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CAPÍTULO

Ano 1729 da Nova Era.


Nove dias antes do Despertar...

Algumas pessoas duvidam da pró pria capacidade a tal ponto que acreditam nã o estar
prontas para receber algo que já estã o aptas para possuir.
Lilah Khalid era uma dessas pessoas.
Criada desde jovem para governar – e para esconder quem realmente era –, vira a
forma como o poder corrompe mentes fracas. E se estivesse mais ocupada em fortalecer a
pró pria mente em vez de acreditar que jamais seria forte o suficiente para suportar, teria
se tornado uma das melhores líderes que Nakiya já tivera a honra de conhecer.
Mas, ao contrá rio disso, estivera, nas ú ltimas semanas, ocupada tentando
encontrar uma forma de curar o avô dos males que o afligia. Acontece que os livros nã o
possuem todas as respostas, e, à s vezes, nó s precisamos da falta delas para evoluirmos.
Zayn estivera acompanhado toda essa busca infrutífera desde o começo, mesmo estando
longe, e agora considerava a ideia de deixar a vingança de lado e esperar a futura rainha
cair sozinha.
– Tomando chá e cuidando da vida da princesa, hadit? – perguntou Khadija,
tomando o cuidado de nã o pisar nas víboras que ocupavam boa parte do oá sis. – De novo...
– Hadit? – Zayn franziu a sobrancelha, estranhando o apelido enquanto deixava sua
informante de lado.
A cobra que acompanhara sua alteza real nas ú ltimas semanas nã o poupava
detalhes no que dizia respeito a sua frustraçã o com relaçã o ao estado alarmante do rei
Alaor. Mas nã o havia a mínima possibilidade de prestar atençã o no que ela sibilava quando
Khadija estava pró xima.
– Sim, é uma palavra que aprendi do velho idioma. Significa “idiota”.
– Nã o significa, nã o.
– Claro que significa – disse ela, sorrindo de forma ousada para ele.
Zayn nã o era idiota e nem aquela palavra significava isso, mas ele nã o precisava
saber disso. Khadija estava feliz vendo-o ficar incomodado com um apelido bobo, e poucas
coisas a estavam fazendo feliz ultimamente, entã o deixou que aquilo durasse mais um
pouco.
– Nada que alegre ou motive a nossa querida princesa. Na verdade, o completo
oposto. Você sabia que ela está procurando mapas que levem até a Biblioteca de Ananto?
Ele se ajeitou no trono velho e destruído, encontrando uma posiçã o quase
confortá vel com as pernas apoiadas no braço do trono. Khadija encontrou um espaço no
outro braço, afundando a mã o no cabelo de Zayn.
– Pensei que a biblioteca nã o passasse de um mito.
Houve hesitaçã o em sua voz, ele notou, apesar de ignorar momentaneamente. Será
que Khadija tem medo do que poderia acontecer se alguém um dia encontrasse a velha
biblioteca? Deveria ter, ninguém sabe o que se encontra entre aquelas muitas prateleiras
de livros empoeirados.
– E nã o passa – respondeu ele, tentando tranquilizá -la. – Ao menos, eu acho que
nã o passa. Quem poderia afirmar com certeza?
Khadija deu de ombros, apesar de saber que ele nã o viu. Entã o ela abaixou a cabeça
sobre a dele, vendo seus olhos encontrarem os de Zayn. Segurou o cabelo que caíra no
rosto dele e tomou coragem para perguntar.
– Você quer isso mesmo?
Os olhos verdes de Zayn deixaram claro que ele nã o havia entendido a pergunta.
– A princesa. Você quer mesmo contar ao mundo que...
– Sim, Khadija – interrompeu ele, querendo que aqueles olhos amendoados dela
vissem tudo da mesma forma como ele via. Seria tã o mais simples. – A culpa de estarmos
aqui, nos escondendo, é dela. Dela e daquela família de hipó critas.
Em momento nenhum Zayn ergueu o tom de voz, utilizando de uma falsa sensaçã o
de calmaria que deixou até as cobras que rastejavam pelo chã o mais alertas, como se
houvesse um perigo iminente. Os pelos do braço de Khadija se arrepiaram.
Havia ó dio dentro dele, um ó dio puro e frio, que ninguém gostaria de estar perto
caso algum dia inflamasse. O que teria acontecido para ele ficar assim?
– Nã o entendo o que Lilah Khalid pode ter feito para causar isso, hadit.
– Trata-se do que ela não fez – disse ele, desviando o olhar para as paredes
deterioradas que cercavam aquele trono no oá sis.
Ninguém sabia o que um trono como aquele fazia no meio de um oá sis, ou há
quanto tempo estivera ali, mas esta havia sido a residência de Zayn desde que as pessoas
começaram a perceber o que ele era capaz de fazer. E agora era um ninho de cobras, que
afastava todos os sedentos que ousavam atravessar o deserto em direçã o as fronteiras do
famoso Deserto de Vidro.
– Você nã o quer mais o direito de andar livremente, sem que venham atrá s de você
com armas e ofensas, Khadija? – perguntou Zayn, encarando ela para ver se Khadija
desviaria o olhar. Ela o fez.
– Claro que quero. Isso é o que eu mais quero.
– Mas...?
– Nã o tem um mas... – sua voz hesitou, e Khadija precisou afirmar isso novamente.
– Nã o tem, Zayn. Estamos juntos nessa, nã o estamos?
Ela estendeu o seu dedo mindinho, suspirando aliviada quando Zayn enlaçou ao
dele.
– Estamos juntos nessa, hadit.
– Você nem sabe o que hadit significa – disse ela, sorrindo mais tranquila.
– Deve significar alguma coisa entre incrível e o mais bonitã o.

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