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Professor: Péricles Martins

O Movimento com "M" Maiúsculo


Jacques Lecoq

O conhecimento das leis do movimento é indispensável à criação artística, em particular


no domínio do teatro e ao jogo do autor e do ator que retransmitem diretamente a vida em
movimento.
O movimento se caracteriza por um deslocamento em relação à imobilidade. Não pode
haver movimento sem ponto fixo. Tudo que se move é reconhecido em função de um
elemento escolhido como referência imóvel.
Assim, vejo o vôo de um ganso em relação à imobilidade da lagoa. Vejo o bater de suas
asas em relação a seu corpo. Observo o deslocamento de seu corpo de cima para baixo em
função de sua cabeça imóvel.
Desloco-me sobre uma Terra imóvel que entretanto gira ao redor de seu eixo e que evolui
em torno do Sol fixo, que, por seu turno, desloca-se junto com sua galáxia em um universo
que se move ao infinito.
Compreende-se facilmente que o homem tenha tido necessidade de buscar um ponto fixo
no céu para reconhecer-se, e que tenha tido necessidade de impedir a grande vertigem
mesmo quando esses diferentes pontos fixos, nos quais acreditava sinceramente, revelaram-
se falsos, à medida que seu conhecimento do universo aumentou! Os deuses são assim os
pontos fixos dos homens; e os pontos fixos fazem as leis, mesmo se os homens participam
nisso. Deus tem tanto trabalho que precisa de ajuda... Mas tudo se move, e o ponto fixo
move-se junto, se permitirmos; eis aí o humor do movimento.
O ponto fixo
Se o ponto fixo situa o deslocamento de um movimento, o movimento põe em evidência o
ponto fixo. No que se move vemos apenas o que é imóvel. Esta observação é de grande
interesse para a expressão dramática.
No mimo de ilusão, ao colocar um chapéu na cabeça, a presença do chapéu será reforçada
se eu o mantiver fixo no espaço por um instante, e se o colocar em minha cabeça com um
movimento que engaje o corpo inteiro.
No coro trágico grego, o mesmo problema se coloca em relação ao corifeu que fala em
nome de todos. Se o corifeu sai de seu lugar para tomar a palavra, e o coro permanece
imóvel, ele torna-se um chefe que toma uma decisão autoritária. Se o coro se desloca
deixando o corifeu imóvel, este torna-se então o depositário escolhido: sendo um deles,
poderá falar por todos.
Na entrada em cena da Magnani em sua revista Chi e di scena, joguei com esse princípio.
A cena se passa em uma praça de Roma cheia de personagens de carnaval, dançando com
figurinos multicores. Subitamente ouve-se o ruído longo e estridente de uma sirene
anunciando um ataque aéreo, como no filme Roma cidade aberta, de Rossellini; pânico,
confusão na multidão que desaparece, deixando a cena vazia, revelando no centro da praça,
atrás, sozinha, imóvel em um pequeno vestido negro colado a seu corpo, Anna Magnani,
que docemente canta uma canção de Trastevere sobre Roma. Era preciso que fosse a
Magnani para conseguir, sozinha, equilibrar assim o espaço do palco deixado livre pela
multidão. Se tivéssemos um gato em seu lugar, o riso viria preencher o vazio existente
entre a presença do gato e a da multidão; desequilíbrio de peso.
Constatamos que o movimento se dá nas relações de equilíbrio e desequilíbrio, em ligação
com as leis da gravidade.
Equilíbrio e desequilíbrio
O corpo humano está ligado às leis da gravidade, que o atraem para baixo, dando-lhe um
peso; a vida o impele para o alto, lutando contra essas mesmas leis. Para deslocar-se, ereto,
a partir desse equilíbrio, o corpo arrisca a queda, ocasionando ele mesmo sucessivos
desequilíbrios que são compensados a cada passo; assim ele caminha. Ele age e reage,
recebe e dá.
Se alguém, de pé sobre uma só perna, recebe uma "bola medicinal" de cinco quilos em um
de seus lados, deverá, para manter o equilíbrio, responder imediatamente com o outro lado.
Se duas forças opostas lutam uma contra a outra, a ruptura do equilíbrio das forças gera um
movimento de deslocamento. A alternância permite o repouso de uma parte do corpo em
relação a outra: o que é feito para a esquerda é feito para a direita.
Para lançar um seixo no mar, faço um movimento de impulso oposto à direção do objetivo
visado. Em um movimento, há dois movimentos de sentido inverso. Assim, o amor
ombreia com a ódio.
Leonardo da Vinci, em seu Tratado de pintura, faz observações pertinentes sobre o
movimento: "Um homem que carrega um fardo com um braço estende naturalmente o outro
braço, e se isto não basta para fazer o contrapeso, ele curva o corpo quanto for necessário.
Quem vai cair para um lado sempre estende um braço e o coloca em sentido oposto."
A arte do movimento deve sempre ter presentes as noções de compensação, de alternância,
de impulso, de ritmo e de espaço.
A compensação
O mimo de ilusão põe em evidência a resistência e o peso do objeto através de movimentos
de compensação adequados.
Para carregar um balde d'água, compenso inclinando o corpo para o lado oposto, a fim de
manter o equilíbrio. Essa atitude compensadora sugere o peso do objeto. Freqüentemente
vi no cinema malas, ditas cheias, serem carregadas como se estivessem vazias, como de
fato estavam...
Os sentimentos opõem-se em nós criando conflitos entre o amor e a razão, a paixão e o
destino, que puxam cada um para o seu lado. Na tragédia, sendo a escolha impossível,
somente a morte pode ser o fim.
A alternância
A alternância favorece a duração e põe em relevo uma e outra parte, assegurando-lhes, por
contraste, um novo interesse. Não se pode conceber uma pessoa que está sempre rindo, o
que seria inquietante. Como a noite é o repouso do dia. No teatro, alternamos cenas
diferentes para que o espetáculo seja mais interessante, mais equilibrado.
O impulso
No maior deslocamento de um objeto ou de si mesmo (lançar, saltar) criamos, antes do
gesto da ação propriamente dita, um gesto em sentido contrário, que serve para definir a sua
direção, como que para buscar apoio, para concentrar a força de propulsão. É o impulso do
esforço, seu ímpeto.
O saltador em altura afunda no solo antes de se projetar no ar (flexão, extensão).
Inclinamo-nos para trás na cadeira antes de levantar para a frente (contração, avanço). O
lançador de disco prepara sua torção com uma torção inversa.
Na expressão, o impulso é de tal maneira sugestivo que define o movimento da ação que se
segue.
Assim, uma criança compreende que vai receber um tapa logo que vê uma mão ameaçadora
levantar-se acima dela.
A supressão do impulso criará uma surpresa, e o disfarce será fazer uma ação com um falso
impulso. Um impulso desmedido para uma ação mínima criará uma ruptura que o riso
equilibrará. Esta última é usada no cinema burlesco.
Nos desenhos animados, quando o cachorro Pluto prepara-se para correr, recua três metros
antes de investir para o seu objetivo.
O Senhor Hulot, para pôr-se em marcha, dá um pequeno salto para trás. Na linguagem
corrente equivale a dizer: recuar para melhor saltar.
Em Shakespeare, cenas cômicas antecedem as cenas trágicas a fim de melhor preparar os
espectadores para recebê-las, aplicando as leis da alternância e do impulso.
O acento do movimento
Destacar o começo de um movimento daquilo que o precede e apontar sua finalidade põe
em relevo esse movimento. Todos os teatros de alto nível de representação, estilizando o
gesto, encontraram o acento. Estando o movimento compreendido entre duas atitudes,
estas, por sua imobilidade, marcam seu início e seu final. O acento situa-se no começo do
movimento a partir da imobilidade, num rápido instante, encontrando sua velocidade
regular muito perto da partida, dando a impressão de uma parada. O mesmo vale para o
término do movimento, a imobilidade será precedida de uma aceleração, que dá relevo à
atitude final. Esse acento termina com uma leve batida do movimento sobre seu ponto de
chegada, podendo também se exprimir por uma pequena explosão.
O teatro clássico japonês, o jogo mascarado da commedia dell'arte, utilizam o acento do
movimento; também a Ópera de Pequim, onde os movimentos dos atores literalmente
explodem em poses monumentais.
O acento que finaliza é muito importante, é ele que dá qualidade ao movimento. O ponto
que termina a frase justifica o fato de ela ter começado. Vale o mesmo para a palavra no
teatro, onde o ator tem tendência a deixar cair os finais das frases.
O grande ator italiano Memo Benassi, habituado a representar ao ar livre, acrescentava, no
final de suas frases que terminavam com um e, um t que acentuava a palavra para que fosse
ouvida (ele tinha atuado com Sarah Bernhardt e a Itália não tinha tido um Jacques Copeau).
No teatro é o último ato que conta, e sempre se recorda mais o final que o início - é ele que
revela a qualidade do conjunto.
O ritmo
Um movimento não tem nenhuma forma nem vida se não tiver ritmo, e aqui tocamos no
aspecto maior do movimento. Podemos decompor um ritmo, medi-lo, aumentar ou
diminuir sua velocidade. Sabemos que ele é de essência orgânica, que é feito de impulsos e
de quedas, de relações de tempos fortes e de tempos fracos, mas ele nos escapa em sua
essência quando queremos penetrá-lo, como nos escapa o mistério da vida. Ele é a vida.
Traz consigo um vocabulário que confunde e as palavras deslizam na linguagem corrente,
umas dentro das outras.
Vale o mesmo para a medida, a velocidade, a cadência, o tempo, a freqüência, etc. Os
soldados marcham em um passo cadenciado, a ginástica de aparelhos é feita de "tempo", a
música de jazz tem ritmo (por que ela o tem mais do que a música clássica?). Uma canção
tem ritmo porque a medida é bem cadenciada e a freqüência é rápida. Assim, cercamos o
ritmo através de óticas diferentes, sem jamais abarcá-lo; ele é apreendido na armadilha da
medida. O ritmo transporta consigo um fator emotivo, a simpatia, o amor...
A comunhão teatral entre o público e o autor, por intermédio dos atores, é um acordo
rítmico. Conheci uma grande atriz que representava Electra de Sófocles sem saber o que
dizia, e espectadores que choravam sem compreender as palavras do texto, estando ela e
eles ligados por um ritmo emotivo violento: intuição dos grandes artistas que ultrapassa o
poder da razão.
Um casal pode estar unido no fundo por um ritmo comum e discordar em ritmos
secundários; como o tronco de uma árvore com seus galhos que disputam entre si.
Na vida, nenhuma manifestação desenvolve-se em uma mesma velocidade, a velocidade
aumenta ou diminui. O movimento tem um começo e um fim, mas a sua metade não está
no meio. Falar do movimento, do ritmo, do espaço e do tempo, é falar da vida e de seu
mistério. "O espaço é a medida do tempo", disse Aristóteles.
O espaço
O movimento não é somente um deslocamento de linhas, ele propõe ao espaço pressões e
tensões. As forças jogam assim uma contra a outra, uma com a outra, dando uma
consistência viva e vibrante ao espaço. Definir seu percurso é superficial. Uma escultura
de Rodin, imóvel em sua própria matéria, move-se em si mesma e faz com que se mova o
espaço que a rodeia: organizam-se em sua forma as contradições motoras da dinâmica...
O "empurrar/puxar" é o motor direcional que se desenvolve como: empurrar-se/puxar-se e
ser-empurrado/ser-puxado. É nesse nível que o movimento toma sua verdadeira dimensão,
organizando-se, no tempo-espaço, pelo ritmo.
O teatro de alto nível de representação coloca o corpo em um espaço de tensão mais alto do
que o que é usado habitualmente na vida. Cheguei assim a estabelecer uma escala de
tensões do corpo em sete níveis. Cada um desses níveis acolhe um estilo diferente de
teatro, cada vez mais forte, a partir de deslocamentos variados, tais como caminhar, sentar;
também com o uso da palavra.
Eis o exercício que proponho a meus alunos e as observações que pude fazer.
A subdescontração: expressão de vida que se esvai, como antes da morte; a imagem dos
pássaros marítimos arrastando-se pela praia, enviscados de alcatrão; fala-se com
dificuldade, como que por si mesmo, com palavras incoerentes, também com blasfêmias.
A descontração: expressão sorridente das "férias do corpo", deixando os braços livres para
balançar em um pêndulo de gravidade, o corpo que salta sobre si mesmo; fala-se com o
outro, busca-se a turma de companheiros.
O corpo econômico: neutro, como que programado para um mínimo de esforços com o
máximo de rendimento. Tudo é dito com polidez, sem paixão.
O corpo sustentado: assume-se o peso do próprio corpo. Primeira sensação do espaço em
tensão. Descoberta, interesse, suspensão, chamamento, definição, estado de alerta, busca
do face a face; não há descontração. Tema do nível do teatro realista, sensível à situação.
Primeira tensão muscular: a decisão. Eu vou, é a ação que começa, a fala se faz precisa,
clara. No teatro: nível do jogo realista, em ação.
Segunda tensão muscular: a paixão intervém; a cólera é o estado natural nesse nível.
Coloquem em cena um homem em cólera, e ele estará em um nível de jogo teatral. O ator
também deve estar nesse nível, mas sem ficar colérico ou gritar. Ele tem que jogar. Teatro
próximo da máscara, esse nível não pode ser jogado como na vida, já é um teatro estilizado.
Terceira tensão muscular: o máximo. O gesto desenvolve-se com resistência, lentamente,
sem impulso, como no nô; só se pode simular a tensão nesse nível próximo à asfixia. A
palavra não é mais falada, mas entrecortada em sons que se alongam.
Pode-se ver que essa experiência mimodinâmica propõe uma escala de teatros diferentes.
A fala e a própria natureza do texto mudam de acordo com a tensão corporal.
Inversamente, cada texto de teatro contém em potência uma tensão de corpo para jogá-lo.
Mas divertir-se em variar as relações, jogar em "relax" um texto de alto nível, para ser
moderno, é um jogo de virtuosismo sem interesse; uma complacência de intelectual, que
ignora a própria dinâmica do texto e do corpo do ator. As representações da tragédia grega
têm sofrido uma diminuição de nível de jogo (inclusive as traduções).
A dinâmica das paixões
Tudo pode ser matizado, situado em um crescendo dramático que se organiza ritmicamente.
Os níveis não se encontram a igual distância uns dos outros, mas em uma relação rítmica
viva. Assim, o medo começa com a inquietude, depois vem o receio, e desenvolve-se até
chegar ao terror. O ator-mimo deve sentir em si mesmo as diferentes nuances das paixões,
o que dá riqueza a seu jogo, e isto só pode ser desenvolvido através do exercício. Seu
conhecimento deve ser antes de tudo mimodinâmico.
O jogo da commedia dell'arte é um exemplo disso: tomar uma situação, levá-la até sua
expressão extrema, lá onde surge a acrobacia, com a morte. Morre-se de tudo nesse jogo
teatral: de inveja, de ciúmes, de rir. Pantalone realiza um salto perigoso em sua cólera. Ela
é jogada em um alto nível de representação, que "essencializa" o psicológico na ação.
A situação crescente, ao chegar ao seu limite extremo, salta para o seu oposto, sempre
visando o equilíbrio. Ela encontra-se então bipolarizada, e toma títulos como A Megera
domada, O Caçador caçado ou O Confessor confessado. A estrutura dinâmica organiza o
jogo das situações e das paixões, e organiza também o jogo do corpo em movimento.
A dinâmica das palavras
A fala é um gesto que se modula no interior de sons organizados, em palavras
impulsionadas pelos verbos:
eu lanço, eu levanto, eu torço;
eu me lanço, eu me levanto, eu me torço;
eu sou lançado, eu sou levantado, eu sou torcido.
A ação está inscrita nas palavras, a linguagem articulada utiliza-se de imagens analógicas.
De um movimento, cada língua focaliza uma parte, privilegia um momento.
Tomemos o exemplo de lançar uma bola: a língua portuguesa privilegia o ponto de partida
e deixa a bola seguir adiante: eu lanço; a língua italiana privilegia a chegada da bola a seu
objetivo: io lancio; na língua japonesa, não é nem a saída nem a chegada, mas a trajetória
que é posta em relevo.
As palavras contêm (espaço interno) em sua sonoridade a dinâmica das matérias, das
imagens e das ações, que elas recordam mais ou menos. Outras palavras circulam ao redor
(espaço externo), em preto e branco mais que em cores, observam, explicam, definem. No
centro desses espaços os verbos animam; as palavras nascidas da terra permanecem fiéis a
ela nos dialetos. Cada país conserva em suas palavras suas aderências físicas, e as vê de
maneira diferente. Por exemplo, para um francês, a palavra "beurre" (manteiga) participa
da sensualidade que se derrete da matéria nomeada; para um inglês, a palavra "butter" é
seca, mais dura, "gelada". Há palavras, como "confiture" (compota) em francês e
"marmelade" em inglês que chegam a se encontrar em uma dinâmica vizinha; mais líquida
no francês, mais densa, gelatinosa e trêmula para o inglês.

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