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aperfeiçoar “o gesto da execução puramente musical” (ADORNO, 2011, p. 189). Desde
alunos principiantes e intermediários, os professores ensinam sobre a importância
da autoafirmação do todo musical, diante das vozes individuais dos instrumentos
nos conjuntos camerísticos, no que o esteta considerou que é importante na “música
de câmara o aprender a não se exibir” (ADORNO, 2011, p. 190).
Os preceitos do filósofo repercutem também para alunos avançados no conhecimento
técnico quando a interpretação camerística poderá ser cautelosa no que Adorno
igualmente alcunhou como a “renúncia à gestualidade patética na interpretação”
(ADORNO, 2011, p. 201). Ao realizar os progressivos ensaios visando performances
públicas, os estudantes são estimulados a cogitar sobre a melhor intenção possível
na construção dos diálogos musicais, isto é, a “nuance, the soul of interpretation –
fhrasing” (AUER, 1980, p. 61), considerando com acuidade sobre “a moldagem da
estrutura discursiva musical nas mais íntimas células, atingindo as menores variáveis”
(ADORNO, 2011, p. 204).
O trabalho de orientação na cultura do saberes interpretativos da música camerística
igualmente implica alertar o corpo estudantil sobre a reflexão acerca “do intérprete
da música de câmara e seu trabalho prolongado, exigente, árduo” (ADORNO, 2011,
p. 211).
A guisa de constatações antecedentes do objeto desta investigação, ao longo de 04
(quatro) semestres como colaborador convidado no ensino e estudos conjuntos com
classes de alunos desse experimento educacional, a partir da vivência de elementos
da técnica instrumental mesclado a participação de concertos públicos de música de
câmara foi possível averiguar indícios de uma gradual evolução estético-musical dos
estudantes desse programa de extensão. Theodor W. Adorno demonstra a hodierna
eficácia de sua estética filosófica, uma vez que vislumbramos no convívio com os
alunos na prática do “ato musical” (LABOISSIÈRE, 2007, p. 29), o fenômeno social
onde a “espiritualização da música via da ‘chamber music’ promove a ‘courtoisie’
(cortesia), polidez civilizatória para executantes e ouvintes” (ADORNO, 2011, p. 191).
Além disso, o estudo de obras de reconhecidos compositores como Bach, Mozart,
Vivaldi, Beethoven, Brahms entre outros, resulta por demarcar possivelmente o efeito
psíquico identificado por Adorno como sendo “a alegria dos intérpretes de música
de câmara que se jubilam diante da beleza de uma obra musical; a importância de
se desenvolver o gosto pela boa escuta, a adequada escuta da música camerística”
(ADORNO, 2011, p. 213). Eis uma proposta de análise estético-musical.
Referências
ADORNO, Theodor W. Música de câmara. In: ADORNO, Theodor W. Introdução à sociologia da
música: doze preleções teóricas. Trad. de Fernando R. de Moraes Barros. São Paulo: Editora
Unesp, 2011. p. 187-215.
AUER, Leopold. Violin playing. As I teach it. New York: Dover Publications, 1980.
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CARVALHO, Mário Vieira de. A partitura como “espírito sedimentado”: em torno da teoria
da interpretação musical de Adorno. In: DUARTE, Rodrigo (org.). Theoria Aesthetica: em
comemoração ao centenário de Theodor W. Adorno. Porto Alegre: Escritos, 2005. p. 203-224.
LABOISSIÈRE, Marília. Interpretação musical: a dimensão recriadora da comunicação poética.
São Paulo: Annablume, 2007.
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