G en e ra l J o u r n e yi n g : a n a v i g a ti n g g e st u r e
Sonia PRIETO1
Resumo: Este artigo se propõe a explicitar, a partir da leitura da obra de Celina de Holanda, a concepção do
fazer poético que sustenta a dicção celiniana. Nessa perspectiva, analisa a produção poética da autora
reunida no livro Viagens Gerais, depreendendo da tessitura dos poemas os elementos constitutivos das
modulações da voz lírica.
Palavras-chave: Enunciação lírica. Celina de Holanda. Simbologia do branco.
Abstract: This article aims to explain, from a close reading of Celina de Holanda's work, the conception of
poetry-making that sustains her diction. From this perspective, it analyzes the author’s poetic production
assembled in the book Viagens Gerais, inferring from the tessiture of her poems the constituent elements of
the lyrical voice modulations.
Key works: Lyrical enunciation. Celina de Holanda. White symbology.
1
Doutora em Teoria e História Literária pela UNICAMP.
2
HOLANDA, Celina de. Viagens Gerais. Recife: FUNDARPE-CEPE, 1995.
Esse volume reúne a produção poética de Celina publicada a partir de 1970. Abrange os seguintes livros: O espelho e a rosa (1970), A
mão extrema (1976), Sobre esta cidade de rios (1979), Roda d’água (1981), As viagens (1984), Pantorra, o engenho (1990), bem como
as obras inéditas Afago e Faca, Tarefas de Nigiam e As elegias. Os poemas citados neste trabalho remetem para essa edição, com a
indicação da página entre parênteses logo após o texto transcrito.
Viagens gerais: um gesto navegante
Sonia Prieto
final, contaminou.
(p. 270)
Esse poema elabora uma concepção do fazer poético como “busca e espera” da
integridade daquilo que dá sustentação e inteireza ao homem, princípio metaforizado
pela imagem da semente que se faz “verde” e se realiza na “harmonia essencial”. Desse
poema, pode-se inferir uma concepção sobre a gênese e a natureza da poesia – poesia é
instauração / criação de um mundo humano, de um olhar singular e concreto sobre o
mundo na e pela palavra. Na escrita poética de Celina de Holanda, essa nomeação do
mundo, esse olhar, concretiza-se numa densa constelação de símbolos, cujo núcleo
vincula-se à simbologia do branco. Antes de ouvirmos a voz de Celina, vejamos em que
consiste essa simbologia.
Segundo Chevalier e Gheerbrant, o branco é símbolo ambivalente, desdobrando-se
em duas vertentes: 1) como ausência de todas as cores, associa-se às imagens da noite e
da morte; 2) como soma de todas as cores, remete para a vida. Assim, o branco
representa a dualidade do início e do término da vida diurna e do mundo manifesto e, em
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ambas as modalidades, é símbolo da passagem. Na segunda vertente de significação, o
branco é símbolo do princípio, aglutinando as imagens da alvorada e do retorno, e
configura-se como origem transbordante de possibilidades, como rico potencial de
manifestações, concentrando uma dimensão solar. Nesta acepção, o branco é a cor da
revelação, da graça, da transfiguração que desperta o entendimento, da “consciência
diurna desabrochada que morde a realidade”. 3
As Viagens Gerais apresentam traços dessa simbologia, predominando no
imaginário dos poemas as significações metafóricas do branco. Retomando o poema em
questão, pode-se verificar que o texto ostenta uma instância enunciativa atemporal – “Era
branco o princípio” – princípio “desnudo”, “semente” que se deseja “verde”, plena de
vida. Metaforicamente, a brancura virginal da origem desloca sua significação para a
criação poética (“Era branco o desejo da poesia”), de forma que esta se concebe “desejo”
3
Sobre a simbologia do branco, ver CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989,
p. 141-144.
Verde
Tomo
esta branca intenção
e me retêm
as palavras que busco
e que ultrapassas.
Assim eu rezo hoje
como a corça ligeira
e toda branca
no verde que a circunda e onde repousa.
Assim teus braços me esperassem verdes
no silêncio de paz que eu busco tanto. 33
(p. 292)
O Silêncio e o Canto I
Um amigo ensinou-me
Revista FAFIRE, Recife, v. 8, n. 1, p. 31-39, jan./jun. 2015.1
Viagens gerais: um gesto navegante
Sonia Prieto
a ver o verso
com os olhos do inimigo
(p. 118)
A realidade é a possibilidade
e mais o sonho
às vezes triste como os olhos
de um animal surpreendido.
Mas é preciso crer
com um novo corpo
de olhos ilegíveis, boca para calar
e o pulo pronto para saltar sobre o medo
quando o medo chegar.
(p. 182)
Afago e faca
Tema do Silêncio II
4
Idem, p. 196-197.
Revista FAFIRE, Recife, v. 8, n. 1, p. 31-39, jan./jun. 2015.1
Viagens gerais: um gesto navegante
Sonia Prieto
(p. 115)
Tempo Devoluto
A carne triste
guarda o silêncio
que o tempo pasma
de ver intacto.
Transita a morte
que não consome
mais que a distância
da longa espera.
Os deslumbrados
olhos exultam
da pedra erguida
na noite sua.
Mais numerosos
do que as torrentes
Revista FAFIRE, Recife, v. 8, n. 1, p. 31-39, jan./jun. 2015.1
Viagens gerais: um gesto navegante
Sonia Prieto
buscando o abismo
os homens seguem.
Enquanto a terra
que gera, alarga
seus lagamares.
(p. 299)
Corpo-Presente
O gesto navegante.
Terra tornada indiferente
ao sol. Taça esgotada.
Matriz dos gestos perpetuados
que voz te obriga mais
que os nomes
tão amorosamente nomeados?
Condutora nau (levas ou deixas)
Referências
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. 2. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio,
1989.
HOLANDA, Celina de. Viagens gerais. Recife: FUNDARPE, 1995.
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Recebido em: 16/02/2016
Aprovado em: 24/02/2016
Para referenciar este texto:
PRIETO, Sonia. Viagens gerais: um gesto navegante, Revista FAFIRE, Recife, v. 8, n.1, p. 31-39, jan./jun.2015. 39