamados de fundamentos técnicos, gestos técnicos ou
técnicas de combate. As técnicas de combate mudaram de acordo com os objetivos a serem alcançados
e se basearam em situações estudadas, treinadas e utilizadas ao longo da história humana, e foram se
aprimorando conforme as necessidades de cada povo, civilização ou sociedade. Os gestos de combate
são tantos quantos se podem empregar na combinação articular do corpo humano e que tenham por
finalidade atingir, dominar, envolver, imobilizar, recuperar-se no confronto, bater, golpear, constringir,
segurar e limitar a ação do adversário. Esses fundamentos incluem o uso de todas as partes do corpo
por si, sejam membros superiores, inferiores à cabeça e tronco ou aliadas com implementos – armas que
produzam efeitos extensivos que venham ao encontro dos objetivos da modalidade ou da Luta. Em resumo,
os gestos técnicos devem levar à função primordial buscada nas Artes Marciais e modalidades esportivas
de combate: tirar o equilíbrio do oponente e manter o próprio equilíbrio durante toda a disputa.
Assim, podemos relacionar algumas técnicas empregadas em Lutas corporais em geral: quedas
controladas, socos, chutes, esquivas, cotoveladas, cuteladas, pegadas, estocadas, joelhadas, cabeçadas,
abraçadas, restrições articulares, estrangulamentos, imobilizações corporais, projeções, rasteiras,
pontapés etc.
As quedas controladas são práticas de aterrissagens específicas, que têm como objetivo principal a
proteção dos órgãos vitais. Seus três princípios fundamentais são:
• A ampliação da área de contato corporal com o local de queda, cuja ação visa minimizar a pressão
e o impacto e, assim, distribuir a energia da projeção recebida pelo corpo.
• A recuperação do equilíbrio para aprumar o corpo perante o oponente a fim de trazer a melhor
posição de defesa ou contra-ataque e, desse modo, retomar sua posição na Luta.
Observe algumas quedas controladas nas figuras a seguir, verifique que elas podem ser variadas
à frente, de maneira direta ou por meio de rolamentos, lateralmente ou para trás. Serão mostrados
exemplos de prática de quedas controladas comumente treinadas no Judô, no Jiu-Jitsu e no Aikido.
No primeiro quadro, mostram-se somente quedas controladas efetuadas para trás, iniciando-se com
as práticas a partir da posição sentada, depois agachada e por fim em posição totalmente ereta em pé.
No segundo quadro, apresentam-se as quedas de modo lateral e frontal direta e com o rolamento do
corpo; tais quedas devem ser feitas com ambos os lados, aumentando o domínio corporal do praticante
e ampliando sua segurança e confiança.
39
Unidade I
As Modalidades de Combate e Artes Marciais que mais se utilizam das quedas controladas são: Judô,
Jiu-Jitsu, Aikidô, Luta Greco-romana, Luta Livre Olímpica – Wrestling, Karatê, Sumô, Sambo, Schwingen
– Luta suíça, Kurashi, Glima (Islândia e países nórdicos), Bayiridax (Mongólia) e Luta Turca.
Socos, cuteladas e dedadas são ataques efetuados com as mãos, ou parte final da extremidade
superior do braço, sobre seu adversário, ou até mesmo o cúbito, no caso das cotoveladas. Usa-se a parte
hipótenar, o punho cerrado, isto é, a flexão total de todas as falanges proximais, médias e distais, as
partes internas ou externas laterais da mão com o dorso estendido, a parte frontal dos dedos também
com o dorso distendido e com as falanges médias e distais flexionadas.
A força do soco provém da somação de energia cinética desde o movimento de flexão dos tornozelos,
rotação do quadril e tronco, circundução do ombro e extensão do braço. A rotação do tronco soma
maior eficiência do soco, aumentando em até 40% a sua potência. A musculatura que concentra essa
energia cinética é a do tríceps.
40
LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
As cuteladas efetivadas pelo contato súbito e incisivo da parte exterior da mão produzem efeitos
devastadores na região da cabeça e do pescoço, como se fosse uma faca cortante, bem como as joelhadas
e cotoveladas. Veja a seguir figuras que demonstram alguns dos fundamentos aqui mencionados.
41
Unidade I
Os chutes e pontapés são acometimentos efetuados com os pés e também as pernas. Podem ser de
modo frontal, lateral, semicircular, por detrás (coice) e com saltos. Executa-se com o calcanhar, com o
dorso do pé, com a região plantar, ou mesmo com os ossos da tíbia e fíbula. Consta a seguir um exemplo
de chute lateral com a região plantar, na Modalidade Tae kwon do.
Pegadas e abraçadas são técnicas de segurar o corpo ou o uniforme do oponente para que se
estabeleça a Luta em si. No Judô e no Jiu-Jitsu, é obrigatória a pegada para que se caracterize a Luta. Na
Luta Greco-romana e no Wrestling, as pegadas são efetuadas corporalmente. A seguir constam algumas
outras ações técnicas das Lutas: a pegada pelas mãos no corpo do Lutador de Luta Greco-romana com
abraçada simultânea, a imobilização do Judô, a pegada no judogi, uniforme de Judô, e a simultânea
projeção no Judô, além do estrangulamento no Jiu-Jitsu.
42
LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
43
Unidade I
Lembrete
Esquivas e fugas são desvios corporais para afastar, evitar ou aproveitar-se dos golpes adversários. A
ginga da Capoeira é considerada um modo de preparação de escape dinâmico dos ataques do oponente.
Os movimentos pendulares dos Lutadores de Boxe, os giros corporais no Judô, do Wrestling e do Sumô
são exemplos de esquivas eficientes e que se configuram em uma maneira de enfrentamento bastante
hábil e de alta qualidade técnica corporal.
Ainda nas modalidades cujo uso de armas é permitido, verificam-se fundamentos técnicos como o
possível corte, a perfuração e as estocadas, porém não mais efetivas no sentido de serem causas para
letalidade, pois se empregam uniformes e equipamentos de proteção bastante eficientes. Esportes como
a Esgrima e o Kendô apresentam essas técnicas de toques por implementos.
44
LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Como se percebe, com certa facilidade de compreensão, há as mais distintas Lutas praticadas
no mundo todo. Cada qual possui muitos elementos próprios de ações de contundência, de
constrição, de supressão ou eliminação, desse modo fica difícil estabelecer uma metodologia de
ensino que possa ser tão densa e tão técnica no âmbito da Educação Física e da iniciação esportiva.
O aprofundamento técnico é muito abrangente, devido à grande complexidade de movimentos e
combinações que se estabelecem para o exercício das Lutas, de tal maneira que se possam aprender
todos os pormenores de cada uma. Desse modo, ressalva-se que o aprimoramento técnico exige
muitos anos de prática e dedicação, precisando de capacitação física e motora aliada às habilidades
necessárias para cada modalidade esportiva de Lutas. O refinamento na execução e autonomia de
movimentos exige grande dedicação, muitas horas de prática, repetição, aperfeiçoamento, estudos,
conhecimento intenso e experiência.
Assim, desponta a questão: como ensinar Lutas no âmbito da Educação Física? Sabe-se e fica evidente
que nas grades curriculares dos cursos de Educação Física não há tempo suficiente para se examinar
todas as Lutas, praticá-las a fundo e com a determinação que exigem para obter o seu requinte. Por essa
razão, organizaram-se alguns conjuntos de estudo para que se pudesse atender uma gama compreensiva
de Lutas, sem a necessidade de se concentrar em uma única modalidade.
O agarre demonstra o envolvimento corpóreo entre os lutadores de modo que se tomem para si os
segmentos corporais, imobilizando e restringindo sua atuação natural, fazendo com que o oponente
não possa se livrar do controle imposto pela atuação segura e imponente. Os fundamentos que se
alinham a esse princípio são: as pegadas, as puxadas, as empunhaduras, os empurrões, as abraçadas,
as projeções, os arremessos, os estrangulamentos, as restrições articulares (torções), as imobilizações,
os aprisionamentos, os apertos e os enlaces. Ele é executado tanto com os membros superiores como
com os inferiores, além do tronco, e também por intermédio de suas possíveis combinações. O uso de
implementos é raro, mas podemos citar cordas e faixas como possíveis elementos para enrolar partes
corporais e causar efeitos de enlaces, aprisionamentos e estrangulamentos.
O toque é constituído por fundamentos técnicos bastante intensos, porque procuram desestabilizar
o lutador antagonista, efetuando-se movimentos incisivos contra o corpo do adversário. Os toques
visam percutir com tamanha dimensão, causando choque ou uma colisão efetiva contra quem se está
45
Unidade I
Lutando. Mãos, dedos, pés, pernas, joelhos, cabeça, cotovelos e ombros são protagonistas de ações de
toques, bem como o uso de espadas, facas, clavas, lanças, chicotes e outros implementos.
Varreduras, por sua vez, são gestos técnicos particulares efetuados com as mãos, os braços, os pés
e as pernas e procuram colocar os adversários no solo de tal maneira que eles sejam disseminados
ao chão, sendo arrematados, perdendo seu equilíbrio rapidamente. Nelas observa-se que a caída do
lutador, em geral, é em decúbito dorsal, como se fosse cortado por uma foice de um trabalhador rural
e, assim, assolado de costas, a exemplo dos lavradores, que ceifam a cana-de-açúcar e os caules caem
subitamente. Os lutadores que recebem uma varredura eficiente perdem o equilíbrio tão rapidamente
sem poder saber como caíram, apenas percebendo que foram lançados ao solo de modo imediato e
sem mais tempo suficiente para se restabelecer. As rasteiras, as ceifadas e os arrastes são os golpes mais
característicos desse princípio de domínio.
A seguir pode-se ver uma rasteira em pé, da Capoeira e uma ceifada com as mãos, usada no Judô,
Karatê, Jiu-Jitsu, MMA e Luta Livre Olímpica – Wrestling, fundamentos técnicos que se caracterizam por
meio do princípio de domínio da varredura.
46
LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Observe o quadro a seguir que relaciona os princípios de domínio, suas características, os fundamentos
mais comuns e alguns exemplos de Modalidades de Combate que as utilizam.
Durante uma confrontação, sabe-se que seu oponente deve ser atingido ou dominado, mas ao mesmo
tempo seu adversário está procurando o mesmo contra você. Portanto, durante o embate medem-se
habilidades para o correto emprego de forças, técnicas, posicionamentos e muda-se a maneira de se
opor às dificuldades enfrentadas.
Nas Lutas, Modalidades de Esporte de Combate, Artes Marciais e Defesa Pessoal os combatentes
podem se valer de recursos corporais próprios ou instrumentais específicos para a disputa.
A propriedade agonística dos combates pode ser realizada de maneira a enfrentar oposição corporal
direta – uso do próprio corpo como instrumento de ofensiva e defensiva, ou oposição indireta – por
meio de dispositivos e instrumentos próprios da modalidade (espadas, bastões, nunchaku, varas, lanças,
cordas etc.).
São exemplos de modalidades de enfrentamento por meio de oposição corporal direta: Judô, Karatê,
Wrestling, Sumô, Tae kwon do, Muay Thai, Savate, Boxe, Jiu-Jitsu etc. Já a Esgrima, o Kendô, o Nunchaku
e a Luta de bastões são alguns gêneros que envolvem o enfrentamento por intermédio da oposição
corporal indireta.
O enfrentamento nas disputas corporais é fundamentado em três pilares competitivos, que são
utilizados de acordo com as características de cada Lutador e da tática e adequabilidade a ser executada
durante o combate, os quais determinam atitudes bastante evidentes para quem observa a contenda.
O primeiro são os ataques ou acometimentos, assinalados por golpes decisivos e com intenção de se
obter imediato sucesso competitivo. Competidores que preferem investir contra o oponente possuem
estratégia de Luta associada à sua agressividade contundente; creem que unicamente empregar
o golpear intenso é a melhor maneira de causar dissabores ao opositor e acabar com o confronto
rapidamente. Exemplos de Lutadores que possuíam esse jeito de afrontar seus adversários eram o
americano Mike Tyson, campeão mundial no Boxe, o turco Servet Tazegul, medalhista olímpico do Tae
kwon do, o holandês Ramon Dekkers, campeão mundial do Muay Thai e o judoca brasileiro, medalhista
olímpico, Tiago Camilo, que se lançavam veementemente contra seu adversário, deferindo com sucesso
uma quantidade de golpes abundantemente elevada.
O segundo alicerce do enfrentamento são as defesas e os bloqueios, os quais são atos de proteção
contra as agressões recebidas, pois interpõem a continuidade da ação de ataque, evitando que atinjam
sua finalidade. Os bloqueios objetivam descontinuar a ação do opositor e assim proteger e possibilitar o
próprio resguardo físico. Os bloqueios inutilizam os ataques.
Lutadores que se valem dessa prática de defender e bloquear se apropriam de uma estratégia de
cautela adequada às suas possibilidades físicas e técnicas, preferindo causar dificuldades aos atacantes
ao impedir suas ações, até que percebam alguma falha e por meio de contra-ataques consigam executar
um golpe crucial. Lembramos do judoca brasileiro, bicampeão mundial de Judô, João Derly, o qual se
utilizava de bloqueios e defesas primeiramente para depois aplicar um golpe fulminante no adversário.
Também o americano Muhammad Ali, campeão mundial dos pesos-pesados do Boxe, cujos bloqueios
extremamente precisos contra seus adversários ficaram marcados na história, como na Luta contra Joe
Frazier, em 1975, em Manila, nas Filipinas. Ainda acentuamos Natália Falavigna, competidora brasileira
48
LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
de Tae kwon do medalhista mundial e olímpica, que usava com muita propriedade as defesas para
depois desferir o contra-ataque.
Enfim, Lutar é enfrentar pressões imediatas e contínuas. Para tal, é preciso grande capacidade
motora física condicionante, competência motora coordenativa de movimentos, preparação psicológica,
estratégica e o poder de adaptabilidade instantânea. Todas essas características, considerando-se
aspectos táticos, foram assumidas de modo a se configurar como princípios de confronto.
Observação
realizada, pois a aproximação ou o afastamento entre os Lutadores está sujeito aos golpes que podem
ser efetuados, às regras da modalidade e às defesas e esquivas possíveis de serem efetuadas. Lutas,
Modalidades de Esporte de Combate, Defesa Pessoal e Artes Marciais nas quais o envolvimento corporal
exige muita proximidade entre os combatentes, por exemplo, as de agarre, caracterizam-se pelo princípio
de confronto como de curta distância. Já as modalidades que empregam os toques com os segmentos
corporais, como mãos, braços, pés e pernas se distinguem por serem designadas pelo princípio de
confronto de média distância e, ao se empregarem armas e implementos como uma extensão corporal,
para atingir seu oponente, trazem a marca do princípio de confronto de longa distância. Veja a seguir
algumas figuras com exemplos dos princípios e as modalidades respectivas.
50
LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Obviamente um Lutador treina e se dedica para aprimorar suas qualidades mais proeminentes e
procura diminuir suas deficiências em algumas das condições de enfrentamento aqui descritas.
51
Unidade I
Constam a seguir imagens que mostram esquivas e bloqueios que foram bem-sucedidos.
52
LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Considera-se que a utilização dos princípios de domínio e de confronto das Lutas, Artes Marciais
e Modalidade de Esporte de Combate constituem uma gama bem variada de fundamentos técnicos
e o seu emprego no esporte exige grande responsabilidade, porque podem causar danos importantes
naqueles que recebem seus ataques e são atingidos.
Sabe-se que no esporte de hoje as competições são conduzidas por regras muito rígidas e as lesões
e prejuízos são circunscritos às situações mais acidentais e à falta de preparo esportivo do que pela
atividade em si. Vamos discutir isso mais adiante ao apresentarmos a terceira unidade relativa ao esporte
competitivo, pois lembramos que nesta primeira unidade deste livro-texto se está preconizando as Lutas
no Esporte Educação. Assim, chegamos a um ponto de questionamento: como usar todo esse vasto
espectro de possibilidades motrizes, psicossociais, cognitivas e suas combinações a fim de proporcionar
a compreensão dos elementos das Lutas para a educação e formação aos seus aprendizes e iniciantes?
A seguir serão apresentados dados para direcionar o profissional da Educação Física a examinar
possibilidades da utilização de elementos das Lutas, Artes Marciais e Modalidades de Esporte de Combate
e Defesas Pessoais para contribuir na construção educacional.
O esporte escolar brasileiro aponta para ser importante instrumento de ativação a fim de
intervir a favor do desenvolvimento humano. Veja a declaração contida no portal do ministério do
esporte brasileiro:
53
Unidade I
Valores como o mérito obtido pelo esforço, respeito pelos seus próximos, criação de autonomia,
a construção do conhecimento e exercício da cidadania, com plena consciência de seus deveres
e consumação de seus direitos são qualidades do ser humano que devem ser, permanentemente,
praticadas na aplicação da disciplina de Educação Física, trabalhando o corpo pelo movimento (BRASIL,
1997). Como é possível usar as Lutas como meio educacional no mundo atual? Veja a descrição contida
no PCN da Educação Física:
Figura 46 – Cabo de guerra: combate coletivo para tirar o equilíbrio da equipe adversária
O criador do Judô, mestre Jigoro Kano, teve por norma que as Lutas consistiam a melhor maneira de
realizar uma atividade física educacional, se devidamente organizadas e com elementos que permitissem
a seus praticantes as executarem sempre em segurança, sobretudo por trazerem noções essenciais ao
desenvolvimento físico, cognitivo e psicossocial (MIRANDA, 2004).
54
LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
As Lutas seriam a base da Educação Física, em sua concepção primeira como atividade física para
tornar o corpo saudável. Ao se exigir de cada combatente a manutenção de seu equilíbrio e a tentativa
de se tirar o equilíbrio do adversário, constroem-se condições para o desenvolvimento de capacidades
motoras coordenativas, cognitivas e psicossociais.
Ao se buscar a adaptabilidade frente aos desequilíbrios que são infligidos ao Lutador e nas mais
variadas tentativas motrizes de combinações de movimentos e gestos específicos e complexos, deve-se
de modo muito eficaz propiciar a integração dos sistemas visual, auditivo, tátil e proprioceptivo de tal
modo a disparar impulsos nervosos que ajustem a seleção e o mecanismo de resposta motora. Dessa
maneira, será criada a melhor combinação musculoarticular, a qual fará frente aos desafios motores e
responderá de modo eficaz ao que se deseja alcançar.
Já no domínio cognitivo, e ao mesmo tempo em que age nas áreas motoras e emocionais, se provocam,
na perspectiva intelectual, as seguintes qualidades na prática das Lutas: favorecimento do treinamento
da mente para a reflexão, a antecipação e respectiva tomada de decisões, a ampliação da percepção e
atenção, além de promover a manutenção e o aprofundamento da concentração. Essas propriedades
são obtidas pelos desafios impostos concomitantemente pelos Lutadores entre si e também ao dualismo
ação e reação corporal para a manutenção de sua estabilidade corporal e autoestima, aliadas aos desejos
de enfrentamento de situações peculiares como mostrar ao adversário sua faculdade de manter sua
posição de igualdade.
Por fim, simultaneamente, no campo psicossocial, e devido à intensa interatividade corporal e troca
constante de estímulos físicos imediatos e contundentes por meio dos gestos técnicos específicos das
Lutas, começa-se a propiciar a construção de conduta de respeito ao seu opositor. De forma adicional
se aprendem os limites de atuação corporal, em especial pela experiência de ser desafiado a superar
resistências ou ataques imprevisíveis e impostos instantaneamente pelo seu confrontante.
A vivência corporal integrativa agrega a corporeidade própria e conjunta, aplica e recebe uma
diversidade de informações corpóreas que estimulam a percepção do outro, da sua importância e dos
limites de atuação quanto ao autocontrole e aprendizado da contenção social (MIRANDA, 2004).
Obviamente, o papel do professor deve ser intenso, participativo e atuante, convidando o aprendiz a
compreender sua função de ator importante na construção dessas capacidades motoras coordenativas,
cognitivas e psicossociais. O docente deve manter-se bem atento, pois Lutas e Modalidades de Esporte de
Combate expostas pela mídia fantasiosa, sensacionalista e exagerada, exercem fascínio pela plástica visual e
pela exposição de certo domínio corporal, pelo qual determinado indivíduo, em situações específicas, subjuga
a outro ser. Não se deve considerar o sentido da vida imposto somente por representações nas quais se
55
Unidade I
deturpam as atribuições das Lutas, propagando que somente os mais fortes podem mais e que o fim seja o
de causar dano deliberado, pois assim seria o mesmo que briga, incitando à violência. O intercâmbio corporal,
a combinação de gestos técnicos, as descobertas das próprias limitações e potencialidades precisa ser o
pensamento de orientação do professor aos seus aprendizes de Lutas.
As Lutas, no seu argumento mais denso, são instrumentos de excelência para o desenvolvimento integral
do ser humano, a partir do fato de que devem ser mostradas como significado da conjunção equilibrada
entre o uso da máxima eficiência, com a maior habilidade de execução e o mínimo dispêndio de energia
física. Dominar, conter ou sobrepujar seu opositor, não significa eliminá-lo, mas momentaneamente, e em
determinada ocasião, a demonstração singular de superação de resistências circunstanciais.
Muitas Artes Marciais evoluíram, destacando que o adversário que se contrapõe às suas ideias, o qual
resiste aos seus ataques e impõe limites em sua atuação física ou psicossocial, não deve ser desprezado
nunca. Contudo, ao mesmo tempo, deve ter reconhecida a sua importância, pois seus estímulos corporais
serão essenciais para se obter o próprio aprendizado.
Adicionalmente, chama-se a atenção para o fato da mistificação da aplicação dos fundamentos das
Lutas nas aulas de Educação Física. Existe certo esoterismo nas relações dos instrutores e praticantes
de Lutas, com o mundo da educação, na tentativa de preservar uma aura de complexidade acima da
realidade. O professor de Educação Física deve se aprofundar nas pesquisas e estudar os elementos
de construção das capacidades coordenativas e psicomotoras inerentes das técnicas usadas nas mais
variadas Lutas e, desse modo, adaptar os conteúdos para os objetivos de estruturação da vivência
corporal que permita a plena identificação com as distinções dos aspectos cognitivos, psicossociais,
físicos e motrizes. Chama-se a atenção para o fato de que a utilização de especialistas ficaria mais bem
reservada à complementação específica de informações apropriadas à cultura de particularização ao
rendimento esportivo, e não à área educacional.
Saiba mais
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
As disputas por meio dos Jogos de Combate vão além do tradicional cabo de guerra e devem permitir
a influência corporal mútua e implicar aprendizado efetivo.
Chegamos, então, na proposta de execução prática a qual auxilia o profissional da Educação Física
a propiciar atividades que constroem caminhos seguros e bastante fáceis de serem empregados para
o desenvolvimento inicial das Lutas. Essas atividades se associam às práticas mais indicadas pelos
profissionais acadêmico-científicos para estabelecer parâmetros de consolidação de elementos físicos
e habilidades motoras que ajudam no processo de construção do aprendizado das Lutas e ao mesmo
tempo evitam a especialização precoce. Como já mencionamos, tais práticas são designadas de Jogos de
Combate, cujas características descreveremos a seguir.
Os Jogos de Combate são organizados por contendas nas quais o uso do corpo é instrumento de
oposição e são extremamente úteis para a descoberta de potencialidades físicas e interação com o outro
(CARTAXO, 2010). Essas contraposições agonísticas estabelecem regras de respeito, compreensão das
próprias restrições físicas e, especialmente, incitação ao juízo de valor para tomar decisões imediatas, e
ainda, o mais importante, de modo preciso e exercendo o exercício do cumprimento dos princípios de
conduta frente ao seu próximo e de contenção.
esquerdo e direito. Por fim, as aptidões viso, tátil e perceptivo-motora, cujas características provêm de
reações a partir da recepção de estímulos enviados e analisados pelo respectivo sistema sensório-motor.
No campo emocional, os Jogos de Combate, sutilmente, possibilitam que as pessoas sofram ínfimas
pressões de perdas súbitas e suportem condições de inferioridade, de detrimentos dissimulados e ausência
da condição de se sentirem superiores. Durante os Jogos cada momento é uma história, pode-se estar
vencendo e no instante seguinte ser derrotado. Descobre-se que a habilidade de um suplanta a força de
outrem. A ansiedade na realização de ações sem as devidas precauções, e tecnicamente mal executadas,
pode levar a condições cada vez mais instáveis e deixar o indivíduo em situação progressivamente mais
delicada e sujeito a sofrer mais desequilíbrios e perdas. Portanto, vão se estabelecendo parâmetros mais
importantes para se aferir a necessidade de autocontrole e contenção emocional, a fim de que se possa
alcançar objetivos e obter sucesso na coletividade. Ainda no aspecto psicossocial, nos Jogos de Combate
percebe-se que as superioridades corporais podem ser incertas e mutáveis. Em uma Luta compreende-
se que nunca estamos no controle absoluto do momento, que as mudanças são variáveis e constantes.
Isso possibilita a formação de indivíduos mais conscientes para serem precavidos, que tenham um trato
mais entusiástico e cordial diante das condições familiares, profissionais e sociais. O indivíduo vai se
descobrindo e compreendendo suas potencialidades, aprende que na vida existem limitações as quais
deve se inteirar e precisa tentar superar ou, então, evitá-las para que não tomem conta de sua existência.
A seguir serão disponibilizadas fotos com alguns exemplos de Jogos de Combate de fácil execução
e compreensão, os quais estimulam bastante a interatividade corporal, excitam a tomada de decisão
imediata e incitam a aproximação física.
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
59
Unidade I
Percebe-se pelas descrições anteriores a importância da prática das Lutas no contexto do Esporte
Educação. Valores sociais e cognitivos, além dos físicos-motores, são disponibilizados pela riqueza da
interatividade corporal, dos desafios a serem superados quando nos achamos diante de demandas
decisivas, as quais envolvem a manutenção de nossa modéstia, autoestima e da posição de avaliação de
nosso progresso e desempenho das habilidades motoras e da capacidade de inteligência.
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
No entanto, nem sempre nos deparamos com crianças e jovens de temperamento afável e tampouco
cujas condições de educação familiar ou que envolvem sua vizinhança tragam ou despertem esses
valores e, por conseguinte, agem de maneira a realizar, imitar, perpetuar e praticar atos, os quais se
desvirtuam da convivência afetivo-social aceitável.
Assim sendo, nas escolas e no dia a dia de adolescentes e no universo infantojuvenil, existem práticas
de constantes afrontas, que são relativas ao emprego de imposições, as quais surgem de características das
mais diversas da índole humana não domada e incoerente com a vida em sociedade, tais como: liderança
exacerbada, ordenação de constrangimento para cumprir atividades que sirvam a interesses imperiosos
próprios, autoritarismo e coação e sujeitar seus pares a efetuar práticas e tarefas não condizentes com o
bem-estar e a paz de espírito. Surge o intimidador, que impede que seu semelhante, visto como subalterno,
possa agir com naturalidade e atingir o seu próprio progresso e disposição na coletividade.
É comum saber-se que, rotineiramente, em escolas e quaisquer outras comunidades, existam obras
de repressão, opressão, agressões, atos de violência, supressão de liberdade, retirada de valores e coação
nos aspectos: físico, moral, social e psicológico. Essas ações são chamadas de bullying, termo que
derivou da literatura inglesa, o qual se pode traduzir com bastante conveniência para abranger tamanha
capacidade negativa de atuação social com a palavra em português: intimidação.
A intimidação é realizada por indivíduos que primam pelo desprezo aos seus próximos e acreditam
serem superiores, agindo de maneira arrogante, impositiva, violenta e causando distúrbios. Usualmente,
atuam intimidando indivíduos que não estão preparados para enfrentar situações de chantagens,
extorsões, ameaças e bravatas, pessoas que não sabem lidar com pressões sociais e são de natureza mais
compassiva e introvertida.
Como já citado, um dos fundamentos básicos de enfrentamento, utilizado nas Lutas, é a esquiva,
que se baseia em possibilitar a saída do raio de ação de ataque do adversário. Com isso, o opositor
exerce uma ação na qual desperdiçará sua energia e concentração. Caso a ação seja realizada de modo
exasperado, comum nas ações de bullying físico, a esquiva deixará o executor em posição de perda de
equilíbrio, pois sua energia será perdida.
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Unidade I
Ela é executada em todas as modalidades de Lutas, assim todos os seus praticantes terão
necessariamente de passar pelo seu aprendizado durante a prática. Os praticantes adquirem a esperteza
de seu uso no aspecto físico e vão além, aplicando-a no trato social, pois conseguem se desvencilhar de
afrontas e abusos verbais ou morais e encarar seus insultantes, ignorando os ultrajes e deixando-os em
posição grotesca.
O praticante de Lutas e dos Jogos de Combate facilmente não liga para palavras fúteis e de
baixo calão, injúrias ou ofensas, pois não o atingem, sabedor que esses insultos não têm sentido,
uma vez que possui uma vida correta e honesta, e assim age de modo a deixar passar a energia
negativa provinda de indivíduos despreparados para o convívio coletivo. Ao agir assim, o agressor
se torna impotente e fica totalmente sem ação, pois não houve reação e suas falácias foram
jogadas ao vento, sem significação alguma.
Portanto, acostumado a lidar com as pressões das Lutas e agir com racionalidade no aspecto físico, o
praticante de Lutas, e em especial dos Jogos de Combate, fortalece vínculos com uma condição de seres
mais centrados e dispostos ao diálogo e de solução de problemas por meio do consenso e da harmonia.
Esses praticantes são bastante determinados e psicologicamente fortes e decididos, não hesitam em
tomar atitudes definitivas e categóricas.
Observação
Por outro lado, os indivíduos que exercem a intimidação e não possuem controle emocional e os quais
partem para a agressão de seus pares, ao começarem a prática de Lutas, veem-se diante de praticantes
mais avançados e precisam aprender a lidar com a superioridade desses agentes interativos. Destarte,
eles precisam de maior necessidade de se precaver, de tomar decisões mais racionais e intuem que
sempre existirá a possibilidade de alguém lhe ser superior e impor decisões e posições desconfortáveis.
Também, ao se depararem com praticantes mais avançados, não poderão agir de modo exasperado e
partir para ações súbitas e ataques inconsequentes, sem levar em conta que existe alguém que tem mais
poderes e habilidades desenvolvidas. Por um lado, o praticante mais avançado se utilizará de recursos,
como a própria esquiva e habilidades mais complexas, sobrepujando e fazendo seu oponente se render
ao seu domínio. Por sua vez, o intimidador vai aprendendo a se conter e a tomar ciência de sua posição
social, controlando seus impulsos e agindo de modo mais refreado e compreensivo, de acordo com as
regras da boa convivência.
Percebe-se que os Jogos de Combate são instrumentos muito úteis na construção de hábitos de
conduta e formação de uma pessoa com caráter dinâmico, proativo, respeitoso e ciente de seus deveres e
direitos. Consequentemente, as Lutas são ferramentas educativas de grande valor humano e que podem
trazer vantagens e benefícios que minimizam a manifestação do bullying nas escolas e comunidades.
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
De acordo com Klein (1990), interdisciplinaridade vem a ser genericamente a unificação das ciências,
integração do conhecimento e também a junção de saberes disciplinares. Nota-se que o conceito está
intimamente ligado à cultura e às vivências sociais e necessidades humanas.
O ser humano se vê diante das mais variadas oportunidades de autorrealização, mas deixa escapar
possibilidades de compreensão e conexão com a sua vizinhança e de participar ativamente de seu
mundo. Isso ocorre não por sua culpa exclusiva. Ordinariamente a família, a política, as comunidades
e o setor educacional têm apresentado muitas deficiências na formação do caráter pessoal e social.
Mais nitidamente, adverte-se para o insuficiente aprofundamento das vinculações racionais que façam
as crianças e os adolescentes se envolverem em maior participação social, política e construção de
seu conhecimento e sua autonomia. Ou seja, não se estão dando condições para os jovens inteirarem
elementos em seus estudos que os façam conter uma maior compreensão da realização humana nos
aspectos individuais e coletivos. Daí a importância da interdisciplinaridade na Educação Física e, como
temos chamado a atenção, no Esporte Educação.
Como já citamos, as Lutas fizeram e fazem parte do cotidiano humano desde a sua existência, desde
os primórdios da civilização, e se atrelam com a cultura de modo intenso e interagente. Repete-se aqui
que cada civilização possui uma maneira de Lutar própria baseada em seus costumes e tradição corporal
e instrumental.
Fica evidente e significante ressaltar que o ensino de Lutas propicia e estimula a ampliação de
estudos interdisciplinares. Pode-se usufruir da riqueza de informações, aspectos culturais como
costumes, mitologia, vestimentas e movimentos próprios, práticas que abrangem crenças associando
deuses, atividades marciais e implementos de combate, significados dos movimentos e o que pretendiam
alcançar, ritualização de caracteres: saudações, sentido da honra, coragem e obediência.
Adicionalmente, por meio dos estudos sobre a prática de Lutas, pode-se fazer associação com a
política e os momentos específicos de diversos povos, tais como: estratégias de combate na defesa de
território, busca de víveres e valores comerciais e de sobrevivência, além de mostrar seu emprego pelos
imperadores e reis para festivais de Lutas que visavam celebrações, entretenimento e cerceamento de
manifestações coletivas.
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Unidade I
Como se pode notar, as Lutas têm íntima ligação com as ciências humanas, como a Geografia,
Sociologia, História, Filosofia, Psicologia, Logística, Teologia e Linguagem.
Portanto, percebe-se que a disciplina de Lutas se alia de modo bastante próximo às disciplinas
de Matemática, Física, Química, Biologia, Anatomia, Biomecânica, Fisiologia, Medidas e Avaliações,
Aprendizagem Motora etc.
A troca entre a disciplina de Lutas e as outras áreas educacionais deve ser mútua e fartamente
aproveitada no âmbito educacional. A coexistência precisa ser atraente e proporcionar a conglobação
dos desempenhos humanos em sociedade.
A referida disciplina se constitui, enfim, em uma ferramenta imprescindível para aplicação nas aulas
de Educação Física, trazendo bases de formação indispensáveis para que o indivíduo possa compreender
mais intimamente o porquê de a Luta ser um atributo intrínseco da condição humana.
A mídia sensacionalista criou uma imagem de esoterismo e inacessibilidade acerca das modalidades
de combate, Artes Marciais e Lutas, enfatizando-as como atividades fechadas, de grande dificuldade
motriz e impenetrável. Destaca-se nos meios de comunicação que as práticas de Artes Marciais
sempre são versadas apenas por alguns excepcionais personagens e que os resultados são sangrentos e
devastadores. Ressalta-se a impressão tortuosa de que Lutadores e artistas marciais possuem habilidades
consagradas, e tão desenvolvidas, que podem se apoderar de quaisquer ações e reações humanas, sendo
seres intransponíveis, inacessíveis ou até verdadeiras divindades.
Por esses motivos midiáticos, a população em geral acabou intitulando uma conotação equivocada
das Lutas, impressionando-se deveras com a complexidade dos movimentos executados e a sensação de
estarem a anos-luz de sua concepção. Não se pode negar que os golpes e as ofensivas nos combates são
realmente muito rápidos e decisivos, dando a impressão que muitos não seriam capazes de realizá-los.
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Obviamente isso ocorre, como se sabe, acadêmica e cientificamente, pois nossas crianças e jovens não
têm tido oportunidades motoras e acesso ao exercício combativo corporal planejado, tampouco têm
sido estimulados e motivados para seu aprendizado e entendimento.
Adicionalmente, a metodologia específica e aprofundada das Lutas exige a sua prática em espaços
mais exclusivos. Esses lugares são apresentados, e até considerados como sagrados, verdadeiros santuários
ou templos e recintos restritos. Lembra-se também que as competições são efetuadas sobre tatames,
tapetes especiais, ringues, tablados de Luta e estrados protegidos. Por outro lado, os aprendizados de
elementos fundamentais das Lutas e da prática dos Jogos de Combate não exigem especializações tão
densas assim, como já se mencionou anteriormente.
Enfim, essas condições incabíveis parecem distanciar e afetar as pessoas comuns que se sentem
temerosas em terem de se deslocar para ambientes nos quais poderiam se sentir mais inseguras diante
do desconhecido legendário.
Por mais incrível que possa parecer, os profissionais de Educação Física estão bastante coligados
às considerações descritas de como veem as Artes Marciais e Lutas. Sentem-se despreparados, sem
confiança e hesitantes na aplicação da disciplina de Lutas como Esporte Educação. A razão para isso
é a falta de envolvimento que professores de Educação Física têm nas fundamentações das práticas
corporais de Lutas. Essa é uma deficiência remota das aulas de Educação Física dentro da educação no
Brasil, pois infelizmente muitos docentes, por questão de conveniência e acomodamento profissional,
não se dão ao interesse de promover as práticas corporais de combate. Usam desculpas de falta de
espaço, falta de material e desconhecimento técnico. Tudo isso tampouco se justifica, conforme se tem
exposto até o momento.
Faz-se relevante que as grades curriculares dos cursos da área desmistifiquem essas condições de
falta de vontade e acomodação e promovam o conhecimento extraordinário das práticas corporais de
combate, em especial por meio de Jogos de Combate e interdisciplinaridade educacional.
A disciplina de Lutas deve ser abrangente e direcionar o estudante de nível superior, moldando
as concepções mais contemporâneas da educação e incorporadas com os aprendizados corpóreos da
Educação Física. Esses aprendizados estão diretamente relacionados à promoção e ao aumento das
habilidades motoras e capacidades físicas para a saúde e o bem-estar, o entendimento do movimento
como instrumento de motivação para a inteligência e a interatividade social e afetiva.
É preciso se preocupar em ampliar sua ciência acerca das Lutas e sua aplicação na Educação Física.
Obviamente, um profissional de Educação Física deve possuir uma boa base dos fundamentos usados
nas Lutas e aprofundá-los por meio de estudos e pesquisas.
Durante os estudos universitários, é impossível ao estudante adquirir a técnica apurada de cada Luta,
pois já vimos que são centenas, talvez milhares, espalhadas nas mais diversas culturas. Já realçamos que
para ser um expert, ou seja, perito em uma Luta específica ou quaisquer outras atividades esportivas
particulares, precisa-se muito treinamento e dedicação exclusiva. O acadêmico, por outro lado, pode
incrementar os seus saberes por meio de visitas a academias de Artes Marciais e clubes que promovem as
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Unidade I
modalidades esportivas de combate, assistir competições, acessar livros e artigos científicos. O estudante
universitário pode ainda debater as características que circundam o mundo formidável das Lutas como a
violência, o contato corporal, o respeito, a tolerância, o autocontrole etc., apresentar trabalhos, práticas
como componente curricular, planejando e disponibilizando aulas com elementos sobre as Lutas.
Um profissional de Educação Física deve esquematizar as aulas de Lutas por meio de literatura
apropriada, aliada à criatividade e a elevados objetivos educacionais, provocando questionamentos e
argumentações.
Os instrumentos contidos na disciplina de Lutas são muito abrangentes. Eles têm sido constantemente
confundidos como atividades violentas e pouco usadas na educação escolar e como Esporte Educação.
O profissional de Educação Física tem obrigação de desmistificar esses conceitos e aplicar a riqueza
das características das práticas de Lutas para o bem comum. Faz-se necessário que o profissional se
complete e preencha esse espaço na educação brasileira.
Os PCN foram um marco importante para ampliação do emprego das Lutas na Educação Física e
os professores de Educação Física devem se apropriar das Lutas como instrumentos importantes para a
ampliação educacional infantojuvenil.
Basta ver as recomendações sobre atividades de oposição e a Luta da Capoeira, a qual possui uma
variedade de subsídios que se associam a história e cultura corporal no Brasil. A seguir, aproveita-se
dessa indicação e vai-se explorar o aparecimento e a manifestação dessa Luta brasileira e de outras
atividades corporais de combate indígenas nativas da terra brasilis.
Não podemos perder as origens e as Lutas que fizeram parte do cotidiano indígena e das linhagens
de combates que prosperaram e se perpetuaram na nossa cultura. O Brasil atualmente possui cadastrado
pelo Censo realizado em 2010, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 305 etnias
indígenas, alcançando aproximadamente 897 mil indivíduos (IBGE, 2012). Muitos prélios foram praticados
em nosso território, e tinham alegorias próprias e distintas, das quais podemos apresentar um pouco
de suas expressões. Lutas entre tribos e contra invasores externos europeus – portugueses, franceses
e holandeses – principalmente, foram relatadas por alguns historiadores, artistas e mercenários que
habitaram nossas terras desde o descobrimento pelos portugueses, em 1500 EC.
4.5.1 A Capoeira
A Capoeira é a Luta mais conhecida do Brasil. Hoje é considerada patrimônio cultural imaterial da
humanidade, conforme se certifica pela citação da Unesco.
A palavra Capoeira, é consenso entre os etnólogos, pertence à origem tupi-guarani. O Padre José de
Anchieta cita no livro original A Arte da Gramática da Língua mais Usada na Costa do Brasil, editado em
1595, as palavras kaá (mato) e poêra (o que foi).
O vocábulo também se associa à outra designação guarani caápuéra, que significa “mato ralo” ou
“mato renascido”, conforme descreve Frederico G. Edelweiss, no livro de Teodoro Sampaio, O Tupi na
Geographia Nacional, de 1901.
Saiba mais
Antenor de Veras Nascentes (1886-1992) diz que a ave de nome Capoeira está ligada à origem da
Luta. A ave uru (odontophorus capueira – spix), cujo macho é muito ciumento, trava Lutas violentas com
o rival que ousa entrar em seus domínios e ataca com muita agilidade (os movimentos se assemelham
aos da Capoeira) (NASCENTES, 1935).
Há também outra proposta que provém do termo português mais antigo relativo ao nome de um
cesto para guardar capões (galináceos castrados e aves novas): chamado de capoeyra, atualmente
capoeira mesmo, encontrado em todos os dicionários de língua portuguesa, que eram usados em barcas,
mercados e fazendas. O vocábulo então passou do objeto para a atividade realizada pelos capões, que
batiam cabeça e brigavam, ou seja, “brigavam ou divertiam-se” dando cabeçadas, divertiam-se na
Capoeira. Para vários outros autores, a adesão do nome provém da designação dos cestos de taquara
fechado para engaiolar pássaros capões e aves, chamado de Capoeira. Diziam os escravos: “vamos sair
da Capoeira”.
Assim como a origem do termo é bastante discutida, a procedência da Luta segue os mesmos padrões
e existem vertentes diferenciadas para se determinar sua ascendência.
A origem da Luta Capoeira é largamente debatida e conflitos de autenticidade têm sido levantados
frequentemente. Ela indiscutivelmente ficou conhecida devido à sua atuação preponderante pelos
escravos negros como um combate afrodescendente.
67
Unidade I
Porém, outros autores têm indicado que a Capoeira já era praticada pelos nativos aqui presentes,
em especial os da etnia tupi-guarani. Vários relatos de Lutas ferozes travadas entre europeus e os
aborígines brasileiros mencionam que estes efetuavam movimentos bastantes mirabolantes com
alegorias físicas que estendiam o corpo e dificultavam as tentativas de dominação. Eram muito ágeis
e inacreditavelmente ligeiros. Algumas narrativas sugerem extrema flexibilidade e movimentação em
forma de esquivas muito eficientes em confrontos corporais.
No livro de Guilherme Theodoro Pereira de Mello (1908) sobre a música no Brasil, Música no Brasil:
Desde os Tempos Coloniais até o Primeiro Decênio da República, há menção sobre a Capoeira ter raízes
indígenas, dos autóctones que aqui habitavam o nosso solo, a terra brasilis. A descrição está contida
na página 108: “é o jogo da Capoeira, arte da Esgrima de origem indígena, em que estuda a ofensiva e
defensiva na briga [...]”.
Também se apresentam no livro de Léry (1961), missionário francês, descrições acerca das
manifestações corporais indígenas contendo colocações que os indígenas brasileiros das etnias Uetacás
e Tupis-guaranis, em confrontos contra outras tribos e invasores europeus, usavam de artimanhas
estranhas. O autor ainda cita as ações como “furibundas cambalhotas” e movimentos rápidos e coléricos,
muito velozes e que os índios não se deixavam acertar nos conflitos corpo a corpo, pelo emprego de
estrepolias, saltos, meneios e circulações ao redor do oponente (LÉRY, 1961).
Corrobora com esses escritos as declarações de Nieuhoff (1988), que relatava as Lutas dos nativos
brasileiros nas regiões potiguares e pernambucanas. Seus descritos dispunham que os índios se
reuniam em círculos e moviam os corpos como animais, batendo as mãos e percutindo os pés no chão,
aproximando-se com ataques por golpes de pernas e cotoveladas e se afastando rapidamente com
saltos e giros.
Uma das referências mais contundentes sobre a origem indígena da Capoeira é a descrição dada
pelo teólogo e historiador holandês Gaspar Barléu (Caspar van Baerle) no livro Rerum per Octennium
in Brasilia (BARLÉU, 1940), o qual conta sobre a passagem de oito anos do governador Maurício de
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Nassau e alerta sobre as Lutas dos índios Tapúias. Seus relatos mencionam que as Lutas se davam por
meio de uma roda de autóctones em que dois participantes se enfrentavam com pernadas, cotoveladas,
cabeçadas e movimentos que lembravam animais em combate.
Outra referência acerca da origem das Lutas indígenas brasileiras é a exposição de Soares (2001)
citando Plácido de Abreu, que afirma, em 1866, ser a Capoeira uma Luta que se criou entre nós e
dificilmente pertence ao universo africano, que não conhecia os movimentos da Capoeiragem. Essa
afirmação contemporiza com as do antropólogo austríaco Gerhard Kubik (1994), especialista em
movimentos musicais, linguagens e manifestações corporais africanas e suas influências na cultura
brasileira, que estranha a conotação Capoeira de Angola, pois alega que não existem Lutas ou danças
que se pareçam com os movimentos da Capoeira nesse país.
O luso Martim Afonso de Souza, nos idos de 1532, atracou pelas costas brasileiras para efetivar as
distribuições das capitanias hereditárias e em sua armada estava o seu irmão e escrivão, Pero Lopez, que
menciona assistirem a Lutas dos indígenas nas praias, com movimentos de grande agitação, lépidos, e
que se pareciam com tentativas, antes de tudo, de enganar o adversário.
Ao mesmo tempo lembramos as referências mais atuais sobre a arte dos índios da etnia Guarani,
chamada de xondaro, também conhecido como jogo da esquiva, a armadilha, a artimanha enganadora,
como cita Santos (2017), em sua dissertação acerca dos movimentos Guaranis. Nessa obra, ele traz
à baila que vários outros autores, estudiosos da cultura Guarani, fazem comparações e equalizam as
esquivas do xondaro com as da Capoeira. A esquiva dos Guaranis incita o adversário a se equivocar, a
errar, a provocar o erro, assim como a ginga da Capoeira.
Um dos fatos mais relevantes é que uma comissão de brasileiros esteve em 24 de abril de 1966, com
a participação atuante do mestre Pastinha, no Primeiro Festival de Artes Negras no Dakar, no Senegal, e
este voltou afirmando de modo convicto que a Capoeira não tinha origens africanas. O próprio mestre
Pastinha declarou: “Pastinha foi à África pra mostrar Capoeira do Brasil”, como cita Vidal de Souza Reis
(2004, p. 203). O mestre Pastinha é bastante contraditório, pois muitas vezes afirmou que a Capoeira
era de origem africana. Quando se certificava que essa afirmação não era autenticada corretamente,
trocava de opinião, em seguida afirmava que a Luta teria vindo de Angola, e depois logo se contestava,
afiançando ser brasileira.
Saiba mais
PASTINHA! Uma vida pela capoeira. Dir. Antônio Carlos Muricy, 1998.
52 minutos.
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Unidade I
Aparentemente, como lembra Rego (1968), em um dos maiores ensaios sobre a Capoeira Angola, não
tem como haver consistência em se afirmar que a Luta veio da África. Esse autor alega que a Capoeira
havia sido idealizada nas terras brasileiras e a partir da chegada dos escravos negros se misturou aos
movimentos corporais que daqui precediam de origens afras.
Dão-se, então, como mais certa e segura, as constatações de que a Capoeira foi apresentada aos
escravos negros que aqui chegaram, recepcionaram-na, aceitaram-na e a mestiçaram, e criou-se um
novo órgão vivo que fez e participa da história brasileira. Ela se incorporou à realidade dos negros
escravos, foi assim tomando forma e se expandiu nessa comunidade como ferramenta de manifestação
e de identidade contra a opressão escravagista.
A vinda de negros escravos ao Brasil decorreu da facilidade com que os portugueses encontraram
tribos inteiras escravizadas pelas guerras internas nas nações africanas e das conquistas muçulmanas na
África. Os indivíduos aprisionados dos grupos nativos vencidos em guerras contra outras tribos também
afras eram sistematicamente usados como escravos. A própria África escravizava os filhos de suas terras.
Infelizmente essa foi uma prática comum desde os primórdios das civilizações e os grandes impérios
sempre se pautaram por haverem tido marcadamente condescendido ao adestramento escravo em suas
histórias (LOVEJOY, 2012; COSTA E SILVA, 2011). Veja na figura grafitada, esculpida há aproximadamente
4 mil anos, a seguir, que os norte-africanos egípcios já escravizavam os núbios africanos.
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
• Confisco de pessoas: elas eram apreendidas como garantia para o pagamento de dívidas.
Com o tráfego de escravos extremamente ativo, na condução de mão de obra sem custos elevados,
tornou-se comum as tribos africanas e os conquistadores islâmicos venderem seus prisioneiros aos
portugueses, ingleses e demais representantes de nações colonizadoras como franceses, espanhóis,
belgas e holandeses. Tais povos deram continuidade a esse pernicioso tirocínio para aumentar a presença
de trabalhadores que servissem aos seus interesses colonizadores e exploradores.
A princípio, os escravos eram levados sempre por via marítima para Portugal e outros países europeus
e, em seguida, igualmente ao Brasil e às ilhas colonizadas.
Várias pátrias africanas foram representadas na chegada dos escravos ao Brasil, dentre as quais se
destacaram as que vinham da costa atlântica africana. Os Bantus trazidos para cá vieram de regiões
que atualmente são: Angola, República do Congo, República Democrática do Congo, Moçambique e
Tanzânia. Eles povoaram massivamente os estados do Rio de Janeiro e de Minas Gerais, além da zona
da mata, no Nordeste. Adicionalmente, Nagôs, Jejes e Malês e indivíduos de outros países do oeste
africano foram incorporados como populações escravizadas que aportaram nas cidades brasileiras. Esses
trabalhadores escravos eram essencialmente designados para as culturas: canavieira, cafeeira, cacaueira,
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Unidade I
do tabaco e da extração da madeira (pau-brasil). Com um pouco de “sorte”, as mulheres negras afras, em
geral, podiam ser direcionadas a afazeres caseiros e de mucamas.
O uso de escravos no Brasil se tornou prática comum entre líderes, fazendeiros e políticos. Sabe-se
que até Zumbi dos Palmares, chefe negro quilombola, o qual se localizou em Alagoas, em 1675, possuía
grande liderança na organização do maior dos Quilombos, tinha grande poder e possuía grande número
de serviçais afros e seus descentes escravos, os quais eram capturados nas saídas das fazendas canavieiras.
Estes trabalhavam como cativos na sociedade dos Palmares. Somente os negros que chegassem livres e
sozinhos ao Quilombo não eram escravizados.
Um dado curioso e importante (porém não totalmente referenciado pela literatura) salienta que
Zumbi havia, possivelmente, estudado português e era distinto combatente corporal, possuindo
bons conhecimentos de Lutas e com muita experiência em estratégias militares. Esse dado parece ter
proporcionado a construção de grandes guerreiros nas Lutas contra a dominação portuguesa e a tentativa
de se invadir o Quilombo dos Palmares. Talvez daí tenha se organizado essa Luta, específica de resistência e
de confronto às dominações lesivas e humilhantes que se imputavam aos negros que por aqui ancoraram.
Desde os tempos mais remotos da história brasileira e a partir da presença dos indivíduos negros
africanos que aqui aportaram, compreende-se que o povo negro teve de Lutar arduamente pela sua
liberdade e conquistar seus direitos como cidadão na sociedade brasileira.
Sem equívocos, as práticas de guerras tribais e suas atividades corporais no exercício da liberdade e
aquisições civis foram mescladas pelas diversidades corporais e tão ricas em elementos físicos e motores.
Forjaram-se de maneira a constituir uma identidade comum aos cativos e daí, com a mistura de povos
autóctones também escravizados, os quais possuíam formas de combates peculiares, encaixaram-
se elementos motrizes e houve a apropriação à Capoeira. Uma Luta para Defesa Pessoal, defesa da
liberdade, defesa da dignidade para se adotar como ser e certificar sua posição humana.
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Os compassos frenéticos de percussão, ora batucados, ora tocados no berimbau, provocavam seus
praticantes a realizarem saltos mirabolantes e movimentos ágeis e embutiam grande mobilidade de
braços e pernas, além de movimentos rápidos com a cabeça e molejo do tronco. Adicionalmente,
oscilavam o corpo, alternando a base de apoio dos pés, jogando uma das pernas para trás, trocando
de direção e posição, constantemente, caracterizando a ginga. Grande desenvoltura e velocidade eram
marcas da realização dos chutes saltados e das rasteiras sagazes.
Praticar nas senzalas era proibido e, invariavelmente, os escravos eram vigiados pelos capatazes.
Para não parecer que estavam treinando para a Luta, disfarçavam a sua prática em ritmos dançantes,
do mesmo modo provenientes das danças tribais afras, e que ainda se encontravam resguardados e
transmitidos de geração em geração.
Os negros africanos cativos costumavam usar roupas brancas e, quanto maior a habilidade do
praticante, menos sujeira se adquiria na vestimenta, dando a entender que o praticante estava bem
adaptado aos movimentos de ordem de Luta.
Dotada de grande diversidade de movimentos, o mestre Pastinha (1988) afirma que “sem dúvida
a Capoeira Angola se parece a uma galante dança na qual a ginga provocante mostra a formidável
flexibilidade dos capoeiristas”. Ainda, segundo ele (1988, p. 21), “A Capoeira Angola é, antes de tudo,
Luta e Luta violenta”. Portanto, sabemos que se trata de Luta e disso não se duvida ou se questiona,
apenas se constata. Segue ainda lembrando que, apesar de violenta, a Capoeira é perfeitamente
controlada e isso a diferencia: o capoeirista deve ser pacífico e previdente. A característica principal
se funde com a de outras Lutas, a Capoeira é para ser treinada, interiorizada e seu praticante deve se
distinguir pelo domínio e autocontrole.
Além desses apontamentos sobre a Capoeira e seu emprego adequado pela sociedade, houve tempos
instáveis e desordem de valores na prática dessa modalidade de Luta. A libertação dos escravos atirou
ao relento milhares de negros que se viram abruptamente sem condições de vida e estabilidade social,
como se vai professar adiante.
A Capoeira como prática delinquente e irresponsável seguiu com certa frequência dentro das malhas
urbanas policiais a partir de 1850, por esse motivo ficou proibida como manifestação pública desde o
código penal de 1890. Deve-se lembrar que a libertação dos escravos se deu em 13 de maio de 1888.
Vários ex-escravos não tinham emprego e aumentaram a massa de pessoas sem abrigo e sem condições
de sobrevivência (TONINI, 2008).
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Unidade I
Vale salientar que por interesse regido pelo militarismo, necessário para o embate na guerra contra
o Paraguai de 1866 até 1871, recrutaram-se diversos negros para as fileiras do exército de Duque de
Caixas. Esses indivíduos foram reconhecidos como Lutadores aguerridos, pois usavam sua experiência
como capoeiristas, logrando êxito e domínio sobre seus adversários na confrontação corporal. Após o
término da guerra, os soldados brasileiros foram reconhecidos como bravos defensores da nação. Esses
mesmos soldados negros, os quais possuíam habilidades da Capoeira, foram distinguidos como heróis e
receberam diversas honrarias militares. Passaram da alcunha de ameaçadores urbanos para defensores
da pátria (SOARES, 2001).
No entanto, aqueles libertos cujas qualificações foram desprezadas e que tinham domínio da
Capoeira tinham-na como único instrumento de valor para alcançar posicionamento social. Alforriados,
não conseguiram se estabelecer às novas restrições econômicas, de ocupação laboral, condições e
possibilidades existentes, acabaram procurando alternativas marginais, formando facções de assaltantes,
guarda-costas de políticos, grupos de intimidação e malandragem (LUNA; KLEIN, 2006).
Capoeiristas contratados, em geral ex-escravos, e os mesmos que Lutaram nas fileiras do exército
brasileiro na Guerra do Paraguai, com grande habilidade na prática dessa Luta, serviram aos políticos
conservadores (monarquistas) contra os liberais e seguidores dos ideais republicanos. Pode-se comparar
sua atuação com a dos samurais japoneses, que por vários séculos conviveram fielmente com os senhores
feudais e governantes no Japão, usando suas técnicas de Luta para protegê-los de ataques de inimigos e
adversários, mediante pagamento e recebimento de comodidades políticas e sociais.
A partir da Proclamação da República, então, a prática da Capoeira sofreu declínio substancial por
servir como escudo de proteção aos políticos conservadores.
Os liberais viam seus praticantes como seguidores das ideias mais conservadoras. Desse modo, esses
políticos provocaram o surgimento da repressão, colocando em voga leis que limitavam a manifestação da
Capoeira e motivaram novamente o conceito de que capoeiristas eram agentes turbulentos, causadores
de desordem e cujas habilidades eram válidas para intimidarem, causarem tumulto e gerarem desordem.
O que em alguns casos não era totalmente absoluto, mas serviram de propósito para a coibição de sua
prática, expansão e exercício público (SOARES, 2001).
Vandalismo e tumultos provocados por meio da Capoeira foram associados às maltas (bandos de
arruaceiros e navalhistas), que agiam como capangas públicos e sem medo de manifestar suas atuações
e atitudes, deixando claro sua disposição e o que estavam fazendo, isto é, agirem em favor de seus
senhores políticos, os quais serviram desde 1850 até os idos de 1930.
Arrastões ou andar em grupos causando desordem e baderna eram continuamente coligadas aos
capoeiristas delituosos, o que acabou por criar imagem desprezível e antipatia contra seus praticantes
(TONINI, 2008).
A transformação social das grandes cidades brasileiras, na metade do século XIX e início do século
XX, em especial naquelas onde se concentraram os capoeiristas, Rio de Janeiro, Salvador e Recife, acabou
por intimidar as práticas motoras e culturais advindas da prática da Capoeira.
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
A Capoeira só deixou de ser ilícito penal em 1941, por meio do Decreto nº 3.199, no governo de Getúlio
Vargas. A lei instituía normas para a organização desportiva no Brasil e estabelecia a Confederação
Brasileira de Pugilismo, com o Departamento Nacional de Luta Brasileira (Capoeiragem).
Mesmo que não organizada especificamente para o fim militar, não se pode afirmar que tenha sido
criada nos Palmares para servir de preparação bélica. Muitos alegam que ela foi largamente usada nos
confrontos da guerra contra o Paraguai, e a Capoeira tornou-se oficialmente arte marcial brasileira.
O reconhecimento nacional de que a Capoeira pode ser designada como Luta marcial brasileira foi
proclamado em 1973, quando o presidente militar Emílio Garrastazu Médici liberou o registro da
Capoeira como arte marcial.
A Capoeira se caracteriza por grande astúcia motora, aliada à necessidade de tomada de decisão
momentânea e eficaz. Seu exercício é impetuoso, ela se modifica de modo instantâneo, ação e reação
num constante vaivém defensivo e ofensivo.
Os tipos de Capoeira são Angola, do Mestre Pastinha (Vicente Ferreira Pastinha, 1889-1981) e
Regional, do mestre Bimba (Manoel dos Reis Machado 1899-1974). Recentemente também se fala em
Capoeira contemporânea. A Angola é mais habitual na Bahia, com movimentos mais lentos, ritmados
e rasteiros, enquanto a Regional prevaleceu em Goiás, onde surgiu; atualmente é a mais praticada no
sul e sudeste do Brasil, com movimentos super-rápidos, incisivos, impetuosos e agudos, com acrobacias
e saltos. A Capoeira Regional possui mesclas com elementos de Lutas ocidentais, como as pernadas do
savate e golpes provindos da Luta Greco-romana, do Judô e do Jiu-Jitsu.
75
Unidade I
Saiba mais
Os fundamentos mais comuns são: ginga, cabeçada, rabo de arraia, chapa de costas e de frente,
rasteira, cutelada de mão e meia-lua. Além desses citados, na Capoeira de Angola, também há: armada,
aú, benção, tapona, cabeçada, negativa (esquiva abaixada), tesoura, queixada, armada e martelo, mais
comumente encontrados na Capoeira Regional e com forte contundência. Acredita-se que a Capoeira
Regional possui mais de 120 golpes.
A ginga se parece com uma dança, mas não é. Na Capoeira, ela é a malícia, a esperteza no
enfrentamento. Essa maneira inteligente de enganar o oponente se fundamenta na permuta constante
das bases dos pés, com o molejo corporal. Pode-se então preparar golpes, mudar de direção rapidamente
e ludibriar o oponente e enfim conduzir a Luta para melhor desferir a contundência apropriada.
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Figura 57 – Movimento do aú
Várias descrições têm trazido à tona Lutas africanas que se misturaram às raízes indígenas da Capoeira.
O continente africano teve civilizações importantes, como Kush-Núbia, Kemet e o Egito dos faraós,
os quais possuíram determinadas formas de batalhas e movimentações corporais correspondentes.
Provavelmente trouxeram contornos ao que se chama de Capoeira atualmente.
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Unidade I
Várias Lutas originadas das danças tribais guerreiras africanas parecem ter trazido algum alcance
às ações técnicas da Capoeira de modo generalizado, obtendo-se uma miscigenação extraordinária,
que culminou no surgimento de uma Luta organizada e que se fez eficaz na defesa da liberdade e da
dignidade humana. Obviamente, os escravos carreados aqui tiveram oportunidades de trazer tradições de
movimentos, danças e brincadeiras de Lutas de suas infâncias. Além disso, muitos escravos afros haviam
sido treinados em prélios de preparativos guerreiros para enfrentar disputas tribais, educados para
desafios de afirmativas masculinas e mostrar virilidade, ajuntados a ritos de passagem da adolescência
em direção à vida adulta e aprovação para contrair o casamento. Apresentaremos a seguir algumas das
Lutas que possivelmente afetaram a formação da Capoeira como a conhecemos na atualidade.
• Luta Bate-coxa: era um duelo no qual especialmente negros fortes e altos disputavam a supremacia
masculina, por meio de golpes desferidos sobre as coxas e com intuito de derrubar o adversário
ao solo. Os choques inevitavelmente aconteciam além das coxas, mais usualmente nas partes
inferiores das pernas, nos joelhos, causando bastante prejuízo aos participantes. O objetivo era
assolar o oponente, que, uma vez caído ao chão, perdia o combate.
• Luta Batuque: o pai de mestre Bimba, Luiz Cândido Machado, era exímio Lutador de batuque e
essa talvez seja uma das Lutas que afetaram a criação da Capoeira, pois era muito usada pelos
africanos, os quais por aqui desembarcaram e conseguiram passar algumas influências motrizes
que nela derivaram.
O batuque tinha “orquestra” composta de: berimbau, pandeiro, ganzá, tambores e outros instrumentos.
A Luta era uma demonstração de equilíbrio por parte de um dos Lutadores, que recebia os ataques
efetuados também com as coxas de seu adversário. Era primordial a colocação das mãos sobre os órgãos
genitais para a sua proteção. Essas pancadas e baques nas coxas tinham por finalidade tirar o equilíbrio
do oponente. Os golpes mais usados eram baú, raspa ou rapa, que consistia em bater frontalmente com
suas coxas nas do Lutador obstante. Outros ataques eram chamados de banda armada e encruzilhada,
em que o atacante se jogava com as duas pernas em direção às pernas do adversário fazendo uma cruz
de carreira ou tesoura.
Os defensores mais hábeis conseguiam se conservar em uma perna só, trocando rapidamente de
apoio para manutenção do equilíbrio.
• Luta de Kamangula: de origem africana do Sudão, era Luta com socos, mãos abertas e aplicações
de pancadas com os braços. Porém, poucos indivíduos dessa área do continente africano atracaram
por estas localidades.
• Luta Bassula: praticada nos países com mar e praias, em geral sobre as areias, com objetivo de
derrubar e imobilizar o rival. Parecer ter sido pouco executada no Brasil, somente pelos primeiros
escravos que chegaram aqui provenientes de Luanda, Angola. É uma Luta com a finalidade de
agarrar e derrubar seu oponente por meio de varreduras (semelhante ao Judô e Sambo).
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
• Luta Dança das Zebras ou N’Golo: disputa ritualística das nações Bantu e Mucope para poder
receber uma jovem em casamento – as garotas eram escolhidas para casar com idade entre
12 e 15 anos e os pretendentes precisavam combater e vencer para conseguir matrimoniar a noiva
oferecida pelos pais. Eram usadas cabeçadas e chutes. Os pontapés e solavancos eram desferidos
com um ou dois pés, apoiando-se as mãos no solo. O concorrente que caísse primeiro ou desistisse
seria eliminado da contenda e o vencedor desposava a jovem.
• Luta do Bode: Luta muito antiga afrontada entre homens que se dispunham a dar cabeçadas,
para atacar e tentar abater seu opositor, assim como fazem os bodes nas disputas entre machos
pelas fêmeas. Era muito violenta e sua prática levava frequentemente à morte de um ou dos dois
competidores. Os ferimentos igualmente eram bastante graves e sua prática foi caindo em desuso.
Sua origem parece vir das Lutas de animais como girafas, que geralmente dão pescoçadas para
disputar as fêmeas, e os gnus, os quais se batem com as cabeças e os chifres, assim como os bodes,
muito comuns na África.
Dado um panorama geral sobre a Capoeira e seus contornos, não se pode deixar de citar outras Lutas
de silvícolas brasileiros, que estão ganhando mais notoriedade em nossa educação e cultura atuais.
Os povos indígenas brasileiros são designados por suas características idênticas às dos povos
encontrados pelos europeus, durante suas incursões na Ásia. Acredita-se que é plausível que os primeiros
nativos brasileiros vieram desses mesmos povos que emigraram para o continente americano por volta de
12,5 a 11 mil anos atrás, pelo istmo do Panamá. De modo geral, e como todos os povos humanos, possuíam
suas práticas guerreiras que visavam à proteção de seus indivíduos, sua existência e seus territórios.
Aqui no Brasil, a Fundação Nacional do Índio (Funai) catalogou alguns tipos de Lutas que são
disputadas pelos indígenas brasileiros. Combates corporais fazem parte da cultura habitual dos povos
aborígines brasileiros em diversas manifestações e práticas específicas a cada um dos povos, apresentando
semelhança e distinções de acordo com suas tradições. Os festivais mais agregadores e amplos nos quais se
verificam as práticas de Lutas são os jogos indígenas e o Festival Quarup. Em 2015, houve a concretização
dos Jogos Mundiais Indígenas realizados no Brasil, com participação de povos de vinte países distintos.
O Festival Quarup visa festejar as tradições indígenas e integrar os povos índios. Tem como base
celebrar os antepassados e fortalecer experiências nativas, políticas e sociais. Nesses contatos as Lutas
fazem parte de cerimônias que exaltam os ascendentes e os mortos, além de salientar a capacidade
varonil dos jovens combatentes.
Nos jogos indígenas ocorrem disputas de cabo de guerra e combates corporais bastante acirrados,
em especial pode-se citar com destaque a Huka-Huka.
A Huka-Huka se constitui de um combate corporal entre dois Lutadores, que permeia, antes de tudo,
a condição de celebração, respeito ao oponente e conscientização da superioridade de outrem na disputa.
Eventualmente possui um árbitro, ou melhor, o dono ou chefe da Luta, que pouco interfere, geralmente se
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Unidade I
limita a dar início à contenda e chamar os batalhantes. Os oponentes se posicionam frente a frente, fazem
movimentos circulares em sentido horário, vão se aproximando, entreolham-se e ficam imediatamente de
joelhos, agarrando seus corpos mutuamente e tentando derrubar o adversário de costas.
Uma das características importantes que se nota em suas disputas é que aquele que derruba o
oponente não se sente vencedor, mas responsável em ter atingido a condição de ter reverenciado seus
ancestrais. Os Lutadores, após o término do combate, saem abraçados e sorrindo, sem manifestação de
vitória ou triunfo sobre o opositor. Não parece existir o sentimento de inferioridade pelo derrotado, nem
de dominação pelo vencedor. Parece haver a sensação, análogo ao que acontece em todas as Lutas de
que “Hoje posso ter vencido, mas amanhã meu adversário poderá me vencer”.
Na Huka-Huka destaca-se outro aspecto muito significante. A aceitação do melhor, como em um jogo
de xadrez. Quando um enxadrista percebe que não terá mais condição de continuar o enfrentamento, por
estar em posição totalmente desfavorável e já definitivamente derradeira, abandona o jogo, derrubando
o seu rei. Aqui, o competidor que consegue pegar a perna de trás do opositor demonstra conseguir uma
vantagem extrema e o apreendido já desiste de continuar o combate.
A Huka-Huka é muito encontrada comumente como sendo de origem da região norte, adjunta ao
centro-oeste brasileiro.
Outra Luta a ser referenciada é a Luta Marajoara, praticada em alguns estados do nordeste e norte
do Brasil, em especial pela maioria da população indígena do Maranhão, Piauí e principalmente na Ilha
do Marajó, no Amapá, onde atualmente é exercida por vaqueiros e fazendeiros.
A Luta Marajoara é uma peleja corporal, a qual se disputa sobre solo de argila ou terra batida
molhada, assim reduzindo o risco de lesões. Seu objetivo é levantar o adversário, derrubá-lo e mantê-lo
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
deitado de costas sobre o solo. Abraçadas com envolvimento de todo o corpo são as bases do combate,
com a consequente derrubada dos competidores.
Não se tem dados concretos para determinar a origem exata desta Luta, mas ela provavelmente
surgiu da mistura entre as Lutas de agarre indígenas com as Lutas africanas baseadas nas “marradas”,
isto é, naquelas praticadas com intuito de se prenderem os corpos e lançá-los ao solo. A história tem
se referenciado pela atuação mais precedente da tribo Aruá, como precursora da cultura Marajoara e
consequentemente dessa Luta, além da participação da cultura indígena dos Nheengaíbas. Adicionalmente,
as influências de europeus, judeus, fenícios e andinos que habitaram a região parecem ter afetado a
cultura Marajoara, transformando os costumes e essa Luta em uma propriedade multicultural (GABBAY,
2009; SCHAAN, 2015).
Outra Luta a ser mencionada é a Idjassú, um estilo de combate que provém dos índios Karajá do
Tocantins. Ela tem início com os Lutadores se enfrentando em pé, diferentemente do que ocorre na
Huka-Huka, e exige técnicas de abraçadas completas pela cintura, que devem levar o adversário ao solo.
Um fator marcante é que após derrotar seu oponente, o vencedor sai cantando, dança e abre os braços
imitando uma ave.
Ainda apresenta-se a Aipenkuit, mais uma Luta de agarre na cintura, iniciada em pé, na qual se
deve derrubar o opositor por meio dos arremessos corporais. Ela é protagonizada pelo povo indígena
Parakáteye-Gavião, da região do Pará, e dos Tapirapé e Xavante, do Mato Grosso. Não existe um juiz
tradicional para essa modalidade, e sim um observador/orientador indígena que seria chamado de dono
da Luta, cabendo aos atletas reconhecer a derrota, a vitória ou o empate. Não há prêmio para o vencedor
da Luta em todas as etnias praticantes deste esporte. Há reconhecimento e respeito.
Xondaro é a Luta da esquiva e da malícia, tem por intuito provocar o participante para que não seja
atingido. A sua concepção procede dos Guaranis e já a citamos como uma Luta muito observada por
vários estudiosos como a precursora principal da Capoeira. Seu objetivo é desviar de ataques e não se
deixar atingir, mais do que atingir ou abordar ataques diretos ao seu oposto. Muitas demonstrações
dos Guaranis apresentam um ator principal no centro de um círculo de participantes que provoca a
todos a escaparem dos golpes. Narrativas de seus descendentes descrevem que o xondaro era praticado
para formação guerreira e vão além, dizendo que os mais hábeis desviavam do lançamento de flechas
e lanças com extrema destreza.
Outra modalidade indígena de combate que se assemelha com a Capoeira é o Maraná, natural
dos nativos potiguares, os quais fazem combates entre os jovens em torno de uma roda. Os Lutadores
podem ou não empregarem armas e usam de saltos e rodopios, além de agredirem seu antagonista
com cotoveladas e pernadas e imitarem animais; os derrotados, em geral caídos ou nocauteados, são
zombados com gritos e giros pelo vencedor. Esses mesmos íncolas também se enfrentam com tacapes e
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Unidade I
aquele que acertar primeiro o opositor ganha a Luta. Às vezes, os ferimentos são de raspão e mais leves,
em outras oportunidades causam maiores danos, com sangramentos e fraturas.
Também há a Briga de galo, Luta primitiva da tribo Manchineri, do Acre. Os oponentes se colocam
com o tronco um pouco inclinado até a cintura, semiflexionam os joelhos e se dão as mãos por trás das
coxas. A partir dessa posição, devem empurrar seu opositor somente com o corpo, tentando colocá-lo
para fora de um círculo. Aplicada aos adolescentes para desenvolverem equilíbrio e força.
Por fim, do povo Pataxó, temos a Luta Derruba toco, realizada em festividades. É executada em um
espaço bem amplo, um círculo de 8 metros de diâmetro. Existe um toco posicionado ao centro do círculo
e os adversários devem realizar pegadas nos braços e, abraçados, tentar puxar, empurrar e movimentar
seu oponente de modo a direcioná-lo para que derrube o toco com seu corpo. É uma Luta muito
extenuante. Como regras gerais somente se podem usar dois empurrões e puxadas até que se derrube
o toco. Não se pode largar subitamente o adversário em cima do toco, levantá-lo, estrangular, passar
rasteiras ou usar outro artifício qualquer para obter êxito.
Vimos uma variedade bastante ampla de Lutas, sejam brasileiras, ou sejam de outras civilizações, e as
riquezas culturais e corporais que as envolvem. Percebe-se uma abundância de elementos motrizes que
se destacam e trazem o admirável que as Lutas possuem: a complexidade e as habilidades respectivas.
A seguir propõem-se dados balizares para que possam ser exercidas em sua plenitude e satisfação de
acordo com suas características.
Lembrete
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Ao se dar início ao aprendizado motor, cada gesto novo é uma nova experiência motriz (MAGILL, 2000).
O aprendiz deve já ter tido experiências motoras apropriadas de acordo com o seu desenvolvimento, isto
é, precisa estar preparado para desenvolver e adquirir as habilidades de Lutas apropriadamente.
Faz-se importante chamar atenção ao fato de que Modalidades de Esporte de Combate, Lutas e
Artes Marciais exigem combinação de movimentos com elevada carga de sincronia e sinergia motriz. As
ações de combate, a serem impetradas para a conquista com êxito nos confrontos e práticas de Lutas,
partem de princípios de ativação musculoesquelética combinatória com elevado grau de complexidade
e precisão motora. Também são necessárias condições para combinar movimentos associados com
percepção ambiental, execução de práticas de ação e reação instantâneas, bem como o entendimento
direto da justaposição corporal agonística entre dois seres humanos e as consequências de seus atos
efetivados sobre o corpo de seu oponente.
Observação
As crianças e os jovens precisam de atividades físicas e movimentar-se para o bem de seu desenvolvimento
psíquico e físico. Dessa maneira, a educação física é uma necessidade para o desenvolvimento integral,
portanto o Esporte Educação é uma ferramenta imprescindível ao progresso físico, motor, psicossocial
e cognitivo do ser humano. Atividades físicas na infância e na juventude (e sempre) são altamente
recomendáveis. Porém, deve-se levar em consideração que crianças e púberes ainda se encontram em
crescimento, submetidos a alterações físicas, psíquicas e sociais muito significativas.
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Unidade I
As pausas para recuperação na infância e juventude são de grande importância. Weineck (1999, p.
355) afirma que “a adaptação dos músculos é realizada em um período relativamente rápido”, enquanto
cartilagens, tendões e ligamentos requerem muitas semanas. Complementando essa explicação, Foss
e Keteyian (2000) advertem para o fato de que em crescimento, a maturação da placa epifásica (local
nos ossos longos, onde se processa o crescimento ósseo) deve ser respeitada, já que extremos de
atividade física (lesões, uso excessivo, fratura por contato induzido, entre outros) podem vir a resultar
em interrupção do crescimento, devido à possibilidade de calcificação precoce. A intensidade deve ser
controlada e, além disso, movimentos motores complicados em sua execução, característicos das Lutas,
tampouco serão compreendidos pelas crianças.
A maturação dos movimentos é conseguida pela maior maturidade biológica. Observa-se que
dominando os movimentos de forma mais precisa, a criança poderá executar uma especialização mais
profunda; entretanto, pode-se afirmar que ainda não se deve partir para gestos técnicos muito complexos,
sobretudo como se observam claramente no contexto das Modalidades Esportivas de Combate.
Sugere-se ao professor a tarefa de estar atento para aquilo que a literatura científica descreve
como importante para a realização de um programa de iniciação esportiva, de forma a respeitar
os limites de desenvolvimento infantil e proporcionar a formação integral da criança para o seu
pleno desenvolvimento motor, afetivo, social e cognitivo. O docente deve ter em mente que é
um mentor, orientador e direcionador de atividades que visem o desenvolvimento global do
indivíduo. Nas Modalidades de Esportes de Combate e Artes Marciais e iniciação esportiva em
Lutas, seja dentro ou fora da academia, clube ou escola, a função primordial de um profissional
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
de Educação Física é que a criança seja preservada para poder cumprir com a sua respectiva
formação e transformar-se em um adulto saudável e virtuoso. As Lutas, consequentemente,
serão constituídas em componentes importantes para a formação da cultura corporal do jovem
e do adulto.
É óbvio que muitos principiantes começam a praticar modalidades de Lutas bem antes
da idade inicial adolescente, e o professor deve estar muito bem preparado para não pular
etapas de formação motora, provocar especialização precoce e tampouco causar danos físicos
motores, emocionais e intelectuais. Atividades de iniciação na especialização esportiva podem
ser aproveitadas, com o emprego de estratégias justas e apropriadas. Por exemplo, crianças de
7 e 8 anos podem receber estímulos que os levem a efetuar exercícios os quais poderão ser
posteriormente usados para a prática desportiva em esportes de combate. Sugere-se a imitação
de movimentos de animais, que os levem a realizar arrastes corporais, giros, mergulhos à frente
com rolamentos, ações de pegar, puxar, empurrar, quadrupedar, equilibrarem-se e moverem-se
com variação de direção. A seguir destacamos crianças imitando o andar de ursos, uma prática de
grande importância no universo da coordenação motora geral, e depois outras figuras mostrando
atividades conjuntas e individuais de arraste sobre a grama.
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Unidade I
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Devido a essa complexidade de movimentos, o ensino das técnicas e habilidades nas Lutas necessita
de aprofundamento teórico-prático, muito estudo e vivência permanente. O mais importante é que
se compreenda que as ações são possíveis e requerem determinação de quem deseja obter elevado
nível de habilidade.
Observação
Por sua vez, as capacidades coordenativas são demandas de reação proporcionadas pelos estímulos
sensoriais exteroceptivas: visão, tato, olfato, audição, paladar e háptica. Marcantemente, nas Lutas
pode-se notar que capacidades coordenativas como reação visomotora e tátil-motora e a háptica
são comumente usadas para se tomar decisões ao se enfrentar um oponente que queira lhe atingir,
arremessar ou derrubar.
A condição de orientação e a noção de espaço são essenciais ao aprendizado de Lutas, pois são
requeridos deslocamentos ágeis e precisos, tanto em relação ao opositor, quanto à área de combate na
qual se disputa a Luta. A orientação espacial se associa ao tempo de execução e análise de se aproximar
ou se afastar de seu oponente. Essas capacidades coordenativas são essenciais nas decisões relativas
aos princípios de confronto, pela obrigação em postar-se diante do concorrente de modo a controlar a
extensão de seu desempenho ou dos implementos usados na disputa como espadas, bastões, lanças etc.
decisão mais válida à efetivação ofensiva, sempre nas condições mais favoráveis, porque desestabiliza o
conjunto de atos pretendidos pelo adversário.
O controle de energia interior relaciona-se com a conveniência das emoções provocadas pela
ingerência do Lutador sobre o domínio corpóreo diante de seu adversário, decorrente das tentativas
contínuas de tentar a submissão ou desestabilizar sua harmonia e equilíbrio físicos, psicomotriz e
também emocional. O praticante de Artes Marciais aprende a reprimir ansiedades ou a se deixar
enfraquecer diante do sucesso do adversário. Pode-se comparar a energia interior ao autocontrole
corporal, não consentindo que reações psicoemocionais interfiram em seu plano de ação ou em sua
capacidade de reação.
Lembrete
psicossocial atribuídas pelas circunstâncias do embate e pela condição repetitiva do gesto técnico
que proporciona autonomia motriz.
No mundo das Modalidades de Esporte de Combate e das Artes Marciais, podem-se verificar
todos esses acondicionamentos coordenativos, de dois jeitos diferentes. O primeiro exige a exclusiva
demonstração de gestos técnicos por meio individual ou com companheiros, com ou sem a utilização
de armas e implementos. São rotinas e configurações executadas dinamicamente e estruturadas para
se manter tradições das modalidades e suportar suas características mais representativas. O segundo
modo são os combates em si, o enfrentamento corpo a corpo decisivo para se obter pontos e condições
decisivas. Assim, faz-se necessário classificar essas maneiras de se exercer as Modalidades de Esporte
de Combate e as Artes Marciais em tipos de tarefas para a melhor aplicação da metodologia de prática
e do aprendizado. A classificação dessas tarefas é condicionada ao ambiente no qual são realizadas e a
previsibilidade de tomada de decisão.
Figura 62 – Luta de Wrestling: o que vou fazer? O que meu adversário vai fazer?
poderá implicar respostas distintas, tais como: tentativa de resistir ao empuxe ou aproximação, desvios
e escapes, contra-ataques e contragolpes, aproveitamento da ação executada e da força empregada
para aplicar uma técnica de decisão. A metodologia de ensino é mais livre, com a prática da Luta em si,
e assim os principiantes vão construindo bases de posicionamento motriz, mental e emocional de modo
a provocar a arquitetura de uma maior autonomia e aumento nas decisões motoras.
Essas tarefas motoras constantes das práticas de Lutas, em geral, são jogos de oposição corporais
extremamente dinâmicos, que possibilitam permanente imprevisibilidade motora. Desse modo,
caracterizam-se como tarefas motoras abertas, pois não se pode com precisão absoluta determinar,
integralmente, as ações humanas que procedem de seu adversário em todos os momentos da disputa
competitiva. Tampouco saber se ataques, defesas e esquivas realizados surtirão o efeito desejado
naquela situação. Na iniciação esportiva e na Educação Física escolar, é importante que se empreguem
as atividades de Lutas como Jogos de Combate, proporcionando a concepção de enfrentar situações de
confrontação e possibilitar o exercício de adaptação instantânea e formação de atitudes confiantes e
determinantes. Aqui a prática indica efetuar a Luta e assim poder se Lutar.
Por outro lado, apresentam-se possibilidades no exercício demonstrativo das Lutas que são efetivadas
sem que haja considerações impostas por opositores. Nesse caso, o indivíduo mostra suas capacidades
de entendimento e profundidade na realização motora de movimentos motrizes de ataques e defesas,
sem que exista um oponente. Faz-se a apresentação com precisão e rigorosidade motriz. Esse modelo é
circunscrito a um padrão de execução, é seguro, sequencial e predeterminado. Eles são destacados como
tarefas motoras fechadas.
Essas tarefas não recorrem a decisões a serem tomadas de modo reativo, pois são demonstrações
combinadas ou treinadas com movimentos predeterminados, com ou sem parceiros, por exemplo, as
rotinas de execuções denominadas katas, poomses e katis, do Judô e Karatê, Tae kwon do e Wushu,
respectivamente. Podem e devem ser usadas para se desenvolver conceitos de posicionamento, de
habilitação de ações mais complexas de modo sequencial e sincronismo pedagógico, de estruturação
de movimentos rítmicos, formação de esquema corporal, coordenação motora, controle de energia e
fundamentação do equilíbrio anatômico e compreensão das posturas corporais e essência de cada Luta.
Essa metodologia é mais analítica e sequencial. Nessa condição, a Luta é imaginária e os movimentos
são produzidos em séries ordenadas e possuem grande plasticidade motora.
Observe na sequência as figuras mostrando as quebradeiras do Tae kwon do coreano, uma tarefa
motora fechada; e depois um movimento do kati, do Wushu chinês, outra tarefa totalmente previsível,
isto é, em ambiente estável de realização.
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
A classificação das tarefas motoras em abertas e fechadas permite estruturar e organizar as práticas
das atividades, além de direcioná-las de acordo com os interesses do praticante e as percepções do
professor para iniciação e prosseguimento de aulas e respectivos objetivos a serem alcançados.
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Unidade I
Saiba mais
Exemplo de aplicação
Partindo-se do conteúdo apresentado, que tal fazer uma reflexão e propor atividades baseadas
em Modalidades de Esporte de Combate para a promoção do aprendizado de fundamentos técnicos
das Lutas? Como usar os elementos de enfretamento da prática de Lutas para se preparar contra as
adversidades sociais, políticas e profissionais?
Resumo
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
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Unidade I
A riqueza cultural que envolve a prática das Lutas possibilita sua ampla
atuação na Educação Física e, por conseguinte, no Esporte Educação,
proporcionando ilimitadas ações de interdisciplinaridade. Basta verificar
os componentes lendários, históricos, anatômicos e biomecânicos para
se perceber sua empregabilidade educacional. Desde as Lutas mais
remanescentes, que se têm ciência do mundo ocidental e oriental, passando
pela evolução das Artes Marciais e do interesse e sucesso nas modalidades
esportivas de combate, sabe-se que o universo das Lutas é deveras global.
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LUTAS: ASPECTOS PEDAGÓGICOS E APROFUNDAMENTOS
Exercícios
I – O coordenador esportivo deverá convocar uma reunião com os professores da equipe para discutir
o processo de ensino-aprendizagem dos alunos e propor a reestruturação do planejamento pedagógico
das referidas modalidades
Porque
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Unidade I
Questão 2. (Enade 2004, adaptada) As Lutas são um conteúdo da Educação Física a ser desenvolvido
pelos profissionais nas suas atividades em diferentes locais, como academias, clubes, escolas etc. Embora
não sejam um objeto de estudo exclusivo da Educação Física, têm sido elemento constante de tal campo
de atuação. Por outro lado, as Lutas têm sido alvo de severas críticas, especialmente em virtude do
desenvolvimento dos chamados pit boys (rapazes que se utilizam do aspecto físico e técnico das artes
marciais para praticarem atos de violência). Neste sentido, aulas e treinamentos podem ser um espaço
de contribuição para formação educacional e físico-técnica do aluno, cabendo ao professor:
C) Traçar um perfil sociométrico e psicológico de seus alunos para aferir a possibilidade de um deles
tornar-se um pit boy.
D) Facilitar a inserção social da população, estimulando-a a praticar artes marciais para aprender a
se defender quando sofrer um ato de violência.
E) Facilitar a inserção social dos excluídos, inclusive os que têm comportamento agressivo, e utilizar
suas aulas para estimular, além do desempenho atlético, a sociabilidade.
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