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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2020.0000919959

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº


2256097-07.2020.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é agravante AMIL
ASSISTÊNCIA MÉDICA INTERNACIONAL S/A, é agravado MARIA JOVINA
MONTEZZO DE SAMPAIO ARRUDA.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 4ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram
provimento ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra
este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores ALCIDES


LEOPOLDO (Presidente), MARCIA DALLA DÉA BARONE E MAURÍCIO
CAMPOS DA SILVA VELHO.

São Paulo, 10 de novembro de 2020.

ALCIDES LEOPOLDO
Relator
Assinatura Eletrônica
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AGRAVO DE INSTRUMENTO
Processo nº 2256097-07.2020.8.26.0000
Nº de 1ª Instância: 1081643-56.2020.8.26.0100
Comarca: São Paulo (F. R. de Pinheiros 3ª Vara Cível)
Agravante: Amil Assistência Médica Internacional S.A.
Agravada: Maria Jovina Montezzo de Sampaio Arruda
Juíza: Rosana Moreno Santiso
Voto n. 21.808

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – Plano de


Saúde – Tutela provisória de urgência para cobertura das
sessões de hidroterapia - Não excluindo o contrato o
tratamento da doença, não podem ser excluídos os
procedimentos, exames, materiais, métodos e medicamentos
necessários à cura e ao bem estar do paciente – Inteligência
da Súmula 102 do TJSP – Impossibilidade de limitação ao
número de sessões sob pena de afronta ao art. 51 do CDC –
Julgado do STJ e do TJSP - Recurso desprovido.

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de


liminar, nos autos da ação de obrigação de fazer, da decisão de fls. 82/83
dos autos de origem, que deferiu a tutela provisória de urgência para
compelir a ré a autorizar, no prazo de 10 dias, o tratamento médico
prescrito à autora, nos exatos termos do relatório médico de fls. 60/61,
em hospital pertencente à rede credenciada ao plano, com preferência
àquele indicado na inicial (Hospital Israelita Albert Einstein), arcando
integralmente com seus custos enquanto perdurar a prescrição médica,
sob pena de multa diária de R$ 1.000,00.

Sustenta a Operadora recorrente que o relatório


médico apresentado pela autora é abusivo, porquanto solicita
hidroterapia, terapia não prevista no rol da ANS, cuja observância é

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taxativa nos termos do entendimento firmado pelo STJ no julgamento do


REsp 1.733.013/PR, estando a recorrente obrigada ao custeio dos
tratamentos médicos apenas em caráter suplementar ao dos serviços
disponibilizados pelo Poder Público, devendo ser reformada a decisão
sob pena de gerar desequilíbrio no mutualismo contratual e,
subsidiariamente, aduz que o número de sessões a que faz jus a autora
deve observar os limites do art. 21 da RN 428/2017.

Pleiteia a concessão do efeito suspensivo e a


reforma, uma vez ausente o fumus boni iuris e o periculum in mora.

Foi indeferido o efeito suspensivo.

É o Relatório.

Aprecia-se o presente recurso a despeito da falta de


intimação da parte agravada, pela ausência de prejuízo à agravada.

Insurge-se a recorrente contra a decisão que deferiu


a tutela de urgência para compeli-la à cobertura das sessões de
hidroterapia, prescritas ao tratamento da autora, afirmando a recorrente
não estar obrigada a custear tratamento não previsto no Rol da ANS e,
subsidiariamente, defende a limitação do número de sessões nos termos
da Resolução Normativa 428/2017 da ANS.

De acordo com os Receituários de fls. 60/61 dos


autos de origem, a autora se encontra em pós-operatório tardio de
artrodese lombar, sendo encaminhada ao médico de dor e indicada,
dentre outros tratamentos, a realização de hidroterapia semanal.

O Superior Tribunal de Justiça pacificou o


entendimento de que se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos

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contratos de plano de saúde (Súmula 469, SEGUNDA SEÇÃO, julgado


em 24/11/2010, DJe 06/12/2010).

Não se demonstrou que o plano da autora não tenha


cobertura para a doença que a acomete, razão pela qual não podem ser
excluídos todos os procedimentos, exames, medicamentos, métodos e
materiais que foram necessários para o pronto restabelecimento e a
melhoria do estado do paciente e ao seu bem estar (REsp 668.216/SP,
Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA
TURMA, julgado em 15.03.2007, DJ 02.04.2007 p. 265; AgRg no
AREsp 35.266/PE, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA
TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 07/11/2011),.

É assente perante o Superior Tribunal de Justiça


que: "a jurisprudência deste Tribunal Superior é uníssona no sentido de
que é abusiva a cláusula restritiva de direito que exclui do plano de
saúde terapia ou tratamento mais apropriado para determinado tipo de
patologia alcançada pelo contrato" (AgRg no AREsp 488.347/SP, Rel.
Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
18/09/2014, DJe 26/09/2014), bem como que: "o contrato de plano de
saúde pode limitar as doenças a serem cobertas não lhe sendo permitido,
ao contrário, delimitar os procedimentos, exames e técnicas necessárias
ao tratamento da enfermidade constante da cobertura" (AgRg no Ag
1355252/MG, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA
TURMA, julgado em 24/06/2014, DJe 05/08/2014).

Havendo a cobertura da doença, é nula a disposição


contratual que desobriga a cobertura de procedimentos e inválidas as
limitações do número de sessões, uma vez prescritas, porque necessárias

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ao restabelecimento do paciente, devendo ser cobertos integralmente os


serviços.
Este Tribunal de Justiça firmou entendimento,
conforme a Súmula n. 102 que: "havendo expressa indicação médica, é
abusiva a negativa de cobertura de custeio de tratamento sob o
argumento da sua natureza experimental ou por não estar previsto no rol
de procedimentos da ANS".

Não cabe ainda, pelo mesmo fundamento de ser


excessivamente onerosa, e consequentemente nula (art. 51, IV, CDC), a
limitação de sessões na rede credenciada e nem na rede particular na
hipótese de não disponibilização na rede credenciada ou referenciada.

A esse respeito, já se manifestou o Superior Tribunal


de Justiça no sentido de que: "3. A Lei 9.656/98 dispõe sobre os planos
privados de assistência à saúde e estabelece as exigências mínimas de
oferta aos consumidores (art. 12), as exceções (art. 10) e as hipóteses
obrigatórias de cobertura do atendimento (art. 35-C), tudo com a
expressa participação da Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS) na regulação da saúde suplementar brasileira (art. 10, §4º). 4. Há
abusividade na cláusula contratual ou em ato da operadora de plano
de saúde que importe em interrupção de tratamento de terapia por
esgotamento do número de sessões anuais asseguradas no Rol de
Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, visto que se revela
incompatível com a equidade e a boa-fé, colocando o usuário
(consumidor) em situação de desvantagem exagerada (art. 51, IV, da
Lei 8.078/1990). Precedente. 5. Utilização da coparticipação para as
consultas excedentes, como forma de evitar o desequilíbrio financeiro,
entre prestações e contraprestações. Valoriza-se, a um só tempo, a
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continuidade do saudável e consciente tratamento do paciente enfermo


sem impor à operadora o ônus irrestrito de seu financiamento, utilizando-
se a prudência como fator moderador de utilização dos serviços privados
de atenção à saúde" (REsp 1642255/MS, Rel. Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/04/2018, DJe
20/04/2018).
Nesse sentido, ainda, o entendimento desta C. Corte:

Ementa: APELAÇÃO PLANO DE SAÚDE Pretensão


de custeio de tratamento Autora diagnosticada
com autismo infantil Prescrição médica de terapia de
"análise de comportamento aplicada ABA" Negativa do
réu em custear o tratamento ao argumento de que existiria
expressa exclusão contratual e de que não constaria no rol de
procedimentos da ANS Abusividade Súmula nº 102,
deste E. TJSP Doença com cobertura contratual
Impossibilidade de limitação do número de sessões de
fonoaudiologia, terapia ocupacional e fisioterapia quando
indispensáveis ao tratamento Obrigação de custeio pelo
plano Sentença de procedência mantida NEGARAM
PROVIMENTO AO RECURSO. (Apelação Cível n.
1061171-73.2016.8.26.0100, 8ª Câmara de Direito Privado,
rel. Des. Alexandre Coelho, j. 12/07/2017).

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL PLANO DE SAÚDE


Segurado diagnosticado com autismo infantil, que necessita
de tratamentos terapêuticos tais como fonoaudiologia, terapia
ocupacional e psicólogo Recusa de cobertura integral
Abusividade na limitação de sessões Inteligência da
Súmula 102 deste E. Tribunal Manutenção da r. sentença
Recurso desprovido. (Apelação Cível n.
0072598-26.2012.8.26.0100, 2ª Câmara de Direito Privado,
rel. Des. José Carlos Ferreira Alves, j. 21/02/2017).

Ementa: Plano de saúde Autor portador de autismo


Necessidade de tratamento com terapia denominada "ABA"
Negativa sob a alegação de que o tratamento prescrito não
está previsto no rol de procedimentos da ANS, não possui
cobertura contratual e é de natureza experimental
Abusividade Cabe ao médico especialista eleger o
tratamento mais conveniente ao paciente e não ao plano de

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saúde Sessões de terapias ilimitadas, até o completo


restabelecimento da saúde do paciente Sentença mantida
Recurso não provido. (Apelação Cível n.
1007747-18.2016.8.26.0068, 7ª Câmara de Direito Privado,
Rel. Des. Luis Mario Galbetti, j. 06/11/2017).

Com relação ao referido REsp 1733013/PR (Rel.


Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em
10/12/2019, DJe 20/02/2020) que entendeu que o Rol de Procedimentos
e Eventos em Saúde elaborado pela ANS não pode ser caracterizado
como relação exemplificativa, saliente-se que a C. 3º Turma do STJ
mantém o entendimento anterior (AgInt no REsp 1864488/SP, Rel.
Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA,
julgado em 24/08/2020, DJe 01/09/2020; AgInt no REsp 1871026/SP,
Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em
24/08/2020, DJe 27/08/2020; AgInt no REsp 1829583/SP, Rel. Ministro
PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado
em 22/06/2020, DJe 26/06/2020; AgInt no AREsp 1442296/SP, Rel.
Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA,
julgado em 23/03/2020, DJe 25/03/2020; AgInt no AREsp 1471762/DF,
Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA,
julgado em 23/03/2020, DJe 30/03/2020; (AgInt no REsp 1849149/SP,
Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
30/03/2020, DJe 01/04/2020). Monocraticamente os Ministros Antonio
Carlos Ferreira da 4ª Turma (AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº
1.572.597 - GO (2019/0255434-0), 12.05.2020), Maria Isabel Gallotti,
RECURSO ESPECIAL Nº 1.847.233 - GO (2019/0331628-6,

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11.05.2020) e MARCO BUZZI, AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL


Nº 1685355 - SP (2020/0072144-6), mantiveram em julgamentos
posteriores o entendimento majoritário, não se podendo falar ainda em
overruling.

Veja-se a recente manifestação do Ministro


MOURA RIBEIRO de que: "3. Em que pese a existência de precedente
da eg. Quarta Turma de que seria legítima a recusa de cobertura com
base no rol de procedimentos mínimos da ANS, esta eg. Terceira Turma,
no julgamento do AgInt no REsp 1.829.583/SP, Rel. Ministro PAULO
DE TARSO SANSEVERINO, julgado aos 22/ 6/2020, reafirmou sua
jurisprudência no sentido do caráter exemplificativo do referido rol de
procedimentos" (AgInt no REsp 1882975/SP, Rel. Ministro MOURA
RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/09/2020, DJe
17/09/2020).
Estão presentes os requisitos do art. 300 do
CPC/2015, o fumus boni iuris como demonstrado, e o periculum in mora
pela gravidade da doença e intensa dor sofrida pela paciente, que pode
ser atenuada pela terapia prescrita, para a concessão da liminar recorrida,
que está em conformidade com a jurisprudência dominante do STJ e
desta Corte.
Pelo exposto, NEGA-SE PROVIMENTO ao
agravo de instrumento.

ALCIDES LEOPOLDO
Relator
Assinatura Eletrônica

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