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UNIDADE 1

DIREITO CANÔNICO 

 
Introdução 

 
Séculos de evolução desde o direito grego e a modernização do mesmo junto ao direito
romano, houve a necessidade por parte da Igreja Católica de elaborar e desenvolver
sua própria doutrina uma vez que Ela iniciava seu papel fundamental como religião
predominante no mundo. Com base nos ensinamentos bíblicos e na cultura dos povos,
várias foram as leis e tradições repassadas pela cultura local onde se dizia ser a lei
divina onde todos os homens deveriam se subordinar. Visando uma maior e melhor
centralização do poder, a Igreja Católica teve a atitude de absorver e unificar todas as
leis, ensinamentos, doutrinas, dogmas que cada cultura detinha e repassava a título de
leis divinas, propor-se assim a expansão de sua doutrina que ate então era dividida e
variada pelos povos da todo o mundo. O surgimento de tal direito foi travado no
período medieval, onde teve uma maior evolução do direito Canônico construindo um
dogma e elaborando um discurso que legitima a imposição da verdade absoluta. Há de
se analisar de que modo o poder e a verdade viraram normas sociais através da
estrutura política da Igreja Católica com origem nos vínculos de autoridade política.
Assim, posteriormente a essa influencia política, visualiza-se num segundo cenário o
dogma da Igreja que pode ser utilizada de forma indiscriminada como instrumento de
disciplina, alienação e sujeição teórica e social.1 (WOLKMER, 2008, p. 2014). 

 
O Código de Direito Canônico, como principal documento legislativo da Igreja, baseado
na herança jurídica e legislativa da Revelação e da Tradição, deve considerar-se o
instrumento  indispensável para assegurar a ordem tanto na vida individual e social,
como na própria atividade da Igreja. Por isso, além de conter os elementos
fundamentais da estrutura hierárquica e orgânica da Igreja, estabelecidos pelo seu
Divino Fundador ou baseados na tradição apostólica ou na mais antiga tradição, e
ainda as principais normas referentes ao exercício do tríplice múnus confiado à própria
Igreja, deve o Código definir também as regras e as normas de comportamento. Desde
os tempos da Igreja primitiva foi costume reunir em coleções os sagrados cânones que
são:  Decisão conciliar sobre matéria de fé ou disciplina católica. Quadro que contém as
palavras que o sacerdote diz durante a consagração. para tornar mais fácil o seu
conhecimento, a sua prática e a sua observância, sobretudo aos ministros sagrados,
uma vez que “não é lícito a nenhum sacerdote ignorar os cânones’’, como já advertia o
Papa Celestino “os sacerdotes saibam as sagradas escrituras e os cânones” porque “se
deve evitar, principalmente nos sacerdotes de Deus, a ignorância, mãe de todos os
erros” (cân. 25; Mansi, X, col. 627). 
 

Definições e fins do direito canônico 

O direito canônico surge, mediante vários séculos como um direito divino, direito puro,
que detem inúmeros conceitos. Etimologicamente, vem do grego Kanón, que significa
‘regra”.  Desde os primeiros séculos, os cânones indicam todas aquelas normas que,
estabelecidas pela autoridade eclesiástica, direcionam a vida da comunidade eclesial e
de cada um dos fiéis, não assumindo as características formais no âmbito civil. 

 
O direito canônico ou eclesial faz referência a três realidades diferentes, embora
ligadas entre si: 

 
a) Direito da Igreja em sua essência e globalidade. 
b) Direito da Igreja em sua formulação positiva. 
c) Ciência do Direito Canônico. 

 
A distinção entre Direito da Igreja em sua essência e globalidade e o Direito da Igreja
em sua formulação positiva, foi  bem explicado pelo Papa João Paulo II:  “ Se a Igreja 
corpo de Cristo é um conjunto organizado, se compreende  em si essa diversidade de
membros e de funções, se ,“se reproduz” nas multiplicidades das Igrejas particulares,
então é nela tão densa a trama das relações que o direito já existe, não pode deixar de
haver. Refiro-me ao direito entendido em sua globalidade e essência , antes ainda das
especificações, derivações ou aplicações de ordem propriamente canônica. O direito ,
portanto, não deve ser concebido como um corpo estranho, nem como uma
superestrutura já inútil, nem como um resíduo de supostas pretensões temporalistas.
O direito é natural á vida da Igreja, a qual é de fato bastante útil: ele é um meio, é um
auxílio , é também- em delicadas questões de justiça- uma proteção. O direito eclesial
é o conjunto das relações entre os fiéis dotados de obrigatoriedade, determinadas
pelos vários carismas, pelos sacramentos, pelos ministérios e funções, que criam
regras de conduta. Também podemos dizer que o direito eclesial é considerado o
conjunto de leis e das normas positivas dadas pela autoridade legítima que regulam o
entrecruzar-se das relações intersubjetivas na vida da comunidade eclesial e, assim,
constituem instituições, cuja totalidade produz a ordenação canônica.2 (Código de
Direito Canônico, 1983, p. 461). 

 
Primeiramente precisamos entender o que é  Teologia e o que é Direito canônico  ,
enquanto ciência. A teologia é a “ciência da revelação cristã” e o objeto de que se
ocupa são “as verdades reveladas por Deus e conhecidas mediante a fé.” Portanto a
“teologia” indaga e aprofunda o dado revelado, segundo as exigências da fé e as
indicações dos sinais dos tempos. 
 

  
A Teologia tem como base “o estudo das fontes da revelação, dirigindo a estabelecer o
que Deus revelou” (teoria positiva). O Direito canônico é a ciência que estuda e explica
aquelas relações entre os fiéis que - determinadas pelos carismas, pelos sacramentos,
pelos ministérios e pelas funções - são dotadas de obrigatoriedade e criam regras de
conduta formuladas em leis e normas positivas dadas pela autoridade legítima,
constituindo, em seu conjunto, as instituições eclesiais. 

 
Importante se faz também observar que o direito canônico, por sua origem,
desenvolvimento e formação, é totalmente diverso da essência do direito Romano,
onde este é norteado pela máxima, a cada direito corresponde uma ação para
assegurá-lo, sendo o réu culpado, condenado a pagar o dano que causara. Por outro
lado, o direito canônico, firmando o papel legislativo e judicial da Igreja, defende a
seguinte teoria onde Jesus diz a Pedro e a seus discípulos: “Tudo que ligares na Terra,
será ligado no Céu, tudo o que desligardes da Terra, será desligado no Céu.” (MATEUS
16:19 E 18:18). Tal passagem bíblica passa a ter um papel fundamental, não apenas a
coibir transgressões de ordem espiritual ou doutrinaria, mas também a resolver
conflitos temporais existentes entre os membros do clero. Outra passagem que serve
como base esta contido em MATEUS 18:15-17); “se teu irmão cometer alguma falta
contra ti, vai e repreende-o entre ti e ele só. Se te ouvir, terás ganho o teu irmão. Mas
se não te ouvir, toma contido uma ou duas outras pessoas, para que toda a questão se
ajuste sob a palavra de duas ou três testemunhas. Se, porém, não os ouvir, di-lo à
Igreja e se nem sequer ouvir a Igreja, seja para ti como o gentio e o publicano”, isto é,
seja excluído da comunidade. 

 
Desenvolvimento do direito canônico e suas fontes 

 
Desde os primeiros indícios da doutrina da Igreja entre os escritos anônimos da época
e a didascália dos apóstolos, passando pelos primeiros papas, até o definitivo
reconhecimento da jurisdição eclesiástica, vai o tribunal do bispo ampliando sua
competência, por meio das normas baixadas por aqueles pontífices, assim, desde Cleto
(76-88) até Caio (283-296) e MARCELINO (296 - 304), institui-se o tribunal episcopal,
onde passa a ser reconhecido a apelação, principio do contraditório, proíbe-se o
julgamento de ausentes, dentre outros direitos. Após séculos de lutas e difícil e
atribulada perseguições aos cristãos, o vitorioso Rei Constantino, ganhou a episcopalis
audientia  reconhecida oficial. Desde momento em diante, inverte-se a situação, onde a
jurisdição eclesiástica torna-se competente mesmo para causas cíveis, se assim uma
das partes solicitar, todavia, mesmo se um processo em andamento perante um juiz
secular, podia o interessado no processo, requerer a remessa da causa ao exame do
tribunal episcopal, passando esse a ser o julgador do processo. Mas tal
desenvolvimento trouxe consigo não apenas benefícios, mas também malefícios, uma
vez que veio a sobrecarregar os bispos de processos, a posto de desviá-los de suas
funções pastorais pelo excesso de serviço de sua nova jurisdição. Por outro lado, um
ponto positivo para o desenvolvimento da Igreja e consequentemente do direito
canônico, foi o enorme número de cristãos que crescia exorbitantemente, pelas
pessoas que, até então, não possuíam condições de pleitear algo em juízo, ou se
defender em processos nos juízes secular. Nesse ponto, nasce para a Igreja o aspecto
social, pois o tribunal do bispo permitiu a vasas camadas mais humildes da população
de recorrer, obtendo assim alguns pronunciamentos às suas dúvidas ou
querenças.3 (AZEVEDO, 2005, p. 111). 
 

Outra parte do desenvolvimento foi a modificação nas estruturas dos tribunais


eclesiásticos, adotando uma complexa escala de instancias constituindo a autoridade
papal o mais alto grau de apelo. Enorme foi a importância do pontífice, que a Igreja
ganhou competência de caráter universal, quando decidida, em ultimo recurso,
decisões oriundas dos tribunais civis, alcançando assim governos das nações europeias,
não sendo poucos os soberanos afastados de seu trono por força de uma decisão da
Igreja pelo seu tribunal. Assim sendo, as fontes do direito canônico pode ser divida em
três partes:4 (AZEVEDO, 2005, p. 115). 

 
a) Formação 
A sua formação distribui-se na Sagrada Escritura, nos escritos pseudo-apostólico, os
cânones emanados dos concílios, as decretais dos papas, os pronunciamentos judiciais
dos bispos e tribunais eclesiásticos, e as regras monásticas. Pode-se situar desde o
inicio do cristianismo e mesmo antes a considerar o antigo testamento, até o século V.
num segundo momento aponta-se como fonte da formação a elaboração da coleções
canônicas, da qual a Dionisiana parece ser a primeira ( aproximadamente 500 d.C).
Depois vieram outras fontes derivadas de vários papas e Reis, desde o século VII ao
XII. 

 
b) Estabilização 
A estabilização do direito canônico tomou força com o decreto de Graciano (meados de
1140), onde o mesmo passa a fase de estabilização, onde neste trabalho o monge
camaldulense reúne textos de varias proveniências, agrupa-os, comenta-os, procura
aparar as discordâncias, estabelecendo a sua concórdia, a conciliação entre disposições
aparente ou efetivamente discordantes, onde esse trabalho de interpretação de
indiscutível valor, passou a ser estudado e difundido nas nascentes universidades
medievais. 
  
c) Consolidação 
A consolidação do direito canônico vem se fortalecendo no decorrer dos anos, todavia é
em meados dos séculos XIII e XIV que a Igreja Católica reúne estrondoso poder dentro
dos limites do ocidente europeu. Ocorre tal fenômeno devido as características
predominantes do sistema do feudalismo, onde a natureza e ambição dos nobres eram
apenas de aproveitar ao máximo sua situação frente aos seus servos, ocasião em que,
as novas ideologias propostas pela Igreja é de nova esperança e de uma vida mais
digna e melhor, embora extraterrena. Ainda que ocorra o sofrimento do povo com as
guerras, castigos dos senhores, epidemias, fome, situa-se nesse contexto a situação
preponderante da fé, a redenção da alma para a infinita salvação. A missão da Igreja é
de apresentar a natureza obrigatória dos dogmas da fé, e em contra partida proibir
outras coleções, sem a expressa autorização da Santa Sé, onde, se o direito Romano é
mais costumeiro, o mesmo é mantido, tendo vigência apenas se não entrar em
oposição ao direito canônico, onde se ocorrido tal situação o mesmo tem-se por
revogado. 

 
d) Renovação 
 
 

Após séculos de movimentação, autoridade absoluta e indiscutível, as legislações


posteriores viriam fazer parte de um movimento renovador, onde as normas editadas
pelo Concílio de Trento, meados de 1547 - 1563, é convocado com um propósito de
proceder à revisão de determinados conceitos, em fase de situações e problemas
elaboradas pela reforma  protestante. Posteriormente, já no século XIX, no Concílio
Vaticano I, foi desenvolvida pela a sistematização de regras modernas, onde fora
promulgado em 27 de maio de 1917, dividido em cinco livros; Normas gerais, das
pessoas, das coisas, do processo, do direito penal da Igreja. E por fim mais não menos
importante, no Concílio Vaticano II, em 1959, decidiu-se reformar a legislação,
culminando com o novo código de Direito canônico de 1983, sob o pontificado de João
Paulo II. 

 
Com todas as situações temporais, aspectos da renovação, pode-se resumir a
“legislação canônica” levando os seguintes aspectos: 5 (GONÇALVES, 2004, p. 52). 

 
a) O estudo deve ser, em primeiro lugar, do texto e não é suficiente estudar as normas
isoladas, pois todo o direito é um corpo; 

 
b) Aprofundar, enquanto possível, os fundamentos teológicos em geral e, em
particular, de cada instituto jurídico; 

 c) Analisar a história das normas; 


 
d) Ter uma preocupação com a prática pastoral e suas consequências jurídicas. 

 Uma importante observação se faz com relação ao direito canônico e a teologia, onde
Podemos distinguir 4 grandes fases na relação do - DIREITO CANÔNICO E TEOLOGIA: 
 
Fase 1- do século I ao X - O primeiro concílio ecumênico da Igreja  (Nicéia-325)
constata-se que após as exposições dogmáticas, são sempre elencadas normas
(regras) a serem observadas. 
 
Fase 2-   IDADE MÉDIA- é o período do nascimento do Direito Canônico como ciência
própria. É com o Decreto de Graciano (1140) que nasce, pouco a pouco , o Direito
Canônico como Ciência, influenciado pelo crescimento da importância dada ao estudo
do Direito. 
 
Fase 3- (1481-1546 ) Martinho Lutero ao se colocar contra a Igreja, joga ao fogo, o “
Corpus Iuris Canonici “ com os decretais de Gregório IX . Nega a essência da Igreja
como comunidade visível e encarnada. 
 
FASE 4- (1789) após a Revolução Francesa, os estados passaram a ter as suas cartas
constitucionais. Assim aparece o Código de 1917, utilizando a antiga estrutura do
Direito Romano, prevalecendo o critério jurídico sobre o teológico. 
    
Podemos então citar a ligação entre Direito canônico e Teologia: 

 
a) A Teologia se ocupa das verdades da fé como objeto a ser crido. 
b) O Direito Canônico trata-as como regras para agir. 
 
 

A idade média e o vínculo feudal como instrumento de dominação através da


autoridade 

 
Com a derrota do império romano, império este que se auto denominava indestrutível,
onde a sua fundamentação tinha como base três pilares: a)proteção militar da
população, b) o incentivo ao comercio, c) facilidade de comunicação com todos os
lugares, porem com os autos custos do governo com a vasta expansão, aumento
populacional e a crise agrária, o ate então temido governo romano entrou em
decadência, que a idade média se desenvolveu economicamente e teve uma base para
justificar seu discurso de poder. Há de se observar também como fator de queda
imperial que a estrutura de produção escravocrata deixava sem trabalho os homens
livres, onde estes perdiam ocupações para os escravos dominados por guerra, e a
situação do cristianismo como religião oficial, onde o corpo do clero detinha uma forte
influência e acarretava com isso o descontentamento da plebe com sua política
autoritária.  E por fim, a invasão dos nórdicos à Europa central, onde as riquezas e
terras férteis ao redor de Roma eram um tentação diária aos germânicos, acarretando
assim o fim do vasto império romano. Com tal situação ocorrendo, qual seja, a invasão
dos bárbaros, imediatamente houve um choque cultural, denominado etnocentrismo,
que surge de uma percepção equivocada das características da etnia. 6 (WOLKMER,
2008, p. 216). 

 
Com o crescimento da Igreja católica nos impérios, a mesma foi a responsável por
varias mudanças no tipo organizacional, por um lado ela negava o aspecto importante
da cultura romana como o caráter divino do imperados, a hierarquia e o militarismo;
todavia, por outro lado ela acabava prolongando o caráter universalista de Roma,
induzindo que o cristianismo fosse levado a religião de Estado, onde a verdade divina
fosse alcançada pela Revelação nada mais é do que uma imposição de um modelo de
pensamento pela teologia. 

 
Que é teologia? É admitir, evidentemente, a verdade da revelação, mas voltar-se
depois para aqueles que não compreendem a revelação, os heréticos, os ateus, para
lhes mostrar a verdade dessa verdade sagrada. De fato, a teologia consiste, segundo o
vocabulário dos teólogos, em demonstrar a Liz sobrenatural graças aos meios da luz
natural, isto é, os meios desta razão que todos possuímos. É realmente a própria razão
que trabalha.7 (WOLKMER, 2008, p. 217). 

 
Sendo assim, o direito que deriva da Igreja católica servirá para a sedimentação do
poder institucional através da fundamentação racional na interpretação da verdade,
onde a razão serve como base para a pratica jurídica subjulgar tanto os direitos
paralelos, quanto quer tipo de contestação expressa e descentralizadora do poder
político jurídico. Todavia uma pergunta se levanta no vasto desenvolvimento histórico
dos povos antigos; como a Igreja Católica se tornou esta forte e praticamente
inabalável instituição? A resposta esta na invasão dos povos germânicos sobre Roma,
onde por tal ato, desenvolveu grandes e numerosos governos menores e autônomos,
ocasionando assim uma confusão entre propriedade e autoridade. Uma das
características desse novo quadro  foi a relação de produção diferente, organizada
através do vinculo de subordinação pessoal, característica esta do feudalismo, onde
será fixado a relação senhor/vassalo. O poder do senhor feudal esta relacionado a
existências de elementos pessoais dos quais se encontram na posso, como a
obediência e a fidelidade, onde esse vinculo de autoridade era baseado no carisma de
um líder guerreiro, herança deixada pelo direito germânico, onde o senhor feudal
detinha uma apropriação dos poderes e direitos de mando exercida pela relação
fraterna de fidelidade moral. Essa questão moral por sua vez esta ligada a um papel de
personalidade, extraordinária e mesmo divina para aqueles que são adeptos ou
dominados pelo carisma.8 (WOLKMER, 2008, p. 220).  
 
http://paroquiaconceicaoeisabel.blogspot.com.br/2011_08_01_archive.html  
 
UNIDADE 2

A idade média e o vínculo feudal como instrumento de dominação através da


autoridade 

 
Para ser um direito da Igreja, o direito canônico deve estar numa relação contínua com
a teologia; portanto, a ciência do direito eclesial é ao mesmo tempo uma ciência
teológica e jurídica. A história ensina que o estudo do direito canônico foi parte da
teologia até o século XI, quando o direito canônico começou a delinear-se como ciência
autônoma, ainda que não separada da teologia. Durante os dez primeiros séculos,
foram elaboradas  inúmeras coletâneas de leis eclesiásticas, compostas  por iniciativa
privada, nas quais se continham normas dadas principalmente pelos Concílios e pelos
Romanos Pontífices e outras tiradas de fontes menores. No  século XII, o acervo destas
coleções e normas, foi reunido  metodicamente  com escritos diversos,   pelo monge
Graciano, numa concordância de leis e de coleções. Esta concordância, mais tarde
denominada Decreto de Graciano, constitui a primeira parte da grande coleção das leis
da Igreja que, a exemplo do Corpo de Direito Civil do imperador Justiniano, foi
chamada Corpo de Direito Canônico, e continha as leis, que foram feitas durante quase
dois séculos pela autoridade suprema dos Romanos Pontífices, com a ajuda dos peritos
em direito canônico, que se chamavam glossadores. Este Corpo, além do Decreto de
Graciano, no qual se continham as normas mais antigas, consta do “Livro Extra” de
Gregório IX, do “Livro VI” de Bonifácio VIII, das Clementinas, isto é, da coleção de
Clemente V promulgada por João XXII, às quais se acrescentaram as Decretais
“Extravagantes” deste Pontífice e as Decretais “Extravagantes Comuns” de vários
Romanos Pontífices nunca reunidas numa coleção autêntica. O direito eclesiástico, de
que se compõe este Corpo, constitui o direito clássico da Igreja católica e é comumente
designado com este nome.1 (CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, 1983, p. 461). 

 
A idade média é a idade clássica do Direito Canônico, período rico e de grande evolução
na teologia, na arte, no direito. Para sistematizar as leis vigentes para toda a Igreja
universal, surgem diversas coleções, como a denominada Corpus Iuris Canonici (onde
as leis canônicas se distinguem do direito da teologia). Durante os primeiros tempos da
idade média, graças a sua estrutura organizativa, á sua mensagem de salvação, ao seu
poder econômico e social, a Igreja ocupou o lugar deixado vago pela queda do império
romano. Nas palavras de Grossi, “a civilização medieval é em boa parte criatura da
Igreja. Aconteceu então o renascer do interesse pelos  textos jurídicos que vem
suscitar um imediato entusiasmo por parte dos canonistas. 

Podemos dizer que os canonistas lidam com um acervo normativo que é ampliado de
dia para dia, lidam com legislação atua que constantemente vem acrescentar á já
existente. Há de se observar que todos os assuntos de natureza terrena em que os
sujeitos pudessem eventualmente incorrer  numa situação de pecado, reclamavam
automaticamente uma aplicação da jurisdição canônica, e disto se valia
frequentemente o papado para intervir em domínios que, a partida, competiriam á
jurisdição imperial. Bellomo dá-nos o exemplo dos contratos de hipoteca ou
arrendamento, que , como matérias terrenas, cairiam sob a alçada do imperador, mas
que podiam envolver o pagamento de juros. Ora, qualquer pessoa que pedisse juros
incorria, aos olhos do direito canônico, em pecado, uma vez que a usura era proibida
por motivos religiosos. Perante tal situação, o papa se arrogaria o direito de intervir em
tais matérias, ditando medidas tendentes a  evitar esse mesmo pecado.2 (CUNHA,
2005, p. 157). 

O direito canônico como prática repressiva na idade média  

 
Importante aqui narrar que, conforme visto, a história da religião católica floresce nos
escombros de Roma como a consequência da exigência moral e o aumento da
importância da palavra para fim social, onde os “deveres” que atuam sobre sua
conduta. As relações sociais de caráter feudal, bem como sua economia agregada a
legalização do catolicismo pelo imperador Constantino, veio a favorecer o
desenvolvimento e crescimento da Igreja como autoridade religiosa, onde sustenta
Tigar e Levy: 3 

 
[...] a Igreja foi [...] uma força onipresente no desenvolvimento financeiro e jurídico da
Europa. Como maior latifundiário, estaca comprometida com a defesa do feudalismo, e
com toda a sua autoridade auxiliou na repressão das revoltas de camponeses que
varreram o continente, denunciava como herege ou trancafiava em mosteiros todos
aqueles que desejavam restabelecer a imagem de uma Igreja comunal, apostólica
(WOLKMER, 2008, p. 222). 
 

Com o tempo, a Igreja veio a participar como grande senhor feudal, uma vez que se
apresentava como grande proprietária de terras, e por seu poder espiritual e temporal
por toda a Europa durante o período medieval, onde as cidades que sobrevivera, a
queda do Império Romano foram as cidades episcopais e arcebispais apenas. Após esse
momento histórico, a Igreja tem por meta unificar a fé cristã de todos os recantos da
Europa, dominada pelos povos do oriente, onde para tanto, missionários, figuras
geralmente santificadas que detinham o respeito e admiração interna da Igreja - como
Santo Antonio - foram designados para tal jornada. Outra forte arma utilizada pela
Igreja é a implantação de mosteiros, braços avançados da propagação da fé e de
controle econômico e social. Vale demonstrar que o direito Canônico veio a tornar único
na Europa um conjunto de leis, tendo em vista que várias são as leis da Idade
Medieval, com a característica da  descentralização da justiça, onde os senhores
feudais eram investidos de jurisdição próprias, nascendo ai a importância da utilização
do direito canônico como fonte do direito unificado para toda a Europa. Outro ponto
importante era o caso mais grave para resolver as questões sobra a aplicação pessoal
onde o individuo somente poderia responder pelas acusações que possivelmente
violasse nas leis de seu próprio grupo, sendo que, divergências nos julgamentos eram
frequentes. Porem, quando mais o poder de influência da Igreja crescia, mais os
tribunais seculares passam a ser pressionados para resolver seus litígios com base no
direito canônico e para transmitir seu poder de decisão aos tribunais canônicos. Sendo
assim, com o desenvolvimento, a jurisdição da Igreja passa a abranger uma serie de
direitos, como por exemplo, o julgamento de todos os casos relativos ao casamento e à
maioria dos litígios referentes ao direito de família. Os cânones são regras jurídicas
denominadas sagradas que passam a determinar de que modo devem ser
interpretados e resolvidos os litígios dos mais variados possíveis, onde mais que
regras, são leis, verdades reveladas por um ser superior, onipotente e a desobediência
é muito mais que uma infração, é sim um pecado.4 (WOLKMER, 2008, p. 224). 

  
http://wilsonporte.blogspot.com.br/2012/05/as-indulgencias-abusos-e-fatos.html  
  
Agora, estabelecida que o direito canônico é sim um direito divino, indivisível, e que a
sua afronta é mais que uma infração e sim um pecado, resta descrever como essas leis
foram organizadas ao longo do tempo. Por ser um direito escrito, diferente do direito
romano conforme já demonstrado, este passado pela tradição e costumes, o direito da
Igreja, após exausta atividade jurisdicional, a mesma passou a considerar o antigo
direito romano como legislação viva, apesar de ser esparsa, onde deveria ser
interpretada pelo clero nas universidades. 
 
Ao tempo, a Igreja passou a monopolizar a produção intelectual jurídica na idade
feudal, repassando apenas o que era de seu interesse, onde os doutores universitários
eram mais reconhecidos não pelo seu conhecimento, mas sim pela autorização divina
de revelar a lei, onde cabe a ele, de modo retórico, exercer o domínio e a submissão
imposta pela Igreja na Idade Média. O que ocorre de fato é que esse poder abstrato
herdado pela revelação divina é apenas no campo da idealização, o que de fato
predomina é o modo como o conhecimento jurídico da época é repassada aos povos,
situação esta que era imposta e geralmente vinculado ao amor da onipotência, como
uma ciência universal e sacrossanta de imposição e transmissão do poder.  O crime e
críticas contra a Igreja é tratada como crime contra a lesa majestade, não admitindo
questionamentos contra a lei divina, onde tem-se praticas repressivas para controlar os
possíveis revoltosos, onde fora materializada no Santa Inquisição com seu sistema de
construção aflitiva da verdade. Assim, as interpretações dos doutores universitários, o
controle do sentido da jurisprudência, técnicas de transmissão, reconhecimento da lei
máxima, passa assim o direito canônico a ser o censor da realidade como instituição de
repressão e formação das condutas admitidas pela Igreja nas sociedades.5 (WOLKMER,
2008, p. 227). 
  
O legado do direito canônico 

 
No período da Idade Média, época em que a posição da Igreja Católica gozava de
preponderância no contexto jurídico da Europa, inclusive na jurisprudência, deste final
serviram para construir o direito comum, onde o trabalho de interpretação  e
elaboração desenvolvidos pelos glosadores com relação ao direito Romano. Dessa
forma, ocorreu a substituição das praticas costumeiras, de uso regional, ou seja, de
cada polis, por um direito mais abrangente, uniforme e taxativo, sustentado na escrita
e na língua latina, garantidor na tese, de melhorar a justiça com relação aos juízes
locais nos feudos ou de seus próprios senhores. Atualmente, no campo do direito
canônico, é certo que limites quanto a aplicação do mesmo surgiram, mas nem por isto
sua presença se afastou do plano geral do direito, em especial quanto à princípios
éticos, morais que atuam com intensidade com os jurídicos; o que se sucede no
instituto do direito privado, como o casamento e sua eventual anulação; a proteção da
família; da criança; da juventude; o pátrio poder; adoção; tutela; dentre outros. Há de
se observar ainda a influência de tal direito no que se refere a defesa dos direitos dos
trabalhadores e a própria legislação, bem como a semente lançada da Igreja no que diz
respeito ao processo, principalmente na conciliação entre as partes, lembrando ainda
da necessidade dos processos serem obrigatórios escritos, heranças essas do direito
canônico.6 (AZEVEDO, 2005, p. 116). 
 
 

Outros fatores importantes utilizados no nosso ordenamento jurídico são raízes do


direito canônico, citando exemplos como: a oposição de terceiros antes do julgamento,
onde antigamente nascia no direito germânico, quando invocado durante a assembleia
geral, por qualquer membro do clã, já na situação canônica se instaurava em processo
autônomo, onde nascia dois processos para julgamento em conjunto pelo mesmo juiz;
a questão da testemunha, onde pesava a idoneidade e caráter do depoente, inclusive
realizando juramentos de dizer a verdade;  a preocupação com a justiça, onde a coisa
julgada passava a ocorrer após três sentenças conformes; a figura do advocati
pauperum, destinados  a atender às pessoas carentes de recursos, como forma de
servir e buscar a justiça; dentre outros inúmeros exemplos que marcaram a presença
do direito canônico na formação do direito moderno. 
  Legislação Canônica Brasileira 

 
Até 1514, a Terra de Santa Cruz (primeiro nome do Brasil), estava sob jurisdição
eclesiástica  de Portugal. O Papa Leão X concedeu a Dom Manuel, rei de Portugal, o
Padroado de todas as Igrejas fundadas nas terras conquistadas pelos portugueses. Os
primeiros padres jesuítas, que são padres regulares, ou seja, os regulares são os
pertencentes ás Ordens Religiosas, aqueles que vivem em comunidades
(conventos,fraternidades) e submetidos à uma Regra de Vida, normalmente ditada pelo
fundador da Ordem, são muitos cada qual com um carisma definido. Os Franciscanos
seguem o carisma da pobreza, segundo nosso Santo Francisco e os padres seculares,
aqueles que não fazem voto de pobreza, podem ter bens, e só estão submetidos ao
Bispo, chegaram ao Brasil (Bahia) em 1549 e criaram o Bispado Da Bahia, que ficou
canonicamente subordinado a metrópole Lisboa. 

 
 O primeiro ato jurídico-canônico no Brasil ocorreu em 21 de julho de 1707, quando
foram promulgadas as Constituições Primeiras da Arcebispado da Bahia. Um fato
marcante em termos jurídico-canônicos para o Brasil aconteceu quando foi proclamada
a república, em 15 de novembro de 1889 e a Igreja foi separada do Estado. Em 1915
foi elaborado pelo episcopado do sul do Brasil, um documento chamado de
CONSTITUIÇÕES DAS PROVÍNCIAS ECLESIÁSTICAS MERIDIONAIS DO BRASIL. 

 
DAS NORMAS GERAIS 

 
Cân. 1 — Os cânones deste Código dizem respeito unicamente à Igreja latina. 

 
DAS LEIS ECLESIÁSTICAS 

 
Cân. 11 — Estão obrigados às leis meramente eclesiásticas os batizados na Igreja
católica ou nela recebidos, que gozem de suficiente uso da razão, e, a não ser que
outra coisa expressamente se estabeleça no direito, tenham completado sete anos de
idade. 

 
Cân. 14 — As leis, mesmo as irritantes e inabilitastes, não obrigam em caso de dúvida
de direito; em caso de dúvida de fato, os Ordinários podem dispensar delas, contanto
que, se  tratar de dispensa reservada, esta costume ser concedida pela autoridade à
qual está reservada. 

 
Cân. 20 — A lei posterior ab-roga a anterior ou derroga-a, se assim o determinar
expressamente, ou lhe for diretamente contrária, ou ordenar integralmente a matéria
da lei anterior; mas a lei universal não derroga o direito particular ou especial, a não
ser que outra coisa expressamente se determine no direito. 

 
Cân. 21 — Em caso de dúvida não se presume a revogação de uma lei preexistente,
mas as leis posteriores devem cotejar-se com as anteriores e, quanto possível,
conciliar-se com elas. 
 
DO COSTUME 

 
Cân. 23 — Só tem força de lei o costume introduzido pela comunidade de fiéis que tiver
sido aprovado pelo legislador, segundo as normas dos cânones seguintes. 

 
Cân. 24 — § 1. Não pode obter força de lei nenhum costume que seja contrário ao
direito divino. 

 
§ 2. Também não pode obter força de lei o costume contra ou para além do direito
canônico, se não for razoável; o costume expressamente reprovado no direito não é
razoável. 

 
Cân. 25 — Nenhum costume obtém força de lei a não ser que tenha sido observado por
uma comunidade capaz, ao menos, de receber leis com a intenção de introduzir
direito. 

 
Cân. 26 — A não ser que tenha sido especialmente aprovado pelo legislador
competente, o costume contrário ao direito canônico em vigor ou para além da lei
canônica só obtém força de lei, se tiver sido legitimamente observado durante trinta
anos contínuos e completos; mas contra a lei canônica que contenha uma cláusula a
proibir costumes futuros, só pode prevalecer o costume centenário ou imemorial. 

 
DAS PESSOAS FÍSICAS E JURÍDICAS 

 
CAPÍTULO I 

 
DA CONDIÇÃO CANÓNICA DAS PESSOAS FÍSICAS 

 
Cân. 96 — Pelo batismo o homem é incorporado na Igreja de Cristo e nela constituído
pessoa, com os deveres e direitos que, atendendo à sua condição, são próprios dos
cristãos, na medida em que estes permanecem na comunhão eclesiástica e a não ser
que obste uma sanção legitimamente infligida. 

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