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Assistência odontológica

a pessoas com Doenças


Falciformes

REALIZAÇÃO:
APOIO
INSTITUCIONAL:

1
Créditos
Coordenadora do Projeto Coordenador de Comunicação da
Profa. Dra. Ana Emilia Figueiredo de UNA-SUS/UFMA
Oliveira José Henrique Coutinho Pinheiro

Coordenadora Geral da DINTE/UNA- Professoras-autoras


SUS/UFMA Cyrene Piazera Silva Costa
Profa. Dra. Ana Emilia Figueiredo de Susilena Arouche Costa
Oliveira Soraia de Fátima Carvalho Souza

Gestora de projetos da UNA-SUS/ Validadora técnica


UFMA Márcia Pereira Alves dos Santos
Katherine Marjorie Mendonça de
Assis Validadora pedagógica
Luana Martins Cantanhede
Coordenadora de Produção
Pedagógica da UNA-SUS/UFMA Revisora textual
Profa. Dra. Paola Trindade Garcia Camila Cantanhede Vieira

Coordenadora de Ofertas Designer Instrucional


Educacionais da UNA-SUS/UFMA Luis Gustavo Sodré Sousa
Profa. Dra. Elza Bernardes Monier
Designer Gráfico
Coordenador de Tecnologia da Priscila Penha Coelho
Informação da UNA-SUS/UFMA
Dilson José Lins Rabêlo Junior

COMO CITAR ESTE MATERIAL


COSTA, C. P. S; COSTA, S. A; SOUZA. S. F. C. Assistência odontológica a pessoas
com Doenças Falciformes. In: UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO/
UNIVERSIDADE ABERTA DO SUS. Curso Atendimento odontológico a pacientes
com doenças crônicas não transmissíveis. Assistência odontológica a pacientes
com DCNT: diabetes, hipertensão e doença renal crônica. São Luís: UFMA; UNA-
SUS, 2020.
Sumário

Apresentação 4
1 O QUE SÃO AS DOENÇAS FALCIFORMES? 5
2 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS FALCIFORMES 7
3 DIAGNÓSTICO DAS DOENÇAS FALCIFORMES 8
4 COMPLICAÇÕES CLÍNICAS DAS DOENÇAS FALCIFORMES 8
5 TRATAMENTO DAS DOENÇAS FALCIFORMES 10
6 ESPECTRO BUCAL DAS DOENÇAS FALCIFORMES E 11
CUIDADOS ODONTOLÓGICOS
6.1 Manifestações bucais das Doenças Falciformes 11
6.2 Atendimento odontológico a pessoas com Doenças Falciformes 13
Considerações Finais 16
Referências 17
Apresentação

Olá aluna (o)!

Você já ouviu falar sobre Doenças Falciformes?

As Doenças Falciformes fazem parte de um grupo de doenças genéticas que


afetam a hemoglobina. Essas doenças apresentam uma série de manifestações
clínicas que podem influenciar o planejamento do tratamento odontológico.
Além disso, pessoas com Doenças Falciformes também podem apresentar
manifestações bucais.
Você saberia reconhecer esses sinais e sintomas? Como você prestaria um
atendimento odontológico adequado para as pessoas que apresentam alguma
delas?
O conhecimento sobre a fisiopatologia e sobre as manifestações clínicas
e bucais dessas doenças são de fundamental importância para o planejamento
do tratamento odontológico das pessoas com Doenças Falciformes. Ao final da
leitura desse material, você será capaz de reconhecer as principais manifestações
clínicas e bucais das doenças falciformes, bem como os cuidados necessários
durante o manejo odontológico desta população.

Bons estudos!

OBJETIVO

Conhecer as principais manifestações clínicas e bucais das doenças


falciformes, bem como os cuidados necessários durante o manejo
odontológico desta população.
Assistência odontológica a pessoas com Doenças Falciformes

1 O QUE SÃO AS DOENÇAS FALCIFORMES?


O termo Doenças Falciformes se aplica a um grupo de desordens
genéticas, caracterizadas pela presença da hemoglobina S: em homozigose
(Hb SS), é conhecida como Anemia Falciforme; pode se apresentar em dupla
heterozigose com outras hemoglobinas variantes (Hb SC, Hb SD-Punjab e
etc), ou, ainda, em interação com as talassemias (Hb S/β0 talassemia, Hb S/
β+ talassemia e Hb S/ talassemia). Em heterozigose (Hb AS), a pessoa apenas
possui Traço Falciforme e não desenvolve a doença¹.

A Doença Falciforme é uma hemoglo-


binopatia decorrente da mutação de
ponto, em que há substituição de uma
base nitrogenada do códon GAG para GTG,
resultando na troca do ácido glutâmico
pela valina na posição número seis do
gene da cadeia beta-globínica, proteína
responsável pelo transporte de oxigênio
nas hemácias, originando, no lugar da
hemoglobina norma (hemoglobina A – Hb
A), a hemoglobina S (Hb S), com caracte-
rísticas físico-químicas e propriedades
Fonte: OpenStax College, licença CC BY 3.0, via Wikimedia Commons.
reológicas alteradas.
Em situações de hipoxemia, as hemoglobinas S sofrem polimerização dentro
das hemácias, alongando-se, fazendo com que as hemácias assumam forma de
foice, daí a denominação “falciforme”².

A variabilidade genotípica das pessoas com Doenças Falciformes


apresenta relação com os níveis de hemoglobina³, como demostrado no Quadro
1 a seguir:

5
Quadro 1 – Variabilidade Genotípica e respectivos níveis de hemoglobina.

Condição sistêmica Genótipo Ciclo de vida Hemoglobina g/dl

Normalidade Hb AA Nascido a termo 13,5 a 18,5


02 a 06 meses 9,5 a 13,5
06 meses a 06 anos 11,0 a 14,0
06 a 12 anos 11,5 a 15,5
Homens adultos 13,0 a 17,0
Mulheres não 12,0 a 15,0
grávidas

Gestantes (0-12 11,0 a 14,0


semanas)

Gestantes (13-28 10,5 a 14,0


semanas)
Gestantes (29 ao 11,0 a 14,0
nascimento)

Doenças falciformes Hb SS 6,0 a 9,0


7,0 a 9,0
9,0 a 12,0
Hb SC 9,0 a 14,0
Fonte: Silva, NC. Colonização oral por candida spp em crianças e adolescentes
com doença falciforme: uma revisão de literatura. Monografia (Monografia em
Odontologia) - UFRJ. Rio de Janeiro, p.60, 2016.

VOCÊ SABIA?

A Anemia Falciforme é a forma mais comum e mais grave das Doenças


Falciformes e é considerada a hemoglobinopatia genética mais prevalente
no mundo4. A cada ano, nascem, no mundo, cerca de 300 mil crianças com
alguma hemoglobinopatia, das quais, mais de 200 mil são africanas
com Anemia Falciforme4.
No Brasil, segundo o Sistema Nacional de Triagem Neonatal, nascem
anualmente cerca de 3.500 crianças com Anemia Falciforme e 200.000
com Traço Falciforme. A Bahia é o estado brasileiro com maior incidência
de Anemia Falciforme. Nesse estado, entre os nascidos vivos, a incidência
dessa doença é de 1:650 e, de Traço Falciforme, de 1:175. O Maranhão é
o quarto estado brasileiro com maior incidência de Anemia Falciforme,
a cada 1.400 crianças nascidas vivas, uma possui a doença e a cada 23
crianças, uma possui Traço Falciforme6.

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Assistência odontológica a pessoas com Doenças Falciformes

2 FISIOPATOLOGIA DAS DOENÇAS FALCIFORMES


Em situações persistentes de hipóxia, acidose e desidratação, as hemácias
com hemoglobinas S podem sofrer polimerização, e consequente falcização.
Esses glóbulos vermelhos falciformes são mais aderentes ao endotélio vascular,
possuem menor tempo de vida média (hemólise precoce), reduzida de 120 para
15 dias e, por isso, se acumulam com mais facilidade nos vasos, formando
trombos, gerando vasoclusão local, o que pode resultar em episódios de dor e
lesão de órgãos vitais7 (Fig. 1).

Figura 1 - Fisiopatologia das Doenças Falciformes.

Hemácias oxigenadas contendo HbS

Hemácias desoxigenadas com


polimerização da HbS

Hemácias falciformes desidratadas Inflamação;


Aumento da expressão
Infarto de células de adesão;
Hipercoagulação.

Vasoclusão Hemólise

Reperfusão Hipertensão pulmonar;


Radicais livres,
causando dano tecidual Priapismo;
Úlceras de perna;
Doença cardiovascular.

Vasculopatia e disfunção endotelial

Fonte: COSTA C.P.S.; CARVALHO H.L.C.C.; SOZA S.F.C. Doenças hematológicas


- Doenças Falciformes. In: PICCIANI B.L.S.; SANTOS P.S.S.; SOARES JR
L.A.V.; SANTOS B.M. Diretrizes para Atendimento Odontológico de Pacientes
Sistemicamente Comprometidos. São Paulo: Quintessence Editora Brasil; 2019.
p-295-301.

7
3 DIAGNÓSTICO DAS DOENÇAS FALCIFORMES
O diagnóstico das Doenças Falciformes é realizado por focalização
isoelétrica e/ou cromatografia líquida de alta resolução¹.
A identificação e o tratamento precoce dessas doenças são considerados
requisitos importantes para a qualidade e expectativa de vida das pessoas8. Por
isso, no Brasil, na década de 1990 surgiram os primeiros programas de triagem
neonatal para Doenças Falciformes. Em 2001, o Ministério da Saúde instituiu o
Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN), mais conhecido como “Teste
do Pezinho”.

O PNTN tem por objetivo promover, implantar


e implementar a política de triagem
biológica neonatal para doenças genéticas,
metabólicas e congênitas (fenilcetonúria,
hipotireoidismo congênito, anemia falciforme e
hemoglobinopatias, fibrose cística, hiperplasia
adrenal congênita e deficiência de Biotinidase).
Assim, o PNTN permite o acesso universal da
população brasileira à prevenção, intervenção
precoce e acompanhamento perma-nente das
Foto de Polina Tankilevitch no Pexels, licença CC0-Content.
pessoas com essas doenças9.

4 COMPLICAÇÕES CLÍNICAS DAS DOENÇAS


FALCIFORMES
As manifestações clínicas mais típicas das Doenças Falciformes são
a anemia hemolítica crônica, a oclusão da microvasculatura com isquemia
tecidual, as crises dolorosas agudas osteoarticulares ou abdominais e as lesões
orgânicas crônicas com asplenia funcional, vasculopatia cerebral, insuficiência
renal, pulmonar e cardíaca10,11. A variabilidade clínica da doença é resultado da
combinação de fatores hereditários (mutação determinante da doença e níveis de
hemoglobina fetal) e ambientais (renda familiar, tipo de alimentação, condições
de saneamento básico e assistência médica)12. Já a sua gravidade é definida
pela frequência de crises falcêmicas10, 11.

8
Assistência odontológica a pessoas com Doenças Falciformes

As crises falcêmicas podem manifestar-se sob três formas: vasoclusiva,


hemolítica ou aplástica10, 11.

As crises vasoclusivas acontecem quando uma quantidade determinada


de Hb S polimeriza, o que faz com que ocorra a falcização das hemácias,
que se tornam rígidas, aderem-se às paredes dos vasos sanguíneos,
obstruindo-os e dificultando a circulação do sangue, principalmente nos
capilares de fino calibre13, 14.

As crises na forma hemolítica são caracterizadas por uma anemia intensa


decorrente da hemólise.

Já as crises aplásticas estão associadas às infecções, devido à ineficiência


da medula óssea na produção de hemácias, causada por sua hiperatividade,
o que ocasiona um quadro anêmico grave, acompanhado de reticulopenia.

A partir das lesões de órgãos vitais decorrentes das crises falcêmicas,


sejam elas vasoclusiva, hemolítica ou aplástica, as pessoas com Doenças
Falciformes podem desenvolver comorbidades, elevando o índice de letalidade
da doença. As mais comuns são as lesões osteoarticulares, alterações
hepáticas e do sistema cardiovascular, e o diabetes mellitus tipo 2 15.
As lesões osteoarticulares são complicações da forma grave da doença,
destacando-se a dactilite (síndrome mão-pé), caracterizada por um edema
doloroso que pode acometer até as quatro extremidades do corpo; assim como a
necrose isquêmica da cabeça do fêmur seguida de osteomielite, principalmente
por Salmonella 16. O aumento acentuado do débito cardíaco nesses pacientes,
decorrente da anemia hemolítica e hipertensão arterial pulmonar, induz a
alterações cardiovasculares 15,17.
Indivíduos falcêmicos também podem apresentar diabetes mellitus tipo
2 e alterações hepáticas como resposta secundária às lesões no pâncreas e
fígado, devido ao acúmulo excessivo de ferro (hemocromatose) nas células beta
pancreáticas e hepáticas, consequência da destruição precoce das hemácias
falcizadas seguida de múltiplas transfusões sanguíneas18, 15.

9
VOCÊ SABIA?

A Anemia Falciforme está associada à alta morbidade e mortalidade na


infância, principalmente por sepse bacteriana, crise de sequestração
esplênica, além da síndrome torácica aguda. A mortalidade das crianças
abaixo dos cinco anos de idade chega a 25% dos casos 19.

5 TRATAMENTO DAS DOENÇAS FALCIFORMES


Não há tratamentos para impedir a falcização das hemácias. Entretanto,
algumas medidas podem ser tomadas para amenizar as consequências das
Doenças Falciformes. Neste sentido, o tratamento consiste na inclusão de
medidas preventivas para as crises falciformes20. Essas medidas incluem:

Boa nutrição;

Profilaxia, diagnóstico e terapêutica precoce de infecções, principalmente


profilaxia com penicilina na prevenção da infecção por pneumococo;

Manutenção de boa hidratação;

Evitar condições climáticas adversas;

Imunização (além do esquema tradicional de vacinação, as crianças com


Doenças Falciformes devem receber também vacina anti-Hepatite B,
antipneumocócica e anti-Hemofilus).

Aliada a tais medidas preventivas, a prescrição do ácido fólico é


indispensável para maturação e velocidade da produção dos glóbulos verme-
lhos20, 21, 22. As diretrizes para o tratamento de pessoas com Doenças
Falciformes também incluem desde o início do ciclo vital o uso da hidroxiuréia,
muitas vezes como a medicação de primeira escolha. Esse quimioterápico
aumenta os níveis de hemoglobina fetal, melhora a gravidade clínica da
doença e os parâmetros hematológicos, reduz a frequência e intensidade das
crises álgicas, a duração das internações, o número de transfusões, além
de diminuir em 50% a ocorrência de novos episódios de síndrome torácica
aguda, principal causa de morte em pessoas com Doenças Falciformes22.

10
Assistência odontológica a pessoas com Doenças Falciformes

6 ESPECTRO BUCAL DAS DOENÇAS FALCIFOR-


MES E CUIDADOS ODONTOLÓGICOS

6.1 Manifestações bucais das Doenças Falciformes


As manifestações patológicas das Doenças Falciformes demonstradas
em tecidos mineralizados e conectivos em outras áreas do corpo, tais como
rins, fígado, pulmões e coração, também ocorrem em tecidos bucais. Contudo,
não são sinais patognomônicos da doença23. Na cavidade bucal, podemos
encontrar24, 25, 26:

Palidez da mucosa oral;

Atraso da erupção dentária;

Língua lisa, descorada e despapilada;

Deformidades cranianas, como a turricefalia;

Hipomaturação e hipomineralização em esmalte e dentina;

Reabsorção externa radicular, hipercementose;

Taurodontia;

Calcificações da câmara pulpar (Fig. 2 A, B e C).

Figura 2 - Alterações pulpares e periapicais em indivíduos com Anemia Falciforme.


(A) nódulo pulpar (seta superior) e taurodontismo (seta inferior) no primeiro
molar. (B) atresia da câmara pulpar (setas) no primeiro molar. (C) calcificação
pulpar (setas) no primeiro e no segundo molar.

Fonte: Carvalho HLCC, Rolim JYS, Thomaz ÉBAF, Souza SFC. Are dental and
jaw changes more prevalent in a Brazilian population with sickle cell anemia? Oral
Surgery, Oral Medicine, Oral Pathology and Oral Radiology. 2017;124(1):76–84.
11
Cabe ressaltar que, embora o último Manual de Doença Falciforme, publicado
pelo Ministério da Saúde, cite que língua lisa, descorada e despapilada seja uma
das manifestações bucais da doença, atualmente, devido ao uso do ácido fólico
e da hidroxiureia, esse tem sido um achado incomum.

Embora o mecanismo que justifique a formação de calcificações pulpares


não esteja bem esclarecido, acredita-se que pessoas com Anemia Falciforme
sejam mais susceptíveis a estas alterações devido ao acúmulo de células
falciformes no interior dos vasos, já que isso favoreceria a formação de trombos,
que se tornam focos para a deposição de tecido mineralizado. Esse mecanismo
pode ser potencializado pelo avanço da idade, entretanto, nesta população o uso
da hidroxiureia parece diminuir a sua frequência28.
Outras alterações ósseas maxilomandibulares que podem ser observadas
radiograficamente em pessoas com Anemia Falciforme são a diminuição da
radiodensidade dos ossos maxilomandibulares e a formação de um padrão
trabecular grosseiro, descrito como em forma de “escada” ou em “teia de aranha”
(Fig. 3A, B e C), bem como espessamento e perdas parcial e total de lâmina dura
25, 26
(Fig. 3D, E e F).

Figura 3 - Padrão radiográfico das alterações ósseas da mandíbula em indivíduos


com Anemia Falciforme. (A) aparência do osso trabecular normal na área de
molares. (B) padrão ósseo no formato de “escada” nas áreas de pré-molares e
molares (setas). (C) padrão ósseo no formato de “teia de aranha” nas áreas de
pré-molares e molares (setas). (D) aparência de nitidez e continuidade normais
da lâmina dura em pré-molares e molares. (E) ausência parcial de lâmina dura
na raiz distal (seta) e aumento da espessura da lâmina dura na raiz mesial do
primeiro molar (seta). (F) ausência total de lâmina dura em pré-molares e molares
(setas).

Fonte: Carvalho HLCC, Rolim JYS, Thomaz ÉBAF, Souza SFC. Are dental and
jaw changes more prevalent in a Brazilian population with sickle cell anemia?
Oral Surgery, Oral Medicine, Oral Pathology and Oral Radiology. 2017.

12
Assistência odontológica a pessoas com Doenças Falciformes

Apesar de ser caracterizada por uma maior suscetibilidade às infecções,


a Anemia Falciforme não parece predispor as doenças periodontais29; nem a
doença cárie30. A ocorrência de cárie nos falcêmicos está associada a outros
fatores, tais como baixa renda, grau de instrução e hábitos comportamentais,
além da ingestão de açúcar e negligência com a higiene bucal30.
Porém, já se sabe que a Anemia Falciforme está associada a necrose pulpar
assintomática em dentes hígidos. Indivíduos falcêmicos têm até 8,33 vezes
mais risco de ter necrose pulpar assintomática31. A Anemia Falciforme também
pode atuar como fator de risco para más oclusões moderada e severa devido a
expansão da medula óssea, fenômeno característico da doença, que induz ao
crescimento excessivo da maxila, aumentando o overjet e, consequentemente, a
distância interlabial32.

Fique atento!
Pessoas com Traço Falciforme , mesmo sendo consideradas
assintomáticas, podem apresentar alterações dentárias
na forma e tamanho dos dentes; e na raiz, em especial a
hipercementose; diminuição da radiodensidade dos ossos
maxilomandibulares e um padrão trabecular grosseiro;
espessamento da lâmina dura, bem como perdas parcial e
total de lâmina dura26; além de gengivite e periodontite29.

6.2 Atendimento odontológico a pessoas com


Doenças Falciformes
O tratamento odontológico mal conduzido e infecções odontogênicas
podem desencadear uma crise falcêmica33. Considerando isso, alguns cuidados
devem ser tomados pelos cirurgiões-dentistas durante o atendimento a pessoas
com Doenças Falciformes34. Quais seriam esses cuidados e por que os cirurgiões-
dentistas devem adotá-los?

Adoção de regime preventivo odontológico rigoroso: a partir da primeira


infância são recomendadas as visitas ao cirurgião-dentista a realização de
um check-up odontológico periódico35, 33.

13
Nunca pular a anamnese: as manifestações e complicações sistêmicas
das Doenças Falciformes podem interferir no panejamento do tratamento
odontológico de rotina35, 33.

O cirurgião-dentista deve consultar o médico do paciente em caso de


dúvida sobre o seu estado clínico35, 33.

Pacientes na crise falciforme são considerados instáveis e devem ser


submetidos apenas a tratamentos odontológicos paliativos35, 33.

Pacientes hipoesplênicos ou esplenectomizados são imunossuprimidos,


por isso, devem ser submetidos à profilaxia antibiótica, segundo a American
Heart Association30, 36.

A sedação por inalação de óxido nitroso/oxigênio é a técnica eleita para


manejo da ansiedade de pessoas com Doenças Falciformes: esse tipo de
sedação é considerado seguro, pois a concentração de oxigênio mínima
usada é de 50% muito maior que a concentração no ar ambiente. Ao término
da administração de óxido nitroso, 100% de oxigênio deve ser administrado
por cinco minutos, para evitar a exalação rápida de óxido nitroso e o
desenvolvimento potencial de hipóxia por difusão35, 33.

A sedação com benzodiazepínicos deve ser evitada: pessoas com Doenças


Falciformes são suscetíveis aos efeitos indesejados da depressão
respiratória que acompanha a sedação com benzodiazepínicos. A hipóxia
resultante dessa depressão respiratória é suficiente para precipitar uma
crise falciforme, que pode ter conseqüências fatais35, 33.

O uso de vasoconstrictor é indicado: essa substância induz a hipóxia


e a estase vascular na área da punção anestésica, no entanto, sem
complicações graves35, 33.

Aspirina e anti-inflamatórios não esteroides devem ser evitados: essas


substâncias promovem acidose e, consequentemente, crise falciforme,
o que pode prejudicar a função renal ou exacerbar qualquer dano renal
preexistente. Para o controle da dor dentária, o cirurgião-dentista deve dar
preferência ao paracetamol e/ou codeína35, 33.

14
Assistência odontológica a pessoas com Doenças Falciformes

Além desses aspectos, fique atento a outros detalhes no atendimento


desta população:

As pessoas com Doenças Falciformes apresentam nível de hemoglobina


inferior ao de uma pessoa sem a doença (parâmetro normal) e isso NÃO
indica instabilidade da doença37;

O padrão trabecular grosseiro dos ossos maxilomandibulares de pessoas


com Anemia Falciforme PODE REDUZIR as chances de sucesso dos
implantes dentários, uma vez que poderá dificultar a osteointegração,
o que pode comprometer o prognóstico do tratamento25;

Dentes hígidos com necrose pulpar em pessoas com Anemia Falciforme,


sem evidências clínicas e imagenológicas de lesão periapical, DEVEM
SER monitorados periodicamente, a cada seis meses, como MEDIDA
PREVENTIVA para infecções endodônticas28.

15
Considerações Finais

Depois de todas as informações aqui apresentadas, você se sente mais


seguro para atender a uma pessoa com Doença Falciforme?
Lembre-se de que as manifestações e as complicações clínicas das Doenças
Falciformes podem interferir no plano de tratamento odontológico, por isso, uma
boa anamnese e, se possível, o contato com o hematologista para esclarecer a
situação de saúde atual do paciente são ações essenciais para garantir segurança
e, consequentemente, o sucesso do atendimento odontológico. Esperamos que
esta leitura tenha sido útil para você.

Até a próxima!
Referências

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