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Editorial

Uma nova revolução sexual


A new sexual revolution
Carmita Helena Najjar Abdo*

Para a quarta edição do Manual Diagnóstico à vulnerabilidade individual, à cultura, à


e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-­ religião e os de ordem médica devem ser
IV),(1) as disfunções sexuais se definiam relatados.
pela presença de dor ou alguma alteração Um mínimo de 6 meses de duração
em uma ou mais das fases do ciclo linear fir­mou-se como critério para o diagnós-
de resposta sexual (desejo – excitação – tico da disfunção sexual, no sentido de
orgasmo – resolução). se evitarem “exageros” e se aumentar a
Já na quinta edição desse manual, o precisão, diferenciando problemas transi-
DSM-5,(2) publicada em 2013, as disfun- tórios de dificuldades persistentes e, por-
ções sexuais foram consideradas gênero- tanto, patológicas.
es­pecíficas, passando as dificuldades de Quanto às questões relacionadas à
desejo e de excitação da mulher a consti­ in­congruência de gênero, reunidas como
tuírem uma única disfunção (do interesse/ transtorno de identidade de gênero no
excitação sexual). Transtorno de dor geni­ DSM-IV, uma nova denominação diag-
topélvica/à penetração também passou pa­­­­ra nóstica (menos estigmatizante) foi suge-
uma só categoria, deixando de ser, respec- rida pelo DSM-5: a disforia de gênero,
tivamente, dispareunia e vaginismo (como considerada uma multicategoria, pois en-
constavam no DSM-IV), porque, segundo globa disforia em crianças, adolescentes e
os especialistas norte-americanos, são con- adultos.
dições de difícil distinção. Os critérios A (identificação com o gê­­
Quanto aos subtipos, as disfunções con- nero oposto) e B (aversão em relação a
tinuam sendo caracterizadas como ao longo um gênero) foram unificados, em razão
da vida (primárias) ou adquiridas (secundá- de não haver evidências que justificassem
rias), e generalizadas (quando ocor­­­rem em mantê-los separados.
quaisquer circunstâncias) ou si­­­tuacionais. Em crianças, “forte desejo de perten­
Mas a intensidade do sofrimento (míni- cer ao outro gênero” substituiu o ante-
mo, moderado ou grave) agora também rior “desejo expresso repetidamente” (do
compõe a caracterização das disfunções e DSM-IV) para abarcar a condição de al-
o contexto deve ser especificado: fatores gumas crianças que, num ambiente coer-
relativos à parceria, ao relacionamento, citivo, não verbalizam esse desejo. O cri-

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Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex), Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.
Autor correspondente: Carmita Helena Najjar Abdo – Rua Dr. Ovidio Pires de Campos, 785 – CEP: 05403-903 – São Paulo, SP, Brasil
E-mail: carmita.abdo@uol.com.br
DOI: 10.1590/S1679-45082014ED3182

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tério A1 para crianças, “forte desejo de ser do outro o B, não há transtorno parafílico, mas parafilia. Portan-
gênero ou a insistência de pertencer a outro gênero”, é to, essa nova concepção aceita o comportamento sexual
necessário, mas não suficiente, para o diagnóstico, ago- atípico, desde que consensual, como não patológico.
ra mais restritivo. Isso implica que os indivíduos envolvidos não sejam
Uma ampla mudança foi proposta para as parafilias incapazes de dar seu consentimento (como crianças e
no DSM-5: parafilia não é, por si só, transtorno mental, deficientes mentais, por exemplo).
devendo ser distinguida de transtorno parafílico. A pa- A simples apresentação desses novos conceitos e
rafilia passa a ser transtorno quando causa sofrimento critérios diagnósticos suscitou dúvidas e acaloradas dis-
ou prejuízo ao indivíduo. Também quando leva a danos cussões no meio acadêmico, o que repercutirá na clíni-
pessoais ou risco de dano a outros. Portanto, parafilia é ca. Refletem, afinal, uma revolução na forma como os
uma condição necessária, mas não suficiente para diag- especialistas norte-americanos entendem o comporta-
nóstico de transtorno parafílico e, consequentemente, mento e a função sexual nos dias de hoje. Vamos aguar-
não requer intervenção clínica automática. dar, curiosos, o que a CID-11 irá propor.
A distinção entre parafilia e transtorno parafíli-
co não alterou as definições diagnósticas já estabeleci-
das, desde o DSM-III-R.(3) No DSM-5, dois critérios REFERÊNCIAS
se destacam: o critério A, que especifica a natureza da 1. Associação Psiquiátrica Americana (APA). Manual diagnóstico e estatístico
de transtornos mentais. Texto revisado (DSM-IV-TR). 4a ed. Porto Alegre:
excitação parafílica (com peças íntimas de mulher, por
Artmed; 2002.
exemplo, como no fetichismo) e o critério B, que apon-
2. American Psychiatric Association (APA). Diagnostic and statistical manual of
ta as consequências negativas (sofrimento psicológico, mental disorders: DSM-5. 5th ed. Arlington, VA: APA; 2013.
prejuízo em outras áreas da vida, risco de dano a outro). 3. American Psychiatric Association (APA). Diagnostic and statistical manual of
Se o indivíduo preenche o critério A, mas não preenche mental disorders. 3rd edition-revised (DSM III-R). Washington, DC: APA; 1987.

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