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Luz e Trevas Uma Analise Da Representaca
Luz e Trevas Uma Analise Da Representaca
Leandro Vilar
Mestre em História e Cultura Histórica - UFPB
Escritor, poeta, mitólogo, diretor e autor do blog Seguindo os Passos da História
Resumo:
A série Bayonetta foi lançada em 2009, por Hideki Kamiya, em cuja história narra-se a aventura de uma
bruxa conhecida pelo apelido de Bayonetta; uma mulher sensual, debochada, maliciosa e com poderes
mágicos, com os quais combatem os anjos do Paraíso, em uma guerra que remonta conflitos iniciados há
mais de cinco séculos, travando-se um embate entre Céu e Inferno, entre Luz e Trevas. Optamos em
adotar uma metodologia embasada na história cultural, no intuito de se analisar elementos do imaginário
relacionados aos conceitos de bruxaria, “magia negra”, transformações em animais, noite, trevas, sabá,
pacto com o Diabo e a sexualidade das bruxas. Com a análise de tais conceitos relacionados à bruxaria e
seus estereótipos, passamos para compreendê-los como tais características foram representadas na cultura
visual dos videogames no século XXI, neste caso, nos jogos da série Bayonetta, chegando a algumas
conclusões nas quais revelam a manutenção de alguns desses estereótipos e ressignificação de outros.
Abstract:
The Bayonetta series was launched in 2009 by Hideki Kamiya, whose story narrates the adventure of a
witch known for Bayonetta nickname; a sensual woman, mocking, mischievous and magical powers,
which fight the angels of Heaven, in a war that dates conflict started more than five centuries, locking up
a struggle between Heaven and Hell, between Light and Darkness. We chose to adopt a methodology
grounded in cultural history, in order to analyze the imaginary elements related to the concepts of
witchcraft, "black magic", transformations in animals, night, darkness, Sabbat, deal with the Devil and
sexuality of witches. With the analysis of these concepts related to witchcraft and its stereotypes, to
understand them as such characteristics were represented in the visual culture of video games in the XXI
century, in this case, the games Bayonetta series, coming to some conclusions on which reveal
maintenance some of these stereotypes and reframing others.
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História, imagem e narrativas
Introdução:
A série Bayonetta foi criada por Hideki Kamiya1, possuindo dois jogos e um
filme animado: Bayonetta2 (2009), Bayonetta: Bloody Fate (2013) e Bayonetta 2
(2014). Para este estudo usamos as histórias dos dois jogos, pois o filme é um resumo
da trama do primeiro jogo, embora usamos algumas imagens referentes ao filme.
Bayonetta é um jogo de ação e aventura em terceira pessoa, o qual possui cenas
com violência, sangue e conotação sensual, além de possuir um humor sarcástico e
irônico. O jogo conta a história da bruxa Bayonetta, uma mulher bela, sensual,
debochada, atrevida e maliciosa; especialista em combate com várias armas, além de ser
habilidosa com o uso da magia e ter capacidades sobre-humanas como força, velocidade
e agilidade aumentadas, além de poder voar, se transformar em animais e manipular o
tempo.
Figura 1: Capas dos dois jogos na versão para o Nintendo Wii U, 2014. Imagem montada pelo autor.
1 Hideki Kamiya possui outros importantes trabalhos na indústria dos videogames. Dirigiu Resident Evil
2 (1998), criou e dirigiu Devil May Cry (2001) e dirigiu Viewtiful Joe (2003). Destes jogos, Devil May
Cry é o que mais se aproxima de Bayonetta, por seguir o mesmo estilo de jogo e tratar-se da história de
Dante, o qual caça demônios. De fato alguns elementos para criar a história de Bayonetta advieram da
série Devil May Cry.
2 O jogo originalmente foi lançado para o Playstation 3 e o Xbox 360 em 2009/2010. Em 2014 foi
relançado para o Wii U. Por sua vez, Bayonetta 2 é exclusivo do Wii U.
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História, imagem e narrativas
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amizade. Mesmo sabendo da proibição, ainda assim eles acabaram cedendo à paixão e o
amor, e desse relacionamento nasceu Cereza, a qual viria no futuro a se chamar
Bayonetta.
Apresentado esse resumo introdutório sobre o plano de fundo do jogo,
partiremos nos tópicos a seguir para analisar como essa história entre deuses, joias
mágicas, magia, e o confronto entre Luz e Trevas foi relacionado com o conceito e
imaginário cultural acerca da bruxaria e da magia, lembrando-se que ainda hoje são
questões que permeiam a sociedade contemporânea, gerando opiniões conflitantes.
Assim, num primeiro momento será apresentado alguns conceitos sobre o que
seria magia e se falará a respeito do desenvolvimento da bruxaria, a qual surgiu na
Idade Média europeia por volta do século XIV. Apresentando estes dois conceitos, nos
tópicos seguintes passaremos aplicá-los a partir de comparação, procurando identificar o
que foi mantido desse conceito original, o que foi reelaborado, e quais foram às
diferenças apresentadas nessa nova reinterpretação.
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História, imagem e narrativas
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História, imagem e narrativas
correspondem aos atos mágicos; quanto aos atos, em relação aos quais
definimos os outros elementos da magia, chamamo-los ritos mágicos.
(MAUSS; HUBERT, 2003, p. 55).
A bruxaria:
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História, imagem e narrativas
com desconfiança pelos judeus e cristãos nos séculos seguintes, mas isso não significou
que a magia deixou de ser praticada.
As conversões à nova religião, seja na época da Igreja primitiva ou sob os
auspícios de missionários de tempos mais recentes, são frequentemente
reforçadas pela crença dos conversos de que estão adquirindo não só um
meio de salvação no além, mas também uma nova magia mais potente. Assim
como os sacerdotes do Antigo Testamento empenhavam-se em confundir os
devotos de Baal, desafiando-os publicamente a realizarem atos sobrenaturais,
da mesma forma os apóstolos da Igreja primitiva atraíam seguidores
operando milagres e realizando curas milagrosas. (THOMAS, 1991, p. 35).
Por mais que nos primeiros séculos da Igreja Primitiva houvesse críticas de
padres, bispos, papas e de santos sobre a permanência de práticas pagãs entre as
comunidades cristãs, ainda assim, eles não conseguiram abolir totalmente tais crenças.
Foram necessários séculos para que isso ocorresse e em outros casos a própria Igreja
assimilou crenças pagãs, como exemplo a data do Natal ser celebrada em 25 de
dezembro, data que consiste no Mitraísmo o dia do nascimento do deus Mithra,
importante divindade oriental bastante em voga no Império Romano.
No período medieval um exemplo bem conhecido foi à apropriação do culto
celta do Samhain, celebrado desde a Antiguidade, no dia 31 de outubro, consistindo
num festejo de passagem de ano, do final do outono e começo do inverno, e de culto aos
mortos, etc. (POWELL, 1974, p. 145). No século VIII, o papa Gregório III transferiu o
Dia de Todos os Santos que era celebrado em 13 de maio, passando-o para a data de 1
de novembro, e com isso o Samahin transformou-se no All Hallows Eve (Véspera de
Todos os Santos). Posteriormente o termo tornou-se Halloween e depois foi associado
às bruxas. (BONWICK, 1984, p. 87). O Halloween que antes se cultuava os
antepassados, passou a cultuar os santos.
Todavia, nestes dois exemplos nota-se a política de conversão da Igreja em ao
mesmo tempo tentar abolir crenças pagãs, mas quando se percebia que elas eram
bastante enraizadas e não seriam fáceis de serem proibidas, optava-se em reaproveita-
las para o uso da doutrina católica. Tais medidas se mantiveram ao longo da Idade
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História, imagem e narrativas
Média, havendo em dados momentos críticas por alguns clérigos acerca de se conceder
liberdade para os fiéis mantiverem superstições e práticas pagãs 3.
No entanto, foi a partir da Idade Média Central (sécs. XI-XIII) que surgiram
algumas reações mais rígidas quanto à manutenção de crenças pagãs e o uso da magia.
Em 1232, o papa Gregório IX publicou o decreto Vox in Rama, no qual ordenava
o combate às heresias e os heréticos. No caso deste decreto o que chama a atenção foi o
fato do papa condenar o uso de gatos em uma prática mágica que era realizada no norte
da Alemanha, na qual feiticeiras, segundo consta em seu relato, teriam que beijar gatos
pretos. O papa começou a associar essa prática como sendo ação demoníaca.
(LANGER, 2014, p. 11-12).
Na Inglaterra do século XIII, os bispos e padres começaram a excomungar as
feiticeiras e feiticeiros, assim como ameaçar de também excomungar as pessoas que
recorressem a tais praticantes de magia ou decidissem fazer magia por conta própria.
Todavia, os clérigos já apresentavam o intuito de combater a magia a qual
necessariamente não era associada ao demônio, mas era vista como supersticiosa e
subversiva. Era preciso acreditar na “magia da Igreja” e não na magia de outros.
(THOMAS, 1991, p. 215).
Em 1326, foi publicado um dos documentos fundamentais para abrir caminho ao
surgimento da bruxaria: a bula Super Illius Specula, decretada pelo papa João XXII. Na
época que a bula foi promulgada, a França e o norte da Itália passavam por um
momento tenso e de histeria coletiva, envolvendo um suposto plano maléfico entre
leprosos e judeus que estariam conspirando para matar os cristãos (GINZBURG, 1991,
p. 41-42). Em alguns casos mencionou-se que um misterioso “pó venenoso” era jogado
nos reservatórios de água, em rios e lagos, para matar as pessoas.
Em meio a esse cenário conturbado, o papa decretava por sua bula que a
feitiçaria estava associada às artimanhas de Satanás, o qual com suas mentiras e
promessas iludiam homens e mulheres. Nessa época a inquisição episcopal já existia,
3 Em 906, o clérigo Reginone di Prüm escreveu De synodalibus causis et disciplinis ecclesiasticis libri
duo, documento que consistia numa lista de recomendações para os bispos, padres e párocos. E entre as
recomendações estava-se combater as crendices pagãs. (GINZBURG, 1991, p. 83-84).
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então João XXII ordenou empenho de se combater à feitiçaria, a qual passava a ser
associada a “magia negra” ou “magia maléfica”.
Quando se chega ao século XV, à bruxaria finalmente foi instituída, sendo dois
documentos triviais para isso, a bula Summis Desiderantes Affectibus, decretada em
1484, pelo papa Inocêncio VIII, o qual afirmava a existência da bruxaria, sendo essa
relacionada com a “magia negra”, servindo aos propósitos maléficos de Satanás. Com
isso, o papa a decretava como uma heresia grave e deveria ser fortemente combatida.
(OBICI; SKALINSKI, 2003, p. 24).
Dois anos depois da bula Summis Desiderantes Affectibus, era publicado o livro
Malleus Maleficarum (O Martelo das Bruxas), escrito pelos teólogos dominicanos
alemães Heinrich Kramer (1430-1505) e Jacob Sprenger (1436-1495), os quais haviam
sido autorizados pelo próprio papa Inocêncio VIII, como expressado em sua bula, que
estes dois teólogos escrevessem uma obra explicando o que era a bruxaria e como ela
deveria ser combatida.
O Malleus Maleficarum é estruturado da seguinte maneira: na primeira parte
são colocadas e discutidas as três condições necessárias para a bruxaria: o
diabo, a bruxa e a permissão de Deus; na segunda, os métodos pelos quais se
infligem os malefícios e de que modo podem ser curados; e, finalmente, na
terceira as medidas judiciais, no tribunal eclesiástico e no civil, a serem
tomadas contra as bruxas e todos os hereges. Discorrendo sobre diversas
questões dentre dessas três divisões, os monges buscam fundamentar a
"doutrina científica" acerca da bruxaria, contribuindo para a
institucionalização do conhecimento sobre o tema. (OBICI; SKALINSKI,
2003, p. 25).
Embora não tenha sido nem o primeiro o último livro que abordasse a bruxaria4,
o que torna o Malleus Maleficarum importante, foi o fato de ter sido a primeira obra
com viés doutrinário, respaldado em estudos teológicos, filosóficos e demonológicos
para justificar a bruxaria, a qual era pautada a partir de três aspectos: a mulher, o pacto
com Satanás e a permissão de Deus.
Não obstante, os padres Kremer e Sprenger também instituíram a opinião de que
a bruxaria seria essencialmente praticada apenas por mulheres, embora que as bulas de
4 "No período compreendido entre o século XIV e meados do XVIII, a Igreja Católica construiu e
apresentou de maneira pretensiosamente científica sua doutrina acerca da bruxaria. Dentre os vários
documentos da Igreja relacionados ao tema - segundo Delumeau (1989), foram publicados ao todo 41
tratados sobre feitiçaria entre 1320 e 1487 (ano de publicação do Malleus Maleficarum)". (OBICI;
SKALINSKI, 2003, p. 23).
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1326 e 1484, não definisse o gênero dos praticantes de magia, apenas dizendo que os
praticantes de magia deveriam ser combatidos. No entanto, com essa associação ao
feminino, foram poucos os casos de bruxos condenados, sendo a maioria das vítimas da
bruxaria, mulheres, pois elas seriam naturalmente, mentalmente, intelectualmente e
espiritualmente mais fracas e susceptíveis a serem tentadas, isso como alegavam os
autores de O Martelo das Bruxas.
Fala-se de “caça às bruxas ou feiticeiras”, mas não de “caça aos bruxos”.
Voltaire já havia registrado a desproporção, a história, o nome e o destino
lamentável de grandes figuras de feiticeiras – Circe, Hécate, Medéia, Joana
d’Arc, La Voisin, Tituba, Corriveau – desde a Antiguidade até hoje. Todas
eram mulheres, franca maioria entre as vítimas da “caça”. Para um
feiticeiro, nove feiticeiras, triste privilégio, que se explica por muitas razões.
A primeira, de ordem biológica, determina que a mulher, mais sensível a
diversas influências, mais infeliz do que o homem, nos lares camponeses dos
séculos passados sofreu maiores inquietações, penas, dramas e tumultuada
sexualidade. (HANCIAU, 2009, p. 82).
A Caça às Bruxas:
5 Cereza nasceu em 19 de dezembro de 1411. A Caça às Bruxas ocorreu cerca de vinte anos depois.
6 O nome Jeanne é uma referência a Santa Joana D’Arc, sentenciada a morte em 1431, acusada de
bruxaria.
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Figura 2: Cena de Bayonetta 2 (2014), mostrando Balder e Rosa durante os acontecimentos da Caça às
Bruxas. Na cena em questão, Rosa se encontra a beira da morte.
Fonte: https://i.ytimg.com/vi/KUd5BqBDuz8/maxresdefault.jpg.
Balder acabou falhando em salvar Rosa, a qual morreu durante a guerra. Por sua
vez, ele fugiu. Quanto a Jeanne e Cereza, as duas tornaram-se as últimas sobreviventes
do seu clã. Jeanne descobrindo que sua amiga era portadora do Olho Esquerdo da
Escuridão, e temendo que Balder tentasse se apossar dele, decidiu proteger Cereza,
lançando um feitiço sobre ela e a aprisionando num lago, por 500 anos.
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O conflito entre o último Lumen Sage, apoiado pelos anjos, contra as Umbra
Witches, apoiadas pelos demônios, e com a participação da população enfurecida de
Vigrid, foi chamado de a Caça às Bruxas, uma alusão direta ao movimento de
perseguição, combate e execução em massa de mulheres acusadas de bruxaria. Por mais
que as feiticeiras já fossem perseguidas ainda no século XIV, o fenômeno da caça às
bruxas somente surgiu no século XV, perdurando até o XVIII, mas vivenciando seu
auge entre os séculos XVI e XVII (ECO, 2007, p. 207).
Tomar a bruxaria como algo sem importância, trivial é outro erro, em muitos
sentidos. Durante as perseguições às bruxas, entre 1450 e 1750,
aproximadamente 110 mil pessoas foram torturadas, sob a acusação de
bruxaria, sendo que 40 mil a 60 mil delas foram executadas. Este fato cruel
certamente não é trivial. (RUSSELL; ALEXANDER, 2008, p. 13).
Como apontado por Carlo Ginzburg (1991), a bruxaria parece ter surgido na
região alpina que engloba as fronteiras sudeste da França, norte da Itália, sul da Suíça e
sul da Alemanha. Nesta região encontram-se relatos das primeiras acusações,
condenações e julgamentos contra praticantes de “magia negra”, ainda no século XIV.
Todavia, a perseguição em massa começou décadas de depois, sendo mais ativa na
Europa central e ocidental, especificamente em três países: França, Inglaterra e
Alemanha (LOYN, 1997, p. 139).
Três elementos constituem o conteúdo essencial do sistema mental que
legitima a caça às feiticeiras: uma crença cristã, fundada ao mesmo tempo
sobre a tradição eclesiástica e sobre os inumeráveis exemplos de uma
jurisprudência sem falhas; uma experiência visível, oferecida a todos, do
processo judiciário que implica um consenso fácil de todos os participantes,
juízes, testemunhos e acusados; enfim e, sobretudo sentenças e confissões,
fogueiras e confisco, representando o julgamento de Deus e dos homens, a
apresentar o melhor testemunho em favor do crime. (MANDROU, 1979, p.
63).
Mas além da Europa, perseguição às bruxas também foram vistas nas colônias
europeias nas Américas, África e Ásia, embora os casos mais conhecidos advenham do
continente americano, como o ocorrido em 1692, na comunidade de Salém, no estado
de Massachusetts, hoje nos Estados Unidos. No caso das Bruxas de Salém, a população
delatou supostas 19 bruxas às autoridades civis (ECO, 2007, p. 207).
Diferente do que se pensa, não foram apenas às inquisições que perseguiram e
executaram as bruxas, qualquer autoridade religiosa como bispos e padres, poderiam
efetuar a perseguição e até presidir os julgamentos, sendo preferencialmente os clérigos
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que detivessem profundo conhecimento sobre direito, teologia e nos casos de bruxaria.
Logo, em muitos territórios europeus não houve inquisições, sendo estas na Idade
Moderna, estando restritas a Portugal, Espanha e Itália, assim, as autoridades
eclesiásticas locais promoviam tais condenações e julgamentos.
Mas além da Igreja Católica, as igrejas protestantes também perseguiram as
bruxas. O mencionado caso de Salém ocorreu em território protestante. Além disso,
Inglaterra e Alemanha locais onde ocorreu intensa perseguição à bruxaria, eram na
Idade Moderna, países protestantes. Todavia, além das autoridades eclesiásticas,
autoridades civis7 também poderiam efetuar a caça, a prisão e até mesmo julgamento e
condenação (MANDROU, 1979, p. 91).
. No caso dos jogos, podemos fazer o seguinte paralelo: os anjos representariam o
poder da luz, sendo uma referência à autoridade eclesiástica, a qual condenava a
bruxaria. Os cidadãos de Vigrid seriam a população em geral de diferentes países, a qual
instigada por esse imaginário diabólico sobre a magia e a bruxa, passou a sentir ódio,
pois nos jogos é dito que os habitantes de Vigrid não eram contrários ao Clã Umbra,
porém foram instigados por Balder a atacar as bruxas, pois elas seriam responsáveis
pela guerra que estava destruindo a cidade.
Bruxas e Magos:
O Clã Umbra e o Clã Lumen aparentam traços de ser uma espécie de credo.
Apenas homens eram aceitos para os Lumen, e apenas mulheres eram aceitas para as
Umbra, embora os jogos não forneçam informações de como seria feita a escolha de tais
indivíduos. Todavia é dito que a maioria dos humanos não possuiriam poderes, e assim
não conseguem enxergar os anjos e demônios, os quais andam pelo mundo, ocultos pelo
“Véu do Purgatório”. Neste sentido, as pessoas sem poderes não conseguiriam vê-los,
mas conseguiriam sentir seu odor e ouvi-los.
7No ano de 1532, o imperador alemão Carlos V promulgou o novo código penal do império, intitulado
Constitutio Criminalis Carolina. Entre os crimes referidos neste código, estava o crime de bruxaria. Neste
ponto percebe-se que a bruxaria não era apenas um problema de ordem religiosa, sendo considerada uma
heresia, mas passava a ser um crime laico.
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História, imagem e narrativas
Para Ginzburg (1991, p. 11, 17-25) o sabá consistiu numa construção imagética
pautada no folclore, em lendas, na inquisição e na demonologia. Aqui temos de acordo
com o autor, o uso de uma “cultura popular” e da “cultura douta” eclesiástica para
compor essa noção sobre o sabá. Juntando tais elementos encontramos no começo do
século XV, os primeiros vestígios que aludem ao sabá, como consistindo numa reunião
noturna, profana, sanguinária, sombria e diabólica de bruxas e bruxos.
Além dessa analogia entre os Lumen = igreja, e as Umbra = sabá, encontra-se
também a analogia com o conceito de “magia branca” e “magia negra”. A “magia
negra” foi considerada de uso maléfico, voltada para causar dor, sofrimento, problemas,
destruição e morte, passando posteriormente no século XIV a ser associada com
Satanás. A “magia negra” estava relacionada a práticas animistas, canibalescas,
transformistas e a ritos e crenças pagãs. Por sua vez, a “magia branca” consistia em seu
completo oposto:
A magia branca, com suas inúmeras manifestações por toda a Europa, estava
frequentemente associada, o que não deixa de ser uma ironia, aos símbolos
sagrados e poderes mágicos da Igreja, e suas celebrações persistiram mesmo
depois do advento do Iluminismo. (LOYN, 1997, p. 137).
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História, imagem e narrativas
Por esse comentário de Nubia Hanciau, podemos fazer um paralelo com o jogo
Bayonetta. As bruxas Umbra necessariamente não eram maléficas, e tão pouco, os
sábios Lumen fossem totalmente bondosos, e como exemplos temos o fato de Bayonetta
e Jeanne serem heroínas, e Balder um dos vilões.
Entretanto é importante sublinhar outro diferencial; enquanto as Umbra são
bruxas (witches), os Lumen não recebem a mesma definição, mesmo sendo usuários de
magia, mas são sages. Por que eles não são chamados de bruxos ou feiticeiros? Para
responder isso, é preciso entender a definição de feiticeiro.
!
Figura 3: Imagem do primeiro jogo, representando as Umbra Witches e os Lumen Sage. Fonte: http://
somosnintendo.com/wp-content/uploads/2014/11/Bloody_Fate_Clans.png.
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História, imagem e narrativas
Ainda hoje feitiçaria é sinônimo de bruxaria, por sua vez, feiticeira é sinônimo
de bruxa, porém, quando se estuda a história da magia, percebe-se que na Europa havia
diferenças, embora que em dados momentos ambos também fossem usados como
sinônimos. No caso do feiticeiro esse seria o indivíduo do campo e de uma comunidade
que teria um pequeno conhecimento sobre a magia, por sua vez, o mago seria o
“feiticeiro erudito”.
Iniciado nos grandes mistérios, além de mestre o mago era considerado um
homem de ciência, enquanto o feiticeiro, um aprendiz das aldeias,
conhecedor apenas dos pequenos mistérios. Em consequência, a magia
aparece em muitas obras de referência como arte ou pré-ciência, entre as
formulações avançadas. No mago haveria conhecimento real; no feiticeiro,
vulgarização. (HANCIAU, 2009, p. 76). ((5
Tal caso é visível quando tomamos como exemplo a história. Os druidas eram
considerados magos celtas, por se tratarem de um clero organizado e erudito, com
conhecimento mágico. A partir do século XIII, a magia começou a sofrer uma
separação, entre “magia popular”, a qual corresponderia à magia realizada pela
população em geral, tanto rural quanto urbana, também chamada de “baixa magia”, e o
surgimento da “magia natural” ou “alta magia”, praticada pelos eruditos (HANCIAU,
2009, p. 77).
Até então as feiticeiras e feiticeiros eram homens que viviam no campo, porém
alguns deles começaram a migrar para as cidades e burgos, e ali se estabeleceram nos
bairros pobres, oferecendo seus saberes mágicos. No entanto, algumas dessas pessoas,
especialmente os homens, conseguiram contato com membros da aristocracia, burguesia
e até da nobreza, pois tais grupos passaram a verem a magia não apenas como uma
crendice associada aos habitantes do campo, mas que poderia ser um saber que talvez
tivesse uma utilidade de verdade (LOYN, 1997, p. 137).
Os feiticeiros que passariam a serem chamados de magos, na prática eles
exerciam as mesmas funções: eles atuavam como curandeiros, como conciliadores,
como videntes, como conselheiros. Também poderiam realizar feitiços para se arranjar
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História, imagem e narrativas
amor, dinheiro, poder, sorte, proteção, etc. Isso levou a origem dos “magos de corte” os
quais sobreviveram até o século XVII 8 (SELIGMANN, 1948, p. 66).
No século XV foi à época na qual a “magia natural” como ficou mais conhecida,
se estabeleceu.
[A magia] circulou mais ou menos ocultamente durante a Idade Média e
voltou a agir às claras durante o Renascimento, período em que muitas vezes
foi considerada complemento da filosofia natural, ou seja, como a porte desta
que possibilita agir sobre a natureza e dominá-la. Era assim considerada por
Pico della Mirandola (De hominus dignitate, fl. 136v.) e por todos os
naturalistas do Renascimento. (ABBAGNANO, 1998, p. 636).
8 Nostradamus (1503-1566) foi médico e vidente, e há quem o chamasse de mago. De fato ele foi
bastante próximo da rainha Catarina de Médici da França, que estimava seus conselhos e profecias. Na
Inglaterra, o matemático, astrônomo, geógrafo, astrólogo e alquimista John Dee (1527-1608), foi
conselheiro da rainha Elizabeth I.
9 “Wizard” [mago ou mágico], diferentemente de “witch”, realmente deriva da palavra wis do inglês
médio, hoje “wise” [sábio]. A palavra “wizard” surgiu por volta de 1425, significando um homem ou
mulher de grande saber, os quais, acreditava-se, possuíam certos conhecimentos e poderes extranormais.
Durante os séculos XVI e XVII designou um “high magician” [“alto mago”]. Foi somente a partir de
1825, e raramente, que o termo foi usado como sinônimo de “bruxo(a)”. (RUSSELL, 2008, p. 14).
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História, imagem e narrativas
até seu amigo, Rodin10, um misterioso demônio em forma humana, dono do Bar Os
Portões do Inferno (The Gates of Hell), além de ser um fabricante de armas mágicas.
Vinte anos se passam desde o despertar, e Bayonetta, apelido dado por Rodin,
torna-se uma exímia caçadora de anjos, pois o pacto das Umbra com os demônios as
obrigava a ter que matá-los regularmente, pois caso não fizessem isso, suas almas
seriam tragadas para o Inferno.
Para combater os anjos Bayonetta dispõe de várias habilidades as quais são
ampliadas devido ao pacto com os demônios, no caso dela, seu demônio familiar é
chamado de Madama Butterfly.
Com este pacto demoníaco algo que recorda o imaginário cultural sobre a
bruxaria surgido no final do medievo, Bayonetta possui força, velocidade e resistência
sobre-humanas, podendo saltar bastante alto, ficar temporariamente flutuando no ar,
inclusive no segundo jogo ela consegue voar em dados momentos, projetando asas a
partir de sua roupa mágica (ver figura I).
Além de tais habilidades físicas, Bayonetta é uma exímia lutadora, sendo
especialista em combater com quatro armas de fogo, chamadas no primeiro jogo de
Scarborough Fair, e no segundo jogo as armas se chamam Love is Blue11. Além desses
quatro revólveres que consistem em seu armamento básico, a bruxa utiliza em ambos os
jogos, várias outras armas, todas fornecidas por Rodin.
Bayonetta também possui habilidades para invocar distintos demônios, os quais
em geral possuem a forma de animais e monstros, como também possui a capacidade de
deixar o tempo lento por alguns instantes, habilidade essa chamada de Witch Time. E
completando as listas de poderes dessa bruxa, está a capacidade de se transformar em
animais, sendo que ela consegue se transformar em quatro tipos.
Percebe-se que Bayonetta por ser uma heroína, possui habilidades compatíveis
com essa condição, diferenciando-se das habilidades comumente atribuídas as bruxas,
10Referência ao escultor Auguste Rodin (1840-1917), cuja uma das principais obras é chamada de Portão
do Inferno.
11Scarborough Fair é o nome de uma balada medieval inglesa datada do século XII. Na balada repete-se
as palavras parsley, sage, rosemary e thyme (salsa, sálvia-comum, alecrim e tomilho), os quais são os
nomes de ervas usadas para tempero, e para fins medicinais e mágicos. Por sua vez, Love is Blue é o
nome de uma música composta por Al Martino em 1968.
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História, imagem e narrativas
que em geral era voar, transformar-se em animais, fazer poções ou venenos, e usar
distintos tipos de feitiços para causar maldades (GINZBURG, 1991, p. 11).
No caso dela, algumas dessas características estão presentes: ela consegue saltar
grandes distâncias e até mesmo voar, mas faz isso sem o uso de vassouras ou outro tipo
de objeto similar como bastões e forcados, algo que ficou associado ao imaginário sobre
as bruxas (RUSSEL, 2008, p. 10).
!
Figura 4: Artes conceituais dos jogos, as quais mostram os quatro animais que Bayonetta consegue se
transformar. Imagem montada pelo autor.
13 Cada bruxa se transforma em animais diferentes. Por exemplo, Jeanne se transformar num gato
selvagem, coruja, borboletas e em cobra. Por sua vez, Rosa se transforma em tigre, falcão, abelhas e
cobra. Apenas as cobras-marinhas é que mantém o mesmo tipo, mas isso devido a sua funcionalidade para
o propósito do jogo, por ser necessária em algumas fases aquáticas.
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Mas se por um lado, os magos (ou sábios) Lumen representam essa visão
“positiva” da “magia branca”, as bruxas Umbra, de fato personificam o completo oposto
deles. Por mais que as Umbra não fossem totalmente más, a ideia de elas estarem
associadas ao Inferno e a demônios encarna a noção medieval-moderna da demonização
da “magia negra”.
A ideia da mulher como estando propensa a ser tentada por Satanás foi mais bem
desenvolvida pelos autores de O Martelo das Burxas (1486), sendo nesta obra que os
padres Kramer e Sprenger dedicaram várias páginas a argumentar os motivos pelos
quais a mulher teria essa tendência.
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Para os autores de O Martelo das Bruxas não foi apenas o fator de “pouca fé”
que imperou contra as mulheres, mas uma série de outros fatores, e para isso os autores
foram recorrer tanto a Bíblia, quanto a escritos de Santo Agostinho, Santo João de
Crisóstomo, São Bernardo, São Tomás de Aquino e até mesmo filósofos greco-romanos
como Sêneca, Cícero e Aristóteles. Destes homens, Kramer e Sprenger extraíram
pensamentos que definiam a mulher tanto em termos biológicos, morais e intelectuais.
Para eles a mulher por si só era uma criatura inferior ao homem, devido a Eva
ter nascido de uma costela e não ter sido criada como Adão. A ideia da costela, a qual é
um osso recurvo, foi bastante empregada pelos dois dominicanos para simbolizar que
enquanto Adão teria retidão, Eva por ter nascido de um osso recurvo, não teria “retidão”
(OBICI; SKALINSKI, 2003, p. 30).
E essa falta de compostura expressar-se-ia pelo fato de Eva ter sido facilmente
tentada por Satã, e assim provar do “fruto proibido” e por sua vez oferecê-lo ao seu
marido, o qual na ingenuidade de querer atender a solicitação de sua esposa acabou
caindo também no pecado.
Embora o Diabo haja tentado a Eva com o pecado, foi Eva quem seduziu
Adão. E como o pecado de Eva não teria trazido a morte para nossa alma e
para o nosso corpo se não tivesse sido também cometido por Adão, que foi
tentado por Eva e não pelo Demônio, é ela mais amarga que a morte.
(BERNARDO, 2003, p. 65 apud KRAMER; SPRENGER, 2000, p. 120).
Assim, a mulher personificava não apenas a falta de fé, mas também era
considerada uma farsante, uma mentirosa. A mulher também era considerada como
sendo uma pessoa de falta de bom senso, infiel, ambiciosa, pouco inteligente, sendo
mais motivada pelos sentimentos do que pela razão; invejosa, ciumenta, rancorosa,
vaidosa e vingativa (BERNARDO, 2003, p. 73).
Para Kramer e Sprenger, um dos motivos das mulheres procurarem a bruxaria
seria para se vingar, pois devido a se deixarem conduzir pelos sentimentos, algumas
mulheres que acabaram sendo abandonadas pelos maridos, noivos ou amantes, ou que
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acabaram sendo iludidas, caiam em tristeza, depressão e raiva, e esse ódio às levava a se
vingar e para isso, procurariam o Diabo (OBICI; SKALINSKI, 2003, p. 39).
Todavia, outro fator importante pelo qual as mulheres teriam maior tendência a
serem corrompidas pelo Diabo, era devido à sexualidade. No período medieval sexo era
um grande tabu, e a sexualidade feminina era um tabu ainda maior.
A mulher irá pagar em sua carne o passe de mágica dos teólogos, que
transformaram o pecado original em pecado sexual. Pálido reflexo dos
homens, a ponto de Tomás de Aquino, que às vezes segue o pensamento
comum, dizer que "a imagem de Deus se verifica no homem de uma maneira
que não se verifica na mulher", ela é subtraída até mesmo em sua natureza
biológica, já que a incultura científica da época ignora a existência da
ovulação, atribuindo a fecundação apenas ao sexo masculino. "Essa Idade
Média é masculina, decididamente", escreve Georges Duby. "Pois todos os
discursos que chegam até mim e sobre os quais me informo são feitos por
homens, convencidos da superioridade de seu sexo. É apenas a eles que ouço.
No entanto, eu os escuto falando antes de tudo de seu desejo e, por
conseqüência, das mulheres. Eles têm medo delas e, para se afirmarem,
desprezam-nas." (LE GOFF; TRUONG, 2006, p. 55).
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!
Figura 5: Bayonetta e Jeanne, as últimas bruxas Umbra. Fonte: http://img13.deviantart.net/074c/i/
2013/355/8/b/bayonetta__red_and_black_by_kainenier-d6bbsyp.png.
Na imagem acima vemos que tanto Bayonetta quanto Jeanne são mulheres
jovens e belas, embora que Bayonetta seja uma mulher mais sensual e com mais
“curvas”. Tal representação das duas quebra com o estereótipo das bruxas seriam velhas
e feias, com corcundas, verrugas e narizes grandes. “A afirmação de que bruxas são
mulheres velhas é igualmente uma distorção da verdade e um exagero leviano. Tanto no
passado como no presente, muitos homens praticaram a bruxaria, além do que muitas
bruxas eram bastante jovens – muitas delas eram até crianças”. (RUSSEL, 2008, p.
10-11).
A ideia de bruxa sendo uma velha e feia, é algo que em parte adveio da imagem
da hag (haxe em alemão), denominação usada para se referir a feiticeiras que viviam
solitárias nas florestas e eram mulheres sábias, todavia com a difusão da bruxaria, a hag
deixou de ser aquela velha mulher sábia, para se tornar o estereótipo da velha bruxa
malvada.
Entretanto Le Goff e Truong (2006, p. 103-105) salientam que no período
medieval houve um pensamento ambíguo quanto à velhice. Um homem velho, de
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preferência um clérigo, nobre, aristocrata, erudito ou que fosse importante era visto
como um homem sábio.
O caso das mulheres velhas é diferente. Antes de se tornar uma feiticeira em
potencial, a velha tem, com efeito, má reputação. Um termo que se encontra
com freqüência nos textos, e em particular nessas histórias edificantes
chamadas de exempla, ilustra essa reprovação: vetula, a saber, a "velhinha",
que serve sempre para designar uma personagem maléfica. (LE GOFF;
TRUONG, 2006, p. 104).
Não obstante, o fato de Bayonetta e Jeanne serem mulheres belas, não advém
propriamente apenas da condição de as bruxas não fossem apenas velhas, mas também
advêm de outros dois fatores: a feiticeira bela e a sexualidade como propaganda.
Entre diferentes povos no mundo, existem histórias de lindas mulheres
praticantes de magia, conhecidas por usarem seu charme e sedução para enganar os
homens e lhe causar mal com seus feitiços. Pelo fato da bruxaria ser uma criação
europeia, tomaremos alguns exemplos daquele continente, sendo um dos exemplos
clássicos, o da feiticeira Circe, mencionada na Odisseia.
Uma das figuras mais fascinantes do mundo homérico é Circe, hábil em toda
sorte de encantamentos e quem dava à espécie humana muito pouco valor.
Por outro lado, amava a luz, e em honra dela colocara o nome de Aurora
[Eos] na ilha em que reinava, abundante em carvalhos e outras espécies de
árvores. Tecia e, às vezes, cantava nos terraços de seu palácio, situado em
uma clareira do bosque cercado por leões e lobos que não haviam nascido de
feras, mas homens que haviam sido transformados em animais pela força de
seus feitiços. [...]. Conhecia o vigor secreto das ervas e praticava os mais
delicados deleites do erotismo. Sua sensualidade também a levou a desfrutar
os prazeres gastronômicos e a perceber, sem dificuldades, os desejos de seus
visitantes através dos matizes de suas vozes e da profundidade de seus
olhares. (ROBLES, 2006, p. 113).
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Circe era uma semideusa, filha do titã Hélios e da oceânide Perseis. Era descrita
por Homero como sendo uma mulher muito bela, de lindos cabelos louros como o sol;
charmosa, sedutora, simpática, poderosa e ardilosa, uma femme fatale. Circe vivia na
ilha de Eéia, onde iludia e transformava os homens em animais. No caso dos
companheiros de Odisseu, quando ali foram aportados, eles foram bem recebidos no
palácio da feiticeira, e depois transformados em porcos. Odisseu teria o mesmo destino
se não tivesse sido a intervenção de Hermes em alertá-lo sobre o caráter de Circe, e
aconselhá-lo em como não se transformado em porco.
Quando passamos para a Idade Média, encontramos outros exemplos de
feiticeiras belas como a deusa Freyja, adorada na Escandinávia e no norte de Alemanha,
sendo a deusa do amor, da sexualidade, da fertilidade e da magia (LINDOW, 2001, p.
126). Embora Freyja não fosse uma mulher cruel e de péssimo caráter como Circe. Nas
lendas arturianas já em meados do medievo, encontramos as figuras da rainha Morgana,
meia-irmã do Rei Arthur; de Vivien, amante de Merlin; e da Dama do Lago, senhora das
fadas. Essas três mulheres são feiticeiras lindas, inteligentes, ardilosas e poderosas,
embora que Morgana e Vivien fossem mulheres invejosas e traiçoeiras.
Logo, a ideia de que haveria bruxas belas, e a sedução delas seria uma forte
tentação, não é uma invenção do imaginário cultural da bruxaria, mas algo que remonta
desde a Antiguidade na Europa, o que acabou sendo reutilizado através dos séculos.
No caso dos jogos, Bayonetta é uma mulher bela, altiva, inteligente, engraçada,
irônica, sarcástica, poderosa, mas não é má. Isso rompe com a ideia da feiticeira e bruxa
malévola, a qual a cultura acabou nos legando através dos mitos, lendas, literatura e na
própria história.
Embora Bayonetta lute contra anjos, mas na sua história, os seres alados são os
vilões e ela a heroína. Além disso, Bayonetta salva pessoas e em momento algum ela
usa seus poderes para causar problemas aos demais. Sendo assim, o estereótipo da bruxa
bela e má não existe na personagem, mas o estereótipo da bruxa bela, sedutora e
perigosa, existe. E neste ponto entramos o terceiro aspecto pelo qual faz Bayonetta ser
uma mulher linda e sensual: a propaganda.
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Bayonetta é uma mulher formosa, que usa vestes que acentuam sua
sensualidade; anda rebolando, gosta de dançar de forma sensualmente explícita,
enfatizando os seios e a bunda, inclusive dança pole dance. Além disso, Bayonetta
também fica seminua e até mesmo nua, pois seus poderes para invocar os demônios
advêm dos cabelos, os quais também formam seu traje mágico. Toda vez que ela usa
bastante seus poderes de invocação, o traje encolhe, ganhando a forma de maiô, de
“biquíni”, até chegar ao ponto dela ficar nua, embora que a nudez não seja explícita,
pois os cabelos ficam girando ao redor dela, ocultando as partes sexuais.
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fica jogando charme e flertando com ele. Neste ponto, percebe-se a ideia da bruxa
sedutora que levaria os homens para a perdição, como contam algumas histórias da
Idade Moderna. A diferença é que Bayonetta apenas se diverte em flertar com Luka e
deixá-lo constrangido.
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Figura 7: Cena do filme Bayonetta Bloody Fate (2013). Nesta cena, Bayonetta como de costume, fica
provocando e flertando com Luka, o qual se sente constrangido. Fonte: http://gamona-images.de/
620445/37e69f41d18d2d5b9bf184ddddecd0e1.jpg.
O autor Hideki Kamiya concebeu Bayonetta para ser uma mulher independente,
forte e feminista, deixando de ser a “mocinha em perigo” para se tornar a heroína, só
que uma heroína com forte apelo sexual. Pois assim como nos quadrinhos as heroínas
tornaram-se símbolos sexuais, nos videogames o mesmo ocorreu (FORTIM,
MONTEIRO, 2013, p. 246).
Grimes acredita que na maior parte dos jogos as personagens são feitas para a
escopofilia masculina, ao invés de propiciar uma identificação feminina.
Mostra que as personagens são vistas como atrativas para o sexo masculino:
são caucasianas, tem formas curvilíneas, e as roupas deixam o corpo à
mostra, em conformidade com os ideais de beleza do mundo ocidental.
Apesar do aumento das personagens femininas, a imagem predominante
ainda parece ser a das personagens “hiperssexualizadas”: caracteres sexuais
marcados, corpos desproporcionais, roupas minúsculas e inadequadas para a
luta (“armaduras-biquíni”), representação da personagem seminua ou nua.
Essas personagens parecem não prover um modelo de identificação adequado
para as mulheres. (FORTIM, MONTEIRO, 2013, p. 246).
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Considerações finais:
Bayonetta é um dos exemplos mais recentes sobre jogos cujo tema aborda a
bruxaria, pois normalmente bruxas e feiticeiras aparecem como personagens
secundários em jogos de aventura ou como personagens de jogos de RPG (Role Playing
Game), sendo heroínas ou vilãs, ou não tendo uma função de destaque na narrativa
digital. No entanto no caso de Bayonetta ela se apresenta como protagonista de seus
próprios jogos, além de ser a principal personagem feminina da série.
No que diz respeito aos elementos mágicos e o imaginário cultural sobre a
bruxaria, apresentamos tais aspectos de forma introdutória assinalando os principais
pontos que definem o que seria magia e bruxaria, para depois analisar com isso foi
utilizado na construção da narrativa e dos personagens dos jogos. Assim, percebe-se que
as Umbra Witches personificam em alguns sentidos a ideia tradicional de bruxa, em sua
associação com a noite, a lua, as sombras e os demônios, embora que a ideia de maldade
não seja algo exato do caráter de tais bruxas, pois elas necessariamente não eram más.
Por sua vez, os Lumen Sage personificam os praticantes de “magia branca”, mas
especificamente o que ficou conhecido no final do medievo e na modernidade de
“magia natural” e “alta magia”, entendendo aqui que seus adeptos eram vistos como
eruditos e não apenas meros praticantes de magia, daí alguns serem chamados de
magos, conceito esse como apresentado se encaixa no sentido de sábio (sage) nos jogos.
As habilidades mágicas que Bayonetta, mas que também Jeanne e Rosa
compartilham, possuem algumas características em comum com os poderes atribuídos
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Referências:
Fontes:
BAYONETTA. Diretor: Hideki Kamiya. Produtor: Yusuke Hashimoto. Roteiro: Hideki
Kamiya. Desenvolvedor(a): Platinum Games, Team Little Angels. Publicador(a): Sega.
Console: Nintendo Wii U. Japão, 2014. Mídia digital.
BAYONETTA 2. Diretor: Yusuke Hashimoto. Produtor: Atsushi Inaba. Roteiro: Hideki
Kamiya. Desenvolvedor(a): Platinum Games, Team Little Angels. Publicador(a):
Nintendo. Console: Nintendo Wii U. Japão, 2014. Mídia digital.
BAYONETTA: Bloody Fate. Diretor: Fuminori Kizaki. Roteiro: Mitsutaka Hirota.
Produtora: Gonzo Studios. Japão, 2013, 1 DVD (90 min), color, som.
Livros e capítulos:
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução de Alfredo Bossi e Ivone
Castilho Benedetti. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
AGNOLIN, Adone. História das religiões: perspectiva histórico-comparativa. São
Paulo: Paulinas, 2013. (Coleção repensando a religião).
BERNARDO, Débora Giselli. “A bruxaria e as mulheres”. In: MAINKA, Peter
(org.). Mulheres, bruxas, criminosas: aspectos da bruxaria nos tempos modernos.
Maringá: Eduem, 2003. (Capítulo 3, p. 61-88).
BONWICK, James. Irish druids and old Irish religions. New York: Dorset Press,
1984.
CÂNDIDO, Maria Regina. “Vida, Morte e Magia: ontem e hoje”. In: CÂNDIDO, Maria
Regina (org.). Vida, Morte e Magia no Mundo Antigo. Rio de Janeiro: NEA/UERJ,
2008. p. 5-10.
CUNNINGHAM, Scott. Encyclopedia of Magical Herbs. 2a ed. Woodbury: Llewellyn
Publications, 2000.
ECO, Umberto (org.). História da feiura. Tradução de Eliana Aguiar. Rio de Janeiro:
Record, 2007.
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Artigos:
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Sites:
BAYONETTA wiki. Disponível em: http://bayonetta.wikia.com/wiki/Bayonetta_Wiki.
Acessado em 08-12/02/2016.
PINHEIRO, Jéssica. Entendendo a timeline de Bayonetta. Disponível em: http://
newgameplus.com.br/entendendo-a-timeline-de-bayonetta/. Acessado em
08-10/02/2016.
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