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Edição do Centro de Estudos Adriano Xavier Cordeiro | n.

º 21 Setembro de 2019

Ercílio de Azevedo | p 34
Nesta edição •

• Camarate dos Santos | p 37


• Reis Sem Cerimónia | p 3

• A Toxinformação | p 7

• A Crise da Memória, Hoje | p 9

• António Amadeu de Souza-Cardoso | p 11

• Entrevista a António Moniz Palme | p 23


Editorial
Porfírio Pereira da Silva

Na altura em que despoletaram as preocupações globais sobre o ocupar as encostas mais declivosas; os vales devem ser aproveitados
ambiente, numa alusão clara, catastrófica ou apocalíptica, ao “dia para a agricultura local; e os solos planálticos devem ser reservados
zero”, retrato de uma emergência pela ameaça de um quarto da para uma agricultura tipo vinha ou olival. Os matos devem, por sua
população mundial poder, em breve, deixar de ter acesso à água vez, ser aproveitados também para a pecuária, bem como a
potável, principal fonte da vida, continuamos a reforçar a ideia produção do mel, aguardente de medronho e, ainda, para as plantas
que tudo isto é um caso político. Nacional e globalmente aromáticas, que podem dar lugar a uma indústria de perfumes –
político. citamos, contrariando assim todos aqueles “marginais” que
haviam pago ao povo português para cortar as suas vinhas;
Vários factores têm contribuído para esta desorientação total, a
abater as cabeças de gado para produzir menos leite; e, deixar
começar pelos incêndios, com fuga aos corredores das secas,
crescer mato em campos de cultivo, em detrimento da
fruto da falta de planeamento do território, do aproveitamento
biodinâmica.
dos recursos naturais, dos incentivos à economia rural – que
muito bem poderia passar pela limpeza e conservação das matas Sem dúvida que a falta de ordenamento do território é da
–, contrastando com a preocupação economicista de responsabilidade dos políticos, do regime e da desmesurada
pagamentos do déficit e das balanças económicas impostas por subserviência aos interesses economicistas, globais.
quem cresce à custa das desgraças alheias.
Por este andar, ou por esta inércia, de pouco valem as
Apesar de todos sofrerem com as alterações climáticas, a inércia preocupações ecológicas chegarem aos laboratórios, onde dizem
política daqueles que nos vão enganando de barriga cheia, em preocuparem-se com o impacto ambiental, mas,
deficiente alimentação e de costas viradas às reais circunstancialmente, produzem também toneladas de resíduos,
potencialidades económicas do país, pondo em perigo a própria que passam por pontas de pipetas de plástico e respectivos
democracia, potenciam a política de subserviência aos interesses invólucros, embalagens isotérmicas, contas de electricidade
económicos de outros, principalmente daqueles que se estão gigantescas, congeladores especiais para conservar o material
“borrifando” para a produção leiteira, florestal ou mesmo das experiências, ventilação de alta tecnologia para manter a
industrial dos portugueses. atmosfera interior limpa, equipamentos de esterilização, etc. –
aglomeração de “contraindicações” para o ambiente, que
O ambiente sempre foi uma preocupação dos monárquicos,
inquietam muitas universidades e outras instituições científicas.
ponto de referência (não de “fuga objectiva”) nossa, assente no
modelo defendido pelo arquitecto Ribeiro Teles, onde a floresta Haja decoro e vontade política, por forma a ultrapassarmos
ideal, por exemplo, deveria ser uma mata completamente estes indicadores preocupantes. Nacional e globalmente!
integrada no sistema agrícola: Todas estas regiões que são hoje
pinhal e eucaliptal, que têm aldeias e pessoas a viver dentro, não
devem continuar a ser exclusivamente uma floresta (…) A mata deve

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Reis Sem Cerimónia
Miguel Villas-Boas

Abstract ‘La Reine le vault’, foi esta a fórmula, num arcaico anglo-
Queen Elizabeth II had no alternative but to give the Royal normando, pelo qual foi dado o Assentimento Real pela Rainha
Assent to the UK PM's proposal to suspend the British Elizabeth II à proposta de suspensão do Parlamento britânico que
Parliament. This is no longer a monarchy but a crowned o actual Primeiro-Ministro do Reino Unido apresentou a Sua
republic. For Portugal we want a Constitutional Monarchy Majestade. Na realidade a Rainha não quis nada, pois não tinha
over the form of government of a Parliamentary alternativa, uma vez que o parlamentarismo - que esvaziou ao
Monarchy, but with a different political system from the
extremo os poderes reais - obrigava Sua Majestade a aceitar o
present one; The Monarch will be the fount of executive
conselho do líder do governo; um conselho que era ilegítimo,
poder, but the institutions that would effectively exercise
political power would gain their legitimacy through the induziu a Rainha em erro e como tal nulo, conforme estabeleceu
elections: the Parliament by direct and universal suffrage, o Acórdão do Supremo Tribunal Real Britânico, que por
the municipal representatives by direct election. Thus, unanimidade dos 11 Lordes Juízes Supremos declarou a
originally, the power would reside in the People, but suspensão do Parlamento britânico ilegal.
would be exercised in the form of monarchical
government. Ora uma Monarquia assim não é Monarquia, mas uma
desventurada República Coroada, em que o Monarca embora
Key words: Constitutional Monarchy; new regime;
personifique e represente a Nação, em questões políticas fica
Monarch with power

Résumé
La reine Elizabeth II n'avait d'autre choix que de donner la
sanction royale à la proposition du Premier ministre
britannique de suspendre le Parlement britannique. Ce
n'est plus une monarchie mais une république couronnée.
Pour le Portugal, nous voulons une monarchie
constitutionnelle sur la forme de gouvernement d'une
monarchie parlementaire, mais avec un système politique
différent de celui qui existe actuellement; le Monarch sera
la fonte du pouvoir executive, mais les organes qui
exerceraient effectivement le pouvoir politique
gagneraient en légitimité à travers les élections: le
Parlement au suffrage direct et universel, les
représentants municipaux aux élections directes. Ainsi, à
l’origine, le pouvoir appartiendrait au peuple mais serait
exercé sous la forme d’un gouvernement monarchique.

Mots-clés: Monarchie Constitutionnelle; nouveau regime;


Monarch avec pouvoir
Sua Majestade a Rainha Elizabeth II do Reino Unido

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refém da vontade de políticos que podem ser duvidosos. finalidade nem aspirações, em que só a sua figura se destaca
envolta num halo ensanguentado de martírio.
Existem vários modelos de Monarquia, a Orgânica ou
Tradicional e pelo menos dois tipos diferentes de Monarquias
Constitucionais no mundo contemporâneo: Executiva e
Cerimonial e dentro desta última o Monarca pode ter funções
estritamente cerimoniais ou possuir poderes de reserva, o
chamado Poder Moderador. A Monarquia britânica é, pois,
estritamente Cerimonial, consequência dessa malnascida
fórmula de Adolphe Tiers ‘Na Inglaterra o rei reina, não
governa’, e que se converteu num slogan clássico da Monarquia
parlamentar: ‘O Rei reina e não governa!’ Mas, um Rei ou
Rainha que não governe e ainda por cima reine muito pouco é
tudo o que não precisamos numa hipotética restauração da
Monarquia em Portugal.

Escreveu António Cabral in ‘As Cartas d'El-Rei D. Carlos ao


El-Rei D. Manuel II
Sr. João Franco’: ‘(…) - o Senhor D. Carlos quis ir
regressando, pouco a pouco, à prática do governo como ele se
exercia no passado, sem esquecer as modificações que a
incessante mudança das realidades aconselhava.’ Isto porque
Tinha por si D. Carlos a natural aptidão dos Braganças para a
compreendeu Dom Carlos que foi na vigência da Monarquia
arte de bem governar. Tornada por penas sectárias em arma
Portuguesa pré-liberalismo, que Portugal viveu o seu período
de partido, a nossa história não passou nunca dum panfleto
de maior glória, talvez porque o Rei além de Reinar era o
sem consciência nem consistência contra a dinastia reinante.
titular do poder executivo. Por isso foi barbaramente
Não estranhemos por isso que logo o seu fundador seja
assassinado nesse trágico holocausto magnicida ocorrido a 1 de
considerado através de calúnias que pretenderam entravar e
Fevereiro de 1908, no qual tombou, juntamente com o seu
diminuir o seu tacto habilíssimo no reconhecimento árduo da
primogénito D. Luís Filipe, pelas balas do terrorismo, ao
nossa libertação. No entanto, apesar das tintas tão injustas
serviço da Pátria.
como mentirosas, com que é de uso e costume falsear-lhe o
António Sardinha, o doutrinador monárquico antimaçónico, carácter, El-Rei D. João IV reuniu na sua personalidade
escreveria: "À noite, nas Necessidades, o Conselho de Estado vigorosa fortes e notabilíssimos recursos de Chefe de Estado.
reunido persuade o novo Rei, Infante Dom Manuel, a afastar (...)
João Franco e a formar ministério novo. Faz-se a vontade ao
Artista e erudito, político e lavrador, D. João IV voltou a viver
inimigo, abatem-se bandeiras perante o crime. «Os regímenes
na psicologia magnificamente dotada d’El-Rei D. Carlos. Na
sucumbem e desaparecem, menos pela força do ataque que
nossa pequenez, a braços com uma crise orgânica quasi tão
pela frouxidão da defesa» - dirá o próprio João Franco.
dominadora como a do século XVII, El-Rei D. Carlos apresenta
Resume, muito exactamente, um jornal, meses depois: - ' O
-se-nos, como o seu longínquo avô, o verdadeiro «Procurador
Rei morreu na tarde de 1 de Fevereiro, no Terreiro do Paço.
dos Descaminhos do Reyno» É na situação exterior criada pelo
A Monarquia morreu nessa noite, no Paço das Necessidades ',
Senhor D. Carlos a Portugal que o Bragança se afirma nas suas
precisamente quando a Realeza se erguia unida a um governo
excepcionais qualidades de governante. A herança política de
sério e forte. Eliminado da cena e lançado para o exílio o único
D. João IV mantivera-se sempre com brio e só quem ignorar a
homem de pulso, não há em torno de Dom Manuel II senão os
nossa história diplomática é que pode colaborar de boa-fé na
velhos homens dos partidos, sempre envolvidos em querelas
difamação sistemática de que é vítima a ultima série dos nossos
de vaidades, sempre obcecados pelo fito de conquistar o
Reis. Com a permanência de pensamento que é virtude da
mando para si e para os seus amigos ""Os partidos que aquele
hereditariedade monárquica, El-Rei D. Carlos não serviu
chamara de " rotativos ", aproveitam-se assim da inexperiência
durante a sua existência outro desígnio que não fosse o de
bem-intencionada do Infante adolescente para voltarem ao
valorizar a posição do seu minúsculo país no concerto das
mesmo “regabofe”, depois dos esforços do rei e do seu 1º
grandes potências da Europa.’
Ministro para fazerem de Portugal um país decente.'(...) É dever
do meu espírito, neste momento, olha-lo [D. Carlos] debaixo Na monarquia orgânica o rei reina e governa, mas não de
do aspecto por que foi incriminado, vindo por ele a sofrer forma absoluta, pois tem o seu poder limitado
paixão e morte. Refiro-me à sua política, tão mal pelas assembleias, designadamente as Cortes, as agremiações
compreendida hoje mesmo, mas que realçada a distancia pela profissionais e os municípios constituídos pelos representantes
transformação das inteligências e dos tempos, o fará para a dos corpos intermediários, dos grupos naturais componentes
admiração do futuro o maior de todos numa época sem
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da Comunidade. Pode assim ser vista como uma monarquia de Nesta última forma, a existência de um Rei acrescenta aos três
regime misto, ou monarquia temperada, aquela em que a poderes já procedentes do século XVIII – legislativo, executivo e
judicial -, um quarto poder, o Moderador exercido plena e
livremente pelo Rei, que apesar de não governar, vela e zela pelo
exercício legal e ético dos demais poderes. O artigo 71.º da
Carta Constitucional de 1826 estatuía: ‘O Poder Moderador é a
chave de toda a organização política e compete privativamente

D. Carlos Reinando e Governando

autoridade do monarca é limitada por outros poderes, sendo a


única na qual há o desiderato em que comunidade se veja
melhor patenteada e por isso a monarquia é mais representativa.
Estandarte Real

ao Rei, como Chefe supremo da Nação, para que


Por isso António Sardinha, em 1924, in "Ao Princípio Era o
incessantemente vele sobre a manutenção da independência,
Verbo’ salientava: ‘Com a Profissão e com a Nobreza é que o
equilíbrio e harmonia dos mais Poderes Políticos’.
Rei de Portugal, - e não o minúsculo rei dum partido! -,
empreenderá a restauração da Pátria pela Monarquia.(…) Nada
queremos a república da burguesia, como nada queremos da
monarquia dos plutocratas!’ A Monarquia em Portugal até foi sempre um modelo único:
primeiro com um Rei Aclamado e fonte dos três poderes, mas
De facto, não precisamos de um rei títere do parlamentarismo não de forma absoluta, pois estava limitado uma vez que a
actual (não representativo); por isso não deve aquele friso de legitimação dos Reis resultava destes receberem o poder do
pouco corajosos, mas autoproclamados donos da Monarquia, Povo para governar sob a condição tácita de reinar bem. O Rei
desejar apenas uma troca que nada resolverá o jogo, era um funcionário da Nação e, por isso, os Três Estados
substituindo um Presidente por um Rei-Presidente, cerimonial e podiam livremente destroná-lo, se ele não cumprisse qualquer
corta-fitas em que os engonços dobrem à ordem do actual das obrigações inerentes ao seu cargo.
sistema. É preciso muito mais. É preciso uma revisão profunda
do sistema e do regime, porque a restauração da Monarquia não Hoje teríamos uma Monarquia Constitucional sobre a forma de
pode ser apenas uma manobra para lhes arranjar o que comer. governo de uma Monarquia Parlamentar, assentando na
legitimidade democrática: a Monarquia em Portugal até
‘Não quero a falperra do parlamentarismo e dos partidos. sublimaria a democracia. Os órgãos que efectivamente
Quero a Monarquia.’, confessaria Thomas Mann, escritor alemão exerceriam o poder político conquistariam a sua legalidade e
e Prémio Nobel da Literatura, in “Considérations d'un legitimidade das eleições: o Parlamento por sufrágio directo e
apolitique”, 1918. universal, os representantes municipais por eleição directa.
Assim sendo, originariamente, o poder residiria no Povo,
Hoje naturalmente, não há lugar para Monarquias Absolutas, mas
contudo exercer-se-ia sob a forma de governo monárquico.
também não nos podemos bastar com monarquia relativa.
Caberia ao primeiro-ministro, chefe de governo, exercer o
Como se escreveu acima existem pelo menos dois tipos
poder executivo efectivo, mas o titular originário do poder
diferentes de Monarquias Constitucionais no mundo
executivo seria o Rei que o cederia ao PM, mas que o deverá
contemporâneo: a Cerimonial e a Executiva.
orientar se o político eleito não governar no interesse do bem
Nas Monarquias executivas, o monarca exerce o poder da coisa comum..
executivo de forma significativa, embora não absoluta. Por outro
As políticas governativas competiram ao PM e aos Ministros, as
lado, nas Monarquias cerimoniais, o monarca não governa e por
Ministros governavam as Pastas, o chefe do governo governava
isso não influência a política directa; mas dentro desta última o
os ministros e o Rei governava o Primeiro-ministro.
Monarca pode ter funções estritamente cerimoniais ou possuir
poderes de reserva, o chamado Poder Moderador.
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alcançar o soberano bem da Nação.

Só assim, o Monarca será um contrapeso, uma vez que que uma


coisa só é superada quando se actua de modo a que tal coisa
forme com o seu contrário uma unidade: é a tese e a antítese
de Hegel. Para haver uma anulação de uma força negativa
política tem que haver uma força positiva capaz de a equilibrar.
Ora só um Rei tem essa força e consegue de forma eficaz
desempenhar essa função.

Tal não acontece com outro Chefe de Estado que não seja um
Monarca, uma vez que há a grande vantagem do Rei enquanto
entidade real independente, não eleito, não representar
qualquer partido político e seus sectários e com tal não amparar
qualquer agenda política, podendo assim com o seu Poder
Moderador assegurar a pluralidade político-social do país,
A Comunidade na Monarquia Portuguesa obstando a que a política possa adulterar-se. Acima de tramas
partidárias, independente de um calendário político, de
promessas eleitorais, sem relações suspeitas com oligarquias,
Depois o Rei deteria privatisticamente o Poder Moderador e
sem solidariedade activa com políticos – pois o Rei não tem
isso habilitá-lo-ia no dia-a-dia a negar poder a quem dele
partido -, sem atenções a favor de clientelas eleitorais e
pudesse abusar ou usá-lo mal! É necessário que o exercício do
financiadores de campanhas que esperam obter benefícios e
poder deixe de ser equívoco e passe a ser realizado de acordo,
dividendos do seu ‘investimento’, o Rei terá a tranquilidade e a
não só com o mínimo ético, mas, ainda mais além, que se
legitimidade para actuar como moderador entre as várias
identifique com a moral. Não se deve separar nem opor Moral e
facções políticas ou demais grupos da sociedade civil e interpor-
Política. É necessário apagar a diferença que existe actualmente
se como cautela da democracia. Um Monarca assim jamais se
entre as duas. Não pode subsistir o Poder pelo Poder, com a
reduzirá a um patrono de uma legislatura e a um corta-fitas.
frustração da Moral, mas sim unir-se os dois conceitos, para se

O Rei Símbolo da Coesäo Nacional

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A Toxinformação
Susana Cunha Cerqueira

Numa morn (agressiva) contemporização dos costumes, eis-nos


Abstract chegados a um limiar de extremos: informação excessiva e
Devaluation of fast information and formatting of the humain
velocidade da mesma - fastnews.
person.

Key Words: information, excess, fast news. É esta a emulsão relipidizante que somos e em que vivemos.
Contudo, possivelmente, sempre tal aconteceu, e não será nada
de novo, ou Eça não se teria deslumbrado com a sociedade
Resumé: portuguesa.
Dévaluation de l'information excéssive, rapide, et mise en
forme de la personne humaine. A toxinformação acontece em diferentes áreas, por exemplo, nos
media (e.g. pluralidade de informação apelativa e lasciva com
Mots-clés: informacion, excés, fast news. vontades de vender para que a informação seja consumida sem
qualquer crítica por parte do ouvinte); nas redes sociais (e.g.
exposição desmedida, grande parte das vezes, com dentes
sorridentes com facetas ou laminados), nas organizações laborais
(e.g. com e-mails em cascata com e sem interesse com informação
redundante); nas escolas (e.g. através de programas académicos
longos ou selfies para serem postadas de imediato ou de chamadas
excessivas entre alunos e encarregados de educação, em cada
intervalo, quebrando-se o desenvolvimento da autonomia e o
controlo das emoções), nos tribunais (e.g. a era da "turbo
legislação", contrariamente à existência de vazios legais em
determinadas áreas, havendo necessidade do decorrer do tempo);
nas relações com particulares (e.g. as mensagens, os contactos
imediatos, as chamadas a todo o momento); na medicina (e.g. a
existência de inúmeras medicinas paralelas e alternativas à clássica:
iridologia ayurveda, homeopatia, naturopatia, medicina tradicional
chinesa, por exemplo).

A toxinformação aliada a uma velocidade inebriante, fastnews,


poderá deslocar o foco para distratores que alienam e retiram
peso, qualidade e rigor à informação. O cérebro humano, com a
sua plasticidade, permite um leque enorme de variações e de
captação. Contudo, considerando a especificidade de cada área,
conjuntamente com a singularidade de cada ser humano, poderá
ter dificuldade em assimilar todas as informações que lhe são
submetidas para discernimento, já que passará a fazer zapping
perpétuo, alimentando-se da necessidade autofágica de algo
imediato, de emoções/sensações diferentes.

Consequentemente, muitos profissionais e vulgares mortais


podem chegar a uma linha de fronteira de burnout, já que
desencadeiam processos ritualizados e obsessivos que se
manifestam de forma psicossomática.

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A informação excessiva, poderá tornar-se um problema futuro,
tendo de existir tratamento especial por parte de quem gere o
capital humano. Terá de haver uma preocupação em
reorganizar, mapear, os fluxos constantes e imediatos da
informação de modo a controlar e filtrar a mesma.

Será que necessitamos de tanta informação?

Parecendo grotesca esta questão, pois concordar-se-á que a


informação é, simbolicamente, um dos expoentes da liberdade,
será que temos necessidade de mais informação? Será que
ficamos mais lúcidos, mais esclarecidos ou tornámo-nos em
seres esgazedos por tanta injeção de informação? Que
qualidade de informação temos? Quem age no marketing da
informação e com que objetivos? Que Zara gere a informação
com que nos vestimos?

Somos seres formatados?... Sabemos conscientemente, com


perfeito livre arbítrio de que estamos a ser formatados?
Queremos ser formatos?

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A Crise da
Memória, Hoje
Carlos Aguiar Gomes

“Para ser moderno, há quem acredite que é necessário separar- se das raízes. E essa é a ruína, porque as
raízes, a tradição, são a garantia do futuro. Não é um museu, é a verdadeira tradição, e as raízes são a
tradição que levam a seiva para fazer crescer a árvore, florescer, frutificar. Nunca se separar das raízes
para ser moderno! Isso é um suicídio”. (Papa Francisco aos Agostinhos Descalços, 12.IX.2019)

As nossas raízes pessoais, familiares ou sociais, a nossa memória, o


Abstract que nos ata e liga ao passado, neste presente transitório e que nos
dirige para o futuro, são absolutamente indispensáveis. Uma
The author, along the lines of the last Popes, proposes a
pessoa, família ou sociedade que perca a sua memória está
challenge - reflection on the need for human condenada à ruína. Desaparece.
communities to preserve their collective memory, their
roots, as a condition for the survival of society. The loss “As raízes não são âncoras que nos prendem a outras épocas e
of family, local or national memories leads to their ruin. nos impedem de encarnar no mundo actual para fazer nascer algo
Knowing and loving the Past, in the Present, is an novo. Pelo contrário, são um ponto de enraizamento, que nos
indispensable condition for a balanced Future. permite desenvolver-nos e responder aos novos desafios.” (Papa
Francisco, in Christus vivit, nº 200).
Key words: Roots, values, family.
A nossa sociedade, começando por cada um de nós, anda à deriva
Résumé e anda à deriva porque perdeu a sua memória. Todos nós já fomos
confrontados com crianças e jovens que desconhecem tudo sobre
L’ auteur, suivant la pensée des derniers Papes, propose
a sua família, a família do Pai e a da Mãe. Até o nome dos Avós,
une réflexion- défi sur la nécessité des communautés
muitos desconhecem. Também passa despercebida e ignorada a
humaines préserver leur mémoire collective, leurs
História da nossa terra e país. Por isso, entramos numa sociedade
racines, comme condition de survivance de la société. falida de valores, dos valores que “construíram” a nossa família e a
La perte des mémoires familiales, locales ou nationaux nossa Pátria. O mesmo se passa com a Religião, onde também
conduisent à leur ruine. Connaître et aimer le Passé, impera uma ignorância crassa e, até os fundamentos mais
dans le Présent, c`est bien indispensable pour un futur alicerçantes da nossa Fé.
équilibré.
Por exemplo, quantos jovens e jovens adultos católicos que
Mots-clés: Racines, valeurs, famille. chegam à Basílica de S. Bento da Porta Aberta (o 2º santuário mais
visitado em Portugal) desconhecem quem foi S. Bento? Que vida
teve? Que legado (fabuloso) nos deixou? Que influência tiveram os
seus filhos espirituais na construção do nosso país, da Europa e do
mundo? Sabe-se que antes de Portugal existir, já cá estavam os
“filhos espirituais de S. Bento”? Onde estão os monumentos que
nos deixaram? Que “alma” têm estes edifícios? Saberão que o
nosso Parlamento é o fruto da espoliação de 1834 de um
Mosteiro beneditino?

Quantos jovens e jovens adultos católicos sabem quem é a nossa


Padroeira, quem A proclamou como tal e em que século (já nem
ponho a hipótese de saberem o ano!...) .

… E neste mês de Outubro, dedicado às MISSÕES, que valores


temos transmitido aos nossos filhos, amigos ou vizinhos, sobre o
valor e testemunho de tantos milhares de homens e mulheres

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que ao longo dos séculos levaram Cristo e o Seu Evangelho, a comunidade humana pode viver muito tempo sem a sua
promoção e o desenvolvimento humanos a tantas latitudes? memória, tal como a árvore a quem, um dia, alguém cortou as
Quantos sabem que fomos, em caravelas frágeis como casca de suas raízes. A seiva que alimenta o caule, as folhas e os frutos
noz por todo o mundo levando o Evangelho? Quantos de nós deixa de circular e a árvore morre. Isto é o que está a
tem tido esta preocupação? acontecer, hoje, nesta sociedade amnésica, ou melhor, que os
“desconstrutores” da nossa história conseguiram fazer
Quantos de nós já pensou um pouquinho nas enormes cortando-lhe as raízes, sem nunca se fatigarem nem desistirem,
dificuldades que passaram e passam os missionários em terras face à abulia de tantos de nós. Por isso, as “árvores” que
distantes e diferentes? somos, sem raízes, estão a ser derrubadas e levadas por ventos
ideológicos que estão a destruir a nossa cultura. Uma Cultura
E sem esta memória cristã missionária, como podemos pedir
da Vida que se está tornar aceleradamente, uma Cultura de
mais e melhor oração pelas vocações missionárias, se nada
Morte.
sabemos sobre o trabalho que os “levadores de Evangelho”
desenvolvem por esse mundo? … Ter memória, cultivá-la e transmiti-la não é saudosismo! Ter
memória é preparar o Futuro. Ter memória não é nem pode
Não podemos viver no Passado, mas não podemos viver sem o
ser para conservadores. Os conservadores são os que
Passado. Sem a nossa memória familiar e social. Como referia o
estão cristalizados e parados no tempo. E a vida é
Papa aos monges agostinhos, “as raízes são a tradição que levam
dinâmica. Ter memória e transmiti-la é para preparar o Futuro
a seiva para fazer crescer a árvore, florescer, frutificar. Nunca se
e ambicionar o Progresso, onde hoje se podam os “ramos”
separar das raízes para ser moderno! Isso é um suicídio”. Que
estéreis da árvore para tornar aquele equilibrado e justo.
acontece às árvores a quem cortam as suas raízes?
Parafraseando o Papa Francisco (in Christus Vivit, nº200), as
Neste mês, vamos fazer um esforço para que cada um de nós
raízes não podem, porém, ser vistas como âncoras que
saiba, possa e queira ser um transmissor da memória familiar,
imobilizam, mas como estabilizadores que captam nutrientes e
religiosa e social. Assim, contribuiremos para que a ruína
água, que alimentam toda a árvore. Sem esses “estabilizadores”,
familiar, religiosa e social aconteçam! Um desafio que o Papa
as raízes, a planta seria facilmente arrastada e morreria
nos lança. Um desafio contra a fortíssima crise da Esperança em
rapidamente à seca.
que mergulhou (ou nos mergulharam?) o nosso tempo.
Caro leitor, peço-lhe que medite bem e muitas vezes na frase
Sem Esperança não há Futuro e o Presente fica sem alicerces
do Papa Francisco, com que encimo este artigo.
por lhe terem sonegado a memória, as raízes. As nossas raízes
dão-nos força para ir em frente. Ninguém nem nenhuma

Sem raízes, poderia viver mais de mil anos esta oliveira?

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António Amadeu de
Souza-Cardoso
Um Monárquico de Fortes
Convicções!
António de Souza-Cardoso

Abstract
The first time I saw him and heard of monarchy I realized the
consistency of reasoning, the abundance of knowledge, the
argumentative coherence, and the intellectual honesty that
cannot be confused with a humility that he did not really have.
God, the Fatherland, and the King, were part of their dogmas,
and were therefore inescapable presuppositions of the
construction of any narrative around monarchical political
thought. He was a passionate integralist (integralista),
recognizing in the larger figure of António Sardinha, seconded
by Jose Pequito Rebelo and Luís Almeida Braga, the leaders of
a generational movement that built a political ideology,
vigorous, courageous and, I would even say, progressive.

Key Words: Monarchy, king, integralist, political thinking.

Resumé
La première fois que je l'ai vu et que je l'ai entendu parler de
la monarchie, j'ai compris la cohérence du raisonnement,
l'abondance du savoir, la cohérence argumentative et
l'honnêteté intellectuelle qui est impossible de confondre avec
l' humilité qu'il, vraiment, n'en avait pas. Dieu, la patrie et le
roi faisaient partie de leurs dogmes et constituaient donc des
présupposés incontournables de la construction de tout récit
autour de la pensée politique monarchique. C'était un
integraliste (integralista). On parle de la grande figure de
António Sardinha, secondé par Jose Pequito Rebelo et par
Luis Almeida Braga, les précurseurs d'un mouvement
générationnel, avec une idéologie politique vigoureuse,
courageuse et, je dirais même, progressive.

Mots clés: Monarchie, roi, integraliste, pensée politique.


Quando o Presidente da Real Associação de Viana do Castelo
me pediu para escrever sobre meu Pai na Real Gazeta do
Alto Minho, confesso que a minha primeira reacção foi de
rejeição. Provavelmente por pudor, ou escrúpulo, de
escrever sobre alguém que sentimos, um pouco, parte de nós
e, com isso, não conseguirmos sacudir o sentimento de
devassa de uma intimidade que nos é imposto partilhar.

Como todos reconhecem, uma das melhores qualidades do

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José Aníbal Marinho Gomes, para além da lealdade, da coerência Meu Pai nunca construiu um pensamento político, simplesmente
e da amizade, é a infinita persistência e determinação que põe à volta da Instituição Real. Entendeu sempre que o Rei era o
nas coisas em que acredita. E a verdade é que, uma vez mais, corolário sublime de uma construção política, baseada na
acabei por sucumbir à Sua insistência e ao argumento final de Família, na responsabilidade e na continuidade das elites, no
que estando a Real Gazeta a revisitar as grandes figuras do mérito e no serviço entendidos como pressupostos da
Movimento Monárquico da geração anterior, poucos, como eu, organização de uma sociedade e no compromisso orgânico que,
tinham acompanhado tão de perto o percurso de meu Pai. dessa forma, a Nação mantinha continuadamente com o Estado.
Seria, pois, uma injustiça para com Ele não dar o testemunho
que poucos estariam em condições de prestar nas condições A reunião temporal das Famílias em comunidades maiores,
privilegiadas que sempre tive de seu filho mas também de seu permitia que o primeiro nível de decisão, compromisso e
atento correligionário. responsabilidade se alargasse a uma região determinada e que a
reunião harmoniosa e diversificada das regiões constituísse o
E, no entanto, eu como filho terceiro de um homem que casou princípio de agregação do Estado e de organização e afirmação
aos 33 anos, nada presenciei da participação de meu pai no das elites. O Comunalismo (que hoje poderia ser lido como
Movimento monárquico até aos alvores da Revolução de Abril. Municipalismo) que discutia entusiasticamente com João
Camossa e a Teoria da Nobreza na dinâmica da primeira
estruturação feita pelo Visconde de Santarém, constituíam dois
pilares que sustentavam o edifício político de uma sociedade
que atingia a felicidade e o bem-estar, pela participação activa e
responsável do indivíduo na coisa pública.

Era um institucionalista, no sentido em que acreditava


verdadeiramente no papel imanente e regulador das instituições.
Mas era, simultaneamente, um humanista e o tamanho da sua Fé
e da forma gentil e ingénua com que se entregava às coisas de
Deus, contrastavam com o rigor e o sentido de serviço que
sempre exigia às coisas dos Homens.

Militou nas Juntas Académicas da Causa Monárquica e foi, com


Alexandre Cabral Campello e José Paulo Lencastre, um dos
Fundadores da “Real República do Rás-te-Parta” – a república
que, à época, era conhecida como sendo “dos Monárquicos”.
Mais tarde, aderiu, como muitos os que não se deixavam
seduzir pela envolvente figura de António Oliveira Salazar, à
Convergência Monárquica onde tomou contacto com José Vaz
Serra e Henrique Queiroz Athaide que fundaram a Liga
Monárquica em 1969. Logo a seguir à revolução, segue os
passos dos seus correligionários e amigos mais próximos. Com
Gonçalo Ribeiro Telles, Henrique Barrilaro Ruas e José Paulo
Lencastre, ajuda a criar o PPM, onde militou activamente nos
primeiros anos da Revolução. Com o advento da AD e o
“encosto” do PPM à governação, achou que a formulação
partidária, inevitável no contexto político da revolução, não
servia mais para quem tinha como único desígnio restaurar a
O meu Pai era um homem, austero, rigoroso, integro que nos
Monarquia em Portugal. Saiu do PPM na mesma altura em que
educou com uma autoridade quase arbitrária de que, tenho que
Henrique Queiroz Athaíde o convida para liderar a Liga Popular
confessar, nunca gostei muito. A primeira vez que o vi falar de
Monárquica. Encontrou na LPM um espaço de reflexão política
monarquia percebi a consistência do raciocínio, a fartura do
que o entusiasmava mais do que “operacionalidade” partidária.
conhecimento, a coerência argumentativa e a honestidade
Não era um Homem de acção mas antes um apaixonado pelo
intelectual que não pode ser confundida com uma humildade
conhecimento e pela reflexão política.
que ele realmente não tinha. Deus, a Pátria e o Rei, faziam parte
dos seus dogmas e eram por isso pressupostos inilidíveis da Gostava do debate político onde conseguia ser eloquente e
construção de qualquer narrativa à volta do pensamento eficaz. Era essa a praia onde gostava de estar: a liça das ideias e
político monárquico. Era um apaixonado integralista,
as dinâmicas que assumiam na projecção e na perspectiva das
reconhecendo na figura maior de António Sardinha, secundado
novas gerações.
por José Pequito Rebelo e Luis Almeida Braga, os líderes de um
movimento geracional que construiu um ideário político, à
Recordo os almoços ternos de família, desprendidos do tempo,
época, vigoroso, corajoso e, diria até, progressista.
à volta da mesa que nos confortara copiosamente os sentidos e

12
que, agora, nos segurava ainda na preguiça amorável de fragilidade da forma, eu admirava a densidade e a certeza das
estarmos juntos, mas, também, no bulício que sempre fazíamos Ideias.
ao redor das ideias que o Pai estimulava. Mas nem nessa
Passaram este ano, dez anos da Sua morte e, para além da
qualidade baixava a guarda ou deixava que a última palavra
contrita e imensa saudade do Pai, fica uma admiração que
pudesse deixar de ser a dele.
cresceu em mim com a sua ausência e que hoje é profunda e
Tive, com Ele, muitos momentos de contraditório que, por incondicional.
higiene mental, revisito habitualmente com emoção. Sempre
Fico, ainda, muito admirado quando muitos da minha geração se
assumi que existia entre os dois uma inultrapassável diferença
confessam monárquicos porque um dia tropeçaram na palavra
geracional e um pragmatismo que meu Pai nunca aceitou
ou no convívio de meu Pai. Entre os tantos que agora recordo
assumir como, por exemplo, a cedência a modelos “roialistas” destaco o meu querido amigo Tomás Moreira, com quem estive
em que não acreditava. em tantas lutas, que me recorda amiúde a influência decisiva que
meu Pai teve na sua formação monárquica.
Estivemos muito juntos na Liga Popular Monárquica e lembro-
me bem da minha primeira intervenção pública a seu lado, à Num mundo que, hoje, é vago, evasivo e disperso, aprendemos
frente da Juventude Popular Monárquica, com Aníbal Pinto de a admirar o carácter, o compromisso e a coerência que existiam
Castro e Henrique Barrilaro Ruas - dois monstros intemporais de uma forma rara e profunda na pessoa de meu Pai.
do pensamento político monárquico. O fervor apaixonado da
minha intervenção logrou conquistar a plateia, mas não meu Pai Talvez seja o “sopro da lisura e da amplidão” de que fala Sofia de
que gostava pouco de trocadilhos e não entendia sequer os Mello Breyner que quero hoje homenagear. Obrigado Pai!
meandros perigosos da inteligência emocional. As ideias tinham
uma forma e uma ordem que a bem do rigor e da clareza
expositiva deveriam ser expendidas com simplicidade e sem
excessos, sofismas ou sofisticações.

Sem prejuízo das diferenças, claro que reconheço hoje que era
ele quem me influenciava e me estimulava a regressar a Ortega y
Gasset, a São Tomás de Aquino e à sua Summa Theológica, ou
aos incondicionais sermões de Padre António Vieira. Mas eu, ia
teimando no refúgio em Raymond Aron ou Alexis de Tockeville
que me aguçavam o espírito para além do império e do mundo
Português.

Acabávamos os dois a bravata de ideias agarrados ao mesmo


objectivo de publicar com religiosa periodicidade o boletim da
Liga Monárquica que ele dirigia.

Tal como hoje a Real Gazeta do Alto Minho, o Boletim da Liga


Popular Monárquica (e noutro registo a Consciência Nacional
do saudoso Camarate dos Santos) era o grande repositório das
ideias políticas de uma terceira geração de integralistas que, sem
pretensiosismo, foi liderada e impulsionada por meu Pai.
Passávamos dias, primeiro a compilar e a corrigir textos, depois
a preencher envelopes e a colar selos. E isso que, por vezes,
convocava a Família inteira, deu-nos o conforto de nos
agarrarmos, finalmente, no mesmo espaço de luta, na mesma
grande convicção de lutarmos pelas coisas e pelos valores em
que acreditávamos. E quando as centenas de cartas eram
engolidas pela boca funda do marco do correio sentia, no
sorriso largo de meu Pai, o abraço que ele reservava para as
grandes ocasiões da Vida.

E ainda hoje releio, em dezenas de livros encadernados onde se


reúnem as centenas de Boletins editados, a poesia proclamatória
mas pueril de Leal Freire, o discurso aguerrido, quase
apocalíptico, de Gastão da Cunha Ferreira, a fé serena e
desapegada de Leopoldo da Cunha Matos e, para além de todos,
a escrita pronunciada de meu Pai, onde muito mais do que a

13
Congresso Eletivo da JMP para o triénio 2019-2022

No dia 6 de Julho de 2019 decorreu em Santarém a XI Assembleia- prévia concertação com S.A.R. o Príncipe da Beira.
geral da JMP, que elegeu a Lista A - A Mudança Acontece Quando
Menos Esperas, lista única, no mesmo local onde a associação foi Seguiu-se um arraial no salão paroquial de São Nicolau, de entrada
fundada. gratuita, com muita música e comida vária, que se estendeu pela
noite dentro, em grande animação.
A lista candidata organizou um congresso muito participado e
diversificado. Nele foram distinguidos quatro associados, Carlos Nos dias seguintes, a direção viu publicadas várias peças
Galante, Vicente Cardoso, Tiago Matias e Nuno Gaspar, que em jornalísticas sobre o evento. Agradecemos a todos os amigos da
razão da idade se despediram da JMP, mas em razão do mérito JMP que tornaram este dia único possível!
ficaram na sua história como associados honorários. Findos os
trabalhos, foi feita uma homenagem a Pedro Álvares Cabral, na
qual foram lidas umas palavras pelo novo Secretário-Geral, em

14
Symposium "The future of young people’s political participation: questions,
challenges and opportunities"

Após uma cuidadosa seleção por parte da Youth Partnership, procuraram desenvolver uma visão a ser apresentada aos
parceria criada entre o Conselho da Europa e a Comissão decisores políticos europeus nas áreas da juventude. Quando
Europeia, a recém-eleita Presidente da JMP, Carmo Pinheiro não estavam previstos trabalhos, desenvolveu relações com
Torres, foi selecionada, enquanto dirigente e investigadora dirigentes de associações, ONGs, partidos políticos e
académica, para participar num Simpósio sobre Participação instituições europeias de toda a Europa.
Política Jovem com a duração de 4 dias, de 18 a 20 de
Setembro, na belíssima cidade de Estrasburgo. Foi uma experiência muito enriquecedora que colocou a JMP
no mapa das organizações de juventude em Portugal.
Em conjunto com outros 119 jovens, frequentou as mais
diversas palestras e workshops sobre associativismo, Nota: Uma vez incumbida de relatar três dos momentos do
participação tradicional e digital, liderança de equipas, evento, a JMP divulgará o relatório final quando publicado no
publicidade e media, entre muitos outros assuntos de interesse. site do evento.
Além destes, integrou os vários grupos de trabalho que

15
Uivar dos Lobos na
Serra d’Arga
Gonçalo Sampaio e Melo

Há quem a conheça minuciosamente dando o nome a cada


Abstract penedo, a cada fonte, a cada chã, a cada cova ou outeiro e isto é
Like most mountains in northern Portugal, the Serra de Arga sintomático; não se trata de um mundo geograficamente
originates from granitic outcrops, and all rocks in the area are desconhecido pois quando por lá se passeia verifica-se que toda
derived directly from this plutonic magmatic rock. The
ela contém coisas curiosas, ribeiros transparentes que a natureza
mountains provide a landscape that allows us to see the sea,
preparou e que podiam ser aproveitados pelos homens.
the Lima and Minho River as well as the Spanish villages of
Galicia. In this mountain rises the Ancora River. Through this Há esconderijos abrigados da chuva pelas penedias, covas
place, passes the path used since time immemorial that, subterrâneas e, por mais agreste que pareça, não há local onde se
crossing this ‘holy mountain’, makes us relive all the stories
tenha de afastar a hipótese de a mão do homem não ter lá
and legends that refer to it. It is a long road that cross a very
passado.
rough area. The popular story of Saint Aginha, described
above, is part of the culture of its people and whose São diversas as manifestações de Religiosidade Popular na Serra
celebration in a chapel on the north side of the mountain, d’Arga, como o são em todo o lado.
dates back to the 14th century. It is one of the most
characteristic and lived in Alto Minho, with a strong
attractiveness of the surrounding population. Not only for its
biodiversity but also for the preservation of the identity of the
upper Minho should be protected from any exploitation of
lithium miner.

Key Words: Serra de Arga, Alto-Minho, lithium exploitation

Resumé
Comme la plupart des montagnes du nord au Portugal, Serra
de Arga est issue d’affleurements granitiques et tous les
rochers de la région sont directement dérivés de cette roche O nome dele era Aginha e o povo simplifica e diz Santó(a)ginha.
magnatique plutonique. Les montagnes offrent un paysage qui Popularmente estão os dois bem. De facto, é Santo Aginha, i.e.,
nous permet d´atteindre la mer, les rivières Lima et Minho, “santo feito à pressa”.
ainsi que les villages espagnols aux allentours. Parmis cette
montagne coule la rivière Ancora. Ce lieu est magique; le Vivia em cabanas rústicas ou grutas subterrâneas, o que não é para
chemin au cours de ce paradis dès les temps immémoriaux admirar pois, nos tempos antigos, eram lugar de recolhimento e
que, en les traversant, la ‘montagne sacrée’, nous font revivre de isolamento para anacoretas e eremitas.
toutes les histoires et les légendes qui y font référence. C’est
une longue route qui traverse une région très accidentée. Este seria o seu nome de batismo, ou foi-lhe posto depois?
L’histoire populaire de Saint Aginha, décrite ci-dessus, fait
partie de la culture de son peuple et, dont la célébration dans Era um ladrão, salteador da montanha na Serra d' Arga que
une chapelle au nord de la montagne, remonte au XIVème roubava nos caminhos de Santiago, na ligação de Ponte de Lima
siècle. Cette histoire est l’une des plus caractéristiques vécue para Caminha e vice-versa. Depenava ainda a povoação autóctone
à Alto Minho, avec une forte vivance de la population composta por gente simples, trabalhadora, queimada pelo sol e
environnante. Non seulement pour sa biodiversité, mais curada pelo frio de Inverno, arranhada pela urze comum nesta
plutôt par la préservation de l’identité du Minho, il faut la “Montanha Sagrada” que, em tempos imemoriais, serviria de berço
protéger de toute exploitation de lithium. a diversos animais ferozes.

Mots Clés: Serra de Arga, Alto-Minho, exploitation du É esta gente simples, mas hospitaleira, numa terra tão rude,
lithium carregada de granito pré-câmbrico e xisto que fala bem deste
Aginha que certo dia, quis roubar um frade beneditino. Um pobre

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frade que não levava um real de seu e, não houve palavras que o
convencessem de que o frade se não lhe dava era porque não
tinha.

Arrancou do ferro diabólico e pronto a matar o frade com o


impulso de um vómito, quando este, já desenganado da vida
resolveu morrer santamente, explicando ao malfeitor que quem
morria bem era ele e quem vivia mal era ele, o salteador. Nem
sequer se podia chamar viver: estava ali esfarrapado, como um
animal acossado, sem ousar acender lume não fosse o fumo traí
-lo aos beleguins que o procuravam por toda a parte e que se
servia das covas naturais e dos penedos de granito encastelados
para abrigo.

Aquilo não era vida era pior que a morte.

A ele, frade, esperava-o a bem-aventurança eterna visto que


morria a praticar o bem: a rezar pela salvação do seu assassino.

Começou então a murmurar ave-marias, ante o espanto do


salteador:- ‘mata-me, mata-me depressa e ficarás no teu inferno
dominado pela toxicidade’.

O criminoso sentiu um baque na alma.

Aquelas palavras boas, impregnadas de carinho e solidariedade


humana, eram a primeira mensagem fraterna desde há muito,
muito e agreste tempo.

Afinal, ali na serra da Montanha Sagrada o monge e o bandido


era só dois irmãos.

Com uma evidência incontestável percebia agora que todos os


homens são irmãos. Guardou o ferro e caindo de joelhos pediu
ao frade a esmola de absolvição.

O monge não sabia o que fazer, pois tinha muitas vezes ouvido
falar no salteador que ganhara a fama sinistra entre todos os pois ainda hoje se conserva em S. João d’Arga a fonte dos frades
povos da serra. e a capela que tem características de arquitetura medieval, um
lavrador com um carro carregado de milho a caminho do porto
Além disso a lei canónica não deixa absolver sem penitência. de Caminha.
Seria injusto, de um momento para o outro, perdoar aquele
filho pródigo que se afundara durante tantos anos nos negros Mas sabe-se o que são estes carreiros de rocha, árduos
caminhos do ácido pecado? Mas quem pode julgar? caminhos de cabras, o rodado atolou-se numa cova profunda, o
eixo partiu-se e o desesperado lavrador não sabia o que fazer.
Aqueles olhos ansiosos, aquele farrapo agreste de gente a
soluçar diante dele podiam ser condenados? O monge sentiu O salteador foi ajuda-lo. Acocorou-se, pôs o ombro sob o
nesse instante com clareza o que não tinha até então estrado do carro, retesou os músculos para poder erguer a
compreendido: ninguém é juiz de ninguém, só nós nos podemos enorme carga.
julgar. Assim sendo pronunciou a penitência: - ‘Até agora só
Contudo o lavrador conhecera-o. Sabia que era o bandido
tens feito mal, e só tu podes saber todo o mal que fizeste.
abominável e não acreditava em generosidades súbitas e
Pois ficarás por aqui a ajudar quem precisa, como os peregrinos desinteressadas.
a Santiago e outros viajantes, até que o prato de bem pese tanto
Pensava, como bom minhoto, aquele o homem sob a aparência
como o do mal. Só teu coração poderá dizer quando acabar a
de ajuda, preparava-se para lhe roubar o carro, os bois, o milho
penitência’.
e certamente a vida, para se não poder ir queixar da atrocidade
Assim foi; o bandido recolheu ao fojo, o frade seguiu caminho a do crime. Quando o outro estava dobrado debaixo do carro,
dar graças a Deus. certo de que fazia justiça, ergueu a enxada ao alto e como uma
pancada certeira desfez-lhe os ossos do crânio.
O homem mau espreitava as veredas da serra e as nascentes de
água deliciosa. Em tempos não muito longínquos era vulgar a Entretanto os lobos uivavam na serra sacra até que a fama
gente de Caminha ir às fontes da Urze e das Águas Férreas tenebrosa do malfeitor correra de monte em monte chegará a
buscar esta água medicinal para tratar dos males digestivos. O corte de D. João I.
salteador esperava agora a prática do bem que poderia fazer,
O rei mandou arautos a prometer tentadoras recompensas a
não da maldade passada.
quem matasse o bandido e restituísse a paz quer nos locais
Logo surge a oportunidade ao ver num caminho para o quer nos peregrinos que atravessavam aquelas serranias.
convento dos monges beneditinos, e disto não restam dúvidas

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Para provar foi à serra só duvidoso de que depois de tantos verdadeiro santo porque o povo minhoto é o que por
meses, os lobos ainda tivessem deixado algum despojo do aclamação canoniza os santos.
cadáver que tinha deixado no caminho para aquele convento
(alguns querem dizer até que fora fundado em 623 de Jesus No missal bracarense tinha o seu dia litúrgico a 14 de Fevereiro.
Cristo, conforme se encontra na padieira duma porta). Constou, pois, do santoral do rito bracarense e, o povo dizia
D. Fernando de Leão, na sua divisão dos condados, em 1026, ser o padroeiro dos ladrões.
fala que o “Monastério Máximo”, situado no alto Monte d’Arga A sua canonização acabou apenas popular e a sua imagem
se destinava a albergar frades castigados. continuamente venerada na Igreja Paroquial de Arga de S. João.
Porém o corpo estava intacto. Á volta haviam crescido lírios A toda esta tradição junte-se a devoção que existe a S. Paulo
brancos com moitas de açucenas! Eremita, do século IV, que se venera em capela própria, na
O homem tinha os olhos abertos e toda a alegria do céu freguesia de Arga de Cima, assim como Santo Antão, outro
resplandecia nas orbitas profundas. Os carvalhos reclinavam os eremita do deserto do Egipto.
seus ramos e um coro de rouxinóis fazia ali a música mais doce É ali na singeleza bruta daquele rincão de terra alto-minhota
que a música dos órgãos das igrejas beneditinas. conhecida dos povos das cercanias que sobretudo um santo
Sobre o lugar havia um grande sentimento de céu, um destes não pode morrer.
inconfundível aroma de paraíso que constituem valores e contra Nessa serra lendária conhecida pela ‘Montanha Santa’, a quem
-valores nesta região serrana encravada entre o Lima e o Minho. os romanos chamaram de Monte Medúlio, existem povoações
Não era um bandido era um santo! dispersas por entre o fraguedo, fincadas aos vales atravessadas
sempre por mais um riacho de água cristalina, nascida nos
Angustiado, o lavrador pedia a Deus perdão pelo que agora píncaros dos montes e chãs, e tendo muito mais do que
compreendia ter sido um crime. mineração de Lítio para oferecer à gente do mundo.

Ele não sabia que é tão pequena a diferença que separa o céu do
inferno, o santo do malfeitor.

Não se trata só de um milagre insólito pouco conhecido no


hagiológio tradicional, mas o mais eloquente testemunho contra
a pena de morte.

No entanto, a tradição está ainda viva na memória desta serra


que proclamava, entre os mais velhos, o malfeitor como um

18
Poetas Monárquicos
Portugueses
Anrique Paço d'Arcos
José Aníbal Marinho Gomes

Henrique Belford Correia da Silva, 2.º conde de Paço de Arcos,


Abstract nasceu em Lisboa, no dia 2 de Setembro de 1906 e aí faleceu a 13
Anrique Paço d'Arcos, pseudonym of Henrique Belford de Maio de 1993. Era filho do Comandante Henrique Monteiro
Correia da Silva, poet marked by lyricism, nostalgia and Correia da Silva, capitão-de-mar-e-guerra, Ministro das Colónias,
emotional climate and exquisite sensitivity, begins very Governador de Macau, etc., e de D. Maria do Carmo de Sousa
young in poetry, contacting names such as Teixeira de Belford.
Pascoaes, Camilo Pessanha, etc.
Foi director-geral do Banco de Angola e seu administrador em
Key words: poet, nostalgic, elegiac. Lisboa, bem como administrador da Companhia de Celulose do
Ultramar.

Poeta de requintada sensibilidade, assinou a sua obra literária sob


Resumé o pseudónimo de Anrique Paço d’Arcos, escritor simples e
Anrique Paço d'Arcos, pseudonyme de Henrique elegíaco, “Poeta do Silêncio e da Saudade” – conforme o apelidou
Belford Correia da Silva, poète marqué par le lyrisme, Teixeira de Pascoaes, que o considerava o seu discípulo dilecto.
la nostalgie et un climat émotionnel et une sensibilité Em Macau, leu “Clepsidra” livro de poesia de Camilo Pessanha,
exquise, commence très jeune dans la poésie, en que foi seu professor no liceu macaense e com quem priva de
contactant des noms tels que Teixeira de Pascoaes, muito perto.
Camilo Pessanha, etc. Iniciou-se muito cedo na poesia e em 1923 publica o primeiro
livro, “Versos sem Nome”, mesmo antes de ter completado
Mots-clés: poète, nostalgique, élégiaque.
dezassete anos. É nesta altura que tem o primeiro contacto com
Teixeira de Pascoaes que, apesar da diferença de idades,
redundará numa profunda afeição mútua (1)

Poeta fiel à tradição Neo-Romântica do primeiro quartel do


século XX, aproxima-se do Saudosismo, o que leva António
Cândido Franco, renomado académico da Literatura e da Cultura
portuguesas, a situá-lo numa segunda geração poética saudosista.

Alguns dos seus livros de poesia, especialmente “Divina Tristeza” e


“Mors-Amor”, estão profundamente marcados pelo lirismo, pela
nostalgia, pelo clima emocional merecem de Teixeira de Pascoaes
uma atenção especial:

“Saudade é vago espelho onde as imagens


Tem vida para além da realidade”

A poesia de Anrique Paço d’Arcos, alcança, para Teixeira de


Pascoaes, a forma intelectual do pensamento e, é uma poesia
transcendente, de envolvimento filosófico devido ao seu
panteísmo, sobretudo no livro “Mors-Amor”.
Veja-se por exemplo os tercetos de “Peregrino da Noite”.

E novamente o Génio da saudade


Nas suas torvas águas se escondeu
Sentia em mim a dor da Eternidade,

19
Era ainda da terra e já do céu!...
No seu último livro “Voz Nua e Descoberta”, publicado em 1981,
sob o título “Era Uma Vez um Poeta”, Anrique Paço d’Arcos
mostra-nos a génese da sua poesia:

«Desde menino que, como toda a gente, fazia versos festejando os


anos familiares, mas foi com a estada em Macau, para onde, aos
doze anos, fui com três irmãos acompanhando os pais, que em mim
terá despertado a chamada ‘veia’ poética.»

António Cândido Franco, no prefácio de Poesias Completas


refere: “Neste sentido, que é o da direcção de um lirismo que cada
vez mais sente a urgência da experiência dramática, um dos poemas
mais significativos do livro […] é, na certeza do seu alto carácter,
aquela ‘Elegia da Dor’ em que o poeta, para lá do significado
elegíaco, próprio de toda a mais autêntica poesia portuguesa, seja a
de Camões, a de Antero ou a de Pascoaes, desvela um poder
antitético que depois se transforma superiormente na mais ousada e Henrique Paço d'Arcos, sua mulher e filhos
transfiguradora afirmação, a ponto de nos podermos intimamente
O poeta foi irmão do romancista e dramaturgo Joaquim Paço
interrogar se todo o sentimento elegíaco português, velado por uma
d'Arcos, tendo-lhe dedicado por altura da sua morte, no dia de
deusa nocturna, não tem em si um lado apolíneo, quase dionisíaco,
10 de Junho de 1979 o seguinte soneto:
que encontra o seu remate no hino e até no louvor de delírio e
exaltação. “Á Memória de Meu Irmão Joaquim

Sofrer… mas toda a vida é sofrimento,


Foi no Dia da Raça que morreste!
Pois é dor afinal toda a alegria…
Mas não morreste, não: subiste aos Céus,
Da calma do ar se eleva a voz do vento,
Onde o teu coração nas mãos de Deus,
Da própria noite nasce a branca luz do dia.
Como um fruto de amor tu ofereceste.
[…]”

Em 2015 foi doada a sua biblioteca à Câmara Municipal de E Deus sorriu, ao ver-te sem os véus
Cascais – Fundação D. Luís I, após o que foi criado o Auditório- Das terrenas vaidades, e tiveste,
Biblioteca Anrique Paço d’Arcos na Quinta de Santa Clara em
Lá no fulgor da Jerusalém Celeste,
Cascais.
A acolher-te na Luz, todos os teus.

Auditório-Biblioteca Anrique Paço d'Arcos

20
Os teus já partiram, porque a nós,
Os que somos ainda aqui dispersos,
Quiseste um bem deixar que nos conforte:

Teu vulto de saudade, a tua voz,


Que fala nos teus livros e em teus versos,
Porque é escrevendo que se vence a Morte!”

É autor, entre outras, das seguintes obras:

Versos Sem Nome (1923)

Divina Tristeza (1925)

Mors-Amor (1928)

Peregrino da Noite (1931)

Cidade Morta (1939)

Estrada Sem Fim (1947)

História de Jesus (1962)

Círculos Concêntricos (1965)

Voz Nua e Descoberta (1981)

Poesias Completas (1993).

A obra “Uma Amizade – Cartas de Pascoaes a Anrique Paço


d’Arcos” (seleçcão e prefácio de Maria do Carmo Paço
d’Arcos, ilustrações de John O’Connor, Vega, Lisboa, 1993)
revela a amizade que ligou os dois poetas.

21
Conferência sobre
o Recontro de
Valdevez

Luís Carlos Amaral é professor do Departamento de História e


de Estudos Políticos e Internacionais da Faculdade de Letras da
Universidade do Porto, investigador do CITCEM (Centro de
Investigação Transdisciplinar “Cultura, Espaço, Memória”),
membro do CEHR (Centro de Estudos de História Religiosa, da
Universidade Católica Portuguesa) e académico correspondente
da Academia Portuguesa da História. Desempenha actualmente
as funções de Presidente da Comissão de Ética da Universidade
do Porto.

No que respeita a temas de investigação, tem privilegiado


estudos sobre povoamento e organização social do território
(séculos X-XIII), bem como sobre instituições eclesiásticas
medievais portuguesas. Entre as várias dezenas de estudos
publicados destacam-se, entre os mais recentes: Half a Century
of Rural History of the Middle Ages in Portugal: A Possible
Overview; A Condessa Rainha Teresa (em colaboração com
Mário Jorge Barroca).

22
Entrevista
Entrevista da Real Gazeta do Alto Minho ao Exmo.
Senhor Dr. António Moniz, Barão de Palme
“Na verdade, racionalmente, a
Monarquia é a única forma de Chefia
de Estado que pode garantir a
Independência, a Liberdade e o
Progresso da Colectividade
Portuguesa.”

antepassado!!! Mas cheguei à conclusão de que, actualmente, um


título nobiliárquico não traz qualquer vantagem pessoal ao seu
titular e apenas só lhe acrescenta responsabilidades e
obrigações, ao contrário do que muita gente pensa. Assim me
mostrava o meu Pai, no seu dia-a-dia, que em qualquer
RGAM.- Por que é Monárquico? circunstância dava prontamente o exemplo, assumindo
responsabilidades sociais, muitas vezes com dificuldade e
AMP. - Sou monárquico, pois acredito que só com uma prejudicando a sua vida económica e familiar. E perante as
Monarquia se conseguirá a igualdade de todos, bem como o dúvidas dos descendentes, explicava que um título nobiliárquico
progresso que tem animado as monarquias europeias. Também tinha essas consequências incómodas para o seu detentor. Os
a independência do Estado em relação às determinações ilegais, titulares são mais responsáveis que o comum dos cidadãos, não
fora dos circuitos democráticos est abelecidos tendo direito a qualquer regalia decorrente do título que usam.
constitucionalmente, seria mais facilmente obtida por uma Se o meu Pai que sempre se bateu pelos valores que defendia,
instituição real independente dos partidos. Por outro lado, até com armas na mão, arriscando a vida em várias situações de
somente com este tipo de Chefia de Estado se obterá a guerra, como poderia raciocinar daquela maneira!?. Por essa
necessária liberdade da Nação, em relação às forças de pressão razão, resolvi confessar que, muito naturalmente não me
económicas que, através da corrupção, tentam subjugar a apetecia usar o título que era da Família, pois não percebia qual
colectividade. Enfim, só se obterá a Liberdade, a Igualdade e a a vantagem desse uso. O meu Pai disse-me prontamente que
Verdadeira Democracia com um Monarca, independente de todos os Homens são iguais e os que têm um título
partidos e dos interesses económicos. O Rei e o seu Povo, nobiliárquico ou qualquer outra distinção, além de serem iguais
numa colectividade em que todos terão os mesmos direitos e aos seus semelhantes, têm mais responsabilidades sociais. E se
deveres. Devo esclarecer que sou monárquico, não por não assumirem o uso do título, estão simplesmente a trair a
qualquer circunstância exotérica, mas por consequência, como Família, o seu Bom Nome e a Honra que deve pautar o
diria D. José Maria Péman, no seu famoso ensaio “Cartas a um comportamento da gente de bem... Ninguém obriga ninguém a
Céptico”. Na verdade, racionalmente, a Monarquia é a única continuar na família que tem e a cumprir as suas obrigações.
forma de Chefia de Estado que pode garantir a Independência, a Mas qualquer elemento decente do agregado familiar, tem toda
Liberdade e o Progresso da Colectividade Portuguesa. a obrigação de arcar com os deveres dela decorrentes, referia o
meu Pai com paciência de santo.- “ Tu e os teus Irmãos têm que
dar o exemplo em todas as situações, não se limitando a
esconderem-se atrás de uma anel de brasão, em reuniões
RGAM.- O que significa hoje possuir um Título
nobiliárquico e que responsabilidade acarreta essa sociais, ou de uma pedra de armas concedida aos Antepassados.
Quanto a regalias, não têm direito a nenhuma e muito bem. Os
dignidade?
republicanos que possuem e usam títulos é que procuram tirar
AMP. – Quando era mais novo, pensava maduramente se, no vantagem de uma situação para a qual nada contribuíram. E por
futuro, usaria ou não o título nobiliárquico de que o meu Pai era isso é que dificultam a possível implantação da Monarquia em
titular, concedido como prémio aos feitos cometidos por um Portugal, pois se tal acontecesse, teriam a concorrência dos
novos titulares que fossem distinguidos por mérito próprio!
23
Claro que, numa monarquia, deve necessariamente existir uma estragarem o seu melhor fatinho de ver a Deus, pois muitas
elite formada por gente que se notabiliza pessoalmente e não vezes estavam a trabalhar com uma máquina a carvão ou no
pelo facto de ter herdado uma distinção de um antepassado”. E desempenho de qualquer outra função menos limpa... Após a
o meu Pai acrescentava que o anel de brasão deve ser usado Revolução, tirou tudo a gravata e os responsáveis da C.P.
com descrição e com a mesma naturalidade que se veste uma fizeram o mesmo, pois tinham receio das perseguições políticas
qualquer peça de roupa!!! Enfim, penso que acabei por e vergonha de se apresentarem tão bem arranjados como
entender a mensagem recebida…. anteriormente. Então, logo passei a usar gravata nas reuniões
ferroviárias, onde estavam os superiores, e mudei de nome,
Mais tarde, apercebi-me do ridículo de certa gentinha incluindo nele a designação do próprio título. Enfim, um barão
emproada, que ainda por cima se diz monárquica, denegrindo ferroviário, como me chamaram num tribunal especial, para
esse ideal, e que se entretém a inventar brasões, exibindo-os denegrirem a minha qualidade de testemunha de defesa, num
por tudo o que é lado, escamoteando indecentemente o julgamento injusto feito a cidadãos considerados terroristas
próprio nome familiar por achar mais fino um outro qualquer. pelos elementos comunistas do MFA..
Enfim, uma variedade de autênticos palhaços dos brasões, de
fidalgos aprendizes de quinta categoria, pensando ser entes
superiores por usar um anel de pedra de armas, que nem
“(…) apercebi-me do ridículo de certa
sequer se sabe se têm ou não direito ao seu porte…! E o mal é gentinha emproada, que ainda por
que o Ideal Monárquico tem sido altamente conspurcado por cima se diz monárquica, denegrindo
gente desse jaez.
esse ideal, e que se entretém a inventar
brasões, exibindo-os por tudo o que é
lado (…). Enfim, uma variedade de
autênticos palhaços dos brasões, de
fidalgos aprendizes de quinta categoria,
pensando ser entes superiores por usar
um anel de pedra de armas, que nem
sequer se sabe se têm ou não direito ao
seu porte…! E o mal é que o Ideal
Monárquico tem sido altamente
conspurcado por gente desse jaez.”
Início da campanha do PPM, no Porto.
Da esquerda para a direita, João Camossa Saldanha, José Queiroz,
António Moniz Palme. Maria Teresa Martins de Carvalho e
Fernando da Costa Quintais

Mais que não seja, já dizia Frei Amador Arrais: “Não há maior RGAM.- Quer-nos falar um pouco das funções que
tristeza do que aquele que dos seus Avós apenas tem a exerceu enquanto Deputado e de como teve sempre
nobreza”. presente e vivo o espírito de correligionário
monárquico?
Após o 25 de Abril, foi uma luta titânica travada pelo PPM, para
demonstrar ao público que os monárquicos são gente comum, AMP. – Comecei as minhas actividades de militante
do melhor que existe na colectividade em matéria de trabalho, monárquico, em Coimbra, na Universidade, fazendo
competência e solidariedade pelo próximo, iniciando uma luta propaganda política com outros jovens monárquicos junto da
pela defesa do ambiente e do mar, bem como dos interesses da colectividade estudantil, chegando a ser constituído um activo
agricultura., quer pertencessem a uma família com pergaminhos grupo de centenas de jovens monárquicos. Trabalho destruído,
quer não, como se costuma dizer. Aliás, os pergaminhos nada quando a Causa Monárquica resolveu apoiar abusivamente uma
interessam para a actividade política e para a instauração da lista da União Nacional, nas eleições legislativas para a
Monarquia desejada. Assembleia da República. Quando me formei e fui trabalhar
para o Porto, a Causa Monárquica estava completamente
Devo dizer que trabalhei na C.P. desde antes do 25 A. Sempre enfeudada ao Regime da Segunda República e sem qualquer
que aparecia um administrador, nos vários postos de possibilidade de actuação. Com outros monárquicos, iniciámos
trabalho, apareciam os ferroviários todos engravatados da um movimento político para derrubar Marcelo Caetano. Mas, o
cabeça aos pés., para lhes agradar, com o risco de chefe de fila, por nós muito mal escolhido para chefiar uma
24
revolta monárquica no Norte, resolveu retirar-se a meio do área da sua circunscrição, através de magistrados eleitos,
percurso. Enfim, fomos traídos, acabando muitos saneados dos nomeadamente de Juízes Letrados de Vara Branca. Aliás,
lugares públicos que ocupavam. Após o 25 de Abril, continuei a Alexandre Herculano, dizia que a Liberdade Municipal era a
defender o meu ideal monárquico através do PPM., cujo única possível, tanto outrora como no seu tempo. Contudo, o
programa me encantou, apesar de ter consciência que, num regime político, que sucedeu o Absolutismo, não foi melhor
pequeno partido, nunca poderia aspirar a ser ministro da para as populações locais, pois, o Liberalismo transformou os
Agricultura, para fazer a revolução agrária necessária, como me municípios em meras circunscrições administrativas gigantes,
dizia o meu querido amigo Francisco Lucas Pires. Mas não sem alma e sem imediação entre governantes e governados.
desisti. No Parlamento, cheguei a ser eleito Vice-Presidente da Esclareço melhor, o sobredimensionamento dos municípios,
Bancada do PPM. Como o nosso grupo parlamentar era determinado pela política de Mouzinho da Silveira, acabou com a
reduzido, tinha que intervir praticamente todos os dias. Mal antiga Liberdade Municipal. Durante as Primeira República e a
tinha tempo para dormir. Valia serem excepcionais os meus Segunda República do Estado Novo a situação manteve-se, não
companheiros do velho PPM, de onde acabei por sair. Recordo estando os Municípios ao serviço das populações. Pelo
Barrilaro Ruas, Gonçalo Ribeiro Telles, António Borges de contrário, estas é que estavam ao serviço do Poder Central,
Carvalho, Augusto Ferreira do Amaral, Luís Coimbra, Portugal constituindo autênticas antenas governamentais, pois limitavam-
da Silveira e Campos Gondim entre Outros. Fiz intervenções se a cobrar impostos para o Estado, a proceder ao
sobre a necessária alteração da política agrícola e do recrutamento dos mancebos residentes na sua área de
ordenamento do território, sobre a defesa do nosso Mar e da competência e a organizar localmente os actos eleitorais
nossa Zona Económica Exclusiva, sobre a navegabilidade do Rio marcados centralmente. Com o 25 de Abril, nova perversão
Douro e a recuperação das suas margens, sobre a defesa dos teve início, embora os órgãos municipais passassem a ser eleitos.
leitos dos rios do Norte e o fim da extracção abusiva de areia Perante o natural desejo de obras públicas locais, os municípios
transformaram-se bem cedo em simples centrais de obras
públicas, reduzindo a bem pouco a sua actividade na defesa dos
interesses das camadas urbanas da população, e ficando as
populações rurais completamente afastados do circuito dos
benefícios implantados. Ora, um dos motivos porque sou
monárquico, foi acreditar no exemplo e no virtuosismo do
Municipalismo na Monarquia Tradicional.

Pretendo e acredito no verdadeiro Municipalismo. Quando


deputado, em 1980, uma comissão constituída para a
restauração do Concelho de Vizela, dirigiu-se a todos os grupos
parlamentares, com assento na Assembleia da República. Na
altura, recordei que, quando cumpria o serviço militar no
Apresentação de candidatos, no “Vale Formoso”, cinema do Porto, Regimento de Cavalaria 6, no Porto, o meu impedido e amigo,
para as primeiras eleições legislativas Inácio de Sousa, que me acompanhava à viola nas minhas sessões
de guitarra, me confessou que, em Vizela, os velhos quando
que estava a ser feita, sobre a defesa do autêntico morriam, obrigavam os descendentes a prometer que
municipalismo, usado na Monarquia Tradicional, e sobre as continuariam a lutar pela restauração do Concelho de Vizela.
necessárias mudanças no mundo laboral. Claro que, com tal recordação, ouvi atentamente a pretensão
legítima que os Vizelenses fizeram ao PPM.
RGAM.- Entre as diversas iniciativas legislativas de V.
Exa. evidenciou-se a defesa da criação do Concelho de Vizela pertencia ao Concelho de Guimarães, que tinha 73
Vizela; o que o levou a abraçar essa causa? Freguesias. Com esta dimensão geográfica não existia vislumbre
de imediação entre as populações e os responsáveis municipais.
AMP. – Sempre acreditei no Municipalismo. Sabia perfeitamente Era absolutamente inaceitável tal situação. Ainda por cima, havia
que tinha sido um instrumento eficiente para evitar o feudalismo um historial de luta de toda uma população, através dos tempos,
em Portugal e uma muralha na defesa do Poder Real ao serviço a reivindicar a sua autonomia. Claro que em todos os partidos
do Povo. Todavia, o Absolutismo veio tirar a autonomia aos com assento no Parlamento, gente havia, ligada a Guimarães,
concelhos e despojou os municípios dos instrumentos que logo começou a fazer contra vapor à possibilidade de
necessários que tinham garantido a verdadeira liberdade dada qualquer tentativa da Restauração do Concelho de Vizela. Falo
pelos Reis, através dos Forais. Tal situação era conseguida em restaurar o Concelho de Vizela, pois no Séc. XIV, a
através da escolha e eleição local dos Homens Bons população de Vizela conseguiu a almejada autonomia, através de
responsáveis pela administração, pela determinação e cobrança uma carta de D. Pedro I, assinada em Elvas, em 24 de Maio
de alguns impostos locai, que revertiam em benefício da de 1361, concedida a seu filho ilegítimo D. João de Portugal,
comunidade, e da possibilidade do exercício do poder judicial na nascido de D. Inês de Castro. Contudo, outros interesses
25
verdadeiro Municipalismo. Além de ter constituído um tampão
“Com D. Afonso III, o Povo passou a ser
eficiente ao crescimento do feudalismo, em Portugal, foi motor
um dos braços reconhecidos pelo Poder imparável da criação de um espírito colectivo e de solidariedade
Real. Sempre que eram tomadas nos diversos agregados populacionais, além de ter gerado, por
outro lado, o sentimento de entre ajuda nas populações dos
mediadas excepcionais eram territórios vizinhos. Não posso deixar de referir, além do mais,
convocadas Cortes, com a que o municipalismo contribuiu para fixar populações nos locais
representação do Clero, da Nobreza e mais problemáticos do País, áreas completamente isoladas e
sujeitas aos ataques de castelhanos e de grupos armados de
do Povo. Os Representantes Municipais diversa proveniência. Acrescentarei que, alguns forais
compareciam em força para fazerem possibilitavam homiziar os fugidos à justiça, por crimes de
valer a sua opinião, o mesmo diversa ordem. Tal era facultado a municípios em condições
especiais, que ficavam titulares do direito de conceder couto, de
acontecendo com os representantes da dar guarida e asilo a criminosos perseguidos pelas autoridades e
Artes e Ofícios e das Corporações que, com a protecção municipal, ninguém lhes podia tocar,
Profissionais.” passando a ter uma vida familiar normal, integrando-se
pacificamente numa comunidade e a sublimar a sua
agressividade, fazendo parte das hostes armadas locais. Além do
logo se levantaram e as prerrogativas municipais foram retiradas mais, já na altura, em plena Idade Média, era reconhecida a
aos Vizelenses. O meu grupo parlamentar, ciente do valor do inviolabilidade do domicílio, que só tornaria ao mundo das
Municipalismo em que acreditava plenamente, resolveu assumir garantias pessoais com a Constituição de 1822...
a elaboração do projecto da criação do novo Concelho,
projecto esse de que fui um dos signatários e pelo qual me bati
denodadamente no hemiciclo. As razões que apresentavam para
se oporem à criação de Vizela eram ridículas, referindo o facto
de, retiradas as cinco freguesia que iriam constituir o novo
Concelho, o Município de Guimarães ficaria menorizado em
relação a Braga e a Famalicão. E até se atreveram a invocar
promessas feitas a familiares, como foi o caso da declaração feita
pelo Sr. Prof. Freitas do Amaral, numa reunião perante o então
Primeiro-ministro, que não teve vergonha de confessar que se
tinha comprometido, perante o pai moribundo, a impedir de
todas as maneiras a criação do Concelho de Vizela. Claro que
ouviu publicamente a resposta ajustada a tal barbaridade.
Contudo, a vil colonização de Vizela acabou, por iniciativa dos
deputados monárquicos, com o apoio de todo o Povo Vizelense
e, obviamente, do Parlamento, no dia 19 de Março de 1998.

RGAM.- Hoje, os cidadãos estão alheados e afastados do


sistema político. Ora, nos tempos da Monarquia
Portuguesa as liberdades municipais eram uma regra
essencial de governação; o papel democrático dos
municípios tornava-o em real representante de toda a
comunidade local diante do Rei que valorizava o apoio
popular. Os conselhos municipais compostos por
vizinhos tinham capacidade política e um enorme
conjunto de liberdades fundamentais, regalias e
seguranças, normalmente consignadas em carta de
Foral - que elencava as matérias relativas à liberdade
Em sessões de esclarecimento
das pessoas, ao direito de asilo, à defesa dos direitos em
juízo, à tributação, à inviolabilidade do domicílio – tudo
isto em plena Idade Média, certo?
RGAM.- Poder-se-ia dizer que finda a Monarquia
AMP. – Praticamente já referi o que me levava a defender o orgânica Portuguesa, o Estado tornou-se mais
26
centralista? suas antigas funções e com a sua velha arquitectura, está
em decadência. Nos países latinos, sobretudo.’ Como
AMP. – Com D. Afonso III, o Povo passou a ser um dos braços deveria ser o Parlamento num regímen de Monarquia?
reconhecidos pelo Poder Real. Sempre que eram tomadas
mediadas excepcionais eram convocadas Cortes, com a AMP. – Presentemente, o sistema eleitoral português está viciado.
representação do Clero, da Nobreza e do Povo. Os Para haver democracia terá que haver a mínima imediação entre os
Representantes Municipais compareciam em força para fazerem elementos da Comunidade e os deputados que representam os seus
valer a sua opinião, o mesmo acontecendo com os interesses. Durante os Actos Eleitorais facilmente se verifica haver um
representantes da Artes e Ofícios e das Corporações desconhecimento absoluto dos eleitores em relação às pessoas que se
Profissionais. Para tal recordar, basta verificar o Assento da apresentam a sufrágio como deputados. Tal não pode continuar. Os
Aclamação de D. João IV, a 15 de Dezembro de 1640. Apesar partidos políticos têm e regem um autêntico rebanho de
de o novo Rei ter tido o juramento de fidelidade do Clero, da coladores de cartazes e pouco mais e que apresentam como
Nobreza e do Povo, houve necessidade de tal ser confirmado deputados às eleições. Claro está que os eleitores não fazem
em Cortes, para o efeito convocadas, pelos representantes do ideia nenhuma de quem são as personalidades apresentadas, a
Estado dos Povos e pelos procuradores dos 87 Concelhos que não ser que foram escolhidas arbitrariamente pelas cúpulas de
nela tinham assento. Mas o panorama modificou-se com o cada partido concorrente. Assim, tem que ser elaborada uma
Absolutismo e com uma visão errada de Democracia pelos Nova Lei Eleitoral que os representantes dos Partidos logo
responsáveis partidários da Monarquia Constitucional. Na referem admitir, como necessária, mas que não mexem uma
Primeira e na Segunda Republica não existiu verdadeira palha para concretizar tal desiderato. Têm que ser criados
Democracia. E, posteriormente e até aos dias de hoje, a Círculos Unipessoais, com dimensões que permitam que toda a
autêntica Democracia tem sido postergada pelo processo população conheça o passado e a competência dos candidatos.
imparável da Centralização. Naturalmente, que a par dos Círculos Unipessoais, terá que
haver um grande Círculo Nacional, onde entrarão os candidatos
escolhidos pelos partidos, havendo igualmente a possibilidade da
existência de um Círculo Regional ou Distrital com candidatos
RGAM. – Na Monarquia Constitucional o corredor que
escolhidos pelas Associações de Municípios lá existentes.
dava acesso à Sala das Sessões das Cortes era palco de
Passarão os deputados a ser gente que os eleitores conhecem e
muito Passos Perdidos, pois os Deputados recebiam ali
que se não cumprirem as suas obrigações, serão corridos nas
os Cidadãos. Em república isso terminou, mas o pior é
eleições seguintes.
que o actual sistema proporcional, de círculos
plurinominais e do domínio de listas partidárias, é um
sistema representativo em que não existe uma relação
entre o deputado e o eleitor. É pois necessário um RGAM. - Existem vários modelos de Monarquia, a
sistema que permita a escolha dos deputados pelos orgânica e pelo menos dois tipos diferentes de
eleitores, e não exclusivamente pelos partidos, como Monarquias Constitucionais no mundo contemporâneo:
actualmente. Parecem divinatórias as palavras d’El-Rei Executiva e Cerimonial e dentro desta última o
o Senhor Dom Manuel II: ‘Julgo que o Parlamento, com as Monarca pode ter funções estritamente cerimoniais ou
possuir poderes de reserva, o chamado Poder
“Presentemente, o sistema eleitoral Moderador. Qual o modelo de Monarquia que defende
para Portugal e se acredita que, nos fraturantes dias de
português está viciado. Para haver hoje, ainda será possível essa restauração?
democracia terá que haver a mínima
AMP. – Para um país latino, entendo que num regime
imediação entre os elementos da monárquico, além dos três Poderes preconizados por
Comunidade e os deputados que Montesquieu, deverá haver um quarto Poder, o Poder
representam os seus interesses. Durante Moderador de que o Rei seja titular. O Poder Moderador foi
preconizado por Benjamin Constant, com a finalidade de
os Actos Eleitorais facilmente se verifica reforçar e garantir a liberdade dos três poderes
haver um desconhecimento absoluto tradicionalmente existentes e a respectiva independência entre
dos eleitores em relação às pessoas que si. O Rei constituirá um elemento significativo de equilíbrio,
sendo-lhe conferida uma acção preservadora e de guardiã da
se apresentam a sufrágio como Liberdade dos outros poderes, transformando o Poder Real
deputados. Tal não pode continuar. (…) num órgão autónomo. E dará às suas funções o peso do
prestígio do seu “munus”. Hoje em dia, com a corrupção
Assim, tem que ser elaborada uma Nova
tolerada vergonhosamente pelos partidos, que não abrem a
Lei Eleitoral…” boca para a combater com meios eficazes, e com a

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subordinação do poder judicial aos interesses partidários e até Liberdade, como está a acontecer nesta república miserável.
às ordens de seitas, o Poder Moderador revela-se
imprescindível numa monarquia moderna.

O Poder Moderados estava já previsto na Carta Constitucional, RGAM.- Com as abdicações, que prometem continuar
dada por D. Pedro IV aos portugueses, a par da consagração do em 2020, assiste-se à subida ao trono de novos reis
Direito à Assistência e à Instrução Primária gratuita. A Carta desde tenra idade preparados para reinar. Mas estarão
Constitucional era um diploma inspirado na então recente eles preparados para os desafios destes tempos
Constituição Brasileira que, por sua vez, se inspirava na disruptivos em que vivemos?
Francesa de 1814.
AMP. – Por pior que tivesse sido a preparação dos príncipes
Acredito na instauração da monarquia, se os monárquicos, sem herdeiros, até D. Manuel II, alguma preparação tiveram. E hoje
medo, explicarem ao Povo que um Rei Moderno proíbe a em dia, os monarcas reinantes têm grande preocupação com a
corrupção e as misturas vergonhosas entre os poderes dos preparação dos seus sucessores, criando em cada um, um
órgãos executivo e judicial, como aconteceu no tempo do variado leque de qualidades e competências que lhes permitam
malfadado Conselho da Revolução. Como o Rei é independente adaptar-se às situações novas que ininterruptamente vêm
dos partidos, tem as mãos livres, para defender a independência alterar o equilíbrio de cada momento, nos diferentes sectores
dos cidadãos, metendo na ordem os corruptos e os elementos do país.
que se mostrem inimigos do Povo, dos seus interesses
económicos e patrimoniais e da sua Liberdade, factor
imprescindível a uma verdadeira Democracia, como refere o RGAM.- Neste estado das coisas republicano, ‘sem rei
grande teorizador político Fareed Zakaria. Para Ele, uma nem roque’, como desconstruir toda a poluição
Democracia sem regulação, mina a Liberdade e o Estado de antimonárquica da imprensa do regime e mostrar ao
Direito. A existência de uma maioria democrática, não permite povo que, efectivamente, uma Monarquia é uma
que sejam destruídas as momentâneas minorias, tirando-lhes a garantia maior para uma sociedade realmente evoluída,
porque verdadeiramente democrática, justa e
harmónica?

AMP. – Penso que é uma falsa ideia e um receio sem


fundamento de alguns monárquicos em relação ao povo
suburbano. Quando foi discutida a unicidade sindical, foram os
monárquicos do PPM os únicos que estiveram presentes no
Barreiro, a participar numa mesa redonda, num enorme
anfiteatro cheio até às costuras, onde se discutiu tal assunto.
Aliás, o mesmo aconteceu, pelo menos no Porto, em diversas
empresas e instituições, onde foram realizadas sessões e para as
quais foram convidados todos os partidos. Além do P.P.M., só
compareciam o P.C. e os partidos à sua esquerda. Nenhuma
organização teve coragem para atacar em público, incluindo o
P.S., tal meio de aprisionar a liberdade sindical dos
trabalhadores. Esta situação verificou-se tanto no Sul, como em
todos os cantos do Continente, nos meios operários,
despropositadamente considerados da esquerda radical, pela
maioria da população. Quando o Sr. D. Duarte foi inaugurar
umas obras recentes, numa capela, no Barreiro, os meus antigos
companheiros ferroviários, pelo menos marxistas senão mesmo
comunistas, que o acompanharam com toda a simpatia,
telefonaram-me a questionarem quando seria implantada a
monarquia, pois esta situação republicana estava podre!!!
Lamentando ainda que não tivesse estado presente uma
representação do PPM, para acompanhar o Rei. Devo dizer que
os monárquicos, pelo menos aparentemente, tinham o respeito
António Moniz Palme com guitarra que actuou em muitas sessões de dos comunistas, havendo uma convivência perfeita entre os
propaganda monárquica, incluindo feiras e arraiais deputados de um e de outro partido. Na verdade, perigosos são

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os falsos monárquicos que não querem a monarquia e os uma legitimidade que é a independência face ao poder
membros de vários partidos que estão ao serviço, não do político que nenhum outro chefe de Estado possui?
partido respectivo, mas de interesses particulares ilegítimos e
cumprindo as ordens de seitas que vivem à margem das regras AMP. – Um Rei, devido à sua independência em relação aos
constitucionais. São essas criaturas que temos que combater de partidos, situação bem diferente de um presidente da república,
frente, sem medo, pois escravizam o Povo. E é dessa gente que tem mais facilidade em acabar com a pouca vergonha imanente
pode surgir uma nova ditadura. Como sabemos, a ditadura já na política actual, em que existe uma promiscuidade aflitiva na
acção dos diversos poderes do Estado, e uma subordinação dos
interesses do País em relação a grupos económicos, com
actuações fora do contexto, e que nos têm destruído. Somos
um dos países mais pobres da Europa. E não éramos.

RGAM.- Para além de Advogado, ex-deputado,


monárquico, cronista com uma prosa límpida e honesta
é, também, um aguarelista de mérito; como se define
nesta última faceta?

AMP. – Na verdade, sou um pintor compulsivo. Desde pequeno


que desenho em tudo que apanho à mão. Por outro lado, as
cores dos diferentes ambientes que me rodeiam, apaixonam-me
Fotografia de uma Serenata no Palácio de S. Marcos, em Coimbra,
e obrigaram-me a iniciar a vida de pintor amador. É bom saber
Fila de trás - cantores Heitor Lopes e Rui Ferreira
que a minha modesta obra tem sido elogiada. Pena tenho de não
Fila da frente - António Moniz Palme, Humberto Matias e Octávio
poder despender mais tempo agarrado a uma actividade, de que
Sérgio
tanto gosto e me faz esquecer as amarguras desta vida. Embora
seja um naturalista, tenho entrado, por vezes, na crítica social
começou pelos órgãos da comunicação social que não aceitam, pictórica, através de aguarelas e de óleos. Estou muitas vezes
como colaboradores, pessoas livres, com opiniões diferentes da sujeito a arrebatamentos artísticos, que tenho dificuldade em
situação republicana actual. E alteram descarada e suster. Apaixono-me por um tema e não largo o mesmo até me
permanentemente a verdade dos factos, acabando com enfastiar.
programas onde são criticadas as cúpulas governamentais.

RGAM.- Nas aguarelas de sua autoria assumem especial


RGAM.- É certo que o princípio monárquico não preponderância as locomotivas; algum motivo especial?
prevalece sobre o democrático; não será que até o
AMP. – Fui ferroviário durante muitos anos. A primeira vez que
potencia uma vez que a sucessão hereditária garante
me apresentei a eleições, referi a minha qualidade de Ferroviário
e de Advogado, o que foi motivo para críticas fáceis. Na
verdade, ganhava eleições para lugares sindicais e nas comissões
de trabalhadores e, principalmente, a minha actividade era
essencialmente ferroviária. Quando acabou o Vale do Vouga e
as outras linhas de via reduzida, muito sofri, tentando pintar o
que apanhava a jeito, correndo o Vouga, o Douro e outros
locais ferroviários a catar maquinaria e figuras humanas típicas
para ilustrar um Universo Profissional, que sabia em breve iria
acabar. Este o motivo da enorme profusão de quadros com
temas ferroviários, nomeadamente do Vale do Vouga.

Muito Obrigado!
Na sede do Porto da Associação dos Antigos Estudantes de
Coimbra, acompanhando o cantor e ministro Almeida Santos, Entrevista realizada por Miguel Villas-Boas para a Real Gazeta do
acompanhado à guitarra pelos monárquicos Arménio Assis e Santos Alto Minho da Real Associação de Viana do Castelo
e António Moniz Palme, e à viola pelos monárquicos Mário Araújo
Ribeiro e Manuel Meireles Campo Costa.

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Jornal do PPM “Monarquia Popular”, director Guilherme Figueiredo, então presidente da Juventude no Porto e
actual bastonário da Ordem dos Advogados
Capa do Jornal com uma caricatura de António Moniz Palme parodiando o facto de, num comício do CDS, na
Praça de Touros da Póvoa de Varzim, Freitas do Amaral ter lido, como se fosse da sua autoria ou do seu partido,
uma série de páginas da Reforma Agrária de Gonçalo Ribeiro Telles do PPM. A nova versão do “Muleta Negtra”,
destinatário da caricatura, não gostou do desenho nem do contundente artigo que comentava esta obra de arte.!!!

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Reis de Portugal
D. João IV Viçosa, 21 de Janeiro de 1635).
D. Joana (Vila Viçosa, 16 de Setembro de 1636 – Lisboa, 17 de
Nascimento –19 de Março de 1604, Vila Viçosa. Novembro de 1653), Infante de Portugal, Princesa da Beira.
D. Catarina de Portugal (Vila Viçosa, 25 de Novembro de
Morte – Lisboa, 6 de Novembro de 1656. Está sepultado no 1638 – Lisboa, 31 de Dezembro de 1705), Princesa da Beira,
Panteão da Dinastia de Bragança, Igreja de São Vicente de rainha consorte de Inglaterra, Escócia e Irlanda pelo seu
Fora, Lisboa. casamento com o rei Carlos II da Casa de Stuart.
D. Manuel de Bragança (Vila Viçosa, 6 de Setembro de 1640 –
Vila Viçosa, 6 de Setembro de 1640).
Reinado - 1 de Dezembro de 1640 a 6 de Novembro de
1656. D. Afonso VI de Portugal (Lisboa, 21 de Agosto de 1643 –
Sintra, 12 de Setembro de 1683) Rei de Portugal.
D. Pedro II de Portugal (Lisboa, 26 de Abril de 1648 – Lisboa,
Consorte – D. Luísa de Gusmão 9 de Dezembro de 1706) Rei de Portugal.

Dinastia – Bragança. Filha natural:


D. Maria de Bragança (Lisboa, 30 de Abril de 1644 – Lisboa, 7
Cognome – “O Restaurador” de Fevereiro de 1693), religiosa das Carmelitas Descalças.

O estilo oficial de D. D. João IV como Rei era: "Pela Graça de Pai:


Deus, João IV, Rei de Portugal e dos Algarves, d'Aquém e D. Teodósio II (Vila Viçosa, 28 de Abril de 1568 — Vila
d'Além-Mar em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Viçosa, 29 de Novembro de 1630), 7.º Duque de Bragança,
Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e Índia, etc." Duque de Barcelos, filho do Duque D. João I e da Infanta D.
Catarina, neta do rei D. Manuel I.
Como Rei de Portugal, foi Grão-Mestre das seguintes
Ordens: Mãe
Ordem dos Cavaleiros de Nosso Senhor Jesus Cristo D. Ana de Velasco e Girón (Nápoles, 12 de Março de 1585 -
Ordem de São Bento de Avis Vila Viçosa, 7 de Novembro de 1607)
Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem de Sant'Iago da
Espada D. João IV em pessoa
Antiga e Muito Nobre Ordem da Torre e Espada «Na conversaçaõ foy discreto, agudo, e prompto nas
respostas; e naõ sendo as palavras as mais polidas, usava dellas
com tal arte, e galantaria, que ainda se applaudem em muitos
Filhos despachos, que se vem da sua própria maõ [...] Amou a
D. Teodósio (Vila Viçosa, 8 de Fevereiro de 1634 – Lisboa, 15 Musica com tanto gosto, e inclinação, que foy eminente nesta
de Maio de 1653) Herdeiro da coroa portuguesa, 9.º Duque Arte [...] todos os dias se levantava às cinco horas, e até às
sete se empregava no estudo da Musica, depois continuava
de Bragança (como D. Teodósio III), 1.º Príncipe do Brasil.
com os negócios, e governo de seus Reynos, e tanto que
D. Ana de Bragança (Vila Viçosa, 21 de Janeiro de 1635 – Vila acabava de jantar, nas horas de sésta, que eraõ para o

31
«de meãa estatura, muito gentil-homem antes das bexigas, que
lhe mudáraõ o primeiro semblante; o cabello era louro, os olhos
azues, alegres, e agradaveis, a barba mais clara que o cabello, o
corpo grosso, mas taõ robusto, que se a desordem com que o
alimentava o naõ descompuzera, promettia muito mayor
duraçaõ» (Ericeira, II, pp. 532-533)

32
III Maratona Nocturna
Portugal Real 100% Alto Minho
Circuito Interno Mazda - Clube de Ténis de Viana
Hugo Araújo
Presidente da Direcção do Clube de Ténis de Viana

Decorreu no Clube de Ténis de Viana, a III Maratona final, que se iniciou às 09 horas da manhã e terminou às 11horas,
Nocturna Portugal Real 100% Alto Minho. Mais de 40 Gonçalo Lima. Foi o culminar de uma grande maratona de
Atletas nos escalões Seniores (Masculinos e Femininos) e + 50 Ténis, mas que acima de tudo um grande convívio.
Anos Masculinos, aceitaram o desafio de participar neste
torneio.

Uma animada Sunset Party, que começou no terraço do clube às


19 horas, foi o mote de partida para este evento, tendo os jogos
deste Torneio começado às 20 horas do dia 5 de Julho e
terminado às 11 horas da manhã do dia 6 de Julho.

Os jogos decorreram, desde o início, num ritmo frenético,


ocupando os 6 courts do CTV até á final do escalão principal,
que só terminou às 11 horas da manhã de Sábado, dia 06 de
Julho.

Durante a noite houve sempre muita música, alimentação e um


grande convívio entre atletas, familiares, sócios do clube e
convidados. Uma grande Festa, de onde ninguém arredou pé!
Um agradecimento a todos os que tornaram este evento
possível, ao Clube de Ténis de Viana, Real Associação de Viana
do Castelo, CEVAL, Minho Fumeiro, Blisq, Pastelarias Ameadella,
Cerveja Letra e à BS Eventos!

Para o ano, há mais!! Até lá!

No escalão feminino a grande Vencedora foi Carla Pereira,


tendo vencido na final a Rita Fernandes.

No escalão Masculino decorreram 2 competições. Nos


veteranos + 50 o vencedor foi Miguel Araújo, em 2º Lugar ficou
António Carlos Araújo.
Da esq. para a dir. em 2.º lugar a Vice-Presidente da Real
Associação de Viana do Castelo, Dr.ª Mariana Magalhães Sant'Ana e
em 3.º Hugo Araújo, Presidente da Direcção do Clube de Ténis de
Já no escalão principal, o grande vencedor foi André Moura e Sá,
Viana
que num jogo emocionante e de desfecho incerto, venceu na

33
Ercílio de Azevedo
Um monárquico, cavaleiro andante do jornalismo
independente
António Moniz Palme

Abstract
One of the most brilliant and educated journalists in the north
of the country, whose elegant and impeccable prose
significantly dignified the level of intervention journalism,
especially monarchical indoctrination. During the
revolutionary phase, after April 25, he excelled in the struggle
for the uncompromising defense of Freedom and True
Democracy.
Independent writer, with solid, fresh ideas, not just making
simple reports, but framing what he saw and felt through a
fresh language understood by the population.
Persecuted by the Conselho da Revolução, and by mediocre
journalists who played the shameless and dirty game of the
“communist party”, who did not forgive its independence, its
deep political culture and the respect and admiration that was
sought by the population.

Key words: Independent journalist, monarchist, democrat.

Résumé
Un des journalistes les plus brillants et les plus instruits du inevitáveis óculos bastante graduados, de onde espreitavam uns
nord du pays, dont la prose élégante et impeccable digne de expressivos olhos, vivos e trocistas. Chamava-se esta popular
manière significative du niveau du journalisme d'intervention, figura portuense, Ercílio de Azevedo.
en particulier de l'endoctrinement monarchique.
Fazia parte da própria cidade, pois considerava cada esquina a
Après la phase révolutionnaire, après le 25 avril, il a excellé
sua própria casa e em cada baiuca tinha um fiel amigo e
dans la lutte pour la défense sans compromis de la liberté et
admirador, fosse qual fosse a sua condição social. Respirava uma
de la démocratie véritable. simpatia contagiante, que transformava cada um num
Écrivain indépendant, avec des idées nouvelles et solides, ne incondicional aliado. Além do mais era, na verdade, um dos
se contentant pas de rédiger de simples rapports, il encadre jornalistas mais brilhantes e cultos do Norte do País, cuja prosa
ce qu’il a vu et ressenti à travers un nouveau langage compris elegante e impecável dignificou significativamente o nível do
par la population. jornalismo de intervenção, de onde saltava a permanente
Persécutés par le Conselho da Revolução et par des doutrinação monárquica. Na verdade, emprestou significativa
journalistes médiocres qui ont joué le jeu honteux et sale du animação e acento cultural à faceta do debate político, na
imprensa, durante a fase revolucionária, pós 25 de Abril, e na
“parti communiste”, qui n'ont pas pardonné à son
luta pela defesa intransigente da Liberdade e da Verdadeira
indépendance, à sa culture politique profonde, au respect et à
Democracia. O que é facto é que, vertiginosamente, na
l'admiration que le peuple a voté pour lui. sociedade portuguesa, progredia o real perigo de um novo
totalitarismo, apoiada por uma imprensa miseravelmente vendida
aos novos ditadores. Mais que não fosse, era uma singular figura
Mots-clés: Journaliste indépendant, monarchiste, démocrate.
de escritor independente, de ideias sólidas acabadas, não se
limitando a fazer simples reportagens, mas enquadrando o que
via e sentia, através de uma linguagem camiliana, fresca e
Na confusão revolucionária, pós 25 Abril, nomeadamente entendida pela população. No ambiente típico das terras e das
durante o Gonçalvismo, tive o privilégio de conhecer gente gentes do Porto, fazia transparecer, naquilo que escrevia, o
fora do vulgar que, numa situação de crise, mostrava possuir espírito ancestral próprio do indígena tripeiro, com todas as suas
qualidades e valores excepcionais. Recordo com saudade um virtudes e defeitos.
jornalista, tripeiro dos quatro costados, cujo nome apenas
conhecia pelas suas excelentes crónicas no “Comércio do Sobre a sua personalidade, quando faleceu, escrevi diversos
Porto” e noutras publicações nortenhas. Circulava por todo o apontamentos em diferentes publicações e, à sua simpática figura,
lado sempre dependurado num cigarro e armadilhado por uns dediquei umas páginas do meu livro “O Almofariz”.

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Conheci melhor a personalidade de
Ercílio de um modo inédito. Fazia eu
qualidades de cavaleiros andantes. As Nota:
cadeiras e os cabos das vassouras foram
parte da Comissão Política do PPM transformados em armas que rechaçaram A Direcção da Real Associação de Viana do
quando Ele apareceu, nas instalações
aquela abusiva investida nas nossas Castelo, com mandato para o triénio 2017-
deste partido, na Praça D. Filipa de
Lencastre, em plena era gonçalvista, para instalações, pondo em fuga aquele grupo 2020, cumprimenta V.Exas, desejando desde já
fazer uma entrevista aos seus que só atacava em cobardes bandos. a continuação de um bom ano de 2019.
responsáveis máximos. Desceram as escadas dos vários andares
até à rua, em tropel, para evitarem um A Real Associação de Viana do Castelo tem um
Porém, nesse dia, o inesperado plano de actividades e orçamento para 2019,
castigo mais severo pelo seu infame
aconteceu. Enquanto lá estava a trabalhar aprovado em Assembleia Geral, que inclui
comportamento. Pretendemos chamar
nas suas funções de jornalista, sem diversas iniciativas, que vão desde a organização
prontamente os elementos da Juventude
ninguém esperar, entrou, de rompante, de conferências à publicação da Real Gazeta do
e irmos fazer uma visita de retaliação à
um pequeno grupo de anarquistas, com as Alto Minho, órgão oficial de comunicação da
sede do referido partido, na Avenida, para
características boinas pretas adornadas Real Associação de Viana do Castelo, do qual
que nunca mais se atrevessem a meter-se
pelo fatal e emblemático “A”, arquejando muito nos orgulhamos, e que se pretende sejam
com filiados de outros partidos. Mas, a executadas com a participação de todos os
esbaforidos, com um ar aterrado. Alguns
gente mais sensata presente proibiu os associados, simpatizantes e entidades que
mesmo com a roupa rasgada e com
”Falcões” do partido de qualquer iniciativa entendam colaborar, com o intuito de
marcas de terem sido agredidos, trazendo
bélica. Ainda por cima, estava reunida a contribuir e ajudar a dinamizar o ideal
na sua cola, a umas dezenas de metros,
Direcção, onde se encontravam, pelo Monárquico que todos nós abraçamos
um numeroso grupo de pessoas, algumas
menos, os Arq. Mário Emílio de Azevedo, convictamente. Atendendo à necessidade
armadas com bastões, que os fugitivos
Eng.º António Sousa Cardoso, Eng.º D. imperiosa que temos em angariar recursos
identificaram como pertencentes a
José Paulo Lencastre, pintor António financeiros necessários ao normal
determinado agrupamento da extrema
Sampaio, Conde Paçô Vieira e Mário funcionamento da Real Associação, e tendo em
esquerda, com sede na Avenida dos
Dengucho. E o problema ficaria por ali, conta que uma das competências da Direcção é
Aliados. Os poucos filiados do PPM que
perante os protestos acalorados do Mário a cobrança de quotas, eu, em nome da
estavam a trabalhar na organização do Direcção e na qualidade de Vice-Presidente,
Dengucho. Entretanto, para tentar
partido, tiveram que se impor à força ao venho por este meio solicitar a V. Exas. a
ultrapassar o problema, quis apresentar
b a n d o q u e p r oc u r av a e n t r a r regularização da QUOTA DE ASSOCIADO
os anarquistas aos nossos dirigentes, com
ilegitimamente portas adentro de casa REFERENTE ao ano de 2019, no valor de 20,00
esperança que se comovessem perante as
alheia, com intenção de sovar os fugitivos, € (vinte euros), preferencialmente por
suas desgraças. Após terem entrado,
pois os anarquistas, pelos vistos, tinham transferência bancária, para:
acontece que o bebé de colo começou a
sido pelos mesmos proibidos de fazerem
chorar e a sua mãe, uma anarquista Titular da Conta: Real Associação de Viana do
propaganda na rua, utilizando modestas
escultural, começou a dar de mamar ao Castelo
bancas com material à venda, aliás,
filho, sem proteger o peito das vistas dos
bastante apelativo, diga-se de passagem.
presentes. Estavam todos os olhos fixados Entidade bancária: Caixa de Crédito Agrícola
Ofereciam a quem passava de tudo um
onde não deviam, como que hipnotizados.
pouco. E o público, mostrando interesse Agência: Ponte de Lima
Mas, meu Deus, o espectáculo era
em os conhecer, rodeava os anarquistas e
soberbo. Não é má língua, mas todos IBAN: PT 50 0045 1427 40026139242 47
a sua mercadoria. Esta era constituída
devem ter pensado que a visão daquela
pelo engraçado livrinho vermelho do Galo
tocante cena de leite, com um colo de Número de conta: 1427 40026139242
de Barcelos, pelo jornal “A Merda “, e
Vénus de Milo à mistura, própria de um
por várias publicações de propaganda SWIFT: CCCMPTPL
quadro de Murillo, faria tocar as
anarquista, nomeadamente “A Anarquia”
trombetas da solidariedade dentro de Caso seja possível, pede-se o favor de enviarem
de Pedro Kroporkine. Não será
cada um. E para alimentar as minhas por e-mail (real.associacao.viana@gmail.com e
despiciendo dizer que muitas ideias dos
suspeitas, não é que foi encontrada uma pedrogiestal@gmail.com) informação da
anarquistas não deviam andar muito
solução intermédia para o problema e que regularização da quota (ex: comprovativo), após
afastadas da doutrina do agrupamento da
contentou os “Falcões” presentes que já o que procederemos de imediato à emissão do
extrema esquerda em questão, se acaso o
ameaçavam abandonar o Partido!!!? recibo de liquidação.
mesmo tivesse algumas ideias que
alimentasse o ideário da sua estranha Foi então decidido que, no dia seguinte, Cordiais cumprimentos e saudações
actuação. Para cúmulo da nossa iria uma delegação do PPM levar uma monárquicas,
indignação pelo abuso daquela gente, sem carta à sede do Partido em questão, com
respeito pelas ideias dos outros, um veemente protesto pela ocorrência e
verificamos que um dos fugitivos era uma exigir que aquele tipo de agressões não Pedro Giestal
lindíssima rapariga com um bebé de mais ocorresse, sob pena de represálias Vice-Presidente da RAVC
meses ao colo. Assumimos logo a
35
da nossa parte. «comunista. Não perdoavam a sua independência, a sua profunda
cultura política e o respeito e admiração que a população lhe
À hora aprazada, uma delegação composta por mim, pelo votava.
António Sampaio, pelo Luís Correia de Sá e por um elemento da
juventude que empunhava uma vistosa bandeira azul e branca, Mais tarde, já a viver em Famalicão, perdeu por dezenas de votos
subiu a avenida e fomos bater à porta do famigerado partido as eleições para Presidente da Câmara, apesar de não ter feito
perseguidor dos pobres anarquistas. Isto, perante o pasmo dos nenhuma propaganda. Deve ter respirado de alívio quando
passantes que logo se juntaram à nossa volta, espantados por ver soube o resultado. Igualmente, na Assembleia Municipal de
um pequeno grupo de bandeira monárquica desfraldada ao Famalicão, fez um discurso inesquecível, evocativo de Bernardino
vento, bater à porta de um partido bem diferente e cuja entrada Machado, Homem da Primeira República, discurso esse que ficou
estaria interdita para as nossas serenas pessoas, antevendo já retido na memória dos ouvintes pelo facto de Ercílio, como
uma escaramuça das grossas. O Jornalista Ercílio de Azevedo elogio ao antigo político da Terra, por mais nenhuma virtude
acompanhou-nos até lá e, para nosso espanto, pediu para entrar nele vislumbrar, o ter elogiado por apenas pertencer a um partido
connosco como elemento do PPM, pois não o deixariam entrar de cada vez…!!!. A crítica acertou em cheio, pois Bernardino
como jornalista. Machado era politicamente um troca-tintas, sempre a mudar de
camisola partidária, o que lhe valeu uma destruidora caricatura
Recebidos pelos donos da casa com cortesia, embora de uma de Arnaldo Ressano, no seu “Album das Glórias”, que o pôs a
frieza de cortar à faca, lavrámos o nosso protesto, deixando uma pedir perante o eleitorado.
carta escrita, onde exigíamos a não repetição daquele tipo de
graças e o respeito pelos nossos amigos anarquistas que o único Ficou célebre, na literatura revolucionária, um delicioso artigo
pecado que tinham praticado, era venderem as suas publicações. “As Tripas à Moda do Porto não agradaram ao General Otelo”,
Após alguma crispação na troca de palavras havida, aceitaram relatando o mau encontro de Otelo, de Corvacho e de Fabião,
assinar uma espécie de acta do encontro. Para nosso espanto, o com os portuenses em fúria, à saída do Restaurante Girassol, na
Ercílio também assinou esse estranho protocolo, não como baixa do Porto. Igualmente escreveu um livro “Porto 1934 – A
testemunha, mas como elemento de tão importante embaixada! Grande Exposição, que o revelou como um escritor e
Tal foi uma surpresa, como surpresa foi a multidão que nos investigador firme da história portuense..
esperava na rua e que se preparava já para assaltar a sede desse
grupo da extrema esquerda, pensando que estávamos Enfim, Ercílio de Azevedo foi fundamental na informação, no
requestados no interior. Afinal aquele ajuntamento não era pelos perigoso período do Gonçalvismo, batendo-se galhardamente
nossos lindos olhos, pois a referida sede foi assaltada dias depois com as armas que tinha, a escrita panfletária, lutando pelos
por uma multidão desaustinada e incontrolável. Todavia, a nossa direitos da sua Gente e divulgando profusamente o Ideal
coragem de monárquicos deu passagem à iniciativa da população Monárquico, que foi um ponto de referência fundamental na
e a companhia do popular Ercílio fez abrir os olhos do cidadão preservação da Liberdade. Pelo seu empenho, é um monárquico
comum que, no silêncio, defendia abertamente a Liberdade. que não mais poderá ser esquecido, pelos portugueses.

Entretanto, passei a ser advogado de inúmeros jornalistas que


eram acusados de abuso de liberdade de Imprensa. Entre eles,
lembro-me de Ercílio de Azevedo, de Carlos Santarém, de
Fernando Barradas e de Arnaldo Mesquita. A filha deste, Maria
Teresa Mesquita, mais tarde, casou com Ercílio de Azevedo. A
própria Vera Lagoa pediu a minha ajuda nos processos que lhe
eram interpostos. Mas os processos em que era Ré eram tantos,
que não poderia fazer outra coisa se não estar
permanentemente a tratar dos seus problemas em Tribunal. Por
esse motivo, pedi-lhe para solicitar ajuda a outro advogado.

Na realidade, eram os jornalistas acusados em processos


judiciais, sem qualquer fundamento. Seguiam estes os seus
trâmites e os réus eram inapelavelmente absolvidos. Porém, o
Conselho da Revolução de triste memória, imiscuindo-se nas
funções do Poder Judicial, obrigava os pobres delegados da
Procuradoria da República a recorrer da sentença para fazer
gastar dinheiro aos jornalistas que escreviam contra a situação
de ditadura existente. Aliás, Ercílio era perseguido não só pelos
esbirros do Conselho da Revolução, mas por jornalistas
medíocres que faziam o jogo descarado e sujo do partido

36
Camarate dos Santos
Um agitador monárquico sem pinga de medo
António Moniz Palme

Abstract
Banker, monarchic, catholic and God-fearing, which made
him a dangerous contestant of the regime, during the dic-
tatorship of the republican Estado Novo!

In his free time and at his expenses he spread the monar-


chical ideal, showing that he would do everything, even a
revolution if it would come to that, to change the state
leadership that he did not consider democratic for it was
never plebiscited.

He led a large group of monarchists from Porto, creating


cells and indoctrination sections set up in factories and
educational establishments, as well as in various public
services, openly taking positions against the regime, as he
was preparing, as he confessed, the future anti-republican
uprising.

He owned the newspaper “Consciência Nacional”, a fierce


publication that reached the whole country and overseas,
as well as the immigrant centers around the world.

Key words: Camarate dos Santos, monarchic, newspaper


Consciência Nacional.
Já há algum tempo escrevi um artigo, na revista “O Tripeiro”,
Résumé
sobre Artur Camarate dos Santos, uma das últimas abencerragens
Fonctionnaire de banque, monarchique, catholique et crai-
do espírito romântico dos nossos tempos. Gostava de agir
gnant Dieu, ce qui en faisait un dangereux contestataire au
individualmente, não se conseguindo integrar em qualquer
régime, sous la dictature de l'État républicain Estado Novo!
esquema colectivo. Era um autêntico guerrilheiro, com espírito
Dans ses temps libres et à ses frais, il a diffusé l'idéal mo- anarquista, necessitando de absoluta liberdade na sua actuação,
narchique, démontrant qu'il ferait tout, même une révolu- isto apesar do seu ar bonacheirão de bom chefe de família e de
tion, pour modifier le système de direction de l'État qu'il cidadão cumpridor das suas obrigações sociais. Mas, na verdade,
ne considérait pas démocratique, car il n'était jamais plé- era uma das figuras mais singulares e cativantes da história cultural
biscité. e política nortenha, tendo um comportamento e uma atitude
idêntica aos combatentes cubanos da Serra Maestra. Não se
Il a dirigé un groupe important de monarchistes de Porto, deslocava a cavalo pelos caminhos das suas peregrinações
créant des cellules et des sections d'endoctrinement, ins- políticas, nem exibia uma arma a tiracolo, mas apenas e só apenas
tallées dans des usines et des établissements d'enseigne- estava armado com uma energia sem limites, o querer da sua
ment, ainsi que dans divers services publics, prenant posi- força de vontade incomensurável, o fácil poder de comunicação
tion contre le régime alors qu'il préparait, comme il l'a com gente de todas as camadas sociais e, muitas vezes, o
avoué, la future enquête, anti-républicain. suficiente desplante para atropelar todas as regras convencionais.
Além de monárquico, era católico e temente a Deus, o que o
Il était le propriétaire du journal “Consciência Nacional”, tornava num perigoso contestatário do Regime, em plena ditadura
une publication féroce qui a touché tout le pays et les Por- do republicano Estado Novo!!!
tugais d'outre-mer, ainsi que les centres d'immigration du
monde entier. Bancário de profissão, gastava todo o tempo livre e a própria
fazenda na divulgação das suas ideias. Monárquico a tempo

37 37
inteiro, nunca tolerou o regime republicano, declarando tal, administrassem convenientemente os interesses de cada
aberta e publicamente, e demonstrando que tudo faria, até uma província. A sala, onde foi realizada a sessão rebentava de
revolução se fosse possível, para alterar o sistema de chefia do público pelas costuras. O medo de alguns presentes era visível,
Estado que ele não considerava democrático, por nunca ter sido mas o que é certo é que ninguém arredou pé, cantando-se no
plebiscitado após o “5 de Outubro”. Apesar de tal aversão à final o Hino Nacional e gritando-se dentro e fora do Hotel,
república, era a pessoa mais afável que se pode imaginar, dando Abaixo a República, Viva o Rei.
a camisa a quem mal conhecia, tendo amigos de todas as cores
políticas e sendo estimado e respeitado pelos próprios Ficou célebre a sua prisão no dia da vinda de Marcelo Caetano
republicanos, na sua opinião, raça em extinção e que era ao Porto, quando durante uma enorme manifestação, feita ao
necessário proteger da própria Segunda República. então Presidente do Concelho, Camarate resolveu atirar do
cimo de um dos prédios da Avenida dos Aliados, julgo eu que
Liderava um numeroso grupo de monárquicos do Porto, do telhado do edifício do Montepio Geral, milhares de panfletos
pertencentes à Liga Popular Monárquica, divorciada da Causa contra a ditadura republicana. Para aumentar o aparato daquela
Monárquica, pois a sua actuação tinha sido sobeja e injustamente chuva de panfletos subversivos, um grupo dos mesmos não de
criticada, pelos seus responsáveis máximos, e pela imprensa desfez e foi cair em cima da cabeça de uma senhora gravidíssima
monárquica existente, que o causticava insistentemente pela que apanhou um grande susto e teve um desmaio momentâneo.
criação de células e secções de doutrinação, implantadas nas Felizmente, nada sofreu e, mais tarde, deu os parabéns ao Sr.
fábricas e nos estabelecimentos de ensino, bem como em Camarate pela sua valentia. Claro que veio a polícia que, num
diversos serviços públicos, tomando posições abertamente segundo, apanhou o autor daquela façanha panfletária. Lá
contra o regime, pois estava a preparar, como confessava, o apareceu o nosso amigo Camarate, no meio de dois guardas,
futuro levantamento anti-republicano. Claro está que os seus para espanto dos presentes que logo protestaram referindo
amargos de boca eram muitos e as complicações com a polícia haver tanto bandido à solta e foram logo prender um senhor de
política nunca mais acabavam. Contudo, a Pide usava a táctica respeito. Enfim, até eu fiquei espantado, diga-se de passagem!
cautelosa de não o prender, pois sabiam que Camarate era Ainda por cima, enquanto entrava para a viatura da polícia, na
muito mais perigoso preso do que em liberdade. Aliás, a prisão altura conhecidas por “Níveas” por serem da cor das latas desse
era o que Camarate pretendia para poder falar mais produto cosmético, o pacífico guerrilheiro Camarate, com os
abertamente, ainda por cima com mais audição, devido à sua óculos encavalitados na careca suada, dava vivas ao Rei e morras
situação de prisioneiro. à Ditadura, perante um misto de gozo e de angústia dos que
compunham o grupo de populares que assistia à detenção. Um
Era proprietário do jornalzinho “Consciência Nacional”, dos presentes que se lamentava pela sua sorte, era Porto
publicação aguerrida que chegava a todos os cantos do País e do Duarte, um dirigente portuense da PIDE, homem sério, cheio de
Ultramar Português, além de ser recebido pelos centros de problemas no desempenho das suas funções e que acabou por
imigrantes, espalhados por todo o Mundo. Tal publicação era ser corrido da instituição policial onde se encontrava, devido às
lida com interesse por pessoas de todas as cores políticas, discordâncias permanentes que começou a manifestar. Pelos
incluindo republicanos confessos que admiravam a pureza das vistos, a prisão do Sr. Camarate, foi a gota de água que esgotou
suas Ideias. Trabalhava na sede do seu jornal até às tantas da o necessário bom relacionamento com os seus superiores da
madrugada, com o árduo trabalho de escrever, compor, Polícia do Estado.
recolher artigos, dobrar jornais e fazer a respectiva distribuição,
tendo ainda a ingente e ingrata tarefa de bater à porta de cada Durante os agitados tempos do Gonçalvismo, acabou por ser
leitor para cobrar o quantitativo necessário para a edição preso e metido em Custóias, mas, apesar de encarcerado, nunca
seguinte. parou. Utilizando a célula monárquica que antes ali tinha
organizado, continuou a passar ordens para o exterior.
Tanto na anterior situação como após o 25 de Abril, o seu Conseguiu, com a ajuda de Guilherme Fontes e de Rui Moreira,
comportamento foi sempre o mesmo: não aceitava a ordem que os presos rezassem o terço alto, junto às grades das
estabelecida por ilegal. Na verdade, na sua perspectiva, pactuar respectivas celas, o que incomodava os elementos do MFA que
com uma República imposta por uma revolução que nunca foi ali davam ordens, comunistas de fresca data, a quererem
submetida à escolha livre da Nação, era trair a Liberdade do mostrar trabalho…! Contudo, obteve o apoio dos guardas
Povo Português. prisionais que não compreendiam qual a razão por que os
presos não podiam ter absoluta liberdade religiosa. Para não
Por outro lado, organizava sessões culturais sobre temas
deixar arrefecer a contestação na prisão, alterou a sua
políticos, por vezes bem polémicos, mas que atraiam sempre
estratégia, resolvendo passear-se completamente nu por todas
imensa gente. Recordo uma, realizada no Hotel do Porto, em
as instalações prisionais, com uma trouxa de roupa à cabeça,
Santa Catarina, muito antes do 25 de Abril, em que um
sendo-lhe então diagnosticada uma situação de loucura, pelos
advogado angolano, o monárquico Dr. Santos Silva defendeu
clínicos da prisão, e mandado para casa para ser tratado num
publicamente eleições livres nos territórios ultramarinos,
estabelecimento da especialidade. Todavia, mal se apanhou cá
único processo capaz de criar quadros locais que
fora, continuou a sua actividade política clandestina. Para o
38
intimidarem, chegou a ser submetido a um simulacro de desembarque de armas para uma praia, perto de Pampelide, por
fuzilamento, perante a indignação dos próprios soldado que voluntários que nadavam até às embarcações que estavam ao
constituíam o pelotão de fuzilamento, não admitindo o que largo. Camarate pretendeu ser um dos que iria a nado até às
embarcações que vogavam atrás da rebentação, para buscar os
estava a ser feito contra um Homem íntegro e corajoso, que
braçados de armas que ali estavam. Como se desconfiasse que
antes da descarga feita com balas simuladas , em voz alta e não sabia nadar, foi proibido de colaborar naquela aventura,
serena, perdoou aos seus algozes, que choravam desesperados perante a sua enorme indignação. Na verdade, teria morrido
pelo que eram obrigados a fazer. afogado como ia acontecendo com bons nadadores que fizeram
o trabalho, pois Camarate nadava como um prego!!!.
Mais tarde e devido ao perdão dado, perante Francisco Sousa
Era a representação viva do espírito revolucionário do século
Tavares, negou-se a depor contra os autores militares das várias
passado, um combatente por Valores e nada mais, um anarquista
sevícias de que foi alvo, quando este o foi ouvir durante a que sobreviveu às novas técnicas massificadoras que matam à
elaboração do Relatório das Sevícias. distância milhares de seres humanos.

Nas vésperas do 25 de Novembro e quando já se preparava a Camarate era o exemplo da dádiva total às suas concepções de
defesa da Liberdade contra a Ditadura Comunista, que Justiça, de Liberdade e de Amor pelo seu Semelhante. Era um
governava ilegitimamente o País, em pleno Inverno, foi feito um Revolucionário dos Autênticos.

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Ficha Técnica

TÍTULO:
Real Gazeta do Alto Minho

PROPRIEDADE:
Real Associação de
Viana do Castelo

PERIODICIDADE:
Trimestral

DIRECTOR:
José Aníbal Marinho Gomes

REDACTOR:
Porfírio Silva

WEB:
www.realvcastelo.pt

E-MAIL:
real.associacao.viana@gmail.com

REAL ASSOCIAÇÃO DE
VIANA DO CASTELO
Casa de Santiago
Barrosa – Arcozelo
4990-253 PONTE DE LIMA
(morada para correspondência)

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