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Aprender a arrumar as emoções

por Ana Pago. Fotografia de Paulo Spranger/GI

Perita em separações por experiência pessoal e profissional


- já se divorciou duas vezes e casou três -, a psicóloga Mariela
Michelena escreveu É Possível Esquecer-te para explicar que a dor é inevitável, mas
não dura para sempre. Quando um amor acaba, é essencial limpar o coração de
inutilidades para abrir caminho ao novo.

Qual é o primeiro passo para superar uma rutura?

_Reconhecer aquilo que se está a sentir, sem negar a realidade. A sensação de perda é
tremenda: quem ama entrega-se totalmente, por isso quando o amor acaba por alguma
razão, e um dos dois se vai embora, leva consigo um bocado do outro. Agarrar a
lembrança desse amor perdido é preservar uma parte de nós próprios, por mais que
saibamos que aquela relação não tinha futuro. Mas precisamente porque o sentimento de
solidão é um fardo pesado, difícil, convém carregá-lo o menor tempo possível.

E o mapa do duelo que é preciso travar após uma separação? Acredita que as fases
são idênticas àquelas por que passa um doente terminal...

_Pois são e, tal como numa doença terminal, há que fazer o luto. Primeiro vem a
negação, a incredulidade, aquele tempo de que a pessoa precisa para dizer que ainda não
está preparada para o golpe. A notícia paralisa-a, não pode ser verdade. É quase como
entrar numa sala e ver tudo arrasado: temos de entrar e arrumar os destroços, mas não
queremos estar ali, nem sequer sabemos por onde começar. Às tantas, a dor acaba por
ceder e surge a raiva. E mais uma vez é preciso reconhecê-la, aceitá-la e exteriorizá-la,
para não ficarmos presos a ela e corrermos o risco de a virarmos contra nós.

Segue-se o medo de ficar sozinho e, paradoxalmente, de voltar a sofrer...

_O medo faz parte do processo afetivo e não se prende a considerar aquilo que é mais
importante para quem sofre, por isso não podemos ficar retidos nessa etapa. Tal como
não podemos ficar reféns do desgosto. É importante chorar, relembrar o amado e viver a
dor, há uma fase em que não adianta dizerem-nos que o mundo é belo e temos de
refazer a nossa vida. Quem sofre não escolhe fazê-lo. Mas enquanto lembramos e
sofremos vamos enfrentando a perda, até que a dada altura a pessoa aceita a realidade de
ter de seguir em frente com a sua vida. É como numa operação: precisamos de tempo de
repouso para recuperar das dores do corpo.

O processo é o mesmo para mulheres e homens? Ou elas são mais emotivas e


acabam por sofrer mais do que eles?

_O duelo não é uma condição feminina: os homens também necessitam de chorar tudo
antes de seguirem em frente numa separação. O que acontece é que as mulheres ficam
mais agarradas a pensamentos do género «Ah, os miúdos ainda são tão pequenos», ou
«Com a minha idade já não vou encontrar ninguém», ou «Tenho tanta pena de magoá-
lo», e depois recebo no consultório mulheres brilhantes, financeiramente independentes,
presas a um sofrimento inexplicável. Por outro lado, quando decidem realmente mudar
de vida, é mais fácil às mulheres separarem-se do que aos homens. São corajosas. Elas
partem sozinhas para um futuro incerto, doridas mas dispostas a enfrentar o mundo. Já
eles só saem de uma relação quando têm outra pessoa.

Sofre-se mais quando se tem 15 anos e se sabe pouco da vida, ou quando já se


passou por tantos golpes que custa muito suportar mais um?

_Sofre-se em todas as idades, o sofrimento é algo que nem a experiência é capaz de


aligeirar. Na adolescência, as paixões são normalmente curtas mas profundas, e o que
noto é que os jovens de hoje começam a relacionar-se cada vez mais cedo, sem terem
maturidade para evitar uma permissividade absoluta face ao outro. Não estão preparados
para uma vida a dois, para o sexo logo aos 13 ou 14 anos, para o facilitismo com que
tudo acontece. Ainda não sabem que devem estar dispostos a dar, mas também a
receber, por isso é natural que sofram. Mais tarde sofre-se pelo vazio que fica sempre
que o outro desaparece, dando lugar ao desespero e às dúvidas.

Porque tendemos a insistir até à última em relações condenadas? Sobretudo as


mulheres.

_Elas sempre estiveram mais dispostas a sacrificar tudo por amor, quase como se fosse
uma lei natural. Esquecem-se de si para perdoar. Entregam-se por completo à relação
com o parceiro, seja nos ideais, nos planos de futuro, na gestão de expetativas. Por isso,
quando a relação caminha para o fim, sentem que perdem tudo - a juventude, a entrega,
os anos que dedicaram àquele homem que agora se vai embora, quando podiam tê-los
dedicado a outro que continuasse a amá-las - e agarram-se como podem ao que resta das
vidas que conheciam. Mas atenção: uma coisa é estar consciente da responsabilidade
que um e outro tiveram na separação do casal e outra, bem diferente, é carregar
sentimentos de culpa por tempo indefinido e ficar-se preso a ela.

Mudar é o mais difícil, ainda que seja para melhor?

_Sem dúvida. É por as mudanças serem tão duras que muita gente prefere viver anos a
fio na segurança do que é conhecido, mesmo que lhe traga infelicidade, do que sair da
sua zona de conforto e aventurar-se a descobrir o que é efetivamente melhor para si.
Porém, o amor é como o feng-shui : só teremos espaço para um amor novo, que nos
preencha, se desocuparmos o coração das saudades de uma relação que já não servia.

Dói mais ser abandonado ou tomar a decisão de acabar, com tudo o que isso
implica?

_Decidir é muitíssimo difícil, até porque ninguém abandona o companheiro sem sofrer
o seu quinhão, da mesma maneira que ninguém é deixado só porque sim. Quem deixa
começa a sofrer muito tempo antes de dizer ao outro «Temos de falar», porque não sabe
se vai fazer a coisa certa, porque não quer magoar o parceiro, porque tem pena do que
fica para trás e não sabe se estará a precipitar-se ou a escolher o melhor para ambos. O
abandonado, além da dor do vazio e da facada no amor-próprio, sofre com o choque de
não ter podido decidir nada e com o facto de lhe ser apresentada uma situação
irreversível, da qual terá de se recompor. Talvez ser abandonado seja pior. A pessoa
enfrenta o mesmo duelo que o outro sem lhe ter sido permitido habituar-se à ideia.
O Facebook veio dificultar o processo de esquecer o outro?

_Completamente. A pessoa amada está apenas a uma tecla de distância, com as suas
novas conquistas e a vida que refez sem nós ali exposta para quem quiser ver, e isso
tenta-nos a saber mais, por muito que nos doa e que também nós tenhamos refeito a
nossa vida com outro parceiro. Em dezembro de 2011 saiu uma reportagem na revista
Magazine do El Mundo , centrada no Facebook e nos efeitos que pode ter na saúde dos
casais, que aconselhava a apagar o cônjuge da lista de amigos imediatamente depois de
se acabar com uma relação. Isto porque a pessoa está vulnerável e tem muita dificuldade
em resistir à vontade de esmiuçar fotos, mensagens, comentários e músicas do outro.

O que podemos aprender com uma separação? O que se ganha?

_Antes de mais, percebemos que a vida continua e nos deu a possibilidade de nos
reinventarmos: descobrimos novos interesses, novos gostos, uma nova imagem...
Assumimos o controlo de nós mesmos em vez de vivermos em função do outro e de
uma relação que já não funcionava. E tudo isto é difícil. É sempre difícil. Mas como não
nos serve de nada vivermos agarrados a uma ilusão, com o tempo acabamos por
reconhecer que foi o melhor para nós. Que aquilo que o outro faz já não nos afeta. Que
estar sozinho é muito diferente de estar abandonado, até porque há muito prazer que se
pode retirar dos momentos a sós.

É possível haver amor para toda a vida?

_Acredito que sim. Paixão para toda a vida já é mais difícil e é isso que leva muitas
vezes a um esquema de se começar e terminar relações só para voltar a sentir o frémito
no estômago - sobretudo no caso dos homens que, aos 50 anos, tanto arranjam uma
parceira de 20 como uma de 60 (as mulheres, nesse aspeto, estão mais limitadas). Mas
ainda vejo muitos casais idosos enamorados, a passear de mãos dadas sem se
imaginarem sem o outro, e isso é amor. Essa cumplicidade, esse companheirismo que
dura uma vida.

Processo de separação é idêntico ao de uma doença terminal

Mariela Michelena não fala de cor quando afirma que as fases do duelo são semelhantes
às de uma doença terminal. Também ela se sentiu já entre a vida e a morte: um cancro
particularmente agressivo na mama, descoberto por acaso no final de 2008 enquanto via
televisão deitada na cama, despojou-a do peito. «Não queria morrer», diz a psicanalista,
que tirava notas do que se passava consigo para se manter à tona. Acabou por escrever o
livro À Noite Sonhei Que Tinha Peito (2010, ed. Esfera dos Livros) e ganhou uma
consciência da morte que hoje a ajuda a definir prioridades. «Nada é garantido na vida
e, por mais imperfeita que ela possa ser, é a única que temos.» Uma lição que aplica a
tudo e a impede de arranjar desculpas para adiar decisões importantes.

[25.08.2013]

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