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Eqüidade na gestão descentralizada do SUS:


desafios para a redução de desigualdades em saúde

Equity in decentralized management of the SUS:


reducing health inequalities – the challenges

Patrícia T. R. Lucchese 1

Abstract In public debate on the health sec- Resumo O tema da eqüidade em saúde vem
tor, the subject of health equity has come to ganhando destaque no debate público setorial
prominence as a goal to be achieved in decen- como objetivo a se alcançar na gestão descen-
tralising the Unified Health System (SUS) in tralizada do Sistema Único de Saúde para a
order to improve health conditions throughout efetiva melhoria das condições de saúde do con-
Brazil for the population as a whole. The de- junto da população brasileira em todo o terri-
bate is already considerably complicated by the tório nacional. Este debate, já bastante difícil
need for a precise definition of the concept of pela necessidade de se precisar o conceito de
equity, evidencing the complexity of the envi- eqüidade, evidencia a complexidade do am-
ronment in which the public task of reducing biente em que se processam as tarefas públicas
inter-regional inequalities is to be performed para a redução de desigualdades inter-regio-
in a context of interaction and interdependence nais, no contexto de interação e interdependên-
among world and national economic, social and cia entre processos econômicos, sociais e cultu-
cultural processes, which pressure government rais, mundiais e nacionais, que pressionam as
agendas in these times of globalisation. On the agendas governamentais nestes tempos de glo-
basis of (1) a specific interpretation of the con- balização. Este artigo empreende um esforço de
cept of equity in decentralised management of sistematização de alguns dos desafios e inda-
the SUS; (2) a current reconsideration of cer- gações colocados para uma gestão pública da
tain proposals for social management that fea- saúde orientada à eqüidade na República Fe-
ture in international development debate; and derativa do Brasil, a partir de uma interpreta-
(3) a review of certain authors’ theoretical con- ção própria para o conceito de eqüidade na ges-
tributions with regard to State action in this tão descentralizada do SUS, da atualização de
heterogeneous and contradictory environment algumas proposições para a gestão social em dis-
undergoing extensive mutation, this article en- cussão no debate internacional sobre o desen-
deavours to systematise some of the challenges volvimento, e da revisão da contribuição teóri-
and questions posed in order for health to be ca de alguns autores sobre a ação do Estado
1 Departamento
de Ciências Sociais,
managed publicly with a view to equity in the neste ambiente heterogêneo e contraditório de
ENSP, Fiocruz. Federative Republic of Brazil. grandes mutações.
Av. Leopoldo Bulhões Key words Equity, Public management, De- Palavras-chave Eqüidade, Gestão pública,
1480, 9o andar
21041-210, Manguinhos
velopment, Decentralisation, Health policy Desenvolvimento, Descentralização, Política
Rio de Janeiro RJ. de saúde
lucchese@ensp.fiocruz.br
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As mudanças recentes na gestão de estatal e ao nível de comprometimento de


pública da saúde no Brasil cada esfera político-administrativa no finan-
ciamento das despesas deles decorrentes, mas
A operacionalização das diretrizes constitucio- também quanto aos instrumentos de acompa-
nais de descentralização e de participação social nhamento, fiscalização e controle dos recursos
(“da comunidade”) para a organização e gestão aplicados na gestão da política setorial. Nesse
do Sistema Único de Saúde (SUS) vem produ- caso, o processo de formação de consensos con-
zindo expressivas mudanças no desenho institu- ta com a representação de instituições e órgãos
cional da ação governamental e, não seria exa- dos poderes executivo, legislativo e judiciário:
gero dizer, profundas modificações no modo de Ministério da Saúde, CONASS, CONASEMS,
atuação do Estado brasileiro no campo social. Conselho Nacional de Saúde, tribunais de con-
Tais mudanças relacionam-se, em primeiro tas da União, dos estados e dos municípios, e
lugar, à instituição de processos de deliberação Ministério Público (Brasil, 2002).
democrática na gestão setorial, tais como 1) a Pode-se considerar, assim, que as condições
realização de Conferências de Saúde, com re- políticas, institucionais, jurídicas e financeiras
presentação dos vários segmentos sociais, para construídas em doze anos de implementação
a proposição de diretrizes para a política de do SUS, vêm contribuindo significativamente
saúde, 2) a institucionalização dos Conselhos para o estabelecimento de caminhos promisso-
de Saúde como órgãos colegiados permanentes res para a consolidação de uma gestão descen-
e de caráter deliberativo sobre a política de saú- tralizada e participativa do sistema e da política
de; e 3) a criação das Comissões Intergestores, de saúde e para uma maior governabilidade se-
nas esferas federal e estadual, como fóruns de torial na garantia do direito à saúde.
negociação e pactuação entre os gestores das No entanto, ao que tudo indica, tais mudan-
três instâncias de direção do SUS para o geren- ças ainda não resultaram em redução substanti-
ciamento do processo de descentralização. va das desigualdades em saúde no país. Estudos
De outra perspectiva, as mudanças refle- recentes evidenciam a persistência, ao final dos
tem-se no progressivo fortalecimento das esfe- anos 90, de importantes iniqüidades relaciona-
ras subnacionais de governo e no estabeleci- das 1) à distribuição espacial da oferta de recur-
mento de novas relações intergovernamentais: sos humanos e de capacidade instalada; 2) ao
1) na gestão pública do cuidado à saúde; 2) na acesso e utilização de serviços (públicos e priva-
operacionalização gradativa de suas novas atri- dos); 3) à qualidade da atenção recebida; e 4) às
buições e competências legais; e 3) na definição condições de vida e de saúde da população nas
de suas responsabilidades específicas no âmbito diferentes localidades (Duarte, 2000; Viana et
das estratégias nacionais de descentralização e al., 2001; Mello Jorge, Gotlieb & Laurenti, 2001;
reorganização da atenção à saúde por meio de Araújo, 2001; Duarte et al., 2002).
Normas Operacionais Básicas do SUS editadas O acompanhamento dos debates ocorridos
pelo Ministério da Saúde. na Comissão Intergestores Tripartite nos últi-
Destaca-se também a crescente autonomia mos anos, no âmbito do Projeto Descentrali-
e independência dos entes federados subnacio- zação On Line (http://www.ensp.fiocruz.br/
nais na gestão política e financeira dos sistemas descentralizar), e os resultados de pesquisa re-
locais a partir das crescentes parcelas de recur- cém-concluída sobre as desigualdades intra e in-
sos federais transferidas direta e automatica- ter-regionais no ambiente de gestão pública da
mente do Fundo Nacional de Saúde para os saúde, confirmam tal constatação (Lucchese et
Fundos Estaduais e Municipais. E, mais recen- al., 2002). As diferentes condições demográficas,
temente, com a definição de um patamar para a epidemiológicas, socioeconômicas, assistenci-
aplicação de recursos dos orçamentos públicos ais, gerenciais e financeiras nos estados e regiões
(União, estados e municípios) no financiamen- geram distintos perfis de problemas, dificulda-
to das ações e serviços de saúde, conforme es- des e prioridades no espaço local e regional de
tabeleceu a Emenda Constitucional n. 29 (EC intervenção setorial e produzem desigualdades
29), promulgada em setembro de 2000. relevantes na capacidade de o Sistema Único de
A definição de diretrizes para a regulamen- Saúde responder às necessidades locais.
tação das alterações constitucionais aprovadas Dessa forma, diante da urgência de se redu-
na EC 29 vem acumulando novos consensos não zir as desigualdades na capacidade de resposta
apenas quanto ao conjunto de ações e serviços do sistema, o tema da eqüidade em saúde ganha
públicos identificados como de responsabilida- força no debate setorial como objetivo a se al-
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cançar para a efetiva melhoria das condições de Whitehead (1992). Segundo o CHETRE, o con-
saúde do conjunto da população brasileira em ceito de eqüidade sugere que pessoas diferentes
todo o território nacional. deveriam ter acesso a recursos de saúde sufi-
Abordar a eqüidade nesse novo contexto da cientes para suas necessidades de saúde e que o
gestão da política de saúde e do Sistema Único nível de saúde observado entre pessoas diferen-
de Saúde não é tarefa fácil porque exige um es- tes não deve ser influenciado por fatores além
forço de reflexão que reconheça o “clima e o do seu controle. Como conseqüência, a iniqüi-
terreno” do novo ambiente de gestão descentra- dade ocorre quando diferentes grupos, defini-
lizada em que se processam as tarefas públicas. dos por suas características sociais e demográfi-
Este esforço requer uma revisão conceitual que cas como, por exemplo, renda, educação, ou et-
não somente aperfeiçoe o já avançado mapea- nia, têm acesso diferenciado a serviços de saúde
mento das desigualdades no país, como simul- ou diferenças nas condições de saúde (health
taneamente auxilie na identificação das tarefas status). Essas diferenças são consideradas iní-
de gestão necessárias para reduzi-las. quas se elas ocorrem porque as pessoas têm es-
Este artigo, em caráter exploratório, em- colhas limitadas, acesso a mais ou menos recur-
preende um primeiro esforço de reflexão nessa sos para saúde ou exposição a fatores que afe-
direção. Tomando como referência o trabalho tam a saúde, resultantes de diferenças que ex-
conceitual desenvolvido por Amartya Sen, no pressam desigualdades injustas (Chetre, 2000).
seu livro A desigualdade reexaminada (2001), Tal concepção se adapta perfeitamente ao
publicado originalmente em 1992, e consideran- campo de preocupações individuais e sociais re-
do a complexidade do ambiente em que se pro- lacionadas à saúde. Apresenta, no entanto, difi-
cessam as tarefas de gestão pública hoje no mun- culdades para sua operacionalização em tarefas
do, e em particular na América Latina, identifi- de gestão. Em primeiro lugar, ao conceito de ne-
cam-se algumas tarefas prioritárias para a redu- cessidade de saúde, bastante determinado cul-
ção das desigualdades em saúde no Brasil, para turalmente e variado quando relacionado às ati-
as quais a gestão do SUS deve se capacitar. vidades do cotidiano, à experiência da dor, à
morbidade, à longevidade, às possibilidades de
acesso ao cuidado, entre outros aspectos, cor-
O conceito de eqüidade na gestão respondem diferentes expectativas quanto aos
descentralizada do SUS recursos de saúde necessários para atendê-las e
sua suficiência. Acrescente-se a isso, a dificulda-
Encontrar a interpretação do conceito de eqüi- de de se discriminar o que é necessidade de saú-
dade mais adequada ao campo de atuação em de diante da pressão e do fascínio que o com-
saúde para então operacionalizá-lo em tarefas plexo médico industrial, cada vez mais diverso,
de gestão do sistema orientadas à redução de tecnologicamente sofisticado e dinâmico, exer-
desigualdades é um grande desafio. Como bem ce sobre o imaginário de potenciais usuários e
lembra Duarte (2000), as opções conceituais, dos profissionais de saúde.
inerentes aos desenhos de sistemas de saúde, Em segundo lugar, porque tal concepção
orientam a escolha dos critérios distributivos, a impõe qualificar e selecionar entre as diversas e
escolha de indicadores a utilizar para avaliar o extremas desigualdades sociais e econômicas,
grau de eqüidade e a interpretação dos resulta- que afetam direta ou indiretamente a saúde em
dos em relação à efetividade das intervenções. contextos como o brasileiro, aquelas diferenças
A literatura internacional vem adotando co- desnecessárias e injustas.
mo ponto de partida para novas definições do Para contornar essas dificuldades e tentar
conceito de eqüidade em saúde aquele desen- operacionalizar tarefas de gestão orientadas à
volvido por Whitehead (1992), segundo o qual eqüidade, um bom caminho a seguir parece ser
eqüidade implica que idealmente todos deve- a “perspectiva da capacidade” desenvolvida por
riam ter a justa oportunidade de obter seu ple- Sen (2001) em seu brilhante reexame das desi-
no potencial de saúde e ninguém deveria ficar gualdades e dos ordenamentos sociais em geral
em desvantagem de alcançar o seu potencial, se no início dos anos 90. Diante do reconhecimen-
isso puder ser evitado. to da heterogeneidade básica dos seres huma-
Em recente trabalho, o Center for Health nos e da multiplicidade de variáveis em cujos
Equity, Training, Research and Evaluation – termos a igualdade pode ser julgada – o que não
CHETRE (2000) apresenta uma boa síntese raro resulta em divergências relevantes de ava-
conceitual desenvolvida a partir da definição de liação – o autor propõe como ponto de partida
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para a análise da desigualdade a seguinte inda- Escorel (2001) ressalta a pertinência de se


gação: “está se buscando igualdade de quê?”. abordar as desigualdades sociais no Brasil a par-
Segundo a perspectiva desenvolvida pelo tir da perspectiva desenvolvida por Sen (2001).
autor, o estudo da realização e avaliação indivi- Segundo a autora, para a reversão das condições
dual e social de bem-estar nas sociedades con- atuais, para a elaboração de políticas eqüitativas
temporâneas deve deslocar o foco dos instru- dirigidas aos grupos social e economicamente
mentos/meios tradicionalmente utilizados para mais vulneráveis, para os brasileiros que menos
comparação, como por exemplo, domínio so- chances têm de desenvolver suas capacidades e
bre bens primários, recursos ou renda real, pa- potencialidades, ao invés de reduzir a elaboração
ra os seus elementos constitutivos, quais sejam, das políticas aos fatores contingenciais da facti-
os “funcionamentos” necessários ao alcance de bilidade financeira, há que se partir de um diag-
bem-estar, isto é, estados e ações inter-relacio- nóstico da pobreza como privação das capacida-
nados (beings and doings) e a “capacidade” de des, para então estabelecer o que deve ser feito e
realizar tais funcionamentos a partir de oportu- daí o que pode ser feito a cada momento (Esco-
nidades reais. rel, 2001).
Por exemplo, os funcionamentos relevantes O que parece promissor “tomar empresta-
para a realização de uma pessoa podem variar do” a esta perspectiva de análise das desigualda-
desde coisas elementares como estar nutrido ade- des é a aplicação dos conceitos de “funciona-
quadamente, estar em boa saúde, livre de doenças mentos” e “capacidades”, relacionados por Sen
que podem ser evitadas e da morte prematura aos indivíduos, aos espaços de gestão descen-
etc., até realizações mais complexas, tais como ser tralizada do SUS. Nesse sentido, reconhecendo
feliz, ter respeito próprio, tomar parte da vida na a priori a heterogeneidade básica entre municí-
comunidade, e assim por diante (Sen, 2001). Ou pios, estados e regiões do país, propõe-se, por
seja, os funcionamentos são constitutivos do es- analogia, deslocar o ponto de partida analítico
tado de uma pessoa. A capacidade corresponde dos funcionamentos e capacidades individuais
às ações livremente escolhidas pelas pessoas necessários para assegurar a todos a liberdade
para realizar tais funcionamentos. de realização da saúde para alcançar bem-estar,
A desigualdade deve ser examinada, assim, a para o dos funcionamentos e capacidades polí-
partir da maior ou menor capacidade de esco- ticos, institucionais e administrativos necessários
lha – entendida em sua interação com as opor- para assegurar aos espaços de gestão pública do
tunidades reais –, entre alternativas possíveis SUS a liberdade de agir visando à realização da
para a realização de bem-estar no conjunto de saúde dos indivíduos e o bem-estar da coletivi-
funcionamentos que o constituem e viabilizam. dade.
Em suma, esta abordagem aponta para a neces- Entendendo-se a gestão pública como o es-
sidade de se examinar a liberdade para realizar paço de tomada de decisões a partir da media-
em geral, e a capacidade para realizar funcio- ção entre as necessidades/demandas sociais e a
namentos em particular. administração dos recursos governamentais dis-
A partir dessa perspectiva, bastante resumi- poníveis, caberia, portanto, explorar o conceito
da no esforço de reflexão aqui empreendido, de eqüidade na gestão descentralizada do SUS
Sen (2001) analisa ainda as implicações que tal como a igualdade de condições e oportunidades,
formulação traz para a estimativa da liberdade entre todas as unidades político-administrativas
e vantagem individual, para teorias da justiça, da Federação Brasileira, para a realização dos
para a economia do bem-estar, para a teoria da “funcionamentos” e para o desenvolvimento das
avaliação da desigualdade, para a estimativa da “capacidades” necessárias à organização e imple-
pobreza tanto em países ricos como em pobres e mentação de respostas eficazes aos principais pro-
para a análise de desigualdades associadas a ca- blemas que afetam a população em cada local.
tegorias como classe, sexo e outros grupos. Antes de tentar identificar quais seriam es-
O caminho traçado pelo autor, embora si- ses funcionamentos e capacidades, entretanto, é
tuado no campo de interfaces entre a ética, a preciso compreender o ambiente complexo em
economia e a filosofia política, constitui uma que se realizam as tarefas de gestão pública do
boa referência para uma mudança de foco da cuidado à saúde.
análise sobre as desigualdades econômicas e so-
ciais que visem à formulação e implementação
de políticas públicas orientadas à eqüidade no
campo da saúde.
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A complexidade do ambiente em para a vigilância e avaliação dos progressos al-


que se processam as tarefas públicas cançados; e 3) a adoção de estratégia nacional
de desenvolvimento sustentável (UM, 2000).
Os dilemas colocados na atualidade pelo pro- O Programa de Desenvolvimento das Na-
cesso de globalização e pelo esgotamento dos ções Unidas, em seu recente Relatório do De-
modelos macroeconômicos de gestão e explica- senvolvimento Humano “Deepening Demo-
ção da realidade social, trazem para o centro do cracy at the Global Level” (UNDP, 2002), am-
debate público sobre o desenvolvimento huma- plia o campo de mudanças necessárias para um
no, social e econômico a questão do papel do desenvolvimento social e econômico eqüitativo,
Estado no campo social e seu redesenho insti- ao se preocupar em salvaguardar a liberdade e
tucional e gerencial para uma performance efe- dignidade de todos. Segundo o relatório, a de-
tiva na redução de desigualdades econômicas e mocracia deve alargar-se e aprofundar-se por
sociais. meio de instituições públicas sólidas e políticas
Nesse contexto proliferam iniciativas nacio- públicas democráticas. Para tanto, identifica co-
nais e internacionais, governamentais e não-go- mo requisitos fundamentais: a melhor atuação
vernamentais, e novas linhas de reflexão e ação dos partidos políticos; eleições livres e justas,
social que objetivam transformar positivamen- com sufrágio universal; a separação dos pode-
te o Estado na direção da eqüidade. res, com braços independentes judiciais e legis-
Esse cenário vem colocando novos e maio- lativos; uma sociedade civil vibrante apta a mo-
res desafios não apenas para a organização e efi- nitorar o governo e os negócios privados; uma
ciência da gestão pública em geral, e do cuida- mídia independente e o controle civil sobre os
do à saúde, em particular, mas principalmente militares; novas formas de participação da po-
para que as tarefas públicas no campo social lo- pulação no debate público e em atividades de
grem modificar as situações de extrema desi- ação coletiva.
gualdade, cada vez mais evidentes. Destaca, além disso, que dado o contexto
Grande parte desses desafios, internacional- mundial de interdependência e integração eco-
mente reconhecidos, vem sendo sistematizadas nômica, o aprofundamento da democracia im-
no âmbito das atividades do sistema das Nações põe também a participação nas decisões globais
Unidas (http://www.un.org) e na literatura re- que interferem diretamente nas regras e movi-
cente de análise da crise e reforma do Estado mentos dos atores locais.
Moderno, Providência Nacional – e do contrato Dessa forma, ao incorporar os temas da glo-
social (Kliksberg, 1998; Santos, 1998, 2002; Ro- balização, da eficiência e eficácia governamen-
sanvallo, 1998; Castel, 1998; Vieira, 2001). Prin- tal, da democracia, da governança e da respon-
cipalmente porque atravessam as agendas go- sabilização das instituições democráticas, o de-
vernamentais nacionais, pressionando pela re- bate internacional estabelece novas tarefas po-
novação das tarefas públicas. líticas e institucionais para o alcance de eqüi-
No plano da cooperação internacional para dade.
o desenvolvimento sustentável, a movimenta- Tomando como referência as novas tendên-
ção intelectual em torno da elaboração e imple- cias e suas implicações para a reforma do Esta-
mentação da Agenda 21 das Nações Unidas vem do, Kliksberg (1998), em trabalho elaborado co-
estabelecendo, desde o início dos anos 90, no- mo tema central para uma reunião mundial de
vos princípios e compromissos governamentais peritos em administração pública organizada
e intergovernamentais. Adotando uma nova ra- pelas Nações Unidas, dá ênfase às inovações or-
cionalidade ecológica voltada para a eficiência ganizacionais para o redesenho do Estado no
econômica, a eqüidade e a responsabilidade campo social. Segundo ele, um dos principais
social, e objetivando enfrentar as disparidades desafios para o estabelecimento de um desen-
internacionais e nacionais relacionadas à po- volvimento social ativo, eqüitativo e sustentado,
breza, à fome, às doenças e ao analfabetismo, e consiste na reconstrução da capacidade de ges-
especialmente à deterioração dos ecossistemas, tão estatal, a partir de um estilo gerencial adap-
esses novos compromissos incluem: 1) o aper- tativo, estritamente conectado com a realidade
feiçoamento dos processos de tomada de deci- e capaz de reagir ao andamento das variações
são e dos sistemas de planejamento e gestão, contextuais.
com vistas à articulação gradual das questões O autor identifica as seguintes linhas de tra-
econômicas, sociais e de meio ambiente; 2) a balho como chaves para a abertura de uma no-
institucionalização de sistemas de informação va agenda para a atualização da gestão social:
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a) o reposicionamento organizacional da polí- ra somente após a avaliação de sua eficácia e


tica social no campo de decisão sobre os temas qualidade democráticas por parte dos cidadãos.
de grande impacto social, visando assegurar a Essa experimentação, entretanto, não deve per-
grande conciliação do econômico com o social; mitir que a incoerência, a instabilidade e a frag-
b) a melhoria radical da coordenação intra- mentação estatal gerem exclusões. Ao contrário,
Estado por meio da integração operacional das deve garantir padrões mínimos de inclusão, que
diversas áreas em um desenho organizativo que tornem possível a cidadania ativa necessária pa-
facilite o cruzamento de enfoques, o trabalho ra o monitoramento, acompanhamento e ava-
em equipe e a otimização conjunta dos escas- liação do desempenho de projetos alternativos.
sos recursos disponíveis; Vale mencionar, por fim, nessa breve refe-
c) a descentralização dos serviços sociais para rência ao debate teórico, a importância de se
as regiões e municípios como condição para a examinar com vagar, para uma melhor com-
integração regional de políticas econômicas e preensão da extensão e profundidade das mu-
sociais e oportunidade para uma maior efetivi- danças em curso que impõem a recomposição
dade, eficiência gerencial e sustentabilidade dos das políticas econômicas e sociais, as contribui-
programas governamentais; ções de Rosanvallon (1998), Castel (1998); Viei-
d) o desenvolvimento de meta-redes, convoca- ra (2001) e Zaluar (1997). Esses autores reali-
das pelo Estado, como meio de potencializar e zam, a partir da abordagem à crise do Estado
complementar a contribuição de todos os ato- Providência e dos Estados Nacionais, e ao con-
res sociais por meio da coordenação de ações ceito de exclusão, um trabalho fundamental de
conjuntas; revisão e análise da “questão social”, no novo
e) a adoção de desenhos participativos na pro- contexto global de ressignificação dos pactos
gramação, gestão e avaliação de programas de de solidariedade, de trabalho, de cidadania, dos
saúde, educação, habitação, desenvolvimento circuitos de reciprocidade, dos valores e méto-
rural, nutrição, etc., para o alcance de benefí- dos do “progresso social”, e suas implicações pa-
cios gerenciais concretos; e ra as políticas públicas e para a fundação de um
f) a melhoria da qualidade dos serviços pú- novo espaço público.
blicos com a participação dos beneficiários/ A produção teórica desses autores oferece
usuários. vigorosas linhas de reflexão para uma transfor-
De uma perspectiva mais ampla, Santos mação positiva da regulação social na direção
(1998) ao discutir a crise do contrato social da da democratização da sociedade, do Estado e da
modernidade e os impactos da globalização nas economia, e para a renovação organizacional,
estruturas e práticas nacionais e locais, amplia o gerencial e política da gestão estatal.
campo de desafios com que se depara a gestão Todas essas agendas, com vários pontos de
pública, ao chamar a atenção para a urgência conexão e áreas de interface, dão a dimensão da
de se estabelecer, nesse ambiente heterogêneo e complexidade do ambiente de gestão pública
contraditório de grandes mutações, um novo na atualidade. Embora longe de estarem imple-
modo de regulação social, fundado em proces- mentadas na maioria dos países, integram, sem
sos de deliberação democrática e em uma nova dúvida, o campo de proposições dos diferentes
institucionalidade compatível com um Estado atores e orientam várias inovações no âmbito
articulador, integrador e coordenador de um das reformas nacionais, com impactos diretos
conjunto híbrido de fluxos, redes e organizações nos processos de gestão estatal.
em que se combinam e interpenetram elementos Parece lícito afirmar ainda que as idéias,
estatais e não estatais, nacionais e globais (San- proposições, consensos e dissensos difundidos
tos, 1998). nesse amplo debate integram as agendas especí-
Considerando a emergência dessa nova for- ficas das diferentes áreas de ação social do Esta-
ma de organização política mais vasta que o Es- do e pressionam por mudanças efetivas nos pa-
tado, a disseminação de sociabilidades alterna- drões tradicionais de gestão pública para que os
tivas e a necessidade de se reinventar a demo- resultados de suas ações promovam uma distri-
cracia, Santos (1998) sugere que o Estado deve buição mais justa dos benefícios e serviços so-
transformar-se num campo de experimentação, ciais, capazes de gerar melhorias significativas
no qual diferentes soluções institucionais se de- nas condições de vida de todos.
senvolvam com igualdade de oportunidades, de No campo da saúde, o reconhecimento da
maneira que a prestação de bens públicos se dê complexidade das interações necessárias para
sob várias formas, e que a opção entre elas ocor- a produção social de bem-estar não é novo. As
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conexões entre ambiente e saúde, espaço e desi- bilitação das pessoas para a adoção de estilos de
gualdades, política e democracia, recursos e tec- vida que preservem a sua saúde, de redefinição
nologias para a atualização das práticas de cui- do modelo de atenção, em particular no que se
dado à saúde apenas acrescentam mais desafios refere à atenção básica, demonstram a pertinên-
para uma gestão pública setorial orientada a cia de se consolidar o compromisso público,
melhorias permanentes na atuação dos siste- governamental e social, com a tarefa coletiva de
mas de saúde, com impacto sobre a eqüidade promover a saúde das populações.
sanitária. Nesse âmbito, de acordo com Gentile (2001)
Esta complexidade está bem retratada, por o estabelecimento de projetos ou estratégias na-
exemplo, no panorama apresentado no informe cionais têm demandado: 1) o aumento dos in-
produzido pelo secretário-geral da Organização vestimentos públicos para fomentar a saúde; 2)
Mundial de Saúde em 2001 para o comitê pre- o fortalecimento e expansão de parcerias; 3) o
paratório da Cúpula Mundial sobre Desenvol- aumento da capacidade comunitária para iden-
vimento Sustentável (Naciones Unidas, 2001): tificar e propor soluções para os seus proble-
Muchos de los principales factores que deter- mas; 4) a garantia de direitos aos indivíduos; e
minan los estados de salud y de enfermedad – así 5) infra-estrutura para o desenvolvimento de
como las soluciones correspondientes – no depen- inovações e atividades que promovam a saúde.
den directamente del sector de la salud sino que Em suma, o ambiente de gestão pública do
se relacionan con el medio ambiente, el abasteci- cuidado à saúde pode ser caracterizado hoje co-
miento de agua y el saneamiento, la agricultura, mo um vasto campo de reflexões, proposições e
la educación, el empleo, los medios de vida urba- mudanças que buscam informar ou organizar
nos y rurales, el comercio, el turismo, la energía y intervenções públicas com impacto positivo so-
la vivienda. Es indispensable abordar los factores bre a eqüidade.
implícitos que determinan la salud a fin de poder Nesse ambiente, traduzir os objetivos e ino-
mejorar los sistemas de salud a largo plazo de vações para uma efetiva redução de desigual-
forma perdurable y alcanzar un desarrollo ecoló- dades em saúde em tarefas concretas de gestão
gicamente sostenible. Se han registrado progresos que modifiquem para melhor as condições de
en cuanto a forjar vínculos más estrechos entre el vida daqueles em situação menos favorecida,
sector de la salud y otros sectores, en particular no mais curto prazo, permanece um grande
mediante planes nacionales y locales intersecto- desafio.
riales (salud y desarrollo) y el uso más intensivo Tais tarefas, considerando a intensa interde-
de instrumentos de planificación como los proce- pendência entre os processos econômicos, so-
dimientos de evaluación de las consecuencias pa- ciais e culturais de caráter mundial e aqueles de
ra la salud, los sistemas integrados de observa- caráter nacional ou regional na conformação
ción y vigilancia e indicadores y sistemas de in- das agendas governamentais, devem considerar
formación afinados. (Naciones Unidas, Consejo a diversidade de respostas necessárias e adequa-
Económico y Social, 2001). das a cada realidade, tanto no que diz respeito a
Consenso semelhante está na origem das modelos macroeconômicos quanto a inovações
formulações do movimento internacional pela institucionais no campo da intervenção estatal.
Promoção da Saúde, que desde a sua 1a Confe-
rência Internacional em 1986 vem disseminan-
do iniciativas de elaboração de políticas públi- A descentralização como
cas saudáveis, de criação de ambientes favorá- oportunidade para a maior eqüidade
veis à saúde, de reforço à ação comunitária, de em saúde na América Latina
desenvolvimento de habilidades pessoais e de
reorganização dos serviços sanitários, com im- Estudos recentes sobre as experiências latino-
pacto na proposição e aperfeiçoamento de es- americanas têm demonstrado que o alcance da
tratégias nacionais de aproximação interseto- eqüidade na gestão de serviços sociais na maio-
rial, de participação social e de reorganização ria dos países da região depende de três requi-
do modelo de atenção à saúde (Gentile, 2001). sitos conjugados: 1) um sistema de financia-
Especialmente nos espaços de gestão das ci- mento estável orientado à eqüidade inter-regio-
dades, várias experiências de articulação de nal; 2) um sistema de gestão flexível, com mar-
ações intersetoriais em prol da saúde, de mobi- gens suficientes de autonomia local na adminis-
lização e participação comunitárias para a de- tração dos recursos e da força de trabalho; e 3)
fesa e garantia de um ambiente saudável, de ha- a responsabilização das autoridades por seus re-
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sultados, a partir da efetiva delegação da gestão • o incremento das receitas fiscais e o aumen-
dos serviços aos governos subnacionais (Cepal, to da capacidade de arrecadação dos governos
2000). locais.
Segundo o documento Equidad, desarrollo De fato, esses desafios presentes na gestão
y ciudadania elaborado pela Comissão Econô- descentralizada dos serviços sociais na América
mica para a América Latina e o Caribe (Cepal, Latina, com a complexidade que assumem em
2000), das Nações Unidas, a descentralização da tempos de globalização, de mudanças no modo
gestão pública tem representado uma grande de regulação social e de redesenho institucional
oportunidade para a adequação dos programas do Estado, integram, desde o início dos anos 90,
governamentais às demandas e singularidades a agenda política setorial no Brasil. E é a partir
locais e para um aumento da eficiência do gas- desses desafios que se desdobram tarefas de
to público, da eficácia gerencial, da sustentabi- gestão para a redução de desigualdades em saú-
lidade e da eqüidade no que se refere aos resul- de no país.
tados da ação governamental, com potencial de
assegurar maior efetividade ao gasto social.
A partir da análise dos objetivos, de aspec- Os funcionamentos e capacidades ne-
tos fiscais e de organização institucional, e da cessários à gestão do SUS para
participação social nos processos de descentra- a redução de desigualdades em saúde
lização dos serviços sociais em oito países lati-
no-americanos, entre os quais o Brasil, a comis- Tomando como referência o debate internacio-
são identifica os seguintes desafios para uma nal, as contribuições de Kliksberg (1998) e San-
gestão pública orientada à eqüidade, com base tos (1998), e retomando a “perspectiva da capa-
nas lições aprendidas: cidade” desenvolvida por Sen (2001), conforme
• a clara definição das funções de coordena- as adaptações sugeridas neste artigo, pode-se
ção, gestão do financiamento, provisão das proceder a uma primeira aproximação aos “fun-
prestações sociais e desenho e aplicação de nor- cionamentos e capacidades” necessários à ges-
mas reguladoras, que considerem as capacida- tão descentralizada do SUS para que todas as
des presentes e potenciais das regiões; unidades político-administrativas da República
• a descentralização do modelo de financia- Federativa do Brasil tenham iguais condições e
mento e das decisões sobre recursos humanos; oportunidades de organizar respostas eficazes
• o fortalecimento da competência técnica aos problemas de saúde no território nacional.
dos órgãos subnacionais para que possam as- De imediato, alguns requisitos políticos,
sumir suas novas atribuições; institucionais e administrativos parecem ser de-
• a compatibilização entre as dimensões se- cisivos para dar sustentabilidade a processos de
torial e territorial na estrutura descentralizada; gestão orientados à eqüidade. Entre eles, desta-
• o fortalecimento da competência técnica da cam-se:
gestão administrativa e financeira; • o alargamento dos padrões de inclusão so-
• a superação da fragmentação das responsa- cial da política de saúde e a recusa à geração de
bilidades quanto ao financiamento e à superpo- novas exclusões, paralelamente ao desenvolvi-
sição de âmbitos de regulação e supervisão lo- mento de vínculos mais concretos entre os dife-
cal e nacional; rentes atores sociais nos espaços de gestão, para
• a superação da excessiva complexidade do a sua efetiva participação na formulação, acom-
financiamento, tanto no que diz respeito à di- panhamento, monitoramento e avaliação de de-
versidade das fontes de recursos, quanto à rigi- sempenho de políticas e projetos alternativos;
dez do destino e dos objetivos a elas fixados; • a democratização das tarefas de coordena-
• melhores escalas econômicas e técnicas para ção dos divergentes, e muitas vezes contraditó-
a prestação de serviços sociais não necessaria- rios, interesses presentes no processo decisório
mente coincidentes com as repartições admi- setorial, e o fortalecimento de processos orgâ-
nistrativas; nicos de negociação que explicitem os conflitos
• maior autonomia de gestão das unidades reais subjacentes entre os diferentes atores;
que prestam serviços; • a articulação intersetorial e a integração re-
• o estabelecimento de um adequado sistema gional das políticas públicas na definição de
de informação, que permita dar seguimento e uma agenda governamental que harmonize in-
avaliar as transferências intergovernamentais e tervenções econômicas, sociais e ambientais de
em geral, o avanço das metas fixadas; impacto sobre a eqüidade em saúde;
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• a atualização das funções públicas de plane- toriais (e extra-setoriais relacionadas), e insti-


jamento, regulação, financiamento e prestação tuição de rotinas de acompanhamento, moni-
de serviços, visando ao aperfeiçoamento insti- toramento e avaliação da situação de saúde e
tucional e organizacional do sistema de saúde das estratégias e intervenções implementadas,
para melhor assegurar a qualidade da atenção a para a alimentação e retroalimentação do pro-
todo e qualquer cidadão brasileiro. cesso decisório?
Esses requisitos, que em seus resultados po- Ainda que não completamente desenhados,
dem contribuir para instituições públicas mais alguns caminhos para superar essas dificulda-
sólidas e democráticas, representam condições des, já esboçados nos espaços institucionais de
essenciais para que a sociedade brasileira proce- formulação, gestão e/ou ação setorial, merecem
da a uma análise criteriosa de algumas dimen- destaque pelo potencial que carregam de pro-
sões constitutivas do “estado” atual da gestão do mover a eqüidade na gestão do sistema:
sistema e busque identificar os “funcionamen- a) a valorização da epidemiologia como co-
tos e capacidades” necessários para a efetiva re- nhecimento científico imprescindível à com-
dução de desigualdades em saúde no Brasil. preensão dos determinantes e riscos que condi-
Como contribuição ao debate, este artigo cionam o processo saúde-doença em cada local;
encerra-se com algumas indagações e conside- como conjunto de métodos e técnicas relevan-
rações finais. tes para a identificação dos principais proble-
• Como identificar e reduzir desigualdades a mas que afligem a população e das prioridades
partir do tratamento simétrico dispensado his- nacionais, regionais e locais; enfim, como su-
toricamente pela direção nacional do sistema de porte básico ao planejamento, administração e
saúde à totalidade de municípios, estados ou re- avaliação do impacto de políticas, programas,
giões, supondo sua homogeneidade quanto à si- ações e serviços;
tuação demográfica, epidemiológica, socioeco- b) a valorização da experiência cotidiana da
nômica, assistencial, gerencial e financeira, e ao população, dos usuários do sistema, dos profis-
perfil e magnitude dos problemas a enfrentar? sionais de saúde, dos gestores locais, não apenas
• Como identificar e reduzir desigualdades a na avaliação e controle de suas ações e na defi-
partir da (re)programação de ações e serviços nição de prioridades e estratégias para a gestão
baseados em uma oferta mal distribuída de pro- política da saúde, mas na identificação e quali-
cedimentos médicos, equipamentos e tecnolo- ficação permanente dos problemas, carências e
gias, historicamente estruturada a partir de in- lacunas na operação do sistema de saúde;
teresses tão pouco sintonizados com as necessi- c) a emergência de demandas estruturadas dos
dades de saúde da população e com as necessi- gestores do SUS das três esferas de governo por
dades das realidades locais? cooperação técnico-científica, e o desenvolvi-
• Como identificar e reduzir desigualdades a mento de parcerias com instituições acadêmi-
partir da ação de secretarias estaduais e muni- cas para o aperfeiçoamento/qualificação de seus
cipais “desfinanciadas”, com recursos humanos profissionais e para a eficiência de suas inter-
desvalorizados (em todos os sentidos) e uma venções;
“pseudo-administração burocrática” incapaz de d) o redimensionamento da oferta de ações e
garantir padrões mínimos de eficiência para o serviços de saúde no território nacional, no
alcance permanente de resultados de qualidade? contexto de um processo de regionalização da
• Como identificar e reduzir desigualdades a assistência à saúde, que visa aprofundar a des-
partir da complexidade e fragmentação do fi- centralização e garantir a eqüidade no acesso
nanciamento, orçamentação, implementação e dos cidadãos brasileiros a uma atenção integral.
prestação de contas das atividades dos diversos Muito há ainda a explorar neste debate. Fi-
campos de atuação do sistema de saúde, cuja ar- ca, portanto, para o leitor o convite à reflexão
ticulação e complementaridade são imprescin- sobre as capacidades que precisam ser desenvol-
díveis para gerar impactos significativos sobre vidas nos espaços de gestão descentralizada do
as condições de saúde da população? sistema, para que em todas as unidades federa-
• Como identificar e reduzir desigualdades tivas possa se escolher, em um campo cada vez
sem o suporte político-institucional necessário mais fértil de oportunidades reais, aquelas que
para o desenvolvimento de práticas de trata- melhor contribuam para o estabelecimento da
mento e análise sistemática das informações se- eqüidade em saúde no Brasil.
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