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A democracia exige que um terreno fértil ou também pode sobreviver num contexto desprovido
de condições estruturais favoráveis? As teorias que enfatizam a importância da modernização e
da luta de classes pelos processos de democratização respondem 'Sim' à primeira pergunta e,
portanto, 'Não' à segunda. A teoria da transição - ou transitologia - adota a resposta oposta à
primeira pergunta e também, mais implicitamente, à segunda.
No final da década de 1970, novas contribuições foram fornecidas quando Juan Linz e Alfred
Stepan publicaram “The Breakdown of Democratic Regimes”. Eles rejeitaram que o colapso
democrático na Europa entre guerras e na América Latina após a Segunda Guerra Mundial
tivesse sido inevitável; uma posição que, de outra forma, tinha uma posição forte na época. Linz
e Stepan enfatizaram que em vários - se não na maioria dos casos - foram as decisões tomadas
pelos atores principais mais do que as circunstâncias estruturais que determinaram o resultado
da luta entre democracia e autocracia.
O avanço da transitologia
A teoria da transição começou a ter mais atenção nos anos 80, quando a terceira onda de
democratização rompeu - perspetiva mais otimista: maior espaço de manobra aos atores.
Proclamações ousadas foram feitas de que a democracia não exigia condições estruturais
particulares. Até Rustow descrevera a unidade nacional como uma condição necessária,
enfatizou a importância das forças sociais coletivas e sublinhou que uma transição no mínimo
dura uma geração. Como tal, a sua teoria era muito mais estrutural do que o que veio a ser
conhecido como transitologia nas décadas de 1980 e 1990.
O'Donnell e Schmitter definem uma transição como o intervalo entre um regime político e
outro. Nesta fase, as antigas regras políticas do jogo já não se aplicam, enquanto as novas regras
ainda têm de ser decididas. Toda a situação é marcada por incerteza e contingência em relação
ao resultado. A transição dá aos agentes a oportunidade de selecionar direta ou
inadvertidamente instituições que, posteriormente, limitam as oportunidades de escolher um
novo curso.
Segundo O'Donnell e Schmitter o período de transição pode ser dividido em duas fases:
Terry Karl e Philippe Schmitter constroem uma tipologia e formulam várias hipóteses sobre a
importância que os vários modos de transição têm para o processo de democratização
subsequente.
A primeira dimensão da tipologia reflete o ator por trás das mudanças (massas ou elites). A
segunda dimensão reflete a estratégia dos principais atores (compromisso entre os atores mais
importantes ou contexto de exercícios unilaterais de poder). Ao combinar as duas dimensões,
Karl e Schmitter constroem quatro modos ideais de transição (veja a Figura 9.1). Apontam
que, se uma combinação de elites e massas desencadeia a transição e/ou atores externos
participam do processo, a transição é categorizada na área entre os tipos ideais.
Valerie Bunce criticou os tipos de transição de Karl e Schmitter por não estabelecer critérios
específicos para quando uma transição pertence a uma categoria e não a outra. Esta falta de
clareza contribuiu para confusão e desacordo sobre a classificação de transições específicas.
Nancy Bermeo, por exemplo, questiona entendimento da transição espanhola na década de
1970 como um compromisso controlado pela elite (isto é, um pacto). Ela enfatiza que o curso
dos eventos foi caracterizado por numerosos incidentes de violência política e greves em massa;
de facto, ela ressalta que não houve transições pacíficas na terceira onda de democratização.
Karl acrescenta que os pactos são abrangentes, inclusivos e primariamente reguladores nos
estágios iniciais, em oposição a acordos mais restritos. A força motriz por trás dos
compromissos é a imprevisibilidade fundamental ('contingência') que caracteriza muitas
transições. Adam Przeworski (inspirado nos escritos de John Rawls sobre o “véu da
ignorância”, em que hipoteticamente se desconhece a sua própria posição negocial, e apoiado
por argumentos retirados da teoria dos jogos) apresentou um relato interessante do porquê de
esta situação provavelmente resultar em democracia. A grande incerteza relativa à própria
posição de poder forçará as elites concorrentes a escolher uma "estratégia maximin"; isto é,
procurar a mudança que forneça as melhores condições possíveis para a parte mais fraca, uma
vez que isso pode vir a ser voçê mesmo. Se você não sabe se é o mais forte ou o mais fraco, tem
interesse em estabilidade, garantia de direitos básicos e oportunidades para policiar os
governantes.
Um compromisso entre as elites de poder reduz logicamente o potencial de conflito, tem um
impacto sobre o equilíbrio de poder e põe em movimento novos processos políticos. A longo
prazo, as instituições democráticas garantem melhor estes elementos. Parcialmente
paradoxalmente, os pactos levam à democracia por meios não democráticos ('democracia sem
democratas'), porque na prática são acordos exclusivos que normalmente são negociados por
um número limitado de grupos exclusivos de elite bum processo fechado. A teoria da transição
enfatiza três características específicas que facilitam o desenvolvimento democrático:
Enquanto Karl e Schmitter são um tanto vagos quando se trata de operacionalizar os seus
quatro modos ideais de transição, são bastante explícitos quando se trata de acoplá-los às
perspetivas de consolidação da democracia. Esperam que um pacto entre as autoridades e a
oposição promova melhor a consolidação da democracia, enquanto o próximo modo de
transição consiste numa imposição; isto é, uma transição liderada pela elite em exercício. Por
outro lado, se o modo de transição é caracterizado como uma reforma que envolve
compromissos em que os protestos das massas desempenham um papel decisivo, a
probabilidade de consolidação democrática é menor. Isso ocorre porque a elite, com os seus
vínculos com o regime anterior, não pode controlar o processo sozinha, como no caso de
imposição. Exigências inaceitáveis das massas tornam-se mais prováveis e, com elas, aumenta a
probabilidade de reversões democráticas. A transição revolucionária é, no entanto, uma opção
ainda pior. Se massas extremistas definem a agenda, as perspetivas para o estabelecimento e
estabilização de um regime democrático não são boas. A mensagem é, assim, "coloque o pacto
em marcha e vá", como Charles Tilly (1995: 365) escreveu sarcasticamente.
É interessante notar que Schmitter tinha se tornado cada vez mais convencido sobre a sua
perspetiva durante o período que começou em 1986, até que ele e Karl formularam uma posição
comum cinco anos depois. Em meados da década de 1980, O'Donnell e Schmitter (1986: 66)
não eram tão assertivos quanto às bênçãos dos pactos; argumentaram que, se garantias e regras
rígidas levarem a uma insatisfação significativa e a impasses processuais, o pacto encurtado
poderá prejudicar a consolidação democrática. A longo prazo, pode surgir um paradoxo, pois
pactos que contribuem para a transição democrática podem funcionar em detrimento da
consolidação da democracia. O problema é que o elitismo excessivo, acordos prévios, garantias
de saída e a falta de competição democrática, que costuma ser um elemento importante nos
pactos, podem minar a democracia. Na ausência de uma camisa de forças, no entanto, divisão e
competição excessivas podem se desenvolver entre as partes, o que pode prejudicar o
desempenho político e económico e a legitimidade. Essa insatisfação pode levar a um golpe
militar ou a uma revolução (O'Donnell, 1992).