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Érica N. H. Teibel
Universidade Federal de Mato Grosso – MT, Brasil
Resumo
Este estudo tem como objetivo analisar a representação social sobre o brincar segundo um grupo de
197 acadêmicos do curso de Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá. Para tanto, os referenciais teóricos
utilizados foram a Teoria das representações sociais, de Serge Moscovici (1978) e a Teoria do núcleo
central, de Jean-Claude Abric (1998) em diálogo com as contribuições de Winnicott (1975, 2005)
sobre as questões associadas à ludicidade. A coleta de dados baseou-se na técnica de Associação de
Palavras. O processamento foi realizado por dois softwares, o Ensemble de Programmes Permetettant
l’Analyse des Evocations (EVOC), que possibilitou esclarecimentos acerca de como os conteúdos da
representação social investigada estão estruturados, e o Cohesive Hierarchical Implicative
Classification (CHIC), que por meio da análise implicativa clássica permitiu notar relações entre os
termos evocados, possibilitando inferir possíveis caminhos discursivos. Os resultados indicam que a
representação dos licenciandos sobre o brincar é demarcada de forma positiva e idealizada. No
sistema periférico identificou-se também a presença de discurso organizado pela inserção de
conteúdos acadêmicos, fato que pode caracterizar o fenômeno da polifasia cognitiva.
Palavras-chave: Brincar, Representações sociais, Infância.
Abstract
This case of study has a purpose of analysing the social representations regarding the playing
according to 197 scholars of Pedagogy at UFMT, Cuiaba campus. Therein, the theoretical references
used were the Social Representation Theory by Serge Moscovici (1978) and the Central Core Theory
by Jean-Claude Abric (1998) in dialogues with Winnicott’s contributions (1975; 2005) regarding the
matters related to playfulness. Data collection was based upon the Word’s Association technique.
Processing was done through two softwares: Ensemble de Programmes Permetettant l’Analyse des
Evocations (EVOC), which allowed clarification regarding how the social representation contents that
are being investigated are structured, and the Cohesive Hierarchical Implicative Classification
(CHIC), which through the classic implicative analysis allowed noticing a relation between the
evoked terms. Therefore, allowing understand the possible pathways to discussion. The results
indicate that the representation which the undergraduate has, as to playing, is had in a positive form
and idealized. In the peripheral system it was also found the presence of a discourse which is
organized by the insertion of academic contents, fact which could characterize the cognitive
polyphasia phenomena.
Keywords: Play, Social representation, Infanthood.
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Endereço para correspondência: Daniela B. S. Freire Andrade. E-mail: freire.d@terra.com.br. Érica N. H.
Teibel. E-mail: ericanayla@yahoo.com.br.
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suportar essa ausência, utilizando algo da maior saliência, sendo o mesmo elemento
realidade para torná-lo presente. Deste modo, a organizador da representação. No entanto, na
criança consegue preencher esse espaço com o representação social de aluno, o vocábulo
brincar criativo aliado ao desenvolvimento do brincar é silenciado no rol dos elementos
pensamento. estruturais da representação, configurando na
Winnicott (1975, 2005), ainda salienta a sua periferia o vocábulo bagunçar,
relevância da ludicidade na administração da provavelmente uma referência à manifestação
agressão e da destrutividade, fatores tão lúdica que no contexto da sala de aula parece
inerentes ao processo de constituição da ser caracterizada como transgressão.
subjetividade humana quanto os sentimentos de Já o estudo de Braga (2010), com a mesma
amor, reparação e cuidado. população, anuncia a representação social da
O autor reforça ainda que as crianças em sala de aula como espaço destinado à
idade pré-escolar tendem a agir segundo concentração e disciplina e a representação
emoções fortes e agressivas. Deste modo, para social do recreio como espaço aberto à
promover um ambiente facilitador de expressividade espontânea. Em certa medida,
desenvolvimento, é importante que os pode-se pensar que, para os acadêmicos de
professores consigam acolher tais Pedagogia consultados, futuros professores de
comportamentos, assumindo as orientações alunos cujas idades variam até dez anos, a
necessárias. escola se organiza segundo reguladores sociais
O brincar é entendido então como a base caracterizados pela dicotomia dentro e fora da
por meio da qual a criança pode aprender a sala de aula, estando a brincadeira associada
transformar e a utilizar objetos do mundo para aos espaços externos à sala de aula. Assim,
neles realizar-se e inscrever os próprios gestos quando a ludicidade se manifesta dentro da
sem perder contato com a própria sala, observa-se a tendência de ela ser
subjetividade. Nesta perspectiva, a brincadeira significada como manifestação da indisciplina.
torna-se a possibilidade de elaboração de É possível então pensar que o professor
significados e sentimentos associada ao nomeia determinados comportamentos como
domínio da angústia, ao controle de ideias ou brincadeira e, ao fazer isso, demarca as regras
impulsos para com isso dar escoamento ao ódio de convivência em sala de aula.
e à agressão, além de desenvolver a tolerância à Tais resultados podem indicar o
frustração e canalizar a agressividade. descompasso entre as proposições teóricas
Na brincadeira, inscreve-se o gesto pessoal amplamente divulgadas nos cursos de formação
à medida que se utilizam objetos da realidade inicial de professores e os significados
externa, transfigurando-os de acordo com a atribuídos à expressividade infantil, e mesmo
fantasia. Nesse movimento, aproxima-se do próprio adulto. Eles são indicadores de que
intenção do gesto, integrando imaginação com no processo de formação acadêmica nem
a realidade externa em um diálogo com o sempre os conhecimentos advindos do campo
mundo que funciona como a base para a científico serão tomados como marcos de
aprendizagem, discriminando criação de referência para a interpretação e atuação na
aprendizagem, autoria de apropriação inventiva realidade educacional.
do conhecimento.
Frente a esses indicadores a proposição
deste estudo, justifica-se em torno das hipóteses Sobre a teoria das representações
interpretativas advindas das investigações sociais
intituladas Criança e aluno: um estudo de
representações sociais segundo licenciandos de Jodelet (2001), ao realizar uma
Pedagogia da UFMT, campus Cuiabá (Lima, sistematização do conceito de representação
2010) e Dentro e fora da sala de aula: um social assinala que ela é “uma forma de
estudo acerca das representações sociais do conhecimento, socialmente elaborada e
espaço escolar segundo licenciados de partilhada, com o objetivo prático, e que
Pedagogia da UFMT (Braga, 2010). contribui para a construção de uma realidade
Nos estudos sobre as representações comum a um conjunto social” (p.22). Deste
sociais de criança e aluno (Lima, 2010), modo, destaca-se que as representações sociais
destaca-se o fato de que, na representação não são cópias da realidade, mas sínteses
social sobre criança, o atributo brincar possui criativas de grupos, que delineiam suas
Ludicidade e reguladores sociais associados à infância 223
uma rede de possíveis relações causais, como Os termos que perdem destaque nesse
por exemplo, quando se observa em um processo são: brincadeira e brinquedo, que na
determinado sujeito certa evocação “X”, em organização segundo a OME localizava-se no
geral, observa-se a presença de uma evocação núcleo central e na organização por OMI figura
“Y”. na primeira periferia. O termo família
O software CHIC permite também apresentava-se na zona de contraste na
conhecer quais são as variáveis que explicam as organização por OME e aloja-se na segunda
relações implicativas identificadas, por meio do periferia quando considera-se a organização por
cálculo do valor de tipicalidade. Tal cálculo OMI.
apresenta índices de risco entre os valores de Os vocábulos que adquirem maior
zero, que seria a total ausência de risco, saliência com o processo de hierarquização são:
indicando tipicalidade plena da variável, a um amigos, aprender, imaginar, liberdade e sorrir.
que representaria a total negação da tipicalidade Nesse sentido, chama a atenção o vocábulo
de uma variável. Neste trabalho, considera-se aprender, pois pode indicar que, quando
como variável os anos ou a turma dos sujeitos possibilitada a hierarquização dos termos, os
na graduação, gerando quatro grupos distintos: conteúdos relacionados ao discurso acadêmico
primeiro ano, segundo ano, terceiro ano e ganham maior importância do que quando
quarto ano. evocados espontaneamente. Esses dados
corroboram com os resultados obtidos nos
estudos de Braga (2010) e Lima (2010) que, ao
Apresentação e análise de dados realizarem estudos com licenciandos de
Inicialmente, realizou-se comparação entre Pedagogia, também perceberam a valorização
os resultados obtidos com o processamento dos de termos relacionados com a academia no
dados tanto por meio da ordem média de processo de atribuição de importância às
evocação (OME), como pela ordem média de evocações.
importância (OMI) dos termos. Foi possível Considerando o fato desse trabalho se
observar com isso que alguns vocábulos ao dedicar à investigação de alunos em processo
serem processados segundo a ordem de de formação acadêmica, e de ter como interesse
importância adquirem maior saliência se a compreensão do impacto desse conhecimento
comparados com sua ordem de evocação científico, na representação social dos futuros
espontânea, e consequentemente outros professores, será analisado, o quadrante
vocábulos perdem importância. referente à organização por OMI.
Figura 1 – Elementos estruturais relativos ao mote indutor brincar, processados por ordem
média de evocação (OME) e ordem média de importância (OMI).
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Quando observada a variável ano na o que pode indicar que para os licenciandos, ou
graduação, verifica-se que pelo cálculo de pelo menos, para a maioria deles, esse ambiente
tipicalidade, este bloco contempla relações não oferece estruturas de oportunidades
implicativas mais típicas dos licenciandos do favoráveis a prática lúdica.
primeiro e segundo anos. Isto porque a relação Ainda sobre o atributo espaço observa-se
espaço ► brinquedo tem no segundo ano a que a frequência mais alta aparece para o
turma mais típica, ao apresentar o menor risco vocábulo parque, com treze ocorrências, um
dentre as demais variáveis com um valor de espaço que apesar de se localizar dentro da
0.199. A implicação brinquedo ► criança escola sinaliza um ambiente informal e de
indicou como grupo mais típico o primeiro ano, lazer; tal frequência pode indicar que, para os
com um risco de 0.32. A associação desses sujeitos do estudo, o brincar está mais
vocábulos (espaço ► brinquedo ► criança) comumente associado a este local, e possui
revela a demarcação de um cenário específico finalidades recreativas. Destaca-se que as
destinado ao brincar. associações deste bloco são típicas dos dois
No contexto do bloco 1, têm-se os anos iniciais da graduação, possivelmente
elementos do núcleo central e da primeira períodos em que o discurso acadêmico ainda
periferia, portanto os mais rotinizados na encontra-se em fase introdutória, podendo tais
memória social do grupo (são vocábulos que licenciandos estarem apoiando seus discursos
possuem alta frequência), tais elementos nas suas experiências como alunos, mais do que
também podem ser compreendidos como os como futuros professores.
descritivos do brincar, demarcando aquilo que Já o bloco 2 − atores sociais e bem-estar −
os sujeitos efetivamente têm de maior caracteriza-se por um conjunto de conexões em
proximidade com relação ao tema. que o vocábulo alegria centraliza três outras
Vale destacar que o vocábulo sala de aula, associações possíveis, com índices de
acomodado no atributo espaço, se resume a implicação variando entre 95%, 90% e 85%, a
frequência dois, em um total de quarenta e seis, saber: 1. amigos ► alegria ► criança; 2. prazer
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Sobre os autores:
Daniela B. S. Freire Andrade – Doutora em Educação: Psicologia da Educação. Professora e orientadora no
PPGE/UFMT.
Érica N. H. Teibel – Mestranda do PPGE/UFMT. Bolsista (FAPEMAT).