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Cultura e estética interpretativa da música de câmara:

análise de um experimento educativo com alicerce


na filosofia de Theodor W. Adorno
Culture and aesthetics interpretive of chamber music:
analysis of an educational experiment with foundation
in Theodor W. Adorno’s philosophy
Palavras-chave: cultura; educação; estética; interpretação; música.
Keywords: culture; education; aesthetics; interpretation; music.

Ney Alves de Arruda


UFMT

Racionalmente a linguagem da música de câmara pode ser benéfica para despertar a


sensibilidade estético-interpretativa das obras de notáveis compositores. Partimos
do método observacional de um programa de extensão para o ensino da música
atendendo a comunidade que está em desenvolvimento integrando as atividades de
ensino extensionista numa determinada universidade brasileira.
Nessa iniciativa educativa tem-se a prática do ensino instrumental (violino, viola,
violoncelo), aliado à cultura do aprimoramento estético no estudo da música de câmara
em distintos e progressivos graus de dificuldade técnica com emprego de recitais
públicos efetivados por grupamentos musicais previamente distribuídos, treinados
como executantes básicos, intermediários e avançados para performances artísticas.
O conjunto de aprendizados e rotinas culturais concernentes à interpretação came-
rística nessa ação extencionista poderia sofrer uma reflexão partindo da análise
estética da prática musical desenvolvida pelo filósofo esteta, pianista e compositor
Theodor W. Adorno. Com efeito, em seu ensaio Música de Câmara (de 1967), Adorno
elenca meditações relevantes estruturando uma atitude compreensiva da estética
na práxis interpretativa da música de câmara.
Preliminarmente informa-se que objetivamos desenvolver um diálogo crítico-her-
menêutico com outras fontes, autores e pesquisas sobre a estética da interpretação
da música camerística, para além dos autores abaixo referenciados.
Assim, demonstrando num exercício acerca da contemporaneidade do pensar ador-
niano verifica-se o suscitar do debate sobre a “intenção na relação camerístico musical”
(ADORNO, 2011, p. 188). No dia a dia do ensino musical, no contato preparatório
com os alunos, examina-se que a música de câmara colima o diálogo com os estilos
de época, materializado nas “partituras” (CARVALHO, 2005, p. 210), buscando então

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aperfeiçoar “o gesto da execução puramente musical” (ADORNO, 2011, p. 189). Desde
alunos principiantes e intermediários, os professores ensinam sobre a importância
da autoafirmação do todo musical, diante das vozes individuais dos instrumentos
nos conjuntos camerísticos, no que o esteta considerou que é importante na “música
de câmara o aprender a não se exibir” (ADORNO, 2011, p. 190).
Os preceitos do filósofo repercutem também para alunos avançados no conhecimento
técnico quando a interpretação camerística poderá ser cautelosa no que Adorno
igualmente alcunhou como a “renúncia à gestualidade patética na interpretação”
(ADORNO, 2011, p. 201). Ao realizar os progressivos ensaios visando performances
públicas, os estudantes são estimulados a cogitar sobre a melhor intenção possível
na construção dos diálogos musicais, isto é, a “nuance, the soul of interpretation –
fhrasing” (AUER, 1980, p. 61), considerando com acuidade sobre “a moldagem da
estrutura discursiva musical nas mais íntimas células, atingindo as menores variáveis”
(ADORNO, 2011, p. 204).
O trabalho de orientação na cultura do saberes interpretativos da música camerística
igualmente implica alertar o corpo estudantil sobre a reflexão acerca “do intérprete
da música de câmara e seu trabalho prolongado, exigente, árduo” (ADORNO, 2011,
p. 211).
A guisa de constatações antecedentes do objeto desta investigação, ao longo de 04
(quatro) semestres como colaborador convidado no ensino e estudos conjuntos com
classes de alunos desse experimento educacional, a partir da vivência de elementos
da técnica instrumental mesclado a participação de concertos públicos de música de
câmara foi possível averiguar indícios de uma gradual evolução estético-musical dos
estudantes desse programa de extensão. Theodor W. Adorno demonstra a hodierna
eficácia de sua estética filosófica, uma vez que vislumbramos no convívio com os
alunos na prática do “ato musical” (LABOISSIÈRE, 2007, p. 29), o fenômeno social
onde a “espiritualização da música via da ‘chamber music’ promove a ‘courtoisie’
(cortesia), polidez civilizatória para executantes e ouvintes” (ADORNO, 2011, p. 191).
Além disso, o estudo de obras de reconhecidos compositores como Bach, Mozart,
Vivaldi, Beethoven, Brahms entre outros, resulta por demarcar possivelmente o efeito
psíquico identificado por Adorno como sendo “a alegria dos intérpretes de música
de câmara que se jubilam diante da beleza de uma obra musical; a importância de
se desenvolver o gosto pela boa escuta, a adequada escuta da música camerística”
(ADORNO, 2011, p. 213). Eis uma proposta de análise estético-musical.

Referências
ADORNO, Theodor W. Música de câmara. In: ADORNO, Theodor W. Introdução à sociologia da
música: doze preleções teóricas. Trad. de Fernando R. de Moraes Barros. São Paulo: Editora
Unesp, 2011. p. 187-215.
AUER, Leopold. Violin playing. As I teach it. New York: Dover Publications, 1980.

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CARVALHO, Mário Vieira de. A partitura como “espírito sedimentado”: em torno da teoria
da interpretação musical de Adorno. In: DUARTE, Rodrigo (org.). Theoria Aesthetica: em
comemoração ao centenário de Theodor W. Adorno. Porto Alegre: Escritos, 2005. p. 203-224.
LABOISSIÈRE, Marília. Interpretação musical: a dimensão recriadora da comunicação poética.
São Paulo: Annablume, 2007.

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