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Livro ebook: teorias-e-estudos-em-psicologia-social

Book · May 2020

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1 author:

André Faro
Universidade Federal de Sergipe
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TEORIAS
&
ESTUDOS
em
PSICOLOGIA
SOCIAL:
a contemporaneidade
em temas clássicos

ANDRÉ FARO
MARLEY R. M. DE ARAÚJO
(ORG.)
TEORIAS
&
ESTUDOS
em
PSICOLOGIA
SOCIAL:
a contemporaneidade
em temas clássicos

ANDRÉ FARO
MARLEY R. M. DE ARAÚJO
(ORG.)
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

reitor
Angelo Roberto Antoniolli
vice-reitora
Iara Maria Campelo Lima

EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE

coordenadora do programa editorial


Messiluce da Rocha Hansen
coordenadora gráfica
Germana Gonçalves de Araujo

conselho editorial
Adriana Andrade Carvalho
Antônio Martins de Oliveira Junior
Ariovaldo Antônio Tadeu Lucas
Aurélia Santos Faroni
José Raimundo Galvão
Luisa Helena Albertini Pádula Trombeta
Mackely Ribeiro Borges
Maria Leônia Garcia Costa Carvalho
Messiluce da Rocha Hansen
Sueli Maria da Silva Pereira
Ubirajara Coelho Neto
Valter Cesar Pinheiro
TEORIAS &
ESTUDOS EM
PSICOLOGIA
SOCIAL:
a contemporaneidade
em temas clássicos

ANDRÉ FARO
MARLEY R. M. DE ARAÚJO
(ORG.)

São Cristóvão – SE
2017
Este livro, ou parte dele, não pode ser reproduzido por qualquer meio
sem autorização escrita da Editora.

Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa


de 1990, adotado no Brasil em 2009.

projeto gráfico, capa e editoração eletrônica


Alana Gonçalves de Carvalho Martins

texturas
Compostas com texturas vetoriais – Freepik.com

Ficha Catalográfica – Biblioteca Central da Universidade Federal de Sergipe

Teorias e estudos em psicologia social : a contemporaneidade em


T314t temas clássicos [recurso eletrônico] / André Faro, Marley R. M. de
Araújo (orgs.). – São Cristovão : Editora UFS, 2017.
326 p. : il.
Disponível em: http://www.livraria.ufs.br/
ISBN: 978-85-7822-577-3
1. Psicologia social. 2. Racismo. 3. Socialização. I. Faro, André. II.
Araújo, Marley R. M.
CDU 316.6

Editora UFS
Cidade Universitária Prof. José Aloísio de Campos
CEP 49.100-000 – São Cristóvão – SE.
Telefone: 3105-6922/6923. e-mail: editora@ufs.br
www.editora.ufs.br
Sumário

PSICOLOGIA
SOCIAL E AS
RELAÇÕES
INTERGRUPAIS
Prefácio

Parte I

Parte II
Introdução

PSICOLOGIA
SOCIAL E
INTERFACES
COM GÊNERO,
SAÚDE E
TRABALHO

Autores
15 O preconceito racial e o processo de socialização
KHALIL DA COSTA SILVA E DALILA XAVIER DE FRANÇA

33 Da percepção do eu ao entendimento das relações


entre os grupos sociais
DALILA XAVIER DE FRANÇA

54 As crianças e o desenvolvimento de preconceito racial


AIRI MACIAS SACCO

70 Inclusão e exclusão social


JAN STEFFENS

100 Entre lá e cá: identidade, aculturação e desempenho escolar


de descendentes de imigrantes em Portugal
MARIA BENEDICTA MONTEIRO E JOÃO HOMEM-CRISTO ANTÓNIO

120 Representações sociais sobre a moradia para


técnicos sociais e beneficiários de projetos habitacionais
de um bairro popular em Aracaju (SE)
CLÁUDIA ALVES POCONÉ E MARCUS EUGÊNIO OLIVEIRA LIMA

141 Efeitos de primings de crime no viés racial na identificação


de armas entre estudantes e policiais
MARCOS EMANOEL PEREIRA E GILCIMAR SANTOS DANTAS
158 Diversidade sexual e homofobia: revendo (pre)conceitos
ELAINE DE JESUS SOUZA, JOILSON PEREIRA DA SILVA E CLAUDIENE SANTOS

175 Epistemología feminista: los géneros en sociedades dialógicas


CONCEPCIÓN MIMBRERO MALLADO, ANA GUIL-BOZAL E JOILSON PEREIRA DA SILVA

190 Violência doméstica contra a mulher nas relações íntimas


de afeto: uma introdução conceitual
VANESSA ARAUJO SOUZA CÔRTES E JOILSON PEREIRA DA SILVA

207 Adaptação ao estresse: breve revisão sobre as estratégias


de enfrentamento (Coping)
ANDRÉ FARO

219 Repercusiones de la violencia en la salud de


quienes trabajan para erradicarla
LEONOR M. CANTERA E FRANCES M. CANTERA

236 Representações sociais sobre o crack na perspectiva


de usuários e profissionais de saúde
NAIARA FRANÇA DA SILVA E ANDRÉ FARO

251 Valores e virtudes organizacionais


SINÉSIO GOMIDE JUNIOR, ÁUREA DE FÁTIMA OLIVEIRA E LORRANA ELLEN VIEIRA

269 Orientação para alcance de metas: teoria e fundamentos


LIGIA CAROLINA OLIVEIRA SILVA E JULIANA BARREIROS PORTO

286 Danos psicológicos associados ao desemprego:


um estudo empírico
MARLEY ROSANA MELO DE ARAÚJO E ANA CAROLINA MENDONÇA

306 Burnout e qualidade de vida no trabalho em profissionais


de saúde mental de Aracaju (SE)
MARIA MÉRCIA DOS SANTOS BARROS, MARLEY ROSANA MELO DE ARAÚJO
E SAULO PEREIRA DE ALMEIDA
Prefácio

JOAQUIM PIRES VALENTIM


Professor da Universidade de Coimbra – Portugal.
Doutor em Psicologia pela Universidade de Coimbra – Portugal.
Pós-Doutor pela Universidade de Helsink – Finlândia.

A preocupação com a contemporaneidade de temas clássicos, anun-


ciada como uma das intenções deste livro logo no seu subtítulo, é particu-
larmente feliz e oportuna. De facto, o trabalho científico faz-se de forma
cumulativa e isso requer tempo para o estudo e a reflexão sobre as obras
e os autores clássicos, capazes de conduzirem a propostas inovadoras
assentes em trabalhos previamente consolidados. Dizê-lo é uma bana-
lidade, mas saber usar os “temas clássicos” para avançar nas propostas
de pesquisa das questões contemporâneas é um desafio de exigência.
Tendo em conta as actuais tendências dominantes nos modos de
produção científica, que facilmente conduzem à mera multiplicação
de pesquisas triviais com riscos de uma confrangedora escassez de
relevância teórica, empírica e social – como assinalaram já Festinger
em 1980 e Doise em 2001 –, a preocupação e a intenção presentes neste
livro, de ter em conta essa “contemporaneidade em temas clássicos”, é
também oportunamente necessária – se não mesmo urgente – e pode se
constituir como uma inspiração em termos de estratégia de orientação
da pesquisa científica.
A abordagem psicossocial dos temas com que nos confrontamos hoje
nas nossas sociedades não dispensa o caudal de uma já longa tradição
de pesquisa “clássica” para a compreensão, e eventual explicação, dos
problemas e para arriscar construir novas formas de os abordar. Este
livro assume isso desde o início.

9 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Em diferentes áreas, usando diferentes quadros teóricos e métodos
de pesquisa, na sua diversidade, os capítulos que o compõem apresen-
tam investigação sólida em psicologia social que traduz um panorama
promissor, sobretudo se tivermos em conta que, em boa medida, na sua
matriz se trata de trabalho envolvendo investigadores jovens, impul-
sionado por um programa de pós-graduação também ele jovem de uma
universidade do Nordeste brasileiro, mostrando uma produtiva ligação
com outros centros de pesquisa, quer no Brasil, quer na Europa.
Os trabalhos aqui apresentados, na sua aparente heterogeneidade,
têm ainda em comum abordarem a pesquisa em psicologia social atra-
vés de investigações que vão além da análise de processos estritamente
intraindividuais ou, quando muito, interindividuais. Não se trata de
menosprezar a importância da articulação psicossociológica de diferen-
tes níveis de análise, na qual, obviamente têm lugar análises centradas
nesses processos. Em vez disso, o que está em causa é a possibilidade
de considerar também a sua inserção em explicações de carácter mais
geral, que têm em conta variáveis posicionais, representacionais e até
intersocietais, que não se limitam a uma espécie de psicologia individual
aplicada a objectos sociais. Isso é notório, desde logo, na organização do
livro em duas partes: uma centrada no estudo das relações intergrupais
e a outra numa abordagem psicossocial de questões contemporâneas no
domínio do género, da saúde e do trabalho.
Se o estudo das relações intergrupais se tornou um dos grandes
campos de pesquisa na psicologia social, em boa medida impulsionado
pelos trabalhos sobre a teoria da identidade social, a forma como é aqui
abordado pauta-se por algumas características específicas que mere-
cem ser assinaladas, em especial, a sua relevância social e a inclusão de
abordagens numa perspectiva de desenvolvimento e de socialização. A
adopção desta perspectiva não tem abundado nos estudos deste domínio,
genericamente centrados apenas nas idades adultas. Ora, a importância
que têm os estudos sobre o desenvolvimento no campo das relações entre
grupos, designadamente do preconceito, não deve ser menosprezada.

10 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Quer pela sua manifesta relevância teórica para a compreensão dos
processos psicossociais em causa, quer pela sua pertinência em termos
de implicações para a intervenção em domínios como o da educação e
o das políticas públicas.
A preocupação com questões de carácter societal é outra marca deste
livro. Abordá-las com um uso rigoroso das teorias e dos métodos em
psicologia social é um dos seus contributos, que pode ilustrar as imbrica-
ções e implicações da disciplina no seu contexto para parafrasear o título
do livro editado em 1972 por Israel e Tajfel. Encontramos isso, quer em
termos de actualizadas revisões teóricas, proporcionando ao leitor uma
útil contextualização histórico-conceptual dos temas em estudo, quer
em termos das pesquisas empíricas apresentadas, usando diferentes
amostras, em diferentes contextos socio-institucionais e estudando
também o ponto de vista das minorias.
De tudo isto decorre quase inevitavelmente a importância do diálogo
que se encontra ao longo desta obra com diferentes áreas da psicologia
e com outras disciplinas. O que, a par com a diversidade de abordagens
adoptadas em psicologia social, faz com que se trate de um livro cuja
leitura ajuda os estudantes e os investigadores a não ficarem demasiado
fechados no seu campo de pesquisa. Do meu ponto de vista, trata-se de
algo que se pode constituir como fonte de vitalidade e de rejuvenesci-
mento da teoria e da pesquisa contemporâneas em psicologia social.

REFERÊNCIAS

DOISE, W. Un projet européen pour la psychologie sociale. In BUSCHINI,


F.; KLAMPALIKIS, N. (Eds.), Penser la vie, le social, la nature. Paris: Éditions
de la Maison des Sciences de l’Homme, 2001. p. 391-399.

FESTINGER, L. Retrospections on social psychology. Oxford: Oxford University


Press, 1980.

ISRAEL, J.; TAJFEL, H. The context of social psychology. London: Academic


Press, 1972.

11 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Introdução

ANDRÉ FARO
MARLEY ARAÚJO

Diversidade com consistência teórica e empírica. Eis a proposta


de um livro que contempla a representação dos objetos de estudo da
Psicologia Social do ‘hoje em dia’, embasados em pilares teóricos quase
que atemporais dessa área. Trata-se da apresentação de elementos con-
ceituais e metodológicos em diferentes leituras, embasando possíveis
enquadramentos de caráter explicativo, compreensivo ou transformador
de realidades.
Na Parte I, a noção de relações intergrupais na teorização e na empi-
ria, traduzida em distintos – embora clássicos – prismas e públicos-alvo
nas narrativas abordadas nos capítulos, serve à finalidade de pensar,
agir e/ou problematizar sobre políticas públicas, funcionamento(s)
grupal(is) e suas interações. A expectativa que cerca um exercício desse
teor procura promover uma mais clara compreensão das dinâmicas de
poder operadas entre atores, que interagem e agem em contextos sociais
específicos da experiência cotidiana. Para tanto, os temas preconceito
na infância (cap. 1 – SILVA; FRANÇA; cap. 2 – FRANÇA; cap. 3 – SACCO),
inclusão e exclusão social (cap. 4 – STEFFENS), identidade e aculturação
(cap. 5 – MONTEIRO; ANTÓNIO), as representações sociais (cap. 6 –
POCONÉ; LIMA), bem como o efeito do priming e a discriminação racial
(cap. 7 – PEREIRA; DANTAS) buscam elucidar tais debates.
Na Parte II, as interfaces trazem à tona a multiplicidade de focos e
enfoques com os quais o psicólogo, sob um olhar psicossocial, depara-se
ao longo de sua carreira; seja no escopo de tema de estudo ou pesqui-
sa, seja com um lastro para ação. O clássico e o contemporâneo fazem

12 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
contato por meio da escolha de temáticas e contextos de manifestação
de fenômenos psicológicos e sociais, passando por aportes teórico-em-
píricos da saúde, do trabalho e do gênero. Tais delimitações permitem
caracterizar a seção como um convite ao aprofundamento de como
debates atuais se encontram atrelados às concepções e análises funda-
mentais da Psicologia Social. Nesse ínterim, o Gênero é abordado nas
questões da homofobia (cap. 8 – SOUZA; SILVA; SANTOS), do feminis-
mo (cap. 9 – MALLADO; GUIL-BOZAL; SILVA) e da violência doméstica
(cap. 10 – CÔRTES; SILVA). O campo da Saúde é trazido por meio
dos temas do estresse e do enfrentamento (cap. 11 – FARO), do im-
pacto da violência (cap. 12 – CANTERA; CANTERA) e do uso do crack
(cap. 13 – SILVA; FARO). Já a área do Trabalho é ilustrada nos capítulos
acerca dos valores e virtudes organizacionais (cap. 14 – GOMIDE JÚNIOR;
OLIVEIRA; VIEIRA), do alcance de metas (cap. 15 – SILVA; PORTO), do
desemprego (cap. 16 – ARAÚJO; MENDONÇA) e do burnout e qualidade
de vida no trabalho (cap. 17 – BARROS; ARAÚJO; ALMEIDA).
Esperamos que a leitura deste livro estimule reflexões acerca de
objetos de investigação, aportes teóricos e possíveis práticas fundamen-
tadas em estudantes e pesquisadores de graduação e pós-graduação.
Ademais, acreditamos que profissionais da Psicologia que estão em
campo e, sobretudo, enfrentam desafios de tornar (cada vez mais) real a
relevância da área, podem partir dos conhecimentos aqui relacionados
para a efetiva aplicabilidade da Psicologia Social.

13 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Parte I

PSICOLOGIA
SOCIAL E AS
RELAÇÕES
INTERGRUPAIS

14 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
CAPÍTULO 1

O preconceito racial
e o processo de socialização

KHALIL DA COSTA SILVA


DALILA XAVIER DE FRANÇA

Por ser um fenômeno complexo, o preconceito racial é comumente


associado aos adultos. Contrariando essa crença comum, a investigação
empírica indica que as manifestações de preconceito também se fazem
presentes nas interações sociais das crianças. Por volta dos três anos de
idade, elas já revelam a capacidade de analisar diferenças intergrupais
e reproduzir atitudes preconceituosas para com minorias raciais, ainda
que de forma rudimentar em comparação com os adultos (ABOUD, 1988;
FRANÇA; MONTEIRO, 2013; NESDALE, 2004).
O que distinguiria o preconceito expressado pelas crianças daquele
apresentado pelos adultos? Quais seriam os mecanismos pelos quais
as crianças assimilam o conceito de raça e desenvolvem atitudes e
comportamentos em face aos diferentes grupos com quem convivem?
Responder a estas perguntas remete ao reconhecimento de um processo
mais amplo, no qual a criança torna-se parte de uma sociedade e de uma
cultura. Tal processo define-se como socialização (GRUSEC; HASTINGS,
2008). Este conceito aborda a ideia de que a criança não nasce membro de
uma sociedade, mas se torna parte desta, ao ser inserida em sua rede de
relações e ao interiorizar seus significados. A socialização é um processo

15 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
contínuo e cumulativo e consiste na integração da criança como um ativo
participante da sociedade, abrangendo as tendências do indivíduo em
estabelecer relações com os outros, ser aceito como membro de um grupo
e a regular seu comportamento de acordo com códigos sociais (DAMON,
2006; FRANÇA, 2013).
Os estudos sobre o processo de socialização apresentam diferenças
significativas entre as abordagens clássicas e as mais atuais. Inicialmente,
as teorias concebiam a criança como um ser moldado pela sociedade, de
maneira que suas atitudes e comportamentos seriam apenas reflexos
da ordem social vigente. Embora esta visão tenha delineado muitas das
interpretações predominantes sobre a infância, outras propostas ques-
tionaram a ideia de que a criança seria um aprendiz passivo das gerações
anteriores e ressaltaram aspectos distintos do desenvolvimento infantil,
evidenciando o protagonismo e as singularidades da conduta das crianças
em comparação com a dos adultos.
No âmbito das ciências sociais, encontramos teorizações importantes
sobre o processo de socialização. Ressalta-se o conceito elaborado por
Durkheim (1922/1955) em sua obra “A educação: sua natureza e função”,
na qual a educação é caracterizada como um mecanismo metódico de
socialização imposto pelas gerações mais antigas às novas gerações.
Nesta perspectiva sobre a socialização, a criança é caracterizada como
naturalmente egoísta e associal, devendo a sociedade, compreendida aqui
como um agente externo ao indivíduo, imputar-lhe normas e os padrões
que guiam a vida em coletividade. Através da educação, as gerações mais
antigas, representadas por agentes socializadores como a família e a
escola, regulariam o indivíduo, contendo seus instintos e inserindo-o
na sociedade através de mecanismos coercitivos.
A socialização estaria resumida, portanto, a um processo de inte-
riorização de regras de comportamento moral, no qual a criança assi-
milaria passivamente os padrões de vida da ordem coletiva. De acordo
com Setton (2005), a proposta de Durkheim prevê uma coerência entre
valores institucionais e individuais, sendo a coerção entendida como

16 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
uma ferramenta necessária ao processo civilizatório, através da qual o
indivíduo e a sociedade estabeleceriam harmonia e coerência.
A ideia de que a socialização corresponde a um ajustamento entre in-
divíduo e sociedade também veio influenciar o desenvolvimento de teo-
rias posteriores, a exemplo do modelo elaborado por Berger e Luckmann
(1966/2010). Estes autores retomam e aprofundam as análises anteriores
sobre a coerência entre agentes e instituições sociais, estabelecendo
duas dimensões distintas de socialização: a primária e a secundária.
A primeira destas corresponde à imersão da criança no mundo social,
sendo um processo no qual ela interioriza o mundo que lhe é transmi-
tido pelos seus pais. A criança, pela relação de dependência que possui
para com seus pais, inevitavelmente, identifica-se com eles e interioriza
os significados que lhes são transmitidos não como uma dentre outras
possíveis definições de mundo, mas como um único mundo existente e
concebível. Os conteúdos assimilados na socialização primária, embora
variem de sociedade para sociedade, são caracterizados pela maior solidez
e resistência à mudança, visto que asseguram a posse subjetiva de um
“eu” e de um mundo exterior.
A socialização secundária, por sua vez, é caracterizada pela inte-
riorização de submundos institucionais, determinados pela complexa
divisão do trabalho nas sociedades modernas e pela segmentação social
do conhecimento. Após ter passado pela socialização primária, na qual
houve a interiorização dos conceitos que servem de base para as primeiras
noções da realidade e da consciência de si, na socialização secundária, o
indivíduo adquire vocabulários de funções e papéis sociais específicos.
Ao contrário do que ocorre na socialização anterior, a socialização secun-
dária não tem como principal agente a família, mas sim a escola, local
privilegiado para a difusão de saberes especializados. Também de forma
distinta da socialização primária, os conceitos assimilados correspondem
a saberes formais, de conteúdo menos subjetivo, configurando-se como
realidades parciais, passíveis de questionamento, que não necessaria-
mente estão em coerência e harmonia com os saberes de base.

17 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Ao considerar a possibilidade de modos distintos de socialização,
a teoria de Berger e Luckman rompe com a ideia da socialização como
integração harmônica e coerente entre o indivíduo e a sociedade.
A teoria sugere a possibilidade de ocorrência de conflito entre a sociali-
zação primária e os padrões normativos das instituições da socialização
secundária. Por conseguinte, ampliou a compreensão do processo de
transformação da criança em ator social, apontando que tal processo é
conduzido por diferentes agentes de socialização que transmitem saberes
específicos durante as etapas de desenvolvimento da criança.
De modo geral, verifica-se que as primeiras definições elaboradas no
âmbito das ciências sociais não consideravam as crianças como seres
sociais plenos, visto que a socialização era compreendida apenas pela
perspectiva do efeito da ação adulta sobre as novas gerações. Quanto a
este aspecto, Sarmento (2008) avalia que o conceito apresentado pelas
teorias clássicas não identificava as crianças como verdadeiros entes
sociais reconhecíveis em suas características, interativos, racionais e
com capacidade de opção entre valores distintos. Nesse sentido, o autor
menciona o desenvolvimento de um novo paradigma dos estudos de so-
cialização, no qual as crianças são analisadas como atores deste processo
e não como simples receptores passivos da socialização adulta. Esse novo
paradigma concebe que as crianças, em sua interação com os adultos,
recebem estímulos para a interação social, sob a forma de crenças, valores
e conhecimentos que, ao invés de serem incorporados passivamente,
são transformados, gerando juízos, interpretações e condutas infantis
próprias. Não sendo meras receptoras da cultura, as crianças também
operam transformações nessa cultura, seja na forma como a interpretam,
ou nos efeitos que nela produzem, a partir de sua prática.
Para Handel (2006), as abordagens mais atuais não concebem a so-
cialização como um simples mecanismo de assimilação dos indivíduos
aos grupos pré-existentes, ressaltando-se o dinamismo e os constantes
reajustes entre o sujeito, o outro e seu ambiente social. Os estudos de so-
cialização, além de considerarem o papel ativo das crianças, não ignoram

18 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
as funções que os diversos agentes e estruturas sociais exercem sobre seus
modos de vida específicos, interferindo no curso do desenvolvimento
infantil e nos níveis de participação social da criança. Os estudos mais
recentes envolvem não só a família como agente deste processo, mas
também a escola, o grupo de pares, as condições de trabalho, a exposi-
ção aos veículos de comunicação de massa, o estabelecimento de uma
família e o casamento, a participação na vida comunitária organizada e
as condições de aposentadoria (OUTHWAINE; BOTTOMORE, 1996).
A partir dos estudos sobre socialização, podemos elucidar determi-
nados elementos centrais na pesquisa do racismo nas crianças. Primei-
ramente, pode-se considerar a criança como um receptor de crenças,
valores e hábitos já difundidos no meio adulto, sendo o racismo das
crianças apenas reflexo da transmissão cultural dos adultos. Por outro
lado, pode-se compreender o racismo, enfatizando o dinamismo das
interações sociais das crianças e as formas como desenvolvem tais
interações (KILLEN; RUTLAND, 2011). Por fim, ao tomar a criança como
protagonista de seu processo de socialização, é possível identificar quais
os mecanismos que regem o pensamento da criança, fazendo com que
seus esquemas conceituais e padrões de interpretação sejam distintos dos
adultos. Desse modo, o desenvolvimento das atitudes raciais nas crianças
pode ser analisado a partir de três referenciais sobre a socialização de
crianças, a saber: 1) a ênfase sobre a assimilação de atitudes já existentes
na sociedade, 2) os esquemas conceituais e os processos de pensamento
característico do mundo infantil e 3) o dinamismo das interações sociais
estabelecidas pela criança.
Neste capítulo, discutiremos como esses três referenciais, acerca do
processo de socialização, influenciaram no desenvolvimento de duas
importantes teorias que vieram a nortear as pesquisas sobre a expres-
são do preconceito racial em crianças: a teoria do desenvolvimento da
identidade social (NESDALE, 2004) e a teoria do desenvolvimento socio-
cognitivo (ABOUD, 1988).

19 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
O DESENVOLVIMENTO DE
ATITUDES RACIAIS EM CRIANÇAS

O conceito de socialização possibilita elaborar alguns pontos nortea-


dores para o estudo do preconceito racial em crianças. Primeiramente,
ao considerar que a criança assimila crenças, normas e atitudes ampla-
mente difundidas em seu meio social, é possível assumir que as atitudes
raciais decorrem de características do contexto social em que ocorre o
desenvolvimento da criança. Dentre estas características, destaca-se a
estratificação social, a qual se caracteriza pelas desigualdades que existem
entre indivíduos e grupos nas sociedades humanas, envolvendo tanto as
diferenças de status como os níveis de competição existentes entre os
grupos sociais (GIDDENS, 2005). Conforme ressaltado por Aboud (1988),
nas sociedades onde há evidentes diferenças de status entre os grupos,
é mais provável que ocorra o desenvolvimento de atitudes preconcei-
tuosas. A depender de sua pertença grupal, a criança assimilará atitudes
específicas frente aos grupos de status majoritário ou minoritário com
os quais interage socialmente.
Embora a diferença de status entre os grupos possa ser identificada
como um dos determinantes sociais do preconceito, é necessário res-
saltar que a estratificação social somente contribui para o surgimento
de atitudes raciais ao passo que as diferenças entre os grupos podem
ser psicologicamente representadas. Quanto a este aspecto, reportamos
à Teoria da Identidade Social (TAJFEL, 1978), uma vez que esta forne-
ceu as bases para compreender como as diferenças de status entre os
grupos, ao serem psicologicamente representadas pelos indivíduos,
interferem em suas atitudes e comportamentos diante dos diversos
membros dos grupos sociais.
O modelo teórico elaborado por Tajfel (1978) estabelece que a catego-
rização social seja um processo básico no desenvolvimento das relações
intergrupais. Através da categorização, os sujeitos elaboram mentalmente

20 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
categorias em que objetos, eventos e pessoas podem ser agrupados e
distinguidos uns dos outros. Tajfel ressalta que o mero processo de cate-
gorização, ao fazer saliência entre “nós” e “eles”, modifica as percepções
que as pessoas fazem umas das outras. Através das distinções categóricas,
são salientadas as similaridades entre os membros do próprio grupo
e realçadas as distinções entre os grupos. Tais distinções perceptivas
também surtem efeito sobre as relações interpessoais.
As consequências do processo de categorização para o campo das
interações humanas são analisadas pela Teoria da Identidade Social, a
partir da ideia de que nossas relações variam de acordo com um espectro,
partindo de um nível puramente interpessoal, que envolve a compreen-
são das pessoas como indivíduos, até um grau de interação puramente
intergrupal, em que o indivíduo é identificado somente como um repre-
sentante de seu grupo, sendo suas características pessoais suprimidas
em função da saliência de sua pertença grupal.
Considerando que a criança participa ativamente dos processos de
interação social, pode-se esperar que o processo de categorização se faça
presente desde os primeiros anos de vida. Shutts, Banaji e Spelke (2010)
apresentam evidências para esta hipótese, sugerindo que as crianças, ao
buscarem novas informações, favorecem informantes que são similares
a elas ao longo de uma série de características, em especial, das catego-
rias de raça, gênero e idade. A fim de verificar quais destas categorias
tendem a exercer maior influência sobre as escolhas das crianças, eles
selecionaram 32 crianças brancas, de ambos os sexos e com apenas três
anos de idade para participarem de dois estudos experimentais em que
foram solicitadas a escolherem dentre objetos ou atividades enfatizadas
por pessoas não familiares que variavam quanto à raça (branca e negra), ao
gênero (masculino e feminino) e à idade (criança e adulto). Os resultados
indicaram que o gênero e a idade são as categorias que mais influenciam
a criança nesta faixa etária. Embora não tenham sido obtidos resultados
significativos a respeito da raça, a pesquisa demonstra que, aos três anos

21 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
de idade, as crianças expressam preferências sociais e avaliativas com
base em categorias de gênero e idade.
A Teoria da Identidade Social pressupõe que as categorias atendem,
ao mesmo tempo, a propósitos cognitivos e motivacionais, uma vez que
as mesmas são utilizadas pelas pessoas em prol da manutenção de uma
autoimagem positiva. Assume-se que o comportamento intergrupal seria
consequência da motivação subjacente dos indivíduos em sustentarem
uma identidade social positiva. Nesse sentido, eles empreenderiam
esforços para distinguirem seu grupo (endogrupo) dos demais grupos
(exogrupos) nas dimensões que consideram relevantes em seu auto-
conceito. Em função desta tendência de promover uma distintividade
positiva entre seu grupo e os demais, as pessoas são motivadas a apre-
sentar vieses em suas escolhas e avaliações pessoais, com a finalidade
de favorecer ao endogrupo em detrimento do exogrupo nas dimensões
que consideram socialmente relevantes.
Levando em consideração que as crianças são socializadas como
membros de determinados grupos sociais, a pertença grupal promove
sobre elas a identificação com o endogrupo e a discriminação contra
outros grupos. Files, Casey e Oleson (2010) realizaram uma pesquisa com
a finalidade de analisar como as preferências intergrupais surgem nas
crianças e como estas preferências são consistentes ao longo do tempo.
Para tanto, criaram grupos com crianças entre nove e onze anos de idade
que participaram de uma atividade extracurricular em sua escola. Nesta
atividade, os participantes foram aleatoriamente distribuídos entre
dois grupos, identificados pela cor (vermelha ou amarela) presentes em
adesivos que as crianças utilizavam durante as sessões experimentais.
No estudo mencionado, as crianças interagiam somente com seu pró-
prio grupo durante duas semanas e, após esse período, eram solicitadas
a avaliarem membros de ambos os grupos, representados por crianças
não familiares aos participantes, em cinco dimensões avaliativas (afa-
bilidade, cooperativismo, valor do grupo, honestidade e capacidade de
seguir instruções). Os resultados corroboraram pressupostos da Teoria

22 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
da Identidade Social, evidenciando que, ainda que não haja uma situa-
ção de confronto intergrupal, as crianças tendem a favorecer o próprio
grupo em suas avaliações, sendo tais avaliações persistentes ao longo
de várias semanas.
A Teoria da Identidade Social forneceu, assim, as bases para a com-
preensão do comportamento intergrupal, destacando que o contraste
entre endogrupo e exogrupo atua por meio de uma motivação implícita
para a distintividade, promovendo no indivíduo clareza perceptiva e
significado social (HORNSEY, 2008). Todavia, uma das principais crí-
ticas feitas às pesquisas nessa abordagem recai sobre o fato de muitos
estudos considerarem que o favoritismo endogrupal necessariamente
implica hostilidade ou preconceito frente aos demais grupos, podendo
o favoritismo ser acompanhado por positividade, indiferença, rejeição
ou ódio ao exogrupo (BREWER, 1999).
A articulação entre a Teoria da Identidade Social e o desenvolvi-
mento das habilidades cognitivas da criança foi realizada por Nesdale
(2004). Tal como Brewer (1999), uma das principais questões colocadas
por Nesdale acerca do desenvolvimento do preconceito nas crianças
é a distinção entre favoritismo endogrupal e preconceito. O autor ava-
lia que a preferência pelo endogrupo não necessariamente acarreta
atitudes negativas frente ao exogrupo, ressaltando que o preconceito
só pode ser observado caso o favoritismo endogrupal seja acompanha-
do de avaliação negativa diante de membros do exogrupo. Sua teoria
sobre o desenvolvimento das atitudes intergrupais na criança propõe
quatro fases de desenvolvimento, nas quais o favoristismo endogrupal
é anterior ao preconceito propriamente dito.
Na primeira fase, entre os dois e três anos de idade, as crianças ainda
estão assimilando os conceitos relacionados a cada categoria social e,
por conseguinte, ainda têm atitudes pouco diferenciadas em função das
categorias. Por volta dos três anos de idade, a criança já revela consciência
acerca das categorias raciais e faz uso recorrente das mesmas. Na fase
entre os quatro e cinco anos de idade, a criança começa a manifestar o

23 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
favoritismo endogrupal, revelado pela tendência a gostar e a perceber a
si mesma como similar a membros do endogrupo.
Em contraste, após os sete anos de idade, a criança torna-se capaz
de manifestar o preconceito, pois, neste período, além do favoritismo
endogrupal, as crianças passam a fazer avaliações negativas e a hosti-
lizar os membros do exogrupo. Todavia, em consonância com a teoria
de Tajfel, Nesdale considera que o preconceito depende da extensão
em que a criança se identifica com seu grupo social e do tipo de relação
existente com os demais grupos. Sendo assim, menciona que, quanto
maior a identificação da criança com seu grupo, maior a probabilidade
de ela assimilar atitudes negativas para com os demais grupos. Além
disso, há maior probabilidade de ocorrer preconceito quando há um
contexto de competição entre os grupos e o exogrupo é percebido como
fonte de ameaça ao status e ao funcionamento do endogrupo.
A perspectiva da identidade social permitiu compreender de que
modo a pertença a um determinado grupo social, numa sociedade estra-
tificada, isto é, com diferenças de status, é capaz de mobilizar a criança
a desenvolver formas específicas de interação com os demais membros
da sociedade, avaliando-os em função da categoria a que pertencem.
Entretanto, outra vertente de estudos sobre a socialização das atitudes
raciais nas crianças destinou maior ênfase ao papel do desenvolvimento
cognitivo sobre as atitudes e comportamentos discriminatórios.
O referencial sociocognitivo das atitudes intergrupais da criança tem
como ponto central a teoria elaborada por Aboud (1988), a qual apontou
limitações das teorias até então existentes para analisar a origem do
preconceito racial na criança. Dentre estas teorias, encontravam-se a
abordagem do reflexo social Allport (1954/1979) e a teoria da persona-
lidade autoritária (ADORNO et al., 1950). A primeira considerava que as
atitudes raciais da criança seriam reflexo das atitudes sustentadas pelos
adultos e pela sociedade mais ampla, enquanto a segunda concebia o
preconceito como um traço de personalidade, resultante de um estilo
parental autoritário e repreensivo.

24 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Não discordando do alcance explicativo de tais abordagens, o mo-
delo sociocognitivo criticou o fato de tais teorias terem sido elaboradas
a partir de estudos realizados com adultos, de modo que as explicações
para o surgimento do preconceito na criança eram elaboradas a partir
de inferências dos dados obtidos com populações adultas. Contrapon-
do-se a tal limitação, adotou uma perspectiva desenvolvimentista para
compreender o surgimento das atitudes raciais na criança, tomando
como unidade de análise a própria criança e as estruturas cognitivas e
motivacionais que a distinguem do adulto.
Conforme destacado por Aboud (1988), o preconceito na criança não
é um simples reflexo das atitudes das gerações anteriores, pois o período
desenvolvimental da criança faz com que ela tenha atitudes e percep-
ções de seu meio social distintas dos adultos. Esta perspectiva envolve
a ideia de que em cada idade a criança apresentará uma configuração de
diferentes capacidades e limitações pessoais e sociais, o que faz com que
o preconceito não se manifeste da mesma forma, tampouco de acordo
com as mesmas motivações durante a infância.
O modelo sociocognitivo avalia, portanto, que o preconceito não pode
ser analisado como um fenômeno desvinculado de estruturas cognitivas.
Nesta perspectiva, os afetos negativos que caracterizam o preconceito são
concebidos como provenientes de estruturas cognitivas que predispõem
os indivíduos a responderem de forma desfavorável a determinadas pes-
soas, em função do grupo a que elas pertencem. De acordo com Aboud
(1988), a partir desse modelo, é possível esquematizar o preconceito em
três componentes básicos: julgamentos desfavoráveis ou atitudes negati-
vas, predisposições subjacentes organizadas e negatividade direcionada
a determinadas categorias étnico-raciais.
A ênfase no enfoque do desenvolvimento permitiu que fossem eluci-
dadas as especificidades do preconceito na criança em comparação com
o adulto e caracterizar o desenvolvimento das habilidades cognitivas que
interferem na estrutura e expressão do preconceito durante a infância.
Uma vez que a criança ainda se encontra em processo de assimilação do

25 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
contexto social e do desenvolvimento de suas estruturas cognitivas e mo-
tivacionais básicas, ela não poderá apresentar atitudes preconceituosas
da mesma maneira que os adultos, mas sim de modo mais rudimentar
e menos organizado que eles.
Dentro dessa perspectiva, é assumido que o preconceito deve ser
avaliado, a partir dos diferentes processos cognitivos que predominam
na criança, durante o seu processo de desenvolvimento. Cabe ressaltar
que a abordagem sociocognitiva das atitudes intergrupais da criança foi
influenciada pelos estudos realizados por Piaget (1964/2011). A perspec-
tiva do desenvolvimento de Piaget apresentou etapas cognitivas e socio-
morais específicas, apontando evidências de que as atitudes e interações
sociais da criança são influenciadas pelo estágio de desenvolvimento
em que ela se encontra.
Piaget distingue quatro estágios ou períodos do desenvolvimento que
caracterizam as estruturas cognitivas e sociomorais de equilíbrio progres-
sivo do lactente até a adolescência. O primeiro estágio (do nascimento
aos dois anos) corresponde a uma fase na qual há predominância dos
reflexos, dos mecanismos hereditários e das primeiras tendências instin-
tivas, sendo marcado pelos primeiros hábitos motores e pela organização
das percepções, bem como pelos primeiros afetos diferenciados. Neste
estágio, é verificada a inteligência sensório-motora ou prática (anterior
à linguagem), na qual ocorrem as primeiras regulações afetivas. Na se-
gunda fase do desenvolvimento, ou a também chamada segunda parte
da primeira infância (dos dois aos sete anos), formam-se as primeiras
categorias sociais, nas quais surgem os sentimentos interindividuais
espontâneos e as relações sociais de submissão ao adulto. O terceiro
estágio (dos sete aos doze anos) corresponde às operações intelectuais
concretas e aos sentimentos morais e sociais de cooperação. Por fim, o
quarto e último estágio (doze anos em diante) envolve as operações inte-
lectuais abstratas e a inserção afetiva e intelectual no mundo dos adultos.
O aspecto importante desse modelo teórico reside no fato de com-
preender que, a depender do nível de desenvolvimento considerado,

26 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
o indivíduo apresentará diferentes necessidades. Dessa forma, a con-
duta da criança é avaliada como resultado das disposições afetivas
predominantes nesses estágios e do conjunto de noções anteriormente
adquiridas. Ao trazer tais considerações para o campo da formação
de crenças e atitudes discriminatórias, ressalta-se o estágio definido
como primeira infância (dos dois aos sete anos), visto que nesta fase
ocorre a formação das primeiras categorias sociais e da percepção de
que a sociedade é composta por diferentes grupos.
Tomando por base o modelo teórico de Piaget, Aboud (1988) considera
que, entre quatro e sete anos de idade, é possível verificar que as crianças
apresentam o domínio de categorias raciais e associam atributos físicos,
tais como cor da pele e fisionomia, com categorias sociais (branco, ne-
gro, latino, entre outros). Ao mesmo tempo, verifica-se que nesta fase as
crianças manifestam nitidamente preferências por determinados grupos
em detrimento de outros, apresentando níveis elevados de preconceito.
Aboud compreende que os níveis elevados de preconceito racial ve-
rificados nas crianças nesta idade decorrem das limitações cognitivas
que elas possuem. Dentre estas limitações, encontra-se a tendência a
avaliar as pessoas, a partir de atributos externos, tais como a cor da pele
e os traços faciais. Além disso, o pensamento egocêntrico predominan-
te no período entre os quatro e sete anos impede que a criança tenha
flexibilidade em suas avaliações, fazendo com que tanto as diferenças
físicas como as psicológicas sejam superestimadas entre os grupos. O
pensamento egocêntrico desta fase também impede que a criança possa
analisar de forma positiva os atributos de grupos sociais distintos do seu.
Ainda durante o estágio pré-operacional, a teoria de Aboud pontua
que, entre os seis e sete anos de idade, as crianças tendem a apre-
sentar níveis mais elevados de preconceito, pois, nesta fase, tendem
a perceber os aspectos externos e observáveis que caracterizam os
diferentes grupos sociais e elaboram seus julgamentos com base
nestas diferenças. A avaliação dos grupos, neste período, é orientada

27 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
para características observáveis, negligenciando atributos internos
ou psicológicos dos grupos sociais.
Outro marco desenvolvimental dessa teoria é a idade dos sete anos.
Conforme a autora salienta, a partir dessa idade, a criança desenvolve
novas habilidades cognitivas que a permitem adquirir atitudes mais
tolerantes e menos preconceituosas diante dos grupos minoritários.
Estas habilidades correspondem à aquisição da flexibilidade e da con-
servação, características do período operacional concreto. Por meio
delas, a criança conquista a capacidade de minimizar as diferenças entre
os grupos e a perceber similaridades entre os mesmos, adotando uma
percepção menos polarizada das diferenças intergrupais, estando mais
atenta às qualidades individuais do que à filiação grupal das pessoas.
Em conjunto, essas novas habilidades cognitivas permitem que as ava-
liações das crianças não sejam baseadas apenas na pertença grupal das
pessoas. Ao contrário, as crianças tornam-se mais sensíveis a analisar
os indivíduos com base em características internas e consistentes que
as diferenciam dos demais.
A teoria sociocognitiva contribuiu para que o desenvolvimento das
atitudes raciais, nas crianças, fosse compreendido, a partir das motiva-
ções e capacidades cognitivas predominantes na criança em cada uma
de suas etapas de desenvolvimento, entretanto, ela tem sofrido críticas
que contestam a universalidade do fenômeno da redução do preconceito
racial com o aumento da idade (FRANÇA; MONTEIRO, 2004; MONTEIRO;
FRANÇA; RODRIGUES, 2009; RUTLAND, 1999). Além disso, tanto essa
teoria quanto a de Nesdale, oferecem pouca atenção à capacidade de a
criança reconhecer as normas sociais que proíbem a expressão explícita
de preconceito. Pesquisas mais recentes indicam que o declínio do pre-
conceito explícito, a partir dos oito anos de idade, pode estar associado à
crescente capacidade da criança de identificar que nem sempre é adequa-
do expressar o preconceito de forma direta (ABRAMS; RUTLAND, 2008;
FRANÇA; MONTEIRO, 2013; RODRIGUES; MONTEIRO; RUTLAND, 2012).

28 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como explicar a manifestação do preconceito racial nas crianças?


É evidente que ainda existem muitas questões a serem exploradas sobre
este fenômeno, porém, as contribuições teóricas aqui apresentadas elu-
cidam um ponto fundamental: as crianças não podem ser vistas como
receptores passivos do preconceito sustentado pelos adultos, tal como
concebe o modelo tradicional de socialização. A ideia de a criança ser vista
como um ser moldado pelas gerações anteriores não é compatível com a
consciência categórica que ocorre desde os primeiros anos da infância,
tampouco com as diferentes formas de manifestação do preconceito
abordadas pelas teorias do desenvolvimento sociocognitivo (ABOUD,
1988) e do desenvolvimento da identidade social (NESDALE, 2004).
Conforme exposto pela teoria de Aboud, o preconceito racial mani-
festado pelas crianças distingue-se daquele apresentado pelos adultos
em função de ser afetado pelas etapas do desenvolvimento infantil, as
quais são caracterizadas por diferentes motivações e estruturas cogni-
tivas, que interferem sobre a manifestação do preconceito racial. Por
outro lado, a teoria de Nesdale salienta que não só o desenvolvimento
cognitivo interfere na manifestação do preconceito durante a infância.
A teoria demonstra que, tal como ocorre com os adultos, a expressão
do preconceito da criança é afetada pelo contexto das relações inter-
grupais. De tal modo, sua manifestação também se encontra vinculada
à identificação da criança com seu grupo, às normas deste grupo e à
percepção de ameaça por parte do exogrupo.
A evidência de que, por volta dos três anos de idade, as crianças fazem
uso de categorias sociais, como gênero e raça, sinaliza que elas buscam
ativamente compreender, avaliar e controlar a realidade social em que
se encontram. As teorias analisadas, embora apresentem enfoques dis-
tintos, convergem no que diz respeito à participação ativa da criança em
seu percurso de desenvolvimento e demonstram que a assimilação do

29 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
conceito de raça e o desenvolvimento de atitudes e comportamentos,
em face aos diferentes grupos sociais, não resultam de uma simples
absorção das atitudes dos adultos. Podemos concluir que a expressão
do preconceito racial na infância resulta de um processo dinâmico no
qual interagem a categorização social, o desenvolvimento das habili-
dades cognitivas e os processos de identificação e comparação sociais
realizados pelas crianças.

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32 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
CAPÍTULO 2

Da percepção do eu
ao entendimento das relações
entre os grupos sociais

DALILA XAVIER DE FRANÇA

A nossa existência como pessoas passa pela com-


preensão de que fazemos parte de um grupo particular
de objetos, de que somos únicos e diferentes daqueles
que estão ao nosso lado e de que estes têm semelhanças
e diferenças entre si e em relação a nós mesmos. Com-
preensão de si próprio e dos outros como entidades
únicas requer raciocinar sobre o mundo social, ou seja,
compreender as pessoas, as relações interpessoais, as
instituições e a estrutura social1. 1 “[...] alocação populacional nas
diferentes posições sociais que
Os fenômenos da autopercepção e percepção de refletem e intervêm nas relações
pessoas têm sido estudados no campo da Cognição dos indivíduos uns com os outros”
(MATHIAS, 2014, p. 132).
Social (FISKE; TAYLOR, 1991). Ainda neste âmbito, en-
contram-se estudos sobre a teoria da mente (DELVAL,
2007; LEGERSTEE, 2005), que consistem na capacidade
de imputar estados mentais ou compreender o que os
outros pensam ou acreditam, com importantes con-
tribuições para o conhecimento social nas crianças
(LANE et al., 2010).

33 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
As crianças são processadoras ativas de suas próprias experiências.
Desde o nascimento, suas expressões de choro, sorriso, desconforto vão
ganhando significado na interação com o outro e tornam-se representa-
ções mentais, que ganham intencionalidade, permitindo-lhes interpretar
os eventos que lhes acontecem. Essas representações mentais possibili-
tarão diversas aquisições como as noções de si próprias, dos outros com
quem elas interagem. Esse processo inicia-se muito cedo e se prolonga
através da vida, sendo dependente do desenvolvimento cognitivo da
criança e das experiências sociais anteriores.
Este capítulo tem o objetivo de analisar teoricamente o fenômeno da
compreensão ou percepção do eu e do outro na infância e como esses pro-
cessos impactam no entendimento das relações entre os grupos sociais.
Pretendemos responder às seguintes questões: Como se processa a
compreensão da criança sobre o mundo social? Como se dá a compreen-
são sobre si mesmas, sobre as pessoas, as instituições, a estrutura social
e as relações entre os grupos sociais?
Para tanto, discorreremos, em primeiro lugar, sobre a percepção do
eu e as primeiras noções de identidade; apresentamos estudos que rela-
tam os primórdios da percepção do eu desde o nascimento. Em seguida,
analisaremos quando e como ocorre a compreensão da existência dos
outros. Faremos uma apreciação sobre as concepções das crianças sobre
a estrutura da sociedade, na qual analisaremos a família, a escola e a
classe social. Finalizaremos nossa revisão enfocando as concepções das
crianças sobre grupos sociais, nas quais abordaremos os grupos raciais
e atitudes intergrupais.

34 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
A PERCEPÇÃO DO “EU”:
AS PRIMEIRAS NOÇÕES DE IDENTIDADE

A literatura mostra que as décadas de 1970 e 1980 se destacam no es-


tudo do desenvolvimento do eu na criança, com a criação de diferentes
metodologias de avaliação desse fenômeno; iniciaremos nossa análise,
fazendo referência a esses estudos.
O conhecimento do eu é produto das relações e interações sociais.
Lewis e Brooks-Gunn (1979) têm mostrado que o desenvolvimento da
compreensão do eu passa por dois estágios. Primeiro, ocorre a formação
do eu existencial, que se refere ao sentimento de ser distinto dos outros
e de ter continuidade no tempo.
Para Lewis (2011), perceber-se como agente ativo separado dos outros
objetos do mundo é a primeira tarefa posta à criança. Embora seja im-
provável que o neonato se distinga de seu ambiente, dentro de poucos
meses, as crianças tornam-se capazes de diferenciar-se dos outros e
obtêm consciência de que existem e de que são únicas. Essa consciência
marca o princípio da identidade ou eu categórico, segundo estágio de de-
senvolvimento da compreensão do eu proposta por esses dois estudiosos.
O eu categórico consiste no eu como objeto do conhecimento, e está
relacionado à autodefinição do indivíduo em termos de idade, gênero e
tamanho. Também tem sido chamado mais recentemente de autoconcei-
to, pois envolve a aparência física, crenças, sentimentos e pensamentos
sobre si mesmo (LEWIS, 2011).
Para Lewis e Brooks-Gunn (Op. Cit), alguns aspectos do processo de
interação da criança com aqueles que cuidam dela são fundamentais
para o desenvolvimento do eu existencial, em particular, a experiência
da criança em administrar a relação entre as suas ações e os resultados
que produzem. Igualmente importante é a imitação do comportamento
da criança feito por seus pais. Neste sentido, tanto os pais quanto os
cuidadores da criança funcionam como espelho social para ela.

35 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
O eu categórico muda ao longo da vida em função das capacidades
cognitivas da criança, de variações nas relações sociais, da idade, da cul-
tura, do grupo social e de diferenças individuais, tais como as de gênero
(LEWIS, 2011; MARTIN; RUBLE, 2010).
Os investigadores da área usam medidas de autorreconhecimento, ou
seja, aquelas usadas com participantes na fase pré-verbal, tais como o
teste espelho, de fotografias e de gravações em videotape (BERTENTHAL;
FISCHER, 1978; LEWIS; BROOKS-GUNN, 1979), e sugerem uma teoria de
cinco estágios do autorreconhecimento, definidos pelo tipo e pela com-
plexidade das ações que a criança pode realizar.
O primeiro estágio se refere à exploração tátil (cinco a oito meses).
Nesse período, quando a criança é colocada defronte ao espelho, ela tende
a tocar partes de sua imagem projetada, não se podendo afirmar ainda
que ela se perceba como agente causal nem se diferencie dos outros.
No segundo estágio do eu como agente causal (nove a doze meses),
a criança é vestida com uma roupa que acopla uma haste com chapéu
sobre sua cabeça. Quando colocada diante do espelho, a criança deve
mirar o objeto projetado e tocar o objeto real. Esta ação demonstra que
ela percebe que existe uma relação causal entre seu próprio corpo e a
imagem projetada, ou seja, a criança tem consciência de que o objeto
está no seu corpo, mas não faz parte dele.
No terceiro estágio da diferenciação eu-outro (doze a quinze meses),
apresenta-se um brinquedo por trás da cabeça da criança enquanto esta
olha o espelho. A criança deve voltar-se e olhar o brinquedo real. Esse mo-
vimento indica um avanço na percepção do eu como agente causal, pois
diferencia o movimento do próprio corpo do movimento produzido por
outras pessoas ou objetos, demonstrando uma diferenciação eu-outro.
No quarto estágio do eu categórico (quinze a dezoito meses), pinta-se
o nariz da criança e, em seguida, põem-na defronte ao espelho. Espera-se
que a criança toque seu nariz ou verbalize que algo está diferente em
si mesma. Neste momento, aparecem as primeiras evidências de um

36 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
sentido de eu categórico, representado pela capacidade da criança de
reconhecer as próprias características faciais.
No quinto e último estágio do autorreconhecimento através do nome
(dezoito a 24 meses), ao apontar para a imagem da criança no espelho e
perguntar: “Quem é este?”, a criança deverá responder seu próprio nome
ou um pronome apropriado. Aqui, ela percebe que tem características
únicas que podem ser rotuladas pelo seu próprio nome.
Há outras aquisições nos períodos dos dez e dos quinze meses que
se consolidam entre os dezoito e os trinta meses (EMDE, 1988). No pri-
meiro período, a criança apresenta necessidade de ligação interpessoal
e de compartilhar experiências, por exemplo: partilhar com a mãe as
suas brincadeiras ou participar das atividades que a mãe realiza. Esse
compartilhar de experiências, através das interações recíprocas com os
adultos, marca o surgimento do sentido de nós-eu, que é desenvolvido
pela capacidade de representação linguística e simbólica da criança.
Isso ocorre através da capacidade de representação das regras dos pais,
denotando uma manifestação inicial do comportamento moral e eleva o
sentido nós-eu a outro nível. A internalização dessas regras e proibições
autoriza a criança a regular seus próprios comportamentos e resistir a
“tentações” em situações nas quais os pais ou outras figuras de autoridade
não estão presentes.

A CONSTRUÇÃO DO EU DURANTE A INFÂNCIA,


MÉDIA INFÂNCIA E O INÍCIO DA ADOLESCÊNCIA

Durante o período pré-escolar (três aos seis anos), as crianças tendem


a construir representações cognitivas concretas das características ob-
serváveis do eu. As autoavaliações nesta fase são, em geral, irrealistica-
mente positivas, uma vez que elas têm dificuldades de distinguir entre
seus desejos e suas verdadeiras competências. Durante esta fase, ocorre

37 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
uma proliferação de categorias que as crianças podem usar para definir
o eu – começam a se descrever em termos de rótulos concretos, como
idade (STIPEK; GRALINSKI; KOPP, 1990). Evidências da consciência das
categorias de gênero e de raça podem ser percebidas nas crianças por
volta dos três anos de idade (KATZ, 1983; MARTIN; RUBLE, 2010). Essa
aprendizagem acontece paralelamente ao início de formação de concei-
to, quando a criança se torna capaz de reconhecer as pistas perceptivas
relevantes para inclusão ou exclusão de um objeto em uma categoria.
De particular importância nesta fase é conhecer quando as crianças
percebem certas características como estáveis. A esse respeito, Aboud e
Ruble (1987) consideram que a consciência da constância de si é expressa
antes da consciência da constância dos outros. Por exemplo, a criança
percebe-se como permanente com relação ao gênero, a despeito de ves-
tir roupas do sexo oposto, mais cedo do que diz que outra pessoa, sob
as mesmas condições, é permanente. Em outro estudo, Arthur, Bigler
e Ruble (2009) demonstraram que, aos quatro anos de idade, crianças
que participaram de aulas nas quais se ensinava que as características
biológicas e, entre elas, as sexuais, são fixas, apresentaram maior cons-
tância de gênero e distinção aparência/realidade do que as crianças que
participaram de aulas nas quais se ensinava que as características são
mutáveis. Contudo, a constância da categoria de gênero aparece por
volta dos quatro ou cinco anos de idade, enquanto a constância étnica
aparecerá por volta dos oito ou nove anos (ABOUD; RUBLE, 1987).
Durante a média infância e o início da adolescência (seis a doze
anos), a descrição do eu torna-se mais complexa devido aos avanços nas
capacidades cognitivas e linguísticas, assim, as crianças utilizam uma
amplitude de conceitos para descrever a si e aos outros. As autodescri-
ções, a princípio concretas, aos poucos se tornam mais centradas nos
estados internos ou em características psicológicas, tais como compe-
tências, conhecimentos, emoções, valores e traços de personalidade.
A criança pode agir indutivamente, ou seja, ela junta informações par-
ticulares para compor a representação do eu. A capacidade de assumir a

38 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
perspectiva do outro, adquirida nessa fase, possibilita à criança
construir uma “ideia-de-eu” rudimentar, uma vez que a mesma pode
imaginar como é percebida pelos outros, como eles julgam esta per-
cepção e apresentar uma reação afetiva, tal como orgulho ou embaraço
(DURKIN, 2004).
Nessa fase, as crianças são capazes de integrar conceitos opostos po-
sitivos e negativos nas avaliações do eu. Por exemplo, a criança pode se
perceber ao mesmo tempo como extrovertida (com os amigos) e introver-
tida (diante de estranhos). Essa capacidade de integrar opostos possibilita
a diminuição de avaliações extremistas, permitindo uma autodescrição
mais equilibrada com a descrição que os outros fazem da criança.
Observa-se, ainda nessa fase, alguns avanços na capacidade para
utilizar informações de comparação social. Agora, as crianças mudam
a expressão da comparação social de uma forma mais evidente (p.e., eu
tirei nota nove e você tirou nota oito) para uma mais sutil (p.e., qual foi
sua nota?), à medida que se tornam mais conscientes das consequências
sociais negativas das formas mais abertas (RHODES; BRICKMAN, 2008).
Como as crianças percebem os outros como seres distintos delas pró-
prias? Quando elas começam a percebê-los como dotadas de emoções,
intenções e pensamentos próprios? Quais as mudanças no desenvolvi-
mento envolvidas neste processo? Essas questões podem ser respondidas
com o estudo da compreensão da existência dos outros.

PERCEPÇÃO DE PESSOAS NA INFÂNCIA:


COMPREENSÃO DA EXISTÊNCIA DOS OUTROS

No âmbito da cognição social, o conhecimentento dos outros consiste


na compreensão dos indivíduos como sujeitos que têm intenções, dese-
jos e crenças (DELVAL, 2007). Desde o nascimento, os bebês apresentam
interesse nas outras pessoas, embora não seja possível afirmar que elas

39 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
percebam diferenças entre as pessoas e os outros objetos. Legerstee (1999)
observou, todavia, que crianças de cinco semanas imitam as expressões
das pessoas, como estender a língua, e não as de objetos inanimados
(desenhos de face humanas). A autora afirma também, com base em ex-
perimentos, que crianças de cinco meses são capazes de usar estratégias
para interpretar e predizer o comportamento das pessoas e atribuir-lhes
propósitos e intenções.
Em outro estudo, Legerstee e Markova (2007) verificaram que pelos
três meses as crianças apresentam afetos positivos (sorrir) e negativos
(desviar o olhar) de maneira diferenciada para estímulos sociais (sua
própria mãe) e não sociais (boneca), e esta competência se mantém
até os nove meses. Neste estudo, as crianças expressam mais afetos
positivos nas interações face a face com suas mães do que quando
esta estava de máscara. Markova e Legerstee (2008) afirmam que a
compreensão do pensamento e sentimento dos outros se desenvolve
desde o nascimento através do intercâmbio de emoções entre a criança
e seus cuidadores. Essas trocas afetivas proporcionarão formas mais
complexas de consciência do outro, tal como dirigir a atenção do outro
para coisas interessantes do contexto (p.e., mostrar ao outro um objeto).
O interesse pelos outros avança tanto no sentido de entender os es-
tados psicológicos das outras pessoas quanto as causas desses estados.
O estudo de Zahn-Waxler e colaboradores (1992) é ilustrativo deste inte-
resse. Estes autores estudaram crianças de treze a quinze meses, dezoito
a vinte meses e 23 a 25 meses quanto ao comportamento pró-social e de
reparação da angústia assistida ou causada pela própria criança. Os resul-
tados mostraram que elas expressam interesse, tentam compreender ou
experienciar a situação e se engajam em comportamentos com o objetivo
de aliviar a angústia dos outros. Os resultados mostram ainda que as
crianças de treze a quinze meses apresentam ações predominantemente
físicas e, dos dezoito aos vinte meses, exibem um vasto conjunto de ações
pró-sociais (ajuda, provisão de conforto, interesse empático etc.). O com-
portamento pró-social aumenta com a idade e independe da criança ser

40 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
causadora ou apenas testemunha da angústia dos outros. Vale ressaltar,
entretanto, que elas apresentavam menos interesse empático quando
eram causadoras da angústia do que quando eram apenas espectadoras.
Esta capacidade de se colocar na perspectiva do outro foi estudada
por Selman (1980), que propôs uma teoria de estágios da compreensão
eu-outro que evoluem da ausência de percepção da perspectiva social
do outro à capacidade de comparar diferentes pontos de vista, sendo
que este último estágio é encontrado nos adolescentes e adultos.
Contudo, ao contrário de Selman (1980) e numa visão mais próxima
de Zahn-Waxler et al. (1992), Slomkowski e Dunn (1996), num estudo
longitudinal com crianças de quarenta e 47 meses de idade, observaram
que as interações com amigos foram caracterizadas pela comunicação
compartilhada e a variação nesta forma de comunicação está associada
à capacidade de se colocar na perspectiva do outro e de compreender
seus pensamentos e sentimentos.
Uma das formas de se analisar a compreensão sobre os outros é
através do método da descrição de pessoas (pais, amigos etc.). Algumas
das conclusões desses estudos demonstram que crianças de até sete ou
oito anos descrevem mais frequentemente aspectos externos, como a
aparência física, vestimenta e posses. Após esta idade, há um aumento
nas referências a estados internos, tais como traços de personalidade,
necessidades, motivos e atitudes. Com o aumento da idade, há um au-
mento na frequência das inferências sobre intenções, sentimentos e as
causas dos comportamentos das pessoas. As causas são frequentemente
atribuídas a fatores situacionais, a princípio, e, mais tarde, a fatores psi-
cológicos e percepção interpessoal (SHANTZ, 1983).
Rholes e Ruble (1984) aprofundaram as análises sobre a percepção das
regularidades dos comportamentos em estudo com crianças de cinco e
seis anos e de seis e dez anos. As autoras concluem que, com o aumento
da idade, as crianças percebem os comportamentos das pessoas em uma
determinada situação, como um bom preditor dos comportamentos
daquela pessoa em outros contextos. Já Rholes, Newman e Ruble (1990)

41 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
afirmam que crianças pequenas (seis e cinco anos) são menos propensas
a atribuir traços de personalidade e de capacidades, a partir do comporta-
mento observado nas pessoas. As autoras explicam que esse fato decorre
da imaturidade cognitiva das crianças para perceberem temas gerais
que ligam conjuntos de comportamentos em padrões disposicionais.
As capacidades cognitivas para compreender as disposições levam as
crianças a construírem avaliações do eu mais globais, no sentido de que
incluem as disposições como características próprias nas autodescrições.
Os estudos relativos à compreensão do eu e do outro são precursores
do que conhecemos hoje como teoria da mente (LEGERSTEE, 2005). Entre
as metodologias utilizadas nesses estudos, encontram-se as tarefas de
falsas crenças, nas quais investiga-se se as crianças compreendem que
as pessoas podem manter crenças diferentes sobre a realidade. Obser-
va-se que dos três para os cinco anos de idade as crianças começam a ter
sucesso nessas tarefas (HUGHES; LEEKAM, 2004).

CONCEPÇÕES DAS CRIANÇAS SOBRE A ESTRUTURA


DA SOCIEDADE: A CLASSE SOCIAL

A capacidade de perceber o outro como indivíduo que tem interesses


próprios e intenções consiste apenas em uma parte do conhecimento do
ser social. Para tornar-se um membro da sociedade, é necessário com-
preender, ainda, a organização, a estrutura, as regras e os papéis sociais
(DELVAL, 2007). Nessa seção, analisaremos como as crianças se apropriam
da estrutura da sociedade. Para isto, examinaremos sua compreensão
sobre as classes sociais.
As características definidoras de um grupo social são a sua estru-
tura e padrão organizacional que refletem a relação entre membros e
transcendem as características dos indivíduos que constituem o grupo
(SHANTZ, 1983). Segundo Triana e Simón (1999), o conhecimento do

42 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
mundo social cumpre uma função adaptativa, uma vez que possibilita o
reconhecimento dos elementos e processos que se produzem no mundo
que nos envolve. Esse conhecimento permite-nos prever as consequên-
cias que nossos atos podem ter sobre a realidade social e, assim, fazer-nos
agir de maneira organizada nas nossas relações na sociedade.
Os fatores cognitivos estão implicados no desenvolvimento do co-
nhecimento social nas crianças, condicionando esse processo (DELVAL;
ENESCO; NAVARRO, 1999; TORRES, 1999; TRIANA; SIMÓN, 1999). Desse
modo, Berti e Bombi (1988) afirmam que o progresso na compreensão so-
cial envolve uma série de transformações que evoluem de uma percepção
indiferenciada, que ocorre em torno dos cinco anos de idade, para uma
compreensão mais sofisticada, que ocorreria em torno dos onze anos.
Entretanto, este conhecimento nem sempre é oriundo de suas expe-
riências diretas com complexos fenômenos sociais, como, por exemplo,
quando elas são levadas a fazer doações a pessoas carentes. Pode, em
muitos casos, ser mediado pelos agentes de socialização como a televisão,
os pais e pares e, sobretudo, a escola. Observa-se, contudo, que o conhe-
cimento sobre a sociedade varia em função do contexto sociocultural,
do estatuto socioeconômico, da etnia e da nacionalidade da criança
(BARRETT; BUCHANAN-BARROW, 2005)
Um dos aspectos que fundamenta a compreensão das crianças sobre a
estrutura social é a noção de classe social. Até que ponto a criança domina
a concepção de que não nascemos predestinados a ocupar determinados
papéis na estrutura econômica da sociedade? As crianças entendem que
a natureza da ocupação influi consideravelmente na classe social e no
padrão de riqueza ou pobreza?
Desde muito cedo, as crianças representam as desigualdades sociais
baseando-se nas posses econômicas. Emler e Dickinson (2005), numa
revisão sobre a compreensão das crianças de classe social e sobre a
ideia de riqueza e pobreza, afirmam que tão cedo, aos cinco e seis
anos de idade, as crianças apresentam consciência de classe social e
diferenças econômicas.

43 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Inicialmente, as concepções das crianças estão ancoradas nos
extremos riqueza e pobreza, que podem se basear nas representações
de príncipes e plebeus dos contos de fadas, como na percepção de
diferenças nas posses materiais como habitação e roupas. Emler e
Dickinson (2005), contudo, encontram evidências de que, pelos seis
anos, algumas crianças relacionam a riqueza ao melhor emprego e a
ganhar mais dinheiro. Essa ligação entre a riqueza, o melhor emprego
e o salário torna-se padrão nas respostas das crianças de oito e nove
anos de idade.
Leahy (1990) descreve três estágios na concepção de riqueza e pro-
breza, com base num estudo com uma ampla amostra de crianças de
seis, quatorze e desessete anos de idade. O primeiro estágio, chamado
periférico, presente nas crianças de seis anos de idade, caracteriza-se pela
explicação tautológica para a riqueza e pobreza, por exemplo: “As pessoas
são ricas porque têm dinheiro”. Achados de Ramsey (1991) corroboram
estes resultados nas crianças pré-escolares. Em seu estudo, as explica-
ções das crianças para a riqueza e a pobreza eram limitadas a aspectos
concretos. O segundo estágio é chamado central e caracteriza-se por
respostas que incluem características internas e atributos psicológicos da
pessoa na explicação da riqueza e da pobreza. É encontrado nas crianças
de onze a quatorze anos que se reportam à inteligência e à habilidade
para explicar as diferenças entre ricos e pobres, ou seja, ser pobre ou rico
depende das diferenças educacionais no trabalho, de esforço ou talento.
O último estágio chamado de sociocêntrico, presente nos participantes de
dezessete anos, caracteriza-se pelas explicações que envolvem aspectos
sociopolíticos e estruturais, tais como o poder político, a exploração, os
limites de oportunidades e mudanças de vida. Dar, Erhard e Resh (1998)
encontraram resultados semelhantes. Os adolescentes por eles investi-
gados deram respostas que demonstram terem apreendido com exatidão
a estrutura social multifacetada.
No percurso de apreensão do mundo social, a criança se depara, ainda,
com o manejo dos diferentes grupos que compõem a sociedade, sendo

44 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
instada a estabelecer um sentido de identidade e internalizar valores,
normas, representações e práticas indispensáveis para a inserção social
(BARRETT; BUCHANAN-BARROW, 2005). A formação das concepções
sobre grupos raciais se destacam nesse cenário como os aspectos mais
analisados pelos estudiosos.

CONCEPÇÕES DAS CRIANÇAS SOBRE GRUPO SOCIAL:


GRUPOS RACIAIS

Os seres humanos têm um interesse natural uns pelos outros, e esse


interesse faz com que eles tenham atenção a todos os aspectos da vida
das pessoas, como seus comportamentos, suas relações com os outros
e seus pertencimentos grupais; já aos cinco anos de idade, elas fazem a
distinção entre agregados (estar junto), e grupos como entidades únicas
(estar junto com intencionalidade) (HIRSCHFELD, 2005). Isso demonstra
o seu preparo para reagir a entidades sociais que é aspecto importante
na compreensão dos grupos sociais.
O processo de conhecimento social inicia-se pela apreensão das cate-
gorias, a compreensão de que as pessoas podem ser separadas pela forma
física, tipo de cabelo, cor da pele, entre outras. Assim, as categorizações
raciais são cognitivamente análogas às categorizações dos objetos, de
modo que sua aprendizagem segue o mesmo princípio da aprendizagem
sobre as categorias de objeto (HIRSCHFELD, 2005).
Katz (1983) afirma que as crianças são capazes de reconhecer as pistas
perceptivas relevantes para incluir pessoas numa ou noutra raça, e isso
parece ter início aos três anos de idade, sendo que esse reconhecimento
aumenta sensivelmente pelos cinco anos de idade (ABOUD, 1988; CLARK;
CLARK, 1947; KATZ, 1983).
Já o autorreconhecimeto, em uma categoria racial, ou autocategoriza-
ção, ocorre de maneira irregular nas crianças, pois depende de como as

45 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
relações com os diferentes grupos presentes na sociedade ocorrem. Em
estudo em sociedades birraciais, Aboud (1988) verifica que a autocatego-
rização racial torna-se mais consistente com o aumento da idade. Assim,
aos três anos de idade, crianças brancas canadenses se autocategorizam
em seus grupos cerca de 75% das vezes, e os índices de autocategorização
elevam-se para cerca de 100% aos seis e oito anos de idade. Também as
crianças negras autocategorizarem-se pelos três anos de idade, contudo,
os índices não são forte nas idades iniciais (três a cinco anos), e raramente
excede os 90% dos oito aos dez anos.
Em estudo em sociedade multirracial, como a brasileira, França e
Monteiro (2002) verificaram que 80% das crianças, já aos cinco anos
de idade categorizam as raças. Com relação à autocategorização racial,
observa-se que apenas 39,7% das crianças negras e 54% das mulatas
autocategorizam-se em termos de sua própria raça, enquanto dentre as
crianças brancas este índice sobe para 79%.
Ao tempo que as crianças percebem as diferenças entre os grupos,
delimitando-os em suas categorias apropriadas e incluindo-se dentro
de uma dessas categorias, emergem também atitudes para os diferen-
tes grupos. Estas atitudes podem ser influenciadas por circunstâncias
do contexto das relações intergrupo (como conflitos e competições
intergrupo), pelo estatuto social de cada grupo e pelo padrão de
identidade. Alguns estudos ancorados na teoria da identidade social
mostram a presença do fenômeno do favoritismo endogrupal nas
crianças, e tal favoritismo pode ser dependente do estatuto social
dos grupos. As diferenças entre o estatuto do próprio grupo e o dos
outros grupos já é percebido pelas crianças desde os cinco anos de
idade e estas diferenças exercem impacto sobre suas atitudes grupais
(NESDALE; FLESSER, 2001).
A este respeito, Nesdale e Flesser (2001) afirmam que, quando crianças
acreditam que é possível mudar de grupo, as dos grupos de baixo esta-
tuto desejam mudar com mais frequência do que as de grupos de alto
estatuto. Além disso, as crianças dos grupos de alto estatuto se acham

46 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
mais similares ao próprio grupo do que aquelas de baixo estatuto. Por
outro lado, quando não é possível mudar, as crianças dos grupos de
baixo estatuto se percebem como mais similares ao próprio grupo do
que aquelas dos de alto estatuto.
O favoritismo endogrupal foi observado por Magie e colaboradores
(2005) em crianças afro-americanas e latinas de seis a nove anos que
avaliaram transgressõe cometidas por brancos como mais negativas do
que transgressões praticadas por negros, demonstrando favoritismo
endogrupal nessas crianças. Em estudo mais recente, França e Lima
(2011) verificam que as atitudes de crianças indígenas e negras dirigidas
ao próprio grupo e ao outro grupo diferenciam-se em função de serem
ou não serem atendidas por políticas de ações afirmativas. As crianças
que são atendidas por programas de ações afirmativas dizem que são
negras, que gostam de seu grupo mais do que as que não são assistidas
por esses programas.
Outros estudos têm demonstrado que as atitudes para os grupos
podem ser determinadas pelas normas sociais presentes nos contextos
intergrupais, verificando que a presença da norma social antirracista
reduz o viés intergrupal em crianças de grupo maioritário, a partir dos
oito anos de idade (FITZROY; RUTLAND, 2010; FRANÇA; MONTEIRO,
2013; MCGLOTHLIN; KILLEN; EDMONDS, 2005; MONTEIRO; FRANÇA;
RODRIGUES, 2009).

CONCLUSÕES

Nossa curiosidade inicial versava sobre a compreensão do social


pelas crianças. Indagamos como ocorre a compreensão sobre si mes-
mas, sobre as pessoas, as instituições, a estrutura social, e os grupos
sociais. Através da exposição teórica apresentada, percebemos que
todo o percurso de produção da compreensão dessa realidade social

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a contemporaneidade em temas clássicos
se processa através da construção de teorias próprias sobre os diferen-
tes domínios do conhecimento na busca de explicações para vários
fenômenos e situações vividas. Hirschfeld (2005) afirma que mesmo
crianças muito jovens apresentam teorias leigas sobre a sociedade que
emergem com o propósito de raciocinar sobre os agregados humanos.
Essas teorias aumentam em complexidade com as novas experiências
e o desenvolvimento cognitivo.
Finalizamos nossas análises discorrendo sobre a tendência atual nos
estudos da cognição social. Nesta perspectiva, estudos recentes eviden-
ciam a importância do contexto sociocultural no desenvolvimento do
autorreconhecimento no espelho, a necessidade de novas metodologias
para aferir esse fenômeno, assim como a importância da norma social
afetando a consciência social. O estudo de Kartner e colaboradores (2012)
exemplifica essa tendência. Nele, observa-se que crianças filhas de pais
que estimulam a autonomia apresentam maiores índices de autorre-
conhecimento. Também Rochat, Broesch e Jayne (2012) demonstram
que a autoconsciência verificada através do autorreconhecimento no
espelho pode ser fundamentada socialmente, e não apenas o produto de
um processo mental ou introspectivo. Em seu estudo, eles evidenciaram
que, em contextos nos quais a norma é estar com a marca no rosto, as
crianças hesitam em retirá-la.
No campo das relações entre grupos sociais, estudos têm versado
sobre as interações sociais e as formas como as crianças desenvolvem
essas interações (KILLEN; RUTLAND, 2011; RUTLAND; KILLEN; ABRAMS,
2010). Alguns modelos explicativos são enfatizados como o modelo do
domínio social (SMETANA, 2006; TURIEL, 1998). Nele, compreendem-se
as relações intergrupais estabelecidas pela criança, considerando-se o
desenvolvimento dos julgamentos morais e normativos nos diferentes
contextos sociais. Concebe-se que as interações sociais, estabelecidas nos
primeiros anos da infância com a família e cuidadores, são precursores do
julgamento moral. Neste modelo, os julgamentos sociais são analisados
com base nos domínios moral, societal e psicológico. Os julgamentos

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a contemporaneidade em temas clássicos
sociais manifestam as especificidades do raciocínio da criança, ambos
se desenvolvendo simultaneamente (KILLEN; RUTLAND, 2011).
Outro modelo que tem se destacado é o modelo de desenvolvimento
das dinâmicas de grupo subjetivas derivado da Teoria da mente, ao
conceber que o julgamento moral e a compreensão das normas reque-
rem a habilidade de compreender que os outros avaliam as ações das
pessoas, podendo aceitá-las ou reprová-las. Ou seja, as nossas ações
são representadas e avaliadas na mente dos outros. Nesse modelo,
afirma-se que tanto a Teoria da Mente quanto o raciocínio moral têm
desenvolvimento concomitante. Pesquisas nessa perspectiva sugerem
que o raciocínio socialmente orientado para a aceitação da autoridade
dos adultos pode ser predito pelos níveis de teoria da mente e de com-
preensão emocional da criança (LANE et al., 2010).

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a contemporaneidade em temas clássicos
CAPÍTULO 3

As crianças e o
desenvolvimento de preconceito racial

AIRI MACIAS SACCO

Em seu livro seminal “A natureza do preconceito” (em inglês, “The


nature of prejudice”, 1954), Gordon Allport definiu o preconceito como
um sentimento de antipatia direcionada a um grupo social. Desde então,
a definição de preconceito sofreu algumas transformações e, hoje, uma
de suas concepções possíveis refere-se a uma avaliação negativa relativa
a grupos sociais (EAGLY; DIEKMAN, 2005), influenciada por vieses no
contexto das relações intergrupo (DOVIDIO; GAERTNER, 2010). Essa
avaliação negativa tem como consequência a preferência por um grupo
em relação a outro. No caso específico do preconceito racial, o objeto da
atitude são grupos raciais. No contexto brasileiro, por exemplo, desta-
cam-se três grupos raciais principais: brancos, pardos e pretos, segundo
classificação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011).
O conceito de atitude utilizado neste capítulo baseia-se em uma
definição ampla, segundo a qual a atitude representa uma tendência
a avaliar um determinado objeto de maneira positiva ou negativa
(EAGLY; CHAIKEN, 2007). Para que uma atitude se forme, é necessário,
em primeiro lugar, que um objeto seja percebido e avaliado, de maneira
consciente ou não. Esse objeto pode ser qualquer coisa, desde uma pessoa

54 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
ou ente físico até um grupo ou ideia abstrata (EAGLY; CHAIKEN, 2007).
Alguns autores propõem um modelo tríplice segundo o qual as atitu-
des apresentam componentes afetivos, cognitivos e comportamentais
(ZANNA; REMPEL, 1988). No caso específico do preconceito racial, foco
deste trabalho, o componente atitudinal envolvido está relacionado a
elementos afetivos ou avaliativos. Nessa mesma temática, os estereótipos
contemplariam os elementos cognitivos, enquanto a discriminação esta-
ria relacionada aos comportamentais. Assim, o termo “atitudes raciais”,
empregado neste capítulo, diz respeito somente aos elementos afetivos/
avaliativos das atitudes, ou seja, ao preconceito.
Nos últimos anos, muitos estudos têm pesquisado o fenômeno do
preconceito racial. Inicialmente, o preconceito era investigado a partir
da utilização de medidas explícitas de atitude, tais como entrevistas e
medidas de autorrelato, como escalas e questionários. Com o passar
do tempo, no entanto, pesquisadores perceberam que as respostas dos
participantes a esses instrumentos eram afetadas pela preocupação em
não parecer preconceituosos (BRAUER; WASEL; NIEDENTHAL, 2000). Ao
serem questionados sobre se preferem pessoas brancas ou pretas, por
exemplo, participantes tendem a dar respostas socialmente aceitáveis
e dizer que não têm preferências, pois todas as pessoas são iguais, in-
dependente da cor da pele. Isso não significa, no entanto, que essa seja
efetivamente a maneira como se sentem em relação aos grupos raciais,
o que constitui uma questão importante para o desenvolvimento de
pesquisas na área.
Para resolver essa situação, foram criadas medidas implícitas de ati-
tude, tais como a tarefa de Priming Avaliativo (FAZIO et al., 1986; FAZIO et
al., 1995) e o Teste de Associação Implícita (IAT – GREENWALD; MCGHEE;
SCHWARTZ, 1998). As medidas implícitas de atitude permitem aos pes-
quisadores ter acesso a respostas mais automáticas, que não passam pelo
crivo da desejabilidade social. Tanto o Priming Avaliativo quanto o IAT
são medidas baseadas em paradigmas de tempo de reação e ambos são
amplamente utilizados em estudos que avaliam preconceito (DEGNER;

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a contemporaneidade em temas clássicos
WENTURA, 2011; FAZIO et al., 1995; LOWERY; HARDIN; SINCLAIR, 2001;
NOSEK; BANAJI; GREENWALD, 2002).
As atitudes raciais explícitas parecem seguir um padrão desenvol-
vimental evidente, mas o mesmo não pode ser dito sobre as atitudes
raciais implícitas. A compreensão sobre como este fenômeno ocorre é
fundamental para o estudo do preconceito racial e de suas consequências,
tanto no que diz respeito aos indivíduos como à sociedade como um
todo. A aquisição de conhecimento pode assumir formas distintas para
crianças e adultos. Logo, se as atitudes raciais que os adultos carregam
são desenvolvidas ao menos em parte na infância, é essencial entender
como esse processo ocorre entre as crianças (DUNHAM; DEGNER, 2010).
Em virtude disso, o objetivo deste capítulo é apresentar o estado da arte
dos estudos sobre o desenvolvimento de preconceito racial na infância.

DESENVOLVIMENTO DE
PRECONCEITO RACIAL NA INFÂNCIA

Como o preconceito se desenvolve? A partir de que idade as crianças


começam a apresentar preferência por um grupo racial em detrimento
de outro? As preferências raciais mudam no decorrer da vida? A resposta
a essas perguntas é relativamente simples quando elas estão relaciona-
das ao preconceito explícito. O próprio conhecimento advindo do senso
comum diz que crianças pequenas “falam tudo o que pensam”, enquanto
as maiores sabem que “certas coisas não se pode falar”. Traduzindo
para termos acadêmicos, isso significa dizer que, quando menores, as
crianças expressam suas preferências sem se preocupar com normas
sociais. Ao longo do tempo, no entanto, elas assimilam essas normas
e, quando mais velhas, suas respostas já são “filtradas”, de acordo com
o que entendem ser socialmente desejável (MONTEIRO; FRANÇA;
RODRIGUES, 2009; RUTLAND et al., 2005). A curva de desenvolvimento

56 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
do preconceito explícito, portanto, apresentaria uma tendência as-
cendente nos primeiros anos de vida da criança. Por volta dos oito ou
nove anos de idade, entraria em declínio, permanecendo, então, em um
patamar semelhante ao apresentado por adultos (DUNHAM; BARON;
BANAJI, 2008).
O preconceito, contudo, não se resume às atitudes explícitas, aque-
las que dependem da intenção e podem ser controladas. Nos últimos
anos, vários pesquisadores têm demonstrado interesse no estudo
do preconceito implícito e em como ele surge e se desenvolve desde
idades precoces (BARON; BANAJI, 2006; DEGNER et al., 2007; DEGNER;
WENTURA, 2010; DUNHAM; BARON; BANAJI, 2008). O preconceito im-
plícito, que é automático e não passível de controle voluntário (FAZIO;
OLSON, 2003; OLSON; FAZIO, 2009; SRITHARAN; GAWRONSKI, 2010),
parece apresentar uma curva de desenvolvimento distinta do explícito.
Nas investigações em cognição social sobre o desenvolvimento de
atitudes implícitas, destacam-se duas vertentes divergentes. A pri-
meira, e mais tradicional, considera que as atitudes sociais implícitas
são resultado de uma aprendizagem lenta e gradual, que ocorre desde
a infância. De acordo com essa perspectiva, a pessoa aprende desde
idades precoces a associar grupos e ideias. Essas associações estão re-
lacionadas ao contexto no qual ela está inserida e são constantemente
reforçadas. Quanto mais forte é uma associação, mais facilmente ela
é ativada (DEVINE, 1989; DUNHAM; BARON; BANAJI, 2008; FAZIO et
al., 1986; GREENWALD; BANAJI, 1995). Assim, com base nessa teoria, a
magnitude das atitudes implícitas em adultos seria mais forte do que
em crianças, visto que haveria mais tempo para que a aprendizagem
social se consolidasse. Adultos tenderiam a apresentar níveis mais
elevados de preconceito racial implícito, por exemplo, do que crianças.
Em oposição a essa ideia, a segunda e mais recente vertente teó-
rica compreende que as atitudes sociais implícitas surgem cedo e se
mantêm estáveis ao longo da vida (DUNHAM; BARON; BANAJI, 2008;
DUNHAM; BARON; CAREY, 2011). Essa compreensão teórica baseia-se

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a contemporaneidade em temas clássicos
nos resultados de experimentos realizados com o paradigma dos grupos
mínimos (TAJFEL, 1971/2001), segundo o qual as pessoas tendem a apre-
sentar preferência intragrupo mesmo quando são colocadas de maneira
arbitrária em um grupo com o qual não têm nenhuma espécie de vínculo
ou identificação. Inicialmente, esses estudos foram realizados apenas
com adultos, mas um experimento de grupos mínimos, realizado com
crianças de cinco anos, demonstrou que o simples fato de fazer parte de
um grupo, mesmo que arbitrariamente, é suficiente para o surgimento
de viés intergrupo e que esse processo não estaria, portanto, necessaria-
mente relacionado a uma aprendizagem social. Nesse caso, o desenvol-
vimento de preferência intragrupo seria resultado da mera capacidade
da pessoa de fazer categorizações e compreender que faz parte de um
grupo e não de outro (DUNHAM; BARON; CAREY, 2011).
Ao contrário do que seria esperado pela teoria dos grupos mínimos,
no entanto, pessoas pertencentes a grupos não dominantes socialmente
(e.g., negros, mulheres, idosos, homossexuais etc.) tendem a não desen-
volver preferência intragrupo (DUNHAM; BARON; BANAJI, 2008; PAULA
COUTO, 2011). Esse fato poderia corroborar a hipótese da aprendizagem
social lenta e gradual, mas pesquisas realizadas com crianças de diferen-
tes culturas demonstraram que elas apresentam níveis de viés intergrupo
racial implícito, semelhantes aos apresentados por adultos (BARON;
BANAJI, 2006; DUNHAM; BARON; BANAJI, 2006, 2007; NEWHEISER;
OLSON, 2012), o que indica que essa preferência surge muito cedo e se
mantém estável ao longo dos anos.
Para ilustrar essa questão, uma pesquisa sobre atitudes implícitas,
realizada nos Estados Unidos com crianças hispânicas de cinco anos
de idade, revelou que, quando seu grupo foi comparado ao de crianças
brancas, dominantes socialmente, elas não apresentaram preferência
intragrupo. No entanto, quando comparadas a crianças pretas, um gru-
po abaixo do seu na hierarquia social, elas demonstraram viés pelo seu
próprio grupo (DUNHAM; BARON; BANAJI, 2007). Outro estudo realizado
no mesmo país evidenciou que crianças pretas, a partir de cinco anos

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a contemporaneidade em temas clássicos
de idade, apresentaram preferência por crianças brancas e que esse
padrão foi o mesmo apresentado por crianças de dez anos e por adul-
tos. Enquanto as atitudes explícitas tornaram-se mais igualitárias ao
longo do tempo, as implícitas se mantiveram estáveis ao longo dos três
estágios desenvolvimentais investigados (BARON; BANAJI, 2006). Essa
estabilidade também foi indicada por um experimento realizado com
crianças de seis e dez anos de idade no Japão e nos Estados Unidos,
confirmando que de fato há pouca mudança desenvolvimental na mag-
nitude de preferências intragrupo (DUNHAM; BARON; BANAJI, 2006).
Uma meta-análise de 113 artigos com foco sobre o desenvolvimento
de preconceito racial, étnico ou de nacionalidade (RAABE; BEELMANN,
2011) também confirmou estes resultados. A análise incluiu 121 estudos
transversais e sete longitudinais, realizados com crianças de dezoito
países diferentes. Uma análise minuciosa dos dados advindos destas
pesquisas identificou que o preconceito explícito apresentado por
crianças realmente decresce do meio para o fim da infância e que não há
mudanças significativas nos níveis de preconceito implícito.
A maioria desses estudos sobre o desenvolvimento de preconceito
implícito, no entanto, utilizou como instrumento o IAT, uma medida
de preconceito baseada em categorias, ou seja, que avalia reações a
determinados grupos sociais, como o de brancos e pretos. Outra me-
dida implícita, bastante utilizada nos estudos em cognição social, o
Priming Avaliativo, por sua vez, é baseado em exemplares, isto é, avalia
reações a um determinado indivíduo pertencente a um grupo social, e
não ao grupo social em si. Essa diferenciação é importante porque nem
sempre uma avaliação negativa em relação a um grupo social – medida
pelo IAT – corresponde ao mesmo tipo de avaliação em relação a uma
pessoa pertencente ao referido grupo – medida pelo Priming Avaliativo
(DEGNER; WENTURA, 2010). Com base nisso, é possível que tanto a teoria
que defende o desenvolvimento lento e gradual das atitudes implícitas
quanto a que prega que elas surgem cedo e se mantêm estáveis ao longo
da vida estejam corretas, mas que se refiram a componentes atitudinais

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a contemporaneidade em temas clássicos
distintos. No caso do preconceito racial, portanto, isso significaria dizer
que uma criança pequena poderia apresentar preferência por brancos em
relação a pretos, por exemplo, desde os três ou quatro anos de idade, mas
que só começaria a aplicar essa preferência a indivíduos específicos, a
partir dos anos finais da infância ou do início da adolescência. Para que
essa teoria seja confirmada, no entanto, seria necessária a realização de
mais estudos com crianças utilizando medidas baseadas em exemplares,
semelhantes ao Priming Avaliativo.
Em resumo, a compreensão da dinâmica do desenvolvimento das
atitudes raciais implícitas é fundamental para um entendimento mais
amplo sobre os processos discriminatórios que ocorrem na sociedade.
De acordo com o senso comum, as crianças desenvolvem preferência
por um grupo ou por outro e se tornam preconceituosas em virtude da
influência de pais e familiares. É provável, contudo, que o desenvol-
vimento de preconceito racial seja mais complexo do que uma mera
repetição de padrões observados no ambiente familiar e esteja relacio-
nado a fatores como relações intergrupo, contexto cultural e percepção
de dominância social. Além disso, apesar de a aprendizagem social
evidentemente desempenhar um papel importante neste processo,
ela parece não ocorrer de maneira tão lenta como imaginado anterior-
mente. As crianças apresentam algumas preferências raciais definidas
desde pequenas, o que pode ter influência direta sobre a forma como
a sociedade compreende o preconceito bem como sobre a elaboração
de políticas públicas direcionadas a essa temática.

ESTUDOS BRASILEIROS SOBRE


O PRECONCEITO RACIAL NA INFÂNCIA

Apesar de a questão racial ser de grande relevância no Brasil, ainda


há uma carência de estudos nessa área, tanto no que diz respeito ao

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a contemporaneidade em temas clássicos
preconceito implícito quanto no que se refere ao desenvolvimento de
preconceito racial na infância. No Brasil, os estudos empíricos da Psico-
logia sobre preconceito racial geralmente utilizam medidas explícitas
de atitude e são desenvolvidos com participantes adultos, principal-
mente estudantes universitários (SACCO; DE PAULA COUTO; KOLLER, no
prelo). A importância desse tipo de pesquisa para a compreensão sobre
o fenômeno é inquestionável. Esses estudos, no entanto, não oferecem
informações a respeito do desenvolvimento das atitudes raciais.
Uma revisão sistemática de estudos da Psicologia brasileira sobre
preconceito racial (SACCO; DE PAULA COUTO; KOLLER, no prelo) iden-
tificou que apenas seis dentre 42 artigos empíricos analisados tiveram
crianças como participantes. A Psicologia Social, em suas diversas
vertentes não experimentais, foi a área que mais contribuiu com
estudos empíricos sobre o tema, nos últimos anos. Dentre os artigos
desenvolvidos com crianças identificados, um estudo realizado na
Paraíba (MÁXIMO et al., 2012) utilizou entrevistas semiestruturadas
para investigar identificação racial e preferências raciais em crianças
de nove a doze anos de idade. Os resultados indicaram que as crianças
apresentaram tendência a se identificar com tons de pele mais claros,
em um processo de “branqueamento”. Além disso, elas atribuíram mais
características positivas (e.g., beleza e inteligência) a brancos e mais
características negativas (e.g., desonestidade) a negros.
Uma pesquisa desenvolvida no Paraná (SILVA; TEIXEIRA; PACIFICO,
2013) teve como objetivo analisar como a representação dos negros em
livros didáticos é rememorada por estudantes negros do 5º ao 7º ano do
ensino fundamental. Para tanto, foram utilizados desenhos e entrevis-
tas semiestruturadas. A análise dos dados indicou que a forma negativa
como os negros são representados nos livros didáticos causa incômodo
entre os alunos negros, que se sentem constrangidos. Os autores do
estudo identificaram que essas representações constituem uma espécie
de racismo institucional e podem ter influência sobre o desempenho
acadêmico dos estudantes.

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a contemporaneidade em temas clássicos
Um estudo desenvolvido em Sergipe (FERNANDES; ALMEIDA;
NASCIMENTO, 2008) também utilizou desenhos e entrevistas semiestru-
turadas para analisar o preconceito racial na infância. Crianças de cinco a
oito anos de idade desenharam uma criança branca e uma criança negra
e responderam perguntas relativas às suas preferências em relação às
crianças dos dois desenhos. A análise das respostas revelou um alto nível
de preferência pelo desenho da criança branca, associação entre pessoas
brancas e características positivas (e.g., beleza, riqueza e inteligência),
rejeição à criança negra e ausência de influência das normas sociais na
expressão de preconceito em crianças de até oito anos de idade.
As normas sociais também foram alvo de investigação de França e
Monteiro (2004, 2013). As autoras publicaram dois artigos referentes a
uma pesquisa na qual desenvolveram três estudos com o intuito de veri-
ficar a influência de normas sociais antirracistas, na expressão indireta
de preconceito racial, em crianças de cinco a dez anos de idade. Nos dois
primeiros estudos, foram utilizadas tarefas de alocação de recursos: no
estudo 1, foram testados contextos que justificassem e que não justifi-
cassem a discriminação racial; no 2, foi verificada a influência de uma
norma antirracista no comportamento discriminatório. Já no estudo 3,
a expressão de preconceito em relação a grupos sociais específicos foi
mensurada tanto nas crianças quanto em suas mães. Os resultados obti-
dos indicaram que, a partir dos oito anos de idade, as crianças absorvem
as normas sociais antirracistas e começam a manifestar o preconceito
racial de forma sutil, indireta.
Por fim, em uma abordagem diferente, França e Lima (2011) investi-
garam o impacto da participação em programas de ações afirmativas na
identidade étnica de crianças indígenas e de crianças negras brasileiras.
Em dois estudos, foram realizadas entrevistas nas quais crianças de cinco
a dez anos de idade responderam perguntas relativas a fotografias de
crianças indígenas e negras. Foram analisadas questões relativas à identi-
ficação com o próprio grupo racial, sentimentos em relação a esse grupo,
valores atribuídos a ele e o desejo de fazer parte de outro grupo. No estudo

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a contemporaneidade em temas clássicos
1, participaram crianças indígenas e crianças quilombolas que faziam
parte de programas de ações afirmativas. Os resultados indicaram certa
ambivalência nessas crianças, que demonstraram identificação com
o grupo racial do qual faziam parte, mas ao mesmo tempo gostariam
de ser mais brancas. No estudo 2, participaram crianças negras que
não estavam envolvidas em programas de ações afirmativas. Essas
crianças não apresentaram identificação com o próprio grupo racial,
tendendo a se identificar com grupos de pele mais clara. Os autores
concluíram, portanto, que as políticas públicas podem influenciar no
fortalecimento da identidade étnica/racial das crianças de grupos não
dominantes socialmente.
As seis publicações apresentadas utilizaram apenas medidas
explícitas de preconceito. Em uma tentativa de suprir parcialmente
a carência identificada na revisão sistemática mencionada anterior-
mente (SACCO; DE PAULA COUTO; KOLLER, no prelo), um estudo rea-
lizado com crianças de seis a quatorze anos de idade, de Porto Alegre e
Salvador, utilizou tanto medidas explícitas quanto medidas implícitas
de atitude para investigar o desenvolvimento de preconceito racial na
infância (SACCO, 2015). Os resultados revelaram que o desenvolvimento
de atitudes raciais explícitas seguiu o padrão esperado, apresentando um
declínio na preferência explícita por brancos (e por ricos) com o avanço
da idade. O desenvolvimento das atitudes implícitas, por sua vez, não
sofreu influências da idade, independente da medida utilizada, IAT ou
Priming Avaliativo. A dissociação entre as medidas implícitas e explícitas
de atitude ficou clara nesse estudo. Crianças pequenas apresentaram
níveis semelhantes de preferência implícitos e explícitos por brancos.
Crianças mais velhas, no entanto, apresentaram uma dissociação entre
os níveis de preferência implícita e explícita. A explicação para esse fe-
nômeno é simples: a partir de certa idade, as crianças aprendem que não
é socialmente aceitável expressar determinadas opiniões (MONTEIRO;
FRANÇA; RODRIGUES, 2009) e que não podem dizer, por exemplo, que
gostam mais de pessoas brancas do que de pessoas pretas. Se esse estudo

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a contemporaneidade em temas clássicos
tivesse se baseado somente em medidas explícitas de atitude, portanto,
os resultados obtidos teriam sido completamente diferentes.
Em suma, a publicação de estudos sobre o desenvolvimento de pre-
conceito racial na infância, uma das etapas mais sensíveis do ciclo vital
para a formação de atitudes, ainda é incipiente no Brasil. Esta é uma área
na qual a Psicologia Social, especialmente a Psicologia Social Experi-
mental, tem muito a contribuir. Questionários, entrevistas e escalas são
instrumentos indispensáveis para a pesquisa em Psicologia. Contudo, a
aplicação exclusiva desse tipo de medida, para o estudo de um tema tão
sensível quanto o preconceito racial, ignora o princípio básico de que os
dados obtidos desta forma virão sempre com um asterisco indicando que
os participantes podem ter adaptado suas respostas ao que acharam que
os pesquisadores queriam ouvir. Há uma lacuna, portanto, na realização
de estudos brasileiros que enfoquem o desenvolvimento de preconceito
implícito na infância.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O principal retorno que a comunidade científica pode dar aos investi-


mentos da sociedade é produzir conhecimentos socialmente relevantes,
que contribuam, por exemplo, para a promoção de qualidade de vida e
para a diminuição das intensas desigualdades que caracterizam o nosso
país. O preconceito e a discriminação racial têm consequências nefastas
para a sociedade e, entender como esses fenômenos se desenvolvem, é es-
sencial para que sejam formuladas políticas públicas efetivas nessa área.
O desenvolvimento de preconceito racial na infância precisa ser
estudado criteriosamente, ainda mais em um país com uma composi-
ção racial tão diversa quanto o Brasil. Os poucos estudos da Psicologia
brasileira nessa área indicam que crianças apresentam preferência por
brancos em relação a negros (FERNANDES; ALMEIDA; NASCIMENTO,

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a contemporaneidade em temas clássicos
2008; FRANÇA; LIMA, 2011; FRANÇA; MONTEIRO, 2004, 2013; MÁXIMO et
al., 2012; SACCO, 2015). Já, pesquisas realizadas com medidas implícitas,
em diferentes culturas, mostram que crianças de seis anos de idade já
apresentam os mesmos níveis de preferência racial implícita, apresen-
tados por adultos (BARON; BANAJI, 2006; DUNHAM; BARON; BANAJI,
2006, 2007; NEWHEISER; OLSON, 2012). O que significa dizer, então,
que preferências raciais surgem na infância e que talvez não mudem
ao longo da vida? O que significa dizer que, contrariando a ideia de que
todas as pessoas têm uma tendência a preferir o seu próprio grupo social
(TAJFEL; TURNER, 1986), muitas crianças negras preferem as brancas?
Significa que as crianças aprendem desde cedo que um grupo social
é mais valorizado do que o outro. Significa que elas sabem que a nossa
sociedade valoriza mais os brancos do que os negros. Significa que as
políticas públicas para a promoção da igualdade racial precisam se voltar
para o período da infância, se quiserem ter algum efeito sobre as prefe-
rências raciais, enquanto elas ainda estão se desenvolvendo. Significa,
também, que as políticas públicas com foco em adultos talvez precisem
adotar uma abordagem de redução de danos e focar no combate aos
comportamentos discriminatórios e não ao preconceito em si.
A produção de conhecimento científico só alcança o seu objetivo
final quando cumpre o seu papel social. A Psicologia tem um enorme
potencial para produzir conhecimentos sólidos que, fundamentados em
princípios metodológicos adequados, sirvam de base para a implemen-
tação de políticas públicas efetivas, baseadas mais na ciência e menos
em senso comum. Para isso, no entanto, é indispensável a integração de
conhecimentos entre as diversas áreas da ciência psicológica.

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a contemporaneidade em temas clássicos
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69 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
CAPÍTULO 4

Inclusão e exclusão social

JAN STEFFENS

A inclusão é hoje, na Alemanha, um tema que ocupa um grande espaço


na agenda de discussão do Estado e da sociedade civil. Esse debate teve
sua origem com o movimento da educação integrativa, nos anos 1970, que
foi seguida pela educação inclusiva. Ambos os movimentos têm o objeti-
vo de incluir pessoas com deficiências e com necessidades especiais, na
escola, além de criar condições para o acesso a uma educação igualitária
e aberta para todos. Adicionalmente, essa discussão trata também de
debates relacionados à questão de gênero, interculturalidade e migração.
A inclusão, na pedagogia, é um conceito

desenvolvido com base nos direitos cidadãos, contra toda forma


da marginalização social e que, por sua vez, busca assegurar o
direito do desenvolvimento individual e participação social para
todos, independente das suas necessidades pessoais de ajuda
(HINZ, 2006, p. 98).

Com o propósito de consolidar um sistema de educação inclusiva,


a inclusão passou a ser um assunto político e a compor uma agenda
educacional, a partir da convenção de direitos para pessoas com de-
ficiências (UN-Behindertenrechtskovention, BRK), organizada pela
ONU (Organização das Nações Unidas), em 2006. Nesta convenção,
que foi reformulada em 2009, com a participação de todos os países

70 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
signatários, os Estados integrantes firmaram o acordo
de que nenhuma pessoa com deficiência seria excluída
do sistema educacional, assegurando assim, o direto
à escola e educação para todos.

States Parties recognize the right of persons with


disabilities to education. With a view to realizing
this right without discrimination and on the basis
of equal opportunity, States Parties shall ensure
an inclusive education system at all levels and
life long learning directed […]1 1 Disponível em: http://www.un.org/
disabilities/convention/ convention-
full. shtml.
Como resultado da convenção, houve, na pedagogia
especial, uma explosão de publicações sobre inclusão e,
junto a essa demanda, foram criados cursos em univer-
sidades sobre educação inclusiva e didática inclusiva.
No centro desse debate, está a pergunta: como lidar
com a heterogeneidade e a variedade dentro das escolas
e durante as aulas? Alguns Estados firmaram em seus
planos de governo, por intermédio de contratos entre os
partidos da coligação, o comprometimento em efetivar
o sistema da educação inclusiva, por parte das escolas.
No tocante à construção de um sistema de educa-
ção mais inclusivo, pode-se afirmar que há avanços e
sinais positivos, entretanto, é preciso pontuar também
os variados desafios que ainda precisam ser enfrenta-
dos. Dentre alguns desafios, registra-se a reorientação
curricular e formativa necessária para os estudantes
que serão futuros professores inseridos, em um novo
sistema de escola inclusiva, bem como o investimento
de ordem acadêmica e prática para os profissionais já
formados e atuantes na área da educação. Também as
escolas precisam de mudanças, precisam ser reestru-
turadas. Um aspecto fundamental, por exemplo, seria

71 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
pensar na inserção de dois profissionais atuando conjuntamente em sala
de aula, ao invés de apenas um, como é a prática recorrente.
Porém, o maior desafio é definir inclusão ou exclusão, considerando
que a problemática da conceituação não é respalda por consenso, seja nas
ciências da educação ou nas ciências políticas. Diante dessa “indefinição”,
ou melhor, da inexistência de concordância conceitual sobre inclusão/
exclusão, instala-se uma situação complexa, pois os profissionais tentam
estabelecer um sistema mais inclusivo, sem obterem conhecimento
concreto relacionado à conceituação e, logo, ao real objetivo de inclusão.
Diante isso, observa-se uma focalização na escola para se problema-
tizar a temática de inclusão, ficando aquém do debate outras parcelas
da sociedade, outros setores e instituições vinculadas, por exemplo, à
desigualdade econômica e social, aos processos de favelização, entre
muitos outros.
Outra problemática que perpassa o debate é a ‘preferência’ dada à
inclusão. Os discursos evidenciam um foco maior na inclusão do que
na exclusão; fenômeno que provoca certo estranhamento, considerando
que, de acordo com vários autores das ciências sociais e da pedagogia
(DEDERICH, 2006), a exclusão e a inclusão estão inter-relacionadas, pois
implicam uma dialética. Percebe-se que grande parte das publicações
fala sobre inclusão, mas evita falar sobre exclusão. A palavra inclusão já
até se tornou um “jargão”, como alegou Adorno (1964). Logo, na medida
em que se utiliza uma palavra ou conceito para descrever praticamente
todos os processos, usando-o de modo indiscriminado, seu conteúdo
se torna vazio. Como bem pontuou Vygotsky (1987, p. 280), ao se referir
a conceitos desse tipo, que tentam explicar muitas coisas: “entre o teto
e o alicerce falta o edifício”.
Nos campos da pedagogia e educação, a ausência de uma definição
conceitual de inclusão, e consequentemente, de exclusão, é resultado
da falta de consenso sobre a problemática na área da sociologia. Apesar
de neste campo a discussão ser bem mais desenvolvida, ainda existem
perspectivas e visões distintas que resultam em dificuldades para se de-

72 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
finir exclusão e inclusão. Como Sina Farzin (2011) analisou, os problemas
metodológicos são produto do desacordo entre a teoria da sociologia sobre
o conceito de sociedade, pois a perspectiva referente ao processo de in-
clusão ou exclusão é determinada pela fonte teórica da abordagem e pela
maneira de se responder às perguntas: o que é social? O que é sociedade?
Por fim, este texto pretende descrever brevemente como se configura
o aparato discursivo sobre exclusão e inclusão, por parte da sociologia,
e elaborar uma análise crítica especialmente da teoria de sistemas.
Além disso, buscar-se-á propor uma nova perspectiva de análise para
aprimorar e avançar na discussão sobre inclusão/exclusão, tendo como
foco reflexivo e analítico: o problema da fronteira.
A preocupação com fenômenos de exclusão que, por sua vez, está
bastante ligada à questão da desigualdade, é algo presente, já há algum
tempo, na sociologia alemã. Os autores mais destacados por esse de-
bate sociológico são: Kronauer (2002), Bude (2004), Stichweh (2005)
e Schroer (2009). Apesar de algumas diferenças, todos eles se aproxi-
mam do conceito de exclusão social. Muitos dos trabalhos publicados
fazem referência ao sociólogo francês Robert Castel (2000), que foi um
dos primeiros autores a problematizar o conceito de exclusão junto
às discussões europeias sobre desigualdade, pobreza e desemprego.
O problema da focalização em apenas um conceito da dialética in-
clusão/exclusão se faz novamente presente, porém de forma inversa.
Enquanto na pedagogia ou no debate político, oriundo da convenção
das Nações Unidas, enfatiza-se a inclusão, na sociologia, a tendência
é explicitar os processos relacionados à exclusão.
Por isso, como afirma Sina Farzin, é importante não pôr em foco as
teorias que falam apenas de exclusão, como um fenômeno singular,
mas sim, evidenciar aquelas que apresentam um fundamento teórico
coerente, com base em teorias que pretendam desenvolver, de fato, um
conceito de sociedade. Na Europa, têm-se exemplos como Pierre Bourdieu
(1982, 1987, 1997), com a teoria de campos sociais; Michel Foucault (1966),
com a teoria de discursos e Niklas Luhmann (1984, 1997), com a teoria de

73 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
sistemas; cada teoria com suas diferenças, como alega Stichweh (2009).
Segundo esse autor, tais teorias poderiam ser consideradas grandes
referencias para o desenvolvimento de uma sociologia da exclusão e da
inclusão (STICHWEH, 2009).
Para este momento, elucidar-se-á um debate sobre inclusão/exclusão,
dialogado com a perspectiva Luhmaniana sobre uma teoria de sistemas.

O PROBLEMA DA EXCLUSÃO
NA TEORIA DE SISTEMAS DE LUHMANN

A conceituação de exclusão e inclusão, na teoria dos sistemas, foi


introduzida na Alemanha pelo sociólogo Niklas Luhmann. Ele se referiu,
em grande parte, ao sociólogo estadunidense Talcott Parsons. O conceito
parsoniano de inclusão se refere ao processo paulatino de inclusão de
atores excluídos, em subsistemas, no processo de desenvolvimento evo-
lucionário da sociedade (LUHMANN, 1981). Outro conceito que Luhmann
apropriou-se de Parsons foi o da diferenciação funcional, que se refere à
criação de sistemas parciais dentro de um sistema social, com funções
específicas para todo o sistema. Na diferenciação funcional, todos os
sistemas funcionais estão projetados para entrar em comunicação com
os outros sistemas disponíveis. Assim, com o aumento da comunicação
ou das possibilidades de comunicação na sociedade moderna, todos os
subsistemas ou sistemas parciais estariam incluídos (SCHROER, 2009).
Dessa mesma forma, Luhmann descreveu a sociedade moderna.
De acordo com o teórico, a sociedade moderna é funcionalmente dife-
renciada com diversas partes separadas, como a economia, a política,
o direito, a ciência, a religião etc., e cada uma dessas partes apresenta
funções relevantes para a sociedade.
Os humanos, atores sociais, não estão completamente integrados
em apenas uma dessas partes, de forma separada, e nem poderiam estar,

74 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
considerando a necessidade de participarem de vários
sistemas parciais num mesmo momento (FARZIN, 2011).
Um ator social está inserido, por exemplo, ao mesmo
tempo no sistema político e no sistema de saúde, pois,
além de votar, ele necessita de assistência médica.
É importante saber que, a princípio, os fenômenos
– exclusão ou desigualdade não eram o foco da teoria
de sistemas de Luhmann (SCHROER, 2009). Entre os
anos 1970 e 1990, a abordagem operou quase que uni-
camente através do conceito de inclusão, mesmo com
a existência da dicotomia inclusão/exclusão (FARZIN,
2011). Isso, sobretudo, porque Luhmann concordou
com Parsons com a ideia de que a disseminação das
condições de vida moderna pouco a pouco iria resultar
numa “inclusão da população inteira nos encargos de
cada subsistema funcional da sociedade” (LUHMANN,
1981, p. 25) e que, no processo de realização desse
programa, desapareceriam todos os grupos “que não
participam da vida social ou estão marginalizados”2 2 Aqui fica bem claro que se trata de
uma teoria que pode facilmente ser
(LUHMANN, 1981, p. 25). chamada eurocentrista.
O conceito de sociedade, na teoria de sistemas,
significa a totalidade das comunicações. Por isso, para
Luhmann, o maior sistema de sociedade é o mundo
(STICHWEH, 2009); o mundo é a última instância. A
sociedade, na teoria de sistema, é entendida como
operações de comunicação que implica “a totalidade
de considerações de todos os contatos possíveis”
(LUHMANN, 1984, p. 33).
Logo, a partir dessa definição de sociedade, baseada
na lógica da diferenciação funcional, pode-se perceber
porque a exclusão não é alvo de debate ou reflexão na
teoria de Luhmann. Na verdade, Luhmann não alegava

75 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
a inexistência de exclusão no mundo; de acordo com
o pensamento do autor, no processo de diferenciação
funcional das sociedades modernas, nós chegaríamos
automaticamente a uma inclusão completa, em que seria
possível a comunicação de todos os sistemas funcionais.
Um fato conhecido que suscitou a reorientação teóri-
ca de Luhmann e provocou um repensar da própria teoria,
foi a realização, nos anos 1990, de uma viagem ao Brasil,
onde o autor pôde conhecer as favelas do Rio de Janeiro.
Depois disso, pela primeira vez, foi possível encontrar,
de forma explícita, uma tentativa de integração da lógica
do conceito de exclusão social nas obras luhmanianas.
Esse “incremento” tornou-se desafiante para a sua teoria
de sistemas, pois o conceito exclusão, em si, contradiz
a lógica da diferenciação funcional da sociedade como
um todo, conceito-chave do arcabouço teórico do autor.
Entretanto, não é só o conceito de exclusão que pode
ser questionado na teoria de sistemas de Luhmann, pois
a definição de inclusão também é algo interessante de se
refletir. Nassehi sinaliza que, nessa tradição luhmaniana,
a inclusão “não é diferente do modo como os sistemas
sociais consideram os humanos, como eles os integram
num espaço de relevância, como desenvolvem ou limi-
tam os seus espaços de ações...” (NASSEHI, 2009, p. 123).
Para Nassehi, prisioneiros na prisão, moradores de
favelas ou exilados, e até candidatos da morte estão,
nessa lógica, num espaço de relevância, de conside-
ração e, por isso, não estão excluídos, pelo contrário,
eles se encontram bem incluídos3 (NASSEHI, 2009). 3 Fica claro o quanto as relações de
poder não são consideradas nessa
Essa definição talvez já dê uma ideia sobre o porquê concepção de exclusão, algo que é
de a exclusão ser um conceito difícil para a teoria de enfatizado, por exemplo, na teoria
de Bourdieu sobre Campos de poder.
sistemas; inclusive, este é o motivo pelo qual Nassehi

76 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
aconselha à sociologia, abandonar este conceito (NASSEHI, 2009). É quase
impossível não perceber, neste caso, que a teoria de sistema de algum
modo se perdeu, principalmente com a maneira formal e burocrática
oriundas de sua própria metodologia.
Na teoria de Luhmann, uma fonte desses problemas conceituais
está ligada à sua interpretação e utilização de três conceitos da teoria
da auto-organização propostos pelos autores Humberto Maturana e
Francisco Varela, nos anos 1970, que são: autopoiésis, observador e
fechamento operacional.

A AUTO-ORGANIZAÇÃO COMO BASE


DA TEORIA DE SISTEMAS

Maturana e Varela, assim como Luhmann, foram profundamente


influenciados pelo livro “Leis da Forma” (Laws of Form) do matemático
George Spencer-Brown. Nesse livro, ele apresenta uma ideia que, a
princípio, parece simples e influenciou um grande número de autores
e disciplinas, por oferecer uma nova perspectiva da percepção huma-
na frente às complexas formas do mundo (SCHÖNWALDER; WILLE;
HÖLSCHER, 2004). Spencer-Brown (1994) disse que todas as formas
conhecidas e todas as estruturas do mundo começam com uma dis-
tinção. Nas palavras do autor:

Um universo começa a existir quando um espaço é separado ou


dividido. A pele de um organismo vivo separa o exterior do in-
terior. O mesmo faz a circunferência de um círculo num plano.
Descobrindo o modo como representamos essa distinção, pode-
mos começar a reconstruir, com uma precisão e uma cobertura
aparentemente incomuns, as formas básicas existentes debaixo
das superfícies das ciências linguísticas, matemáticas, físicas
e biológicas, e podemos começar a ver como as leis familiares

77 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
de nossa própria experiência se seguem inexoravelmente ao
ato original de uma distinção (SPENCER-BROWN, 1994, XXXV).

Para os biólogos chilenos Maturana e Varela, os sistemas vivos são


sistemas autopoiéticos. Autopoiesis se refere à autocriação, significa
que um sistema se produz, organiza-se e se mantém por si mesmo.
A organização deles é um encadeamento de auto-organização de
processos cíclicos e recursivos. Assim, cada estado do sistema par-
ticipa do próximo estado do sistema. Um atributo característico é
que estes sistemas precisam de uma fronteira que separe a unidade
de um ambiente, como acontece com a membrana em células do
corpo humano, por exemplo. Essa fronteira assegura a existência de
uma dinâmica interna, do mesmo modo como assegura à dinâmica
interna a possibilidade de criar essa fronteira. Os autores chamam
isso “fechamento operacional”.
Cada sistema autopoiético se encontra numa mudança estrutural
permanente. Essa mudança é resultado da dinâmica interna, bem
como é resultado da interação com o ambiente exterior. A interação
com o ambiente, ou seja, com outros sistemas vivos, provoca per-
turbações (ou irritações) na fronteira, caso haja um caráter estável e
recursivo, por exemplo. Essas perturbações na fronteira são, então,
interpretadas pelo sistema e integradas como informação nova na
dinâmica interna. Esta nova informação muda a dinâmica interna,
bem como as interações futuras com o ambiente. Dessa forma, as
interações com o ambiente e a dinâmica interna se influenciam
permanente e reciprocamente, formando uma história de mudança
estrutural em cada sistema. Maturana e Varela chamam esse fenôme-
no de “acoplamento estrutural”. (MATURANA; VARELA, 1987).

78 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Figura 1. O sistema vivo no Figura 2. Dois sistemas vivos,
processo permanente de em acoplamento estrutural.
mudança e autopoiésis, acoplado
ao ambiente.

É na interpretação, que Luhmann atribui à ideia de fronteira, que se


encontra o problema da discussão sobre exclusão. Como alega Farzin,
no processo do desenvolvimento da teoria de sistemas, Luhmann fala,
cada vez mais, sobre a fronteira e sobre o fechamento operacional como
um fechamento absoluto. O fechamento operacional se torna, então,
mais rígido, e o ambiente irrevogavelmente separado do sistema. Já
nas primeiras reflexões da teoria, o fechamento operacional ocupa um
grande espaço nas reflexões teóricas, porém, somente nos anos 1990 é
que esse conceito passa a ser profundamente ligado à ideia de fronteira
impermeável. (FARZIN, 2011).
A princípio, Luhmann ainda falou sobre “fronteiras autogeradas”
(self-generated boundaries), explicando-as a partir de metáforas como
membrana, pele, muros, portas e postos fronteiriços (LUHMANN, 1984).
Essas metáforas implicam a possibilidade de contato com o exterior,
que é regulado através do próprio sistema; porém, posteriormente o
autor concebe o sistema como encerrado, fechado, ao ponto de não ser
possível realizar um intercâmbio com o ambiente. Assim, a teoria de
sistemas retira cada vez mais a capacidade de percepção do exterior
para com o sistema. Segundo Farzin (2011), “o exterior é retirado do
sistema”. Foi esse foco radical, no fechamento operacional do sistema,

79 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
que ocasionou dificuldades e problemas para se explicar os próprios
conceitos da teoria. Parece que o lado do ambiente na distinção sistema/
ambiente está se tornando obsoleto.
A explicação para isso está presente no novo foco dado à figura
do observador. Esse observador é parte constitutiva da definição de
sistemas. Um sistema se define através da operação de uma distinção,
através da maneira de se marcar uma fronteira. Os dois lados criados
estão numa segunda operação marcados, indicados através de um
observador. Maturana e Varela definem aquele observador como uma
unidade exterior que está separada do processo de autopoiése, en-
quanto Luhmann o define como uma unidade interior do sistema. Isso
resultaria na ideia de que exclusão não poderia ser vista ou percebida
pelo observador, pois o observador luhmaniano só pode ver o que se
encontra dentro do sistema, logo, tudo que está excluído do sistema não
pode ser percebido. Se estruturas excluídas fossem visíveis deixariam
de ser excluídas e passariam a ser incluídas no sistema. Ou seja, um
sistema não pode se referir à exclusão, ou estar ciente dela, porque, no
momento em que percebe esta exclusão, ela já se encontra incluída,
integrada ao sistema.
A ênfase dada ao fechamento rígido do sistema gera alguns ques-
tionamentos epistemológicos: como o ambiente influencia o sistema?
Como o exterior irrita ou perturba o interior? Essas são perguntas
fundamentais e demandam reflexão e atenção. Fica, então, instalada
uma dúvida sobre como funciona o acoplamento entre o sistema e o
ambiente, ou especificamente, como se dá o contato entre dois sistemas
no ambiente, porque sem nenhum contato não existe irritação e, por
causa disso, não há nenhum motivo para mudança estrutural.

80 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
A FRONTEIRA COMO UM LUGAR DE DIÁLOGO

O fechamento operacional e o intercâmbio entre sistemas são discus-


sões, de ordem epistemológica, relevantes para se pensar em perspectivas
alternativas para a compreensão dos conceitos de exclusão e inclusão. Po-
de-se dizer que o entendimento de exclusão e inclusão está direitamente
ligado à definição do contato social entre sistemas, e assim relacionado ao
que se processa nas fronteiras dos sistemas. Neste momento, deter-se-á
a discussão neste espaço: a fronteira, com a pretensão de fornecer uma
breve visão interdisciplinar e outro entendimento da fronteira, buscando
explicar como o contato entre sistemas é possível e estruturado.
A questão epistemológica é: como é possível explicar um contato
que influencia a dinâmica interna de um sistema? O acoplamento es-
trutural demarca um momento importante para o contato do interior
com o exterior. Um contato do sistema com o ambiente se mostra
essencial para a dinâmica interna, pois a história da própria mudança
estrutural depende disso. Sistemas vivos se organizam por si mesmos,
sem irritações (em linguagem luhmanniana) e, sem nenhuma influên-
cia do ambiente, é difícil explicar a permanente mudança estrutural.
Agora, como pensar esse contato entre sistemas? Se for verdade que
as percepções sensórias são apenas uma construção da dinâmica in-
terna, do cérebro, enfim, do humano, como se configuraria a estrutura
desse contato entre sistemas? Para as teorias de construtivismo radical,
a realidade é única e exclusivamente uma construção subjetiva. Existe
uma fenda insuperável entre a percepção e a realidade.
Wolfgang Jantzen (1987, 1990), quem resumiu trabalhos das áreas de
ciências naturais e ciências humanas, afirma que os autores pensam
unicamente na percepção, quando falam sobre os conhecimentos do
sujeito, esquecendo que existem possibilidades de reconhecer o mun-
do através do movimento próprio do sistema e ações. Isso significa
que o construtivismo radical não considera suficientemente a quarta

81 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
dimensão do tempo, ou seja, os processos temporais4. O 4 Jantzen Emotionen. Para maior
compreensão, recomendam-se os
‘movimento’ abarca em si um aspecto temporal, sempre trabalhos de Ilya Priogine.
há movimento no espaço e no tempo, independe da per-
cepção sensória. O tempo é irreversível. As mudanças
das flutuações na fronteira têm caráter temporal, logo,
são mudanças temporais. Esses processos temporais,
referentes aos padrões de flutuação, existem indepen-
dentemente das transformações sensórias. Flutuações
temporais do ambiente podem ser percebidas dentro do
sistema como consequências ou processos temporais
com ritmos. Através dessas informações temporais,
existem possibilidades de uma construção do presente,
do futuro e do passado e, através do ritmo, é possível até
mesmo antecipar estruturas futuras. Essas informações
se tornam a base para as ações do sistema e constroem
novos movimentos, ritmos e reciprocidade5. 5 Bibliografia recomendada para
maior aprofundamento: a concep-
Por que essa excursão, de cunho epistemológico, ção de Anochin sobre a reflexão
é interessante para pensar o problema de exclusão e anticipativa.

inclusão? Porque aqui é possível encontrar um ponto


de crítica à teoria de Luhmann. Ao invés de pensar na
fronteira como um fechamento total, é possível pensar
a fronteira como um lugar em contato com os dois lados
que ela separa. O lugar onde acontecem as flutuações do
ambiente como perturbações (ou irritações) é na fron-
teira. Essas perturbações, quando proveem de outros
sistemas vivos, têm um caráter recíproco. Através da
ligação recíproca entre sistemas é possível um diálogo,
ou seja, é possível haver um intercâmbio entre sistema
e ambiente ou sistema e sistema. Segundo Jantzen e
Georg Feuser (1994), sistemas em sincronização tem-
poral, em acoplamento de fases, já existem em nível
primitivo dos sistemas vivos. Os autores exemplificam

82 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
a assim chamada ameba social, para explicar essas in-
terações em reciprocidade no nível básico6. 6 Maturana e Varela também se
referem a essas amebas.
Aquelas amebas da espécie Dictyostelium discoi-
deum agem, quando não têm mais alimento no ambien-
te, de uma forma bastante interessante, expulsam cíclica
e periodicamente uma substância chamada cAMP (Mono
fosfato cíclico de adenosina) no ambiente. As células que
estão próximas a isso reagem, de modo que elas também
expulsam o cAMP, no mesmo ritmo, e se orientam nas
pulsações de cAMP das outras amebas. O que acontece é
um acoplamento temporal entre as amebas, um processo
de modulação interna que articula a informação através
das próprias oscilações (NICOLIS; PRIGOGINE, 1987).
Quando acopladas, as amebas unicelulares formam um
conjunto multicelular, tornando-se um corpo frutifican-
te. Maturana e Varela também usam esse exemplo para
explicar o acoplamento estrutural. Maturana, Varela
(1990) Jantzen e Feuser enfatizam o processo temporal da
interação entre as amebas. As amebas se orientam atra-
vés do ritmo das pulsações, consideradas pelos autores,
num nível básico, como primeiras estruturas de diálogo.

Figura 3. Ilustração extraída de Feuser e Jantzen (1994)

83 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Qual seria o significado disso para o problema da
fronteira? Neste artigo, gostaria de formular e traba-
lhar a partir de três hipóteses. Primeiro: a fronteira
não é só o lugar de fechamento ou de exclusão dos
conteúdos de fora, mas é também, um espaço em que
acontece qualquer forma de contato “social” entre
sistemas vivos. Segundo: o diálogo, com a estrutura
temporal, é o processo de mediação entre os sistemas7. 7 É válido ressaltar que o conceito
de diálogo difere do conceito de
E terceiro: a fronteira é organizada de maneira espa- comunicação e equivocadamente
ço-temporal. Essa terceira hipótese é crucial para o vem sendo utilizado como sinônimos.
A comunicação pode existir, por
entendimento da fronteira. Como todos os processos exemplo, também entre computa-
do mundo intersubjetivo têm um caráter espaço-tem- dores, já o diálogo não. O diálogo é,
na verdade, caracterizado por uma
poral, também a organização de todos os sistemas
reciprocidade de sistemas vivos.
vivos tem um caráter espaço-temporal. Eles estão em
permanente mudança estrutural, se movem no espaço
e no tempo, se influenciam de maneira recíproca, apa-
recem e somem. Nesse sentido, a fronteira se constitui
numa perspectiva de espaço, como relação; e numa
perspectiva de tempo, como processo.
Agora, transferindo de modo simples, mas, inter-
disciplinar, a leitura dessas hipóteses, que são típicas
da teoria de sistemas, para o campo da psicologia, é
possível fazer relevantes comparações. Comparan-
do estudos do campo psicológico com a explicação
epistemológica dos referidos mecanismos e funções
da fronteira, percebe-se uma enorme semelhança
com a concepção de diálogo na psicologia do desen-
volvimento, sobretudo nas obras de Rene A. Spitz, e,
recentemente, nas teorias da neurociência, quando
se analisam as interações entre pais e filhos. Há um
grande quantitativo de publicações sobre as estruturas
temporais e recíprocas do diálogo, e tais publicações

84 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
alegam que a parte mais importante do contato de
apego é a sensibilidade para o ritmo do outro, bem
como a adaptação de maneira harmônica (Attune-
ment) entre os dois parceiros da interação (FRANK,
2014; SCHORE, 2001, 2003; TREVARTHEN, 2001;
TREVARTHEN; AITKEN, 1994,).
Rene A. Spitz, por exemplo, analisou as estruturas
do diálogo entre mãe e filho, já em 1950, em seus estu-
dos sobre o hospitalismo. Ele descobriu que, quando
os filhos são privados dos pais, ou de um diálogo com
pessoas próximas, eles não só ficam mais doentes
com facilidade, como desenvolvem uma depressão
anaclítica e, até mesmo, sintomas de marasmo, provo-
cando a morte. Spitz chamou esse fenômeno de hospi-
talismo. Em seu livro “Sobre o diálogo” (1976), o autor
alega que o diálogo é caraterizado profundamente de
uma maneira recíproca, e reafirma a importância da
reciprocidade para o desenvolvimento da criança.
Os estudos mais recentes sobre as protoconver-
sações e interações entre mãe e filho focalizam-se
nas harmonias de ritmos, nos diálogos através da
sincronização de mímica, gestualidade e tom de
vozes, etc. O ajustamento rítmico entre os parceiros,
nesses primeiros contatos e interações, foi observado
e analisado em vários estudos com técnicas modernas,
obtendo resultados fascinantes. Em todos esses casos,
os processos temporais estão no centro das primeiras
ligações entre humanos. Também Alan Schore, por
exemplo, fala sobre como se dão os processos de sin-
cronização em contextos de ressonância emocional
8 Para mais informações, consultar
entre duas pessoas envolvidas num diálogo de apego8
a Trevarthen e Aitken, Freeman,
(SCHORE, 2001, 2003). Schore.

85 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
O aprofundamento neste debate seria interessante, diante dos re-
sultados científicos da neurociência que, de alguma forma, confirmam
as hipóteses elaboradas, porém, será retomada a discussão central do
artigo, exclusão e inclusão, para concluir o pensamento vinculado ao
problema da fronteira.
A partir de agora, as referidas hipóteses serão transferidas para o
campo de teorias que tratam da cultura e da sociedade. Também entre
sistemas sociais existem esses mesmos princípios, começando pelo
processo de distinção através de uma fronteira. Pensar o processo de
fechamento operacional de um sistema social ao modo de Luhmann
persiste o problema da não percepção ou não explicação dos processos
de exclusão. Se for possível pensar o lugar da fronteira como um lugar
de diálogo entre sistemas sociais, é possível entrar num caminho em
que os problemas da teoria de sistemas associados ao de exclusão e
inclusão poderiam ser superados. A seguir, será apresentado um autor
que pensou o problema da fronteira de modo muito semelhante ao
defendido no artigo. Diante disso, faz-se relevante elucidar sua visão
sobre tema, articulando a base e referências dessa teoria aos processos
temáticos centrais, que são a exclusão e a inclusão.

SISTEMAS SOCIAIS E
O PROBLEMA DA FRONTEIRA

Um autor que pensou a sociedade a partir de processos espaço-tem-


porais foi o estudioso em semiótica e historiador cultural Yuri Lotman.
Nas suas obras, é possível encontrar um exemplo interessante sobre como
pensar a fronteira e o diálogo entre culturas e grupos que, na terminologia
de Luhmann, se refere aos sistemas sociais.
Na teoria semiótica cultural de Lotman, são analisados os espaços di-
ferentes de cultura humana, que podem ser nações, regiões, e até mesmo

86 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
subculturas ou grupos pequenos, como famílias. Todos
esses grupos ou espaços se organizam através da me-
diação de sinais e, com isso, eles produzem linguagem,
sinais e símbolos próprios e únicos para o grupo, sendo
este, o espaço de semiótica. Para compreender a referida
organização semiótica, Lotman introduz o conceito de
Semiosferas, que é similar ao conceito de Cronotopo de
Bachtin (1986).
Neste sentido, semiosferas são espaços, da cultura
humana, mediados através de sinais, os quais produ-
zem novos sinais culturais pela própria cultura e, ao
mesmo tempo, possibilitam a existência das culturas
mediante a comunicação de linguagem (ou sinais).
Esses sistemas semióticos produzem a si mesmo, ou
seja, são autopoiéticos, como conceitua Maturana e
Varela. Cada humano como sistema próprio produz
semiótica e assim a semiosfera da própria família e da
própria cultura. Pode-se dizer que a semiosesfera de
toda humanidade está para o indivíduo humano, como
a biosesfera está para cada ser biológico9. 9 Lotman criou a concepção da Se-
miosfera baseada na teoria da bioe-
Mesmo como espaços semióticos e culturais, se- sfera de Vernadskij (LOTMAN, 2010).
miosferas precisam necessariamente de uma fronteira.
A falta de uma fronteira significaria que a semiosfera
(o sistema semiótico) não teria condições de ser ‘se-
mioticamente produtivo’. Então, a fronteira define a
semiosfera e separa o conteúdo próprio do conteúdo
estranho, ou seja, o distingue entre um espaço interior
e um espaço exterior. Através disso, o sistema mantém
sua própria identidade, ou individualidade, que é o
espaço interior com uma estrutura semiótica própria.
Com a fronteira, há a existência de um “Nós” e um “Eles”.

87 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
É válido relembrar que isso conta para todas as formas de espaços
culturais que estão semioticamente ativos, como nações, regiões, grupos
e famílias. De acordo com Lotman, quando um grupo ou uma cultura
cria a própria organização, esse processo sempre acontece em relação a
“outros” que não estão organizados do mesmo jeito. Esse mecanismo é
tão presente que, mesmo não havendo muita diferença semiótica, a parte
interior está construindo uma desorganização fictícia da parte exterior.
Ele cita o exemplo da Europa no século XIX. A então chamada civiliza-
ção criou a desorganização de povos exteriores nomeados “bárbaros” e
“selvagens”, criando histórias imaginárias sobre eles. Esses construtos
de uma desorganização de uma parte exterior sempre têm a função de
uma organização interior.
Acontece que, através da fronteira, também se organiza o espaço
interior da semiosfera. A partir de uma distinção entre uma periferia se-
miótica e um centro semiótico na semiosfera, produz-se uma estrutura
hierárquica. Diante da existência de uma distinção, há a periferia como
espaço mais próximo da fronteira, e um centro que está mais distante dessa
fronteira. No centro, as normas da cultura são criadas, são determinantes,
e o centro se torna rígido, duro e sem flexibilidade. É nesse espaço que
se organizam as gramáticas da ação; segundo Lotman, é nesse sistema
semiótico que se produzem normas sociais, regras de comportamento e a
dita “normalidade”. Lotman atribui a esse centro características como “sem
cor” ou “pálido”. As estruturas do centro são tão discretas, tão “normais”
ou adequadas, que, às vezes, se torna difícil ou impossível percebê-las.
Já na periferia, o funcionamento é outro. A lógica de ação é contrária ao
que se passa no centro. O lugar da fronteira está bem distante das normas
do centro e mais próxima da influência de outras semiosferas, sendo este,
um espaço de processos semióticos acelerados. A periferia tem muita cor,
não é discreta, difere do centro e apresenta uma gama de variações, é o
lugar da novidade. Também é o lugar da resistência. Resistência ao poder
e às normas do centro. Mas, por que isso acontece? A resposta está muito
relacionada ao modo como Lotman descreve a estrutura da fronteira. O fato

88 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
é que as semiosferas estão em contato permanente com outros espaços
semióticos; a fronteira é similar a uma zona bilíngue. Ela tem a função de
um filtro de tradução bilíngue ou multilíngue. De acordo com Lotman:

O conceito da fronteira é ambivalente: tanto separa quanto une.


É sempre fronteira de algo que pertence a ambos os lados da
divisão cultural, a ambas semiosferas contíguas. A fronteira é
bilíngue e polilíngue. A fronteira é um mecanismo para a tradução
de textos de uma semiótica estrangeira em nossa linguagem. É o
lugar onde o que é externo é transformado em interno, é o filtro
da membrana que transforma o texto alheio e o torna parte da
semiótica interna da semiosfera ainda que mantenha suas pró-
prias características (LOTMAN, 2010, p. 182).

Como a fronteira é bilíngue, o espaço dela é um espaço em constante


mudança por conta dos processos semióticos acelerados. Mediante o
mecanismo bilíngue, há a possibilidade de contato com a parte semiótica
externa, criando-se assim uma semântica na forma de significados no-
vos. Esse processo, que apresenta uma novidade para a semiosfera, não
está sempre em acordo com as normas do centro. Mas, se um conteúdo
semiótico da fronteira consegue impor-se, esse processo se move cada
vez mais para o cerne da semiosesfera. Isso pode ocorrer no formato de
normas de comportamento, de linguagem ou de moda.
Lotman dá o exemplo da calça “jeans” para esses processos de
transição. Na Europa, e também nos Estados Unidos, o “jeans” sempre foi
um uniforme do trabalhador, e assim parte de uma subcultura. No século
20, a juventude, na intenção de subverter a “ditadura da moda” e negar as
normas de se vestir ditadas pela cultura desse tempo, posicionou-se mais
no espaço da fronteira dessa época, descobriu o “jeans” e começou a usá-
lo fora do contexto de trabalho. Pode-se afirmar que, assim, este estilo se
disseminou em todos os espaços da cultura. Hoje em dia, é considerado
normal vestir-se com “jeans”. Essa roupa já é parte da estrutura do centro.
Percebe-se, então, o modo como estruturas semióticas do centro são, de
modo geral, caracterizadas pela neutralidade, diferente do que ocorre

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a contemporaneidade em temas clássicos
nas estruturas do espaço fronteiriço. Processos da fronteira que movem
para o centro da fronteira também a alteram, contudo, segundo Lotman,
esses processos de tornam mais “pálidos” no percurso.
A fronteira é um permanente lugar de tradução entre o lado interno e
o externo, é uma espécie de espaço de transição. Esse espaço de transição
sempre é parte dos dois lados, ele faz fronteira com o interior e o exterior.
Segundo Lotman, essa função da fronteira, de separar o interior do exte-
rior, é uma divisão elementar e ríspida, pois todo o espaço da semiosfera
é formado por subsemiosferas em níveis diferentes. É algo que pode ser
claramente percebido quando se fala em nação, que compreende diversas
subculturas com próprias línguas, sinais e identidades específicos. Essa
visão também conta para a constituição de uma família, na qual cada
membro representa um subsistema que produz sinais diferentes, mesmo
pertencendo a uma mesma organização semiótica, a uma mesma lógica
das partes que forma o todo.
O diálogo na concepção de Lotman representa o fundamento do cada
bilinguismo e todos os processos semióticos a ele atrelados. Com a função
de um filtro de tradução, a fronteira é um lugar de diálogo permanente
e constante. Esse diálogo precisa de assimetria, ou seja, de estruturas
semióticas (por exemplo, línguas) diferentes. Um diálogo sem a diferença
semiótica não faz sentido, e a diferença absoluta não permite um diálogo.
Cada lado do diálogo precisa do outro lado para se construir, precisa da
imagem semiótica do outro, como uma simetria espelhada. Para Lotman,
ainda na guerra, para fazer guerra, é necessária uma língua comum.

EXCLUSÃO/INCLUSÃO

Por fim, como aproximar-se dos conceitos de exclusão e inclusão?


Fica claro que a definição de inclusão luhmanniana se refere a uma mera
consideração do outro através da percepção e não da ação. Esta via resulta

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a contemporaneidade em temas clássicos
numa invisibilidade da exclusão, marcada justamente
pelo que Boaventura de Souza Santos descreve como a
ração indolente do norte (vgl. JANTZEN, 2004).
Diante disso, questiona-se: precisamos de uma
definição teórica unificadora de exclusão e de inclu-
são? Ou seria mais adequado pensar em múltiplas
definições de exclusão e de inclusão, que são oriundas
das múltiplas perspectivas existentes? E quem pode-
ria definir exclusão, se não os excluídos? E quem são
esses excluídos? Faz sentido seguir com o vocabulário
inclusão e exclusão, ou seria melhor abandonar a dis-
cussão sobre esses conceitos tão difíceis de definir e
pensar em novas categorias de análise? Todos esses
questionamentos, de ordem teorética, são feitos em
contextos de estudos empíricos sobre os fenômenos
de exclusão e desigualdade; tais estudos mostram
como esses processos excludentes e desiguais têm
um efeito psicossocial negativo sobre as pessoas que
deles são alvo. Como exemplo, tem-se o grande estudo,
na área das ciências sociais, dos autores Kate Pickett e
Richard Wilkinson sobre a relação entre a desigualda-
de numa sociedade e os vários problemas sociais. Na
conclusão de um trabalho de vinte anos de pesquisa,
que visou comparar dados de vários governos sobre
problemas sociais como: desintegração social, doen-
ças mentais (psicoses, depressão etc.), problemas de
saúde, expectativa de vida baixa, crescimento de uso
de drogas e violência, baixa mobilidade social, prisões
cheias, educação baixa, entre outras, os autores per- 10 É importante estar ciente de que
ceberam que esses aspectos estão relacionados com os problemas citados acontecem
tanto em situações de pobreza e
o grau de desigualdade numa sociedade, ou seja, com exclusão, quanto no lado dos ricos
as relações de inclusão e exclusão10. Ao mesmo tempo, (WILKINSON, PICKETT).

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a contemporaneidade em temas clássicos
estudos da neurologia puderam mostrar que a exclu-
são de um grupo provoca uma ativação nas mesmas
regiões cerebrais que são ativadas durante uma dor
física (EISENBERGER, 2003). Fica claro a importância e
significado para a sociedade, ter um conceito coerente
definido para identificar tais fenômenos.
Marcar a exclusão como ‘o estado de pessoas que es-
tão fora de algo’, como por exemplo, fora do intercâmbio
social, é simplista e problemático. Nessa visão topoló-
gica-social, os incluídos são aqueles que estão dentro e
os excluídos aqueles que estão fora. A exclusão pode até
se apresentar através da segregação, entretanto, elas não
são a mesma coisa. Essa perspectiva de que exclusão e
inclusão ocupam espaços resumidos em relação a algo
que está dentro ou fora, desorienta, pois pessoas podem
ser excluídas em qualquer lugar do sistema, mesmo
vivendo no centro, por exemplo. É importante observar
que a relação exclusão/inclusão não se trata de lugares
fixos, e sim de processos espaço-temporais. Também
é importante, durante uma análise, não se ater apenas
a um aspecto. Pensar exclusão implica, além de uma
análise da parte exterior como as periferias das cidades
grandes, uma análise da parte interior. Como explica
Lotman, o centro é onde se constrói o mecanismo da 11 Na Alemanha, ainda existem três
exclusão, é nele onde o processo de exclusão tem sua tipos de escolas diferentes. Os alunos
são separados com dez ou treze anos,
origem. Seria, então, importante analisar essa lógica dependente do Estado, e divididos em
interna da operação de um sistema que constrói um três escolas diferentes. Apenas uma
dessas escolas permite a entrada na
contínuo de posições entre exclusão e inclusão. Para universidade.
o sistema de educação na Alemanha, por exemplo, 12 Mesmo que muitos autores falem
que já é fundamentalmente um processo de seleção sobre o sucesso na escola não ser uma
questão de inteligência, mas simples-
e separação11, através da avaliação de inteligência com mente de capacidade para adaptar-se
notas12, é um desafio falar em inclusão e até mesmo ao sistema escolar (FEUSER, 1989).

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a contemporaneidade em temas clássicos
contraditório, caso essa lógica em si excludente não
seja radicalmente transformada.
A análise da cultura semiótica, proposta por Lotman,
evidencia os aspectos do desenvolvimento da socie-
dade como processos espaço-temporais. A sociedade,
como coordenação e interação de muitos sistemas
espaço-temporais diferentes, pode ser pensada como
uma semiosfera no sentido lotmaniano13. Presumindo 13 Ou como um cronotopo no sen-
tido bachtiniano (BACHTIN, 1986).
que todas essas semiosferas, ou sistemas, entram em
contato através da fronteira, tornam-se claro e óbvio o
significado e a importância da análise das fronteiras.
São essas fronteiras que decidem qual conteúdo pode
ou não entrar, passar, atravessar. Cada semiosfera está
dividida em várias subsemiosferas, sendo que cada uma
tem suas próprias fronteiras e, dento de cada semios-
fera, há várias flutuações e movimentos de subsemios-
feras, como uma sociedade tem vários movimentos de
sistemas parciais.
Segundo Lotman, o centro da semiosfera é o lugar
onde a cultura ou a sociedade define suas normas
sociais. Quem quer dela fazer parte, muda seu próprio
comportamento, adaptando-o de modo que correspon-
da às normas estabelecidas (LOTMAN, 2010). O centro é
o poder, a hegemonia da semiosfera. O centro é rígido
e estagnante, mas também assegura uma estabilidade
para toda semiosfera. Processos subculturais da pe-
riferia representam uma novidade para o centro. Na
periferia, é onde se podem encontrar as estruturas de
resistência contra o poder do centro, por isso, constan-
temente, há conflitos de poder entre periferia e centro. A
concepção de Bourdieu do campo de poder exemplifica
esses processos. Aqui, seria interessante analisar duas

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a contemporaneidade em temas clássicos
concepções que apresentam semelhanças: a semiosfera de Lotman e a
teoria de campo e habitus de Bourdieu. O conceito de ‘campo de poder’,
que se refere à permanente luta entre os atores sociais e ao capital sim-
bólico, que têm um valor enorme para a análise de questões de exclusão.
Para Bourdieu, durante essas lutas, as pessoas são empurradas ao polo de
não poder e quanto mais eles se encontram distantes do polo de poder,
mais difícil é mudar essa situação, ou seja, adquirir capital simbólico
através das outras formas de capital. Uma pessoa sem dinheiro, ou seja,
sem capital econômico, tem mais dificuldade de adquirir e acessar uma
educação de qualidade, ou seja, de ter acesso ao capital cultural. Segundo
Bourdieu, essa falta de capital cultural torna mais distante a possibilidade
de ganhar capital econômico. A concepção de Lotman não deixa de ser
semelhante. Quanto mais uma pessoa se encontra próxima à periferia
da semiosfera, maior será sua diferença semiótica em relação ao centro
e, quanto maior for a sua diferença semiótica com o centro, mais difícil
será participar da construção dessas semiosferas, ou seja, expande-se
assim a possibilidade de conflitos semióticos entre periferia e centro.
Esses conflitos não apenas existem entre periferia e centro, mas
também, na parte interior, que se divide em subpartes, subculturas,
etc. Esses sistemas parciais, como Luhmann o chama, também são
sistemas espaço-temporais e formam fronteiras dentro de uma semios-
fera. No caso da cultura de uma nação, isso significa que existem várias
subculturas que produzem aquela cultura. A permanente mudança
cultural de sistemas sociais acontece entre a periferia e o centro. No
caso de um processo da fronteira conseguir se disseminar, ele vai aos
poucos para o centro, e daí acontece uma transformação do sistema.
Lotman mostra o exemplo da calça “jeans”, e aqui também pode ser
referida a história do samba brasileiro, que foi um estilo surgido na
periferia disseminado para toda cultura brasileira, mesmo contra uma
resistência do centro, contra as normas sociais do colonialismo. Agora,
o samba é um processo do centro e é concebido como uma imagem que
brasileiros têm da própria cultura musical.

94 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Porém, caso sejam os processos subculturais empurrados para a
periferia, menor será a probabilidade de eles participarem na constru-
ção permanente das normas culturais da nação, ou seja, essas partes
periféricas pouco participam da transformação permanente do sistema.
Nesse sentido, a exclusão seria, portanto, aquele processo que empurra os
grupos para a periferia, tendo estes poucas oportunidades de participação
nas estruturas de poder do centro, ou como disse Vidal Fernández, que
elimina os excluídos do processo narrativo da própria cultura ou socie-
dade (2009). Por fim, enquanto a exclusão poderia ser configurada como
um contínuo de não participação construído pela sociedade, a inclusão
seria a mudança de estruturas, no sentido de emancipação dessas pessoas
que estão forçadas ao polo do não poder.
A invisibilidade da exclusão como um processo, que Fernando Braga
da Costa (2004) descreve tão bem em seu livro – Homens invisíveis:
relatos de uma humilhação social –, é um resultado dessa construção
pela sociedade. Costa trabalhou por anos como gari na sua própria uni-
versidade em São Paulo, juntos com outros garis, com uniforme laranja,
e alegou nunca ter sido percebido por amigos, estudantes, ou professores
quando por ele passavam. Fica claro que as pessoas não estão realmente
invisíveis, mas que essa invisibilidade é construída através de um proces-
so social; é uma relação em que um humano não é visto como humano,
como um sujeito de relevância, como uma pessoa com direitos humanos
e cidadãos. Ao final, isso ocorre porque essa pessoa não é percebida como
parceiro potencial para um diálogo verdadeiro.
Nesse sentido, exclusão seria um monólogo das estruturas de
poder na fronteira. Essas estruturas carentes de diálogo na fronteira,
que resultam numa falta de apreciação do outro como sujeito, estão se
manifestando no processo cultural-histórico de coisificação do outro.
Esse processo é explicado por Berger e Luckmann (2004) como uma
construção social e uma institucionalização que são contínuas, mesmo
ninguém sabendo da legitimação delas.

95 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Essa falta de diálogo, que está na base da exclusão, tem como resul-
tado uma redução do sujeito aos seus atributos, ou à mera natureza;
poder-se-ia falar até mesmo numa invisibilidade. É um processo de
despersonalização que acontece todos os dias, através da língua e
do comportamento, enfim, através da semiótica da semiosfera. Esse
processo de despersonalização pode ser visto em vários contextos.
Schroer (2009) escreve como na fronteira entre o México e os Estados
Unidos, de 2000 milhas, pode ser observado todo aparato técnico
disponível nesse mundo, utilizado pelos funcionários que fazem ob-
servações todas as noites com de câmeras infravermelhas de controle
remoto, referindo-se às pessoas que querem ultrapassar a fronteira
como “corpos” (bodies). As falas são do tipo: “nós temos três corpos na
estação em seção 2”. Existem muitos exemplos para esse mecanismo
de despersonalização, coisificação ou criação de invisibilidade. Pela
lógica adotada e defendida no artigo, esses mecanismos são resultado
de uma falta de diálogo na fronteira.
Os processos de inclusão estariam presentes nessa lógica processual
de um diálogo na fronteira, um diálogo de reciprocidade e sincronicidade.
Esse diálogo implica, sempre, uma abertura das pessoas para o outro.
Cada vez que alguém entra num diálogo com o outro, observa-se uma
pequena mudança (estrutural) de cada um dos participantes. Pensando
pelo viés espaço-temporal, depois do diálogo entre duas pessoas, cada
uma mudou, ganhou mais uma experiência, mais uma nova perspectiva
vinculada a outra subjetividade. O diálogo não é reversível. Não há duas
pessoas entrando num mesmo diálogo duas vezes, do mesmo modo
que não se pode ler um mesmo livro duas vezes, pois as experiências
vividas no primeiro encontro construíram já outra base de leitura para
o segundo encontro. É como Heraklit falou: não se pode percorrer duas
vezes o mesmo rio (STÖRIG, 1996),
O diálogo é um processo em conjunto. Essa é uma visão muito se-
melhante da concepção de diálogo verdadeiro de Paulo Freire e da cons-
cientização. Contudo, esse assunto será reservado para outro momento.

96 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
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99 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
CAPÍTULO 5

Entre lá e cá: identidade,


aculturação e desempenho escolar de
descendentes de imigrantes em Portugal

MARIA BENEDICTA MONTEIRO


JOÃO HOMEM-CRISTO ANTÓNIO

Em outubro de 2005, desencadeou-se em Paris uma série de mani-


festações violentas protagonizadas por jovens imigrantes de 2ª geração,
principalmente magrebinos e africanos subsaarianos, que envolveu o
incêndio de automóveis e de edifícios públicos. A gravidade e a exten-
são da revolta levaram o Parlamento francês a decretar por três meses o
estado de emergência.
No dia 13 de novembro de 2005, o jornal ‘Público’ publicou uma re-
portagem sobre um encontro de dirigentes de Associações de imigrantes,
em Portugal, para discutirem o que fazer para que ‘os nossos filhos não se
sintam como os magrebinos e os subsaarianos em França’. A resposta dos
dirigentes associativos, a que vieram se juntar as vozes de responsáveis
Autárquicos, de Direcção de Escolas e de cientistas sociais, trouxe à luz
do dia as opiniões de muitas instituições envolvidas no assunto da Imi-
gração/ Educação em Portugal. Todas defenderam medidas com o mesmo
objectivo: aumentar nas escolas e nos seus enquadramentos urbanos as
competências, os recursos e as normas de respeito cívico que venham

100 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
dar às minorias de origem imigrante igualdade de oportunidades, de
sucesso escolar, pessoal e profissional em relação ao grupo nacional.
Estes episódios contribuíram para tornar mais visível em Portugal, tanto
a questão politicamente não resolvida do(s) ‘modelo(s) de integração’ a
adoptar relativamente à imigração, como o debate sobre o que, de facto,
se passa nos ‘bairros’, nas escolas e nas famílias, nomeadamente no
domínio da educação.
Neste capítulo, apresentamos, em primeiro lugar, o conceito de
aculturação e os principais modelos que têm equacionado, no quadro da
Psicologia Social, a sua relação com formas de adaptação social de grupos
imigrantes em países hospedeiros. Procederemos depois à apresentação
da investigação que a Psicologia Social tem conduzido, em Portugal, no
quadro mais específico do significado, funcionamento e consequências
da condição bicultural dos imigrantes na infância e na adolescência.

ACULTURAÇÃO

O conceito de aculturação (REDFIELD; LINTON; HERSKOVITS, 1936)


foi primeiramente definido no âmbito da Antropologia como ‘os fenó-
menos que resultam do contacto continuado e em primeira-mão entre
grupos de indivíduos de diferentes culturas e das mudanças subsequen-
tes nos padrões da cultura original de cada um ou de ambos os grupos’
(p. 149). A Psicologia entrou cedo, lado a lado com os seus pares das
Ciências Sociais, nesta área do comportamento humano. Ficou célebre
a contribuição de Otto Klineberg (1935), presidente do Departamento de
Psicologia Social da Universidade de Columbia, ao intervir no debate
norte-americano sobre as causas da migração de um grande grupo de
negros de estados do Sul para estados do Norte dos EUA. A investigação
de Klineberg (1935) mostrou que a ideia de migração selectiva com base na
sua inteligência não era sustentável, já que os testes de inteligência e as

101 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
notas dos alunos negros, que ficaram no Sul, e as dos que partiram para
o Norte eram idênticas. Esse estudo foi importante, não só no quadro
dos debates sobre o preconceito e a discriminação dos negros nos EUA,
mas também porque adicionou a este debate uma importante dimensão
de contexto: as migrações e as condições em que ocorre a aculturação.
É neste âmbito que, no fim do século XX, se consolida como tema de es-
tudo da Psicologia Social o fenómeno da aculturação, em estreita ligação
com os grandes fluxos migratórios de múltiplas origens para a Europa e
para o continente Americano.

RELAÇÕES INTERCULTURAIS E ACULTURAÇÃO

No início da sua conferência, na sessão em que lhe foi atribuído o


prémio Donald O. Hebb pela sua Distinta Contribuição para a Psicologia e
para a Ciência, em 1998, John Berry tornou claras quais as questões que
estiveram na origem do seu trabalho sobre Aculturação: Como é que
pessoas de diferentes origens culturais conseguem viver juntas com
sucesso em sociedades plurais?
A sua resposta, sustentada pelo conceito de aculturação psicológica
(GRAVES, 1967) e pelo seu próprio trabalho etnográfico (e.g., BERRY,
1970), deu origem ao primeiro modelo pluridimensional sobre os factores
determinantes das orientações de aculturação de imigrantes de minorias
sociais (BERRY, 1990), que influenciou os estudos da Psicologia Social
até ao presente.
O autor definiu dois factores que julga interessarem imigrantes nas
suas interações diárias: a preservação da herança cultural (importa manter
a sua identidade e comportamentos culturais), e o contacto-participação
(importa contactar e participar na vida da sociedade maioritária). A es-
trutura criada pela intersecção destes factores deu origem a um espaço
que define quatro tipos de estrat Na perspectivaisço em que cabem quatro

102 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
varidades de re lelaçitn sua identidade culturalégias de aculturação (BERRY,
1990): Assimilação (não importa preservar a herança cultural, importa
procurar o contacto com a maioria), Separação (importa preservar a
cultura de origem e evitar contactos com a maioria), Integração (impor-
ta preservar a cultura de origem e manter contactos com a maioria) e
Marginalização (não importa, quer manter ligações à cultura de origem,
quer contactar com a maioria). A investigação utilizando este modelo
de aculturação mostrou que a estratégia dominante era a Integração,
isolada ou em paralelo com a Assimilação (BERRY; SABATIER, 2010).
A estratégia de Integração estava associada ao menor stress de aculturação
(BERRY et al., 1987) e à autoestima mais elevada (e.g., GIANG; WITTIG,
2006). Mas, a orientação de Separação foi a dominante no caso da etnia
nativa canadiana Cree (BERRY et al., 1982). A procura da explicação desta
diferença de estratégias de aculturação e das suas consequências, no grau
de adaptação dos migrantes, trouxe para os estudos subsequentes certo
número de variáveis, individuais, socioculturais e políticas, como o es-
tatuto dos grupos (e.g., ZAGEFKA; BROWN, 2002), a distintividade física
do grupo minoritário e a residência separada em ‘Bairros’ (KIM; BERRY,
1985), a identificação étnica e nacional (e.g., BERRY; KALIN, 1995) ou as
políticas de imigração adoptadas em cada país (e.g., BERRY, 1984), como
factores moderadores no processo.
Apesar da evidência do papel positivo da estratégia de Integração em
vários domínios importantes da vida dos imigrantes, um estudo meta-a-
nalítico efectuado (RUDMIN, 2006) mostrou que há um elevado número
de estudos que não encontra uma relação positiva entre a orientação de
Integração e importantes variáveis como a autoestima, o nível de stress,
a depressão ou o desempenho escolar e estudos em que as orientações
de Separação ou de Assimilação são mais benéficas do que a Integração
para os imigrantes e os seus descendentes.
Em contraste com o modelo das atitudes dos imigrantes em relação
aos membros da cultura dominante, Bourhis e colaboradores (1997)

103 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
desenvolveram o Modelo da Aculturação Interactiva1. 1 Interactive Acculturation Model

As principais contribuições deste modelo foram o


papel central atribuído às políticas nacionais de imi-
gração e a inclusão da perspectiva da maioria acerca
da aculturação das minorias, de modo a revelar o grau
de compatibilidade entre as preferências dos dois gru-
pos: consensual, problemático ou conflitual. Os poucos
estudos que testaram este modelo e a sua relação com
a adaptação dos imigrantes mostraram a importância
de variáveis moderadoras como a percepção de ameaça
e a percepção de discriminação na qualidade das rela-
ções intergrupais (ZAGEFKA; BROWN, 2002) ou no seu
grau de bem-estar (ROCCAS; HORENCZYK; SCHWARTZ,
2000). Rohmann, Piontkowski e Randenborg (2008),
por seu lado, mostraram que, na condição de discordân-
cia entre as atitudes de aculturação do grupo Alemão
e dos dois grupos migrantes, Turco e Italiano, o grupo
Alemão apresentava níveis mais elevados de percepção
de ameaça do que na condição consensual.

ACULTURAÇÃO E ADAPTAÇÃO DE
CRIANÇAS E JOVENS DESCENDENTES
DE IMIGRANTES

Os modelos anteriores foram quase exclusivamente


testados em populações imigrantes adultas. Mas, em
breve, os investigadores perguntaram se os resultados
observados nessa população poderiam ser extrapola-
dos para os grupos mais jovens, incluindo as crianças.
Para responder a esta questão, Berry e colaboradores

104 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
conduziram um estudo longitudinal com treze países
e 7.997 adolescentes imigrantes de 1ª ou 2ª geração,
entre treze e dezoito anos (BERRY et al., 2006)2. Os au- 2 Países participantes: Alemanha,
Austrália, Canadá, Estados Unidos da
tores enunciaram três questões: como vivem os jovens América, Finlândia, França, Holanda,
descendentes de imigrantes no interior da sua cultura Israel, Nova Zelândia, Noruega,
Portugal, Reino Unido e Suécia. As
e entre duas culturas – a dos seus pais/ da sua família/
amostras em cada país incluíram
da sua geração? Ou seja, como vivem a sua experiência imigrantes ou seus descendentes
de aculturação? Com que sucesso, lidam os jovens (nas (5.366) e naturais do país hospedeiro
(2. 631). Em todos os países, o estatu-
áreas pessoal, social e académica) com a sua condição to profissional dos pais nas amostras
intercultural? Existem padrões de relação entre o modo nacionais era significativamente
mais elevado do que o das amostras
como os imigrantes se envolvem nas relações intercul- imigrantes.
turais e o grau ou qualidade da sua adaptação?
Em relação à primeira questão, os autores testaram
o seu modelo bidimensional de aculturação e encontra-
ram quatro perfis, semelhantes aos dos adultos, quer na
estrutura, quer na preferência explícita pela estratégia
de Integração, mas muito diferentes nos valores mais
baixos, no perfil Nacional/Assimilação, e, mais altos,
nos perfis Étnico/Separação e Difuso/Marginalização.
O carácter longitudinal do estudo revelou ainda que,
quanto maior era o tempo de residência no país actual,
maior era o número de jovens no perfil de Integração
e menor no perfil de Marginalização, sugerindo que o
aumento do tempo de residência dos jovens imigrantes
favorece experiências intergrupais positivas e evita as
negativas.
Em relação à segunda questão – Como se adaptam
os jovens imigrantes à nova situação – o estudo avaliou
duas formas de adaptação (WARD, 1996) – psicológica e
social – com variáveis semelhantes às dos estudos em
adultos. Os resultados mostraram que, apesar das varia-
ções entre grupos imigrantes e países de acolhimento, a

105 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
qualidade de adaptação dos jovens era tão positiva como a dos seus pares
nacionais. Resultados semelhantes, considerados ‘paradoxais’, foram
encontrados em estudos sobre o sucesso académico de jovens imigrantes
Cambojanos (GARCIA COLL, 2005) e Latinos (HAYES-BAUTISTA, 2004),
nos EUA. Em contexto europeu, Basabe, Zlobina e Páez (2004) estudaram
a adaptação de imigrantes no País Basco. Os resultados foram semelhan-
tes aos encontrados em amostras imigrantes adultas: estar envolvido
num perfil de Integração, estava associado a uma melhor adaptação
psicológica e social e, não estar envolvido em qualquer das culturas ou
sentir-se confuso acerca da sua situação, prejudicava as duas formas de
adaptação. Estar envolvido no perfil de Separação, estava associado a uma
boa adaptação psicológica, mas a uma ineficiente adaptação social. E,
em relação ao perfil de Assimilação, os níveis de adaptação psicológica
e social eram fracos. Os autores concluíram que tanto o perfil de Inte-
gração como o perfil de Separação eram claramente mais benéficos para
os jovens imigrantes.
A importância teórica da construção e gestão das identidades ao longo
do desenvolvimento deu a esta variável uma saliência especial no âmbito
do processo de aculturação de imigrantes, nomeadamente nos estudos
com crianças e adolescentes, em que a questão identitária assume um
papel central no seu desenvolvimento. Por exemplo, no estudo sobre
identidade étnica, imigração e bem-estar em adolescentes, Phinney et
al. (2001) tentaram compreender: Como é que a identidade étnica e a
identificação com a nova sociedade se relacionam entre si; como é que as
duas identidades se relacionam com a adaptação dos jovens imigrantes
e como é que estas relações variam entre grupos e entre contextos na-
cionais. O modelo que propuseram defendia que o papel das identidades
no processo adaptativo decorre da interacção entre as atitudes e caracte-
rísticas dos imigrantes e as respostas da sociedade receptora, moderada
pelas circunstâncias particulares do grupo imigrante na nova sociedade
e as políticas locais. Estas políticas, por sua vez, podem aceitar e mesmo
encorajar o pluralismo cultural, ou serem ambíguas ou hostis em relação

106 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
à imigração em geral ou a grupos particulares de imi-
grantes. Quando os imigrantes têm um forte desejo de
preservar a sua cultura e a sociedade encoraja o pluralis-
mo, estão criadas as condições para que se afirme uma
identidade étnica. Quando essa vontade não está saliente
e os grupos de imigrantes se sentem aceites, é provável
que prevaleça uma identidade nacional.3 Phinney et al. 3 As identidades nacional e étnica
podem ser, de acordo com a inves-
(2001), na continuação de Hutnik (1991) e do modelo tigação, proxies das dimensões de
de aculturação de Berry, assumem estas dimensões manutenção da herança cultural e
de contacto intergrupal, postuladas
como eixos independentes que definem quatro espaços
pelo modelo de Berry.
identitários: identidade integrada (identidade étnica
nacional fortes), identidade separada (identidade étnica
forte e nacional fraca), identidade assimilada (identidade
étnica fraca e nacional forte), e identidade marginalizada
(identidades étnica e nacional fracas).
Para além da importância da inclusão da identida-
de étnica – ‘aquele aspecto da aculturação que se foca
no sentimento subjectivo de pertença a um grupo ou
cultura’ (PHINNEY et al., 2001, p. 495) – a contribuição
destes autores é importante por reafirmar o processo de
aculturação das minorias como uma interacção entre a
sua definição identitária, a sua orientação de acultura-
ção e a percepção da resposta da maioria à sua presença
no país. Em termos da selecção das áreas de impacto
das identidades, os autores estudaram a expressão de
bem-estar, como medida subjectiva de satisfação com
a sua condição, e a adaptação escolar, como medida ob-
jectiva de ajustamento ao sistema educativo nacional.
No seu Estudo Internacional Comparativo da Juven-
tude Etnocultural (2001), os autores verificaram que os
valores da identidade étnica de imigrantes adolescentes
a viver em quatro países – Finlândia, Israel, Holanda

107 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
e EUA – foram mais elevados do que os da identidade
nacional. E na amostra total, as duas dimensões da
identidade não estavam relacionadas4. Os autores con- 4 Nos EUA, as amostras foram re-
colhidas em adolescentes de origem
cluíram que, embora teoricamente a identidade étnica
Vietnamita, Mexicana e Arménia; em
e a identidade nacional sejam independentes, a relação Israel, a amostra incluiu adolescentes
entre ambas varia empiricamente, de acordo com os imigrantes de origem Russa e Etío-
pe; na Finlândia, a amostra incluiu
respectivos contextos nacionais. adolescentes de origem Vietnamita
Relativamente à importância da resposta da maioria e Turca; e na Holanda, os dados
diziam respeito a adolescentes imi-
para a estratégia de aculturação dos jovens e para a sua grantes de origem Turca, Surinamesa
definição identitária, os autores mostraram que o tipo e Antilhana.

de identidade expressa pela maioria dos participantes


só correspondia às políticas de imigração adoptadas
na Califórnia, em que os adolescentes adoptaram com
maior frequência uma identidade integrada do que
identidades separadas, assimiladas ou marginalizadas.
Em síntese, a evidência sobre a relação entre o tipo
de políticas nacionais de imigração e a formação da
identidade dos adolescentes, na maioria dos países em
estudo, foi fraca, não permitindo sustentar a hipótese.
Quanto à relação entre as orientações identitárias e
o sentimento de bem-estar dos adolescentes, como factor
sinalizador de uma adaptação satisfatória à sociedade
dominante, os resultados indicaram que os jovens
com uma identidade integrada expressaram valores
mais elevados em bem-estar psicológico do que os
outros três grupos identitários, e que os adolescentes
com uma identidade marginalizada expressaram os
mais baixos valores em bem-estar psicológico. Mas,
estes valores sofreram variações em função do país
de destino (ex: em Israel, a opção de Separação estava
associada a mais problemas comportamentais), ou a
percepção dos migrantes sobre a sua posição relativa

108 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
no país de acolhimento (e.g., para os adolescentes mexicanos nos EUA,
foi a identidade étnica que predisse o seu nível de autoestima). Phinney
et al. concluíram que uma identidade étnica forte e segura, capaz de lidar
com os conflitos dentro do seu grupo, traz consigo sentimentos positivos
e pode ser uma fonte de autoavaliação positiva. E, se estiver associada a
uma forte identidade nacional, isso poderá contribuir para sentimentos
de bem-estar pessoal e de satisfação com a vida.

ACULTURAÇÃO E ADAPTAÇÃO ESCOLAR

A investigação tem persistentemente documentado os resultados


escolares mais fracos de muitos grupos imigrantes, quando compara-
dos com os seus pares nativos (e.g., OECD, 2014), e a adaptação escolar
das crianças e dos jovens é vista pelas famílias imigrantes como a mais
importante tarefa a assegurar no novo país. Como muitos autores têm
sublinhado, a escola pode ser o contexto que promove a igualdade de
oportunidades e que facilita uma integração na sociedade, em geral
(VEDDER; HORENCZYK, 2006). Roche, Ghazarian e Fernandez-Esquer
(2012) estudaram a relação entre as orientações de aculturação de adoles-
centes de origem mexicana e o seu desempenho escolar em Los Angeles
e mostraram a importância do domínio da língua inglesa, mas também
da orientação simultânea dos jovens para as culturas mexicana e ameri-
cana, para a explicação dos seus níveis de sucesso escolar. Também, na
Bélgica, se mostrou que a disparidade, entre os resultados escolares da
minoria turca e dos nativos belgas, é uma das mais elevadas, na Europa.
No estudo de Baysu, Phalet e Brown (2014), que incluiu a avaliação do
desempenho escolar, a avaliação das identidades nacional e étnica e
da percepção de discriminação de 576 jovens turcos, os estudantes que
expressaram dupla identificação (Integração) tinham tido desempenho
académico mais elevado, mas apenas na condição em que tinham expres-

109 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
sado baixa percepção de discriminação. Na condição de
elevada percepção de discriminação, os estudantes com
maiores probabilidades de sucesso eram os que tinham
expresso identidades de Assimilação ou de Separação.

MIGRAÇÃO E ACULTURAÇÃO
EM PORTUGAL: CRESCER ENTRE
DOIS MUNDOS

Portugal introduziu, nos últimos trinta anos, na sua


agenda política de país da União Europeia, a questão
da imigração. A 1ª geração de imigrantes que aportou a
Portugal, proveniente das suas ex-colónias de África e
do Brasil, e mais recentemente dos Países de Leste eu-
ropeu, deu origem a uma 2ª geração bicultural maiorita-
riamente portuguesa. Este fenómeno está na origem da
multiplicidade de estudos desenvolvidos pelas Ciências
Sociais, quer para a sua caracterização sociodemográ-
fica, quer para a análise transversal e longitudinal dos
processos e contextos de adaptação destas gerações
mais jovens à sociedade portuguesa (Observatório da
5 Identidade étnica (HUTNIK, 1991;
Imigração, http://www.oi.acidi.gov.pt). É neste contexto, PHINNEY, 1990): ‘Quantas vezes te
que a Psicologia Social tem vindo a desenvolver um sentes Cabo-verdiano/Português?
(1=nunca; 5= muitas vezes) e ‘Quanto
conjunto de estudos sobre as estratégias utilizadas pelos é importante para ti seres Cabo-ver-
jovens imigrantes, em contexto escolar, para potenciar diano/Português? (1=nada; 5=muito
importante) (r= -0,40, p< 0.001).
a sua adaptação com sucesso à sociedade portuguesa.
6 Amostra: 120 crianças a frequentar
Carvalho (2009) mostrou a importância da função o 3º e 4º anos do Ensino Básico (8-11
mediadora da identidade étnica na infância5, na rela- anos), descendentes de famílias Cabo-
-verdianas, nascidas em Portugal e
ção entre as metaexpectativas e a metapercepção das habitando bairros sociais na periferia
crianças6 acerca das práticas de socialização étnica de Lisboa e Setúbal.

110 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
na família7 e das suas orientações de aculturação8: as 7 Metapercepções de práticas pa-
rentais de valorização do contacto/
metapercepções parecem constituir-se como ‘guias’ da cultura Cabo-verdianos /Portugue-
autorrepresentação e da valorização da criança como ses: (ex: A minha família convive com
muitas pessoas Portuguesas/ Cabo-ver-
portuguesa ou cabo-verdiana (a sua identidade étnica), dianas; Em minha casa falam crioulo/
e essa relação permite compreender as opções de acul- português) (1=não é nada assim; 5=é
mesmo assim’).
turação no contexto escolar. Neste contexto, a formação
8 Orientações de aculturação:
de uma identidade Cabo-verdiana favorece a orientação Contacto (ex: Eu acho importante
de Separação e rejeita a de Assimilação (replicando os estar com pessoas Cabo-verdianas/
Portuguesas); Valorização da cultura
resultados de Phinney et al., com adolescentes mexica-
(ex: Eu acho importante falar Crioulo/
nos nos EUA), enquanto a formação de uma identidade Português) (1= não é bem assim; 5= é
Portuguesa favoreceu a orientação de Assimilação e não mesmo assim).

teve qualquer relação com outras opções (Figura 1).

Figura 1. Diagrama de mediação das identidades Portuguesa e Caboverdiana

111 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Por seu lado, Mouro (2003) averiguou como é que
adolescentes portugueses de origem cabo-verdiana9 9 Amostra: 115 alunos portugueses
de origem cabo-verdiana, do ensino
definiam as suas pertenças aos grupos de origem e básico (12 a 18 anos), na área me-
nacional e que relação existia entre essas identidades tropolitana de Lisboa. Medida da
identidade: Quanto é que pertences
e o seu desempenho escolar. A autora verificou que a
ao grupo Caboverdiano/Português,
maioria dos participantes valorizava positivamente a e que importância tem isso para ti?
sua pertença aos dois grupos (Dupla identidade) e que (4 = Pertenço a esse grupo e isso tem
muitíssima importância para mim; 1 =
apenas uma minoria valorizava exclusivamente a per- Não pertenço a esse grupo (MONTEIRO;
tença ao grupo português (Identidade nacional) (Fig. 2). LIMA; VALA, 1991).

Verificou ainda que a relação entre os quatro padrões


de identidade e o desempenho escolar das crianças era
diferente: contrariamente a estudos conduzidos nou-
tros países, mas de forma semelhante a Maurício (2001),
que utilizou uma amostra semelhante em Portugal,
verificou que a Dupla identidade estava associada ao
menor grau de sucesso escolar, enquanto a Identidade
nacional era a que se encontrava associada a níveis de
sucesso escolar mais elevados.

Figura 2. Definição das identidades Cabo-verdiana e Portuguesa em adolescentes de escolas


Portuguesas (MOURO, 2003)

112 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
As Identidades Étnica e Marginal obtiveram um
sucesso escolar menor que a Nacional e mais elevado
do que a Dupla.
A persistência deste padrão de associação entre
tipos de identidade, orientações de aculturação e de-
sempenho escolar, conduziu à exploração do processo
que poderia estar envolvido nestas relações. No âmbito
do modelo de Bourhis et al. (1997), António e Monteiro
(2015) analisaram em adolescentes negros, de escolas
públicas portuguesas, a importância das suas meta-
percepções acerca das atitudes da maioria branca por-
10 Amostra: 140 participantes negros,
tuguesa relativamente à aculturação dos imigrantes, do ensino básico e secundário em es-
colas públicas multiétnicas de Lisboa
no seu desempenho escolar (estudo 1)10. Os resultados
(13 a 20 anos), com baixo ESE. Medida
mostraram que os estudantes preferiam manter a sua das metapercepções da preferência
cultura de origem, mas achavam que os portugueses da maioria: Penso que os Portugueses
querem que os imigrantes e os seus
queriam que os imigrantes e os seus filhos aderissem filhos aprendam e valorizem a cultura
à cultura maioritária.11 Tomando como estratégias a In- Portuguesa/mantenham e desenvolvam
a sua cultura de origem; escalas de con-
tegração e a Assimilação, por um lado12, e a Separação cordância (1-7). As mesmas questões
e a Marginalização, por outro, o desempenho escolar e a mesma escala de resposta foram
utilizadas para medir as atitudes de
variou segundo esta clivagem: os participantes com aculturação dos próprios participantes
orientações de aculturação Integrativas/Assimilativas em relação às duas culturas. Medida
do desempenho académico: autor-
tiveram um desempenho mais elevado (M =.42, DP =
relato das classificações obtidas no
1,07) do que os que apresentaram orientações Separa- período académico anterior (variável
tistas/Marginalizadas (M = -.31, DP = .86) (t(125) =4.06, normalizada).

p < .001 as atitudes). Uma análise de regressão, que 11 Este resultado é semelhante ao
encontrado em estudos portugueses
incluiu, além das atitudes de aculturação dos parti- com adultos (ANTÓNIO, 2012; VALA;
cipantes, as metapercepções, acerca das atitudes de LOPES, 2005).

aculturação da maioria, mostrou ainda que a relação 12 O critério aplicado é o da comu-


nalidade da preferência das duas
entre a atitude relacionada com a cultura maioritária estratégias pela cultura maioritária
e o desempenho académico era moderada pela meta- (Integração e Assimilação) num caso,
e a comunalidade da preferência das
percepção acerca da atitude de aculturação da maioria. outras duas estratégias pela cultura de
Isto é, a relação entre a atitude de aculturação dos origem (Separação e Marginalização).

113 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
adolescentes negros e o seu desempenho escolar apenas se confirmava
quando a maioria branca era percebida como contrária à adopção da
cultura maioritária por parte das minorias (Figura 3). Estes dados dão
duas indicações relevantes. Em primeiro lugar, perceber no grupo maio-
ritário um apoio à integração/assimilação (i.e., à adopção da cultura
dominante) dos imigrantes está associado a níveis mais elevados de
desempenho escolar. Em segundo, a atitude de aculturação dos estu-
dantes negros para com a cultura maioritária apenas é relevante para
o seu desempenho escolar quando a maioria branca é percebida como
não querendo aceitar os imigrantes como parte da sua própria cultura.

Figura 3. Efeito de moderação da meta-percepção da preferência da maioria (Brancos)


na relação entre atitude de aculturação dos estudantes da minoria (Negros) e o seu
desempenho académico

CONCLUSÃO

Os estudos sobre aculturação de populações imigrantes em sociedades


economicamente desenvolvidas têm mostrado a utilidade dos modelos

114 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
bidimensionais de Berry (1990), de Phinney et al. (2001) e de Bourhis et al.
(1997) na compreensão das relações entre imigrantes e nacionais e a sua
associação aos comportamentos de ambos. Neste capítulo, reviram-se os
modelos de Aculturação propostos pela Psicologia Social e os estudos que
têm sido efectuados na busca dos melhores preditores de formas positivas
de adaptação dos imigrantes à sua condição bicultural. Mostrou-se que,
na maioria desses estudos, é necessário incluir variáveis posicionais e
de contexto que moderem ou medeiem a relação entre as orientações de
aculturação previstas pelos modelos e as atitudes e comportamentos das
minorias, de modo a atingir níveis de explicação mais completos sobre
a importância dessa relação.
Na segunda parte, apresentaram-se estudos efectuados em Portugal
por uma equipa de psicólogos sociais, sobre o processo de aculturação
de crianças e jovens de origem africana (o maior grupo imigrante desde
1975) em contexto escolar, e a sua relação com o factor socialmente mais
importante da sua trajectória em Portugal: o desempenho escolar. Os
resultados mostraram, diferentemente da maioria da investigação nes-
te tópico, que existe um padrão consistente de probabilidade de maior
sucesso, na infância e na adolescência, dos que preferem a cultura maio-
ritária, mas apenas desde que percebam que a maioria tem essa mesma
preferência. E a intensidade de preferência pelo seu grupo de origem não
se associa a esta probabilidade.
Estes resultados salientam, por um lado, a virtude do Modelo de
Aculturação Interactiva (BOURHIS et al., 1997), que postula a importância
da compatibilidade entre as preferências da minoria e da maioria para
predizer consequências nas relações interculturais, e por outro lado a
importância da preferência dos participantes pela cultura da maioria,
para que possamos identificar as políticas públicas de aculturação opera-
cionalizadas nas escolas: em Portugal, se o discurso oficial é de Integração
e a legislação europeia e nacional obriga a formação dos docentes na área
da educação multicultural, a prática nas escolas é de Assimilação: as cul-
turas de origem dos grupos imigrantes são reduzidas a meros artefactos

115 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
lúdico-gastronómicos para encher os tempos extracurriculares, enquanto
a quase totalidade dos docentes não teve formação em educação
multicultural e os programas curriculares excluem completamente a
informação sobre as dimensões histórico-sociais relevantes das culturas
de origem dos imigrantes. Os resultados constituem, adicionalmente,
um estímulo para a continuidade dos estudos nesta área, já que falta
conhecer, além de outros factores intervenientes neste processo, a di-
mensão evolutiva dos processos de aculturação e a sua relação com outras
dimensões do desenvolvimento pessoal e social dos jovens.
A transferência de conhecimentos dos resultados da investigação
científica para o resto da sociedade pode ter um papel questionador,
orientador e de reforço da resolução de problemas sociais, como é, neste
caso, o das relações entre os imigrantes e os nacionais, nos países que
habitamos. Estudos mais aprofundados sobre a evolução ao longo da
vida dos processos de aculturação imigrante, aqui estudados, deverão
poder contribuir para esse questionamento.

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119 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
CAPÍTULO 6

Representações sociais
sobre a moradia para técnicos sociais
e beneficiários de projetos habitacionais
de um bairro popular em Aracaju (SE)

CLÁUDIA ALVES POCONÉ


MARCUS EUGÊNIO OLIVEIRA LIMA

A cidade de Aracaju, no Estado de Sergipe, foi eleita pelo Ministério


da Saúde a capital brasileira da qualidade de vida. Esse título deveu-se
aos hábitos da população e acesso a serviços de prevenção da saúde dos
habitantes nas capitais brasileiras. Mas, essa mesma cidade possui reali-
dades que são desconhecidas até para muitos dos aracajuanos. À medida
que nos distanciamos dos bairros de classes A e B, as condições de vida
da população vão gradativamente caindo. Em seus limites territoriais,
Aracaju mostra que a qualidade de vida atinge níveis sub-humanos, a
exemplo do bairro Santa Maria.
Em diagnóstico socioambiental, realizado pela Prefeitura, no ano de
2007, identificou-se que, em muitas áreas do bairro Santa Maria, abran-
gendo cerca de 3.000 domicílios, não existe pavimentação, o esgoto é
irregular e os alagamentos são constantes (SERGIPE, 2007a). Esse estudo
constatou ainda que a população do bairro é jovem (50% dos moradores
têm até dezoito anos de idade e 39% estão numa faixa etária que vai de

120 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
dezenove a 45 anos), o nível de instrução é baixo (62,8% dos chefes de
famílias não concluíram o ensino fundamental) e, quanto à ocupação
profissional dos chefes de famílias, 51,8% estão desempregados e 28,1%
se declaram autônomos. A catação de materiais recicláveis é a principal
fonte de renda de cerca de 3.000 famílias e 66% do total de famílias resi-
dentes no bairro são chefiadas por mulheres (SERGIPE, 2007b).
Esse bairro, com 6.000 domicílios e 30.000 habitantes, desde o ano
de 2008, passou a ser alvo de inúmeras intervenções estatais que tinham
como objetivo a promoção de moradia digna àquela população, através
de construção de 2.527 casas, obras de infraestrutura e ações voltadas à
inclusão social, como assembleias comunitárias para acompanhamento
e debate sobre os projetos habitacionais, cursos profissionalizantes,
educação sanitária e ambiental.
Pensamos que um dos resultados dos impactos dessas intervenções
estatais será a construção de representações sociais sobre a moradia e
sobre o bairro por aqueles que são contemplados nesses projetos. A essa
construção simbólica associa-se um embate dialético entre a exclusão
social e a cidadania. É nesse contexto que nos propomos a analisar as
representações sociais sobre a moradia e o bairro Santa Maria para Téc-
nicos Sociais e Beneficiários de projetos habitacionais no Bairro Santa
Maria, em Aracaju - SE.

A CASA E O BAIRRO

A casa reflete seu morador, pode dizer quem ele é e encerrar, em suas
paredes, suas práticas, os gestos e os instrumentos materiais que o sig-
nificam. Nos centros urbanos, essa construção do sentido do cotidiano é
atravessada por várias outras questões de ordem conjuntural: fatores polí-
ticos, econômicos e psicológicos influenciam fortemente as construções
físicas das moradias, a configuração dos bairros, a acessibilidade a bens

121 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
e serviços (FRÉMONT, 1980). Compreender o espaço
implica considerar as relações entre todos esses fatores.
Todavia, no Brasil de hoje, a casa ainda não é um
direito garantido. No nosso país, em menos de um sécu-
lo, a população urbana passou de 31,2%, em 1940, para
81%, em 2000 (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA
E ESTATÍSTICA [IBGE], 2007). Este rápido crescimento,
juntamente com questões de ordem econômica como
concentração de renda e desemprego, fez com que pro-
blemas estruturais nas cidades chegassem a índices ele-
vados: o déficit habitacional corresponde a 7,2 milhões
de unidades, 45 milhões de pessoas não têm acesso
à água potável e cerca de 83 milhões de pessoas não
dispõem de rede de esgoto (DISTRITO FEDERAL, 2005).
A habitação aparece disposta como um direito,
pela primeira vez, em 1948, na Declaração Universal
dos Direitos Humanos. Em 1988, com a elaboração da
Estratégia Global para o Abrigo1 pela Assembleia Geral 1 Global Strategy for Shelter to
Year 2000.
das Nações Unidas, adotou-se o conceito de direito
humano à moradia digna, em que, além dos aspectos
físicos adequados às famílias, deveria ser assegurado o
exercício pleno da cidadania. Esse documento preco-
niza também que, cabe ao Estado, o dever de assegurar
moradia digna a todos os seus cidadãos, em especial
aos grupos vulneráveis social, cultural ou economi-
camente (UNITED NATIONS CENTRE FOR HUMAN
SETTLEMENTS [UNCHS], 1988).
Ao longo das últimas décadas, a sociedade civil
vem atuando em práticas que a capacitam a parti-
cipar da gestão pública, por meio dos movimentos
sociais de luta por moradia, associações e conselhos.
Especificamente com relação ao direito à moradia,

122 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
cobra-se urgência na “recuperação” ou “erradicação” de favelas e in-
vasões, onde a população habita em condições que não atendem às
suas necessidades mínimas de privacidade, dignidade, salubridade e
segurança. Segundo Saule Júnior et al. (2006), a promulgação da Cons-
tituição Brasileira de 1988 foi um marco na história da participação da
sociedade civil organizada na luta pela moradia.
Para Roberto DaMatta (1997), a casa e a rua são categorias sociológicas,
pois são “entidades morais, esferas de ação social, províncias éticas
dotadas de positividade, domínios culturais institucionalizados e,
por causa disso, capazes de despertar emoções, reações, leis, orações,
músicas e imagens esteticamente emolduradas e inspiradas” (p.15). De
acordo com Leite (2005), os espaços urbanos possuem dimensões físi-
cas e simbólicas e seus “diferentes usos os qualificam e lhes atribuem
sentidos de pertencimento, orientando ações sociais e sendo, por estas,
delimitados reflexivamente” (p. 79). Ramos (2004) corrobora com essas
ideias, apontando o bairro como a instância cotidiana de encontro entre
a vida privada da casa e da família e a vida pública.
O sentido de bairro é construído, assim, sob uma historicidade, per-
passada pelos acontecimentos cotidianos. Espaço e Tempo, “constroem e,
ao mesmo tempo, são construídos pela sociedade dos homens”, informa
DaMatta (1997, p. 33). O tempo e o espaço seriam dimensões nas quais
se desenrolaria a vida cotidiana com suas atividades, suas percepções e
seus relacionamentos. Da mesma forma, seria na vida cotidiana que as
percepções do tempo e dos espaços seriam construídas.
Sennett (1988), por sua vez, conceitua o bairro como áreas urbanas
próximas, diferentes quanto ao tipo de habitação, custo da comida e da
diversão. A lógica de produção capitalista, segundo esse autor, foi decisiva
na ideia de bairro sob uma ótica utilitarista. Na medida em que se conso-
lidaram os locais destinados ao trabalho distantes daqueles destinados
à moradia, reforçou-se a ideia do bairro residencial como um local para
a família e o descanso. Construções com usos específicos, como casas,

123 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
lojas, escritórios, escolas, seriam interligadas por locais de passagem,
que seriam as ruas, avenidas e praças (RABINOVICH, 2006).
Noutra perspectiva, Frémont (1980) alega que, ao fundar-se no valor
econômico, os lugares se associam a atividades de produção e de troca:
“os lugares enchem-se de valores psicológicos muito mais fortes que os
da função para a qual foram feitos” (FRÉMONT, 1980, p. 135). As práticas
e os códigos de conduta relacionados aos espaços se construiriam de
forma relacional (DAMATTA, 1997).
Os bairros nas cidades se formariam, assim, mais do que num dis-
positivo administrativo para localização das unidades habitacionais. Os
bairros são representações sociais de espaços urbanos construídas no
cotidiano, considerando a história local e a relação deste espaço com os
outros bairros e com a cidade (LEFEVBRE, 1975, citado por RAMOS, 2004).
Como forma de melhor compreender, em um contexto social, as
representações sociais construídas sobre o fenômeno da moradia,
investigamos as representações sociais sobre a moradia para Técnicos
Sociais e Beneficiários de projetos habitacionais no bairro Santa Maria,
em Aracaju, Sergipe.

ASPECTOS METODOLÓGICOS

Os temas pesquisados foram moradia e bairro Santa Maria em seus


aspectos físicos e sociais, e intervenção estatal: impactos e expectativas.
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas individuais com nove
Técnicos Sociais e nove Beneficiários.
A escolha dos sujeitos se deu pelo fato de serem os destinatários
finais das ações dos projetos habitacionais, ou seja, indivíduos que não
têm assegurado o direito à moradia digna e que, através dos projetos,
pretende-se que passarão a tê-lo. A escolha, por estudar as representa-
ções sociais também para os Técnicos Sociais, deve-se ao interesse de

124 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
entender como estas representações eram configuradas por aqueles que
estavam em contato direto com as famílias, executando ações de inclusão
social, segundo diretrizes e orientações técnicas governamentais; ou seja,
promovendo uma interlocução entre um universo reificado (diretrizes
governamentais) e consensual (Beneficiários).
Foi utilizado o método de análise de conteúdo categorial de Bardin
(1977), no qual a classificação dos dados em categorias representa, de
forma ordenada e condensada, a realidade. Um sistema de categorias deve
obedecer aos critérios de exclusividade (cada dado em uma categoria),
homogeneidade (todos os dados da categoria se referem a uma tipologia
específica), pertinência (a categoria criada é relevante para a pesquisa),
objetividade e fidelidade (os dados devem ser classificados da mesma
maneira e obedecer à mesma lógica de classificação) e produtividade (as
categorias devem ser pragmáticas e ajudar na produção de um conheci-
mento novo sobre o tema pesquisado).
Utilizamos ainda os pressupostos da Teoria do Núcleo Central das
Representações Sociais (ABRIC, 1996; SÁ, 1996; SANTOS; SILVA; TURA,
2005). Segundo esta Teoria, as Representações Sociais possuem um
núcleo central, que representa seu corpo fundamental, e um sistema
periférico, que confere flexibilidade à representação e permite que ele-
mentos, mesmo contraditórios, dialoguem. Dessa forma, procuramos
identificar o núcleo central das Representações Sociais sobre a Moradia
e o Direito à Moradia e os elementos que formam seu sistema periférico.
Os elementos do sistema periférico foram, nos estudos, classifi-
cados em: 1º Nível (elementos que explicam ou reforçam o sentido
do núcleo central), 2º Nível (elementos que ilustram contingências
concretas ou referentes a experiências pessoais sobre o tema) e Obje-
tivações (articulações ou assimilações elaboradas pelos participantes
para “neutralizar” o sistema).
Os nomes dos Técnicos Sociais e dos Beneficiários que aparecem ao lon-
go deste trabalho foram alterados a fim de não identificar os participantes.

125 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Participantes

As nove Técnicas Sociais entrevistadas neste estudo eram mulheres,


todas assistentes sociais (Tabela 1). Em média, trabalhavam na área desde
2008 e todas possuíam experiência de trabalho em outros projetos habi-
tacionais estatais em comunidades de baixa renda. A escolha do grupo
de Técnicas Sociais seguiu o critério de ser um profissional contratado
pela Prefeitura para executar os projetos estatais de habitação na área.

Tabela 1. Dados das Técnicas Sociais entrevistadas no Estudo 1

Nome Tempo de experiência com Tempo de trabalho no bairro


Idade (em anos)
(fictícios) trabalho comunitário Santa Maria
Sandra 31 4 meses 4 meses
Elisa 36 4 anos 3 anos
Carla 45 21 anos 2 meses
Elen 36 15 anos 3 anos
Maria 30 10 anos 3 anos
Mariana 31 6 anos 4 meses
Juliana 27 6 anos 1 ano
Sofia 47 4 meses 4 meses
Carina 45 3 anos 2 anos

As Beneficiárias entrevistadas foram mulheres com idade média de


37 anos, sendo uma estudante, uma aposentada, duas donas de casa,
uma secretária, uma operária e as demais trabalhadoras autônomas. O
critério de escolha para este grupo foi estar cadastrado como Beneficiá-
rio nos projetos de habitação e residir no bairro Santa Maria. A escolha
dos entrevistados foi aleatória, a partir de uma relação com nomes e
indicação de endereços fornecida pelos Técnicos Sociais.

126 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Tabela 2. Dados sócio-demográficos dos Beneficiários entrevistados no Estudo 1

Tempo de
Nomes Idade Invasão Com quem
Ocupação Estado Civil residência
(fictícios) (em anos) onde mora mora
no bairro
Marido e três Dona de
Clarisse 37 Arrozal Casada 2 meses
filhos casa
Feirante e
Fátima 42 Marivan Cinco filhos Separada 10 anos
catadora
Marido e cinco
Gilda 30 Arrozal Catadora Casada 13 anos
filhos
Marido, três Dona da
Graça 37 Marivan Casada 13 anos
filhos e uma nora casa
Ivaci 57 Marivan Um neto Aposentada Separada 20 anos
Josefa 53 Água Fina Um filho Catadora União Estável 30 anos
Marido e um
Márcia 37 Arrozal Operária Casada 5 anos
filho
Maria 25 Gasoduto Dois filhos Secretária Separada 25 anos
Paula 18 Arrozal Mãe e um irmão Estudante Solteira 18 anos

Procedimentos

Foram utilizados dois roteiros de entrevistas semiestruturadas, um


para as Técnicas Sociais e outro para as Beneficiárias, com variações que
permitissem a adequação das perguntas ao tipo de envolvimento do
sujeito com o fenômeno estudado.
A utilização de entrevistas semiestruturadas se justifica neste estu-
do porque permite uma maior liberdade e espontaneidade no discurso
do informante, às vezes, “enriquecendo a investigação” (TRIVIÑOS,
1987, p. 146).
As entrevistas com Técnicas Sociais e Beneficiárias tiveram a duração
média de 40 minutos e foram gravadas, em áudio, com consentimento
prévio, após esclarecimento sobre o sigilo das informações, o objetivo
e a Instituição de vinculação da pesquisa. As entrevistadas, Técnicas
Sociais e Beneficiárias, assinaram o Termo de Consentimento Livre e

127 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Esclarecido. Todos os demais procedimentos éticos na pesquisa com
seres humanos foram adotados e seguidos nesta pesquisa, seguindo a
resolução CNE nº 196.

Análise dos dados

Concluídas as entrevistas, e após sua transcrição, procedemos a uma


leitura preliminar do material e, em seguida, as falas das entrevistadas
foram categorizadas em três temas: 1) Moradia, 2) Bairro, e 3) Interven-
ção Estatal. Seguimos, neste procedimento, Spink (2007) ao afirmar que
o tratamento dos dados “mais apropriado no caso de representações
complexas, é mapear o discurso a partir dos temas emergentes” (p.131).
A análise categorial realizada neste Estudo foi embasada nos pressupos-
tos metodológicos apresentados por Bardin (1977) e nos pressupostos
da Teoria do Núcleo Central das Representações Sociais.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A casa, a vida e a cidadania

Perguntamos às Beneficiárias há quanto tempo residiam no bairro.


Seis delas afirmaram que residiam nas Invasões do bairro, há alguns anos;
duas disseram vir de outras Invasões, no bairro vizinho, há poucos meses,
após indenização em outra intervenção estatal, e uma relatou que residia
no centro da cidade, em prédios abandonados, ou seja: são pessoas que
vivem numa realidade de condições materiais precárias há algum tempo.
Perguntamos em seguida às Beneficiárias como elas descreveriam
o bairro Santa Maria e como era o cotidiano delas no bairro. As Benefi-
ciárias em geral se queixaram do local pelo acesso precário aos serviços
básicos como educação, lazer e saúde. A falta de segurança pública
nos locais visitados também foi citada. Segundo a Beneficiária Josefa,

128 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
moradora da Invasão da Água Fina, “os policiais ficam só na avenida. Não
descem na Invasão, não”. A coleta de lixo também não adentra nas ruas
das Invasões e, conforme a Beneficiária Maria, moradora da Invasão do
Gasoduto, “as pessoas também não colaboram”. Ela se referia ao fato de
as pessoas colocarem lixo nas ruas e nos terrenos baldios mesmo em
ruas onde existe coleta regular.
Outro aspecto levantado pelas moradoras foi sobre a falta de sanea-
mento básico. As ruas das invasões, em sua maioria, são becos que se
situam em locais baixos e próximos a canais de drenagem que, além
das águas das chuvas, recebem irregularmente os esgotos das casas. Em
dias de chuva, essas ruas ficam alagadas ou enlameadas, destruindo os
poucos bens daquelas famílias, além de causarem riscos à saúde.

Fica vindo chuva, enchente e tudo mais. A água mesmo é de um


jeito que ela infiltra por dentro. (Clarisse. Beneficiária moradora da
Invasão do Arrozal.)

Eu olho assim... Sei que passo dificuldades. Pior é quando você olha
aí e vê tantas famílias com criança pequenininha, 3, 4, e com a água
aqui (aponta para o joelho). Não poder sair, os meninos ficam em
cima de uma cama o tempo todo. E você sabe como é criança. (Márcia.
Beneficiária moradora da Invasão do Arrozal.)

Na rua onde fica a casa da entrevistada Josefa, na Invasão da Água


Fina, não havia pavimentação e alagava quando chovia. Na ocasião
da entrevista, a rua estava toda enlameada e tivemos dificuldade para
conseguir chegar à casa dela. No entanto, de acordo com a entrevistada:

Antes, sim. O barraco era bem pequeno e baixo. Mas meu marido, um
dia derrubou tudo e levantou esse. Ficou muito bom. Aí a água não
entra mais e nem a gente fica batendo a cabeça no teto. Só o quarto
que tava minando água. Mas, eu consegui na casa de uma mulher
uns cascalhos e vou espalhar pela casa toda. (Josefa. Beneficiária
moradora da Invasão da Água Fina.)

129 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Nas entrevistas, houve menção ainda a ataques de bichos, em de-
corrência da falta de urbanização nos locais visitados. Na Invasão do
Marivan, ouvimos relato sobre um ataque de lontra. O animal, segundo
as entrevistadas Graça e Fátima, morava na maré e tinha chegado à In-
vasão pelo canal de drenagem. No início, as pessoas acharam engraçado
“aparecer uma foquinha ali”. Mas, imediatamente, a lontra perseguiu
as pessoas que fugiram, sem entender nada, para dentro dos barracos.
Segundo a moradora Graça, a lontra teria, inclusive, tentado atacar suas
filhas pequenas quando o vizinho interveio, atraindo o animal para longe
das meninas. Segundo ela, oito pessoas foram atacadas e tiveram que
tomar vacina antitetânica.

A lontra não tinha pé e botou todo mundo para correr. Parecia uma fo-
quinha. Os meninos falaram: Olha, que bonitinha a foquinha! Mas aí
ela correu atrás de todo mundo. (risos) E ela ficou dando cabeçada na
porta da mulher querendo entrar no barraco, queria pular as janelas.
Teve gente que subiu na árvore e ela pulava querendo morder (risos).
Na hora não foi engraçado, foi um alvoroço. Mas hoje é engraçado.
(Graça. Beneficiária moradora da Invasão do Marivan.)

Em outras Invasões, a situação é semelhante quanto à presença de


ratos e formigas. Na Invasão do Arrozal, a moradora Márcia chegou a
murar o quintal na esperança de não ter mais ratos entrando em casa.
Aparentemente, sua casa tem melhor qualidade do que os barracos visi-
tados, por ser de alvenaria. Porém, no fundo do imóvel passa um canal
de drenagem e quando chove a água chega a quase meio metro. Então,
o problema se torna mais grave devido ao risco de desabamento, visível
nas paredes rachadas e no chão que está cedendo.

A gente fez isso também por causa dos ratos. Se você visse o tama-
nho dos ratos que era, enorme. Eu não ia no quintal de noite que eu
tinha medo. Era arriscado a gente correr. O muro evita os ratos, mas
o dinheiro foi todo jogado fora. (Márcia. Beneficiária moradora da
Invasão do Arrozal.)

130 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Por outro lado, não observamos, nas entrevistas com as Beneficiárias,
nenhuma associação entre a falta de infraestrutura nas Invasões com
desejo de sair do bairro, de mudar para outro local na cidade.
Quando perguntamos às Técnicas Sociais como descreveriam o bairro
Santa Maria, elas fizeram menção principalmente à falta de infraestrutura
e à presença de animais nocivos.

As casas não têm energia, água. Eles não pagam nada disso. As ruas
antes nem eram calçadas, era tudo lama. (Sandra. Técnica Social)

Nós chegamos em um barraco e tinha um cavalo dentro. Mas é que


eles usavam o cavalo para ajudar no trabalho, de catar reciclado, e
não tinham onde guardar. (Sofia. Técnica Social.)

Na Invasão do Marivan, quando eu fui fazer um cadastro, me


contaram que um rato teria roído o pé de um recém-nascido. (Elen.
Técnica Social).

Ao questionarmos sobre o bairro (“como você descreveria o bairro


Santa Maria?”) observamos duas tendências de resposta para cada grupo
de entrevistados: enquanto as Beneficiárias consideravam o Santa Maria
um bairro “normal”, “como outro qualquer”; para as Técnicas Sociais,
ocorreu uma alteração na representação que possuíam sobre o local após
terem ido trabalhar ali.
As Técnicas Sociais informam que, em seu contato inicial com
o bairro, experimentaram certo receio. Segundo Sofia, “tinha medo
de respirar mais forte”. Outra Técnica Social, Maria, mais antiga na
área, disse que, “no início parecia que não estava em Aracaju, parecia
que estava em outro lugar”. As Técnicas Sociais Sofia, Maria e Elisa
mencionaram que o Santa Maria era muito diferente dos locais onde
moravam, nos bairros Jardins, São Conrado e Atalaia, nos quais existe
boa infraestrutura e acesso a serviços. Para elas, o bairro Santa Maria é
segregado do resto da cidade por estar ligado à ideia de violência. Esta
observação corrobora a pesquisa realizada por Correa e colaboradores
(2005), na qual se investigou a visão que moradores de Aracaju teriam

131 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
sobre o bairro e as categorias mais citadas foram: pobreza (25%), violência
(19%) e horror (15,5%).
Quando questionamos qual a visão que as Técnicas Sociais teriam
sobre o bairro, a maioria fez menção à carência, material e emocional,
que as pessoas dali transmitem. Para elas, o bairro não é violento, apesar
de acreditarem que é esta a visão que o restante da cidade tem dele. Elas,
que transitam por todo o bairro, não o consideram violento, mas relatam
que os moradores em geral têm preconceito com relação à Invasão do
Morro do Avião.

No próprio bairro, tem uma discriminação de quem mora no Morro


do Avião. Tipo: “Morar do lado de uma pessoa do Morro do Avião...”.
(Sofia. Técnica Social)

Eu trabalho no Morro e eles mesmos têm preconceito. Têm pessoas


que moram no Arrozal que dizem: “Eu não quero morar no conjunto
porque não quero ficar junto de uma pessoa do Morro do Avião.” Existe
essa divisão. (Mariana. Técnica Social)

Lá no Morro mesmo, as pessoas colocam que lá é violento. A gente


passou dois anos lá e nunca a gente viu nada, nunca ninguém tentou
fazer nada com a gente. A gente andava com câmera e tudo. E nunca
ninguém tentou nada contra a gente. (Sandra. Técnica Social.)

As Beneficiárias entrevistadas, por sua vez, não consideraram o bairro


violento. Houve alguns relatos de episódios de violência, mas não foram
considerados como característicos do local. Algumas beneficiárias, po-
rém, mencionaram outros locais do bairro como sendo violentos.

A Invasão do Arrozal não é violenta; violento é o Padre Pedro. (Paula.


Beneficiária moradora da Invasão do Arrozal.)

Aqui só é bom por isso, não tem violência, não tem briga. Agora pra
onde tem muita briga, violência, é pros lados do Santa Maria. (Gilda.
Beneficiária moradora da Invasão do Arrozal.)

Não acho aqui violento não. Desde que eu tenho 7 anos que eu moro
aqui. Tem violência, mas não é assim não. (Maria. Beneficiária mo-
radora da Invasão do Gasoduto.)

132 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Assim, o bairro Santa Maria, para seus moradores, divide-se em
diferentes lugares que, para além da área física, são espaços simbólicos
construídos sobre “sentidos de pertencimentos” (LEITE, 2009, p. 19).
Alegando-se que a violência está em outra Invasão, os moradores buscam
fugir do preconceito associado a esta representação e, mais ainda, buscam
assim viver longe da violência e se sentirem mais seguros.
A violência é uma característica fluida que atravessa fortemente a re-
presentação do Bairro, mas que não pode ser localizada por sempre estar
vinculada a outro lugar. Para a cidade de Aracaju, a violência encontra-se
no aludido bairro; para quem mora nele, a violência está em outra Invasão.
E, ainda, para quem percorre todas as Invasões, está em casos isolados
e transituacionais (genética ou índole). Dessa forma, observamos que a
violência é antes um valor simbólico negativo que um fato concreto e
que, ao aparecer nas representações sobre o bairro, revelam o quanto de
significado esta marca impregna ao cotidiano.
Outro aspecto investigado nas entrevistas foi sobre o morador. Ao
perguntarmos às Técnicas Sociais como elas descreveriam o morador do
bairro Santa Maria, a maioria demonstrou sentimento de pena. O mora-
dor, para elas, era uma pessoa sofrida, carente, que precisava de ajuda.

É um pessoal carente, muito carente. E, por serem carentes, muitos


deles se apegam muito. Fazem da gente uma tábua de salvação.
(Sofia. Técnica Social.)

Eu tava até analisando, na palestra da lei Maria da Penha, enquan-


to não começava a palestra e dava para ver nos olhos o sofrimento
daquelas mulheres. Eram olhos cansados, tristes, sem força. (Carina.
Técnica Social.)

De pobreza, miséria, de lágrima nos olhos, de falta de confiança de


que vai acontecer. Falta de carinho, de amor ao próximo. (Juliana.
Técnica Social.)

Para as Técnicas Sociais, o morador é representado como “uma


pessoa comum, nem boa, nem má”, receptivo e educado, reforçando a

133 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
representação do bairro como não violento. Assim, verificamos que,
entre as representações contraditórias, o Santa Maria como violento
e como não violento, firma-se um espaço de tensão e as representa-
ções elaboradas se estabelecem numa tentativa de tornar coerente o
fenômeno. Através de um jogo de forças, as representações dialogam
e despertam um interesse que vai além da necessidade de equilíbrio
cognitivo, mas se insere na esfera do afeto.

Mas, são pessoas que valorizam muito a palavra, a honra. Quando se


comprometem com alguma coisa, por exemplo, ir a uma reunião ou
participar de algum curso, empenham sua palavra. É a honra dela que
está expressa ali naquele momento. É a garantia de sua honestidade.
(Maria. Técnica Social.)

Pessoas que são decentes. A gente não vai generalizar, porque tem
aquele lado ruim, mas tem um lado bom. São pessoas que estão bus-
cando melhorar de vida, ter uma perspectiva. Sempre com esperança
de que alguma coisa vai acontecer para eles. (Elen. Técnica Social.)

Quando você chega e vê... Você lida com gente com depressão... Você
vê o desespero das pessoas que ao chegar em casa, abrem a geladeira
e só tem água. Você vê como essas pessoas, muitas delas, a coragem
com que elas enfrentam isso, você se sente tão pequenininha... E aí
coisas que você dava importância tão grande, aí você passa a não dar
tanta importância. (Sofia. Técnica Social.)

A questão da violência foi justificada também de forma a não com-


prometer esta visão que se tem dos Beneficiários. Para as Técnicas Sociais,
os casos de violência ou de criminalidade são, em sua maioria, reações
de pessoas às dificuldades do meio, “questão de sobrevivência”, ou ainda
algo do âmbito da genética.

Vemos que são pessoas carentes que usam de subterfúgios para so-
breviver. São pessoas que necessitam de apoio. Mas são pessoas de
boa índole. Outras, por questões genéticas (eu acredito nessa questão
da genética) não são fácil de ser trabalhadas. (...) Eu acho que existe

134 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
mesmo um fator genético para explicar certas pessoas que se envolvem
em crimes. (Maria. Técnica Social.)

E tudo se dá realmente em consequência da condição mesmo em que


eles vivem. Da falta mesmo de Políticas Públicas no Bairro, dessa falta
mesmo de estrutura no Bairro, essa condição que eles vivem de morar
em barraco, de não ter um emprego, não ter uma renda garantida
para tirar sua própria sobrevivência; tudo vem em consequência
disso. (Elisa. Técnica Social.)

Porém, apesar das Técnicas Sociais representarem o morador desta


forma, elas, assim como algumas beneficiárias, ressaltaram que acredi-
tam existir um preconceito dos moradores de outros bairros da cidade
contra o morador do Santa Maria.

As pessoas já acham que já vai roubar. (Sandra. Técnica Social)

Quem mora em Invasão é como se não existisse. Eu moro aqui por-


que sou obrigada. Não é opção, não. A gente é invisível. Não pode
dizer onde mora. Não pode ter um cartão. Quando diz que mora em
Invasão, é tratado como indigente. (Fátima. Beneficiária moradora
da Invasão do Marivan.)

O exercício da cidadania aparece na fala da moradora Fátima asso-


ciado à existência de um registro civil e de um endereço fixo, condições
materiais, mas que conferem ao indivíduo um lugar na sociedade. O
morador de uma Invasão sofre duplamente por não ter acesso aos ser-
viços básicos necessários, direitos de todos os que vivem em cidades,
e pela representação negativa que lhe é associada. Fátima, Beneficiária
entrevistada, acredita que quando receber a sua nova moradia, tendo
assim, por consequência um endereço oficial, poderá obter um cartão
de crédito que, para ela, representa poder consumir e ter valor social.
Neste sentido, observamos, em algumas entrevistas, que existe uma
crença na qual o comportamento do morador aparece como um fator
importante na representação, que moradores de outros bairros da cidade
terão sobre o bairro, e na inclusão social dos moradores do Santa Maria.

135 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Os participantes acreditam que seria preciso trabalhar “para mostrar para
o povo de fora que o Santa Maria também tem coisa boa. Que não tem só
bandido” (Sofia. Técnica Social):

Eu quero aprender a escrever para poder assinar meu nome. Aí,


com endereço e sabendo assinar meu nome eu vou poder chegar nas
lojas e ter meu cartão. (Graça. Beneficiária moradora da Invasão
do Marivan).

A gente vai estar trabalhando a questão do... porque não é só a questão


das casas, mas a construção de novos valores, novos hábitos, que a
gente pretende com todo esse trabalho. (Elisa. Técnica Social).

Quando perguntamos às Beneficiárias como elas descreveriam os


moradores do bairro Santa Maria, a maioria respondia que gostava dos
vizinhos e achava as pessoas do bairro, comuns. Duas entrevistadas,
Maria e Josefa, moradoras da Invasão do Gasoduto e da Invasão da Água
Fina, relataram que se incomodavam muito com o barulho que todos
faziam nas Invasões, ligando o som alto ou gritando. Segundo uma delas,
as brigas entre vizinhos são frequentes, e alega “o povo daqui não tem
educação em nada”.
Quando as Beneficiárias entrevistadas se referiam aos moradores, em
geral, percebemos muitas falas evasivas como “aqui tem muito ‘mafioso’,
mas eles respeitam”, “as pessoas daqui não são civilizadas” ou “são tudo
legal”, “aqui mora a família tudo pertinho” seguidas por mudança de
tema na conversação.
Observamos então que as representações sobre o morador em
muito segue a mesma lógica das representações sobre a violência:
o morador é visto pela cidade como um criminoso. Para as Técnicas
Sociais, a criminalidade seria decorrente de contingências e não esta-
ria necessariamente associada ao fato de ser morador do bairro Santa
Maria (poderia aparecer como uma forma de sobrevivência ou como
um fator genético). A diferença ocorreu entre as Beneficiárias que,
apesar de mencionarem que a violência estava em outros lugares do

136 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
bairro com relação ao preconceito, afirmavam que estaria associado
ao local onde moravam.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, observamos que as representações sociais sobre mo-


radia apresentavam tanto aspectos físicos da casa quanto do bairro,
questões sociais que atravessavam o seu cotidiano e aspectos políticos,
vistos através das falas sobre os projetos habitacionais. Observamos que
as representações sociais sobre a casa e o bairro foram construídas diante
de variadas contingências e temas que se entrecruzavam, como violên-
cia, preconceito e condições precárias de habitalidade. Porém, tanto as
contingências físicas quanto a questão da violência são apresentados
em casos isolados, transituacionais e, muitas das vezes, justificados pelo
“destino”, “genética” ou “caráter” dos envolvidos.
As Representações Sociais sobre a moradia e o bairro Santa Maria para
Técnicas Sociais e Beneficiárias refletem, neste estudo, um sentido de
Vunerabilidade como seu elemento central. A vulnerabilidade se refere
tanto aos aspectos precários das moradias e do bairro, quanto à falta de
acesso a serviços básicos ao cidadão e a aspectos simbólicos, como o
preconceito e a violência.
Para as Técnicas Sociais, a vulnerabilidade se refere a aspectos físi-
cos como infraestrutura, saneamento e condições físicas das moradias;
assim como a aspectos sociais, objetivados, sobretudo, por expressões
como “cansado”, “tristeza” e “preconceito” que atingem os moradores do
bairro. Segundo as Técnicas Sociais, as condições de moradia no bairro,
em seus aspectos físicos e sociais, serão melhoradas através dos proje-
tos habitacionais. Com relação ao preconceito, as Técnicas colocaram a
questão sobre uma ótica essencializante, as pessoas seriam “boas” ou
“más”. Os crimes, quando cometidos por “pessoas más”, seriam devido

137 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
à sua “genética” ou “índole”; mas, quando cometidos por “pessoas boas”,
seriam em decorrência da necessidade de sobrevivência.
As Beneficiárias representam a moradia e o bairro através de vulnera-
bilidade, relacionada a aspectos físicos (ataques de bichos, riscos cons-
trutivos, infraestrutura) e sociais (preconceito e exclusão social). Nessas
objetivações, observamos uma crença de que através do “afastamento”
da violência, através do trabalho e de medidas paliativas na manutenção
das moradias era possível um sentimento de inclusão social. Todavia,
observamos ainda uma descrença com relação à atuação do Poder Público
e incerteza sobre os projetos habitacionais dos quais são beneficiárias.
No geral, em nosso estudo, observamos que a mudança desses Bene-
ficiários para as novas moradias e para um local com melhor infraestru-
tura foi representado pelas Técnicas Sociais como um fator de melhoria
concreta dos índices sociais (oportunidade para acesso a emprego e à
educação) e diminuição da violência (roubos, violência doméstica). Para
os Beneficiários, a mudança foi representada como um fator que poderá
possibilitar melhorias nas condições materiais da moradia (ruas pavi-
mentadas, casas sem risco de enchentes) e diminuição do preconceito
que é associado a uma violência que não existiria nas Invasões, segundo
os Beneficiários, nas formas e proporções imaginadas.
A moradia e o bairro, para ambos os grupos, foram representadas
em seus aspectos conjunturais. Não observamos nenhuma tentativa
de entender em um nível macro, como aspectos históricos, políticos
ou econômicos interfeririam na realidade em que vivem os moradores
do Santa Maria. Da mesma forma, não observamos formulações que
dessem aos projetos habitacionais um sentido de reparação social.
Para Técnicos Sociais e Beneficiários, as casas eram ofertadas àquela
população devido à demanda que, em todo momento, apareceu descon-
textualizada da conjuntura econômica e social. Apesar disso, podemos
inferir que as representações sociais sobre a moradia e sobre o bairro,
construídas pelos sujeitos, lhes permitiam uma visão “coerente” e
“aceitável” sobre o contexto que se lhes apresentava. Em pesquisas

138 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
futuras, tencionamos investigar eventuais transformações nas repre-
sentações sociais da casa e do bairro, depois da entrega das unidades
habitacionais às beneficiárias entrevistadas.

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139 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


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140 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
CAPÍTULO 7

Efeitos de primings de crime


no viés racial na identificação de armas
entre estudantes e policiais

MARCOS EMANOEL PEREIRA


GILCIMAR SANTOS DANTAS

O objetivo deste estudo foi verificar os efeitos dos primings de crime


no viés racial, na identificação/desidentificação de armas (PAYNE, 2001).
Para isto, uma amostra de policiais (n = 80) e outra de estudantes (n = 77)
foram alocadas em grupos experimentais submetidos aos primings de
crime, de redução de crime e o grupo controle. Os primings de crime
não apresentaram efeito na expressão do viés racial na identificação de
armas, porém, ao analisar este efeito em cada categoria, verificou-se que
os policiais apresentaram mais vieses do que os estudantes na identifica-
ção de armas. Questões sobre priming, preconceito racial e o paradigma
da identificação/desidentificação de armas são analisadas e discutidas.
Em Avaré, 2012, um cabo da Polícia Militar atirou em um homem
negro após confundir sua bíblia com uma arma, matando-o. Paralelo
a esta informação, sabe-se que das mais de 40.000 pessoas vítimas de
homicídio no Brasil, 33.256 são negras, das quais 25.000 são assassinadas
por armas de fogo (WAISELFISZ, 2013) e do total dos mortos por arma
de fogo, a polícia é responsável por 3.000 das mortes registradas, que

141 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
costumam ser categorizadas como “sem explicação aparente” (ANUÁRIO
BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2013).
Tais casos ocorrem ou de maneira deliberada ou por outros pro-
cessos, mediados pelo preconceito racial, conduzindo a determinadas
ações sem que nem mesmo aquele que disparou uma arma se dê conta
de que foi influenciado pelo preconceito? Alguns conceitos podem
ajudar neste entendimento.

RACISMO

O racismo, apesar de também se caracterizar por uma atitude discrimi-


natória e hostil contra membros de outros grupos (ALLPORT, 1954/1979),
possui mais algumas características que vão um pouco além da perspecti-
va do preconceito (ZÁRATE, 2009). O racismo seria uma forma particular
de preconceito que, além da adesão a atitudes positivas e negativas de
julgamentos ou sentimentos sobre uma pessoa e sobre o grupo o qual
ela faz parte, é acrescido de mais três construtos: 1) a classificação de
raças, a partir de fatores biológicos; 2) a premissa da superioridade de
uma raça sobre a outra; e 3) a racionalização de práticas institucionais e
culturais que formalizam a dominação de um grupo racial sobre outro
(JONES, 1972).
Entre os processos que contribuem para a manifestação do racismo
está a categorização, que se caracteriza pela alocação de indivíduos em
categorias sociais, a partir de atributos como características físicas, sta-
tus social, ou qualquer outra informação que se torne acessível à mente
quando se percebe o indivíduo alvo (MACRAE; BODENHAUSEN, 2001).
Mas, para que este processo ocorra, é necessário ter a noção da existência
de grupos e uma identificação com algum desses grupos, uma perspectiva
avaliativa decorrente dessa identificação e um investimento emocional,
tanto na identificação quanto na avaliação do próprio grupo (TAJFEL, 1982).

142 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Ambos os processos podem gerar consequências, tais como infe-
rências que sugerem a estabilidade e inevitabilidade de alguns padrões
de conduta, levando ao surgimento da crença de que determinados
grupos humanos são percebidos como detentores de características
imutáveis, quase naturais, denominadas de crenças essencialistas
(HASLAM; BASTIAN; BISSETT, 2004). Por fim, estes processos podem
sustentar justificativas com o intuito de manter o status quo e de racio-
nalizar ações discriminatórias (CRANDALL; BAHNS; WARNER, 2001).
Neste sentido, o indivíduo racista categorizaria uma pessoa como um
membro de uma determinada categoria social (negro), o perceberia como
pertencente a um grupo distinto do seu, que poderia levá-lo a fazer avalia-
ções sobre o seu comportamento, a partir de crenças que o ajudariam a ver
tal indivíduo detentor de características imutáveis, o que justificaria uma
determinada condição social, a partir desta percepção (ZÁRATE, 2009).
No Brasil, apesar de o eugenismo tradicional ser defendido por alguns
intelectuais e não ser relacionado à intolerância, até a década de 1940, este
não era o único meio utilizado com o intuito de lidar com um país com uma
população negra expressiva (DIWAN, 2007). Este contexto tornou a pers-
pectiva da miscigenação plausível para “resolver” o problema da maioria
negra na população brasileira, ganhando força após a escravização, dando
origem ao processo do branqueamento (AZEVEDO, 1987). Apesar de este
projeto ter sido colocado em prática, o seu objetivo final não foi alcançado,
porém, a perspectiva da miscigenação não só passou a ser assimilada,
como bem vista por parte significativa da população (TELLES, 2003).
Isto foi base para uma expressão do racismo conhecida como racismo
cordial (RODRIGUES, 1995), caracterizado por atitudes e comportamentos
discriminatórios contra indivíduos não brancos, camuflados por uma
polidez presente nas relações interpessoais, que se manifestam por meios
de ditos populares, brincadeiras e piadas de cunho racial (LIMA; VALA,
2004). Neste contexto, pelo fato de não ser visto como um problema do
brasileiro, muitas pessoas tendem a não se sentirem individualmen-
te responsabilizadas pelo racismo, pois não se consideram racistas

143 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
(CAMINO et al., 2000). Partindo do princípio de que no Brasil todos são
miscigenados, esta forma de preconceito prega que não há racismo,
pois todos os brasileiros teriam origens raciais comuns (TELLES, 2003).

AUTOMATISMO, CONTROLE
E IDENTIFICAÇÃO DE ARMAS

Smith e DeCoster (2000) propuseram um modelo de processo dual


subdividido em processos baseados em regras (ruled-based process) e
processos baseados em associação (associative-based process). O primeiro
deles seria consequente de um longo período de aprendizado a respeito
de um objeto, o que levaria a uma evocação associativa entre ele e de-
terminados atributos, ocorrendo de maneira rápida, sem esforço e sem
que o indivíduo tivesse consciência disto. O segundo processo requereria
esforço e a evocação intencional, explícita e simbolicamente represen-
tada a respeito de um dado objeto.
Evans (2008) traz uma análise mais complexa destes processos, ao
afirmar que as pessoas podem não estar a par de muitos estímulos, pois
estes podem ser subliminares, levando-as a não terem noção do que
influencia os seus estados subjetivos e, por sua vez, serem incapazes
de interpretar o fenômeno. Em alguns casos, mesmo que as pessoas
tenham condição de reconhecer o estímulo e estimar a sua valência,
uma série de atitudes e comportamentos pode ser disparada fora do
controle desses indivíduos. Entretanto, ao reconhecerem que o estimulo
influencia certas atitudes e comportamentos, ao notar os efeitos nega-
tivos de categorizações estereotipadas e reconhecendo-se um esforço
em suprimir a continuidade de tais efeitos, é possível que haja controle
sobre os automatismos.
Na psicologia social, os estudos referentes às expressões implíci-
tas e explícitas do processamento de informação demonstram que os

144 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
processos controlados são analíticos e fazem uso de características
específicas do alvo no momento da categorização, enquanto que os
automáticos se manifestam de maneira rápida quando se está em um
determinado contexto ou frente a um determinado alvo (DEVINE;
SHARP, 2009). Uma vez ativada a cognição automática torna-se difícil
de suprimir, gerando facilitações que contribuem para avaliações,
julgamentos e decisões tendenciosas.
Uma das ferramentas usadas nos estudos sobre automatismo e con-
trole é o priming, que é um estímulo apresentado antes do objeto alvo
com o qual se espera que aconteça uma associação. Se o participante da
pesquisa em questão possuir uma atitude em relação a um dado objeto
e se for apresentado alguma expressão ou imagem culturalmente rela-
cionada a esse objeto, é possível que este participante perceba tal objeto
mais rápido ou o avalie mais intensamente (OLSON, 2009). De todo modo,
alguns primings também costumam ser usados para causar uma associa-
ção que diminua a expressão dos estereótipos (STEWART et al., 2010).
Em alguns estudos, a apresentação do priming é por um breve período
de tempo, normalmente entre 150 e 300 milésimos de segundo, em uma
tela de computador, e este mesmo priming é seguido por um objeto alvo
que seria uma palavra com uma conotação positiva ou negativa – como
terrível ou maravilhoso – ou algum tipo de imagem com alguma conotação
neutra ou negativa – como uma arma ou um objeto – (OLSON, 2009). Nos
estudos que utilizam este procedimento, o participante da pesquisa pre-
cisa responder o mais rápido possível e, quanto mais rápida a associação
entre uma categoria alvo de preconceitos com alguma expressão ou ima-
gem culturalmente negativa, supostamente, maior seria o preconceito.
Outra forma de se utilizar o priming é permitir ao participante o
acesso à determinada informação antes que ele responda às questões de
interesse da pesquisa, com o intuito de que as respostas venham a sofrer
alguma influência das atitudes suscitadas por tal informação (RATTAN
et al., 2012). Assim, se o pesquisador deseja saber qual a postura diante
dos meios de punição, levando em consideração o racismo, poderá ser

145 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
exposta ao participante uma história de crime na qual
o protagonista será branco ou negro antes de ele res-
ponder às questões de punição. O que se espera é que
haja diferenças de resposta entre quem foi informado
que o protagonista da história era branco e quem foi
informado que o protagonista da história era negro.
Até a segunda metade da década de 1980, utilizava-se
uma medida específica para se ter uma estimativa do
automatismo e outra para se estimar o controle (JACOBY,
1991). Além disso, se utilizassem uma mesma medida,
quando queriam estimar o controle, submetiam os
participantes a uma condição cujo tempo para respos-
ta seria generoso e a outra condição com tempo mais
restrito para estimar o automatismo (DEVINE, 1989). Os
problemas relacionados a estes métodos se referem ao
fato de se tratar o automatismo e controle como proces-
sos puros, acreditando-se que diferentes métodos não
interfeririam nos resultados e que os seus efeitos eram
independentes (DEVINE; SHARP, 2009).
Para lidar com esse problema, Jacoby (1991) desen-
volveu o Procedimento do Processo Dissociativo (PDP),
partindo do princípio de que os vieses automáticos e
controlados não são literalmente excludentes um do
outro, mas sim que um pode ser soberano ao outro,
dependendo da condição a qual o indivíduo esteja
submetido. Payne (2001) adaptou este procedimento ao
paradigma da inescapabilidade (método que submete os
participantes a responderem a um estímulo percebido
em até 800ms1), no intuito de utilizá-lo no seu instru- 1 Milésimos de Segundo (ms).

mento de identificação/desidentificação de armas.


Esse instrumento busca analisar a expressão dos
estereótipos raciais na identificação de armas, a partir

146 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
de relações congruentes (face negra/arma; face branca/utensílio) e incon-
gruentes (face negra/utensílio; face branca/arma), no tempo de resposta,
na acurácia e nos vieses. Na fase controlada, o participante teria tempo
ilimitado para responder à tarefa e na fase automática o limite de tempo
seria inferior a 500 milésimos de segundo. A adaptação de Payne (2001)
utiliza os resultados referentes apenas aos acertos nas fases com e sem
limite de tempo para o cálculo dos vieses.
A partir do cálculo do PDP, o ajuste se refere aos resultados cujo
sucesso foi decorrente da intenção do participante, enquanto que o
viés é relativo aos resultados decorrentes da influência da “raça” da
face. Ou seja, o ajuste ocorreria quando o participante acertasse uma
arma ou um utensílio independente da face que os precedessem fosse
branca ou negra, enquanto que o viés (A) ocorreria quando o partici-
pante confundisse um utensílio com uma arma, quando este fosse
precedido por uma face negra, e uma arma com um utensílio, quando
fosse precedido por uma face branca.
Partindo desta perspectiva, Payne (2001) realizou uma pesquisa
utilizando o paradigma da identificação/desidentificação de armas,
cujos resultados mostraram que, quando foi utilizado o PDP, no viés
automático, a maioria das vezes, os participantes confundiam um
utensílio com uma arma quando era precedido por uma face negra, em
comparação à face branca. Já no ajuste, os participantes conseguiam
diferenciar apropriadamente armas de utensílios, fossem eles prece-
didos por faces negras ou brancas.
Estudos recentes, baseados no paradigma da identificação de
armas, têm focado em responder quais processos subjazem à identi-
ficação de armas e não apenas em saber as variações na aplicação do
paradigma (BRADLEY; KENNISON, 2012; CORRELL et al., 2015). Neste
sentido, a introdução da variável crime (como priming) poderia contri-
buir para o aumento do viés racial na tarefa de identificação de armas?
E já que a aplicação de determinados tipos de primings podem diminuir

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a contemporaneidade em temas clássicos
preconceitos (STEWART et al., 2010), a aplicação de um priming positivo
poderia diminuir o racismo automático na identificação de armas?
Com base no que foi exposto até então, o presente estudo se subdivide
em quatro momentos de análise, dois na fase controlada e dois na fase
automática, com o intuito de verificar qual o efeito dos primings de cri-
me na identificação de armas, em uma amostra de policiais, e outra, de
estudantes. A escolha da amostra de policiais foi decorrente da carência
de estudos nas ciências humanas que façam menção à polícia, tornando
importante a produção de dados empíricos, no intuito de alcançar maior
interação entre policiais e sociedade (NASCIMENTO; TORRES; PIMENTEL,
2011). A amostra de universitários foi escolhida com o intuito de servir
como parâmetro frente à amostra de policias e para fazer uma comparação
com a literatura. Por fim, têm-se as seguintes hipóteses:
Hipótese 1. Em decorrência do efeito de facilitação, espera-se que
o priming de um crime suscite um maior nível da medida de viés de
um utensílio no momento em que a face negra preceder, quando com-
parado com a condição de controle e com a condição de recuperação,
ao tempo em que se espera que nenhuma das faces cause impacto na
medida de ajuste.
Hipótese 2. Em função do ambiente ao qual estão sujeitos, espera-se
que os estudantes apresentem menos viés racial, em comparação aos
policiais, sem que haja diferenças entre as categorias na medida de ajuste.
Hipótese 3. Em função do limite de tempo, espera-se que a medida
de viés seja maior que na hipótese anterior, ainda que em decorrência
do efeito de facilitação, o priming de um crime suscite um maior nível
da medida de viés, no momento em que a face negra preceder, quando
comparado com a condição de controle e com a condição de recupera-
ção, ao tempo em que se espera que nenhuma das faces cause impacto
na medida de ajuste.
Hipótese 4. Em função do ambiente ao qual estão sujeitos, também se
espera que, nesta fase, os estudantes estejam menos sujeitos ao viés racial,
em comparação aos policiais, sem que haja diferenças na medida de ajuste.

148 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
MÉTODO

O teste das hipóteses foi conduzido mediante um estudo experimental


com desenho 3 (priming de crime x priming de redução de crime x grupo
controle) x 2 (participantes: universitários e policiais) x 2 (condição:
com limite de tempo e sem limite de tempo) x 2 (raça da face: branca
ou negra) x 2 (objeto: arma x utensílio), sendo os três últimos fatores de
medidas repetidas.

Participantes

A amostra de policiais foi composta por oitenta participantes (onze


mulheres e 69 homens; idade média de 36 anos, DP = 8,3) e a de estudantes,
egressos na Universidade Federal da Bahia, foi composta de 77 pessoas
(46 mulheres e onze homens; idade média de 23,3 anos, DP = 3,8). Ambas
as categorias foram alocadas em três grupos submetidos ao priming de
crime (26 policiais e 28 estudantes), de recuperação do criminoso (27
policiais e 24 estudantes) e o grupo controle (27 policiais e 25 estudantes).

Instrumento

Tarefa de identificação\desidentificação de armas (PAYNE, 2001): Este


aplicativo foi implementado no sistema Toolbook Instructor, versão 5.1,
e consistiu de 32 imagens (quatro faces de mulheres negras, quatro faces
de homens negros, quatro faces de mulheres brancas, quatro faces de
homens brancos, oito imagens de armas e oito imagens de ferramentas).

Procedimentos

No grupo sob a condição de crime, os participantes liam uma notícia,


adaptada do site de segurança pública do estado da Bahia, a qual trazia

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a contemporaneidade em temas clássicos
um caso de tráfico e homicídio, que serviu como priming. Os partici-
pantes, sob a condição de recuperação do criminoso, liam uma notícia
semelhante à anterior, com a diferença de que o indivíduo que cometeu
o crime de tráfico e homicídio era retratado como tendo passado por um
processo de recuperação conseguindo modificar seu modo de vida. Estes
tipos de crime foram escolhidos por serem os mais difundidos pela mídia
e, por sua vez, serem maiores alvos de apelo por justiça.
Após a leitura, os participantes responderam a um questionário com
oito perguntas sobre a notícia (M = 6,8; DP = 1,4), marcando verdadeiro
ou falso, com objetivo de fixação e de garantia de que os participantes
tinham prestado atenção à informação dos primings. Passado este mo-
mento, os participantes foram submetidos à tarefa de identificação\
desidentificação de armas (PAYNE, 2001).
Na fase sem limite de tempo, os participantes faziam a leitura das
instruções e pressionavam a barra de espaço, dando início à sessão
experimental. Esta ação levava a outra tela, inicialmente em branco, e
após 200 ms era apresentada a imagem de uma face, branca ou negra,
que permanecia na tela por 300 ms, seguindo-se a apresentação de uma
máscara (uma imagem completamente branca, do mesmo tamanho e
com a mesma resolução que a imagem da face), que permanecia na tela
por um período de tempo entre 200 e 800 ms. Na sequência, era apresen-
tada a imagem do objeto a ser identificado (uma arma ou um utensilio),
o qual o participante respondia pressionando a tecla 1 (caso visse uma
arma) ou 2 (caso visse um utensílio).
Inicialmente, foi conduzido um treinamento constituído por de-
zesseis tentativas, destinado a familiarizar o participante com a tarefa
experimental. O experimento em si seguia os mesmos procedimen-
tos citados acima e envolvia a apresentação de outras 64 tentativas.
Na fase com limite de tempo, os participantes foram submetidos
ao mesmo processo, sendo que, após a apresentação da arma ou do
utensílio, os participantes tinham até 500 ms para responderem,
pressionando a tecla 1 ou 2.

150 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
O grupo controle, por sua vez, foi submetido imediatamente à tarefa
de identificação\desidentificação de armas (PAYNE, 2001), sem ter acesso
a qualquer tipo de texto.
O processo de normalização dos dados se caracterizou pela substitui-
ção dos registros abaixo de 100 ms e acima de 1 segundo pela média de
cada variável, o que permitiu realizar os ajustes de curtose e assimetria
para todos os registros no banco de dados. Como foram 64 tentativas para
cada um dos participantes, o número reduzido de registros excluídos não
obrigou a exclusão de nenhum dos participantes do estudo.
Os dados registrados no banco de dados foram agrupados e transfor-
mados em variáveis que correspondiam ao tempo de resposta para uma
arma, precedida por uma face negra; utensílio precedido por uma face
negra; acerto de utensílio precedido por uma face branca etc.

Tabela 1. Efeito do priming e das categorias para o ajuste e o viés

Sem restrição de tempo Tempo limitado a 500 ms


Priming
Crime Controle Recuperação Crime Controle Recuperação
Poli Estud Poli Estud Poli Estud Poli Estud Poli Estud Poli Estud
Face negra
Ajuste 88 83 89 85 90 83 47 40 49 45 51 40
Viés 63 59 67 61 70 62 84 89 90 83 87 88
Face branca
Ajuste 90 86 87 84 90 86 51 44 48 34 35 46
Viés 53 63 57 67 59 71 87 87 85 89 88 91

RESULTADOS

Para a análise da hipótese 1, foram realizadas ANOVAs fatoriais e


os resultados não evidenciaram qualquer efeito de interação entre
os primings e as categorias [F (2, 124) = ,058, p = .944], refutando a

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a contemporaneidade em temas clássicos
hipótese. Na medida de ajuste precedida por uma face negra, tam-
bém não foi encontrada interação entre os primings e as categorias
[F (2, 154) = ,097, p = .907].
No intuito de verificar como os demais resultados se apresentaram,
foram realizadas mais duas anovas fatoriais. A primeira delas se refere
à medida de ajuste precedida por uma face branca e não foi encontra-
da interação entre os primings e a categoria [F (2, 154) = ,033, p < .967].
A segunda, referente ao viés de um utensílio precedido por uma face
branca, não demonstrou, novamente, interação entre os tipos de priming
e as categorias [F (2, 128) = ,023, p = .977].
No teste da hipótese 2, não foram encontradas, através da ANOVA,
diferenças significativas entre as categorias na análise do viés precedido
por uma face negra [F (1, 129) = 1, 206, p = .274], mas houve um efeito
significativo na medida do ajuste [F (1, 156) = 9, 703, p < .050, η² = ,060],
com os policiais apresentando maiores valores que os estudantes. Este
efeito refuta a hipótese.
Sobre o ajuste precedido por uma face branca, foram encontradas
diferenças entre as categorias [F (1, 156) = 6, 422, p < .050, η² = ,041], com
os policias enviesando mais que os estudantes, indo à direção oposta
ao postulado pela hipótese. Já referente ao viés precedido por uma
face branca, houve um efeito tendencial da categoria [F (1, 129) = 3, 439,
p = .066]. Neste resultado, os policiais tenderam a confundir mais um
utensílio com uma arma, quando precedido por uma face branca, em
comparação aos estudantes.
Para o teste da hipótese 3, também foi realizada uma ANOVA fatorial
para o viés precedido por uma face negra e percebeu-se que não houve
interação entre os primings e as categorias [F (2, 124) = ,926, p = .400]. Após
a análise do ajuste precedido por uma face negra, os resultados também
não evidenciaram qualquer interação entres os primings e as categorias
[F (2, 128) = ,307, p = 736], corroborando a hipótese.
Após a análise do ajuste precedido por uma face branca, os dados, mais
uma vez, não apresentaram qualquer efeito de interação entre os primings

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a contemporaneidade em temas clássicos
e as categorias [F (2, 128) = 2,583, p = .080]. Por fim, para o viés precedido
por uma face branca, os resultados também não demonstraram efeito
de interação entre os primings e as categorias [F (2, 124) = ,174, p = .841].
Na hipótese 4, a ANOVA não apresentou diferenças entre as catego-
rias para o viés precedido por uma face negra [F (1, 125) = ,002, p = .966].
Ao verificar a tabela 1, pode-se suspeitar que este efeito tenha sido
decorrente da proximidade dos valores entre policiais (M = .51) e estu-
dantes (M = .52) no grupo controle, impedindo a diferença. Também
não formam encontradas diferenças entre as categorias na análise da
medida de ajuste precedida por uma face negra [F (1, 129) = ,249, p = .086],
confirmando a hipótese.
Para o ajuste precedido por uma face branca, não foram encontradas
diferenças entre as categorias [F (1, 129) = ,421, p = .518], também corro-
borando a hipótese. Já para o viés precedido por uma face branca não
foi encontrado efeito entre as categorias [F (1, 125) = ,479, p = .490]. Este
último efeito, por sua vez, refuta a hipótese.

DISCUSSÃO

Não foram encontradas interações entre os primings e as categorias


na expressão dos vieses nas hipóteses 1 e 3. Pode ser porque os primings
não foram robustos o suficiente para exercer efeito sobre os participantes
(DOYEN et al., 2012) ou por questões referentes a público, contexto, mo-
nitoramento por parte dos participantes, que os impossibilitaram de se
manifestarem de modo mais efetivo (SIMONS, 2014).
Na hipótese 2, a face negra não causou impacto no viés entre as
categorias, sendo que a face branca exerceu impacto tendencial no
viés, refutando a hipótese. Na medida de ajuste precedida por uma face
branca, houve diferenças entre as categorias, sendo que o tamanho do
efeito para a face negra foi maior e este resultado não era o esperado pela

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a contemporaneidade em temas clássicos
hipótese. Este resultado significa que, em comparação aos estudantes, os
policiais cometeram mais erros em decorrência de “chute” no momento
de diferenciar um utensílio de uma arma, com maior tendência, quando
se tratava de uma face negra. Isto pode ser preocupante, no instante em
que são trabalhadores da segurança pública.
Além disso, não foi verificado qualquer efeito na fase automática do
estudo (hipóteses 3 e 4). De todo modo, Correll et al. (2015) afirmam que
dados encontrados na fase controlada na identificação de armas acabam
sendo mais significativos, pois, se ainda em momentos em que o parti-
cipante possui tempo para decidir, ele apresenta vieses, isto demonstra
a profundidade de determinados preconceitos.

CONCLUSÃO

Apesar de os policiais terem uma maior aproximação com armas de


fogo, apresentaram mais vieses, quando comparados aos estudantes.
Isto pode indicar a necessidade de intervenções que diminuam este
tipo de efeito entre estes profissionais e que determinados dados, a
respeito da atuação de policiais no dia-a-dia, sejam analisados com
maiores preocupações.

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156 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Parte II

PSICOLOGIA
SOCIAL E
INTERFACES
COM GÊNERO,
SAÚDE E
TRABALHO

157 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
CAPÍTULO 8

Diversidade sexual e
homofobia: revendo (pre)conceitos

ELAINE DE JESUS SOUZA


JOILSON PEREIRA DA SILVA
CLAUDIENE SANTOS

O termo diversidade é definido nos dicionários como presença de


diferença, entretanto, seus usos mais comuns dizem respeito à diferença
social ou às diferenças entre os indivíduos. As pessoas são socialmente di-
ferentes quando associadas ou membros de diferentes categorias sociais
e, desta forma, as diferenças sociais referem-se a grupos ou categorias de
pessoas, como mulheres e homens, católicos/as, judeus ou protestan-
tes, homossexuais ou heterossexuais. Os indivíduos podem diferir em
muitas dimensões, o que leva à existência de vários tipos de diversidade,
tais como de: gênero, raça, deficiência, religião, classe social, orientação
afetivo-sexual, peso, entre outros. Ademais, a diversidade é construída
através de nossas crenças, percepções, expectativas e comportamentos
para com as pessoas baseando-se em dimensões sociais (BLAINE, 2007).
Em consonância, a diversidade sexual não deve ser reduzida às
diferenças sexuais, visto que compreender e reconhecer a existência
legítima de lésbicas, gays, transexuais, travestis entre outras expressões
das sexualidades, possibilita o alargamento de nossa compreensão da
sexualidade. Desse modo, a noção de diversidade sexual explicita a

158 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
existência de diferentes expressões sexuais; a necessidade de igualdade
de direitos para os indivíduos que expressam as diferenças sexuais e de
gênero; o reconhecimento das sexualidades como possibilidades que
somente podem ser percebidas quando existem permissões sociocul-
turais para a manifestação plena da diversidade, isto é, esta precisa ser
legitimada pelas distintas esferas da sociedade para que as sexualidades
sejam vivenciadas de forma plena e a pluralidade seja valorizada. Entre-
tanto, é notável que as variações da sexualidade humana, o seu caráter
mutável, inclusive no âmbito das práticas sexuais, contrariam alguns
saberes socioculturais estabelecidos, e isso assusta, à medida que ameaça
a hegemonia heterossexual e o desejo de manutenção da norma, o que
dificulta o reconhecimento da diversidade (TORRES, 2010).
A diversidade sexual engloba as múltiplas vivências e expressões da
sexualidade. Dessa forma, destaca-se a existência de pessoas que sentem
desejo afetivo-sexual por outras do sexo oposto, mas também há aquelas
atraídas por indivíduos do mesmo sexo ou que sentem desejo por ambos
os sexos. Ou seja, existem diversas identidades sexuais, isto é, diferentes
rumos do desejo afetivo-sexual, dentre estas a heterossexualidade, a ho-
mossexualidade e a bissexualidade, que representam um dos aspectos da
diversidade sexual. Outro aspecto da diversidade sexual é a identidade de
gênero – o modo como os indivíduos constroem histórica e socialmente
suas masculinidades e feminilidades, incluindo os transgêneros – tra-
vestis e transexuais (FIGUEIRÓ, 2007; LOURO, 1997).
Tal fato permite observar que

[...] somos todos(as) diversos, diferentes uns(as) dos(as) ou-


tros(as), e, também, quando refletimos sobre nossa sexualidade,
podemos pensar em ‘sexualidades’, uma vez que existem várias
possibilidades para abordá-la e vivê-la (CAVALEIRO, 2009, p.164).

Entretanto, embora a diversidade sexual englobe as diversas práticas


sexuais divergentes do modelo heteronormativo e as diferentes expres-
sões da sexualidade e do gênero, é necessário ter o cuidado de não reduzir

159 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
tudo à diversidade sexual. Visto que esse conceito não deve ser utilizado
para classificar indivíduos nem para reproduzir rótulos depreciativos,
pois o mais relevante é conseguir identificar os argumentos que orientam
nossa cultura na compreensão das sexualidades e assim contribuem para
o combate à discriminação e ao preconceito (TORRES, 2010).
Nesse contexto, cabe apontar algumas definições acerca do precon-
ceito e da discriminação. Para Allport (1954), o preconceito é uma atitude
hostil contra determinado grupo desvalorizado por não se enquadrar nas
normas sociais, ou contra os indivíduos, que pertencem a esse grupo.
Assim, segundo essa clássica teoria do preconceito, os grupos sociais
desenvolvem um modo de vida com crenças, padrões e códigos carac-
terísticos, que envolve pressões grosseiras ou sutis para manter cada
membro individual na linha, adotando as preferências do endogrupo
e, portanto, os que não se enquadram nesse modelo limitado são vistos
como “inimigos”.
Em conjuntura, acrescenta-se que

preconceitos são, portanto, atitudes, e como tais se constituem


em julgamentos antecipados que têm componentes cognitivos
(as crenças e os estereótipos), afetivos (antipatias e aversões) e
disposicionais ou volitivos (tendências para a discriminação)
(LIMA, 2011, p. 459).

Preconceito e discriminação são termos relacionados, que podem


ser assim expressos:

Por preconceito, designam-se as percepções mentais negativas


em face de indivíduos e de grupos socialmente inferiorizados,
bem como as representações sociais conectadas a tais percepções.
Já o termo discriminação designa a materialização, no plano con-
creto das relações sociais, de atitudes arbitrárias, comissivas ou
omissivas, relacionadas ao preconceito, que produzem violação
de direitos dos indivíduos e dos grupos [...] (RIOS, 2009, p. 54).

160 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Percebe-se que a discriminação diz respeito à expressão ou mani-
festação do preconceito, ou seja, é uma tradução prática, pois envolve a
exteriorização e materialização dos estereótipos e das distintas formas
de preconceitos (FLEURY; TORRES, 2010).
Além disso, para Chochik (2006) não é possível estabelecer um concei-
to unitário de preconceito, visto que este depende das representações que
são atribuídas ao alvo (indivíduo ou grupo social desvalorizado). Então,
envolve, além de aspectos constantes que se referem a uma conduta rígida
diante de objetos diversos, aspectos variáveis que englobam as necessi-
dades específicas do preconceituoso, que possuem representações com
conteúdos distintos atribuídos aos objetos, indivíduos ou grupos alvos.
Nesse caminho, Lima e Vala (2004) distinguem duas formas de ex-
pressão do preconceito: o flagrante (manifesto) e o sutil. O preconceito
manifesto é definido como uma forma mais direta e aberta de expressar
atitudes negativas, que inclui elevada rejeição à intimidade e às emoções
positivas acerca dos indivíduos ou grupos sociais. Já o preconceito sutil
representa uma forma mais silenciada, velada ou disfarçada de expressar
opiniões contrárias acerca dos sujeitos ou grupos. Assim, embora possam
manter certo contato e tolerância, os discursos referentes ao preconceito
sutil deixam latente que os sujeitos estão agindo de maneira inapropriada
e condenável no contexto social, pois não possuem os valores adequados.
Contudo, ainda que existam diversas formas de preconceitos com
especificidades e distintas nuances, vale expor alguns elementos que
são comuns a todos os tipos: as diferenças entre os grupos sociais são
enfatizadas e hierarquizadas; a existência de sentimentos de antipatia
contra os indivíduos que não pertencem ao grupo; há uma resistência
social e cognitiva à desconstrução das crenças e expectativas negativas
acerca do grupo divergente, pois ainda que as evidências sejam favoráveis
ao grupo é difícil aceitá-las; os membros dos grupos alvos do preconceito
são homogeneizados e estereotipados. Nesse caso, também são comuns
as diversas formas de preconceito, a construção de protótipos, ou seja,
criam-se “modelos de ser” que atuam de modo normativo, ditando o que

161 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
e quem é “adequado” ou não. Em geral, tais normas são produzidas em
meio a relações de poder entre os grupos dominantes contra os domi-
nados, que são as vítimas do preconceito (LIMA, 2011).
Nessa direção, esses protótipos ou generalizações normatizantes
englobam os estereótipos que constituem um conjunto de atributos ou
características pré-estabelecidas acerca dos membros de determinado
grupo social, baseado em distintas categorias, tais como idade, naciona-
lidade, etnicidade, raça, classe social, gênero, identidade sexual, entre
outras. Tais generalizações acabam gerando diversos preconceitos contra
indivíduos e grupos sociais e são usados para justificar a discriminação
(NOGUEIRA; SAAVEDRA, 2007).
Em decorrência da existência de diversos grupos socialmente este-
reotipados e desvalorizados, são vários os tipos de preconceitos relativos
aos grupos minoritários, na estrutura de poder, tais como: o preconceito
contra as mulheres, denominado de sexismo; preconceito contra os
idosos ou ageísmo; preconceito racial ou racismo; preconceito contra
pessoas gordas; preconceito contra pessoas com necessidades especiais
(LIMA; VALA, 2004). E dentre os vários tipos destaca-se a homofobia ou
preconceito contra os homossexuais e todos os indivíduos com identi-
dades sexuais e de gênero distintas do modelo heteronormativo.
Muitos/as estudiosas/as adotam o conceito homofobia de forma
abrangente, englobando os preconceitos e discriminações perpetrados
contra lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e outras formas
de diversidade sexual, em decorrência dos seus comportamentos, estilos
de vida e aparências divergentes dos padrões impostos e, portanto, en-
volve elevado grau de violação dos direitos humanos de tais indivíduos
e/ou grupos sociais. Dessa forma, o conceito homofóbico não está mais
centrado somente no indivíduo e na sua “reação anti-homossexual”,
visto que passa a envolver aspectos culturais, educacionais, políticos,
institucionais, jurídicos, antropológicos que demandam a reflexão,
crítica e denúncia acerca da imposição de normas sexuais e de gênero
(JUNQUEIRA, 2009; RIOS, 2009).

162 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Essa ideia é corroborada por Borrillo (2009), pois, apesar do termo
homofobia ter sido utilizado inicialmente para se referir à rejeição irra-
cional ou mesmo aos sentimentos de ódio, medo, aversão e repulsa em
relação a gays e lésbicas, não pode mais ser reduzido a isso, visto que esse
sentido original se mostrou extremamente limitado, não abrangendo
toda a extensão e complexidade do fenômeno homofóbico. Existem ou-
tras manifestações menos grosseiras, mas que exercem suas violências
cotidianamente e causam diversos sofrimentos e violações de direitos
na vida dos indivíduos não heterossexuais.
Nesse viés, ressaltam-se alguns tipos de violências homofóbicas, tais
como: a homofobia afetiva (psicológica), caracterizada pela condenação
e rejeição da homossexualidade; e a homofobia cognitiva (social) que,
apesar de pregar a tolerância, pretende perpetuar a diferença homo/
hetero com relação aos direitos humanos (BORRILLO, 2009).
A homofobia cognitiva funda um saber acerca da diversidade sexual
que se baseia em preconceitos que os reduzem a estereótipos, isto é,
engloba não somente preconceitos e discriminações contra as identida-
des sexuais, mas também contra qualquer manifestação de afeto entre
indivíduos do mesmo sexo ou identidades de gênero que diferem dos
padrões sociais hegemônicos. Ademais, devido à complexidade desse
fenômeno, essa primeira distinção entre homofobia psicológica (indi-
vidual) e homofobia cognitiva (social), apesar de ser necessária, não é
suficiente, pois essa temática demanda outras classificações que permi-
tam delimitar uma série de situações que, sob o mesmo termo, agrupam
variadas formas de antipatia por gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros,
e por outros indivíduos que destoam da norma sexual. Em consequência
da extensão desse termo, é estabelecida uma segunda distinção entre
homofobia geral e homofobia específica (BORRILLO, 2009).
Desse modo, a homofobia geral é caracterizada por uma manifestação
de sexismo, ou seja, da discriminação de indivíduos em razão de seu sexo
biológico e mais precisamente, de seu gênero (feminino/masculino).
Assim, essa forma de homofobia encobre as fronteiras do gênero e pode

163 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
ser definida como a discriminação contra pessoas que demonstram,
ou a quem são atribuídas, certas características (qualidades, defeitos,
comportamentos) consideradas do outro gênero; logo, está relacionada
aos estereótipos de gênero (BORRILLO, 2009; WELZER-LANG, 2001). Já
a homofobia específica representa uma forma de intolerância relativa,
principalmente, a gays e lésbicas. Por isso, alguns/as autores/as propu-
seram utilizar os termos “gayfobia” e “lesbofobia” para diferenciar as
principais declinações da homofobia específica (BORRILLO, 2009). Com
efeito, evidencia-se que:

[...] a lésbica sofre uma violência particular advinda de um duplo


menosprezo, por ser mulher e homossexual. Diferentemente do
gay, ela acumula discriminações contra o sexo e contra a sexua-
lidade (BORRILLO, 2009, p. 23).

Ao compreender a homofobia como uma forma de preconceitos e/ou


discriminações (e demais violências daí decorrentes) contra indivíduos
ou grupos sociais, em função de sua identidade sexual e/ou identidade de
gênero, permite-se que neste conceito estejam incluídos a lesbofobia, a
gayfobia, a transfobia, bifobia, ou seja, a “LGBTfobia” em geral (DISTRITO
FEDERAL, 2012).
Em todas as suas nuances, a homofobia consiste em uma manifesta-
ção perversa e arbitrária da discriminação de práticas não heterossexuais
ou de expressões de gênero que destoam do modelo heteronormativo
de masculinidade e feminilidade. Então, embora haja várias expressões
sociais da homofobia, de modo geral, tal violência, seja sutil ou manifesta,
fundamenta-se na heternormatividade (LIONÇO; DINIZ, 2009), que re-
presenta a aprovação suprema da heterossexualidade, tida como padrão,
ou seja, como um modelo superior às outras expressões da diversidade
sexual (FIGUEIRÓ, 2007).
Nesse rumo, Borrillo (2009) complementa que o “heterossexismo”
constitui o sistema a partir do qual determinada sociedade organiza um
tratamento segregacionista devido à identidade sexual. O heterossexismo

164 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
junto com a homofobia, entendida como a consequência psicológica de
uma representação social pautada na heteronormatividade que incita o
desprezo em relação aos indivíduos que destoam desse modelo imposto
histórica e socioculturalmente, constituem as duas faces da mesma into-
lerância contra a diversidade sexual. Por conseguinte, ao invés de serem
negados e silenciados, devem ser denunciados com o mesmo rigor que
o racismo e o antissemitismo (BORRILLO, 2009).
O entendimento acerca dos preconceitos e discriminações sofridos
pelos grupos LGBT tem como ponto central, além das dinâmicas indivi-
duais experimentadas pelos sujeitos, também a presença de aspectos de
socialização. Assim, a noção de heterossexismo está relacionada com essa
abordagem social, pois designa um sistema em que a heterossexualidade
é institucionalizada como norma social, política, econômica e jurídica,
independente de ser reproduzida de modo explícito ou implícito. O
heterossexismo, quando estabelecido, manifesta-se em instituições
culturais e organizações burocráticas, tais como o sistema jurídico e a
linguagem, ocasionando a ideia de superioridade e privilégios a todos que
se enquadram no padrão; em contraponto, causa opressão e prejuízos a
lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros e até mesmo a heterossexuais
que se afastem do modelo heteronormativo imposto (RIOS, 2009).
Em conformidade, a íntima relação entre a homofobia e as normas
de gênero se traduz tanto em concepções, crenças, valores, expectativas,
quanto em atitudes, construção de hierarquias opressivas e mecanis-
mos reguladores discriminatórios bastante amplos, evidenciando que
as práticas homofóbicas admitem drásticas consequências a qualquer
indivíduo que ouse descumprir as normas socialmente impostas so-
bre as representações de masculinidade e feminilidade (JUNQUEIRA,
2009). Destarte, infere-se que a homofobia inclui a estigmatização e/
ou negação dos papéis e das relações entre homens e entre mulheres
que não correspondem às definições tradicionais de masculinidades
e feminilidades (BORRILLO, 2009).

165 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Portanto, a homofobia engloba práticas discriminatórias intensas e
cotidianas que são expressas, em diversos âmbitos sociais, por meio de
distinções, exclusões, restrições ou preferências que anulam ou preju-
dicam o reconhecimento e o exercício igualitário de direitos humanos
e liberdades fundamentais nos campos sociocultural, econômico ou
em qualquer esfera da vida pública. Compreender a homofobia nessa
perspectiva ampla permite elucidar que a qualificação de um ato como
homofóbico não depende da intencionalidade ou da situação que
ocasiona a violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais
afetadas. Assim, a existência da discriminação homofóbica, proposital
ou não, ocorre sempre que houver alguma espécie de lesão de direitos
decorrente da manifestação de preconceitos diante dos modos de ser
e viver destoantes da heteronormatividade. Por isso, é extremamente
relevante analisar e se atentar para as formas intencionais (discrimi-
nação direta) e não intencionais (discriminação indireta) das práticas
homofóbicas, uma vez que ambas lesionam direitos de forma grave e
disseminada (RIOS, 2009).
Vale destacar que a forma intencional da homofobia (discriminação
direta) está fundamentada na norma social e hegemônica e, portanto, de-
monstra explicitamente a aversão e/ou desprezo aos grupos LGBT, através
de tratamentos e outras condutas preconceituosas, bem como ocasiona
diferenciações e injustiças contra tais grupos em diversas instâncias
sociais. Diante dessa realidade, é importante levar em consideração o
conceito da homofobia não intencional (discriminação indireta) e buscar
problematizar e desconstruir essa forma de discriminação que

[...] é fruto de medidas, decisões e práticas aparentemente neu-


tras, desprovidas de justificação e de vontade de discriminar,
cujos resultados, no entanto, têm impacto diferenciado perante
diversos indivíduos e grupos, gerando e fomentando preconceitos
e estereótipos inadmissíveis (RIOS, 2009, p. 76).

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a contemporaneidade em temas clássicos
A homofobia, de forma direta ou indireta, está presente em dife-
rentes instituições sociais; nessa acepção, entre os tipos de homofobia,
destacam-se:

[...] a homofobia institucional (formas pelas quais instituições


discriminam pessoas em função de sua orientação sexual ou
identidade de gênero presumida) e os crimes de ódio de caráter
homofóbico, ou seja, violências tipificadas pelo código penal, co-
metidas em função da orientação sexual ou identidade de gênero
presumidas da vítima. A homofobia estruturante da sociedade
brasileira vitima não apenas a população LGBT – cujas possibili-
dades de existência em sociedade são mediadas pelo estigma que
carregam (tais limitações são especialmente visíveis quando se
trata de travestis e transexuais) –, mas qualquer indivíduo cuja
identidade de gênero ou orientação sexual seja percebida como
diferente da heterossexual ou cisgênero (DISTRITO FEDERAL,
2012, p. 07).

Nessa direção, a homofobia, ao violar de forma intensa e permanente


uma série de direitos humanos básicos, manifesta-se por meio de duas
formas de violência: física e não física. A violência física atinge direta-
mente a integridade corporal, podendo até levar ao homicídio, por isso é
mais visível e considerada mais brutal. A violência não física, que também
é muito grave e danosa, consiste, sobretudo, no não reconhecimento
da diversidade sexual e na injúria homofóbica. O não reconhecimento
configura um tipo de ostracismo social, pois nega valor às identidades
sexuais e às de gênero, que diferem do modelo heterossexual, ocasio-
nando condições para formas de tratamento degradantes e insultuosas
aos sujeitos LGBT (RIOS, 2009). É preciso esclarecer que:

[...] A injúria é uma expressão discursiva característica da


homofobia, explicitando a assimetria de poder resultante da
depreciação da diversidade sexual. A noção de injúria como
exemplificativa da dinâmica social homofóbica permite apreen-
der que a sexualidade deixa de ser estritamente matéria da vida
privada, tornando-se importante elemento da vida pública,

167 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
qualificador do status social das pessoas (LIONÇO; DINIZ, 2009,
pp. 58-59).

Borrillo (2009) acrescenta que a homofobia constitui um fenômeno


complexo e variado e, dessa forma, sua gravidade ultrapassa as práticas de
violência física. Assim, as manifestações de violência não física, presen-
tes nas ofensas, na linguagem cotidiana e nas representações caricaturais
que apontam lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros como criaturas
grotescas e desprezíveis, constituem práticas prejudiciais e dolorosas.
Tais manifestações denominadas de injúria representam a imposição da
homofobia afetiva e cognitiva na medida em que as expressões pejora-
tivas e agressões verbais, uma vez pronunciadas, causam danos sociais
e psicológicos, visto que marcam a consciência dos sujeitos ofendidos.
A injúria homofóbica provoca traumas que ficam gravados na memória
e no corpo (pois a vergonha, timidez, insegurança são atitudes corporais
resultantes da hostilidade do mundo exterior ou social). Logo, um dos
efeitos da injúria é a reconstrução da personalidade, da subjetividade e
do próprio ser, que depreende o remodelamento da relação com os outros
e com o mundo. Nesse quadro, percebe-se que a violência em estado
puro representada como homofobia psicológica não é nada mais que a
internalização paradigmática de atitudes e comportamentos contra os
homossexuais (gays e lésbicas), bissexuais e transgêneros e outros/as
que possam ser identificados/as com esse grupo.
A homofobia representa o medo constante de que seja reconhecida a
equivalência entre a heterossexualidade e as outras formas de vivenciar
a sexualidade e, com isso, a diversidade sexual consiga sair da esfera
íntima da vida privada e conquistar seu legítimo espaço na esfera públi-
ca. Em conformidade, a homofobia se manifesta, continuamente, não
só pela angústia de ver desaparecer a fronteira e a hierarquia da norma
heterossexual, bem como é expressa por meio dos insultos, humilhações
e injúrias cotidianas, mas também aparece nos discursos de docentes e
especialistas, ou permeando debates públicos. Essa presença constante

168 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
em diferentes situações e âmbitos sociais torna a homofobia familiar,
entendida como um fenômeno banal que, mesmo sendo a causa de tan-
tas violências físicas e psicológicas, continua sendo invisível, cotidiana
e disseminada pelo senso comum de forma leve e alienante. Destarte,
para desconstruir essa normalização da homofobia é indispensável
questioná-la tanto com relação às atitudes e comportamentos que incita
quanto no que se refere às suas construções ideológicas e expressões
“sutis” (BORRILLO, 2009).
Cabe elucidar a existência da homofobia liberal, que engloba um
tipo de preconceito sutil, camuflado, velado, caracterizando-se pela
aceitação aparente das pessoas homossexuais, pois “permite-se” a exis-
tência das mesmas desde que estas não manifestem as características e
comportamentos contrários às normas sexuais e de gênero, no espaço
público. Assim, embora seja difundido o discurso de tolerância à diver-
sidade sexual, isso é feito com restrições que asseguram a manutenção
da norma, ao menos aparentemente, ou seja, em público (BORRILLO,
2009; TOSSO, 2012).
Borrillo (2009) enfatiza que, para compreender melhor os elementos
constantes que facilitam, encorajam e banalizam a homofobia, é essen-
cial questionar e problematizar a interação entre o psicológico e o social,
que delimita as diferentes formas de preconceito e discriminação, seja(m)
diretas e/ou indiretas. Dessa maneira, é preciso se atentar também para
os atos homofóbicos camuflados que, de forma sutil, acabam sendo
um dos principais responsáveis pelo enraizamento da homofobia nas
diversas esferas sociais, tais como na educação, sendo necessário um
exercício de desconstrução das categorias cognitivas que são impostas
de modo quase imperceptível.
Para Louro (2009), a manutenção das diferentes formas de homofobia
é sustentada por um forte alinhamento entre sexo-gênero-sexualidade,
premissa fundamentada na lógica heteronormativa que impõe limites
à concepção de gênero, considerando o caráter imutável, a-histórico e
binário do sexo, e concebendo a heterossexualidade como algo natural,

169 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
uma forma compulsória de sexualidade. Dessa maneira, a violência
homofóbica é reiterada através do investimento continuado e repetido
em estratégias e táticas aparentes ou sutis que reafirmam o equivocado
princípio que defende como os seres humanos nascem machos e fêmeas,
seu sexo determina um de dois gêneros possíveis, masculino ou femini-
no. Aliada ao determinismo sexual é reforçada a ideia arbitrária de que
existe uma única forma normal de desejo afetivo-sexual entre pessoas
do sexo oposto. Com efeito, essa lógica ressalta o não reconhecimento
das múltiplas sexualidades e os estereótipos de gênero.
Nessa conjuntura, Borrillo (2009) explana que a distinção entre
os sexos permite a legitimação implícita das desigualdades, à medida
que constitui um mecanismo político de ação e de reprodução social.
Essa diferença sexual estrutura a concepção normativa e reafirma as
características inerentes ao masculino e ao feminino como se fossem
naturais e indicadas pelo sexo. É dessa forma que o sistema sociocul-
tural impele à adesão cega a uma lógica binária acerca do gênero e da
sexualidade, ditando a existência de dois polos: homem/mulher, hete-
rossexual/homossexual; masculino/feminino, entre outras dicotomias
que servem para reforçar as práticas homofóbicas e marginalizar a
diversidade de indivíduos.
É apontado por Louro (1997) que a desconstrução dessa oposição
binária pode possibilitar que se compreendam e incluam as diferentes
formas de masculinidade e feminilidade que se constituem sociocultu-
ralmente. A concepção dos gêneros, produzidos dentro de uma lógica
dicotômica, implica um polo que se contrapõe a outro, isto é, reafirma a
ideia singular de masculinidade e feminilidade, e isso justifica ignorar
ou negar todos os sujeitos sociais que não se “enquadram” nesse modelo
arbitrário. Portanto, romper essa dicotomia pode desestabilizar o enraiza-
do padrão heterossexual que estaria imbricado no conceito de “gênero”.
Além disso, o conceito de gênero só poderá manter sua utilidade através
de questionamentos, críticas e problematizações acerca dessa concepção
binária que exclui mulheres e homens que vivem feminilidades e mascu-

170 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
linidades de maneiras distintas do modelo hegemônico e, por isso, não
representados/as e reconhecidos/as como “verdadeiras/os” mulheres e
homens, o que é usado para justificar as práticas homofóbicas que tentam
a todo instante reinstalar a ordem heteronormativa.
Em contrassenso, Galinkin e Ismael (2011) enaltecem que da matriz
homossexualidade desdobram-se diversas formas de vivenciar e expres-
sar o desejo afetivo-sexual de modo oposto à heterossexualidade que
normaliza corpos e gênero. Assim, é relevante questionar a concepção
errônea que coloca homossexuais masculinos e femininos, bissexuais e
transgêneros às margens daquilo que a sociedade considera como norma-
lidade, visto que as múltiplas possibilidades de vivenciar sexualidades,
afetos, identidades destoantes da norma, e dar sentido a modos parti-
culares de ser, pressupõem a ressignificação do gênero e a construção
de novas identidades, bem como pode implicar também a reconstrução
do corpo, caracterizando o caráter mutável e dinâmico das identidades
sexuais e de gênero.
Assim, é fundamental buscar desconstruir toda forma de padro-
nização que a sociedade impõe acerca do masculino e do feminino e
dos relacionamentos afetivo-sexuais. Ou seja, esse padrão binário e
heteronormativo, imposto socialmente, precisa ser revisto, discutido,
criticado, visto que, na sociedade contemporânea, o que prevalece é a
pluralidade de masculinos, de femininos e de identidades sexuais, e não
essa dicotomia, que insiste na existência de dois lados, muitas vezes,
tidos como superior/inferior, em uma visão rígida, estanque e desigual
(LOURO, 1997; SOUZA; CARRIERI, 2010).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entender, reconhecer e aceitar o outro com toda a sua multiplicidade,


de fato, não consiste em uma tarefa fácil, contudo, a busca de (in)formações

171 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
significativas acerca da diversidade sexual e de outras diferenças pode
contribuir para a desconstrução de preconceitos e discriminações, ao
possibilitar o reconhecimento e a inclusão dessa pluralidade de sujeitos
que permeia as instâncias sociais, como a escola.
Nota-se que as violências homofóbicas não possuem somente uma
causa, pois são ocasionadas, reforçadas e mantidas por diversos fatores
socioculturais e históricos fundamentados, sobretudo, em crenças,
mitos, tabus e preconceitos, em torno da sexualidade e do gênero, que
insistem em conservar o modelo heterossexual como hegemônico e
marginalizar a diversidade sexual.
Nesse sentido, é necessário combater a homofobia em todas as suas
formas, isto é, não são apenas as violências físicas ou discriminações
diretas e intencionais que devem ser questionadas e desconstruídas,
mas também as manifestações preconceituosas camufladas, ditas não
intencionais. Ou seja, as violências não físicas, que são perpetradas contra
a diversidade sexual através de provocações, zombarias, silenciamentos,
exclusões representam o cerne das práticas homofóbicas que levam até
a morte de indivíduos, simplesmente porque não se enquadram nos
arbitrários padrões sexuais.

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174 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
CAPÍTULO 9

Epistemología feminista:
los géneros en sociedades dialógicas

CONCEPCIÓN MIMBRERO MALLADO


ANA GUIL-BOZAL
JOILSON PEREIRA DA SILVA

En este capítulo nos posicionaremos en la noción de género para


enlazarlo con el Feminismo Dialógico. Para ello revisaremos las dife-
rentes aportaciones teóricas que históricamente han ido definiendo el
concepto de género. Finalmente nos situaremos en la perspectiva pos-
testructuralista que concibe sexo y género como realidades culturales
suponiendo la ruptura con la heteronormatividad establecida. En este
sentido, siguiendo a Martín (2008), nos referimos al surgimiento de
discursos que denuncian que el género invisibiliza las prácticas y orien-
taciones sexuales obligando que las teorías hagan una nueva reflexión
sobre sexualidades en la construcción del género. Podemos observar
estas realidades en el enfoque postestructuralista, y principalmente y
actualmente en la teoría Queer, que desarrollan nuevas posibilidades
de hablarnos o de pensarnos sobre esta temática.
Ya a inicios del siglo XX, la Antropología clásica toma las relaciones
entre hombres y mujeres como indicador a la hora de describir y catalo-
gar realidades culturales, otorgándole la misma importancia que a otras

175 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
variables clave tales como edad, etnicidad, o clase social. A través de un
proceso de cambio los estudios de la mujer a principio de la década de
los 70 evolucionan hacia los estudios de género en la siguiente década.
En los años 80, la aportación teórica de Joan Scott en relación a la
noción de género supuso un hito a nivel científico. La redefinición de
género de Scott rescataba los aspectos más productivos de este concepto,
particularmente su carácter relacional, social e histórico (frente a visiones
esencialistas) y sus dimensiones simbólica y subjetiva. Al defender el
carácter social y cambiante del género se abre la posibilidad de trans-
formación para el feminismo (ARESTI, 2006). A partir de la segunda ola
del movimiento feminista se utiliza, primero la categoría mujer y más
tarde el sistema sexo-género (RUBIN, 1986) para aglutinar las diferen-
cias y huir de esencialismos. Según, la autora un sistema de sexo/género
es el conjunto de disposiciones por el que una sociedad transforma la
sexualidad biológica en productos de la actividad humana, y en el cual
se satisfacen esas necesidades humanas transformadas. De esta manera,
las relaciones entre sexo y género, conforman un sistema que varía de
sociedad en sociedad, estableciendo que el lugar de la opresión de las
mujeres y de las minorías sexuales está en lo que ella denomina el sistema
sexo/género. Cada sociedad poseería un sistema sexo/género particular.
Así, cada grupo humano tiene un conjunto de normas que moldean la
materia cruda del sexo y de la procreación (MONTECINO; REBOLLEDO,
1996). En contra de cualquier argumento esencialista, Rubin (1986),
afirma que hombres y mujeres estaban más cerca unos de otros que
cualquiera de ellos/as respecto a otras cosas.
Centrándonos en las categorías sexo y género, la mayoría de los plan-
teamientos teóricos aceptan que ambos conceptos representan realidades
distintas. El género tiene un marcado carácter sociocultural, es decir, ha-
blamos de construcciones diversas influidas a partir de comportamientos
adquiridos. El sexo, sin embargo, ha planteado mayores discordancias.
Partiendo de esta dicotomía las discrepancias teóricas en torno a estas
categorías han dado lugar a diversas propuestas a partir de los años 80.

176 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Por una parte, el feminismo de la diferencia de manos de Luce Iri-
garay, postula la identidad femenina como deferencia sexual aunque
creando otro orden simbólico frente al modelo masculino de referencia.
Por otra parte, autoras como Celia Amorós y Amelia Valcarcel defienden
la igualdad entre los sexos (feminismo de la igualdad) como herencia
del feminismo ilustrado. De esta comprensión surgen dos estrategias
de lucha y resistencia opuestas: una siguió la dirección del separatismo
radical, otra buscó la igualación de estatus de la mujer y del hombre
(MARTÍN, 2006).
Frente a estas posturas, otras posiciones defienden la deconstrucción
de las categorías de los sexos y los géneros ubicándose en la construcción
cultural de ambas. En este enfoque se sitúa De Lauretis (2000, 2008) que
concibe el género como un sistema que mediante diversas tecnologías
del género, crea individuos concretos en identidades masculinas y fe-
meninas. Es importante reseñar que esta autora, acuña el término de
teoría Queer (BUTLER, 1990; KOSOFSKY, 1993; PRECIADO, 2002), enfoque
que ha contribuido definitivamente a defender la deconstrucción de los
conceptos sexo, género y sexualidad.
En este momento, nos influyen los trabajos realizados por Teresa De
Lauretis, que parte de la distinción entre las mujeres como sujetos histó-
ricos y el concepto de mujer producido por unos discursos dominantes.
La subjetividad femenina, manera típica de ser, sentir y estar en el mundo
tienen mucho que ver con un concepto cultural de mujer que se expresa
mediante el lenguaje. De Lauretis (2000) reconoce que el lenguaje, como
realidad cultural externa, no es lo único que determina nuestra forma
de pensar y estar en el mundo. Influida por Bajtín y Vygotsky (autores
de la escuela histórico cultural rusa), considera que la subjetividad se
construye, no simplemente mediante el influjo de un sistema de ideas
culturales (por ejemplo, la oposición entre hombre y mujer), sino me-
diante un proceso de interacción entre la cultura y la realidad personal.
La experiencia de ser mujer consiste en una serie de hábitos que resul-
tan de la interacción entre los conceptos, signos y símbolos del mundo

177 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
cultural externo, por una parte, y las distintas posiciones que cada una va
adoptando internamente, por la otra. Por esta razón podemos advertir que
las mujeres de determinadas culturas y épocas presentan determinadas
tendencias, sin suponer que tenemos que ver en ellas la evidencia de
una esencia femenina universal.
Nuestro posicionamiento también se nutre fundamentalmente de
la tesis de Judith Butler (2006, 2010) Para esta autora, el género es lo
que ella llama una parodia genérica. Influida por el psicoanálisis, afirma
que al igual que la noción psicoanalítica de identificación genérica está
constituida por una fantasía dentro de una fantasía, la parodia del genero
pone de manifiesto que la identidad original, mediante la que el género se
disfraza a sí mismo, es ella misma una imitación sin ningún origen. Este
desplazamiento perpetuo genera una fluidez de identidades que sugiere
una apertura a la resignificación y a la recontextualización que priva a
la cultura hegemónica y a sus críticos del derecho a dar explicaciones
biologicistas de la identidad de género (BUTLER, 1990).
Así, la categoría género ha llevado a crear diferentes propuestas
teóricas en relación a las distintas formas de construir la feminidad y
la masculinidad, y a conocer que existen distintos tipos de género. Pero
entendemos que la idea del dualismo sexual esencialista nos lleva a
eternizar la imagen de dos géneros inherente a los dos tipos de sexos.
En nuestra opinión, la doble categoría sexual tiene su origen en la propia
cultura. Asimismo, entendemos la categoría género como una superación
de la dualidad unida al sexo biológico y aplicada a distintas formas de
socialización. Consideramos por tanto, que el género afecta a nuestra
identidad y a la imagen que socialmente queremos proyectar y por ende,
a la imagen que socialmente es interpretada. Partiendo de la concepción
del sistema sexo-género definido por De Lauretis (2000) reconocemos
que, además, la identidad de género es dinámica e independiente de la
orientación sexual. En este sentido, la identidad de género puede fluctuar
entre lo masculino, lo femenino o lo andrógino.

178 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
FEMINISMO DIALÓGICO

Tal y como hemos señalado entendemos el género como una catego-


ría multidimensional que opera para mantener las relaciones de poder
existentes sobre la base de la dualidad simbólica que culturalmente se
asocia a hombres y a mujeres. En sociedades dialógicas como la nues-
tra, los discursos sociales definen y perpetúan los estereotipos y roles
asignados a los modelos de masculinidad y feminidad, llenándolos de
significado, motivaciones, intereses y necesidades otorgadas intencio-
nalmente a uno u otro género.
Fraser (1989), partiendo de la caracterización de la política de necesi-
dades, explica cómo una política de este tipo requiere de un modelo de
discurso social que teoriza lo que ella denomina los medios sociocultu-
rales de interpretación y comunicación y que cuenta con una serie de
recursos dialógicos. Éstos serían las formas en las cuales los diferentes
discursos convierten a las personas a las que se dirigen en tipos especí-
ficos de sujetos dotados con formas determinadas de capacidades para
la acción. Es decir, como víctimas, como activistas en potencia (OLIVA,
2009). Esta reflexión aporta a nuestro texto tres ideas fundamentales:
• Considerar las distintas formas que puede adoptar el lenguaje
como instrumento mediador de la acción social. En este sentido,
reconocemos que es fundamental actuar sobre las dinámicas
de poder que a través del lenguaje pueden favorecer o impedir
los cambios a favor de la igualdad de derechos y oportunidades
entre mujeres y hombres. Mediante la metáfora de un Hexágono
de Poder, García (2009), visualiza estas dinámicas de interacción
mutua entre agentes (actores/actrices) inmersos en los procesos
de construcción o resistencia frente a estas oportunidades de
transformación.
• La necesidad de poner al descubierto que la noción de ciudadanía,
en tanto colectivo, facilita a los agentes sociales la manipulación

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a contemporaneidade em temas clássicos
de los sujetos individuales otorgándoles necesidades e intereses
que no les son propios. Una asignación que se fundamenta como
problemas de grupos vulnerables facilitando su exclusión y
victimizando su identidad como sujetos (individuales y grupo).
Construyendo seres dependientes (no productivos) y, por ende,
una ciudadanía pasiva (RODRÍGUEZ, 2010).
• La importancia de tener en cuenta las capacidades del sujeto
en los procesos de acción. Partiendo de la ruptura del concepto
clásico de ciudadanía y por tanto de la ruptura de la dualidad
dependencia (gestionada en el espacio privado) e independencia
(demostrada en el ámbito público), consideramos la noción del
sujeto como ciudadano

que no ha de medir su aptitud ciudadana frente a modelo alguno


(…) Su sostén no es la productividad, sino que esta se sitúa al
servicio de nociones como sostenibilidad, solidaridad, corres-
pondencia y cuidado (RODRÍGUEZ, 2011, p. 104).

Situamos como eje de este concepto a la vida, a la experiencia cotidia-


na de las personas en un contexto relacional complejo, frente a visiones
estereotipadas que encasillan a las personas en grupos definidos desde
una situación de desventaja en oposición a las ventajas de otros grupos
dominadores. Un enfoque que responde a lo que Soledad Murillo (2008)
denomina derecho a la ciudadanía activa. Una ciudadanía que debe incluir
como exigencia de un buen hacer democrático la imparcialidad, la repre-
sentación y la igualdad, tanto en el ámbito público como en el ámbito
privado. Una exigencia en la que el lenguaje actúa como instrumento
mediador de la acción social.
Considerando estos supuestos, nos situamos en el campo del femi-
nismo dialógico, defendiendo por una parte, la necesidad de facilitar las
transformaciones dialógicas y por otra parte, la necesidad de un diálogo
plural que permita reconocer la igualdad de las diferencias. Esto nos

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a contemporaneidade em temas clássicos
lleva a comprender que las diferencias existen no sólo entre mujeres y
hombres, sino en cada subjetividad particular.
Tomamos como referencia a De Lauretis (1987), para comprender la
formación del sujeto a partir de la diferencia. Con la elaboración de una
teoría feminista y con la participación activa en la producción de cultura
en la esfera pública, emerge a un primer plano la cuestión de la subjeti-
vidad femenina, o lo que es lo mismo, de las diversas vías, experiencias,
instituciones y prácticas con que las mujeres, cada mujer, cada ser hu-
mano, se constituye en sujeto social y sujeto psíquico al mismo tiempo.
Y según De Lauretis (2000), también aquí encontramos diferencias, ya
que tanto el sujeto social como el sujeto psíquico se forman a partir de la
diferencia. El sujeto psíquico está atravesado por la diferencia o división
del yo consciente e inconsciente; el sujeto social por la diferencia entre
individuo y colectividad.
El discurso social dominante es contrario al feminismo al excluir la
posibilidad de concebir a la mujer como un ser que piensa y habla por sí
mismo, a partir de sí; sin embargo, el feminismo sólo puede luchar contra
el antifeminismo del lenguaje utilizando el lenguaje mismo. Pero si el
lenguaje, como la cultura, tiene un sesgo tan marcadamente negativo
hacia las mujeres, ¿cómo podremos rebatirlo, si para ello tenemos que
emplear ese mismo lenguaje plagado de prejuicios? En este sentido, lu-
char contra el antifeminismo del lenguaje utilizando el lenguaje mismo,
desplazándonos dentro de ese mismo lenguaje adoptando la estrategia
de reformular, laboriosa y constantemente el discurso sobre la mujer
(CASTELLANOS, 1995).
Referentes del feminismo dialógico como Puigvert (2001, 2003),
expresan su preocupación por la inclusión de estas voces ausentes,
defendiendo la participación de otras mujeres (El término de otras mu-
jeres, acuñado por esta autora hace referencia a mujeres sin estudios
superiores, mujeres sin estudios o mujeres populares). Sólo a través de
un diálogo igualitario es posible incluir estas voces, entendiendo por
diálogo igualitario aquel que considera las aportaciones en función de

181 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
la validez de sus argumentos en lugar de valorarlas por las posiciones de
poder de quienes las realizan (FLECHA, 1997). En la misma línea, Wittig
(2005) se expresaba ya en estos términos reivindicando que la labor de
las mujeres es aceptar la posición de sujeto hablante autorizado, siendo
además un derecho ontológicamente fundado.
Desde este posicionamiento, consideramos que -si bien es cierto
que las sociedades actuales son cada vez más dialógicas-, este diálogo
igualitario es compartido por diferentes grupos y personas aunque con
diversos grados de aceptación. Los grados de aceptación y de resistencias
de algunos grupos, que interpretan estos procesos como amenaza ante
la posible pérdida de privilegios, son lo que precisamente hacen avanzar
el diálogo. Flecha, Gómez y Puigvert hacen referencia a estos procesos
argumentando

esos objetivos y el esfuerzo que se hace por alcanzarlos, están


moviendo hacia ellos las realidades, aunque sea a un ritmo
más lento de lo deseado por quienes luchan para alcanzarlos.
Esa distancia ha servido para atacar a las sociedades dialógicas,
afirmando que son una farsa donde el diálogo no va más allá de
la declaración de unos principios a los que, a la hora de la verdad,
nadie hace caso. Sin embargo, es muy al contrario, es la prueba
de una fuerza humana que empuja esas sociedades hacia unas
rutas más dialógicas (2010, p. 150).

A esa fuerza es a la que denominan modernidad dialógica.


Estos avances, han permitido el paso de una modernidad tradicional
(imposición de la identidad de muchas personas y culturas) a una mo-
dernidad reorientada hacia una opción dialógica donde los valores-guía
de las transformaciones no surgen de la imposición de unas culturas o
personas sobre otras, sino de los acuerdos entre ellas. El feminismo dia-
lógico en el contexto de esta modernidad, permite entender la igualdad
de diferencias y persigue que hombres y mujeres puedan convivir con
igualdad de derechos, que no lastimen, sino que fortalezcan sus respec-
tivas identidades. En otras palabras:

182 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
aprender a valorar las diferencias, y ello sólo se puede hacer desde
un marco de igualdad que no parta de una identidad equivalente
a un concepto de individuo concreto, sino sobre la idea de la
igualdad como ejercicio de consenso de diferencias en un diálogo
constante. Por eso sólo podemos llegar a esa igualdad a través de
un sistema democrático en el que se promueva la agencia y la
palabra, el encuentro y la intersubjetividad; donde los significa-
dos estén abiertos a debate, y donde el signo político no se agote
en una política determinada y cerrada (REVERTER, 2011, p. 130).

Desde este enfoque, defendemos la importancia de dar la palabra a


quienes siempre se les ha negado y por ello han sido retiradas del esce-
nario social, invisibilizando sus verdaderas demandas, intereses y moti-
vaciones que forman parte de la realidad que los define como sujetos. En
nuestro caso, dar voz a mujeres y a hombres que nunca han sido repre-
sentados, sino incluidos sin permiso dentro de colectivos desautorizados
a pesar de influir y ser influidos por un momento histórico y cultural.

EL DIÁLOGO SOCIO-HISTÓRICO COMO


INSTRUMENTO MEDIADOR EN EL DESARROLLO
DE LAS IDENTIDADES DE GÉNERO

De forma particular hacemos alusión al concepto de género, de


hombre, de mujer y por tanto de sus representaciones, que han ido con-
solidando estereotipos entendidos como formas generalizadas de una
realidad construida. ¿Pero dónde nace esta realidad construida?
Para responder a esta pregunta comenzamos abordando la Ley genética
general del desarrollo cultural desarrollada por Vygotsky (1995) y que se
define partiendo de lo social, lo individual y el desarrollo. Esta Ley in-
troduce “la relación entre algo que se define como <<social>> y algo que
se define como <<individual>>” (DANIELS, 2003, p. 60). Lo social puede
ser percibido de forma muy amplia poseyendo elementos culturales e

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a contemporaneidade em temas clássicos
históricos que tienen un importante papel en el desarrollo individual,
de la subjetividad. Para entender estos procesos Vygotsky (1978) sostiene
que hay que teorizar sobre las implicaciones psicológicas de los facto-
res sociales, e históricos. En otras palabras, teorizar sobre los procesos
interpersonales e intrapersonales. Es por ello que inicia el desarrollo de
metodologías apropiadas para impulsar otras formas de investigación e
intervención más acordes con esta finalidad, focalizadas sobre la base de
que lo interpersonal precede a lo intrapersonal (DANIELS, 2003).
Otras propuestas que siguen impulsando el desarrollo de la perspec-
tiva Sociocultural tratan de vincular los aspectos sociales e individuales
a través de distintos modelos en los que nos apoyamos. En concreto,
este autor define dos modelos de entender esta cuestión a los que llama
modelo de interiorización y modelo de participación. Modelos que no con-
sidera excluyentes sino complementarios.
El Modelo de Interiorización del desarrollo cultural destaca la trans-
formación de las funciones sociales en aptitudes individuales. Este mo-
delo es el más cercano a Vygotsky y el que, en consecuencia, ha dado lugar
a nuevas propuestas que extienden su teoría. En relación a este modelo,
aplicamos la noción de abstracciones duales a nuestro posicionamiento en
el concepto Género, entendiéndolo como una construcción que emerge
debido a las relaciones sociales que operan en escenarios culturales.
En relación al Modelo de Participación, tomamos como referente a
Bajtín (1981), interesado en cómo se constituyen mutuamente las per-
sonas en su diversidad, agencia y diálogo. Según este autor, las personas
se necesitan mutuamente no tanto para lograr con éxito alguna meta en
sus intentos de cooperación sino más bien a causa de su transgradiencia
(literalmente significa exterioridad, concepto relacionado con el de
externalización), que les permite ser participantes en un diálogo sin fin
(DANIELS, 2003).
Bajtín (1981), proporciona una descripción sociocultural situada de la
mediación semiótica. Su insistencia en el diálogo y en lo que él llamaba
ventriloquia dio lugar a que se entendieran los procesos por los que la

184 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
voz o las voces de otras personas son apropiadas por los individuos. En
este sentido es importante resaltar la sugerencia de Bajtín (1981) de que el
lenguaje está preñado en exceso de las intenciones de otros, recordándonos
que en los procesos de mediación los individuos operan con artefactos
(palabras/textos) que a su vez, están conformados en y por actividades
donde se contradicen valores y se negocian significados (DANIELS, 2006).
Otra de las aportaciones fundamentales del pensamiento de Bajtín
es el tratamiento de la noción de alteridad y su relación con el poder. De
acuerdo con Ponzio (1998), el enfoque de este autor en los problemas
de la cultura y, en consecuencia de los signos y de los valores, cobra un
interés especial porque tiende a poner en discusión la categoría de la
identidad a favor de la alteridad. Según Bajtín, nuestro encuentro con
el otro no se realiza sobre la base del respeto o la tolerancia, que son
iniciativas del yo. El otro, impone su alteridad irreductible sobre el yo,
independientemente de las iniciativas de este último. Al contrario, es el
yo el que se construye y tiene que abrirse camino en un espacio que ya
pertenece a otros. Esto es evidente a nivel lingüístico y a nivel de construc-
ción de nuestra misma conciencia. En este sentido, Bajtín sostiene que
la conciencia está hecha de lenguaje y, por tanto de relaciones sociales.
Nuestras palabras son siempre en parte de los demás, hechas desde la
boca de los demás. Están configuradas con intenciones ajenas antes de
que nosotros las usemos como materiales e instrumentos de nuestras
intenciones. Es por ello que todos nuestros discursos interiores, es decir,
nuestros pensamientos, son inevitablemente diálogos. El diálogo no es
por tanto una propuesta, una concesión, una invitación del yo, sino una
necesidad, una imposición, en un mundo que ya pertenece a otros. Esta
noción de alteridad es fácilmente trasladada al dualismo genérico. En
el orden simbólico, es el hombre quien aparece como sujeto, la mujer
queda relegada al papel de objeto, de lo otro de la masculinidad, lo que
equivale a decir lo otro de la humanidad. De Lauretis (1987, 2000), de-
fiende este posicionamiento argumentando que el concepto de mujer
es producido por unos discursos dominantes. La subjetividad femenina,

185 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
manera típica de ser, sentir y estar en el mundo tienen mucho que ver
con un concepto cultural de mujer que se expresa mediante el lenguaje
(CASTELLANOS, 1995).
Situándonos en el Modelo de Interiorización del desarrollo cultural,
entendemos que la construcción de la identidad de género supone la
transformación de fenómenos sociales en fenómenos psicológicos a
través de los procesos de internalización o interiorización. Procesos
mediados por los instrumentos semióticos que vinculan el plano interp-
sicológico y el intrapsicológico (acción mediada). Nos posicionamos en la
idea de que el yo personal, y por ende la identidad, puede considerarse
como una narración personal (BRUNER, 2003) que da sentido a la propia
vida, a la experiencia subjetiva. Esta narración es, por tanto, un instru-
mento semiótico que permite que niños y niñas, hombres y mujeres,
vayan construyendo y transformando su propia identidad genérica en
escenarios de actividad (en interacción con los demás). Pero debemos
acentuar que no son meros agentes pasivos que van asimilando estereo-
tipos sociales, sino también, agentes activos que van transformando esa
experiencia interna en externa.
En este sentido, partiendo del Modelo de Participación del desarrollo
cultural, hacemos referencia al proceso de exteriorización o externaliza-
ción. Se trata de un proceso opuesto y complementario a la interioriza-
ción ya que no es una reproducción de la experiencia interna en externa,
sino una construcción. Este proceso ayuda a moldear los estereotipos de
género existentes o a crear nuevos estereotipos de género que a su vez
influirán en la construcción de identidades personales.
Como consideración final, entendemos que la autorrepresentación
-en tanto identidad-, no debe concebirse como una condición estable
del individuo, sino como una cualidad que surge de las acciones en
un contexto relacional. Tener en cuenta este enfoque, implica con-
siderar un hacer el género en interacciones sobre distintos escenarios
sociales de actividad y mediante actos de significación. Escenarios de
actividad en los que emergen nuevas culturas y en los que las relaciones

186 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
personales van conformando nuevas representaciones genéricas.
No obstante, hombres y mujeres se posicionan de diferente manera
para adaptarse o enfrentarse a las transformaciones culturales, en un
dialogo social sin fin.

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189 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
CAPÍTULO 10

Violência doméstica contra


a mulher nas relações íntimas de afeto:
uma introdução conceitual

VANESSA ARAUJO SOUZA CÔRTES


JOILSON PEREIRA DA SILVA

Fenômeno construído essencialmente no social, complexo, po-


lissêmico e controverso (MINAYO; SOUZA, 1998), a violência atinge a
todas as classes, idades, gênero, cultura, raça/etnia, religião e grau de
escolaridade. Tem suas raízes nas relações macroestruturais, históricas
e se atualiza nas relações microestruturais, encontrando na própria so-
ciedade fatores agravantes como a desigualdade social, o desemprego,
a ausência de condições dignas de saúde e a má qualidade da educação
(RIBEIRO, 2011). Minayo e Souza (1998, p. 514) definem a violência como
“ações humanas de indivíduos, grupos, classes, nações que ocasionam
a morte de outros seres humanos ou que afetam sua integridade física,
moral, mental ou espiritual”.
Ainda hoje, no Brasil, com uma realidade social e política diferen-
ciada, as relações de poder e a necessidade de se manter privilégios sus-
tentam as relações violentas, tendo um caráter revelador de estruturas
de dominação seja de classes, grupos, indivíduos, etnias, faixas etárias,
gênero ou nações (MINAYO; SOUZA, 1998).

190 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
De forma velada e silenciada, essa violência de caráter dominador
perpassa das esferas públicas às esferas privadas, reproduzindo-se nos
lares de forma ameaçadora (RIBEIRO; COUTINHO, 2011). No ambiente
doméstico, atinge, primordialmente, os grupos mais vulneráveis. No
Brasil, esta temática vem sendo mais estudada na última década, aten-
tando-se para a violência contra a mulher, criança, adolescente e idoso.
A violência contra a mulher perpetra, ainda hoje, muitos lares brasilei-
ros, podendo ser denominada violência doméstica contra a mulher nas
relações íntimas de afeto.
A violência doméstica surge a partir do momento que o ambiente
familiar deixa de ser visto como um espaço harmonioso para ser consi-
derado, também, um espaço de luta de forças, luta pelo poder (RIBEIRO,
2011). A família traz para dentro de casa aspectos macrossociais como: a
dominação, a impunidade, a corrupção, as desigualdades. Assim, a vio-
lência doméstica não pode ser estudada e entendida como um fenômeno
particular à determinada família, devendo ser observados os aspectos
sociais e culturais do seu entorno.
Saffioti (2002) ressalta que o referencial principal dessa violência é a
unidade domiciliar, composta por um conjunto de pessoas com ou sem
laços sanguíneos, incluindo empregados, agregados e visitantes espo-
rádicos, que convivem de modo familiar. Esse tipo de violência, que é
exercido contra a mulher dentro do ambiente doméstico, é considerado,
também, uma violência de gênero (SOUZA, 2010), respaldado no vínculo
emocional. É assim caracterizado já que a “diferença entre este tipo de
violência e outras formas de agressão é que, neste caso, o fator de risco
ou vulnerabilidade é apenas ser uma mulher” (RICO, 1996, p. 8, citado
por CERVANTES; SPINOSA; BEIRAS, 2010, p. 508). Ressalta-se, entretanto,
que nem toda violência de gênero é violência contra a mulher e nem
toda violência doméstica é uma questão de gênero, pois a pessoa pode
se tornar vítima por um motivo outro que não seja o seu papel social de
homem ou mulher.

191 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
O gênero, assim como a classe e a raça/etnia, também
é estruturante de uma sociedade (SAFFIOTI, 1999) e a nos-
sa foi, primordialmente, estruturada com base no gênero
masculino, pautada no androcentrismo1 e no heteros- 1 O androcentrismo coloca a uni-
versalidade masculina no topo de
sexismo. O gênero como categoria histórica, relacional, uma hierarquia, seja a de uma orga-
política e socialmente construída enfatiza a dimensão nização social, ou a de um sistema
de representações ou de conceitos.
cultural, apresentando um papel estruturante no processo
Desse modo, apaga a dualidade dos
de se tornar homem ou mulher. Portanto, pode ser enten- sexos, ressaltando a superioridade
dido como a construção social do masculino e do femini- do masculino sobre o feminino
(AGACINSKI, 1999).
no, apontando papéis apropriados e regulando relações.
A descrição da posição de gênero em função do sexo acon-
tece em todas as sociedades desde a antiguidade e penetra
as diferentes estruturas sociais (MARTÍNEZ, 1995).
É, possivelmente, essa descrição e essa concepção
de gênero, culturalmente construída, que explica a
desigualdade homem/mulher. Para Cantera (2002),
essa desigualdade de gênero, construída historicamente
com base em supostos argumentos inquestionáveis
(teológicos, científicos, biológicos, sociais, morais e
psicológicos), funciona como base da violência sofrida
pelas mulheres. Esta violência, além de ser um fenôme-
no determinado pelas variáveis situacionais e contex-
tuais, é um produto da história da dominação de gênero,
alimentado pela cultura patriarcal e androcêntrica.
Tal violência doméstica contra a mulher nas rela-
ções íntimas de afeto é aquela em que o agressor e a
vítima mantêm ou mantinham um relacionamento
afetivo conjugal, podendo o agressor ser o marido ou
ex-marido, companheiro ou ex-companheiro, noivo ou
ex-noivo, namorado ou ex-namorado (SOUZA, 2010).
A história mostra que a mulher (que já foi até con-
siderada um homem imperfeito) não foi preparada

192 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
sequer para ser um sujeito de direitos, muito menos um sujeito res-
ponsável pelo seu próprio sucesso ou fracasso. Visto que até a década
de 1970 – quando as feministas começaram a lutar pelos seus direitos
– as mulheres eram completamente dominadas pelos homens, a quem
deviam extremo respeito, a ponto de ser obrigada a chamar o marido
de ‘senhor’. A história do gênero escreveu em suas ‘páginas’ que a
mulher devia ser doce, passiva, submissa, quiçá sem voz. Contrapor o
desejo de um homem se não fosse uma sentença de morte, seria uma
sentença de humilhação.
A desigualdade entre homem e mulher começou a ser pensada somen-
te na década de 1950, quando a Organização das Nações Unidas (ONU)
criou a Comissão de Status da Mulher, que estabelecia a igualdade de di-
reitos entre homens e mulheres. Já a questão da violência, desencadeada
por essa desigualdade, passou a ser verdadeiramente discutida nos anos
1970 e 1980, a partir da ação de feministas que saíram às ruas clamando
não só contra a impunidade dos agressores, mas também por igualdade
de direitos políticos, direitos à educação e ao trabalho (SILVA, 2009).
Neste cenário, como notam Galinkin e Ismael (2011), foram ques-
tionados os fundamentos ideológicos que sustentavam e justificavam
as desigualdades sociais e de direitos entre homens e mulheres. Daí
em diante, várias Políticas Públicas relacionadas (ainda insuficientes)
entraram em vigor ao redor do mundo; um movimento que no Brasil
teve como um de seus grandes símbolos a efetivação da Lei Maria da
Penha, em 2006, visando a prevenir e a coibir a violência doméstica
contra a mulher.
Com a implantação dessas Políticas Públicas para a promoção dos
Direitos das mulheres e da igualdade de gênero, e com a mudança
de perspectiva sobre o relacionamento afetivo não mais totalmente
baseado no patriarcalismo, a violência doméstica contra a mulher
foi posta em xeque: agredir mulheres e/ou companheiras não pôde
mais ser visto como “normal” ou aceitável. Apesar disso, o fenômeno
continua sendo amplamente praticado. O Instituto AVON e o IBOPE

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a contemporaneidade em temas clássicos
(2009) realizaram uma pesquisa sobre as percepções
da população em relação à violência doméstica con-
tra a mulher e ao conhecimento dos mecanismos de
proteção à vítima. A amostra foi composta de 2002
pessoas, destas 55% conheciam casos de violência
contra mulher e 56% apontaram-na como o problema
que mais preocupa a brasileira.
Dantas-Berger e Giffin (2005) propõem, ainda, que
essa violência praticada hoje não é apenas um resquício
do velho sistema patriarcal, em que o homem tinha
“direito” de dominar e controlar a mulher, mas também
uma reação à “derrocada” da superioridade masculina e
à sua incapacidade de lidar com o novo papel da mulher
independente. Entretanto, até que ponto essa derrocada
da superioridade do homem e a questão do novo papel
da mulher não estão ligadas ao patriarcalismo? Seria
mais coerente entender essa justificativa como um
típico exemplo de que as concepções patriarcais ainda
estão muito presentes. A nova perspectiva social da
mulher confronta diretamente a identidade de gênero
de alguns homens e o preconceito que estes mantêm
em relação às mulheres, levando-os a reagir de forma
violenta, a fim de mantê-las submissas. A violência
doméstica contra a mulher é definida na Legislação
brasileira (L. n. 11340, artigo 5, inciso III), como:

qualquer ação ou omissão baseada no gênero


que lhe cause morte, lesão, sofrimento físi-
co, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial: em qualquer relação íntima de
afeto2, na qual o agressor conviva ou tenha 2 Grifo nosso.
convivido com a ofendida, independente-
mente de coabitação.

194 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Seguindo a mesma linha, Cantera (2003, p. 196) define-a como:

comportamento hostil consciente e intencional (de caráter não


acidental) que, por ação ou omissão, causa na pessoa maltratada
um dano físico, psíquico, jurídico, econômico, social, moral
ou sexual, atentando assim contra sua liberdade e seu direito a
desenvolver-se como pessoa.

Existem, portanto, diferentes conceituações sobre o que configura


a violência doméstica contra a mulher. Em todas as definições, essa
violência é entendida como uma violência de gênero, ou seja, derivada
de uma organização social que privilegia o masculino (SAFFIOTI, 1999).
A violência contra a mulher pode ocorrer de diversas formas. No
Brasil, sob o ponto de vista legal, pode-se resumi-la em violência física,
psicológica, sexual, patrimonial e moral (L. n. 11340). A violência física
é qualquer conduta que afete a integridade física e a saúde corporal,
como: puxões de cabelos, murros e até a morte. A psicológica é qualquer
conduta que cause dano emocional, diminuição da autoestima ou pre-
juízo à saúde psicológica como desprezo, humilhação, ameaças, críticas,
isolamento, constrangimento, perseguição, limitação do direito de ir e
vir. A sexual é qualquer conduta que a obrigue a realizar ou presenciar
atos sexuais não desejados mediante a intimidação, coação ou uso da
força; induza ou force a comercialização da sua sexualidade; impeça de
usar método contraceptivo; force ao aborto; a gravidez ou ao matrimônio
ou; obrigue-a a prostituir-se. A patrimonial é qualquer conduta que vise
retenção, subtração e/ou destruição parcial ou total de bens, valores, e
recursos econômicos ou instrumentos de trabalho e documentos. E a
moral é qualquer conduta que provoque a calúnia, difamação ou injúria
(BRASIL, 2006).
Existem ainda outros tipos de violência como a discriminação so-
cioeconômica, exercida através das normas sociais que determinam
liberdades, possibilidades profissionais, reconhecimentos e salários
diferenciados para homens e mulheres, reduzindo a autonomia destas

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a contemporaneidade em temas clássicos
(SOUZA, 2010). E, o stalking3, que vem sendo discutido 3 Em uma tradução literal ‘stalking’
significa ‘perseguindo’.
recentemente e diz respeito à perseguição incessante
praticada por uma pessoa a outra; o agressor vê a vítima,
neste caso a mulher, como caça e, por isso, persegue-a
através de diferentes meios: repetidas cartas, e-mail,
telegrama, recados no rádio e no jornal, esperando a
vítima no local de trabalho, lazer, no supermercado,
salões de beleza e em casa (CROWELL; BURGESS, 1996).
Em qualquer uma das formas de violência, a emo-
cional e a moral estão presentes (SAFFIOTI, 1999). Essas
apontam, sutilmente, para a transformação da pessoa
vitimizada em uma “coisa” indefesa (CANTERA, 2002).
No entanto, não é apenas a coisificação da mulher ou
o papel de indefesa e o pseudopoder masculino que
explicam essa violência. É explicada também em função
das múltiplas conexões entre membros das famílias,
instituições, situações de (des)encontros, viabilidade
econômica e leis. (CERVANTES et al., 2010).
Penso (2009) acredita que as famílias mais desfa-
vorecidas (financeiramente) e que têm seus direitos
fundamentais4 violados vivenciam uma ‘aceleração’ 4 Direitos fundamentais são os
direitos básicos pertinentes a todos
do ciclo de vida (estágios – infância, adolescência, fase
os cidadãos, como: direito à vida, à
adulta – sobrepostos), o que dificulta o desempenho liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade (BRASIL, 1988, art. 5).
de papéis, o estabelecimento de regras familiares e
potencializa a exposição à violência, ao uso de álcool
e outras drogas.
São, no entanto, diversos os fatores que permeiam
a violência, entre eles: fatores sociais – dificuldade
financeira, trabalho ou desemprego, percepção social
do masculino e do feminino; fatores familiares – inter-
ferência da família extensa na organização da família

196 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
nuclear, criação e educação dos filhos e fatores específicos da conjuga-
lidade – sexo, ciúme e traição (RAMOS; ROQUE, 2010).
E, ainda algumas questões obscurecem a compreensão do fenômeno
da violência doméstica contra a mulher, por exemplo: a questão social,
que minimiza as situações de violência a depender da classe, preconcei-
tuosamente considerando a violência como questão intrínseca à pobreza;
a questão lógica, que patologiza o agressor, sendo que, no mundo intei-
ro, apenas 2% dos agressores sexuais, por exemplo, são considerados
doentes mentais e pessoas e/ou relacionamentos codependentes, na
medida em que a relação com o outro, independente da forma, se torna
necessária para a sobrevivência (SAFFIOTI, 1999). Essas questões mini-
mizam a gravidade deste fenômeno, já que acabam por naturalizá-lo em
certos aspectos.
Além dessas questões obscuras e/ou fortalecedoras da violência, o
contexto social prepara os homens para um papel dominante, de poder e
autoridade, tendo o exercício da violência como aceito e valorizado desde
a infância (HIRIGOYEN, 2010). Assim, à medida que a agressividade mas-
culina encontra justificativas para acontecer, o fenômeno da violência vai
se tornando uma consequência desta e sendo obscurecido, minimizado.
Uma atitude agressiva que leve à violência contra a esposa ou com-
panheira não poderia ser justificada. Paiva (1999), entretanto, acredita
que alguns fatores realmente provocam a violência masculina, como o
alcoolismo, problemas mentais, falta de diálogo entre o casal, dificul-
dades sexuais e fragilidade da autoimagem. É fato que a agressividade
masculina (e também feminina) existe, contudo não pode ser usada
como desculpa para atos violentos. Saffioti e Almeida (1995) afirmam
que o homem está socialmente vinculado à força e, por isso, não sabe
lidar com situações de impotência, sendo possivelmente nessas si-
tuações em que age com violência. Uma das principais experiências
de impotência seriam o desemprego e a perda do papel de provedor
da casa, o que afetaria diretamente sua masculinidade; para reafirmar
sua força e poder de dominação, como ‘exige’ a sociedade, ele age com

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a contemporaneidade em temas clássicos
violência (SAFFIOTI, 1999). Essas afirmações explicam em que momento
o agressor age com violência, mas não a justifica.
Ramos e Roque (2010) apontam que os elementos subjetivos que
podem ser percebidos no agressor corroboram o que foi explicitado an-
teriormente. O agressor (homem) geralmente busca na agressividade ter
poder/controlar a própria vida e a do outro. De acordo com Adeodato et.
al. (2005), 70% desses (ex) companheiros ingeriram álcool e 11% consu-
miram substância ilícita antes da agressão; e são agressivos com outras
pessoas, com os filhos por exemplo. Não há que se restringir o uso/abuso
de substâncias lícitas ou ilícitas como fatores estruturantes da violência.
Junto a isso, há outras questões, como o contexto familiar. Por muito
tempo, esses contextos familiares foram reforçadores da socialização
das mulheres como sujeitos impotentes, com a crença de que a mulher
é responsável por manter a harmonia do lar e, por isso, deve se sujeitar
a uma situação violenta. No entanto, essas crenças vêm mudando e se
tornando inaceitáveis.
Em termos gerais, algumas outras razões são apontadas por muitas
mulheres para permanecerem sob o jugo da violência: medo, vergonha,
crenças desmobilizadoras (“uma vergonha para a família”, “um prejuízo
para os filhos”), falta de recursos, vitimização secundária (ao obrigar a
vítima, por exemplo, a contar a história da violência sofrida diversas
vezes, em diferentes órgãos), violência institucional (quando a vítima é
tratada sem a devida sensibilidade ao caso ou é vista como culpada pelos
funcionários dos órgãos protetivos) e saúde física e/ou mental (CANTERA,
2002). Entretanto, nenhuma das razões perpassa pelo fato de gostar e/
ou sentir prazer em ser maltratada.
Em similaridade à relação patrão-empregado, a mulher não consen-
te a violência, mas às vezes cede por deter menos poder que o homem
(MATHIEU, 1985 citado por SAFFIOTI, 1999). E é, justamente por isso, que
agem ambiguamente quando a questão é a punição ao agressor; algumas
denunciam e depois retiram a queixa (atualmente, com a efetivação da
L. 11340, apenas na presença do juiz), ou denunciam e não querem que

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a contemporaneidade em temas clássicos
seus companheiros sejam punidos ou, até mesmo,
não denunciam. Saffioti (1999) aponta algumas im-
plicações para tais comportamentos: relação afetiva
de dependências mútuas; mulheres sem autonomia
(independência é diferente de autonomia5); depen- 5 Autonomia significa o exercício
do autogoverno, autorregulação,
dência financeira; pressão social para a preservação
livre-escolha, privacidade, liberdade
da família tradicional; além, obviamente, das ameaças individual e independência moral.
Independência é a capacidade funcio-
de novas agressões e de morte.
nal, isto é, a capacidade de realizar as
Ademais, a situação de violência não se perpetua atividades básicas do nosso dia-a-dia
ininterruptamente. A violência doméstica contra a (alimentar-se, fazer a higiene pessoal,
ir ao toalete, tomar banho, vestir-se,
mulher nas relações íntimas de afeto é um ciclo em se locomover, fazer compras, pagar
que os períodos de violência são alternados com lon- as contas) a ponto de sobreviver sem
ajuda para o autocuidado e o manejo
gos momentos de “normalidade” do agressor, o que instrumental da vida.
faz com que a vítima recorde do episódio de violência
como algo pontual, entendendo que o homem estava
com a ‘cabeça quente’ ou que não queria agredi-la ou,
pior, encara-se como responsável pela violência sofrida
(CANTERA, 2002).
Walker (1980, citado por CANTERA, 2002) encara
essa violência como um ciclo dividido em três fases:
acumulação de tensões, descarga da violência e lua
de mel. A relação violenta é um fenômeno sistêmico e
dinâmico. A primeira fase de ‘Acumulação de tensões’
ou ‘Construção de Tensão’, começa com incidentes
pequenos, o que leva a vítima acreditar que a situação
está controlada, dando explicações lógicas e, por isso,
aceitando-a. Na segunda fase, ‘Descarga de violência’
também chamada de ‘Tensão Máxima’, a situação sai do
controle e as agressões são extremas. É neste momento,
que podem ocorrer denúncias, separação, interven-
ção de terceiros ou mesmo a manutenção da relação.
A ‘Lua de Mel’, caracterizada por expressões de arrepen-

199 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
dimento e promessas de mudanças, é a fase seguinte, na
qual acontece uma reestruturação do relacionamento,
pois o agressor faz juras de amor, promessas de que vai
mudar e que não agirá mais com violência. Entretanto,
com o passar do tempo o ciclo se reinicia e, mais uma
vez, a mulher volta a ser vítima de graves agressões,
enfrentando a fase da ‘Tensão Máxima’ mais uma vez.
Infelizmente, essa alternância de violência e carinho
que, por vezes, confunde as mulheres, é responsável
pelo surgimento de mitos que parecem reforçar a vio-
lência, como: a vítima é masoquista; muitas mulheres
buscam homens violentos e, por isso, merecem a
agressão; os agressores são pessoas sem educação, de
classe social baixa, com problemas de alcoolismo ou
psicopatologias; ou, ainda, a violência é uma situação
passageira (CANTERA, 2002). São, obviamente, mitos.
Esse trato humilhante, que é dispensado à mulher, é, er-
roneamente, justificado com base na crença do mundo
justo6, culpando e estigmatizando a vítima. 6 A crença no mundo justo é uma
teoria, segundo a qual todas as
Assim, a mulher que sofre violência doméstica pessoas, em maior ou menor grau,
é muitas vezes responsabilizada pela situação, ao têm necessidade de acreditar que o
mundo é justo e assim acreditam que
invés de ser vista como vítima. Muitos dos costumes
cada pessoa tem aquilo que merece
atuais ainda estão arraigados em uma sociedade libe- (LERNER; SIMMONS, 1966, citado por
CORREIA; VALA, 2003).
ral, em que o foco está no sujeito, e este é sempre visto
como responsável pelo próprio sucesso ou fracasso.
A mulher deste século, apesar de passar por mu-
danças significativas, especialmente, no que diz
respeito a sua conduta social, sua atuação profissio-
nal e sua condição financeira, contrapondo o papel
anterior de apenas dona de casa, continua sendo
vitimada e estigmatizada, posto que esse novo papel
conteste a visão patriarcal do homem provocando,

200 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
por vezes, ações violentas com o objetivo de manter o controle e o
poder sobre as mulheres.
Ramos e Roque (2010) afirmam que o agressor, frequentemente,
busca subjetivamente ter poder e controlar não só a própria vida como
a do outro. Cantera (2002), confirmando a ausência de possibilidade
de questionamento por parte da mulher, aponta que, em geral, aquelas
que sofrem violências são as que se ‘atrevem’ a contradizer, violar ou
transgredir o que é estabelecido social e culturalmente.
Em outros casos, mesmo quando a mulher não transgride o arqué-
tipo social esperado, pode ser vítima de violência, seja por ignorância
do companheiro, pelo ciúme deste, por este se sentir contrariado, por
ingerir álcool ou até pelo questionamento da traição do companheiro.
Ademais, atribuem a permanência em tal situação ao fato de não te-
rem para onde ir com os filhos ou porque seus familiares não as aceitam
de volta, uma vez que já foram casadas (dependência financeira); outras
vezes parece haver uma dependência emocional, que é sustentada por
crenças disfuncionais acerca de si mesmas, reforçada por falas deprecia-
tivas do companheiro. Estas falas comprometem a autoestima da mulher
e a leva a crer que é a causadora da situação e que não tem condições de
vivenciar outro relacionamento saudável. Assim, não basta que a mulher
denuncie e se separe do companheiro, é necessário que ela recupere ou
reestruture seu self e suas crenças acerca de si mesmas.
Ribeiro e Coutinho (2011) afirmaram ainda que a violência se traduz
em agravos à saúde física, reprodutiva e mental das mulheres vítimas.
Enquanto Hirigoyen (2010) apontou como consequências o sentimento
de impotência, submissão, vulnerabilidade, desgaste emocional e sen-
timento de vingança.
Em decorrência da violência sofrida e de suas consequências, a maio-
ria das mulheres nutrem um sentimento muito negativo pelo (ex) com-
panheiro, considerando-o ignorante, estúpido, fracassado, mau-caráter,
monstro, alegando que os agressores são covardes e/ou estão fora de si;
são vistos também, por uma minoria, como doentes ou dignos de pena

201 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
ou como bom ou normal (CÔRTES, 2014). Borin (2007) verificou que as
mulheres percebem seus parceiros como ingratos e individualistas, que
eles não sabem ser companheiros, muitas vezes não são provedores da
casa e muito menos “cuidadores” da família.
A violência produz grandes estragos e, por isso é considerada pela
Organização Mundial de Saúde (1998) como uma questão de saúde pú-
blica, já que, além de onerar bastante os cofres públicos, provoca agravos
físicos e emocionais às vítimas. Os efeitos da violência sofrida pelas
mulheres impactam sobre a saúde, tendo consequências devastadoras
sobre a saúde reprodutiva e sexual da mulher, além de afetar o bem-estar
físico e mental (SOUZA, 2010). Este autor aponta ainda outros problemas
enfrentados pelas vítimas, como: dor crônica, debilidade física, abuso
de substâncias psicoativas lícitas e ilícitas, depressão e doenças sexual-
mente transmissíveis.
Ademais, os números que retratam tal violência são assustadores.
A violência doméstica atinge uma em cada quatro mulheres no mundo;
a cada cinco dias que a mulher falta ao trabalho um é em decorrência da
violência sofrida dentro de casa; a mulher vítima de violência perde um
ano de cinco potenciais de vida saudável. Na América Latina, os crimes
de Violência Doméstica atingem de 25 e 50% das mulheres e dos crimes
contra a mulher (BANCO MUNDIAL, 2006).
No Brasil, 23% das mulheres estão sujeitas à violência doméstica;
a cada quatro minutos uma mulher é agredida em casa pelo parceiro;
mais de 40% das violências ocasionam lesões corporais graves (NARVAZ;
KOLLER, 2006). Dados da Redesaúde (2001) apontam que 11% das
brasileiras com quinze anos ou mais já sofreram espancamento; uma
em cada cinco já sofreu violência pelo menos uma vez. Entre 2009 e
2011, mais de dezesseis mil mulheres foram assassinadas (IPEA, 2013).
Ribeiro (2011) aponta que 70% dos casos de assassinato de mulheres são
cometidos pelos companheiros. Tais dados são ainda mais assustadores
quando comparados com países europeus: enquanto no Brasil há 4,2
assassinatos femininos para cada 100 mil habitantes, na Europa essa

202 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
taxa não ultrapassa 0,5 por 100 mil. No entanto, existem situações ainda
mais graves. Na Colômbia, por exemplo, a taxa é de 7,8 por 100 mil e na
África os países têm taxa média de 25 assassinatos femininos por 100
mil habitantes (INSTITUTO SANGARI, 2010).
As consequências da violência sofrida afetam todas as áreas da vida
das mulheres, sejam físicas ou emocionais, causando inclusive a de-
sestrutura familiar, afetando também o bem-estar de seus filhos e até a
conjuntura econômica e social. Assim, conclui-se que a violência incide
negativamente sobre a satisfação global com a vida dessas mulheres.
Deste modo, é possível afirmar que violência não é objeto exclusivo da
área social, está intrinsecamente ligada à área da saúde, da educação, da
política, do direito etc.
Por ser um fenômeno complexo e ainda frequente, atualmente, no
Brasil e em Sergipe, é necessária a construção de políticas públicas
não apenas direcionadas às mulheres vítimas, mas também voltadas
ao homem. Para isso, são necessárias políticas que visem à autonomia
da mulher, à independência financeira, à garantia do cuidado dos
filhos em creches e escolas, e também a ações institucionais efetivas
de proteção à mulher vítima de ameaças pelo parceiro, sem desprezar
a importância do atendimento psicológico nos casos necessários,
proporcionando uma verdadeira conscientização do fenômeno, per-
mitindo uma igualdade de gênero.

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206 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
CAPÍTULO 11

Adaptação ao estresse:
breve revisão sobre as estratégias de
enfrentamento (Coping)

ANDRÉ FARO

PSICOLOGIA DA SAÚDE E ESTRESSE:


O FOCO NO ENFRENTAMENTO

Entre as áreas da Psicologia que mais cresceram nas últimas décadas, a


Psicologia da Saúde figura como uma das principais. Sua maior profusão
no campo profissional e, especialmente, na produção científica, tornam
esse campo de estudos um dos mais profícuos para os próximos anos
(GARZÓN; CARO, 2014). Quanto ao seu conceito, o mais conhecido e ainda
aplicável é o de Matarazzo (1982), que define a área como um conjunto de
contribuições educacionais, científicas e profissionais da Psicologia para
a promoção e manutenção da saúde, a prevenção, tratamento e reabilita-
ção de doenças, além de ações junto às políticas públicas de saúde. Sua
prática é interdisciplinar, abrangendo todo o processo saúde-doença, em
suas dinâmicas, sociais, psicológicas e biológicas, cuja intenção primor-

207 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
dial é a otimização do cuidado e maior conhecimento acerca dos fatores
psicológicos que incidem sobre a saúde e o adoecimento (AMERICAN
PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION, 2014; MURRAY, 2012).
O estresse, como aporte teórico para estudo da adaptação dos indiví-
duos às adversidades, destaca-se entre as temáticas de investigação da
Psicologia da Saúde, assumindo uma posição central na compreensão
da maior ou menor suscetibilidade no processo saúde-doença. Como
conceito, o estresse pode ser entendido como um conjunto de reações
mentais e corporais que ocorre diante da percepção que demandas
internas ou externas excedem a capacidade adaptativa do indivíduo,
suscitando a ativação de recursos biológicos, sociais e psicológicos para o
retorno ao (ou busca do) estado de bem-estar subjetivo (MONROE, 2008;
SANTOS, 2010).
Nas últimas décadas da história de estudo do estresse, é válido afirmar
que as estratégias de enfrentamento ocupam um papel fundamental na
explicação dos mecanismos de ajustamento (LYON, 2000; SANTOS, 2010),
uma vez que foram propostas para explicar, especificamente, como os
indivíduos lidam com desafios adaptativos. Sendo assim, este trabalho
tem como objetivo revisar o papel do enfrentamento nos estudos do
estresse e no campo da Psicologia da Saúde.

ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO

Sendo uma teoria desenvolvida por Lazarus, na década de 1960


(LAZARUS, 1973), mas obtendo maior difusão através da sistematização
de Lazarus e Folkman (1984), a teoria do enfrentamento foi amplamente
aceita como possível explicação para a relação entre o estímulo estres-
sor, os indivíduos e o estresse, sendo considerada uma forma coerente
de como o processamento cognitivo desencadeia ou determina, acen-
tua ou atenua, mantém ou extingue a reação ao estresse (FOLKMAN;

208 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
MOSKOWITZ, 2004; MONROE, 2008; SANCHEZ; GARRIDO; ÁLVARO, 2003;
SOMERFIELD; MCCRAE, 2000).
No tocante a sua conceituação, vários caminhos são utilizados pelos
pesquisadores da psicologia social e da saúde para o delineamento do
que seriam as estratégias de enfrentamento. Por exemplo, Skinner e
Zimmer-Gembeck (2007) definiram como uma ação regulatória sob
condições de estresse, o que envolve como as pessoas mobilizam, dire-
cionam ou manejam comportamentos, emoções e pensamentos diante
de situações estressoras, cujo impacto se percebe através da alteração
do desfecho do estresse (por exemplo, sintomas físicos, psicológicos
ou mesmo desordens facilitadas em sua manifestação em virtude da
vivência do estresse). Outro conceito é que as estratégias de enfrenta-
mento são esforços situacionais empreendidos na tentativa de processar
cognitivamente um estressor como mais tolerável e, com isso, facilitar
a redução da carga estressora, incitada por algum estímulo (BRAUN-LE-
WENSOHN et al., 2009; SANCHEZ; GARRIDO; ÁLVARO, 2003). Por fim,
o enfrentamento também pode ser visto, resumidamente, como uma
resposta a uma demanda estressora (DEVEREUX et al., 2009).
Apesar de haver particularidades em cada definição, indo das con-
cepções mais complexas às mais simplistas, o fundamento teórico que
sustenta a maioria dos conceitos de enfrentamento é o princípio transa-
cional estabelecido por Lazarus e Folkman (1984), que prega que o enfren-
tamento é um fenômeno precipitado por uma transação interacionista
entre o indivíduo e o ambiente. Com efeito, parte-se do pressuposto que
o enfrentamento está inserido na tríade Estímulo-Organismo-Resposta
(LAZARUS, 1999). Desta feita, segue-se aqui o conceito que alcançou maior
expansão dentre as teorias que buscam explicar o estresse (FOLKMAN;
MOSKOWITZ, 2004): o enfrentamento é um processo de constantes
mudanças cognitivas e esforços comportamentais que buscam manejar
demandas externas e internas, avaliadas como sobrecarregando ou exce-
dendo a capacidade adaptativa do indivíduo (LAZARUS; FOLKMAN, 1984).

209 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Como salientado por Lazarus (1999), as respostas de enfrentamento
são uma série de transações estabelecidas entre o indivíduo e o am-
biente, em que se buscam regular estados de desajuste, de mal-estar ou
de inadaptação, alterando as relações do sujeito com o seu ambiente
percebido. Devido a essa função, o enfrentamento é um mediador cog-
nitivo do estresse, caracterizado por pensamentos, comportamentos e
emoções dirigidos ao estressor, com o papel fundamental de combater
os efeitos resultantes da percepção de estressores e encontrar formas
de administrar o acúmulo de excitação provocado pela necessidade al-
teração do status adaptativo (FOLKMAN; MOSKOWITZ, 2004; SKINNER;
ZIMMER-GEMBECK, 2007; TAYLOR; STANTON, 2007).
A mobilização das estratégias de enfrentamento se desenvolve a partir
de um contínuo de avaliação e reavaliação do estressor, didaticamente
dividido em três etapas: avaliação primária, avaliação secundária e a rea-
valiação. Na avaliação primária, a pessoa faz a identificação das demandas
de uma dada situação, provendo um significado a esta experiência. Três
possibilidades são esperadas: estímulo percebido irrelevante, positivo
ou negativo. Caso a avaliação resulte no terceiro, o estopim do estresse,
outros três tipos de qualidades são atribuídos (ameaça, dano/perda ou
desafio), diante dos quais estratégias adaptativas serão buscadas, a fim
de neutralizar o caráter estressor do evento (LAZARUS; FOLKMAN, 1984).
Na avaliação secundária, o indivíduo considera as possibilidades
de enfrentar o estressor e assim seleciona (deliberadamente, ou não)
as estratégias que lhe pareçam ser as mais adequadas, ou disponíveis,
frente ao estresse. Nesse sentido, desconsidera-se a efetividade da es-
tratégia, pois a ação do indivíduo é sempre uma tentativa de adaptação
(LAZARUS; FOLKMAN, 1984). Logo, não existem melhores ou piores tipos
de enfrentamento, posto que a sua adaptação ao recorte da realidade é
o que deve ser observada.
Na reavaliação, o indivíduo analisa o resultado da sua ação inicial,
tendo em vista a estratégia de enfrentamento mobilizada, e ainda
avalia o novo nível de adaptação ao ambiente; caso a estratégia tenha

210 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
sido adequada, o estresse será reduzido ou mesmo extinto, do contrá-
rio, o nível de desajuste pode ser mantido ou até incrementado. Dito de
outro modo, é na reavaliação que o indivíduo recebe o feedback de sua
ação, em que tanto o estressor como a estratégia utilizada poderão ser
modificados, desencadeando, quando necessário, um novo processo de
enfrentamento (LAZARUS; FOLKMAN, 1984).
Atualmente, o processamento cognitivo tripartite das estratégias de
enfrentamento é considerado como um dos mais representativos para
explicar o processo regulatório do estresse, havendo bastantes evidências,
em nível psicológico e neurofisiológico, quanto a sua validade (LAZARUS,
2000; FOLKMAN; MOSKOWITZ, 2004; OLFF; LANGELAND; GERSONS,
2005; TAYLOR; STANTON, 2007). Quatro aspectos foram destacados por
Lazarus e Folkman (1984), a fim de diferenciar as estratégias de enfrenta-
mento de outros recursos adaptativos: primeiro, o enfrentamento é um
processo situacional, ou seja, não é um traço estável da personalidade;
segundo, é uma atitude orientada e não um automatismo, pois o indiví-
duo se esforça para encontrar o melhor nível de ajustamento; terceiro, é
uma ação afirmativa e não prediz o seu resultado, pois varia de acordo
com o contexto e situação psicológica; e quarto, o manejo da situação
é que caracteriza o enfrentamento, para o qual não necessariamente a
extinção do estressor é esperada, mas o esforço em reduzir o caráter
inadaptativo da situação é o que ressalta a ação.
Decorrentes da primeira e da segunda avaliação, duas principais
dimensões do enfrentamento foram propostas por Lazarus e Folkman
(1984): o foco no problema e o foco na emoção. O primeiro se refere aos
esforços empreendidos na busca por manejar ou solucionar a situação
eliciadora do estresse, o que envolve, por exemplo, a busca por informa-
ções, decisões centradas no caráter do estressor, planejamento, resolução
de conflitos, dentre outras ações objetivas de tentativa de resolução. O
segundo focaliza a regulação das emoções derivadas da avaliação do
estressor, objetivando-se administrar a repercussão afetiva ocasionada
pelo estímulo, como por exemplo, evitar confrontar-se com o estressor,

211 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
distanciamento afetivo, a atenção seletiva, a atribuição de afetos positivos
a contextos percebidos como negativos, dentre outros (LAZARUS, 1999).
Ambas as estratégias compreendem pensamentos, comportamentos e
emoções que visam a reduzir o impacto do estressor e prover melhor
adaptação, além de tentar manter o bem-estar e a saúde mesmo em si-
tuações de estresse, sendo úteis em diferentes circunstâncias (FOLKMAN;
MOSKOWITZ, 2004; PENLEY; TOMAKA; WIEBE, 2002).
Como pressuposto, acredita-se que, quando o estressor se mostra
passível de mudança ou superação, é provável que o foco no problema
seja mais utilizado. Por outro lado, quando o resultado da avaliação
mostra que são reduzidas as chances de mudança, o foco na emoção é
mais provável de ser mobilizado (LAZARUS, 2007; LAZARUS; FOLKMAN,
1984). Entretanto, no campo de estudos do estresse e do enfrentamento,
os resultados das pesquisas mostram que necessariamente um tipo de
estratégia não é mais eficaz que a outra, apesar da tendência dos trabalhos
em considerar o foco no problema como eficaz em um maior número
de situações (BEN-ZUR, 2009; BRAUN-LEWENSOHN et al., 2009; CHANG
et al., 2007).
A respeito disso, Penley et al. (2002), analisando a relação entre es-
tratégias de enfrentamento e a saúde, em uma criteriosa revisão de 34
trabalhos, encontraram, dentre vários resultados, que o foco no proble-
ma se associou a melhores perfis, com um pequeno, mas significativo,
impacto sobre a variância total do desfecho. O foco na emoção denotou,
em geral, associação com piores níveis de saúde e também mostrou um
impacto de leve a moderado no estado final. Os autores concluíram que há
embasamento empírico ao se afirmar que as estratégias de enfrentamento
exibem importantes impactos sobre a saúde, fazendo-se a ressalva que
o tamanho do efeito está intrinsecamente ligado ao contexto em que se
faz a medida, ou seja, a particularidade da relação entre estresse e saúde
que se pretende analisar. Folkman e Moskowitz (2004) e Lazarus (1999)
defendem a mesma linha de entendimento, destacando que é necessá-
rio levar em consideração a situação em que as estratégias são ativadas,

212 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
posto que seja válida a afirmação que há o efeito do enfrentamento sobre
o estresse, no entanto, a efetividade de uma dada estratégia varia com o
tipo de amostra selecionada.
Percebe-se, hoje em dia, que o impacto das estratégias incide sobre
distintos modos de lidar com o estressor, mas também é sabido que não
são efeitos fixos, para os quais seria possível estabelecer uma padroni-
zação. Existe sim, por outro lado, a necessidade de que se aprofunde o
conhecimento acerca da dinâmica do enfrentamento, esclarecendo ques-
tões no tocante a em que medida cada dimensão proposta por Lazarus
e Folkman (1984) respondem pelas oscilações encontradas nos níveis
de estresse. A par desta situação, duas hipóteses apontam o caminho
para a continuidade das pesquisas. A primeira é que as estratégias de
enfrentamento não são mutuamente exclusivas e atuam em diferentes
facetas do estresse, variando principalmente na quantidade mobilizada
para cada dimensão. A segunda é que as estratégias não funcionam de
modo isolado na busca pela adaptação, o que traz à tona a premência por
estudos que delimitem o papel do enfrentamento em consonância com
outros mecanismos psicossociais de adaptação (BRAUN-LEWENSOHN et
al., 2009; CHANG et al., 2007; FOLKMAN; MOSKOWITZ, 2004; LAZARUS,
1999; PENLEY et al., 2002).
Variações no uso das estratégias de enfrentamento também são cons-
tatadas a depender do contexto psicossocial que se coloca em análise. Por
exemplo, Yancura e Aldwin (2008) mostraram que o uso e efetividade das
estratégias dependem da idade dos indivíduos. A partir do trabalho destes
autores, foi possível constatar que estratégias ligadas à dimensão foco
no problema possuem um diferencial impacto positivo no que se refere
à adaptação de idosos ao estresse, enquanto que o foco na emoção se
relaciona com maior frequência a condições de saúde negativas. Quanto
ao sexo, à raça e ao status socioeconômico também foram encontradas
diferenças significativas no tocante ao uso de determinadas estratégias
de enfrentamento (BEN-ZUR, 2009; GONZÁLEZ-MORALES et al., 2006;
LIANG et al., 2007; WATSON; LOGAN; TOMAR, 2008).

213 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Apesar de terem sido recentemente documentados doze tipos de
enfrentamento (SKINNER; ZIMMER-GEMBECK, 2007), a partir da divisão
inicial de Lazarus e Folkman (1984), dois tipos ganharam destaque nos
últimos anos: o religioso e o suporte social. Sobre o enfrentamento reli-
gioso, entende-se que é o nível pelo qual a religiosidade está envolvida
com o processo de manejo do estresse, indo além da pertença a uma filia-
ção religiosa e revelando comportamentos e pensamentos que associam
a administração do estresse às suas crenças e sua espiritualidade (FARIA;
SEIDL, 2005; KOENIG, 2007). A exemplo desta relação, Ano e Vasconcelles
(2005) constataram que o enfrentamento religioso geralmente exibe dois
impactos distintos sobre o estresse, o que depende de sua valência afetiva:
se predomina afetos positivos na relação com o divino, o enfrentamento
tende a ser favorável, caso predomine afetos negativos, os efeitos tendem
a dificultar a adaptação.
O suporte social pode ser sumariamente entendido como o tipo,
quantidade, nível de integração e disponibilidade de relações de
apoio e/ou suporte social percebido pelo indivíduo (THOITS, 1995;
VANGELISTI, 2009). Porém, é discutível se a inserção do suporte social
como estratégia de enfrentamento não extrapola o conceito original,
uma vez que aborda estruturas de processamento externas ao indivíduo,
o que pode se caracterizar mais como um recurso social, com implica-
ções psicossociais (LAZARUS; FOLKMAN, 1984). Como ilustração desta
questão, encontram-se tanto trabalhos que incluem o suporte social
como enfrentamento (FOLKMAN; MOSKOWITZ, 2004; PENLEY et al.,
2002; SCHREUS; RIDDER, 1997), como outros que o inserem como um
recurso social paralelo (THOITS, 1995; UCHINO, 2006). Dada essa ambi-
guidade, são necessários mais estudos que determinem como funciona
o suporte social no processo de adaptação, uma vez que ele tanto pode
ser uma resposta dinâmica preponderantemente social, como pode ser
um molde específico de ativação de recursos adaptativos, pautado em
redes sociais de apoio para a solução de problemas.

214 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi exposto neste breve trabalho, entende-se que as


estratégias de enfrentamento exibem significativo lastro de evidências
de impacto sobre o estresse, justificando sua inclusão como um possível
mediador do processo saúde-doença. Enfim, considera-se o enfrenta-
mento como um campo promissor para o seguimento das investigações a
respeito do estresse, isso especialmente em âmbito nacional, pois ainda
é necessário compreender melhor como esse mecanismo adaptativo
impacta sobre a variabilidade do fenômeno; seja isoladamente ou em
conjunto com outros recursos disponíveis.

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218 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
CAPÍTULO 12

Repercusiones de la violencia en la
salud de quienes trabajan para erradicarla

LEONOR M. CANTERA
FRANCES M. CANTERA

La violencia en términos general es un problema que ocupa la


agenda de las naciones. Los y las grandes líderes a nivel mundial
buscan alternativas ante la misma. Saben que su repercusión a nivel
mundial, social, comunitario e individual es devastadora. Cuando
esas macro-violencias toman otras formas y llegan a la vida íntima de
las personas; perpetrando y formando parte de las relaciones íntimas
afectivas, el horror se hace más evidente. Mucho, nunca lo suficiente,
se ha hablado sobre la violencia en las relaciones afectivas. Incansable
son los esfuerzos para dar respuestas que ayuden a erradicarla. Varias
las dianas apuntadas como ruta a seguir para dar en el objetivo ex-
terminador. Y, a pesar de todo ello, sigue sobre la mesa preguntas sin
responder y el bálsamo que propicia el camino avanzado.
La violencia, como todo problema social, es compleja y por ende
multi-contextual. Su trabajo implica destrucción a varios niveles: físico,
económico, emocional… La responsabilidad al lidiar con ella es, entre
muchos puntos; el poder identificar, nombrar, acotar, relacionar los
ejes que la sostienen y las trampas que aplica para engañar y hacerse
a sí misma aparentemente indestructible. Este capítulo tiene como

219 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
objetivo señalar uno de los contextos a mirar y a atender cuando se
trabaja con la violencia. Nos referimos al laboral. Destacamos en él, el
lugar de vulnerabilidad en donde la problemática de la violencia coloca
a quienes trabajan para erradicarla. La pregunta a la que queremos dar
respuesta es ¿Cuáles son las repercusiones del trabajo con la violencia
en la calidad de vida de quienes trabajan para erradicarla? Para ello par-
tiremos de una metáfora, la de la telaraña; que nos ayudará a presentar
las características y complejidad de la violencia. Seguidamente, y sin
entrar a profundizar, hablaremos de la violencia y sus características;
así como de su relación metafórica con la telaraña.
De manera continuada presentaremos las repercusiones que tiene en
la salud el trabajar para erradicar la violencia. Para finalizar el capítulo,
con miras a favorecer el cuidado profesional, apuntaremos pinceladas
a tener en cuenta al trabajar con la violencia.

¿QUÉ ES Y CÓMO SE CONSTRUYE LA TELA DE ARAÑA?

Una telaraña es una estructura construida por una araña con su seda
de araña proteica a través de sus glándulas de hilado o hileras. Las formas
que adoptan pueden ser varias: de embudo, hojas o espirales. Su función
principal es facilitar que la araña pueda atrapar y atacar rápidamente a
sus presas; al sentir la vibración de la red cuando un insecto cae en ella.
Las principales características de la telaraña son que: (a) son fuertes
y resistentes, a pesar de la apariencia de fragilidad. Pueden retener a la
presa sin que se rompa el hilo. (b) su combinación única de propiedades
mecánicas: fuerza, extensibilidad y la resistencia a la rotura, la hacen
capaz de atrapar insectos. (c) el líquido de la seda, una vez expulsado,
se convierte en sólido, aparentemente al entrar en contacto con el aire;
pero en realidad ocurre porque una vez lanzado se vuelven a alinear las
moléculas de forma sólida. (d) pueden tener diferentes espesores y tipos

220 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
de seda (pegajosas o no), dependerá de las condiciones
dónde la araña realizará la tela. (e) las viejas telarañas y
los intentos fallidos son comidos, digeridos y procesa-
dos por las arañas para crear nueva seda. (f) en la cons-
trucción de la telaraña, la araña, según expertos/as, traza
un primer puente que sirve como punto de referencia y
como forma para marcar el territorio. Además, estudios
llevados por la NASA muestran que las arañas, aún en el
espacio, pasado el tiempo de desorientación por la falta
de gravedad; se adaptan y modifican sus estrategias de
construcción llegando a construir telas casi perfectas.

VIOLENCIA EN RELACIONES AFECTIVAS

La violencia a la que nos referimos en este capítulo


es a aquella que ocurre en las relaciones íntimas afec-
tivas y que se denomina violencia en la pareja1. Enten- 1 Este tipo de violencia es reconocido
bajo diferentes nombres; siendo los
demos por ella un “comportamiento hostil consciente más usados los siguientes: violencia
e intencional (de carácter no accidental) que, por acción de género, violencia de género en la
pareja, y, violencia machista. En un
o inhibición, causa en la persona maltratada un daño
inicio se le llamó violencia doméstica.
físico, psíquico, jurídico, económico, social, moral o
sexual, atentando así contra su libertad y su derecho
a desarrollarse como tal persona” (CANTERA, 2004,
p. 196). Puede acontecer en cualquier tipo de relación
de pareja con independencia de su estatus -unidos o
separados-; del sexo, de la dirección y en lugares reco-
nocidos como privados y/o públicos.
Es un tipo de violencia que tiene unas características
propias de ella: (a) se da en una relación íntima afectiva.
Por lo que se caracteriza por la existencia de un vínculo

221 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
afectivo. Lo que, a diferencia de otros tipos de violen-
cia, dificulta el visualizarla, desenmascararla y poder
salir de ella. (b) el verdugo, en esa relación desigual
representado por la persona agresora; es el confidente,
asesor, consejero y justiciero de su(sus) víctima(s);
mientras que la víctima -contradictoriamente- es su
cómplice, colaboradora, amparadora y consoladora.2 2 Esto se explica a través del proceso
de instauración y desarrollo de la
(c) se sostiene por creencias individuales y sociales violencia en relaciones afectivas;
que responden a modelos y estereotipos hegemónicos que para efectos de este capítulo no
se entrará a discutir.
en relación al género. (d) se alimenta de valores sinó-
nimos de humanidad, bondad, y grandeza; cultivados
a nivel social como: el perdón, el amor incondicional,
la familia y la responsabilidad por el bienestar de los
hijos y de las hijas. (e) convive con el respaldo social
a través de mecanismos como el cuestionamiento de
la veracidad de los hechos y el silencio; al tiempo de
la repulsa social y la búsqueda y reclamo de la acción
punitiva. (f) es camaleónica, en tanto y en cuanto asu-
me muchas formas. (g) parece finalizar y resurge de la
nada. (h) conduce a la desorientación, a la soledad y al
temor; no solo de quienes la viven, sino también a los
que lidian con ella. (i) la relación con ella, no importa
cuál sea, cansa al no acabar nunca de entenderla y al
llegar incluso a la posibilidad de pactar la convivencia
con ella. (j) su puesta en escena la realiza poco a poco y
de puntillas, sin hacer ruido. Por lo que no se le reconoce
hasta que no se utilizan espejos reveladores que permi-
tan el mirar(se) y rescatar la rectoría de la propia vida.
(k) logra despersonalizar a quienes la viven; haciendo
que deje de SER y la lucha de la víctima para vencerla
es auto-reconocerse y recobrar la autoría de la propia
vida. (l) la violencia deja huellas muy difíciles de borrar.

222 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Se necesita casi toda una vida; por lo que quien la vive pide a gritos la
amnesia voluntaria.
Y si estas son las características principales de la violencia, ¿cómo
ayudar a erradicarla? La respuesta a esta pregunta ha sido realizada desde
diferentes colectivos; tanto públicos como privados. A través de las ac-
ciones emprendidas por las respuestas dadas, se ha logrado reconocerla
como un problema social público y no privado. Se ha definido y creado,
en algunos países, leyes que garanticen el reconocimiento de la misma
como un delito y que vigilen el consecuente cumplimiento del castigo.
Se han creado políticas públicas de acción para dar respuestas a las ne-
cesidades que el problema desata: cobijo, atención médica, ayuda eco-
nómica, protección a menores, programas educativos-preventivos, etc.
A pesar de todos los esfuerzos por erradicarla, la violencia hace sentir
(al hacer balance de los logros y fracasos de acción) a quienes trabajan
para que ella no exista; como marionetas a su merced. Y surgen preguntas
del tipo: ¿qué hago (hacemos) mal?, ¿qué más puedo (podemos) hacer?,
¿quién soy yo para decidir por la víctima?, ¿ya no sé cuándo es violencia
y cuándo es conflicto?, ¿y si la víctima quiere seguir?, y un largo etc. que
se resumen en cansancio.

RELACIÓN DE LA VIOLENCIA Y LA TELARAÑA

La araña personifica a la violencia. Mientras que la telaraña repre-


senta los mecanismos sociales que utiliza la violencia para sujetar
y someter a sus presas. Ese gran entramado sostiene y reproduce la
violencia que tiene lugar en las relaciones afectivas íntimas de pareja.
Toda ella –la telaraña- hace que sus víctimas, por más fuertes que se
vean o crean ser; se conviertan vulnerables. Quienes caigan en su red
lucharan por vencerla; pero algunas veces al no tener una ayuda propia
o externa, perecerán.

223 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
La violencia creemos saber detectarla y en ocasiones vencerla. Pero,
lo cierto es que puede, a veces, engullirnos y no darnos cuenta de ello.
¿Cómo lo hace? Creando la ilusión de que es débil, de qué la conocemos y
por tanto somos inmunes a ella. Esto puede provocar en quienes trabajan
con la violencia un coma etílico al extremo de conducirles hasta el olvido
de contra qué (se) está trabajando.
Como la araña al tejer la telaraña, la violencia tiene una combinación
única de mecanismos que la hacen capaz de atrapar y hacer adeptos a su
presa. ¿En qué consiste esa combinación? Consiste, -como la telaraña- en
su fuerza para mantenerse, en su capacidad camaleónica, en su apariencia
de fragilidad; combinado con su enorme capacidad de extensibilidad y
resistencia. La violencia cambia tanto de formas, se adapta a los tiempos,
acomoda los discursos; que la hacen que perdure en el tiempo y en los
espacios más insospechados. La violencia es tan hábil que puede llegar a
reproducirse y co-habitar en quienes trabajan para erradicarla. Por tanto,
como la telaraña, puede tener diferentes formas de manifestarse. Y, lo
que es más importante aún, una vez es identificada y parece ya no servir
o no lograr sus propósitos; esta es comida, digerida y procesada para crear
nuevas formas de instaurarse en nuestras vidas.

EL TRABAJO CON LA VIOLENCIA Y LAS


REPERCUSIONES EN LA SALUD DE QUIENES
TRABAJAN CON LA ELLA

Trabajar con la violencia no es un quehacer fácil. Las características


propias de este trabajo así lo confirman. Estudios como los llevados por
autores y autoras como: Domínguez-González y Jaureguibehere (2012),
Acinas (2012), Maslach (2009), Olabarría y Mansilla (2007), Moriana-Elvira
(2006) señalan que el trabajo asistencial, sobre todo aquellos que impli-
can una alta carga emotiva, no deja indiferente a quienes lo practican.

224 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Cantera (2002) en su escrito sobre la relación asistencial nos advierte
sobre algunos obstáculos que pueden incidir en la atención de la violencia
y a lo que no se le suele prestar atención. Esta autora señala que unos de
los factores que no siempre se tiene presente

porque suele ocultarse más o menos inconscientemente en el


terreno de lo olvidado, de lo obvio o de lo presupuesto e incues-
tionado, abarca un doble proceso: por un lado, la experiencia
interior de las personas profesionales, en su trato asistencial con
las víctimas de la violencia doméstica y, por otro, la dinámica del
mismo centro asistencial como campo social, grupal y organiza-
cional que –al tiempo que da- recibe, procesa, elabora, siente y
resiente informaciones y emociones concernientes a la misma
violencia como fenómeno y proceso social (p. 392).

Es decir, apunta y pone de manifiesto que el trabajo con la violencia


repercute en la dinámica laboral; a nivel individual y a nivel relacio-
nal. Esta autora señala cómo, incluso, el no tener cuidado de lo que
implica trabajar con la violencia puede traducirse en la reproducción
de la misma; aún en los centros destinados para combatirla. Apunta,
en efecto, todo el mundo da por sentado, por lógico y por natural que
cualquier centro de atención a mujeres, por el simple y sólo hecho de
serlo y de abrazar la causa de la emancipación de la mujer maltratada,
contando con el apoyo decidido de instituciones públicas e incluyendo
en su plantilla personal cualificado, constituye una fuente de todo tipo
de consecuencias favorables hacia fuera y hacia dentro del mismo.
Ideas de sentido común como ésta pueden ocultar y enmascarar
otra cara de la misma realidad: la de que, en tanto que organización,
el mismo servicio asistencial puede quedar “contaminado” por la
problemática que combate y reproducir, en su estructura y en su
funcionamiento interno, patrones socioculturales de violencia sutil
capaces de repercutir negativamente sobre la calidad organizacional del
mismo centro. Ello puede ser así, puesto que la violencia doméstica no

225 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
se produce en el vacío social y cultural, sino que sintetiza y condensa
procesos que se desarrollan en el plano macrosocial.
Si un centro no tiene activados mecanismos de “problematización” y
de “concientización” de los procesos que se dan “en las mejores familias” y
organizaciones (jerarquía, autoridad, verticalidad, relaciones de poder,
…que se traducen en relaciones sociales asimétricas y en violencia sutil
ocasional) y no dispone de dispositivos de “higienización” (“descontami-
nación” de toda la violencia social y organizacional que absorbe como
una esponja) corre un alto riesgo de reproducir efectos de violencia en su
dinámica interna (en el trato que recibe el propio personal asistencial)
y en sus relaciones con el exterior (el que reciben las personas asistidas)
(CANTERA, p. 395).
Quiñones, Cantera y Ojeda Ocampo Moré (2013) puntualizan, a través
de su escrito: La violencia relacional en contextos laborales que trabajan
contra la violencia; como la problemática de la violencia logra instaurarse
y dañar el trabajo de equipo.
Por otro lado, autoras como: Arón (2001), Arón y Llanos (2004),
señalan que quienes trabajan ya sea con víctimas de cualquier tipo de
violencia o en profesiones asistenciales de situaciones límites, están
expuestos a un nivel de desgaste personal. Esto nos invita a permitir ser
acompañadas/os por los estudios realizados en el ámbito organizacional
sobre estrés y burn-out. Entendemos que los mismos serán fuentes de
inspiración e iluminación.
Si tomamos y hacemos referencia a los estudios llevados a cabo en
el ámbito laboral sobre estrés y el burn-out laboral podemos visualizar
los factores que contribuyen al queme o desgaste laboral de quienes
trabajan con la violencia y las repercusiones que ello puede tener en
sus vidas. A continuación presentamos un listado de los principales
estresores laborales mostrados por diferentes autores y autoras en
la literatura; sirva de ejemplos: Peiró (2001), Martínez Pérez (2010),
y Álvarez (2011).

226 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
El ambiente físico puede ser un estresor laboral si no se tiene en
cuenta. Por ejemplo, el ruido, la iluminación, la temperatura, etc. En el
caso de la atención a la problemática de violencia, algo que causa enojo
a las personas profesionales es cuando se carece de un lugar que tenga
privacidad suficiente para atender a las víctimas por lo que ello repre-
senta. Un segundo estresor son las demandas provenientes del mismo
trabajo. Ejemplo de ello pueden ser las situaciones de riesgo laboral a
las que se puede estar expuesta, a los turnos de trabajo irregulares, a
demandas realizadas con poca o nula claridad, etc. Un tercer estresor
son las características de las tareas a realizar. Como ejemplo cabe el
señalar la complejidad del trabajo, el requerimiento de habilidades
para las que tal vez no se tenga formación, la retroalimentación que se
recibe ante la ejecución de tareas, etc. Un cuarto estresor son los roles a
desempeñar, los conflictos que estos puedan generar, la ambigüedad y
sobrecarga. Un quinto estresor puede ser las relaciones interpersonales
que el lugar de trabajo fomente. Por ejemplo, el organigrama del lugar
de trabajo, las relaciones con los y las compañeros/as de trabajo, la re-
lación con las personas que utilizan el servicio, etc. Un sexto estresor
es el relacionado con las expectativas del desarrollo profesional; sobre
todo cuando se tiene la sensación de estancamiento y no avance en la
dirección deseada o esperada. Un séptimo estresor es el relacionado
con las nuevas tecnologías y su manejo, los protocolos a seguir y su
distancia con la filosofía o ideología personal o del equipo de trabajo.
Y, un octavo estresor puede ser el relacionado con el equilibrio entre
la vida privada y la vida laboral.
Todos y cada uno de ellos pueden generar en quienes lo viven des-
gaste psíquico, depresión, malestar psicológico, autoestima negativa,
tensión emocional o falta de compromiso con el trabajo, dolores en
las articulaciones, lumbalgia, problemas de insomnio, alteraciones
gastrointestinales, presión arterial alta, ataques de ansiedad, inten-
tos de suicidio, adicciones a drogas lícitas o ilícitas, úlceras, náuseas,
disfunciones sexuales, trastornos alimenticio, etc.

227 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
El trabajo con la violencia puede convivir con uno o todos los estre-
sores señalados generando una enorme carga emocional. El contacto
con relatos de sufrimiento y acontecimientos traumáticos de quienes
viven la violencia afectiva pueden hacer vulnerables a quienes trabajan
para erradicarla; produciéndoles un desgaste de carácter emocional. La
naturaleza de la atención en situaciones de violencia, hace el tener que
enfrentar reacciones de quienes son atendidos/as del tipo: peticiones
de ayuda para las que no se tienen respuestas afirmativas, delega-
ciones en la toma de decisiones que no entran en el rol profesional,
exigencias que van más allá de las competencias profesional, rechazo
a directrices o planteamientos de carácter profesional, actitud de de-
pendencia pasiva dando la apariencia de No implicación, recepción
de quejas, indiferencia, etc. Por otro lado, quienes trabajan contra la
violencia viven el carácter propio de la intervención: urgencia, crisis,
atemporalidad, etc.
El vivir una experiencia laboral obviando todo lo anterior y no te-
niendo, por tanto, estrategias de auto-cuidado activo y/o mecanismos de
sostén laboral; puede conducir a una serie de conductas degenerativas
de la calidad de vida de quienes trabajan lidiando con la violencia. Las
personas profesionales podrían comenzar a experimentar todos aquellos
síntomas relacionados con el queme por razón de trabajo en palabras de
Gil-Monte y Peiró (1997).
El desgaste por razón de trabajar con la violencia puede presentarse
como una, varias u otras de las siguientes formas señaladas: una apatía
por la problemática tratada (no querer saber sobre nada relacionado a
la violencia). La utilización de mitos y estereotipos justificadores de la
violencia, propiciando violencia secundaria. Desdén y la ausencia de
sentido laboral, el “¿para qué sirve lo que hago?” Desprecio y hostilidad
hacia los y las usuarios/as del servicio; así como a sus compañeros/as
de trabajo. Cansancio ante el estado de alerta continúo para la detección
y acción correcta ante la violencia tratada. Inseguridad y aislamiento.
Asunción de posturas rígidas y muestra de poca paciencia, etc.

228 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
PUNTOS A TENER EN CUENTA

Como señalan Moreno-Jiménez y Peñacoba (1999) el estrés en


quienes trabajan con cuestiones relacionadas a la salud es alto. Según
este autor y esta autora, atender al dolor, a la muerte, a situaciones
límites de otros/as con el sentimiento frecuente de no poder hacer
nada o muy poco y bajo la presión de situaciones que vienen defini-
das por la urgencia y la toma de decisiones inmediatas garantizan el
estrés laboral.
Trabajar con la violencia no es fácil, supone el arte de unir y separar
la experiencia laboral de la propia vida. Requiere una escucha activa,
el auto-cuidado activo, y la coherencia entre lo que se piensa y se hace.
Es un trabajo político que exige compromiso, reflexión y análisis en
un continuo. Según Cantera y Cantera (2014), desde la academia se
debe incluir en el curriculum de formación profesional la enseñanza
de lo que ellas denominan auto-cuidado activo. Estas autoras definen
el mismo como el “desarrollo de habilidades para el manejo de las
emociones que permiten de manera activa y consciente el cuidado
en primera persona al tiempo que se interviene; con el objetivo de
promover el bienestar personal y colectivo” (p. 88).
Como se señala en la siguiente Tabla 1, el trabajo con la violencia
tiene unas características que pueden producir impacto desfavorecedor
en la salud de quienes trabajan con ella.

229 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Tabla 1. Características de: metáfora de la telaraña, violencia y trabajo con la violencia

Características del trabajo


Característica de la Telaraña Violencia en relación afectiva
con la violencia
a. tiene lugar en cualquier a. tiene lugar en cualquier lugar a. conlleva una alta carga
lugar b. existe un vínculo afectivo emocional
b. dependiendo del lugar se c. los estereotipos, las creencias b. requiere paciencia y
construye de una manera patriarcales, los mandatos constancia
u otra sociales, etc. facilitan su c. los resultados son lentos en
c. fuerte, extensible y fortaleza, extensibilidad y el tiempo
resistente resistencia. d. pone en jaque los propios
d. capacidad de adaptación d. es camaleónica, en tanto y en valores y los pilares morales
e. diferentes tipos de seda cuanto asume muchas formas. de nuestra sociedad

f. las viejas telarañas y e. conduce a la desorientación, e. difumina las líneas


los intentos fallidos son soledad y al temor; no solo de delimitadoras
utilizados para crear quienes la viven, sino también f. requiere un alto grado de
nueva seda a los que lidian con ella. tolerancia a la frustración
g. en la construcción de la f. su puesta en escena la realiza g. propicia sensación de
telaraña, la araña, traza un poco a poco soledad, desconocimiento y
primer punto de referencia g. logra despersonalizar a cansancio
como forma para marcar el quienes la viven dejando
territorio huellas muy difíciles de borrar.

Esto puede producir

insomnio
depresión, estrés
taquicardias, ansiedad, etc.

Partiendo de lo anterior, ¿qué puede hacer la persona profesional que


trabaja contra la violencia para protegerse? A continuación presentamos,
a través de la siguiente Tabla.2, algunas claves a tener en cuenta:

230 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Tabla 2. Claves a tener en cuenta

• Es importante aprender a reconocer las señales de riesgo:


sentimientos de angustia, impaciencia ante los relatos que
escucha, etc.
• Es vital aprender a gestionar las emociones
• Propiciar espacios para reflexionar acerca de:
lo que nos pasa
cómo nos afecta
cómo lo gestionamos, y
qué estrategias generamos para afrontar este tipo de
sentimientos
• Poder identificar, reconocer y nombrar lo que genera malestar,
Esto es una estrategia de auto-cuidado, que nos permite
“parar, detenernos” y reorientar nuestro posicionamiento
profesional y personal
• Tener consciencia de que para poder cuidar debemos primero
cuidarnos
• Aprender a reconocer nuestros propios puntos fuertes y
nuestros puntos vulnerables
• Aceptar que no es posible resolver todas las situaciones
planteadas y se es capaz de constatar la necesidad de poner
límites
3 Las autoras prefieren llamarle “otra
• Ser capaz de pedir ayuda, activar o crear una red de apoyo
visión” por entender que el uso del
Evitar la contaminación de espacios de distracción y la lenguaje muestra el tipo de relación
saturación de nuestras redes personales de apoyo que se pretende tener. Desde esa
• Reconocer la necesidad de buscar herramientas que ayuden a nomenclatura se reconoce el cono-
manejar la tensión, evitar caer en el victimismo cimiento y la práctica del o la profe-
sional que trabaja con la violencia. La
• Tener actividades gratificantes y darse a la reformulación de
labor del o la profesional externo/a
la situación
será brindar, facilitar y acompañar
• Buscamos Otra-visión (lo comúnmente conocido como con otras visiones o puntos de vista
supervisión)3 como espacio de efectos terapéuticos sobre lo que se encuentre en cuestión.

231 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
REFLEXIÓN FINAL

La pregunta con la que iniciamos el capítulo fue: ¿Cuáles son las re-
percusiones del trabajo con la violencia en la calidad de vida de quienes
trabajan para erradicarla? La respuesta adecuada invita a contemplar
las aportaciones de los estudios organizacionales en torno al estrés y
burn-out. Ellos nos iluminan aportándonos datos que confirman que en
determinados lugares de trabajo existen unos estresores que propician
el queme por razón de trabajo (el mayormente conocido como burn-
out). Para Gil-Monte (2005) el Síndrome de Quemarse por el Trabajo
(SQT) es una respuesta psicológica al estrés laboral crónico de carácter
interpersonal y emocional que aparece en los profesionales de las
organizaciones de servicios que trabajan en contacto con los clientes
o usuarios de la organización. Esta respuesta se caracteriza por un de-
terioro cognitivo, consistente en la pérdida de la ilusión por el trabajo,
el desencanto profesional, o la baja realización personal en el trabajo;
por un deterioro afectivo, caracterizado por agotamiento emocional y
físico; y por la aparición de actitudes y conductas negativas hacia los
clientes y hacia la organización, en forma de comportamientos indi-
ferentes, fríos, distantes y, en ocasiones, lesivos. En ocasiones, estos
síntomas se acompañan de sentimientos de culpa (p. 15).
La vivencia del SQT se traduce en daños para la salud que este mis-
mo autor señala como: síntomas cognitivos, síntomas afectivos-emo-
cionales, síntomas actitudinales, y otros tipos de síntomas del tipo
conductual y físico.
Según Gil-Monte (2005) los síntomas cognitivos contemplan:
“Sentirse contrariado, sentir que no valoran tu trabajo, percibirse
incapaz para realizar las tareas, pensar que no puedes abarcarlo todo,
pensar que trabajas mal, falta de control, verlo todo mal, todo se hace
una montaña, sensación de no mejorar, inseguridad…” (p. 17).

232 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
A nivel afectivo-emocional, los síntomas son: “Nerviosismo, irri-
tabilidad y mal humor, disgusto y enfado, frustración, agresividad,
desencanto, aburrimiento, agobio, tristeza y depresión, desgaste
emocional, angustia y sentimientos de culpa” (p.17).
A nivel de síntomas actitudinales muestra los siguientes: “Falta
de ganas de seguir trabajando, apatía, irresponsabilidad, escaquearse,
pasar de todo, estar harto, intolerancia, impaciencia, quejarse por todo,
evaluar negativamente a compañeros, romper con el entorno laboral,
ver al cliente como un enemigo, frialdad hacia los clientes, no aguan-
tar a los clientes, indiferencia, culpar a los demás de su situación”
(p. 17). Los síntomas conductuales y físico presentados por este autor
son: “Aislamiento, no colaborar, contestar mal, enfrentamientos, y
cansancio.” (p. 17).
Para Gil-Monte (2005) todo ello propicia un proceso de surgimiento
y desarrollo de sentimientos de culpa por aquello que se está viviendo
o intensificación de los sentimientos existentes “originando un bucle
que mantienen la intensidad del SQT. De esta manera, a medio o largo
plazo se producirá un deterioro de la salud de los profesionales, aumen-
tará su tasa de absentismo, y su deseo de abandonar la organización y
la profesión.” (p. 18).
La violencia tiene muchas caras y mecanismos que actúan como
trampas y que al igual que la telaraña sitúa a quienes trabajan en
contra de ella en la vulnerabilidad que da la falsa ilusión de un con-
trol y conocimiento profesional total en torno a la problemática.
Sin duda alguna, el trabajo para erradicar la violencia es uno de alto
riesgo. Ello implica no sólo el conocer a la violencia, tener humildad
al trabajar frente a ella; sino en palabras de Cantera y Cantera (2014),
un auto cuidado activo como herramienta propiciadora de bienestar
y calidad de vida.

233 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
REFERÊNCIAS

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234 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


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235 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
CAPÍTULO 13

Representações sociais
sobre o crack na perspectiva de usuários
e profissionais de saúde

NAIARA FRANÇA DA SILVA


ANDRÉ FARO

Atualmente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) avalia o uso abu-


sivo de drogas como uma doença crônica e contumaz, sendo considerado
um problema de saúde pública (ANDRETTA; OLIVEIRA, 2011). O uso in-
discriminado de substâncias psicoativas assumiu proporções alarmantes
nas últimas décadas, caracterizando-se uma grave doença social epidê-
mica (FERREIRA et al., 2012). No Brasil, o crescente número de usuários
de crack tem preocupado autoridades governamentais, profissionais
de diversas áreas e familiares, devido aos numerosos danos causados à
sociedade e aos próprios usuários. Apesar de ter chegado ao país há mais
de vinte anos, o combate a essa substância ainda é um desafio.
Como bem salientado por Vargens, Cruz e Santos (2011), os depen-
dentes dessa substância formam um grupo distinto entre os usuários
de drogas, com peculiaridades e necessidades de tratamento próprias,
embora ainda desconhecidas. Inserido nesse processo, os profissionais
de saúde relacionam-se diretamente com o usuário de crack e a forma
de agir desses profissionais perante os usuários pode ter implicações

236 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
importantes no seu tratamento. Assim, considerando a complexidade
dos fatores existentes no uso do crack, faz-se importante sua compreen-
são, a partir das diversas relações que os indivíduos estabelecem com a
substância e os significados atribuídos a ela. A partir desse pressuposto,
buscou-se utilizar uma teoria que possibilitasse maior compreensão
acerca da drogadição na visão dos próprios envolvidos. Portanto, foi
definido que o estudo das representações sociais se mostra adequado
para a investigação da temática do crack, especialmente no que se refere
à análise estrutural das representações sociais que, nesta pesquisa, justi-
fica-se pela possibilidade de identificar os elementos mais significativos
nas representações ligadas ao uso do crack.
Ao tratar desse assunto, surge a questão que norteia o presente estudo:
Quais seriam as representações sociais acerca do crack construídas pelos
profissionais de saúde e pelos próprios usuários de crack? Paralelamente
a essa questão, busca-se entender quais as relações dessas representações
com as práticas e condutas de cada grupo em relação ao objeto estudado.
Em acordo com tais questionamentos, o objetivo desta pesquisa foi com-
preender as representações sociais atribuídas ao crack na perspectiva de
usuários e profissionais de saúde inseridos no CAPS (Centro de Atenção
Psicossocial), além de descrever o conteúdo e a estrutura dessas repre-
sentações sociais na concepção dos atores sociais estudados.

MÉTODO

Participantes

Participaram do estudo trinta usuários de crack, e trinta profissionais


inseridos nos CAPS, totalizando uma amostra de sessenta participantes.
A pesquisa foi realizada em quatro CAPS, sendo três localizados no inte-
rior do estado de Sergipe e um na capital, Aracaju. Apenas este último é

237 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
classificado como CAPS AD, destinando-se a usuários de álcool e outras
drogas. Os critérios de inclusão foram: a) Os usuários de crack deveriam
estar em acompanhamento no CAPS; e b) Os profissionais deveriam
manter um contato direto com estes usuários. Salienta-se que esta inves-
tigação foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade
Federal de Sergipe (CAEE 03210212.8.0000.0058).
Semelhante a resultados descritos em estudos anteriores (NAPPO;
GALDURÓZ; NOTTO, 1996; OLIVEIRA; NAPPO, 2008; SANCHEZ; NAPPO,
2007), os usuários de crack que fizeram parte da amostra deste estudo
são, em sua maioria, do sexo masculino (83,3%), sendo a média de idade
27,1 (DP = 7,23), solteiros (80,0%), de baixo nível socioeconômico (66,7%
não possuem renda), baixo grau de escolaridade (com 76,7% dos usuários
sem o ensino fundamental completo) e sem vínculos empregatícios
formais (73,3%). Tal qual estudos que avaliaram o perfil de trabalhadores
de saúde mental (BALLARIN et al., 2011; MARTINS, 2009), houve, nesta
amostra, o predomínio de profissionais do sexo feminino, sendo 23 mu-
lheres (76,7%) e sete homens (23,3%), com média de idade em 37,0 anos
[Desvio-Padrão (DP) = 8,45] e extremos em 23,0 e 55,0.

Instrumentos

Os dados foram coletados por meio de associações livres, basean-


do-se na técnica de evocações, em que se perguntou aos participantes:
“O que vem à sua mente quando você pensa em crack?”. As primeiras
três evocações foram consideradas para a análise. Além das evocações,
coletaram-se falas durante a entrevista, a partir da questão colocada, o
que permitiu a caracterização dialógica das evocações emitidas. As falas
foram utilizadas na contextualização e exemplificação dos resultados da
análise de evocações.

238 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Análise de Dados

Para análise de evocações, os dados foram organizados e processa-


dos através do software Ensemble de Programmes Permettantl ‘Analyse
dês Évocation (EVOC). Ele realiza a análise estatística das evocações
dos participantes em um esquema de quadrantes que considera tanto a
frequência de aparição das respostas, quanto a ordem em que elas são
evocadas. De acordo com Vèrges (2002), no primeiro quadrante, locali-
zado ao lado esquerdo superior, encontram-se as palavras que obtiveram
menores ordens médias – o que significa que foram mais prontamente
evocadas – e foram também citadas muitas vezes. Isso indica que estas
expressões possuem uma importância significativa na representação do
objeto e compõem o núcleo central. No segundo quadrante, denominado
primeira periferia, aparecem elementos que foram muito mencionados,
mas com maior ordem de evocação. São menos consensuais, no entanto,
possuem importância na medida em que trazem uma sustentação aos
elementos nucleares. No terceiro quadrante, na parte inferior esquerda,
localizam-se os termos que foram poucos citados, porém com baixa
ordem de evocação, o que quer dizer que possuem grande importância
para algumas pessoas, podendo ser uma ameaça aos elementos do núcleo
central. Por fim, tem-se o quarto quadrante ou segunda periferia, em que
se encontram expressões individuais da representação.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os principais elementos que compõem as representações sociais


sobre o crack para os usuários e profissionais de saúde foram analisados
e discutidos sendo confrontados com dados encontrados na literatura.
As enunciações referentes ao objeto “crack” para os grupos estudados
encontram-se na Tabela 1.

239 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Tabela 1. Esquema Comparativo do Quadro de Quatro Casas, a
partir das Enunciações sobre o Termo Indutor “Crack”

Núcleo Central
Frequência ≥ 11 e Classificação Média < 1,5
Usuários Profissionais
Enunciações* Freq.¹ OME² Enunciações Freq. OME *
Aplicada uma constante para o
cálculo das enunciações (x 5).
Destruição 20 1,000
Dinheiro 20 1,000 Perdas 35 1,286 ¹ Frequência Absoluta;
Destruição 35 1,286 Curiosidade 15 1,333 ² Ordem Média de Evocação.
Vontade 25 1,400 Degradação 15 1,333
Ilusão 15 1,333
1ª Periferia
Frequência ≥ 11 e Classificação Média ≥ 1,5
Usuários Profissionais
Enunciações Freq. OME Enunciações Freq. OME
Coisa_ruim 20 1,500
Morte 30 1,667
Vício 45 1,557
Prazer 30 1,667
Perdas 15 1,667
Sofrimento 15 1,667
Loucura 20 1,750
Zona de Contraste
Frequência < 11 e Classificação Média < 1,5
Usuários Profissionais
Enunciações Freq. OME Enunciações Freq. OME
Tristeza 10 1,000 - - -
2ª Periferia
Frequência < 11 e Classificação Média ≥ 1,5
Usuários Profissionais
Enunciações Freq. OME Enunciações Freq. OME
Doença 10 1,500 Fuga 10 1,500
Droga 10 1,500 Dependência 10 2,000
Desprezo 10 2,000 Miséria 10 2,000

240 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
DOS USUÁRIOS ACERCA DO CRACK

No grupo dos usuários entrevistados, o termo dinheiro (OME = 1,000)


aparece como elemento mais significativo entre as palavras que formam
o núcleo central, por ter sido evocado mais prontamente, embora não
tenha sido o que foi lembrado mais vezes. Pode-se considerar que a sua
importância se encontra na função que possui para a sua aquisição, uma
vez que, quando o indivíduo tem vontade de usar o crack, precisa ter
dinheiro para adquiri-lo. Para isso, os usuários cometem atos ilícitos,
como furtos e roubos, palavras que mantêm relação direta com o ter-
mo dinheiro nos discursos analisados. Além disso, tal uso também se
relaciona ao aumento da violência e da criminalidade, visto que leva os
usuários a comportamentos de risco para si e para sociedade. Estudos
(MOMBELLI; MARCON; COSTA, 2010; NEVES; MIASSO, 2010; OLIVEIRA,
2011) apontam que, para conseguirem meios para prover o vício, esses
indivíduos realizam desde pequenos furtos a homicídios.
Pode-se encontrar resultado semelhante na pesquisa realizada por
Oliveira e Nappo (2008) ao afirmarem que o usuário, incitado pela fissura
que o crack provoca, envolve-se em atividades ilícitas para conseguir a
droga, uma vez que seus recursos financeiros se dissipam rapidamente.
Segundo entrevistados, algumas dessas atividades incluíam prostituição,
tráfico, roubo e venda de pertences próprios e de familiares. Outro agra-
vante no uso dessa substância é o descuido para com a saúde, sobretudo
as necessidades básicas: “(...) o dinheiro não sobra, só pra aquela droga.
A pessoa passa fome, não come, não bebe, nem dorme. Nem banho toma”
(Usuário 11, 26 anos). Portanto, nota-se que são representações que
denotam comportamentos de risco provocados pelo elevado nível de
dependência que os usuários de crack alcançam pelo consumo da droga.
Como elemento significativo na representação sobre o crack, a palavra
vontade (OME = 1,400) também faz parte do núcleo central, fortalecendo

241 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
a ideia que os discursos trazem sobre o potencial que o crack possui para
causar dependência. Essa vontade se relaciona à fissura provocada pelos
efeitos que o crack causa no psiquismo do indivíduo: “Não tem essa de
largar quando quer, a pedra fica na gente, nosso corpo se alimenta da pedra.
É como um alimento, a gente tem fome de crack” (Usuário 15, 34 anos).
Percebe-se que a fissura leva o usuário a usar novamente a droga para
compensar o mal-estar que sente após os efeitos imediatos causados
pelo crack, provocando, gradativamente, a dependência.
A pesquisa realizada por Neves e Miasso (2010), sobre a concepção
de usuários de drogas a respeito dessas substâncias, se aproxima dos
resultados encontrados neste estudo, quando fala sobre a dificuldade
que esses indivíduos possuem em abandoná-las, embora conheçam as
implicações de seu uso. A pesquisa mostrou que os usuários percebem
a droga como “uma força que atrai”, sendo este o fenômeno central en-
contrado. Assim, a vontade relaciona-se diretamente ao vício provocado
pela mesma e foi associada, nos discursos analisados, com a raiva e a
fraqueza por não conseguirem evitar recaídas.
Entre os elementos que formam o núcleo central, a palavra destruição
(OME = 1, 286) foi mencionada mais vezes, embora não tenha aparecido
em primeira ordem nas evocações. Dessa forma, pode-se pressupor que
os usuários de crack percebem os malefícios causados por essa subs-
tância, apesar de revelarem que sentem vontade de usá-la novamente
ao ouvir a palavra crack. Conforme apontado por Siegal e colaboradores
(2002), os usuários de crack, que percebem os danos causados por essa
droga, possuem mais chance de aderir ao um tratamento e encontrar
motivações para mudança de comportamento. Por outro lado, sabe-se
que, apenas a consciência de que esta droga causa prejuízos na vida
de quem dela faz uso, não parece ser o bastante para tirar o usuário da
dependência do crack.
As evocações coisa_ruim (OME = 1,500), vício (OME = 1,557), perdas
(OME = 1,667) e loucura (OME = 1,750), localizadas na primeira periferia,
criam o contexto no qual os elementos do núcleo central se aplicam ao

242 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
conhecimento mais próximo da realidade. A palavra vício foi referida mais
vezes, estando relacionada à vontade de usar a droga, ao dinheiro para a sua
obtenção e à destruição da vida, termos que compõem o núcleo central.
O termo tristeza (OME = 1,000) aparece na zona de contraste como
elemento que pode, um dia, fazer parte do núcleo central. Este elemento
periférico possui a sua importância na representação por ser evocado em
primeira ordem, embora poucas vezes. Segundo resultados apresentados
nos discursos dos entrevistados, a palavra tristeza está associada aos
elementos perdas e destruição: “Pra mim significa uma derrota na minha
vida. Fico triste, revoltada no outro dia, não quero ver ninguém (...)” (Usuário
27, 32 anos). Isso implica que a tristeza, em relação ao crack, encontra-se
nas consequências que este traz para a vida do indivíduo.
Na segunda periferia, encontram-se as evocações doença (OME =
1,500), desprezo (OME = 2,000) e droga (OME = 2,000), representando
valores individuais que podem ser facilmente modificados conforme o
contexto (Wilbert, 2009). Estas palavras se relacionam a pensamentos de
perdas de vínculos (destruição, família) e à dependência como doença
(loucura, vício). Deste modo, entende-se que essas palavras demons-
tram a existência de concepções singulares, porém, percebe-se que são
elementos com valoração negativa, o que mostra uma afinidade entre
essas representações.
Interessa frisar que, entre as representações encontradas neste
grupo sobre a percepção do crack, há a predominância de elementos
avaliados como negativos. Esperava-se que surgisse, ainda que em mi-
noria, algum elemento que denotasse sensações positivas em relação
à droga, pois se entende que quem experimenta uma droga não está
procurando os aspectos negativos, mas de alguma forma busca prazer,
bem-estar, inserção social, curiosidade, relaxamento, entre outras, no
entanto, não ocorreu. Com este dado, pode-se imaginar que os usuários
de crack que estão em acompanhamento compartilham representações
mais voltadas para os aspectos negativos que esta substância causa e
não sobre seus efeitos imediatos.

243 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Partindo desse pressuposto, o crack é representado como uma droga
diferente de outras drogas. Estudos (DUAILIBI; RIBEIRO; LARANJEIRA,
2008; GUINDALINI et al., 2006; VARGENS et al., 2011) fazem uma distinção
entre os usuários de crack e os usuários de outras drogas, apontando,
para os primeiros, características próprias, com formas diferenciadas de
abordagens no tratamento, considerando o rápido processo de deterio-
ração física e psíquica a que estão sujeitos (CUNHA et al., 2004; RIBEIRO
et al., 2006). Através dos dados apresentados pode-se confirmar que
essa distinção de fato existe, uma vez que o impacto que o crack causa
suscita maior preocupação do que as consequências advindas do uso
de outras drogas.
Enfim, é possível definir a representação sobre o crack atribuída
pelos usuários como sofrimento, visto que os elementos encontrados
foram, majoritariamente, avaliados como negativos. Uma interpretação
para esse cenário é que seja um reflexo da vivência desses usuários de
crack, mostrando a necessidade de uma melhor compreensão, acerca do
panorama do uso dessa substância, para que ações e políticas públicas
de prevenção sejam planejadas de forma adequada no combate à droga
e nas questões concernentes ao tratamento.

REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DOS


PROFISSIONAIS DE SAÚDE ACERCA DO CRACK

Em relação ao grupo dos profissionais de saúde que fizeram parte da


amostra, pode-se observar, na tabela 1, que os principais elementos das
representações sociais encontrados em relação ao crack se associam à
destruição (OME = 1,000), perdas (OME = 1,286), curiosidade (OME = 1,333),
degradação (OME = 1,333) e ilusão (OME = 1,333). Essas representações se re-
lacionam com a motivação para o consumo da droga (curiosidade e ilusão)
e com as consequências provenientes desse uso (degradação, destruição e

244 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
perdas), demonstrando o conhecimento que os profissionais têm sobre
o crack e os danos causados por ele, mas entre as representações mais
significativas não aparecem conteúdos que revelem um entendimento
sobre o processo de dependência a qual essa droga insere os usuários.
Esse dado merece atenção por indicar que estes trabalhadores podem não
estar suficientemente aptos para lidar com esta problemática.
Na literatura, podem-se encontrar resultados semelhantes. Buscan-
do identificar as representações sociais sobre o uso de drogas na visão
de agentes comunitários de saúde, Oliveira, McCallum e Costa (2010)
encontraram que, entre os principais motivos que levam ao consumo
dessas substâncias, estão: a curiosidade, a amizade com pessoas que
já fazem uso de drogas e carências afetivas ou necessidades básicas
não supridas. Esses dados se aproximam dos elementos curiosidade
e ilusão na medida em que suscitam uma compreensão a respeito
do que os profissionais, que fizeram parte dessa pesquisa, pensam
sobre o crack: A pessoa se ilude achando que vai ser só aquela vez. Parece
mentira, porque a informação tá aí pra todo mundo vê, não adianta dizer
que não sabia porque sabia, mas acontece, ainda tem aqueles que pensam
resistir ao primeiro uso. Uma ilusão (Terapeuta Ocupacional, 38 anos).
Para esse grupo, o usuário dessa droga é motivado a experimentá-la
pelo desejo de conhecer seus efeitos e a partir disso vai gradativamente
sendo envolvido por ela. É nesse ponto que o termo ilusão se encaixa,
uma vez que o usuário não imagina que possa ficar dependente dessa
substância psicoativa tão rapidamente.
Entre os elementos nucleares, a palavra perdas foi evocada mais
vezes, estando associada ao sofrimento, família, isolamento e des-
truição: Uma pessoa que usa crack fica com a vida toda desestruturada.
A pessoa perde emprego, namorada, o apoio da família e dos amigos, deixa
o estudo, perde tudo (Assistente Social, 47 anos). A partir deste dado,
pode-se afirmar que, na concepção dos profissionais de saúde, o crack
representa perdas significativas na vida do usuário, causando o seu
isolamento social e sofrimento. Nota-se que os elementos que fazem

245 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
parte do núcleo central possuem coerência entre eles, pois fica claro
que existe uma complementaridade no significado que cada uma dessas
palavras possui na representação do objeto.
O discurso dos profissionais de saúde deveria ser diferente dos
usuários de crack, já que, teoricamente, são pessoas preparadas para
lidar com situações de vulnerabilidades sociais de forma técnica e
impessoal, todavia, percebe-se que existe uma distância entre o seu
conhecimento técnico e a prática, visto que as representações sobre
o crack, pertencentes a este grupo, revelam um conhecimento super-
ficial sobre o tema. Na prática, não se observa qualificação adequada
dos profissionais, sendo, inclusive, a sensação de despreparo para este
serviço uma das inúmeras reclamações dos mesmos.
O campo representacional é completado com os termos morte (OME
= 1,667), prazer (OME = 1,667) e sofrimento (OME = 1,667), localizados
na primeira periferia, e ainda fuga (OME = 1,500), dependência (OME =
2,000) e miséria (OME = 2,000), na segunda periferia. As primeiras rela-
cionam-se ao núcleo central e, mais uma vez, remetem a representação
do objeto à motivação de uso e às suas consequências. Essa afirmação
pode ser admitida através da seguinte fala: “É um prazer imediato
que traz prejuízos permanentes. A pessoa perde a autonomia, perde o
vínculo familiar e vêm as consequências físicas que podem causar a
morte” (Psicólogo, 32 anos). Essas evocações reforçam a ideia central
contida na representação, visto que se relacionam diretamente com
aqueles elementos nos discursos dos entrevistados.
Em contraposição às características do núcleo central, os termos
encontrados na segunda periferia – fuga, dependência e miséria – são
expressões individuais da representação conduzidas pela experiência
atual dos indivíduos, sendo, portanto, sensíveis ao contexto imediato.
Pode-se inferir que as representações compartilhadas entre os pro-
fissionais de saúde são estáveis, sem mudanças de perspectivas em
curto prazo, o que denota consenso nos conteúdos das concepções que
possuem a respeito do crack.

246 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Importante ressaltar a ausência de elemento representacional na zona
de contraste. Esse dado mostra que as principais representações sociais
sobre o crack para este grupo possuem estabilidade, coerência e rigidez,
no sentido de serem difíceis de mudar em função do contexto (WILBERT,
2009). Dessa forma, os elementos do núcleo central demonstram que
se relacionam à história do próprio grupo, mantendo-se consensual
e comum aos seus membros a representação voltada para os aspectos
motivacionais para o uso do crack e as suas consequências.
Era esperado se deparar com representações mais relacionadas às
questões terapêuticas, a exemplo do processo de dependência química,
medicação e internação, mas não foram significativas nessa amostra.
Também não foram encontrados estudos que explorassem tais termos,
o que pode indicar uma tendência entre profissionais de saúde a não
relacionar de imediato o crack às questões ligadas ao tratamento, mas
ao seu significado negativo por causar danos aos sujeitos, familiares e
à sociedade. Importante fazer a ressalva sobre o conhecimento baseado
no senso comum que este grupo demonstrou ter a respeito do assunto,
caracterizando-se como um desafio a mais no enfrentamento ao crack.
A partir da discussão a respeito das representações enunciadas pelos
grupos, acredita-se que o conhecimento sobre as representações acerca
do crack, considerado hoje como um problema de saúde pública, pode
servir como parâmetro na fundamentação de propostas que adequem
os dispositivos de tratamento e aperfeiçoe as ações de prevenção e
cuidado destinadas aos usuários de crack.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De modo geral, verificou-se que os grupos caracterizaram o crack


como uma droga que destrói a pessoa, em várias esferas da vida, e que
causa grande dependência. No entanto, apesar de conhecer os seus

247 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
malefícios, os usuários revelaram continuar fazendo uso dessa substân-
cia, confirmando esse potencial. Já os profissionais de saúde ressaltaram
os motivos que levaram os usuários a consumir essa substância e as
consequências advindas desse uso.
Sobre os aspectos referidos pelos profissionais, destacou-se a busca
por prazer como motivo para o uso do crack, denotando a utilização
de um rótulo generalista sobre droga. Importa notar que os usuários
não fizeram menção ao prazer, pelo contrário, as representações evo-
cadas por eles possuíram valoração predominantemente negativa.
Deste modo, supõe-se que existe uma distância entre o conhecimento
técnico dos profissionais e a prática no serviço de saúde, visto que as
representações sobre o crack, pertencentes a este grupo, revelaram um
conhecimento superficial a respeito da temática.
É visto que a possibilidade de recuperação tem se mostrado muito
complexa com as ferramentas disponíveis no sistema de saúde atual-
mente, o que remete a reflexões sobre os moldes de acompanhamento
ofertados. Assim, questiona-se se a atual Política de Enfrentamento
ao Crack tem conseguido alcançar aqueles resultados a que se propõe.
Diante disso, surgem outras questões: o crack seria mesmo uma droga,
tal como formulamos o conceito? As suas especificidades em relação
às outras drogas já são conhecidas, principalmente no que se refere ao
potencial destrutivo que possui, no entanto, percebe-se que estratégias
utilizadas no tratamento de outras substâncias não têm servido para o
tratamento da dependência do crack, revelando uma distinção maior
do que supunha com as demais drogas.
Embora se trate de relatos de pequenos grupos, consideram-se os
achados dessa pesquisa relevantes para contribuir no conhecimento
científico sobre o fenômeno. Sugere-se que novos estudos referentes ao
tema sejam realizados, a fim de que os seus resultados possam permitir
uma discussão mais abrangente acerca do assunto, buscando a criação
de novas estratégias de prevenção e tratamento aos usuários de crack
para, então, surgirem intervenções mais eficazes.

248 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
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250 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
CAPÍTULO 14

Valores e virtudes
organizacionais

SINÉSIO GOMIDE JUNIOR


ÁUREA DE FÁTIMA OLIVEIRA
LORRANA ELLEN VIEIRA

A partir da consolidação do campo do Comportamento Organiza-


cional (CO) por pesquisadores ingleses (SIQUEIRA, 2002), têm sido
crescentes as contribuições das diversas disciplinas para seu fortale-
cimento teórico e metodológico.
Staw (1984) conceitua o Comportamento Organizacional como um
campo multidisciplinar que investiga o comportamento dos indivíduos
em ambientes organizacionais como também a própria estrutura das
organizações e seu comportamento. O autor o distingue em duas gran-
des áreas. A primeira – macrocomportamento organizacional – diria
respeito às teorias organizacionais, ocupando-se de investigações e pro-
posições acerca da estrutura, design e ações organizacionais. A segunda
área, denominada pelo autor (STAW, 1984) como ‘microcomportamento
organizacional’, teria como contribuições importantes as proposições
da psicologia e se ocuparia das atitudes e comportamentos individuais
e sobre a influência sofrida por eles pelos sistemas organizacionais.
A conceituação de CO sofreu diversas modificações ao longo dos
anos, embora jamais tenha abandonado a ideia de que seja uma área

251 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
de conhecimento multidisciplinar dividida em subáreas (ou níveis)
de investigação ou atuação com contribuições de diversas discipli-
nas. Robbins (1999) define o Comportamento Organizacional como
uma área de investigação sobre a influência que indivíduos, grupos e
estrutura organizacional exerceriam, nos diversos comportamentos
intraorganizacionais. O autor propõe um modelo especificando temas
de interesse e variáveis que comporiam três níveis de análise. Para o
nível individual – primeiro nível – Robbins (1999) postula que variáveis
biográficas, atitudes, valores pessoais e habilidades que influenciariam
percepções, motivações e aprendizagem, seriam os temas de interesse.
Já para o segundo nível, denominado pelo autor de ‘grupal’, os temas de
interesse seriam, basicamente, a tomada de decisão em grupo, a comu-
nicação, a liderança e o conflito. O terceiro nível, o das organizações,
teria como interesse as políticas de recursos humanos, a estruturação
e dimensionamento organizacionais, e a cultura das organizações com
seus desdobramentos.
Wagner III e Hollenbeck (1999), por seu turno, além de conceituarem
três níveis do CO, apontam as disciplinas que lhes são pertinentes. Os
autores definem CO como uma disciplina que busca prever, explicar,
compreender e modificar o comportamento humano em ambientações
organizacionais. Conforme os autores, esta disciplina se configuraria
em três níveis: micro-organizacional, meso-organizacional e macro-
-organizacional. O primeiro nível teria contribuições teóricas centradas
na psicologia e focalizaria os aspectos psicossociais dos indivíduos e as
dimensões de sua atuação no contexto organizacional (SIQUEIRA, 2002).
O segundo nível diria respeito aos processos de grupo e equipes de tra-
balho e traria contribuições postuladas pela Antropologia, Sociologia e
Psicologia Social. Conforme os autores, o terceiro nível, com contribui-
ções da Antropologia, Ciências Políticas e Sociologia, teria seu foco de
investigação na organização como um todo.
Conforme Siqueira (2002), os primeiros níveis postulados pelos
modelos (individual/micro-organizacional) de estruturação do CO

252 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
coincidem com o campo de investigação da Psicologia Organizacional
por apontarem como resultados (outputs) da interdependência de todas
as variáveis incluídas nos modelos, critérios de desempenho individual
(absenteísmo, satisfação, rotatividade e produtividade) o que, tradicio-
nalmente, a Psicologia Organizacional investiga ao longo de sua história
(SIQUEIRA, 2002).
Assim, a área de conhecimento multidisciplinar, denominada
Comportamento Organizacional, sofre influências dos pressupostos,
temas e objetivos de investigação de áreas da psicologia que tanto
contribuem para a estruturação dos níveis individuais de análise
quanto para a estruturação dos níveis intermediários, notadamente,
o trabalho de equipes e grupos. Neste nível, a Psicologia Social marca
sua presença como disciplina autônoma e como área do conhecimento
que investiga o funcionamento de interações humanas bidirecionais,
contribuindo para a compreensão de fenômenos como liderança,
tomada de decisão e atração.
A interdependência entre a Psicologia Social e a Psicologia Orga-
nizacional tem sido continuamente reconhecida. Borges-Andrade e
Zanelli (2014) afirmam ser boa parte do corpo teórico e dos métodos
de investigação da Psicologia Organizacional oriundos da Psicologia
Social. Temas como percepção, atitudes, trocas sociais, valores, justiça,
categorização e representação tiveram suas raízes na Psicologia Social e
foram trasladados para o campo de conhecimentos da Psicologia Organi-
zacional. Métodos investigativos como os estudos experimentais, quase
experimentais e correlacionais, além do emprego da psicometria, como
importante instrumento de investigação, tiveram suas raízes também
na Psicologia Social.
Esta interdependência já havia sido postulada por Rodrigues que, em
1981, afirmava ser a área da psicologia das organizações aquela que fazia
mais apelo às contribuições da Psicologia Social. Embora reconhecesse
ser a Psicologia Organizacional uma área independente, o autor afirmava
que o impacto daquela nesta era indiscutível. Os avanços conhecidos pela

253 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Psicologia Organizacional, após a introdução do paradigma cognitivista
e do enfoque sistêmico, acabaram por demonstrar que a influência da
Psicologia Social no estudo de fenômenos humanos nas organizações
de trabalho era ainda maior que o preconizado por Rodrigues (1981).
É sobre dois destes fenômenos que se ocupará este capítulo: valores,
e suas consequentes comportamentais, as virtudes; ambos, no âmbito
das organizações de trabalho.

VALORES ORGANIZACIONAIS

O estudo dos valores remonta à antiguidade, através da filosofia, e


ressurge com vigor na atualidade, em diferentes áreas do conhecimento,
tais como Psicologia Social, Antropologia e Administração. Schwartz
(1992, 2005), quando discute a importância dos valores em diferentes
contextos, confirma a centralidade desse conceito, capaz de unificar
interesses diversos de todas as ciências preocupadas com o comporta-
mento humano.
No âmbito da Psicologia, o termo surgiu somente na década de 1930
e sua relevância é ilustrada através do número de autores voltados para
a investigação do assunto. Embora os estudos iniciais adotassem a pers-
pectiva do indivíduo, os resultados obtidos têm contribuído para a com-
preensão do tema ao gerar a possibilidade de extensão do conhecimento
acumulado para outras áreas como a das organizações.
Esses conhecimentos ganham amplitude na medida em que encon-
tram ressonância em outras áreas. É o caso da Teoria das Organizações
que, a partir da década de 1980, volta-se para o estudo da cultura organi-
zacional, em que os valores desempenham uma importância primordial.
Em 1976, Katz e Kahn afirmaram que os valores, juntamente com
os papéis e as normas, constavam entre os principais componentes de
uma organização na medida em que orientavam seu funcionamento.

254 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Conforme os autores, os papéis prescreveriam e definiriam as formas
de comportamento associadas a determinadas tarefas; as normas se-
riam expectativas transformadas em exigências e os valores seriam as
justificativas e aspirações ideológicas mais generalizadas.
Os valores atuariam como elementos de integração, no sentido de
que seriam compartilhados por todos ou pela maioria dos membros
organizacionais. Os valores seriam, portanto, centrais para a cultura
organizacional, na medida em que a força da cultura poderia ser vincu-
lada ao grau em que os indivíduos compartilham os mesmos valores e
com eles se comprometem (LUTHANS, 1995; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004).
Para Deal e Kennedy (1982), os valores referem-se às crenças básicas
em uma organização e representam a essência de sua filosofia para o
alcance do sucesso, pois fornecem uma direção comum aos empregados
e orientam o comportamento cotidiano. Já na concepção de Tamayo e
Gondim (1996), valores organizacionais são “princípios ou crenças, or-
ganizados hierarquicamente, relativos a tipos de estrutura ou a modelos
de comportamentos desejáveis que orientam a vida da empresa e estão a
serviço de interesses individuais, coletivos ou mistos” (p. 63).
Organizações reconhecidas pelo sucesso de seus produtos, estabili-
dade e desempenho econômico são também caracterizadas, pelos pes-
quisadores, como possuidoras de um núcleo de valores bem estruturado.
Nessa perspectiva, o aperfeiçoamento teórico e relativo à mensuração
dos valores organizacionais representa uma contribuição significativa
para as organizações. Conhecer os valores percebidos e praticados por
empregados e pela administração é uma forma de entrar em contato
com a cultura da organização. Este conhecimento pode contribuir no
estabelecimento de estratégias corporativas, em nível macro, além de
se constituir em elementos de apoio para o comportamento das pessoas
no contexto de trabalho.
O foco no estudo dos valores representa, portanto, uma contribuição
importante ao estudo da cultura organizacional, visto que há necessi-
dade de encontrar estratégias que permitam avaliar fatores culturais

255 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
e estudar o seu impacto na vida organizacional, bem como desenvolver
formas para o seu gerenciamento.
Schwartz (1992) postula que os valores são representações cognitivas
de três exigências humanas universais: a) necessidades biológicas do
individuo; b) necessidades sociais de interação; c) necessidades so-
cioinstitucionais de sobrevivência e bem-estar dos grupos (SCHWARTZ;
BILSKY, 1987). O indivíduo, para conseguir lidar com a realidade, deve
reconhecer essas necessidades e aprender as respostas apropriadas
para sua satisfação, que se dá mediante formas específicas, definidas
culturalmente. Por meio do desenvolvimento cognitivo, o indivíduo
torna-se capaz de representar, conscientemente, as necessidades como
valores, enquanto no processo de socialização ocorre a aprendizagem
de formas adequadas de comunicá-los.
De acordo com Schwartz e Bilsky (1987), os valores seriam princí-
pios ou crenças relativos a comportamentos desejáveis ou a estados
de existência que, organizados de uma forma hierárquica, orientam
a vida das pessoas e expressam interesses individuais, coletivos ou
mistos. Schwartz (1999, p. 24) define valores como “[...] concepções do
desejável que guiam a maneira como os atores sociais (por exemplo:
líderes organizacionais, ‘elaboradores de políticas’, pessoas individual-
mente) selecionam ações, avaliam pessoas e eventos e explicam suas
ações e avaliações”.
Além da noção de obrigação moral, o conjunto das definições aqui
apresentadas possui outra característica comum: o fato de valores
orientarem comportamentos e escolhas. Schwartz (1992) constrói
uma tipologia contendo dez tipos motivacionais de valores, os quais
são apresentados na Tabela 1, juntamente com metas que os definem.

256 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Tabela 1. Tipos motivacionais de valores

Tipos Metas
Hedonismo Prazer e gratificação sensual para si mesmo.
Realização O sucesso pessoal obtido através de uma demonstração de
competência.
Poder social Controle sobre as pessoas e recursos, prestígio.
Autodeterminação Independência de pensamento, ação e opção.
Estimulação Excitação, novidade, mudança, desafio.
Conformidade Controle de impulsos e ações que podem violar normas sociais ou
prejudicar os outros.
Tradição Respeito e aceitação dos ideais e costumes da sociedade.
Benevolência Promoção do bem-estar das pessoas íntimas.
Segurança Integridade pessoal, estabilidade da sociedade, do relacionamento
e de si mesmo.
Universalismo Tolerância, compreensão e promoção do bem-estar de todos e da
natureza.

A Figura 1 (abaixo) apresenta os tipos motivacionais, que estão


organizados em uma estrutura circular e bidimensional, na qual,
quanto mais próximos dos tipos motivacionais em qualquer uma das
direções ao redor do círculo, mais semelhantes são suas motivações
subjacentes (compatíveis) e, quanto mais distantes, mais antagônicas
são suas motivações subjacentes (aqueles localizados em regiões opos-
tas representam conflitos). As oposições entre tipos motivacionais de
valores podem ser mais bem entendidas quando os tipos motivacionais
são organizados em duas dimensões bipolares, como demonstrado na
Figura 1: “abertura a mudanças versus conservação” e “autopromoção
versus autotranscedência”.
A dimensão “abertura a mudanças” versus “conservação” contrapõe
valores que enfatizam pensamento e ação independente (estimulação,
autodeterminação e hedonismo), favorecendo a mudança a valores que
dão ênfase à autorrestrição, à preservação de práticas tradicionais e à
proteção da estabilidade (segurança, conformidade e tradição).

257 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
AUTOTRANSCENDÊNCIA

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cia
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AVBERTURA A MUDANÇA

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CONSERVAÇÃO
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AUTOPROMOÇÃO

Figura 1. Dimensões e tipos motivacionais1. 1 Adaptado de Schwartz (2005, p. 30).

A segunda dimensão contrasta “autopromoção”


versus “autotranscendência”, capturando o conflito
existente entre a busca do próprio sucesso e do domí-
nio sobre os outros (poder e realização), com valores
que enfatizam a aceitação dos outros como iguais e a
preocupação com seu bem-estar (universalismo e bene-
volência). Hedonismo tem tanto elementos de abertura
à mudança quanto de autopromoção.
Apesar de a teoria discriminar dez tipos motivacio-
nais, ela também postula que, em nível mais básico, os
valores formam um continuum de motivações relacio-
nadas dando origem àquela estrutura circular, sendo
que existe uma ênfase motivacional compartilhada

258 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
por tipos motivacionais adjacentes a qual pode melhor esclarecer a
natureza do continuum.
Conforme a análise de Oliveira e Tamayo (2004), os valores pessoais
e organizacionais compartilham várias características gerais aos valores.
Conceitualmente, ambos apresentam componentes motivacional, cog-
nitivo, hierárquico e social. Além disso, possuem funções semelhantes:
os valores pessoais orientam a vida das pessoas enquanto os valores
organizacionais guiam a vida da organização. Os valores organizacionais
têm sua origem nos valores pessoais, sendo introduzidos por pessoas: o
fundador, os gestores, os próprios trabalhadores. Anteriormente, Tama-
yo (1996) já havia proposto que os valores organizacionais seriam uma
subcategoria do universo axiológico.
A partir da similaridade motivacional entre os valores pessoais e os
valores organizacionais, esses autores construíram e validaram o Inven-
tário de Perfis de Valores Organizacionais, cujos tipos motivacionais são
apresentados na Tabela 2.

Tabela 2. Fatores do IPVO, Correspondência com os Tipos Motivacionais de Valores


e Metas dos Valores Organizacionais.

Fatores Correspondência Metas


Autonomia Autodeterminação Oferecer desafios e variedade no trabalho, estimular a
Estimulação curiosidade, a criatividade e a inovação.
Bem-estar Hedonismo Promover a satisfação, o bem-estar e a qualidade de vida no
trabalho.
Realização Realização Valorizar a competência e o sucesso dos trabalhadores.
Domínio Poder Obter lucros, ser competitiva e dominar o mercado.
Prestígio Poder Ter prestígio, ser conhecida e admirada por todos, oferecer
produtos e serviços satisfatórios para os clientes.
Tradição Tradição Manter a tradição e respeitar os costumes da organização.
Conformidade Conformidade Promover a correção, a cortesia e as boas maneiras no trabalho e
o respeito às normas da organização.
Preocupação Benevolência Promover a justiça e a igualdade, na organização, bem como a
com a Universalismo tolerância, a sinceridade e a honestidade.
Coletividade

259 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Os tipos de valores medidos por esse instrumento permitem a identi-
ficação da hierarquia de valores existente em uma organização, ou seja,
quais são as metas priorizadas. Assim, organizações distintas podem
possuir prioridades de valores diferenciadas. Acrescenta-se, ainda, como
recurso diagnóstico importante, o uso desse instrumento juntamente
ao instrumento de Schwartz (IVS), visando analisar a compatibilidade
entre valores pessoais e organizacionais. O ajuste destes valores tem
sido propalado na literatura como um aspecto importante em termos da
adaptação do empregado à organização. Este tipo de investigação, sem
dúvida, é alvo de interesse dos profissionais da área de gestão de pessoas.
Além disso, os valores organizacionais, concebidos da forma apre-
sentada, constituem um referencial importante, uma vez que as prio-
ridades axiológicas da organização determinam e sustentam a cultura
organizacional, possivelmente, influenciando a formação de vínculos do
indivíduo com sua organização de trabalho, além de afetar o comporta-
mento dos colaboradores.

VIRTUDES ORGANIZACIONAIS

Frente a um ambiente em que a confiança vem se deteriorando, em


que as atribuições de corrupção e os desvios negativos são generali-
zados, cabe aos estudiosos da pesquisa organizacional estender suas
investigações em campos que representem qualidades enobrecedoras,
propósitos significativos e o mais alto potencial humano – o estudo das
virtudes nas organizações (CAMERON; BRIGHT; CAZA, 2004).
Conforme Gavin e Mason (2004), os indivíduos passam muito
tempo no trabalho e veem na organização uma das fontes de suas
relações interpessoais, sociais e políticas. Resgatando a definição
de virtudes de Aristóteles (a disposição adquirida de alcançar uma

260 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
vida boa ou a felicidade), os autores apontam que essa ideia deveria
ser expandida para as organizações.
Moore e Beadle (2006) afirmam que as organizações podem funcionar
como uma pessoa moral, possuindo algo análogo ao caráter e podem, por
isto, ser avaliadas como virtuosas ou viciosas ou mesmo serem caracteri-
zadas como um personagem moral localizado nesses dois extremos. Para
os estudiosos, a organização é vista como um lugar no qual as virtudes
são necessárias para que ela possa se envolver em práticas de excelência,
desenvolvendo, assim, níveis elevados de desempenho.
Além disso, Fonseca (2011) postula que empresas que praticam vir-
tudes morais como amor, justiça e fé observam impactos no diálogo e
relacionamentos com clientes dentro e fora da empresa, na motivação
dos colaboradores, funcionamento das equipes e no crescimento e desen-
volvimento em longo prazo das organizações. Frente a isso, empresários
e dirigentes passaram a orientar a área de recursos humanos a, inclusive,
buscar estas virtudes em futuros colaboradores (FONSECA, 2011).
No intuito de ligar o comportamento virtuoso ao comportamento
organizacional, Cameron, Bright e Caza (2004) investigaram e operacio-
nalizaram o construto ‘virtuosidade organizacional’, que diz respeito às
ações dos indivíduos, às atividades coletivas e aos processos ou atributos
culturais que praticam, apoiam, disseminam e perpetuam a virtuosi-
dade nas organizações. Por meio da validação de um modelo formado
por cinco fatores que compreendem o otimismo, o perdão, a confiança,
a compaixão e a integridade organizacionais, os autores exploraram a
relação entre virtuosidade organizacional e desempenho. Esta relação
pode ser explicada a partir de duas funções: as qualidades “amortecedo-
ras” da virtuosidade, que fortalecem e protegem a organização de efeitos
negativos criando resiliência e resistência, e as qualidades “amplifica-
doras” da virtuosidade, que se referem à exposição dos indivíduos a
comportamentos pró-sociais e virtuosos, atitudes e emoções positivas,
inspirando-os a agir virtuosamente e, consequentemente, instigando o
surgimento de novas ações deste tipo.

261 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Ferrell, Fraedrich e Ferrell (2001) afirmam que as virtudes dão suporte
ao ambiente organizacional e que são importantes para as transações
empresariais. A viabilidade de sistemas políticos, sociais e econômicos
depende da presença de virtudes que se mostram vitais para o funciona-
mento correto de uma economia de mercado. Ferrell, Fraedrich e Ferrell
(2001) definem, assim, cinco virtudes essenciais nas relações empresa-
riais: a confiança, o autocontrole, a empatia, a equidade e a veracidade.
O oposto delas seria a mentira, o logro, a fraude e a corrupção. Na Tabela
3, são apresentadas as definições das virtudes citadas.

Tabela 3. Conceituações de Virtudes conforme proposição de Ferrell, Fraedrich e


Ferrell (2001)

Virtudes Definição

Confiança A predisposição de ter confiança no comportamento de terceiros, ao mesmo tempo


assumindo o risco de que a esperada conduta não se realize. A confiança evita
atividades que fiscalizem o cumprimento de acordos, contratos e compromissos
recíprocos e economiza os custos a ela associados. Há a expectativa de que promessa
ou o acordo serão cumpridos.

Autocontrole A disposição de evitar vantagem ou prazer imediato. Indica capacidade de


evitar explorar uma oportunidade conhecida de satisfazer o autointeresse. Troca
compensatória entre autointeresse em curto prazo e benefícios em longo prazo.

Empatia Capacidade de compartilhar os sentimentos ou emoções com as demais pessoas.


Promove a civilidade, porque o sucesso no mercado depende de tratamento
cortês de pessoas que têm a opção de procurar concorrentes. A capacidade de
prever necessidades e satisfazer clientes e empregados contribui para o sucesso
econômico da firma.

Equidade Disposição baseada no desejo de sanar injustiças sofridas por outras pessoas.
A equidade frequentemente implica fazer a coisa certa no tocante a pequenas coisas,
com vistas a cultivar relações empresariais em longo prazo.

Veracidade Disposição de fornecer fatos ou as informações corretas ao indivíduo.


Dizer a verdade envolve evitar a fraude e contribui para a confiança das
relações empresariais.

Fonte: Adaptado de Ferrell, Fraedrich e Ferrell (2001).

262 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Por sua vez, Solomon (2000, citado por ARRUDA; WHITAKER;
RAMOS, 2009) lista outras 45 virtudes também importantes para os
negócios: aceitação, amabilidade, ambição, atenção, autonomia, ca-
risma, compaixão, competitividade, confiança, cooperação, coragem,
credibilidade, criatividade, cuidado, dedicação, determinação, eloquên-
cia, espírito, espírito empreendedor, espiritualidade, estilo, firmeza,
generosidade, graça, gratidão, habilidade, heroísmo, honestidade,
honradez, humildade, humor, imparcialidade, independência, integri-
dade, justiça, lealdade, orgulho, paixão, prudência, responsabilidade,
santidade, satisfação, serenidade, tolerância e vergonha. Para o autor,
as virtudes de uma organização definem seu clima ético, componente
fundamental da cultura empresarial que, em última análise, solidifica
a confiança dos stakeholders na empresa.
A partir das proposições de Ferrell, Fraedrich e Ferrell (2001) e de
Solomon (2000, citado por ARRUDA; WHITAKER; RAMOS, 2009), Vieira,
em 2014, propôs, com o objetivo de construir e validar um instrumento
de medida de percepção, um conjunto de oito virtudes morais organi-
zacionais, como a seguir:
• Amizade: crença do empregado que a organização que o empre-
ga possui a capacidade progressiva em estabelecer relações, de
forma autônoma, com base na aceitação, compreensão e apoio.
• Autocontrole: crença do empregado que a organização que o
emprega possui a capacidade em evitar vantagem, prazer ime-
diato ou a exploração de uma oportunidade de satisfação do
autointeresse.
• Confiança: crença do empregado que a organização que o em-
prega possui a disposição/capacidade em acreditar no comporta-
mento futuro de outros, havendo expectativa de que a promessa
ou acordo serão cumpridos.

263 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
• Empatia: crença do empregado que a organização que o emprega
possui a capacidade de compreender e de expressar compreensão
sobre a perspectiva e sentimentos de outro.
• Equidade: crença do empregado que a organização que o emprega
possui a capacidade de respeitar os direitos dos outros, atribuindo
a cada indivíduo o que lhe cabe ou compete.
• Generosidade: crença do empregado que a organização que o
emprega possui a disposição espontânea em ajudar/beneficiar
o outro, sem esperar retornos, pagamentos ou quaisquer retri-
buições em troca.
• Honestidade: crença do empregado que a organização que o
emprega possui a capacidade de comportar-se, voluntariamente,
de acordo com o que é correto, conforme uma ética socialmente
aceita ou estabelecida.
• Veracidade: crença do empregado que a organização que o em-
prega possui a disposição em fornecer dados ou informações
corretas ao indivíduo, conforme os fatos ou realidade.
A autora relata que, após a análise fatorial e de consistência interna,
o instrumento se configurou como trifatorial. O primeiro fator, denomi-
nado “boa-fé organizacional”, estabelece uma ligação entre a boa-fé e a
veracidade, sendo necessária nas relações interpessoais e interinstitu-
cionais, que requerem o mínimo de artifícios ou dissimulações.
O segundo fator foi denominado “confiança organizacional” e está
relacionado à percepção do empregado de que a organização confia nele,
estabelecendo com ele compromisso no futuro.
O terceiro fator foi denominado “generosidade organizacional” que
pressupõe uma disposição espontânea da organização em sacrificar seus
próprios interesses em prol de necessidades singulares do empregado.
Como conclusão, Vieira (2014) define a percepção de virtudes morais
organizacionais como um conjunto de crenças do empregado de que a

264 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
organização que o emprega possui a capacidade de reger suas relações
com veracidade, de cumprir compromissos no futuro e de sacrificar os
interesses organizacionais para o alcance dos interesses dos empregados.
Como pauta de investigação, a autora sugere que estudos posteriores
procurem estabelecer a relação entre a percepção de virtudes morais
organizacionais e os diversos vínculos do empregado com seu sistema
empregador, notadamente, aqueles de base moral como o comprome-
timento organizacional normativo. Para um maior entendimento dos
vínculos morais estabelecidos entre indivíduo e organização, a autora
recomenda, ainda, a investigação do papel das percepções de virtudes
morais da organização na criação de um sentimento de lealdade e de
dívida social para com ela e se este papel pode ser um dos determinan-
tes do desejo de permanência do empregado na empresa. Ainda como
agenda de investigação, Vieira (2014) recomenda um maior investimento
em pesquisas, principalmente na busca de distinção (se existente) entre
as virtudes organizacionais e as virtudes individuais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As teorias oriundas da Psicologia Social têm largo emprego em outras


áreas da psicologia. Psicologia da Educação, Psicologia da Saúde e Psico-
logia Comunitária são áreas de psicologia aplicada em que as chamadas
‘microteorias’ sociais têm influências notáveis. Na Psicologia Organiza-
cional, não tem sido diferente.
A introdução deste capítulo anunciou o objetivo de abordar a influên-
cia da Psicologia Social no estudo de fenômenos humanos em ambientes
organizacionais com foco em dois constructos que têm ganhado visibi-
lidade nas literaturas internacional e nacional: os valores e as virtudes
das organizações. Não se pretendeu esgotar o assunto, já que ambos os
constructos têm um leque de abrangência maior que o escopo de um

265 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
único capítulo. Contudo, a despeito do maior número de pesquisas em
andamento, o que se prenuncia é a necessidade de aprofundamento dos
estudos; necessidade que abarca desde suas conceituações até seus deter-
minantes e/ou consequentes. O que se vislumbra é que a complementa-
riedade ‘valores/crenças’ e ‘virtudes/comportamentos’ seja antecedente
seguro de um dos mais importantes focos das investigações em âmbitos
organizacionais: os vínculos do indivíduo com seu sistema empregador
e com seu trabalho.

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268 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
CAPÍTULO 15

Orientação para alcance de metas:


teoria e fundamentos

LIGIA CAROLINA OLIVEIRA SILVA


JULIANA BARREIROS PORTO

A questão de como as pessoas buscam e alcançam metas tem per-


meado boa parte dos esforços conceituais e empíricos da Psicologia
Social nos últimos anos. Porém, no contexto brasileiro, a quantidade
de pesquisas no tema indica que a teoria das metas ou goal theory ainda
é relativamente desconhecida, o que torna a Orientação para Alcan-
ce de Metas (Achievement Goal Orientation) ainda mais inexplorada.
A teoria da Orientação para Alcance de Metas (OAM) representa uma
das áreas mais ativas de pesquisa no campo de motivação e metas no
cenário internacional. Ela tenta explicar de que maneira diferentes
tipos de orientação podem influenciar resultados como desempenho
e alcance de metas. Inicialmente, o conceito de orientação para metas
teve como foco o contexto educacional/escolar, porém se expandiu
rapidamente para outras áreas da psicologia, tais como psicologia do
esporte e psicologia organizacional.
A OAM representa, atualmente, um grande guarda-chuva teórico
para a compreensão dos fatores que motivam o comportamento.
Sendo assim, o objetivo deste capítulo consiste em apresentar a OAM,

269 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
abordando suas características principais e discussões atuais e pro-
porcionando um ponto de partida para futuras investigações no tema.

ORIGENS E DEFINIÇÕES

O que é uma meta de alcance? Embora não haja um consenso na


literatura acerca de sua definição, ao se integrar várias definições for-
necidas por Elliot e seus colegas compreende-se que a meta de alcance
(achievement goal) representa um tipo especial de meta, definido como
a representação cognitiva de uma alternativa baseada numa competên-
cia que o indivíduo busca atingir (ELLIOT, 1997; ELLIOT; FRYER, 2008;
ELLIOT; THRASH, 2001). Segundo Elliot e Fryer (2008), quando se classi-
fica uma meta como uma representação cognitiva, refere-se à utilização
de um aparato mental no processo de regulação do indivíduo. As metas
de alcance envolvem a valência de busca ou evitação, que se refere ao
movimento feito pelo indivíduo de aproximação ou afastamento dos
objetos/possibilidades.
Nesse contexto, a motivação para o alcance de metas, mais especi-
ficamente as dimensões de busca/aproximação e fuga/evitação consti-
tuiriam a energização e direção do comportamento humano (ELLIOT,
2006). O movimento de aproximar-se ou evitar possibilidades positivas
ou negativas assumiria duas formas distintas: a) a promoção de novas
situações positivas e manutenção das que já existem; b) a prevenção de
novas situações negativas e a fuga de situações negativas que já existam.
A partir de tal raciocínio, desenvolveu-se a teoria da OAM, que tem como
objetivo investigar como o comportamento humano pode assumir essas
duas formas frente às possibilidades que lhe surgem.
Dweck e Elliot (1983) iniciaram a discussão sobre a OAM ao criti-
car a utilização da inteligência como único fator que influenciaria o
desempenho em situações de alcance de metas, argumentando que a

270 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
motivação exerceria um papel extremamente importante. O interes-
se de Dweck e Elliot (1983) era a “motivação para o alcance de metas”
(achievement motivation), uma vez que acreditavam que este tipo de
motivação influenciaria o desempenho e o sucesso de crianças em sala
de aula. Dweck e Elliot (1983) chegaram a propor um modelo integrado
da motivação para o alcance de metas, no qual motivação era definida
como um conjunto de fatores psicológicos, dinâmicos e contemporâ-
neos, que influenciava fenômenos como escolhas, iniciação, direção,
magnitude, persistência, recomeço e a qualidade da atividade dirigida
a metas. Sendo assim, a motivação para alcance de metas seria com-
preendida como o estudo de fatores psicológicos que afetam a adoção
e a busca por metas, de forma que tais fatores afetam a probabilidade
de uma meta ambiciosa ser perseguida; o quão vigorosamente é per-
seguida e por quanto tempo é perseguida.
Apesar das críticas às teorias de inteligência, posteriormente Dweck
(1986) fez uso das mesmas para explicar como os diferentes tipos de
inteligência utilizados por um indivíduo influenciariam a sua “orienta-
ção para metas” (goal orientation). Dessa maneira, a orientação adotada
juntamente com a autopercepção de habilidade do indivíduo eliciariam
um determinado padrão de resposta comportamental. A partir de então,
o termo “orientação para metas” passou a ser utilizado para se referir a
metas de alcance (achievement goals), ou seja, quando um indivíduo adota
metas relativas à aquisição de competência em contextos de demanda.
Dweck (1986) propôs então a distinção entre metas de aprendizado
(learning goals) e metas de desempenho (performance goals). As metas de
aprendizado se referem ao desejo do indivíduo de aprimorar suas compe-
tências e/ou aprender coisas novas, enquanto as metas de desempenho
têm como objetivo demonstrar competência perante os outros e evitar
julgamentos negativos. Dweck e Leggett (1988) encontraram evidências de
que indivíduos com metas de desempenho mais proeminentes tendiam
a enxergar que, quanto maior o esforço dispendido numa tarefa, menos
habilidoso se parecia ser. Por outro lado, aqueles com tendência a metas

271 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
de aprendizado enxergavam o esforço como uma estratégia para dominar
uma tarefa, de forma que quanto maior o esforço, melhor a aprendizagem.
Na mesma época, Nicholls (1984) também estava investigando o
conceito de “orientação para metas” (goal orientation) no ambiente
educacional. Segundo o autor, para prever comportamentos seria ne-
cessário primeiro determinar as metas de um indivíduo, para então
descobrir se tal meta influenciaria seu comportamento. O interesse de
Nicholls era o comportamento de alcance (achievement behavior), que
ele define como o comportamento em que o objetivo é desenvolver ou
demonstrar – para si e para os outros – grande habilidade, ou apenas
evitar demonstrar pouca habilidade. Sendo assim, Nicholls propôs
que tais diferenças individuais poderiam ser compreendidas através
de duas categorias: orientados para tarefa (task-oriented) e orientados
para o ego (ego-oriented). Os primeiros julgam suas habilidades, con-
siderando a própria habilidade no passado e o quanto avançaram no
domínio da tarefa. Já os orientados para o ego julgam sua habilidade
em termos do seu esforço/desempenho em relação aos outros.
De acordo com Nicholls (1984), o comportamento de alcance (achie-
vement behavior) seria composto pela presença da meta de competência
(ou percepção de competência). Tal competência (ou habilidade) seria
interpretada de diferentes maneiras pelos indivíduos. Nicholls (1984)
encontrou evidências de que crianças pequenas em geral julgam suas
habilidades de acordo com seu desempenho anterior (autorreferência),
ou seja, um desempenho atual melhor do que um anterior seria um
indicativo de elevada habilidade. Por outro lado, para adolescentes o
aprendizado/maestria de uma tarefa, sozinho, não produziria evidência
suficiente para justificar alta habilidade – para ter sua habilidade acredi-
tada, precisariam aprender mais do que os outros com o mesmo esforço
ou apresentar o mesmo desempenho que os outros, mas com menos
esforço (heterorreferência ou padrão comparativo). Jagacinski e Nicholls
(1984) afirmam que adultos diferenciam auto e hetero concepções de

272 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
habilidade, porém podem utilizar qualquer uma das duas a depender
de qual sejam suas metas.
A partir do trabalho de Dweck e Nicholls, sobre a motivação para
alcance de metas, é possível notar que ambos concordam com o fato de
que indivíduos adotam metas particulares (às quais eles se referem como
‘achievement goals’ ou ‘goal orientations’) em uma situação de demanda.
Porém, ao diferenciar os tipos de meta, Dweck usou os termos orientação
de aprendizado (learning, sendo mais tarde substituído por maestria ou
mastery) e de desempenho (performance), utilizados com mais frequência
na atualidade, enquanto Nicholls utilizou orientação para tarefa (task) e
para o ego. Ademais, a principal diferença entre as duas propostas é que
Dweck utilizou teorias de inteligência para analisar como um indivíduo
adota diferentes metas de alcance, enquanto Nicholls propôs a diferen-
ciação das concepções de habilidade.
As premissas iniciais de Dweck e Nicholls serviram como base para
o aprimoramento da teoria da Orientação para Alcance de Metas (OAM),
que foi ganhando, ao longo dos anos, cada vez mais espaço entre as teo-
rias de metas e de motivação. A OAM representa um padrão integrado de
crenças que levam as pessoas a encarar, se engajar e responder a tarefas
e situações de maneiras específicas (SCHUNK, 2001). O alcance de metas
é o objetivo do engajamento na tarefa, sendo que o tipo específico de
meta adotada por um indivíduo cria um quadro de como ele interpreta
e experimenta as situações relativas ao alcance de metas (ELLIOT, 1999).
Quando querem alcançar uma meta, as pessoas apresentam diferentes
orientações ou modos de agir em direção à conquista da meta, de forma
que tal orientação guia os comportamentos, cognições e afetos do indi-
víduo (ELLIOT, 2005).
Segundo Pintrich, Conley e Kempler (2003), orientação para alcance de
metas inclui a finalidade do alcance da meta (maestria ou desempenho)
e os padrões e critérios que os indivíduos podem usar para definir suas
metas (autorreferentes ou comparativos). Metas de maestria refletem
a crença no esforço que leva ao sucesso, focando no desenvolvimento

273 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
de competências, aprendizagem, compreensão da tarefa/trabalho e pa-
drões autorreferentes de aprimoramento. Pessoas com a orientação de
maestria seriam mais focadas na priorização de metas amplas (ao invés
de restritas) ao realizar tarefas. Por outro lado, a orientação de desem-
penho foca na habilidade do sujeito e no senso de autovalor. Pessoas
com maior orientação de desempenho se preocupam em se sair melhor
que os outros nas tarefas, superar as normas e receber reconhecimen-
to pessoal (LEE et al., 2010). Resumindo, metas de maestria focam no
desenvolvimento de competências e na maestria das tarefas, com uma
orientação intrapessoal, enquanto metas de desempenho são associadas
à demonstração de competência em relação aos outros, com orientação
interpessoal (ELLIOT, 1999).
A forma pela qual as orientações de maestria e desempenho se
apresentam nos indivíduos representa uma questão de intenso debate
na área da OAM. A total compreensão do comportamento de alcance
(achievement behavior) e suas consequências exigem atenção não
só às metas dos indivíduos, mas também às necessidades/motivos
subjacentes que tais metas atendem (THRASH; HURST, 2008). Neste
contexto, a energização e a direção do comportamento do indivíduo
podem tender para a aquisição de competência ou evitação de incom-
petência (ELLIOT; DWECK, 2005), representados pelas dimensões de
aproximação (approach) e evitação (avoidance) da OAM. A forma pela
qual cada uma dessas dimensões se associa às orientações de maestria
e desempenho é apresentada no tópico a seguir.

DIMENSIONALIDADE:
MODELO TRIFATORIAL E O MODELO 2X2

Como discutido na seção anterior, a literatura sobre a OAM aponta que


as orientações de maestria e desempenho se expressam a depender da

274 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
necessidade/motivo de aproximação ou evitação do indivíduo. O modelo
pioneiro, que considerou tais dimensões, foi o de Elliot e Harackiewicz
(1996), conhecido com trifatorial. Neste modelo, foi expandida a dicoto-
mia convencional maestria-desempenho, a partir da consideração dos
componentes de aproximação e evitação na orientação de desempenho.
Sendo assim, o modelo era composto de três fatores ou orientações:
1) Maestria; 2) Aproximação de desempenho (performance approach);
3) Evitação de desempenho (performance avoidance). A aproximação de
desempenho consiste no desejo de alcançar julgamentos favoráveis de
competência, enquanto a evitação se refere à necessidade de evitar jul-
gamentos desfavoráveis (ELLIOT; HARACKIEWICZ, 1996).
Várias pesquisas foram conduzidas considerando o modelo trifatorial
e encontraram evidências da existência dos três fatores (e.g. ELLIOT;
CHURCH, 1997; ELLIOT; MCGREGOR; GABLE, 1999; VANDEWALLE, 1997;
VANDEWALLE et al., 2000). Posteriormente, Elliot e McGregor (2001)
propuseram que a orientação de maestria também deveria ser dividida
em dimensões de aproximação e evitação, evidenciando a necessidade
de abarcar o amplo espectro de esforços baseados em competências.
Sendo assim, a OAM seria compreendida de acordo com duas dimensões
básicas: definição – autorreferente versus heterorreferente – e valência
– aproximação versus evitação. Para cada orientação, dimensões de apro-
ximação e evitação são consideradas, o que é conhecido como o modelo
2X2 (ELLIOT & MCGREGOR, 2001), conforme disposto na Figura 1.

Definição
Absoluta/intrapessoal Normativa/interpessoal
(maestria) (desempenho)
Positiva Aproximação Aproximação
(procura sucesso) Maestria Desempenho
Valência
Negativa Evitação Evitação
(evita fracasso) Maestria Desempenho

Figura 1. Modelo 2x2 de Alcance de Metas


Fonte: Elliot & MacGregor, 2001.

275 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Na orientação de aproximação de maestria, as pessoas focam no de-
senvolvimento de competências, aprendizado, compreensão da tarefa/
trabalho e priorizam padrões autorreferentes de aprimoramento. Por
outro lado, na orientação de evitação de maestria as pessoas evitam de-
monstrar que não compreendem algo, que têm dificuldade de aprender
ou que não conseguem dominar uma tarefa. Na orientação de desem-
penho, as metas são definidas em termos normativos. A dimensão de
aproximação do desempenho é relacionada ao desejo de um indivíduo
de se sair melhor do que os outros e de ser reconhecido por suas com-
petências. Na tabela 1, tem-se uma maior clarificação de cada dimensão.

Tabela 1. Dimensões da OAM

Orientação Maestria Orientação Desempenho

• Preocupação com domínio • Preocupação em ser superior,


da tarefa, aprendizado e o mais esperto, o melhor na tarefa
desempenho. em comparação com os outros.
Foco Aproximação
• Uso de padrões próprios de • Uso de padrões normativos tais como
aprimoramento, progresso e tirar notas mais altas, ser o melhor ou
profunda compreensão da tarefa. ter o melhor desempenho de todos.

• Preocupação em evitar equívocos, • Preocupação em evitar ser inferior,


incompreensão ou pouco domínio não parecer estúpido ou burro em
da tarefa. comparação com os outros.
Foco Evitação
• Uso de referências sobre como • Uso de padrões normativos sobre
não errar e não realizar a tarefa como não tirar as menores notas ou
equivocadamente. ter o pior desempenho de todos.

Adaptação: Pintrich & Schunk (2002).

Elliot e McGregor (2001) propuseram, inclusive, um instrumento


para medir a OAM no formato de quatro fatores, o Achievement Goal
Questionnaire (AGQ). Estudos posteriores (FINNEY; PIEPER; BARRON,
2004; ELLIOT; MURAYAMA, 2008; PASTOR et al., 2007) ajudaram a
reforçar a validade teórica e empírica do modelo através de análises
fatoriais confirmatórias, de validade discriminante, índices de consis-
tência interna, comparações de ajuste do modelo 2x2 com o trifatorial,

276 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
modelagem por equações estruturais, entre outras. Os resultados de tais
estudos contribuíram para atestar a prevalência do modelo de quatro
fatores sobre o seu antecessor, o modelo trifatorial, fazendo com que
o modelo 2x2 seja o mais utilizado na área atualmente. Tem-se ainda o
fato de o modelo 2x2 apenas adicionar mais uma dimensão ao modelo
trifatorial, não necessariamente alterando sua estrutura, mas tornando-o
mais compreensivo. Devido a este cenário, Van Yperen e Renkema (2008)
consideraram o modelo 2x2 como o modelo de OAM mais sofisticado da
contemporaneidade.

QUESTÕES CONCEITUAIS E EMPÍRICAS

Múltiplas orientações para alcance de metas

Existe uma discussão na literatura da OAM sobre a possibilidade de


um indivíduo adotar, mutuamente, mais de um tipo de orientação, o que
caracteriza a perspectiva múltipla da OAM (BARRON; HARACKIEWICZ,
2001; MIDGLEY; KAPLAN; MIDDLETON, 2001). De acordo com Janssen e
Prin (2007), várias orientações podem coexistir numa pessoa, de forma
que o desenvolvimento de competências (maestria) não seria necessa-
riamente incompatível com a demonstração de competências (desem-
penho). Sendo assim, a perspectiva múltipla diz respeito à possibilidade
de indivíduos apresentarem altos escores em mais de uma OAM.
Embora a proposta pareça plausível, segundo DeShon e Gillespie
(2005), as pesquisas em OAM não têm considerado esta perspectiva, pro-
vavelmente devido à sua maior complexidade. Conceber que as pessoas
podem ter mais de uma orientação simultaneamente poderia dificultar
a compreensão das causas e consequências da OAM. Porém, Barron e
Harackiewicz (2001) sugerem que, em estudos empíricos, deve-se ao me-
nos testar se existem efeitos de interação entre maestria e desempenho.

277 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Em outras palavras, deve-se verificar se a adoção de metas de maestria e
desempenho simultaneamente resultaria em um melhor desempenho
do que se fosse adotada apenas a orientação de maestria, por exemplo.
Neste sentido, Barron e Harackiewicz (2001) propuseram quatro hipó-
teses sobre como múltiplas orientações poderiam afetar o desempenho.
A primeira é a hipótese aditiva, que propõe que maestria e desempenho
exercerão, juntos, maior efeito, num determinado resultado, em com-
paração ao efeito de cada um, isoladamente. A segunda é a hipótese in-
terativa, que sugere que maestria e desempenho interagem entre si para
gerar um efeito num resultado. A hipótese da especialização propõe que
maestria e desempenho têm efeitos positivos em diferentes resultados,
porém a adoção de ambos simultaneamente seria benéfica de forma geral.
Por fim, a hipótese seletiva suscita que os indivíduos devem ser capazes
de escolher entre diferentes orientações, adotando aquela que melhor se
adaptar à situação apresentada. Barron e Harackiewicz (2001) encontra-
ram maior suporte para a hipótese da especialização. Em outro estudo,
Harackiewicz et al. (2002) verificaram que a adoção das orientações de
maestria e desempenho gerava consequências positivas no comporta-
mento de estudantes, concluindo que, embora influenciem diferentes
aspectos, maestria e desempenho têm consequências complementares
e positivas na motivação e no desempenho.

Orientação para alcance de metas: Traço versus Estado

A necessidade de se elucidar a natureza de traço ou estado da OAM


diz respeito à estabilidade da orientação, que tem demonstrado ser um
problema recorrente nas tentativas de operacionalização do construto.
A consideração da OAM, como um traço, indicaria maior estabilidade da
orientação, enquanto sua compreensão, como estado, sugeriria a varia-
ção da orientação de acordo com fatores contextuais. Os primórdios da
investigação da OAM, no campo educacional, demonstram tradição da
OAM como traço estável ou disposição (DWECK, 1986), o que se mantém

278 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
até hoje (KOZLOWSKI et al., 2001). Já outros pesquisadores admitem que,
embora as orientações possam ser compreendidas como traços, elas
podem ser influenciadas por fatores situacionais (VANDEWALLE, 2003;
BETTENCOURT, 2004).
Uma meta-análise realizada por Payne, Youngcourt e Beaubien (2007)
indicou que a OAM era estável num breve período de tempo, permitindo
sua caracterização como traço. Porém, quanto maior o intervalo de tempo,
mais fraca seria a confiança na estabilidade do traço. Devido à escassez
de estudos que investigasse a OAM longitudinalmente, a estabilidade da
OAM como traço permanece inconclusiva. Aliada à questão do período de
tempo, há também o fato de que os estudos frequentemente acessam a
OAM através de diferentes modelos dimensionais (três fatores ou quatro
fatores), o que dificulta a generalização dos resultados.
Como consequência da discussão acerca da estabilidade da OAM,
alguns pesquisadores chegaram a levantar a possibilidade das orien-
tações existirem como traços e estados (PINTRICH; SCHUNK, 2002).
A ideia seria adotar a estratégia utilizada na psicologia social e da per-
sonalidade, que assume que tanto fatores situacionais como pessoais
seriam importantes, uma vez que a questão consistiria em especificar
a forma pela qual eles interagem. Breland e Donavan (2005), por exem-
plo, evidenciaram que medidas disposicionais de OAM influenciavam
os estados de OAM correspondentes. Chen e Mathieu (2008), por sua
vez, indicaram que a orientação de maestria, quando combinada com
uma indução de desempenho, predizia melhor desempenho ao invés
da combinação com uma indução de maestria. Entretanto, conclui-se
que, embora haja evidências da OAM como traços e estado, mais pes-
quisas são necessárias.

Generalidade versus especificidade da OAM

A discussão a respeito da generalidade ou da especificidade da OAM


diz respeito às diferenças entre estudos que consideram a OAM como

279 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
um conceito geral e aqueles que abordam a OAM em relação a tarefas ou
contextos específicos. Tal discussão se relaciona com o tópico anterior
no tocante em que, ao se considerar que a OAM representa um traço
estável, é mais provável que ela seja geral, compatível com uma extensa
gama de situações. Por outro lado, se concebermos que a OAM é um
estado, seria mais plausível julgá-la como específica a determinadas
tarefas ou situações.
Segundo DeShon e Gillespie (2005), os estudos têm sido inconsisten-
tes em relação à abordagem da OAM como geral ou específica a um(a)
domínio/situação/tarefa. Os resultados da revisão de literatura feita pelos
autores mostraram que: 46,6% dos estudos compreendiam a OAM como
características pessoais gerais e estáveis; 26,1% dos estudos consideravam
a OAM como uma combinação de fatores pessoais e situacionais; 4,5%
a OAM como altamente instável e induzida pela situação. Desta forma,
observa-se que a literatura tem tradado, com mais frequência, a OAM
como característica pessoal de traço geral.
Entretanto, alguns estudos apontam que a orientação de desempe-
nho parece ser mais generalizada ao longo das situações, enquanto a
maestria aparenta ser mais voltada para assuntos específicos (BONG,
2001). O autor explica que, no tocante à maestria, seria necessário que o
sujeito apresentasse interesse num determinado assunto ou tarefa. Em
outras palavras, um indivíduo estar particularmente interessado num
determinado assunto ou conteúdo torna mais provável que ele adote a
orientação de maestria, que é focada em aprender o máximo possível
sobre determinado assunto (em oposição à orientação de desempenho,
que prioriza apresentar resultados melhores em comparação com as
outras pessoas).
Infelizmente, a quantidade de estudos realizados a respeito da
especificidade versus generalidade da OAM ainda é insuficiente para
gerar conclusões, além de alguns deles serem bastante controversos.
O estudo de Muis e Edwards (2009), por exemplo, encontrou níveis de
estabilidade entre moderado e elevado ao analisar a OAM em diferentes

280 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
tarefas. Porém, no mesmo estudo, os autores também encontraram
oscilações significativas nos níveis de OAM ao longo das tarefas. Dian-
te disso, é possível supor que talvez a generalidade ou especificidade
da OAM esteja associada a fatores contextuais específicos, que ainda
não foram apropriadamente abordados nas pesquisas. Por fim, Elliot
e Dweck (2005) defendem que, embora a OAM possa ser tratada tanto
no nível de análise geral quanto no específico, considerações concei-
tuais e empíricas sugerem que ela se adequaria melhor a contextos e
situações específicas. Como exemplos, teríamos os contextos educa-
cional, organizacional e esportivo, para os quais mensurações da OAM
deveriam ser adaptadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente capítulo teve como objetivo abordar uma das formas


que a motivação para alcance de metas tem sido tratada no contexto
da Psicologia Social, através de uma breve revisão de literatura sobre
Orientação para Alcance de Metas. Como é possível observar, ainda
existem lacunas acerca das características constitutivas do constru-
to que precisam ser abordadas por um maior número de pesquisas.
Adicionalmente, conforme mencionado no início do capítulo, a
OAM tem várias aplicações no campo educacional, do esporte e das
organizações, o que evidencia a necessidade de mais pesquisas que
analisem as especificidades da OAM em cada área. Sendo assim,
espera-se que este capítulo possa contribuir para que as pesquisas
brasileiras em Psicologia Social passem a investigar o construto com
mais frequência, além de adicionar à literatura internacional peculia-
ridades do contexto brasileiro em relação às causas e consequências
dos diferentes tipos de OAM.

281 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
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285 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
CAPÍTULO 16

Danos psicológicos associados


ao desemprego: um estudo empírico

MARLEY ROSANA MELO DE ARAÚJO


ANA CAROLINA MENDONÇA

O mundo do trabalho tem sofrido constantes modificações que


apontam para uma nova configuração do capitalismo, oriunda da crise
do padrão de acumulação vigente estruturado sob o binôm3io tayloris-
mo-fordismo, e sua substituição por formas produtivas flexibilizadas e
desregulamentadas, regidas pelo toyotismo.
Tais mudanças, ocorridas no mundo do trabalho desde a década de
1970, além de definirem novas práticas produtivas e direcionarem para
novas condições de empregabilidade, também levam à precarização do
trabalho e ao aumento do desemprego, seja pela diminuição nos postos de
trabalho formais, seja pelas dificuldades impostas pelas novas exigências
de empregabilidade (PEREIRA; BRITO, 2006).
As mudanças na dinâmica do capitalismo internacional aprofun-
daram-se e se expandiram, a partir dos anos 1990 (BRASIL, 2001). As
transformações estruturais configuram a globalização econômica, a qual
é caracterizada por acentuada competição entre as empresas, interna-
cionalização e integração dos mercados, fusão de empresas em grandes
conglomerados, uso intenso de inovações tecnológicas e deslocamento
de grandes indústrias e empresas de serviços para diversas regiões do

286 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
mundo, buscando maior lucro, menores custos e mão de obra barata
com fraco poder de organização sindical.
Como resultado dessa nova configuração (PEREIRA; BRITO, 2006;
ESTRAMIANA et al., 2012), observa-se um acréscimo nas desigualdades
econômicas em escala mundial, o que ocasiona consequências sociais
expressivas e emergência de novos elementos, tais como: reestruturação
das relações de trabalho; flexibilidade e desregulamentação do trabalho;
terceirização das atividades; aumento do desemprego; crescimento de
empregos precários; exclusão de amplos contingentes de trabalhadores
do mercado formal; empobrecimento da população; aumento da exclusão
social; agravamento das diferenças sociais entre países ricos e pobres;
devastação do meio ambiente pelo uso predatório das tecnologias.
Para Azevedo et al. (1998), os efeitos dessa nova configuração mundial
podem ser percebidos, principalmente, pelo que se convencionou chamar
de “desemprego estrutural”, gerando consequências para a população
que não consegue se enquadrar no novo paradigma do capitalismo.
A denominação desemprego estrutural remete à redução do mercado
de trabalho, na medida em que se eleva o contingente de trabalhadores
excedentes (ANTUNES, 1999).
De acordo com Dedecca (1996), o desemprego tornou-se um problema
estrutural nas economias avançadas, a partir do final dos anos 1970, pe-
ríodo no qual se tornou evidente a gravidade do problema, bem como as
limitações das políticas nacionais adotadas para combatê-lo. A precarie-
dade dos mercados de trabalho é causada pela sua perda de dinamismo e
pelos programas de racionalização produtiva das empresas, que buscam
enxugar seu contingente profissional, mantendo apenas os trabalhadores
bem qualificados. Desse modo, percebe-se que, no movimento real da
economia atual, as empresas aproveitam-se da desregulamentação dos
mercados e relações de trabalho para racionalizar produção e empre-
go, porém, consequentemente, reforçam o fenômeno do desemprego
(PEREIRA; BRITO, 2006). Para Antunes (1999), o toyotismo tem como
finalidade essencial intensificar as condições de exploração da força

287 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
de trabalho, de forma a reduzir e/ou eliminar o trabalho improdutivo.
Para tal, observa-se uma redução no número de trabalhadores, restando
apenas um conjunto flutuante e flexível de trabalhadores qualificados,
multifuncionais e envolvidos com o ideário corporativo: estes, então,
passam a trabalhar simultaneamente com processos produtivos diver-
sificados em um ritmo acelerado.
A economia brasileira também foi alvo de significativas transforma-
ções, entre elas, o processo de globalização e os planos de estabilização,
tornando o mercado de trabalho caracterizado por mudanças relevantes,
sobretudo no que diz respeito aos postos de trabalhos insuficientes para
atender ao número de trabalhadores (OLIVEIRA; CUNHA, 2010). Para
Argolo e Araujo (2004), outros aspectos da estrutura socioeconômica
brasileira também contribuem para a redução de postos de trabalho.
Esses aspectos, em sua maior parte, estão ligados às políticas públicas
do país, as quais são fundamentadas levando-se em consideração a
elite dominante, dentre os quais se destacam: a concentração da renda
em uma minoria, o que precariza os direitos básicos de cidadania da
maioria da população; os consequentes déficits de qualificação pessoal;
a precariedade das relações trabalhistas, disfarçada na informalidade.
Em termos numéricos, somente metade dos trabalhadores brasi-
leiros vivencia uma relação de trabalho caracterizada como emprego,
sendo que a maioria deles está submetida a relações precárias, com
baixos salários, jornadas extensas e vínculos temporários. Somam-se
a esse contexto, uma redução na oferta de empregos formais e o desa-
parecimento de alguns postos de trabalho (VILLELA, 2005, citado por
OLIVEIRA; CUNHA, 2010).
Segundo dados da Agência Nacional de Estatística, no final de 2011,
a taxa de desemprego para as seis principais capitais do país (São Paulo,
Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre e Recife) era de 6%.
Do total de desempregados, aqueles de longa duração ou que levam mais
de um ano procurando trabalho representam 17,8% (ESTRAMIANA et al.,
2012). A quantidade de brasileiros desempregados é alta, e esse número

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a contemporaneidade em temas clássicos
aumenta significativamente quando se detém em determinados grupos
populacionais. A fragilidade do mercado de trabalho tem refletido uma
forte discriminação econômica e social, de modo que atinge principal-
mente as mulheres, a população jovem e determinados segmentos da
população denominados preconceituosamente de minorias.
O desemprego deixa de ser apenas um problema econômico para
ser entendido como grave questão social. Na vida daqueles que o vi-
venciam, os impactos são diversos. As consequências do desemprego
atingem não só a dimensão econômico/financeira, como também
social, pessoal e familiar, influenciando na identidade profissional e
psicológica do indivíduo (CARDOSO, 2004; POLAKIEWICZ, 2006). Desse
modo, levando em consideração o fato de o desemprego ser vivenciado
por uma população mundial cada vez maior, surge a necessidade de
entender esse fenômeno e o modo como os indivíduos vivenciam a
falta de emprego. Esta pesquisa teve por objetivo identificar os danos
psicológicos decorrentes da vivência do desemprego. Serão estudados
as cognições e afetos ligados à situação de desemprego, a fim de caracte-
rizar, para os participantes investigados, como vivenciam esta situação
e que aspectos individuais poderiam estar atrelados ao acirramento ou
atenuação do quadro encontrado.

DESEMPREGO E IMPACTOS RELACIONADOS

Oliveira e Cunha (2010) consideram o desemprego como um fenô-


meno complexo, podendo ser percebido como uma construção social,
histórica e econômica. Nesse sentido, o desemprego engloba tanto
questões relacionadas ao indivíduo, como também aspectos relativos a
crises econômicas, reestruturação do capitalismo, mudanças no mundo
do trabalho e das relações salariais, inovações tecnológicas, progressos
nos modelos de gestão e transformações sociais.

289 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
O trabalho é comumente considerado como um meio de produção
da vida, de modo que cria sentidos existenciais, contribuindo para a
estruturação da personalidade e identidade do indivíduo e incremento
do bem-estar subjetivo. Segundo Caldas (2000), o sujeito estabelece
uma relação de identificação com seu trabalho ou com a organização
que lhe confere uma referência social. Com a passagem de uma si-
tuação de emprego para outra de desemprego, não apenas se perde a
função manifesta daquele – como o provimento de um salário –, senão
também uma série de funções latentes como são as de tornar possível
uma atividade, desenvolver relações interpessoais, estruturar o tempo,
participar de metas e propósitos que transcendam o nível individual
(JAHODA, 1982 citado por ESTRAMIANA et al., 2012; OLIVEIRA; CUNHA,
2010; PINHEIRO; MONTEIRO, 2007; PEREIRA; BRITO, 2006). Nesse
sentido, a situação de desemprego torna-se um forte colaborador para
o decréscimo do bem-estar. A literatura da área indica que o desem-
prego está associado à maior deterioração psicossomática, ansiedade,
depressão, baixa autoestima e diminuição do bem-estar psicológico
(ESTRAMIANA et al., 2012; CALDAS, 2000).
A maioria dos estudos acerca do desemprego enfatiza o impacto desse
fenômeno na saúde, nas relações familiares, no uso do tempo e na sua
relação com a criminalidade (PEREIRA; BRITO, 2006). O desemprego
é um acontecimento marcante na vida do indivíduo, sendo encarado
como uma transição psicossocial que acarreta um alto nível de estres-
se. A vivência do desemprego requer mudanças e reajustamento de
papéis desempenhados pelos indivíduos, precipitando outras crises, as
quais são caracterizadas por um elevado sofrimento psicológico, com
repercussões em nível das estruturas básicas de apoio à manutenção da
saúde mental (CRUZ, 2009). De acordo com Tumolo e Tumolo (2004), a
situação de desemprego está associada, em grande parte, à ocorrência
de distúrbios psicológicos e à baixa autoestima. No estudo realizado
por esses pesquisadores, percebeu-se que os sentimentos gerados pela
experiência do desemprego apresentam conotação negativa, associan-

290 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
do-se à experiência de sofrimento. Verificou-se também que a maior
parte dos desempregados vivencia sentimentos de desespero, perda da
esperança, desamparo, tristeza, revolta e desorientação. Gomes (2003),
ao realizar um estudo acerca da ligação entre desemprego, depressão e
sentido de coerência, afirma que, além de intimamente relacionada a esse
fenômeno e de ocasionar consequências psicológicas, a depressão pode
acirrar uma situação que, para o desempregado, por si só, já é alarmante,
qual seja: a dificuldade econômica. O autor ressalta que os deprimidos
são vítimas de sucessivas consultas, repetidos exames e análises, os
quais representariam os custos clínicos da depressão. Karsten e Moser
(2009 citado por ESTRAMIANA et al., 2012), em um estudo utilizando a
técnica da meta-análise sobre um total de 237 estudos correlacionais e
87 longitudinais, encontraram que, enquanto 34% das pessoas desem-
pregadas declararam sintomas de deterioro psicológico, somente 16%
dos trabalhadores empregados referiram os ditos sintomas. Ademais,
a evidência dos estudos longitudinais indica que o desemprego não
apenas está associado a um deterioro do bem-estar psicológico, senão
que é uma das causas do mesmo.
As consequências adversas do desemprego podem acarretar a deses-
truturação de laços sociais e afetivos, a restrição de direitos, a insegurança
socioeconômica, o sentimento de solidão e fracasso, o desenvolvimento
de distúrbios mentais, o aumento do consumo ou dependência de drogas,
o apelo excessivo para a religião ou esporte, bem como o agravamento
de problemas sociais, a exemplo da criminalidade e da informalidade
do trabalho (BARROS; OLIVEIRA, 2009; PINHEIRO; MONTEIRO, 2007).
No que tange aos impactos financeiros, Caldas (2000) considera-os
como a consequência mais visível dentre todas aquelas relacionadas
à vivência do desemprego, reduzindo as oportunidades para exercer
controle sobre o meio. O indivíduo sofre uma redução drástica, quando
não total, do orçamento individual ou familiar, restringindo o padrão
de vida. A indisponibilidade econômica ocasiona, gradativamente,
fatores complicadores relacionados à sobrevivência e manutenção do

291 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
indivíduo, provocando insegurança em relação ao futuro. Além disso, a
redução do orçamento prejudica a possibilidade de investimentos em
desenvolvimento e prática de conhecimentos e habilidades pessoais, e,
consequentemente, a reinserção no mercado de trabalho, uma vez que
tal processo envolve custos para o trabalhador. Destacam-se: a menor
possibilidade de tomada de decisão, a impossibilidade de alcançar ob-
jetivos contingenciados ao poder aquisitivo, a perda de posição social e
o prejuízo no desenvolvimento de relações interpessoais (WARR, 1988;
PEREIRA; BRITO, 2006; ESTRAMIANA et al., 2012).
Além de questões de ordem financeira e agravantes na saúde, o de-
sempregado ainda sofre impactos de ordem psicossocial, os quais são
bastante relevantes na diminuição do bem-estar. Ribeiro (2007) afirma
que, além de exclusão social, o desempregado ainda se torna alvo de
discriminações e se encontra, muitas vezes, em uma situação de vulne-
rabilidade social, podendo ocasionar em desordem simbólica e psíquica.
Para o autor, o indivíduo em situação de desemprego vive sob o signo da
estigmatização social que, em geral, o responsabiliza individualmente
pela situação em que se encontra. Dessa forma, o fato de não estar traba-
lhando leva o sujeito a enfrentar um processo de desvalorização social.
Hirata e Humphrey (1989, citados por PEREIRA; BRITO, 2006) afir-
mam que o desemprego repercute na dinâmica familiar, dependendo da
posição que o indivíduo desempregado ocupa na família. Em pesquisa
de natureza qualitativa desenvolvida com 28 desempregados do setor
industrial de um município no sul de Minas Gerais, Pereira e Brito
(2006) identificaram que o desemprego foi interpretado como uma
“prisão” e os desempregados expressaram-se como prisioneiros em sua
própria condição. A interpretação do desempregado como dependente
e “preso” expressou-se sob várias perspectivas: os jovens dependentes
dos pais; os pais dependentes dos filhos; os maridos dependentes das
esposas; o desempregado sem mobilidade para satisfazer suas neces-
sidades ou vontades pessoais.

292 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
A vivência do desemprego traz consequências que afetam não só o
próprio indivíduo desempregado, como também todo o seu agregado
familiar (CALEIRAS, 2004; GOMES, 2003), principalmente quando estão
em pauta o desemprego prolongado, fracos recursos pessoais e públicos
de proteção, e fragilidade de apoio social. Ademais, Vasconcelos e Oliveira
(2004, citado por PINHEIRO; MONTEIRO, 2007) acrescentam que uma
parcela significativa de trabalhadores considera o trabalho como o único
elo social fora do convívio familiar. No caso do indivíduo desempregado,
o distanciamento social torna-se inevitável, visto que ocorrem rupturas
dos laços sociais constituídos no ambiente de trabalho. Além disso, o
rompimento desses laços pode proporcionar agravos à saúde mental,
dada a importância do trabalho para o reconhecimento social dos indi-
víduos. É esclarecedora a compreensão a que chegaram Pereira e Brito
(2006), a partir da fala de seus entrevistados sobre o isolamento social:

O estado de exclusão e a busca por um lugar social refletiram


situações nas quais os desempregados expressaram o desânimo
e a falta de esperança quanto a conseguir um emprego. Nesse
contexto, emergiu o tema do isolamento, o fato de os próprios
desempregados afastarem-se do convívio social. O isolamento foi
um tema recorrente nos depoimentos dos desempregados, quais
sejam: as suas trajetórias ou características pessoais. O isolamen-
to, por sua vez, foi seguido da interpretação da inatividade, ou
seja, os desempregados, ao isolarem-se e perderem a esperança de
conseguir trabalho, passam a realizar cada vez menos atividades,
o “tempo inativo” se expande (p. 171).

Apesar de comprovada a gravidade das consequências decorrentes da


experiência do desemprego, o modo como elas são vivenciadas por cada
indivíduo varia, principalmente, em função da duração e natureza do
desemprego (voluntário ou involuntário), da idade, do sexo, das qualifi-
cações individuais, assim como dos níveis de proteção social (CALEIRAS,
2004; ESTRAMIANA et al., 2012).

293 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Resultados de pesquisas são consensuais em apontar a relação de que
quanto mais se prolonga a situação de desemprego, maior é o deterioro
observado na saúde mental (ÁLVARO, 1992; GARCÍA, 1985; KARSTEN;
MOSER, 2009; STANKUNA et al., 2006 citados por ESTRAMIANA et al.,
2012; STEWART, 2001). “Sem dúvida, a situação que vive a pessoa de-
sempregada deteriora-se conforme passa o tempo, não somente pela
redução dos ingressos econômicos, senão também pela diminuição das
perspectivas de encontrar um novo posto de trabalho” (ESTRAMIANA
et al., 2012, p. 7).
Esta pesquisa teve por objetivo investigar as consequências psico-
lógicas do desemprego em 150 trabalhadores desempregados. Espe-
cificamente, pretendemos analisar a incidência e gravidade de danos
psicológicos decorrentes da situação de desemprego, considerando
variáveis como: sexo, idade, escolaridade, existência de outra fonte de
renda, condição de arrimo de família, duração do desemprego e poder
aquisitivo atual da família.

MÉTODO

Amostra

Participaram desta pesquisa 150 indivíduos involuntariamente


desempregados há pelo menos um mês, de ambos os sexos, diferentes
idades, graus de escolaridade e poder aquisitivo familiar. Foi considerada
desempregada aquela pessoa que não estivesse realizando nenhum tipo
de trabalho que envolvesse uma relação contratual.

Instrumento

Foi utilizado um questionário contendo uma escala de danos psi-


cológicos decorrentes da situação de desemprego, seguido de uma

294 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
sessão de dados sociodemográficos e informações relativas à duração
do desemprego e ao contexto familiar do participante (poder aquisitivo
atual da família).
As instruções de preenchimento da escala solicitavam que, dian-
te de uma lista totalizando quarenta possíveis danos psicológicos
(a exemplo de “ansioso”, “envergonhado”, “estressado”), o respondente
informasse se os estava ou não vivenciando, através de escala de in-
tensidade que variava desde zero (“não vivencio”) até sete (“vivencio
muito”). Esta escala foi concebida pelos autores para atender aos
objetivos do presente trabalho, baseada em revisão de literatura para
a derivação de seus itens.

Procedimento

Anteriormente ao início da pesquisa de campo, o projeto foi subme-


tido à apreciação e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres
Humanos (CAAE 04124412.9.0000.0058) por contemplar as exigências
da Resolução CNS 466/12.
A coleta de dados foi feita individualmente, adotando estratégias
de questionário autoaplicado ou entrevista dirigida pelo roteiro do
instrumento conforme a escolaridade ou dificuldade de compreensão
da amostra investigada. A abordagem aos participantes foi realizada no
Núcleo de Apoio ao Trabalhador (NAT), órgão conduzido pela Secretaria
do Estado de Trabalho de Sergipe, que tem por função fazer o intermédio
nas relações entre o trabalhador e o mercado de trabalho.
Antes de responder aos instrumentos da pesquisa, o participante
firmava sua autorização para o procedimento assinando um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido que, entre outras informações, apre-
sentava o objetivo, riscos e benefícios da pesquisa, além de seu caráter
sigiloso, anônimo e voluntário.

295 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
RESULTADOS

Participaram da pesquisa 150 sujeitos, sendo 51,3% do sexo mascu-


lino. As idades variaram entre dezoito e 55 anos, com média de 29 anos
(DP=7,97). Destaca-se que 68% da amostra eram constituídas por pessoas
até trinta anos. No que diz respeito ao estado civil, 42,7% afirmaram-se
casados ou viver união estável e 50,7%, solteiros.
Em relação à escolaridade, a maioria dos respondentes (81,4%) afir-
mou ter ensino médio, seguidos de ensino superior (11,3%) e ensino
fundamental (7,3%). O tempo de desemprego variou entre um e 120
meses, com moda de doze meses. Vale mencionar que 24,3% da amostra
acusaram um tempo de desemprego superior a doze meses, configurando
o desemprego de longa duração. Os respondentes apresentaram renda
mensal familiar média de R$1.364,00 (DP=R$1.163,14), variando entre
R$100,00 e R$6.000,00. Tal renda, quando dividida pela quantidade
de membros dependentes, totaliza R$425,26 (DP=R$433,72), em média,
variando de R$45,42 a R$3.000,00.
Em relação à posição de arrimo de família, 41,3% dos participantes
responderam de modo positivo, ou seja, eram os principais responsáveis
pela subsistência da família quando estavam empregados. 61,3% decla-
raram possuir outra fonte de renda, em geral fruto de trabalho informal,
o qual é caracterizado por falta de regularidade.
A escala de danos psicológicos decorrentes do desemprego foi sub-
metida à Análise Fatorial dos Eixos Principais com rotação Oblimin,
carga fatorial 0,40 para retenção do item, eigenvalue maior que um.
O gráfico Scree plot sugeriu possível solução com oito fatores, entre-
tanto, devido à clareza de conteúdos foi acolhida solução com três
fatores (KMO = 0,88, r2= 32,27%). As correlações entre os fatores foram
superiores a r= 0,46. A definição dos fatores, distribuição dos itens,
variância explicada e índice de confiabilidade encontram-se na Tabela 1.

296 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
O alto coeficiente Kaiser-Meyer-Olkin (KMO=0,88) evidencia uma
boa fatorabilidade da escala de danos psicológicos. Aliado a isso, os
alphas de Cronbach elevados evidenciaram a alta precisão dos fatores
encontrados. Vale destacar também que os itens tenderam a agrupar-se
com altas cargas fatoriais em apenas um fator, sugerindo a ausência de
dubiedade e parcimônia da solução fatorial.

Tabela 1. Solução Fatorial da Escala de Danos Psicológicos

Nome do fator Definição constitutiva Nº de itens r² A

Vivências caracterizadas pela


descrença do desempregado em suas
capacidades: nem ele próprio nem
F1 Autodepreciação as pessoas ao seu redor acreditam 12 12,17 0,93
na sua potencialidade. Destacam-se
vivências de fracasso, inutilidade,
humilhação.

Vivência de prejuízos de menor


gravidade que não conduzem
F2 Vivências corriqueiras à deterioração da saúde mental. 12 11,95 0,92
Destacam-se preocupação,
angústia e ansiedade.

Vivências caracterizadas por evitação


do meio social em que está inserido.
Ocasionam em distanciamento
F3 Prejuízo social de amigos e familiares, bem como 6 8,15 0,81
de atividades que envolvam maior
interação. Destaca-se a redução
dos contatos sociais.

No geral, os fatores obtiveram médias consideradas de baixo grau de


vivência de danos psicológicos: F1-Autodepreciação (M=1,28; DP=1,44);
F2-Vivências Corriqueiras (M=2,81; DP=1,71); F3-Prejuízo Social (M=1,51;
DP=1,55) (Figura 1).

297 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
3

2,5

1,5
2,81

1
1,51
1,28
0,5

0
F1 - Autodepreciação F2 - Vivências F3 - Prejuízo Social
corriqueiras

Figura 1. Média dos Fatores na Amostra

O fator Vivências Corriqueiras foi o único a resultar em escore mais


alto (M=2,81), traduzindo um moderado grau de vivência. Destaca-se que
esse fator é composto por itens com menor grau de prejuízo, se compa-
rado aos itens dos demais fatores.
Foram testados relacionamentos dos fatores com as variáveis: sexo,
idade, escolaridade, outra fonte de renda, condição de arrimo de família,
duração do desemprego e poder aquisitivo atual da família. Os resulta-
dos do Teste t (t(148)= -2,49, p=0,014) sugeriram que os participantes do
sexo feminino vivenciaram de forma mais acentuada os danos do fator
Vivências Corriqueiras (t(148)=3,2, DP=2,0) do que os participantes do sexo
masculino (t(148)=2,5, DP=1,4).
Destaca-se também o fato de os participantes que não têm outra
fonte de renda vivenciarem, de forma mais acentuada, os danos do fator
Vivências Corriqueiras (t(148)=3,2, DP=1,9) do que aqueles participantes
que apresentam outra fonte de renda (t(148)=2,6, DP=1,6) [(t(148)= -2,06,
p=0,042)].

298 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Correlação encontrada entre o tempo de desemprego e a idade
(r=+0,18, p=0,028), apesar de fraca, sugere que, quanto maior a idade,
maior o tempo de desemprego.

DISCUSSÃO

Um dado relevante da pesquisa diz respeito ao tempo de desem-


prego dos participantes, o qual em geral durou um ano, contudo, com
aproximadamente 36 pessoas admitindo desemprego de longa duração.
Segundo Menezes-Filho e Picchetti (2000) e Estramiana et al. (2012), a
investigação da duração do desemprego requer atenção, uma vez que o
bem-estar do trabalhador tem uma relação maior com o tempo que ele fica
desempregado do que com o fato de estar ou não empregado. Ademais,
de acordo com Moreira (2001), quanto maior for o tempo de desemprego,
maiores são as chances de reduzir as habilidades da força de trabalho. Os
trabalhadores com período prolongado de desemprego são caracteriza-
dos por perda de habilidades adquiridas anteriormente, como também
pela carência de aquisição de novas habilidades. Tais trabalhadores são
considerados menos capacitados ao concorrer com outros candidatos a
emprego que estejam recém-desempregados. Como resultado, aqueles
indivíduos desempregados que não conseguirem se reinserir no mercado
de trabalho assim que desligados do emprego anterior, terão maior difi-
culdade na medida em que o tempo passa, acarretando em probabilidade
crescente de sofrimento psicológico.
Um número significativo de respondentes (61,3%) afirmou possuir
outra fonte de renda. Tal dado é bastante expressivo, uma vez que a redu-
ção financeira é considerada a consequência mais visível do desemprego
(CALDAS, 2000). Destaca-se que a renda relatada pelos participantes era,
em sua maioria, resultante de trabalho informal o qual, apesar de mi-
nimizar os danos financeiros, não proporciona nem regularidade, nem

299 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
quantidade adequada de rendimentos. Ademais, tal atividade laboral não
garante acesso aos direitos sociais e trabalhistas e apresenta condições
de trabalho precárias (ANTUNES, 2010), fato que colabora para a redução
do bem-estar.
No que concerne aos resultados relativos aos danos psicológicos de-
correntes do desemprego, os achados da pesquisa encontraram médias
baixas para todos os fatores (Autodepreciação: M=1,28; DP=1,44; Vivências
Corriqueiras: M=2,81, DP=1,71; Prejuízo Social: M=1,51; DP=1,55). Apesar
dos participantes vivenciarem sentimentos, situações e emoções danosas
decorrentes do desemprego, a gravidade dessa vivência foi pequena. Me-
rece destaque a recorrente prevalência para o fator Vivências Corriqueiras,
seja para a amostra geral, seja para a subamostra de mulheres. Este fator
coaduna-se com os transtornos psíquicos menores investigados por meio
do General Health Questionnaire de Goldberg (1972, 1978).
Um aspecto que pode influenciar no baixo nível de vivência dos danos
psicológicos diz respeito à renda mensal familiar. Segundo os partici-
pantes, suas famílias auferem uma renda mensal média de R$1.364,00
(DP=R$1.163,14), variando entre R$100,00 e R$6.000,00, para uma média
de três membros por família. Levando-se em consideração a realidade
brasileira e o nível de pobreza do país, pode-se inferir que, apesar da re-
dução no orçamento familiar, os desempregados não estão desamparados
financeiramente, dispondo de uma renda que possibilita a satisfação
das necessidades básicas do indivíduo, bem como um auxílio na busca
por um novo emprego, o qual é um processo que requer, muitas vezes,
custos financeiros.
Aliado à renda familiar, deve-se levar em conta a significativa parcela
de respondentes (61,3%) que declarou outra fonte de renda, de maneira
a também minimizar os danos psicológicos decorrentes do desemprego
e do desconforto da barreira financeira. Destaca-se que, quando a outra
renda é originada de algum trabalho (no caso encontrado por essa pesqui-
sa, o trabalho informal), o fato de estar envolvido em atividades laborais
proporciona a manutenção e aquisição de habilidades necessárias para

300 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
o mundo do trabalho, bem como a sua inserção em novos trabalhos. De
acordo com Cruz (2009), manter-se (ainda que temporariamente) em um
trabalho que proporcione sentimento de produtividade ou de utilidade
está associado à diminuição de efeitos negativos ao bem-estar do indi-
víduo, em decorrência do desemprego.
Estudo realizado por Estramiana et al. (2012), comparando índices
de bem-estar psicológico entre amostras de desempregados brasileiros
e espanhóis, apontou para um menor deterioro da saúde mental em
amostra brasileira. Os argumentos utilizados pelos autores para expli-
car o quadro de menor mal-estar psicológico e maior capacidade de
adaptação da amostra brasileira foram: a maior perspectiva de inserção
existente no mercado de trabalho brasileiro, no período em que foi feita
a pesquisa, e um sentimento de privação relativa menor, uma vez que a
remuneração brasileira é consideravelmente menor que a espanhola, e
sua perda implicaria menor percepção de vulnerabilidade – raciocínio
que poderia ser utilizado para ajudar a entender os resultados do estu-
do em pauta. Além disso, a realização de trabalhos em diversos setores
da economia informal poderia estar influenciando na explicação dos
resultados obtidos.
Em relação aos fatores investigados, percebeu-se que os danos rela-
cionados a Vivências Corriqueiras foram os que obtiveram maior média,
ainda que este escore denote a baixa intensidade com que aspectos como
preocupação, angústia, tristeza etc. são experimentados. Barros e Oliveira
(2009), ao investigar saúde mental de 204 trabalhadores desempregados,
encontraram o sofrimento, a frustração, a angústia e a preocupação como
sentimentos mais intensamente relacionados à situação de desemprego,
indo ao encontro dos dados dessa pesquisa. Para explicar este resultado,
pode-se aventar a possibilidade de que a amostra investigada, em função
dos aspectos atenuantes já apresentados, não apresente deterioração do
seu estado de saúde emocional em função do desemprego, caracterizando
indivíduos com recursos saudáveis para lidar com a situação adversa. Ou
pode ter ocorrido uma resposta de negação da realidade opressora através

301 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
da adoção de atitudes minimizadoras da gravidade dos sentimentos e
reações vivenciados.

CONCLUSÃO

Os reflexos do desemprego são de diversas dimensões e, para este


estudo, destacam-se os impactos psicológicos negativos na vida do tra-
balhador. Nesse sentido, a referida pesquisa teve a pretensão de entender
melhor o fenômeno do desemprego, através da investigação sobre a
incidência e gravidade das consequências psicológicas do desemprego.
A Análise Fatorial dos Eixos Principais gerou uma solução de três
fatores ilustrativos dos danos psicológicos em função do desemprego
com excelentes índices psicométricos. Os resultados obtidos confir-
mam uma vivência de danos psicológicos em razão do desemprego,
porém a intensidade dessa vivência foi branda. O baixo grau de vivência
dos danos psicológicos que compõem os fatores pode ser explicado
por: a) renda familiar mensal, que permite um amparo financeiro ao
desempregado; b) auxílio de outra fonte de renda, proporcionando
conforto financeiro bem como sentimento de produtividade, o que
está aliado ao bem-estar do indivíduo.
É importante que haja uma continuidade e aprofundamento na
investigação desse fenômeno. Em função disso, é relevante citar as
limitações desta pesquisa, com o intuito de que erros sejam minimizados
e aprimoramentos de pesquisas na área sejam cada vez mais estimulados.
Uma vez que a pesquisa foi realizada em uma instituição responsável pelo
intermédio entre desempregado e mercado de trabalho, participaram
apenas pessoas ativas na busca por um retorno ao mercado de trabalho.
Tal fato impossibilitou que fosse investigada a vivência de danos
psicológicos em indivíduos desempregados que se encontrem emo-
cionalmente esgotados pelas tentativas frustradas de recolocação no

302 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
mercado, e desse modo, tenham desistido de persistir na busca por
emprego. A reversão desta limitação traria profundas colaborações ao
entendimento dos impactos do desemprego sobre quem já se encontra
em estado de desalento.
É necessário atentar para a urgência em oferecer às pessoas desem-
pregadas atendimento psicossocial que redunde em uma atenuação
dos custos psicológicos associados à experiência de desemprego. Ainda
que os programas de intervenção não possam substituir os benefícios
derivados da reintegração ao mercado de trabalho, têm se mostrado
moderadamente eficazes na diminuição dos efeitos psicológicos
negativos do desemprego (ESTRAMIANA et al., 2012).

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305 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
CAPÍTULO 17

Burnout e qualidade
de vida no trabalho em profissionais
de saúde mental de Aracaju (SE)

MARIA MÉRCIA DOS SANTOS BARROS


MARLEY ROSANA MELO DE ARAÚJO
SAULO PEREIRA DE ALMEIDA

Na literatura, estudos reportam diversas manifestações de elevado


nível de estresse no ambiente de trabalho, as quais ocasionam o dis-
tanciamento do profissional das suas atividades laborais. Uma dessas
manifestações resultante do estresse crônico vivenciado por diversos
profissionais que lidam diretamente com pessoas é frequentemente
denominada síndrome de burnout (MOREIRA et al., 2009).
A síndrome de burnout tem sido considerada um dos problemas psi-
cossociais da atualidade de extrema relevância e reflete o modo de vida
capitalista em que o homem tem cada vez menos tempo para realizar
atividades prazerosas em detrimento do ritmo de trabalho intenso. Tal
acometimento está ligado a vários tipos de disfunções, podendo levar à
perda da capacidade laboral (FRANÇA et al., 2014).
Apesar de não haver consenso, a definição mais usada para descre-
ver a síndrome é a de Maslach e Jackson (1981), que considera burnout
como uma síndrome multidimensional que inclui os fatores Exaustão

306 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Emocional, Despersonalização e Realização Pessoal. Nesta teoria, a sín-
drome de burnout seria uma consequência da tensão emocional crônica
por lidar excessivamente com pessoas (CARLOTTO; CÂMARA, 2008).
Muitas profissões de prestação de serviços em saúde exigem que o
profissional trabalhe intensamente com outras pessoas durante longos
períodos. Tais interações podem despertar abalos emocionais, sendo
extremamente estressantes, e quando as tensões não são reconhecidas
e adequadamente tratadas, podem resultar em burnout (PINES;
MASLACH, 1978). Oliveira et al. (2014) acrescentam que burnout estaria
relacionada ao confronto entre o exigido e o que o trabalhador conse-
gue oferecer, surgindo em razão do desequilíbrio entre exigências e
respostas do trabalhador.
Os sintomas da síndrome de burnout podem ser elencados em físicos,
psíquicos, comportamentais e defensivos, e suas consequências podem
afetar o indivíduo nos níveis pessoal, organizacional e social. Os índices
de burnout, em diferentes ocupações, podem ser alterados em função de
variáveis individuais, contexto de trabalho, organização do trabalho e
país. O Brasil, por exemplo, não tem estatísticas sobre a prevalência de
burnout, o que dificulta o conhecimento da magnitude real da síndrome
e, consequentemente, adia a elaboração e implementação de estratégias
para lidar com o problema (FRANÇA et al., 2014).
Dentre as profissões que lidam diretamente com pessoas, os trabalha-
dores da saúde mental se destacam em virtude de atuarem em contato
intenso, oferecendo cuidados a usuários com dificuldades emocionais
(SANTOS; CARDOSO, 2010b). Na saúde mental, os trabalhadores tor-
nam-se peças fundamentais, visto que a área não requer instrumentos
técnicos sofisticados e onerosos, sendo os profissionais o principal
instrumento de trabalho e intervenção (PAULA; PIMENTA, 2013).
Por se tratar de uma atividade complexa, o trabalho em saúde
mental é considerado de acentuada vulnerabilidade à sobrecarga
emocional. Como exemplo, os principais agentes estressores laborais
podem ser a relação com pacientes com transtornos mentais graves,

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a contemporaneidade em temas clássicos
além dos colegas de trabalho – o que requer recursos afetivos, postura
profissional, habilidades e competências sociais (OLIVEIRA; LEME;
GODOY, 2009) – a carga elevada de trabalho e quadro de funcionários
insuficiente (FERREIRA, 2014).
A este respeito, Santos e Cardoso (2010a) relatam ainda, em sua
pesquisa com os profissionais da saúde mental, que os participantes se
encontravam com altos índices de exaustão emocional e despersona-
lização devido às exigências e demandas da área da saúde mental. Os
resultados são equivalentes aos da pesquisa desenvolvida por Jahrami et
al. (2013), que encontraram altos níveis de exaustão emocional e reduzida
realização pessoal entre profissionais de saúde mental.
Segundo Prosser et al. (1997), as condições de trabalho e a falta de
recursos são vistos como as maiores fontes de burnout para os pro-
fissionais de saúde mental. Já os fatores demográficos ou relativos
à profissão têm pouco efeito na manifestação da síndrome. Leiter e
Harvie (1996) apontam as exigências excessivas no trabalho, associadas
ao número de casos a serem atendidos, como uma das maiores dificul-
dades enfrentadas pelos profissionais de saúde mental. Tais problemas
são agravados caso haja apoio insuficiente por parte dos colegas e da
família, que diminuem os recursos de enfrentamento disponíveis para
um trabalho eficaz e saudável.
O resultado do fracasso na adaptação desses processos acarreta
prejuízos para o trabalhador, repercutindo na sua qualidade de vida.
A Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) é uma área de estudo complexa
e objetiva melhorar o bem-estar do trabalhador e seu desempenho
ocupacional. A disseminação do construto Qualidade de Vida no Tra-
balho, nos últimos anos, origina-se dos vínculos e da estrutura da vida
pessoal e profissional, pelos fatores socioeconômicos, pelas metas
empresariais e pressões organizacionais. O conceito de QVT agrega o
bem-estar e percepção do que pode ser feito para atender expectativas
de empregadores e empregados (SCHMIDT et al., 2013).

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a contemporaneidade em temas clássicos
Inicialmente, o conceito de QVT estava mais ligado às áreas da
ergonomia, medicina, segurança no trabalho e promoção de saúde,
pois a saúde do trabalhador era considerada fator de melhoria do de-
sempenho e produtividade da empresa. Ao longo do tempo, surgiram
novas visões da QVT, sendo incorporado o bem-estar do trabalhador ao
trinômio trabalho-indivíduo-organização. Os fatores físicos, sociológi-
cos e psicológicos integram o conceito, já que interferem na satisfação
dos empregados, como também nos aspectos tecnológicos que podem
comprometer o desempenho no trabalho (COUTINHO; MAXIMIANO;
LIMONGI-FRANÇA, 2010).
Atualmente, a QVT tem foco na humanização dos ambientes orga-
nizacionais, levando em consideração o cargo, as relações humanas e a
política da empresa. Salienta-se a importância de um maior equilíbrio
entre trabalho e lazer, em que o bem-estar se estenda para além da or-
ganização, permeando todos os ambientes que façam parte da vida do
trabalhador, protegendo-o e propiciando-lhe melhores condições de vida
dentro e fora da organização (GUIMARÃES; SAMPAIO, 2004).
Considerando tais aspectos, o presente estudo teve por objetivo in-
vestigar a relação entre a síndrome de burnout e a Qualidade de Vida no
Trabalho em profissionais de Saúde Mental na cidade de Aracaju (SE).

MÉTODO

Participantes e local

A amostra foi composta por 72 profissionais de duas instituições de


saúde mental de Aracaju (SE) (67,3% da população-alvo), sendo 66,7%
(n = 48) técnicos e auxiliares de enfermagem; 11,1% (n = 8) enfermeiros;
8,3% (n = 6) médicos; 6,9% (n = 5) assistentes sociais; 4,2% (n = 3) psicólo-
gos; 1,4% (n = 1) psicopedagogos e; 1,4% (n = 1) terapeutas ocupacionais,

309 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
sendo 52,8% (n = 38) do sexo masculino, com faixa etária variando entre 22
e 63 anos (M=36; DP= 10). Quanto ao estado civil, 51,4% (n = 37) eram casa-
dos e 48,6% (n = 35) solteiros; além de 47,2% (n = 34) afirmarem ter filhos.
O tempo de profissão variou entre um e 38 anos (M = 8,5; DP = 8,1) e a
maioria (66,7%; n = 48) cumpria carga horária de 48 horas semanais. As
duas instituições possuíam o caráter de internamento no cuidado dos
seus pacientes e os recursos provinham de fontes públicas e privadas,
sendo que a Instituição 1 era mantida em grande parte por recursos públi-
cos municipais e a Instituição 2 possuía uma ala mantida pela prefeitura
da cidade (em menor proporção) e outra ala particular.

Instrumentos

Em observância à legislação sobre pesquisa com seres humanos


(Resolução CNS 466/2012), foi elaborado o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (TCLE), em que os participantes foram informados da
proposta do estudo e seus direitos, destacando-se principalmente o sigilo
das informações e a livre participação. A fim de conhecer as característi-
cas da amostra, foi utilizado um questionário contendo dados do perfil
sociodemográfico (sexo, idade, estado civil, ter filhos e a quantidade e
escolaridade) e do perfil laboral (tempo de profissão, tempo de trabalho
por semana, turno).
Para o diagnóstico de burnout, utilizou-se a versão MBI-HSS (Maslach
Burnout Inventory – Human Services Survey) traduzida e adaptada por
Tamayo (1997), visto que se trata da versão adequada à classe profissional
investigada. O instrumento contém 22 questões visando investigar as três
dimensões componentes em uma escala de sete pontos [de “0” (nunca) a
“6” (todos os dias)]. Desses itens, nove são relativos à dimensão Exaustão
Emocional (EE) (α=0,85), cinco à Despersonalização (DE) (α=0,65) e oito
à Baixa Realização Pessoal (RP) (α=0,94).
Considera-se, para diagnóstico de burnout, a presença de altos escores
em Exaustão Emocional e Despersonalização, associados a baixos escores

310 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
em Realização Pessoal (MASLACH; JACKSON, 1981). Foram adotados como
ponto de corte os índices apontados por Benevides-Pereira (2002). Sendo
assim, para Exaustão Emocional, pontuações iguais ou maiores que 26
indicam alto nível, de dezesseis a 25, moderado, e menores ou iguais a
quinze, nível baixo. Para Despersonalização, pontuações iguais ou maio-
res que nove indicam alto nível, de três a oito, moderado, e menores de
três, nível baixo. Para Realização Pessoal, pontuações de zero a 33 indicam
baixo nível, de 34 a 42, nível moderado e maior ou igual a 43, alto.
Para investigar a Qualidade de Vida no Trabalho foi utilizado o QVP-
35, desenvolvido por Cabezas-Peña em 1999 e validado para o Brasil
por Guimarães e colaboradores (2004). O QVP-35 permite uma medida
multidimensional da QVT mediante 35 itens, relacionados à percepção
que o trabalhador tem das condições de seu trabalho em uma escala de
dez pontos [de “1” (Discordo totalmente) a “10” (concordo totalmente)].
Os itens são agrupados em oito dimensões: Desconforto Relacionado ao
Trabalho (DRT) (α=0,86); Apoio Organizacional (AO) (α=0,83); Carga de
Trabalho (CT) (α=0,83); Recursos Relacionados ao Trabalho (RRT) (α=0,72);
Apoio Social (AS) (α=0,79); Motivação Intrínseca (MI) (α=0,75); Capaci-
tação para o Trabalho (CRT) (α=0,75) e; Percepção sobre a Qualidade de
Vida no Trabalho (QVT) (α=0,82).

Procedimentos

Contactaram-se três unidades para atendimento em saúde mental


existentes em Aracaju (SE), a fim de realizar a pesquisa. O critério de
inclusão foi possuir a modalidade internamento no cuidado de seus
pacientes e, por isso, participaram apenas duas unidades. A abordagem
foi feita diretamente com os profissionais, mediante a apresentação
do TCLE, a fim de autorizar a utilização dos dados e de garantir os
direitos do participante. Em seguida, os participantes responderam
ao MBI-HSS, ao QVP-35 e ao questionário sociodemográfico e laboral,

311 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
o que demandava em torno de trinta minutos, sendo necessários dois
meses para finalizar a coleta.

Análise dos dados

Os dados foram analisados no programa SPSS (Statistical Package


for the Social Sciences), versão 19.0, utilizado para a criação do banco e,
baseando-se em Field (2009), para a análise exploratória (imputação de
valores ausentes; avaliação de normalidade e homocedasticidade e pro-
porção entre os estratos). Posteriormente, realizaram-se análises a fim
de alcançar resultados descritivos (médias, desvio-padrão e frequências)
e inferenciais (qui quadrado, correlação de Pearson e regressão múltipla)
considerando nível de significância p < 0,05.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Quanto à escolaridade, 68,1% (n = 49) possuíam nível médio e 31,9%


(n = 23), nível superior, demonstrando uma distribuição equilibrada
entre os níveis. Entretanto, a composição das categorias profissionais
ficou desproporcional devido ao número reduzido de profissionais com
a mesma formação superior, ficando a maior parte do trabalho sob a
responsabilidade dos técnicos de enfermagem, os quais correspondem
exatamente aos profissionais que possuem nível médio.
Quanto à carga horária semanal, os dados revelam que os profissio-
nais tinham uma jornada de até noventa horas semanais, o que pode
ser considerado preocupante, visto que a carga horária excessiva pode
trazer repercussões negativas na qualidade dos serviços prestados, além
de interferir diretamente na saúde física e mental destes profissionais
(TRINDADE et al., 2014).

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a contemporaneidade em temas clássicos
Em relação ao diagnóstico de burnout, obteve-se que 19,4% (n = 14)
dos participantes são acometidos pela síndrome, considerando o critério:
pontuações acima do ponto de corte nas dimensões Exaustão Emocional
e Despersonalização e abaixo em Realização Pessoal (Tabela 1).

Tabela 1. Distribuição nos Níveis das Dimensões da síndrome de burnout (n=72)

Alto Médio Baixo


Dimensões do burnout
F%(n) F%(n) F%(n)

Exaustão Emocional (EE) 72,2(52) 15,3(11) 12,5(9)

Despersonalização (DE) 48,6(35) 31,9(23) 19,4(14)

Realização Pessoal (RP) 22,2(16) 36,1(26) 41,7(30)

Percebe-se que os maiores escores foram em EE, na qual 72,2% da


amostra apresentou nível alto, sendo, segundo Maslach e Leiter (1997), a
primeira dimensão a surgir no acometimento de burnout. Os resultados
também estão em concordância com Ackar (2006) e Lloyd e King (2004)
que, em sua pesquisa com profissionais da saúde mental, obtiveram as
maiores médias da amostra para Exaustão Emocional.
Encontraram-se baixos escores para RP, visto que 41,7% dos profissio-
nais estão nessa situação, mostrando uma tendência dos participantes
de se avaliarem negativamente, visto que Maslach, Schaufeli e Leiter
(2001) consideram que esta dimensão representa a autoavaliação de
burnout. Além disso, a realização pessoal está ligada aos sentimentos
de estabilidade e possibilidade de progressão na carreira, bem como ao
equilíbrio do tempo entre trabalho e lazer, o que é difícil na área médica
(MOREIRA et al., 2009).
Grande parte dos profissionais também atingiu altos escores da
dimensão DE (48,6%). Os resultados confirmam os achados de Santos e
Cardoso (2010a), em sua pesquisa com os profissionais da saúde mental,
na qual os participantes se encontravam com altos índices de EE e DE
devido às exigências e demandas da área da saúde mental.

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a contemporaneidade em temas clássicos
Análises inferenciais apontam que a maioria dos profissionais, que
não possuíam filhos, apresentou nível alto em DE (68,6%) (X2(2) = 6,85;
p = 0,032) e em EE (86,8%) (X2(2) = 9,84; p = 0,007), contra 32,4% e 55,9%
dos profissionais que possuíam filhos, respectivamente. Ou seja, os
profissionais que possuem filhos apresentaram menores níveis de DE e
de EE. Pondera-se que o fato de ter filhos assinala para a inevitabilidade
de vivenciar situações de cunho emocional e exigências advindas da
maternidade/paternidade, o que pode resultar em um maior preparo
emocional para lidar com situações adversas. Este resultado corrobora
com Martínez (1997), o qual afirma que a existência de filhos faz com que
as pessoas sejam mais resistentes devido à maturidade proporcionada
pela maternidade/paternidade.
Foi encontrado que quanto mais velho é o profissional, menor o nível
de EE (r = -0,37; p = 0,001), assim como quem possui maior tempo de
profissão, menor o nível de EE (r = -0,28; p = 0,016). Portanto, em virtude
de a pouca idade estar geralmente ligada aos primeiros anos de trabalho,
os profissionais tendem a se sentir inseguros em relação aos seus conhe-
cimentos e desempenho, estando, por isso, menos preparados para lidar
com as situações estressantes da rotina de trabalho e da profissão. Nesta
direção, Sos Tena et al. (2002) concluíram que profissionais com média
de idade entre 37 e 45 anos apresentaram maior desgaste emocional, e
os maiores de 55 anos apresentaram menor incidência de burnout, pa-
recendo estar imunizados frente à síndrome.
Com relação ao diagnóstico de burnout, duas variáveis se mostraram
significativas na diferenciação entre seus estratos: a unidade de trabalho
e escolaridade. A unidade de trabalho apontou diferenças entre os profis-
sionais das clínicas pesquisadas [(X2(1) = 8,19; p = 0,004)], em que 32,4%
dos profissionais que trabalham na Instituição 1 apresentam a síndrome
de burnout, contra apenas 5,7% dos que trabalham na Instituição 2. Este
resultado pode ser explicado pelas condições de trabalho relatadas pelos
profissionais da Instituição 1, em que os salários estavam atrasados há
meses e faltavam alimentos e medicamentos para os pacientes devido

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a contemporaneidade em temas clássicos
ao atraso de repasse de recursos por parte da prefeitura. A Instituição 2,
embora tenha uma ala provida com recursos públicos, em sua maioria, os
recursos vêm dos pacientes particulares e, por isso, não há precariedade
dos serviços como na Instituição 1.
Quanto à escolaridade, foi possível observar que 34% dos que possuem
nível superior apresentam a síndrome de burnout, contra 12,2% dos que
possuem apenas o ensino médio [(X2(1) = 5,07; p = 0,024)]. Os dados cor-
roboram com França e Ferrari (2012), os quais encontraram que a maior
parte dos profissionais diagnosticados com burnout possuía ensino
superior, em comparação aos profissionais que possuíam ensino médio.
Benevides-Pereira (2002) afirma que quanto maior o nível educacional,
maior é a propensão para burnout devido às responsabilidades impostas
aos indivíduos com maior escolaridade, grande expectativa e também ao
suposto status e reconhecimento que algumas profissões gozam, como
é o caso da medicina.
Quanto aos resultados em qualidade de vida no trabalho, a Tabela 2
mostra a distribuição de médias das oito dimensões do QVP-35, que po-
dem variar entre zero e dez. A mais pontuada foi Recursos Relacionados
ao Trabalho (M=7,87; DP=1,34), seguida de Capacitação para o Trabalho
(M = 7,71; DP=1,81). Por outro lado, as dimensões com menores escores
foram Apoio Organizacional (M = 3,48; DP=1,85) e Percepção de Qualidade
de Vida no Trabalho (M = 5,56; DP=3,27).

Tabela 2. Médias nas dimensões de Qualidade de Vida Profissional

Dimensões DRT AO CT RRT AS MI CRT QVT

Média 5,81 3,48 6,34 7,87 7,25 6,79 7,71 5,56

DP 2,04 1,85 2,15 1,34 2,58 2,24 1,81 3,27

Com relação aos resultados do QVP-35, os profissionais afirmaram


ter “bastante” Recursos Relacionados ao Trabalho (RRT), sendo esta uma
dimensão que engloba questões relativas à carga de responsabilidade,

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a contemporaneidade em temas clássicos
importância do trabalho para outras pessoas, clareza das atividades e
autonomia. Pode-se inferir com isso que as instituições investigadas
possuem normas claras, propiciando que o profissional tenha a liberdade
de inovar ou sentir-se mais no controle das suas atividades. Além disso, os
profissionais tendem a fazer uma autoavaliação positiva quando referem
ter uma percepção de que o seu trabalho é importante para os pacientes.
Apesar do resultado acima, os participantes apontaram que têm
“pouco” Apoio Organizacional (AO), sinalizando que não estão satisfeitos
com as instituições no que diz respeito à satisfação com o salário, apoio
de superiores, possibilidade de ser criativo, reconhecimento do traba-
lho e possibilidade de promoção. A baixa remuneração é considerada
por Renner e colaboradores (2014) como um dos pressupostos básicos
para a QVT. Estes autores afirmam ainda que, para que os trabalhadores
possam usar e desenvolver suas habilidades e capacidades, é necessário
ter autonomia no trabalho, utilizar múltiplas habilidades, informação e
perspectiva de crescimento profissional, o que, segundo a avaliação dos
profissionais de saúde mental, pouco acontece.
Os participantes afirmaram ter “bastante” Carga de Trabalho (CT).
Segundo Guimarães e Sampaio (2004), a CT é um conjunto de requisitos
psicofísicos, a que o trabalhador é submetido ao longo de sua jornada de
trabalho, representando um fator importante na determinação da QVT.
Os profissionais sofrem tensão, recebendo uma carga de demandas e
cobranças que nem sempre são pertinentes, devido, principalmente, ao
número reduzido de profissionais trabalhando nas instituições. Neste
sentido, Leiter e Harvie (1996) apontam as exigências excessivas no tra-
balho, associadas ao número de casos a serem atendidos, como uma das
maiores dificuldades enfrentadas pelos profissionais de saúde mental.
Soma-se à CT, o Desconforto Relacionado ao Trabalho (DRT),
avaliado também como “bastante”, o que sugere que os profissionais
consideram que o cansaço causado pela quantidade de trabalho e a
pressão recebida estejam relacionados com a baixa QVT. Maslach e
Leiter (1997) descrevem o ambiente de trabalho como muito exigente

316 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
sob o ponto de vista econômico e psicológico, aspectos que estão levan-
do as pessoas à exaustão emocional e física. Outrossim, os profissionais
mais novos apresentaram maior DRT. É possível que o fato de o trabalho
ser uma experiência recente e os profissionais não estarem acostumados
às exigências do serviço de saúde mental, levem-nos a perceber as más
condições de trabalho de forma acentuada.
Os profissionais consideram ter “bastante” Capacitação para o Tra-
balho (CRT), mostrando assim, a exigência do mercado em relação à
qualificação para o exercício do trabalho. Os profissionais com mais
tempo de profissão apresentaram maiores níveis de CRT (r = +0,33; p =
0,004), ou seja, a experiência tende a tornar as pessoas mais preparadas
para exercer suas atividades.
Os dados revelam ainda que os profissionais têm “bastante” Motivação
Intrínseca (MI). Segundo Maslach, Schaufeli e Leiter (2001), a motivação
pode ser considerada como um dos aspectos que impedem o desgaste
da QVT. Sendo assim, apesar das adversidades da área, os profissionais
investigados possuem vontade de melhorar e se sentem satisfeitos com
o trabalho. O fato de o profissional ter filhos aumentou os escores em
MI (X2(3) = 9,87; p = 0,02), visto que 38,2% dos que possuem filhos apre-
sentaram nível elevado (muito), nesta dimensão, contra apenas 10,5%
dos profissionais que não possuem filhos. Neste caso, a necessidade de
prover o sustento e o bem-estar dos filhos pode ser um forte motivador
para o trabalho.
A Percepção sobre a Qualidade de Vida no Trabalho, avaliada de forma
global, foi qualificada como “pouca”. O conceito de QVT, segundo Siqueira
e Dela Coleta (1989), traz em seu bojo a percepção do indivíduo sobre as
condições em que trabalha, dando maior ênfase à avaliação do traba-
lhador quanto à adequação e competência do sistema organizacional,
sugerindo que as necessidades individuais não estão sendo satisfeitas
pelas condições de trabalho. Pode-se perceber que os fatores com conteú-
do negativo, a depender da pontuação atribuída pelo trabalhador (Apoio
Organizacional – pouco; Qualidade de Vida no Trabalho – pouca; Carga

317 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
de Trabalho – bastante; Desconforto Relacionado ao Trabalho – bastante),
referem-se ao trabalho em si. Os fatores com maiores escores (Recursos
Relacionados ao Trabalho, Capacitação para o Trabalho e Motivação
Intrínseca) remetem à esfera individual e, por isso, não dependem dire-
tamente da organização. Sendo assim, pode-se inferir uma dificuldade
apresentada pelos profissionais em se autoavaliarem de forma negativa,
culpabilizando o seu trabalho e a organização empregadora como deter-
minantes de uma baixa percepção de QVT.
Foram realizadas análises de regressão múltipla, método enter, para
buscar preditores das dimensões da síndrome de burnout, no entanto,
apenas um modelo mostrou-se significativo, em que a variável critério foi
a dimensão EE. Para a criação deste modelo (Tabela 3), foram utilizadas
como preditores todas as variáveis dicotômicas (sexo, unidade, estado
civil, filhos, escolaridade) e contínuas (idade, tempo de profissão, jornada
semanal de trabalho e as dimensões do QVP-35).

Tabela 3. Resultados de análise de regressão múltipla para a dimensão Exaustão


Emocional do burnout

Erro padrão
Dimensão r r2 r2 ajustado Preditores β T P
da estimativa

EE 0,76 0,57 0,44 9,31 DRT 0,51 3,65 = 0,001

RRT -0,24 -2,09 = 0,042

Observa-se que as variáveis preditoras do modelo foram Desconforto


Relacionado ao Trabalho (DRT) e Recursos Relacionados ao Trabalho
(RRT) [F(16,54) = 4,47; p< 0,001].
O DRT contribui para a determinação da EE. O fato de os profissio-
nais afirmarem que têm conflitos com outras pessoas, interrupções
incômodas no trabalho e falta de tempo para a vida pessoal (questões
que compõem a dimensão DRT) pode explicar os altos escores em EE
devido esta ser caracterizada por intensa carga emocional imposta ao
profissional através do contato continuado com pessoas. Pode-se inferir

318 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
também, em concordância com os achados de Maslach e Leiter (1997),
que o ambiente de trabalho atual, muito exigente sob os pontos de vista
econômico e psicológico, está levando as pessoas à exaustão emocional
e física. Além disso, inapropriados Recursos Relacionados ao Trabalho
(carga de responsabilidade, clareza das atividades e autonomia no tra-
balho) influenciam no acometimento de EE.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, encontraram-se níveis predominantemente altos de


EE e DE e baixo de RP, sugerindo um resultado crítico para o diagnóstico
de burnout. No que diz respeito à qualidade de vida no trabalho, metade
dos escores na escala foi baixo. Percebeu-se que muitos destes fatores
repercutem negativamente na saúde física e mental dos profissionais
e, a médio e longo prazo, poderá haver frustração e grande insatisfa-
ção profissional, influenciando a qualidade de vida profissional da
categoria investigada.
Sugere-se, portanto, a implantação de medidas preventivas e inter-
ventivas para a síndrome de burnout para que o quadro não progrida para
níveis ainda mais elevados, com maiores implicações na QVT. Além disso,
faz-se necessário o desenvolvimento de novas pesquisas neste campo,
objetivando maior visibilidade entre os processos de saúde mental do
trabalhador e seu ambiente de atuação.
Salienta-se que o presente estudo não objetivou realizar comparações
entre categorias profissionais, o que poderá ser viabilizado em pesquisas
futuras com amostras maiores. Ressalta-se ainda a escassez de estudos
brasileiros que permitissem maiores comparações com os resultados
encontrados e recomenda-se, por isso, a realização de estudos com
profissionais de saúde mental. O conhecimento dos problemas que
mais afetam estes trabalhadores pode ajudar na implementação destas

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a contemporaneidade em temas clássicos
ações, principalmente no mercado atual, em que se exige produtividade
e qualidade nos serviços prestados.

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321 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
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322 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Autores

ORGANIZADORES

André Faro
Docente da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Doutor em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Marley Rosana Melo de Araújo


Docente da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Doutora em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade
Federal do Pará (UFPA)

AUTORES

Ana Carolina Mendonça


Especialista em Psicologia Organizacional e do Trabalho pela
Faculdade Pio Décimo

Ana Guil-Bozal
Catedrática de Escuela Universitaria. Departamento de Psicología
Social de la Universidad de Sevilla – España.
Doctora en Psicología social por la Universidad de Sevilla

323 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
André Faro
Docente da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Doutor em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Airi Macias Sacco


Docente da Universidade Federal de Pelotas (UFPel)
Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS)

Áurea de Fátima Oliveira


Docente da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília (UNB)

Cláudia Alves Poconé


Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)

Claudiene Santos
Docente da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Doutora em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
(FFCLRP) da Universidade de São Paulo (USP)

Concepción Mimbrero Mallado


Profesora del Departamento de Psicología Social de la Universidad
Autónoma de Barcelona – España
Doctora en Psicología Social por la Universidad de Sevilla

Dalila Xavier de França


Docente da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Doutora em Psicologia Social pelo Instituto Superior de Ciências do
Trabalho e da Empresa (ISCTE), Portugal

324 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Elaine de Jesus Souza
Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)

Frances M. Cantera
Grupo de Investigación Violencia en la Pareja y en el Trabajo (VIPAT)
Mestre em Farmacia – Universidad de Florida – EEUU

Gilcimar Santos Dantas


Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Jan Steffens
Docente da Universidade de Bremen, Alemanha

João Homem-Cristo António


Docente na Universidade Católica Portuguesa (CESOP)
Mestre em Psicologia Social e Organizacional pelo Instituto
Universitário de Lisboa
(ISCTE), Portugal

Joilson Pereira da Silva


Docente na Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Doutor em Psicologia pela Universidade Complutense de Madri,
Espanha

Juliana Barreiros Porto


Docente da Universidade de Brasília (UNB)
Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília (UNB)

Khalil da Costa Silva


Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)

325 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Leonor M. Cantera
Docente da Universidad Autónoma de Barcelona
Doutora em Psicologia Social pela Universidad Autónoma
de Barcelona (UAB)

Ligia Carolina Oliveira Silva


Docente da Universidade Federal de Uberlância (UFU)
Doutora em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações pela
Universidade de Brasília (UNB)

Lorrana Ellen Vieira


Mestre em Psicologia Aplicada pela Universidade Federal
de Uberlândia (UFU)

Maria Mércia dos Santos Barros


Especialista em Psicologia, Organizações e Trabalho pelo Instituto
Zanelli/Universidade Tiradentes (UNIT)

Marley Rosana Melo de Araújo


Docente da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Doutora em Teoria e Pesquisa do Comportamento pela Universidade
Federal do Pará (UFPA)

Maria Benedicta Monteiro


Docente do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), Portugal
Doutora em Psicologia Social pela Universite Catholique de Louvain,
Bélgica

326 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
Marcos Emanoel Pereira
Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UFBA
Doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ)

Marcus Eugênio Oliveira Lima


Docente da Universidade Federal de Sergipe (UFS)
Doutor em Psicologia Social pelo Instituto Superior de Ciências do
Trabalho e da Empresa (ISCTE), Portugal

Naiara França da Silva


Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)

Saulo Pereira de Almeida


Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)

Sinésio Gomide Junior


Docente da Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Doutor em Psicologia pela Universidade de Brasília (UNB)

Vanessa Araujo Souza Côrtes


Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal de Sergipe (UFS)

327 | TEORIAS E ESTUDOS EM PSICOLOGIA SOCIAL:


a contemporaneidade em temas clássicos
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