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Agnès Varda
Agnès Varda, ao longo dos seus vários trabalhos como realizadora – e também como
fotógrafa –, oferece uma visão particular sobre temas como os Panteras Negras, os
murais de Los Angeles, as pessoas em condições de sem abrigo, sobre o seu marido
Jacques Demy, sobre o movimento feminista e até sobre a rua (e os seus respetivos
habitantes) onde viveu durante mais de quarenta anos.
Para além do embelezamento evidente, Agnès Varda torna claro, através dos seus
documentários, o seu lado ativista – tome-se como exemplo Salut les Cubains (1963)
que, em 30 minutos, presta uma homenagem à Revolução cubana; ou L’une chante,
l’autre pas (1977), onde é abordado o movimento pro-choice em França. Varda não
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coloca ninguém “à beira”, o seu cinema é de todos, não sendo possível,
aparentemente, expelir determinados sistemas para regiões periféricas. A realizadora
dá especial atenção aos outros, quase como se o poliglotismo fosse uma regra dos
seus filmes, já que, numa análise geral da sua filmografia, pode-se afirmar que não
existem uma centralização de uma determinada cultura.
Artistic representations, if they are good enough and powerful enough, can catalyse.
They can impact our worldview, by changing how something is conceptualized and
presenting it in the context of an actual life, which abstract thinking on its own cannot
do. (Read, 2018)
Nos filmes de Agnès Varda, o espectador é deslocado para uma dimensão que, à
partida, é diferente da sua, pois a realizadora – nunca é demais relembrar – dá especial
atenção às pessoas e aos objetos, concedendo-lhes uma importância única e singular.
Em Les glaneurs et la glaneuse (2000), quando a própria Varda se insere no grupo dos
“respigadores” – ainda que a sua busca seja diferente, não procurando por restos de
comida, mas sim por imagens e arquivos –, produz sentido: ao observar os vegetais
podres nos campos e os detritos nas ruas, parte para a reflexão sobre o seu
envelhecimento e sobre a sua eventual morte. A comparação entre os vegetais e o seu
envelhecimento é feita através de close-ups das suas mãos, que são comparadas com
uma batata podre; de planos do seu cabelo grisalho, assemelhando-se a repolhos após
a colheita. Agnès também codifica a visualização de um relógio sem ponteiros,
comparando-se com o mesmo, já que, na sua perspetiva, ambos estão incapacitados
de ver o tempo passar. Através da abordagem deste tema, a realizadora também
confere importância aos “sinais físicos da idade” que a sociedade escolhe difamar e
esconder. Nas suas películas, Agnès cede a um “sistema modelizante criado para
significar” (Machado, 2010), sendo possível que as “coisas significantes constituam
uma realidade cultural e projetem a sua condição de texto da cultura” (Machado,
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2010) e é nesta medida que o seu cinema é exímio, dado que propõe “a leitura dos
encadeamentos de seus interpretantes” (Machado, 2010).
Ao longo deste ensaio, é inteligível que os filmes de Varda têm uma dimensão de
embelezamento de ações do quotidiano, e até de certas atividades, como as dos
respigadores. No entanto, apesar da romantização da sua lente, Agnès Varda não deixa
de ser crítica, até porque, num panorama geral, a trajetória cinematográfica da
realizadora destaca-se também pela defesa de causas políticas de vertentes variadas,
como o feminismo (visível, entre outros trabalhos, em Réponse de femmes: Notre
corps, notre sexe, realizado em 1975), ou a busca pela paz e o movimento hippie
(destacado em Lions Love (... and Lies), que data de 1969).
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judiciais que são aplicadas – injustamente – a quem respiga. Deste modo, a obra de
Varda é uma coleção de vozes e de perspetivas diferentes, o que torna o seu cinema
radical, algo que, aliás, ela sempre desejou, como afirma na sua última entrevista: “I
fought for radical cinema all my life.” (Varda, 2018)
Mas não é o que acontece no cinema de Varda que, importa relembrar, destaca as
pessoas que são esquecidas e invisíveis na sociedade, os “bárbaros”. Em Sans Toit Ni
Loi (1985), é retratada a realidade dura de uma mulher que foi abandonada pelo
sistema e cuja única solução que lhe resta é tentar sobreviver – mas acaba por morrer,
abandonada numa vala ao lado de uma estrada. O mais impactante é que esta é uma
história real, o que comprova que Agnès não ignora aqueles que, à partida, são
marcados pela vulnerabilidade, por “transgredirem as normas de comportamento”. É
interessante ver que, no filme, nunca é Mona (a mulher em condição de sem abrigo)
que conta a sua história, mas sim os outros – não existe espaço para ela, e esta é uma
crítica audaz por parte da realizadora. Aqui, Mona, representa um medo para a
sociedade, por não se inserir nos regulamentos codificados pelo mundo ao seu redor.
Considerações finais
Para finalizar este ensaio, o cinema de Agnès Varda é brilhante, no sentido em que
permite ao seu espectador o processo de semiose, recheando-o de possibilidades de
criação de novos sentidos de imagens ou objetos aparentemente banais e
pertencentes ao quotidiano (recorde-se o exemplo da batata que remete para a
temática do envelhecimento, por exemplo). Aliás, torna-se difícil não construir
descrições e interpretações, isto é, a “segunda natureza”, uma vez que me parece
possível afirmar que as películas de Varda correspondem, precisamente, a uma
multiplicidade de naturezas.
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Importa sublinhar que, para além do aspeto supramencionado, Agnès Varda, através
da sua filmografia, tem a capacidade de conduzir informação da periferia para o núcleo
– recorde-se o exemplo da personagem Mona e até dos respigadores em Les glaneurs
et la glaneuse (2000) que, através da lente de Varda, são expostos e têm um lugar de
destaque, estando a atenção virada para eles, o que não acontece usualmente, dada a
sua condição de “vulnerabilidade” e de “invisibilidade” aos olhos da sociedade, que os
encara como uma “falha” no que diz respeito ao regulamento comportamental.
Referências bibliográficas
Varda, A. (2019). Agnès Varda's last interview: 'I fought for radical cinema all my life'.
The Guardian. Disponível a partir de:
https://www.theguardian.com/film/2019/mar/29/agnes-varda-last-interview-i-fought-
for-radical-cinema-all-my-life [Consultado a 16/12/2021]