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A PRIMEIRA MISSA DO BRASIL DE VICTOR MEIRELLES: ALGUMAS

INFLUÊNCIAS E A CÓPIA DE SEBASTIÃO VIEIRA FERNANDES.

THE FIRST MASS IN BRAZIL BY VICTOR MEIRELLES: SOME INFLUENCES


AND THE COPY OF SEBASTIAN VIEIRA FERNANDES

Marco Antonio Baptista / UDESC

RESUMO
As obras apresentadas nesse artigo conversam diretamente com o tema da ANPAP 2019 –
Origens. Afinal, a Primeira Missa do Brasil de Victor Meirelles ilustra um dos momentos que
marcam a origem da nação brasileira, pois traduz em formas e cores parte importante da
narrativa de Pero Vaz de Caminha naquela que ficou conhecida como a certidão de
nascimento de nossa nação. Aborda também, uma cópia deste trabalho, evidenciando uma
prática de cópia na origem dos estudos acadêmicos. Pretende-se com esse trabalho, refletir
sobre a potência política, pedagógica, histórica, estética e poética dos inícios.

PALAVRAS-CHAVE
Victor Meirelles e a Primeira Missa do Brasil; Sebastião Vieira Fernandes e a cópia da
Primeira Missa do Brasil; Cópia como origem.

ABSTRACT
The artworks presented in this article talk directly with the theme of ANPAP 2019 - Origins.
After all, the First Mass of Brazil by Victor Meirelles illustrates one of the moments that mark
the origin of the Brazilian nation, because it translates into forms and colors an important part
of the narrative of Pero Vaz de Caminha in what became known as the birth certificate of our
nation. It also covers a copy of this work, evidencing a copy practice at the origin of the
academic studies. This work intends to reflect on the political, pedagogical, historical, aesthetic
and poetic power of the beginnings.

KEYWORDS
Victor Meirelles and the first mass of Brazil; Sebastião Vieira Fernandes and the copy of the
First Mass of Brazil; Copy as origin.

INTRODUÇÃO
As obras apresentadas nesse artigo conversam diretamente com o tema da ANPAP
2019 – Origens. Afinal, a Primeira Missa do Brasil de Victor Meirelles ilustra um dos
momentos que marcam a origem da nação brasileira, pois traduz em formas e cores
parte importante da narrativa de Pero Vaz de Caminha naquela que ficou conhecida
como a certidão de nascimento de nossa nação. Aborda também, uma cópia deste
trabalho, evidenciando uma prática de cópia na origem dos estudos acadêmicos.
Pretende-se com esse trabalho, refletir sobre a potência política, pedagógica,
histórica, estética e poética dos inícios.
Em quase 160 anos de existência, a pintura poucas vezes saiu do Rio de Janeiro para
encontrar-se com o povo do interior do Brasil, mesmo assim suas reproduções digitais
não conhecem fronteiras. Em meio a tantas reproduções há na terra natal de Meirelles
uma fiel obra pictórica digna de contemplação. Trata-se da Cópia da Primeira Missa
do Brasil, de Sebastião Vieira Fernandes.

Muito embora quando estudante da graduação em Pintura na EBA/UFRJ tenha tido o


grande privilégio de contemplar a Primeira Missa do Brasil de perto várias vezes, não
tinha conhecimento da existência de uma cópia. Tal pintura chamou-me atenção por
sua grande fidelidade quando a contemplei no Museu Histórico de Santa Catarina,
cidade na qual resido atualmente e onde me encontro novamente como estudante de
pós-graduação PPGAV/UDESC.

Neste artigo versaremos sobre por que motivos este tema teve ou tem relevância para
nossa nação e quais as possíveis inspirações temáticas e formais que possam ter
influenciado o pintor Victor Meirelles. Também abordaremos sobre a cópia de
Fernandes, seu virtuosismo presente na pintura e tentar entender alguns possíveis
motivos um pouco dos motivos que o levaram a reproduzir com tanta fidelidade esta
pintura.

A Primeira Missa como Pintura Histórica

Segundo Graham (2001), foi no século XIX que o Brasil se afirmou como nação,
graças a um sentimento nacional crescente antes mesmo de sua independência,
fazendo com que o país tomasse rumos distintos das demais colônias latinas.

Para de Castro (2005) o termo arte brasileira só pôde ser pensada de forma integrada
ao processo de construção de uma identidade nacional no século XIX. Também a
produção de pintura histórica alcançou um importante lugar no projeto político com a
finalidade de unir através da narrativa de uma história singular. A realização de
pinturas históricas teve grandes incentivos do império através da Academia de Belas
Artes.

O grande nome por trás da produção de pinturas históricas é Manuel de Araújo Porto
Alegre, grande erudito, teórico, pintor, escritor e mestre. Foi um dos primeiros
integrantes do Instituto Histórico e é considerado precursor da crítica e história da arte
brasileira. Castro (2005) também declara que Porto Alegre sempre buscou a união
entre história e arte. A arte a serviço da história a fim de civilizar através de exemplos
do passado e a criação de uma arte brasileira que descende das obras coloniais
culminando naquela realizada durante o império. Maria de Fátima Couto (2008) afirma
que também foi dele a sugestão do tema a Victor Meirelles a ponto de pedir em carta
para que Victor Meirelles lesse várias vezes a carta de Caminha em busca de
inspiração.

Figura 1 - Victor Meirelles. Primeira Missa do Brasil, 1860.


Óleo s/ tela. 268 x 356 cm.
Rio de Janeiro Museu Nacional de Belas Artes

A Primeira Missa do Brasil de Victor Meirelles (1832 – 1903) – ( Fig. 1) - traduz para a
linguagem visual o fragmento da narrativa de Pero Vaz de Caminha (1450 – 1500) ao
rei de Portugal D. Manoel. Segue abaixo trecho da carta de Caminha:

Ao domingo de Pascoela pela manhã, determinou o Capitão de ir ouvir missa


e pregação naquele ilhéu. Mandou a todos os capitães que se aprestassem
nos batéis e fossem com ele. E assim foi feito. Mandou naquele ilhéu armar
um esperável, e dentro dele um altar mui bem corregido. E ali com todos nós
outros fez dizer missa, a qual foi dita pelo padre Frei Henrique, em voz
entoada, e oficiada com aquela mesma voz pelos outros padres e sacerdotes,
que todos eram ali. A qual missa, segundo meu parecer, foi ouvida por todos
com muito prazer e devoção.
Ali era com o Capitão a bandeira de Cristo, com que saiu de Belém, a qual
esteve sempre levantada, da parte do Evangelho.
Acabada a missa, desvestiu-se o padre e subiu a uma cadeira alta; e nós
todos lançados por essa areia. E pregou uma solene e proveitosa pregação
da história do Evangelho, ao fim da qual tratou da nossa vinda e do
achamento desta terra, conformando-se com o sinal da Cruz, sob cuja
obediência viemos, o que foi muito a propósito e fez muita devoção.
Enquanto estivemos à missa e à pregação, seria na praia outra tanta gente,
pouco mais ou menos como a de ontem, com seus arcos e setas, a qual
andava folgando. E olhando-nos, sentaram-se. E, depois de acabada a
missa, assentados nós à pregação, levantaram-se muitos deles, tangeram
corno ou buzina, e começaram a saltar e dançar um pedaço (CARTA DE
CAMINHA)

A cena descrita ocorreu dia 26 de abril de 1500, domingo, poucos dias após Cabral
aportar no litoral baiano. O local citado está situado na praia da Coroa Vermelha em
Santa Cruz de Cabrália. Mesmo sendo escrita no ano de 1500 a carta só foi publicada
400 anos depois, em 1817.

Antes de Victor Meirelles pintar A primeira Missa do Brasil, outras primeiras missas já
eram conhecidas. Em 1845/1846 o Pintor Johann Moritz Rugendas pintou “A Primeira
Missa em São Vicente, 1532” ( Fig.2)

Figura 2- Johann Moritz Rugendas. A Primeira Missa em São Vicente, 1532. 1845/1846
óleo sobre tela – Reprodução fotográfica Pablo Diener. Acervo: Beatriz Pimenta Camargo.
A pintura de Rugendas, realizada 15 anos antes da obra de Meirelles não relata a
mesma cena, mas nos evidencia o interesse e a importância de tal temática para o
surgimento da identidade brasileira.

A primeira Missa em outros países da América

Vota e Silva (2017) relatam de outros países da América o interesse pelo tema
Primeira Missa consolidou-se em obras monumentais também anteriores a Victor
Meirelles. Talvez venha daí o interesse em criar a nossa versão de Primeira Missa.

Jean Baptiste Vermay, francês de nascimento e de formação artística, migrou da


Europa para a América, em Cuba em 1816 realizou La Primera Misa ( Fig.3)

Figura 3 – Jean Baptiste Vermay. La Primera Misa, 1826


Óleo e pastel sobre tela, 200 x 300 cm
La Habana, Cuba. El Template
Assim como as cinzas de Vermay, La Primera Misa ( Fig 3) repousa em um prédio
erguido ao estilo neoclássico em 1827, chamado “Template”.

Outro grande pintor a dedicar-se ao tema de primeiras missas foi, Pharamond


Blanchard, este assim como Vermay viajou da Europa para a América e neste solo
encontrou motivos para grandes obras. A conexão de ambos os artistas parece ser
coerente pois quando Blanchard veio à América, particularmente Cuba, o Tamplate já
estava construído e La Primera Misa já se encontrava em sua disposição atual, o que
pode ter influenciado suas escolhas temáticas pictóricas.

Grande estudioso da história através da pintura, Blanchard recriou o que seria o


momento da primeira missa das Américas. O ato histórico ocorre no ano de 1493 no
marco da segunda viagem de Colombo as Índias Ocidentais ( Fig.4)

Figura 4 - Pharamond Blanchard La Première Messe em Amérique, 1850


Óleo s/ Tela. Djon (França). Museu de Belas Artes.
Embora a Primeira Missa no Brasil de Victor Meirelles tenha uma ligação mais
próxima, quanto ao conteúdo histórico e cultural americano, com as anteriores
apresentadas, nosso pintor possivelmente tenha encontrado inspiração plástica em
outra obra realizada além mar. É provável que Victor Meirelles tenha visto esta pintura
nos salões de Paris enquanto se encontrava no país como estudante na Europa.
Trata-se de outra primeira missa, porém esta realizada na África, mais precisamente
em Cabília, região que atualmente se encontra na Argélia.

Figura 5 - Horace Vernet. Première Messe em Kabylle, 1854


Óleo s/ tela. 194 x 123 cm
Laussane (Suiça). Museu Cantonal de Belas Artes
A Primiére messe en Kabylie, de Horace Vernet (Fig. 5) foi inspirada nas experiências
vividas pelo artista durante a ocupação francesa no norte da África. Vernet era
responsável por registrar visualmente tal ocupação e a partir de suas experiências e
estudos compôs esta grande obra.

Victor Meirelles realizou sua obra pictórica enquanto estava em Paris, de 1858 a 1860.
No ano seguinte, a Primeira Missa do Brasil ( Fig.1) foi exposta no Salão de Paris no
Palais des Champs-Elysées. Victor Meirelles foi o primeiro brasileiro a expor em tal
salão, atraindo boas críticas, o que trouxe grande prestígio ao artista na corte
brasileira. Paris era a capital das artes no mundo e ter uma obra aceita em um salão
oficial era a ratificação de uma trajetória artística de sucesso. A obra foi o desfecho de
todos os seus oito anos de estudos na Europa como pensionista pela Academia
Imperial de Belas Artes. Foi motivo de grande orgulho nacional o reconhecimento de
um jovem brasileiro através de uma obra que retrataria o nascimento da nação
brasileira.

A primeira Missa do Brasil participou de outra grande mostra internacional no ano de


1893. A Exposição Mundial de Chicago, foi de extrema importância para a jovem
República do Brasil, segundo Dazzi (2011). No que se refere ao aspecto político, esta
exposição visava mostrar ao mundo: progresso, civilidade, industrialização e a grande
produção nacional. A Exposição também foi de grande importância para a Escola de
Belas Artes, pois através dela os mestres brasileiros mostravam seus trabalhos em
esfera global.

Tanto na Primeira Missa em São Vicente de Rugendas ( Fig.2) , quanto na obra de


Victor Meirelles ( Fig.1) parece que diferente das demais representações, há maior
participação e interesse dos nativos indígenas pela celebração que está ocorrendo.
Na primeira missa de Cuba ( Fig.3 ) , Vermay insere apenas dois nativos na cena,
sendo ambos orientados por aquele que cremos ser o comandante da expedição. Na
primeira missa da América, Blanchard ( Fig.4) também coloca os nativos em espaço
separado sem que demonstrem interesse ao evento. Também neste caso um oficial
parece chamar a atenção de um líder indígena para a missa. Na Primeira Missa no
Brasil, de Victor Meirelles ( Fig.1) , não vemos conquistadores instruindo os indígenas,
mas percebemos uma clara curiosidade natural dos nativos que apontam em direção
dos europeus. Na representação do indígena na árvore contemplando a cena, fica
muito clara a intensão do artista em retratar a fácil aceitação dos selvagens às novas
culturas, crenças e rituais europeus. Logo após o descobrimento do Brasil e
celebração da primeira missa, o diário de quinta-feira, da carta de Caminha fala um
pouco sobre como foi a relação dos nativos com a religião cristã europeia e como eles
pareciam receptivos a nova cultura.

Quando saímos do batel, disse o Capitão que seria bom irmos direitos à Cruz,
que estava encostada a uma árvore, junto com o rio, para se erguer amanhã,
que é sexta-feira, e que nos puséssemos todos de joelhos e a beijássemos
para eles verem o acatamento que lhe tínhamos. E assim fizemos. A esses
dez ou doze que aí estavam, acenaram-lhe que fizessem assim, e foram logo
todos beijá-la.
Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a
nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem
entendem em nenhuma crença ”(CARTA DE CAMINHA)

Além de mostrar virtuosismo, a maestria com que representou a vegetação é


inquestionável. Victor Meirelles não poupou talento e disposição em mostrar todas as
suas aptidões como pintor, pois explorou mais de 50 posições e feições humanas
nesta pintura, mostrando assim seu grande conhecimento de anatomia e
representação de figura humana. Sebastião Vieira Fernandes seguiu de perto a
carreira de Victor Meirelles. Também natural da Ilha de Florianópolis, estudou na
Academia Imperial de Belas Artes. Conforme conta Boiteux (1940), recebeu vários
prêmios por sua capacidade artística como o Prêmio Imperatriz do Brasil, concedido
para estudos no exterior, contudo não desfrutou de seu benefício devido a convulsões
políticas que desencadearam na queda da monarquia. Tornou-se aluno de Meirelles
e Zeferino da Costa, foi professor no Liceu de Artes e Ofícios, na AIBA e restaurador
da Escola Nacional de Belas Artes. Como restaurador, atuou de 1918 a 1934, sendo
o último restaurador oficial da instituição. Dentre muitas obras, no ano de 1929 pintou
uma cópia da Primeira Missa do Brasil de Victor Meirelles ( Fig.6).
Figura 6 - Sebastião Vieira Fernandes.
Cópia da Primeira Missa no Brasil. 1929.
Acervo do Museu histórico de Santa Catarina. Foto divulgação.

A cópia de Sebastião Vieira Fernandes

Boiteux (1940) também conta que esta cópia da Primeira Missa do Brasil foi
encomendada pelo primeiro governador de Santa Catarina, Lauro Müller, logo após a
proclamação da república. Quando o quadro foi terminado o então ex governador que
já havia sido retratado por Sebastião Fernandes não quis pagar o valor condizente ao
trabalho. Desiludido com o ato, Fernandes fez uma loteria de tal pintura para os
associados do Centro Catarinense - clube social sediado no centro do Rio de Janeiro,
que promovia ações culturais e educativas. Como o sorteado não havia pago por seu
bilhete, os organizadores decidiram devolver a obra a seu autor. Após sua morte a
pintura ficou sob a tutela de sua irmã D. Rosa Vieira de Castro que generosamente
cedeu-a ao Palácio do Governo Catarinense, hoje Museu Histórico de Santa Catarina.

É surpreendente a fidelidade da pintura de Fernandes com a de Meirelles. Contudo,


sabemos que a principal diferença reside nas dimensões das obras. A Primeira Missa
de Victor Meirelles mede 3,56m por 2,68m enquanto a cópia de Sebastião Fernandes
possui 1,48m por 1,13m. Se colocarmos suas reproduções em sobreposição em
algum software de edição de imagens como Photoshop, e intercalarmos entre uma e
outra, as diferenças são quase imperceptíveis.

Como já dito, a composição da cópia de Fernandes é extremamente fiel a obra de


Meirelles, apenas pequenas variações são perceptíveis quando nos detemos aos
mínimos detalhes. Vejamos o indígena com a lança logo abaixo no canto inferior
direito. Na obra de Meirelles, seu movimento de cabeça para trás é mais enérgico que
na reprodução de Fernandes, parece olhar por cima do ombro tentando ver o que
acontece as suas costas enquanto seu corpo se mantém inclinado em direção oposta.
Sebastião atenua a distorção e coloca a cabeça do indígena em ¾, com o olhar
voltado para sua direita. ( Fig.7)

Mesmo com algumas variações, percebemos o grau de fidelidade alcançado por


Fernandes, principalmente pela complexidade da vegetação, objetos, roupas e figuras
humanas. É de arrazoar que Sebastião tenha se utilizado de recursos tecnológicos
para manter tal semelhança ao seguir a mesma estrutura e proporções da obra de
Meirelles de forma tão fiel. Uma possibilidade seria a utilização de projeção sobre a
tela para evitar riscos de errar no desenho ou acelerar o processo de pintura.

Figura 7 – A esquerda, detalhe da obra de Victor Meirelles.


A direita, detalhe da cópia de Sebastião Fernandes.
Certamente Sebastião Vieira tinha capacidade para realizar tal feito sem este recurso,
porém ferramentas de projeção como a Lanterna Mágica já eram de uso comum entre
pintores como Pedro Américo, como defende o pintor e professor Vladimir Machado
(2008). Cabe aqui ressaltar que tal recurso tecnológico não o desqualifica como
artista, afinal até mesmo grandes mestres como Vermeer, Caravaggio, Ingres e outros
faziam uso de recursos óticos como câmaras escuras, espelhos e lentes conforme
sugere David Hockney em seu livro chamado “O conhecimento Secreto” de 2001.

Após análises químicas de fragmentos da pintura realizadas sob orientação do Dr.


Thiago Guimarães Costa (2016), a pintura se constrói em uma fina camada com
pigmentos semelhantes aos utilizados por Victor Meirelles sem resquícios perceptíveis
de grafite, carvão ou arrependimentos. A olho nu, também se nota pequenos indícios
do processo construtivo desta reprodução, como o desenho base em tons terrosos
feito diretamente a pincel. Isto também leva a crer que em se tratando de uma pintura
tão rica de detalhes e tão semelhante à sua versão original, a hipótese do uso de
recursos de projeção se justifica.

Algumas críticas podem surgir pelo fato da pintura de Fernandes ser uma cópia,
contudo, copiar sempre foi um método eficiente de estudar composição e técnica dos
grandes mestres. Copiar era um exercício frequente durante o período de estudos na
Academia, e as habilidades desenvolvidas serviriam como base estrutural para suas
futuras criações. Tal método de ensino, aos moldes de Lebreton foi muito utilizado e
defendido ao longo das reformas acadêmicas do século XIX.

Uma das contrapartidas exigidas pela Academia de Belas Artes era que seus
estudantes agraciados com o prêmio viagem, enviassem da Europa cópias fieis de
grandes obras consagradas, das quais muitas estão em exposição permanente no
Museu Nacional de belas Artes e no Museu D. João VI. Victor Meirelles realizou
diversas cópias de grandes pinturas consagradas dentre as quais podemos citar a
cópia de A Barca de Medusa de Théodore Géricault ( Fig.8) ou a cópia do Milagre de
São Marcos de Tintoretto ( Fig.9)
Figura 8 - Victor Meirelles. O Naufrágio de Medusa
(cópia de original de Theodore Gericault) c. 1857-58.
Óleo s/ tela. 50,5 x 61,2 cm. Florianópolis, Museu Victor Meirelles.

Figura 9 - Victor Meirelles. Milagre de São Marcos


(cópia de original de Tintoretto) 185?.
Óleo s/ tela. 36,4 x 45,5 cm. Rio de Janeiro. Museu D. João VI. Foto: Artur Vale.
Copiar dos grandes mestres foi muito importante não só para o artista em formação,
mas para que estas obras servissem como fonte de estudos dentro da academia de
Belas Artes. Esta estratégia utilizada nos tempos da AIBA e posteriormente na ENBA
garantiu um acervo invejável de reproduções de alta qualidade. Também é de se
pensar no quanto estas cópias democratizaram o acesso às grandes obras de arte,
haja visto que nos tempos de nossos artistas pesquisados não haviam meios de
divulgação de imagem como temos hoje.

Considerações Finais

A primeira Missa do Brasil de Victor Meirelles é um dos maiores símbolos da pintura


histórica brasileira. Não foi uma escolha temática ao acaso, mas fruto de uma
inquietação temática sua e de seu mentor, Araújo Porto Alegre. Magistralmente
Meirelles concluiu a obra a altura das ambições artísticas, históricas e culturais do
Brasil do século XIX.

A cópia de Sebastião Fernandes é altamente ilustrativa deste processo de ensino e


aprendizagem na Academia e nos mostra um artista de altíssima capacidade técnica.
Teria Sebastião Vieira Fernandes realizado esta pintura contando apenas com suas
habilidades manuais? Pode ser que sim, mas a extrema semelhança nos detalhes, a
disposição dos personagens e elementos exatamente como na obra de Meirelles e a
ausência de arrependimentos perceptíveis nos sugerem o uso de recursos óticos ou
de projeção, mostrando que o artista pode ter usado tecnologias conforme sua época,
assim como outros mestres em séculos anteriores e conterrâneos como o caso de
Pedro Américo, citado anteriormente.

Sebastião Fernandes naturalmente tinha imenso cuidado com o que representa uma
obra da magnitude da Primeira Missa. Realizar esta cópia pode ter sido um ato de
cuidado com intuito de criar uma fonte confiável para uma possível recuperação, caso
algo acontecesse a obra de Meirelles como já havia acontecido com a pintura
Combate Naval do Riachuelo, totalmente deteriorada após exibição na Exposição
Universal da Filadélfia em 1876.

Pode ter sido apenas uma cópia para servir de estudo técnico ou fruto da preocupação
com a obra de Meirelles, mas além disso vir da preocupação em não deixar
desaparecer essa bela construção imagética e todo seu significado da vida do público
brasileiro.
A cópia da Primeira Missa dada sua fidelidade é também um documento visual
realizado em uma época em que fotografias preto e branco não contemplavam a
totalidade da experiência estética da obra original. Fernandes deixou para as futuras
gerações uma garantia para que essa imagem não se perdesse no tempo e também
não ficasse reclusa a olhares apenas de cariocas, mas também de seus conterrâneos
catarinenses. Suas dimensões modestas em relação à sua versão original, não
podemos negar, exercem influência na experiência estética, porém a partir desta obra
podemos vislumbrar a original sem grandes perdas significativas em termos de
valores plásticos e composicionais. Voltar à esta cópia de Sebastião Vieira Fernandes
e a várias obras tendo como tema “A primeira Missa”, é um retorno à importância das
cópias, origem de muitos aprendizados que nos chegam como verdadeiras aulas de
arte, resiliência, destreza técnica e humildade.

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Marco Antonio Baptista


Professor de Ensino Fundamental II e Médio, pintor e pesquisador das artes visuais, graduado
em Pintura / EBA - UFRJ, pós graduado com especialização em Cinema e Linguagem
Audiovisual / Estácio de Sá. Atualmente é mestrando em História e Teoria das Artes Visuais
/ PPGAV – UDESC sob orientação da professora Sandra Makowiecky. Contato:
marco.bap@gmail.com.

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