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MPE

Ministério Público Estadual

CURSO EXTENSIVO

Direito Administrativo
Introdução ao Direito Administrativo

MATERIAL DE APOIO

coordenador:

Rogério Sanches Cunha


1. CONCEITO DE DIREITO ADMINISTRATIVO

O Direito Administrativo é o conjunto harmônico de regras e princípios jurídicos que regem os


órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os
fins desejados pelo Estado.

Analisando os elementos desse conceito, vemos:

Conjunto harmônico de regras e princípios jurídicos... significa a sistematização de normas


de Direito (e não de Política ou de ação social), o que indica o caráter científico da disciplina em
exame, sabido que não há ciência sem princípios teóricos próprios, ordenados e verificáveis na
prática;

... que regem os órgãos, os agentes... indica que ordena a estrutura e o pessoal do serviço
público;

... e as atividades públicas... isto é, a seriação de atos da Administração Pública, praticados


nessa qualidade, e não quando atua, excepcionalmente, em condições de igualdade com o particular,
sujeita às normas do Direito Privado;
1
... tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado. Aí
estão a caracterização e a delimitação do objeto do Direito Administrativo. Os três primeiros termos
(“concreta”, “direta” e imediatamente”) afastam a ingerência desse ramo do Direito na atividade
estatal abstrata (que é a legislativa), na atividade indireta (que é a judicial) e na atividade mediata
(que é a ação social do Estado). As últimas expressões da definição (“os fins desejados pelo Estado”)
estão a indicar que ao Direito Administrativo NÃO compete dizer quais são os fins do Estado;
outras ciências se incumbirão disto; cada Estado, ao se organizar, declara os fins por ele visados e
institui os Poderes e órgãos necessários à sua consecução. O Direito Administrativo apenas passa
a disciplinar as atividades e os órgãos estatais ou a eles assemelhados, além das atividades
administrativas, para o eficiente funcionamento da Administração Pública. Percebe-se, pois, que O
DIREITO ADMINISTRATIVO SE INTERESSA PELO ESTADO, MAS NO SEU ASPECTO
DINÂMICO, FUNCIONAL, RELEGANDO PARA O DIREITO CONSTITUCIONAL A PARTE
ESTRUTURAL, ESTÁTICA.

2. FONTES DO DIREITO ADMINISTRATIVO

O Direito Administrativo vale-se, para sua formação, em quatro fontes principais, a saber:
a) A Lei, que, em sentido amplo, é a fonte primária do Direito Administrativo, abrangendo
desde a Constituição até os regulamentos executivos. E compreende-se que assim seja, porque tais
atos, impondo o seu poder normativo aos indivíduos e ao próprio Estado, estabelecem relações de
administração de interesse direto e imediato do Direito Administrativo;

b) A Doutrina, formando o sistema teórico de princípios aplicáveis ao Direito Positivo, é


elemento construtivo da Ciência jurídica à qual pertence a disciplina em causa. Influi ela não só na
elaboração da lei, mas também nas decisões contenciosas e não contenciosas, ordenando, assim,
o próprio Direito Administrativo;

c) A Jurisprudência, traduzindo a reiteração dos julgamentos num mesmo sentido, influencia


poderosamente a construção do Direito, e especialmente a do Direito Administrativo, que se ressente
de sistematização doutrinária e de codificação legal. A jurisprudência tem um caráter mais prático,
mais objetivo, mas nem por isso se aparta de princípios teóricos que, por sua persistência nos
julgados, acabam por penetrar e integrar a própria Ciência Jurídica;

d) O Costume, no Direito Administrativo brasileiro, exerce ainda influência, em razão da


deficiência da legislação. A prática administrativa vem suprindo o texto escrito, e, sedimentada na
consciência dos administradores e administrados, a praxe burocrática passa a suprir a lei, ou atua 2
como elemento informativo da doutrina.

3. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

O estudo da interpretação das leis, atos e contratos administrativos não tem correspondido,
entre nós, ao progresso verificado nesse ramo do Direito. Adiantados como estamos em muitos
aspectos da Ciência Jurídica, não cuidamos, ainda, com a profundidade devida, de fixar as regras
básicas da aplicação desse novel ramo do Direito Público Interno, o que nos leva a utilizar, quase
que exclusivamente, da hermenêutica civilista em matéria administrativa.

Segundo Hely Lopes Meirelles, a interpretação do Direito Administrativo, além da utilização


analógica das regras do Direito Privado que lhe forem aplicáveis, há de considerar, necessariamente,
estes quatro pressupostos:

a) A desigualdade jurídica entre a Administração e os administrados;

b) A presunção de legitimidade dos atos da Administração;

c) A indisponibilidade do interesse público;


d) A necessidade de poderes discricionários para a Administração atender ao interesse
público.

Com efeito, enquanto o Direito Privado, em regra, repousa sobre a igualdade das partes na
relação jurídica, o Direito Público se assenta em princípio inverso, qual seja, o da supremacia do
Poder Público sobre os cidadãos, dada a prevalência dos interesses coletivos sobre os individuais.
Sempre que entrarem em conflito o direito do indivíduo e o interesse da comunidade, há de
prevalecer este, uma vez que o objetivo primordial da Administração é o bem comum (sempre entre
aspas: não pode o direito de o indivíduo ser injustificadamente sacrificado. Hão de ser atendidos uma
série de requisitos e princípios específicos para tanto). As leis administrativas visam, geralmente, a
assegurar essa supremacia do Poder Público sobre os indivíduos, enquanto necessária à
consecução dos fins da Administração. Ao aplicador da lei compete interpretá-la de modo a
estabelecer o equilíbrio entre os privilégios estatais e os direitos individuais, sem perder de vista
aquela supremacia.

O segundo princípio que há de estar sempre presente ao intérprete é o da presunção de


legitimidade dos atos administrativos. Essa presunção, embora relativa, acompanha toda a atividade
pública, dispensando a Administração da prova de legitimidade de seus atos. Presumida esta, caberá 3
ao particular provar o contrário, até demonstrar cabalmente que a Administração Pública obrou fora
ou além do permitido em lei, isto é, com ilegalidade flagrante ou dissimulada sob a forma de abuso
ou desvio de poder.

O terceiro princípio é o de que a Administração Pública precisa e se utiliza frequentemente


de poderes discricionários na prática rotineira de suas atividades. Esses poderes não podem ser
recusados ao administrador público, embora devam ser interpretados restritivamente quando colidem
com os direitos individuais dos administrados. Reconhecida a existência legal da discricionariedade
administrativa, cumpre ao intérprete e aplicador da lei delimitar o seu campo de atuação, o que é do
interesse público. A finalidade pública, o bem comum, o interesse da comunidade, é que demarcam
o poder discricionário da Administração. Extravasando desses lindes, o ato administrativo descamba
para o arbítrio, e o próprio Direito Administrativo lhe nega validade, por excesso ou desvio de poder.

Afora essas regras privativas do Direito Público, admite-se a utilização dos métodos
interpretativos do Direito Civil (LINDB, arts. 1º a 6º), que é a lei de todos, quando estabelece princípios
gerais para aplicação do Direito, sempre trasladados por via analógica, ou seja, por força de
compreensão, e não por extensão.

4. ORIGEM DO DIREITO ADMINISTRATIVO NO BRASIL


O Direito Administrativo no Brasil não se atrasou cronologicamente das demais nações. Em
1851, foi criada essa cadeira (Decreto nº 608, de 16/08/1851) nos cursos jurídicos existentes, e já
em 1857 era editada a primeira obra sistematizada – Elementos de Direito Administrativo Brasileiro,
de Vicente Pereira do Rego, então professor da Academia de Direito do Recife, primeira faculdade
de Direito do Brasil.

5. O SISTEMA ADMINISTRATIVO BRASILEIRO

Por sistema administrativo, ou sistema jurisdicional da Administração, como se diz


modernamente, entende-se o regime adotado pelo Estado para a correção dos atos administrativos
ilegais ou ilegítimos praticados pelo Poder Público em qualquer dos seus departamentos de governo.

O BRASIL ADOTOU, DESDE A INSTAURAÇÃO DE SUA PRIMEIRA CONSTITUIÇÃO


REPUBLICANA (1891), O SISTEMA DA JURISDIÇÃO ÚNICA, OU SEJA, O DO CONTROLE
ADMINISTRATIVO PELO PODER JUDICIÁRIO.

As Constituições posteriores (1934, 1937, 1946 e 1969) afastaram sempre a ideia de uma
Justiça administrativa coexistente com a Justiça ordinária, trilhando, aliás, uma tendência já
manifestada pelos mais avançados estadistas do Império, que se insurgiam contra o incipiente 4
contencioso administrativo da época.

A orientação brasileira foi haurida do Direito Público norte-americano, que nos forneceu o
modelo para a nossa primeira Constituição.

Tal sistema é o da separação entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, vale dizer, entre
administrador e o juiz. Com essa diversificação entre a Justiça e a Administração, é inconciliável o
contencioso administrativo de caráter definitivo, porque todos os interesses, quer do particular, quer
do Poder Público, se sujeitam a uma única jurisdição conclusiva: a do Poder Judiciário. Isso não
significa, evidentemente, que se negue à Administração o direito de decidir; absolutamente, não. O
que se lhe nega é a possibilidade de exercer funções materialmente judiciais, ou judiciais por
natureza, e de emprestar às suas decisões força e definitividade próprias dos julgamentos
judiciários.

Para a correção judicial dos atos administrativos ou para remover a resistência dos
particulares às atividades públicas, a Administração e os administrados dispõem dos mesmos
meios processuais admitidos pelo Direito Comum, e recorrerão ao mesmo Poder Judiciário uno
e único – que decide os litígios de Direito público e de Direito privado. Esse é o sentido da jurisdição
única adotada no Brasil.
6. BREVE HISTÓRICO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Continuando a breve análise histórica do Direito Administrativo, tem-se o seguinte:

a) Num primeiro momento, surgiu a ideia de que o Direito Administrativo iria estudar apenas
a lei, criando-se a Escola Legalista (ou Escola Exegética). Não se estudam os princípios, por esta
Escola.

b) Posteriormente, o objeto do Direito Administrativo passou a ser o estudo de princípios e


leis, dando origem a várias teorias, dentre elas, a Escola do Serviço Público, que dizia que serviço
público é toda atuação do Estado, bem como que o Direito Administrativo tem como objeto de estudo
o serviço público. Mas para que os outros ramos jurídicos, se toda atuação do Estado é serviço
público? Essa ideia não foi acolhida pelo nosso sistema, pois o Direito Administrativo não se limita
aos serviços públicos.

c) Depois, essa Escola criou um segundo critério, que é o critério do Poder Executivo, ou seja,
o Direito Administrativo preocupar-se-ia, teria como objeto a atuação do Poder Executivo, o que
também não foi aceito. Se o Legislativo tem que licitar, trata-se de Direito Administrativo; logo, não
estudamos apenas o Executivo, mas, sim, a atividade administrativa, não importando se exercida 5
pelo Executivo, Legislativo ou Judiciário.

d) Posteriormente, surge o critério das relações jurídicas: o Direito Administrativo se preocupa


com todas as relações jurídicas do Estado. Teoria superada. O Direito Administrativo se preocupa
com algumas relações jurídicas do Estado, mas não com todas. Exemplo: se o Estado decide cobrar
tributo, trata-se do Direito Tributário, e não do Direito Administrativo.

e) Surge, então, o critério teleológico e a quarta teoria: o Direito Administrativo é um conjunto


de regras e princípios. Mas o que eles definem? A doutrina diz que esse critério é aceito, mas
insuficiente.

Daqui para frente, todos os critérios foram acolhidos, mas precisam ser complementados.

f) Surge o critério residual ou negativo, pelo qual o Direito Administrativo não se ocupa da
função legislativa e da função judiciária.

g) Hely Lopes Meirelles diz: vamos juntar os critérios teleológico, residual/negativo e da


distinção, e encontraremos o conceito. Surge, assim, o critério da Administração Pública. O DIREITO
ADMINISTRATIVO É UM CONJUNTO HARMÔNICO DE PRINCÍPIOS E REGRAS (QUE FORMA
O REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO), QUE REGE ÓRGÃOS, ENTIDADES E AGENTES,
DEFININDO A ATIVIDADE ADMINISTRATIVA, TENDENTES A REALIZAR DE FORMA DIRETA,
CONCRETA E IMEDIATA OS FINS DESEJADOS PELO ESTADO (O DIREITO CONSTITUCIONAL
DIZ O QUE É O FIM, E O DIREITO ADMINISTRATIVO REALIZA). NÃO IMPORTA EM QUAL
PODER, O QUE INTERESSA É A ATIVIDADE ADMINISTRATIVA.

7. ESTADO, GOVERNO E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Estado, Governo e Administração são termos que andam juntos e muitas vezes confundidos,
embora expressem conceitos diversos nos vários aspectos em que se apresentam.

7.1. ESTADO

7.1.1. CONCEITO DE ESTADO

O ESTADO – pessoa jurídica de direito público – é a nação politicamente organizada, que


é detentora de SOBERANIA.

O Estado NÃO tem DUPLA PERSONALIDADE; mesmo que esteja praticando atos externos
ou privados, trata-se de pessoa jurídica de direito público, não perde a personalidade PÚBLICA.
6
O ESTADO DE DIREITO é o Estado politicamente organizado, que obedece às suas próprias
leis.

7.1.2. ELEMENTOS DO ESTADO

São elementos do Estado:

a) POVO (elemento subjetivo);

b) TERRITÓRIO (elemento objetivo); e

c) GOVERNO SOBERANO – soberania como poder absoluto, indivisível e incontrastável


(independência na ordem internacional e supremacia na ordem interna).

7.1.3. PODERES DO ESTADO

Não são poderes da ADMINISTRAÇÃO, mas do Estado, destinados à execução de funções


(tal como proposto por Montesquieu), decorrentes das principais atividades do Estado: PODERES
EXECUTIVO, LEGISLATIVO e JUDICIÁRIO. São os elementos orgânicos ou estruturais do Estado.

A tripartição de Montesquieu é adotada no texto constitucional, tendo por finalidade o


equilíbrio entre os Poderes, de modo a evitar a supremacia de qualquer deles sobre o outro (Carvalho
F., Cap. 1). A nossa Constituição estabelece expressamente que são Poderes da União,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (CF, art. 2º),
bem como veda que haja Emenda à Constituição tendente a abolir a separação dos Poderes
(CF, art. 60, §4º, III).

7.1.4. FUNÇÕES DO ESTADO

As funções do Estado (típica e atípica) são decorrentes dos Poderes. FUNÇÃO é o exercício
de uma atividade em nome e interesse de outrem. FUNÇÃO PÚBLICA é o exercício de atividade em
nome e interesse do POVO. Entretanto, no Brasil, não há exclusividade no exercício dessas
funções, não há uma rígida, absoluta, divisão dos Poderes, mas sim preponderância na
realização desta ou daquela função. Assim, embora os Poderes tenham funções precípuas
(funções típicas), a própria Constituição autoriza que também desempenhem funções que
normalmente pertenceriam a Poder diverso (funções atípicas). São as chamadas ressalvas
(ou exceções) ao princípio da separação dos Poderes.

a) FUNÇÃO TÍPICA – é a função principal (preponderante) do Poder, o motivo pelo qual o


poder foi criado. EXEMPLO: Legislativo fazer lei; Executivo administrar; Judiciário julgar.
7
b) FUNÇÃO ATÍPICA – é a função secundária do Poder. EXEMPLO: Legislativo fazer
licitação; Presidente da República (Executivo) editar medida provisória; Judiciário fazer licitação.

Características das funções típicas:

1. Função Legislativa – consiste na elaboração de leis. É a função legiferante. É uma função


abstrata. É uma função geral com repercussão erga omnes. É a única função que inova o
ordenamento jurídico.

2. Função Judiciária – consiste na solução de conflitos, aplicando coativamente as leis. É


uma função concreta (exceto o controle abstrato de constitucionalidade). É uma função indireta,
porque depende de provocação. Não inova o ordenamento jurídico. Produz imutabilidade jurídica, ou
seja, a intangibilidade jurídica ou coisa julgada – somente a decisão judiciária é definitiva.

3. Função Executiva ou Administrativa – o Poder executivo realiza a função administrativa


– “aquela exercida pelo Estado ou por seus delegados, subjacente à ordem constitucional e legal,
sob regime de direito público, com vistas a alcançar os fins colimados pela ordem jurídica” (Carvalho
F.). É uma função concreta. É uma função direta. Não inova o ordenamento jurídico, pois não revoga
o atual estabelecendo um novo (MEDIDA PROVISÓRIA é uma função atípica). É uma função capaz
de ser revista, não produz coisa julgada. COISA JULGADA ADMINISTRATIVA não é uma
verdadeira coisa julgada, é a imutabilidade dentro da Administração, ou seja, dentro de um
processo administrativo não há possibilidade de revisão dentro da própria Administração, mas nada
impede que seja revista pelo Poder Judiciário. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, função
administrativa é a função que o Estado, ou quem lhe faça as vezes, exerce na intimidade de
uma estrutura e regime hierárquicos e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza
pelo fato de ser desempenhada mediante comportamentos infralegais ou, excepcionalmente,
infraconstitucionais, submissos todos a controle da legalidade pelo Poder Judiciário.

4. Função de Governo – (CESPE gosta de CELSO ANTÔNIO) é uma função estabelecida


por CELSO ANTÔNIO. Existem algumas funções que não podem ser enquadradas em nenhuma das
acima listadas. EXEMPLO: quando o Estado declara guerra. É a função que regula a atuação
superior do Estado. A função administrativa se preocupa com as questões rotineiras ou
costumeiras. A função de governo fica além das atividades meramente rotineiras. EXEMPLOS:
declaração de estado de defesa ou de estado de sítio, iniciativa de lei, sanção e veto do presidente,
declaração de guerra, celebração de paz. Note-se que há divergência sobre essa classificação.

7.2. GOVERNO

O GOVERNO é o comando, é a direção do Estado. EXEMPLO: atos de soberania e


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autonomia.

No âmbito do Direito Administrativo, a expressão Governo tem sido utilizada para designar o
conjunto de Poderes e órgãos constitucionais responsáveis pela função política do Estado. O
GOVERNO TEM A INCUMBÊNCIA DE ZELAR PELA DIREÇÃO SUPREMA E GERAL DO
ESTADO, DETERMINAR SEUS OBJETIVOS, ESTABELECER SUAS DIRETRIZES, VISANDO À
UNIDADE DA SOBERANIA ESTATAL.

7.3. ADMINISTRAÇÃO

7.3.1. CONCEITO

A ADMINISTRAÇÃO está relacionada à estrutura para o exercício da função pública. Trata-


se do aspecto estrutural da Administração Pública.

Possui diversos sentidos (note-se: a terminologia é conflitante na doutrina).

7.3.2. SENTIDOS

7.3.2.1. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM SENTIDO AMPLO E EM SENTIDO ESTRITO


Administração Pública em sentido amplo abrange os órgãos do governo, que exercem
função política (ou seja, o núcleo estratégico do Estado), e também os órgãos e pessoas jurídicas
que exercem função meramente administrativa. Função política é o estabelecimento das diretrizes
e programas de ação governamental, a fixação das políticas públicas. Já a função meramente
administrativa se resume à execução das políticas públicas formuladas no exercício da atividade
política.

Administração Pública em sentido estrito só inclui os órgãos e pessoas jurídicas que exercem
função meramente administrativa.

Elaboração de políticas
de governo

Administração Pública
em Sentido Amplo
Administração Pública em Função meramente
Sentido Estrito administrativa

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A Administração Pública é objeto de estudo do Direito Administrativo, enquanto o Governo é
objeto de estudo do Direito Constitucional.

7.3.2.2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM SENTIDO FORMAL, SUBJETIVO OU ORGÂNICO

Está relacionada à máquina administrativa, ou seja, à estrutura. Começa com letra maiúscula.
É quem realiza a atividade. Trata-se do conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas destinadas
à execução das atividades administrativas – todo o aparelhamento de que dispõe o Estado para a
consecução das políticas traçadas para o Governo. Designa os entes que exercem a atividade
administrativa; compreende pessoas jurídicas (entidades), órgãos e agentes públicos incumbidos de
exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa (Maria Sylvia
Zanella Di Pietro).

Somente faz parte da Administração Pública em sentido formal aquilo que a lei designa como
órgão ou entidade dela.

Formam a Administração Pública:

a) Administração direta: pessoas políticas com seus respectivos órgãos;


b) Administração indireta: autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de
economia mista, consórcios públicos e associações públicas.

Assim, vê-se que existem entidades formalmente integrantes da Administração, mas que não
desempenham função administrativa, como no caso das sociedades de economia mista e empresas
públicas que exercem atividade econômica.

Por outro lado, há pessoas jurídicas de direito privado que exercem função administrativa,
embora não integrem a Administração em sentido formal, caso das OS, OSCIP e delegatários de
serviços públicos.

Não é correto afirmar que a Administração Pública em sentido formal corresponda ao


aparelhamento do Estado destinado ao exercício da função administrativa, já que esse
conceito, além de confundir as pessoas jurídicas e órgãos com os meios postos à disposição
da Administração Pública formal, acaba por dizer que as sociedades de economia mista e
empresas públicas exploradoras de atividade econômica exercem função administrativa.

Ademais, imperioso lembrar que existe Administração Pública formal nos demais Poderes
que não o Executivo, já que eles possuem, em suas estruturas, órgãos e entidades administrativos. 10
7.3.2.3. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA EM SENTIDO MATERIAL, OBJETIVO OU FUNCIONAL

Representa o conjunto de atividades que costumam ser consideradas próprias da


função administrativa, independentemente de quem as exerça. Corresponde ao conjunto de
funções ou atividades administrativas, que são públicas, consistentes em realizar concreta, direta e
imediatamente os fins constitucionalmente atribuídos ao Estado, por isso mesmo denominadas
atividades finalísticas da Administração Pública (Maria Sylvia Zanella Di Pietro). Geralmente são
atividades próprias da Administração Pública em sentido material as seguintes:

a) Serviço público;

b) Polícia administrativa; Atividades em que


predomina o regime
jurídico de direito
c) Fomento;
público

d) Intervenção.

Assim, temos sociedades de economia mista e empresas públicas exercendo atividades


econômicas, as quais não integrariam o conceito de Administração Pública em sentido material,
enquanto o integrariam os delegatários de serviços públicos e os entes de cooperação.
7.3.2.4. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIALÓGICA

É aquela que reflete a moderna concepção de Administração Pública e por meio da qual se
tem a participação direta dos administrados (cidadãos) na gestão da coisa pública, em oposição ao
conceito tradicional de Administração Pública monológica. Em poucas palavras: participação popular
no controle das ações governamentais, seguindo a tendência mundial atual da “cultura do diálogo”
ou da “valorização do processo de diálogo”, concretizando a Justiça pelo agir comunicativo, como
defendido por Habermas, Dworkin, Alexy etc.

Trata-se, portanto, de CONCRETIZAÇÃO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA, conforme


art. 1, parágrafo único, da CF/88 (“todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”).

Com a Administração Pública Dialógica, rompe-se com a posição passiva dos administrados
outrora assumida por conta da imposição de regimes políticos antidemocráticos e repressores de
qualquer forma de manifestação da opinião pública no âmbito de reivindicações perante o Poder
Público (por exemplo, tempos de governos autoritaristas do século passado, principalmente a
ditadura militar). Indubitavelmente, o grande giro da democracia brasileira, lograda pela Constituição
da República de 1988, foi a possibilidade de integração da sociedade civil no processo de
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discussão política, sobretudo na legitimação de fóruns para a eleição de políticas públicas
prioritárias à gestão pública, o que antes, durante o apogeu do Estado centralizador e autoritário,
tamanha abertura seria insustentável.

A atual compreensão de Administração Pública tem por base a participação popular


nos processos decisórios administrativos. ISSO SIGNIFICA QUE OS CIDADÃOS DEIXAM DE
SER ENXERGADOS COMO SIMPLES ADMINISTRADOS, ASSUMINDO UMA FUNÇÃO MAIS
INTEGRATIVA, ATUANTE E ATIVA.

Nessa visão, repita-se, o cidadão deixa de ser um simples administrado, quase um objeto de
direito, para ser um agente ativo que contribui diretamente na consagração de seus direitos
fundamentais por meio do controle e direcionamento do atuar estatal.

Em diversas passagens da Carta Magna é possível extrair essa nova concepção. Eis apenas
alguns bons exemplos:

a) art. 29, XII (“cooperação das associações representativas no planejamento municipal”);

b) art. 37, § 3º (participação do usuário na administração pública direta e indireta)


c) No campo da seguridade social, art. 194, parágrafo único, VII (“caráter democrático e
descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos
trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados”);

d) No campo da saúde, art. 198, III (“participação da comunidade”);

e) No campo da assistência social, art. 204, II (“participação da população, por meio de


organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os
níveis”);

f) Conservação do patrimônio público cultural, art. 216, § 1 (o Poder Público, com a


colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de
inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de
acautelamento e preservação).

8. TEMAS COMPLEMENTARES

8.1. SETORES DO ESTADO

NÃO CONFUNDIR OS SETORES DO ESTADO COM OS SETORES DA ECONOMIA! 12


NÚCLEO ESTRATÉGICO (PRIMEIRO SETOR). Corresponde ao governo, em sentido lato. É
o setor que define as leis e as políticas públicas e cobra o seu cumprimento. É, portanto, o setor onde
as decisões estratégicas são tomadas. Corresponde aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao
Ministério Público e, no Poder Executivo, ao Presidente da República, aos ministros e aos seus
auxiliares e assessores diretos, responsáveis pelo planejamento e formulação das políticas públicas.

ATIVIDADES EXCLUSIVAS (SEGUNDO SETOR). É o setor em que são prestados serviços


que só o Estado pode realizar. São serviços em que se exerce o poder extroverso do Estado – o
poder de regulamentar, fiscalizar, fomentar. Como exemplos temos: a cobrança e fiscalização dos
impostos, a polícia, a previdência social básica, o serviço de desemprego, a fiscalização do
cumprimento de normas sanitárias, o serviço de trânsito, a compra de serviços de saúde pelo Estado,
o controle do meio ambiente, o subsídio à educação básica, o serviço de emissão de passaportes
etc.

SERVIÇOS NÃO EXCLUSIVOS (TERCEIRO SETOR).1 Corresponde ao setor onde o Estado


atua simultaneamente com outras organizações públicas não estatais e privadas. As instituições

1 O núcleo de serviços não exclusivos é transferido para o chamado Terceiro Setor, quando o Estado atua
simultaneamente com organizações públicas não-estatais e privadas. O Terceiro Setor assume atribuições
desse setor não possuem o poder de Estado. Este, entretanto, está presente porque os serviços
envolvem direitos humanos fundamentais, como os da educação e da saúde, ou porque possuem
“economias externas” relevantes, na medida em que produzem ganhos que não podem ser
apropriados por esses serviços através do mercado. As economias produzidas imediatamente se
espalham para o resto da sociedade, não podendo ser transformadas em lucros. São exemplos
desse setor: as universidades, os hospitais, os centros de pesquisa e os museus.

Quem faz parte do Terceiro setor?

Sistema S, em que o Estado faz parceria para fomentar a assistência social.

Sistema OS (Organização Social), parceria do Estado com uma organização não


governamental.

Sistema OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), em que a


organização recebe dinheiro público, mas não precisa fazer licitação, nem concurso público.

PRODUÇÃO DE BENS E SERVIÇOS PARA O MERCADO (QUARTO SETOR). Corresponde


à área de atuação das empresas. É caracterizado pelas atividades econômicas voltadas para o lucro
que ainda permanecem no aparelho do Estado como, por exemplo, as do setor de infraestrutura. 13
Estão no Estado seja porque faltou capital ao setor privado para realizar o investimento, seja porque
são atividades naturalmente monopolistas, nas quais o controle via mercado não é possível,
tornando-se necessária, no caso de privatização, a regulamentação rígida. Somente é possível ao
Estado exercer atividade econômica em casos de relevante interesse coletivo ou de segurança
nacional.

8.2. ESTADO POLICÊNTRICO

Em que consiste o Estado Policêntrico?

Expressão utilizada por Diogo de Figueiredo, seria o fim da tripartição dos poderes, porque
além dos poderes ainda temos polos de decisão, como as agências reguladoras.

A setorização resume a função judicante, normativa e administrativa que possuem as


agências reguladoras para dirigir o respectivo setor. Devemos ressaltar que tais poderes não se

sociais e educativas e, apesar de não desempenhar poderes próprios do Estado, este se faz presente na sua
atuação. Nesse diapasão, cumpre distinguir atividades públicas de atividades estatais. As primeiras tratam
do intercâmbio travado entre o Estado e a Sociedade. Não é estatal porque não envolve o uso de poder do
Estado, mas é pública, pois recebe subsídios do Poder Público, submetendo-se a um controle misto,
efetivado pelo mercado e também pelo Estado.
encontram livres de amarras, recebendo controle – embora um controle diferenciado do usual – quer
do Poder Legislativo, Executivo e, principalmente, do Poder Judiciário, face ao princípio da
inafastabilidade da jurisdição.

Gustavo Binenbojm explica referido fenômeno afirmando que a clássica estrutura piramidal
hierarquizada da Administração Pública está ruindo, dando lugar ao que ele denomina “Estado
policêntrico”, orientado pelo princípio da eficiência. A legitimidade de tais agências, para o autor, dar-
se-ia não somente pela necessidade da eficiência na condução de alguns setores estratégicos, bem
como no controle social exercido sobre tais agências e pelo procedimento.

É bom lembrar que o Direito Administrativo contemporâneo já enterrou a expressão repartição


de poderes há muito tempo. Se você abrir a Constituição, verá ao lado dos três Poderes, como órgãos
independentes, o MP e o Tribunal de Contas; então, na verdade, nós já temos cinco órgãos
independentes. Com o passar do tempo ganhamos também, com autonomia financeira e gerencial
e sem subordinação hierárquica, as agências reguladoras, como entidades autárquicas e, mesmo
que em menor grau, se os órgãos públicos contemplados pelo contrato de gestão passam a obter
autonomia gerencial, então efetivamente teria também, dentro dos contratos de gestão, para os
órgãos públicos, a materialização, ou pelo menos o intuito de incentivar a materialização do Estado 14
policêntrico, com polos de decisão além dos três Poderes.

8.3. GOVERNO X ADMINISTRAÇÃO

Vale registrar a lúcida lição do Prof. Hely Lopes Meirelles sobre a diferença entre Governo e
Administração:

Numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado


à realização de seus serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. A
Administração não pratica atos de governo; pratica, tão-somente, atos de execução, com
maior ou menor autonomia funcional, segundo a competência do órgão e de seus agentes.
São os chamados atos administrativos (...).

Comparativamente, podemos dizer que governo é atividade política e discricionária;


administração é atividade neutra, normalmente vinculada à lei ou à norma técnica. Governo
é conduta independente; administração é conduta hierarquizada. O Governo comanda com
responsabilidade constitucional e política, mas sem responsabilidade profissional pela
execução; a Administração executa sem responsabilidade constitucional ou política, mas
com responsabilidade técnica e legal pela execução. A Administração é o instrumental de
que dispõe o Estado para pôr em prática as opções políticas do Governo. Isto não quer
dizer que a Administração não tenha poder de decisão. Tem. Mas o tem somente na área
de suas atribuições e nos limites legais de sua competência executiva, só podendo opinar
e decidir sobre assuntos jurídicos, técnicos, financeiros, ou de conveniência e oportunidade
administrativas, sem qualquer faculdade de opção política sobre a matéria.

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