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Bete Coelho estrela 'Gaivota', de Tchékhov, em versão

filmada no meio do mato


Companhia BR116 faz segundo filme pandêmico e dá ares de comédia à peça do
dramaturgo

10.out.2021 às 13h00


EDIÇÃO IMPRESSA
(https://www1.folha.uol.com.br/fsp/fac-simile/2021/10/11/)

João Perassolo (https://www1.folha.uol.com.br/autores/joao-perassolo.shtml)

SÃO PAULOAtores cavam a terra com pás, alisam toras de madeiras com lixas e
usam furadeiras para pregar peças que se constituirão em camas, mesas e
bancos, instalados em seguida no meio do mato, diretamente sobre a terra.
Nesse cenário de mobília mínima, cercado por arredores esplendorosos de
árvores, folhagens, chão batido e um riacho, uma família e seus agregados vão
viver dramas cotidianos do interior da Rússia no final do século 19.

Arkádina é uma atriz famosa que tem um conflito com o filho, o aspirante a
dramaturgo Tréplev, fazendo pouco caso de seus textos e debochando de suas
peças —ele tenta fazer um teatro de linguagem inovadora, diferente do que
consagrou sua mãe. Tréplev escreve as peças para sua amada, Nina, jovem cujo
sonho é ser atriz e que tem em Arkádina seu modelo. Tudo se complica quando
Nina se apaixona pelo companheiro de Arkádina, o aclamado escritor Trigórin.

História de dramas familiares misturados a reflexões sobre a arte e o papel do


artista, “A Gaivota”, do dramaturgo russo Anton Tchékhov
(https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/5/18/ilustrada/11.html), publicada pela primeira vez em 1896,

ganha agora uma nova versão, encenada e filmada pela Companhia BR116 numa
fazenda de Itu, no interior de São Paulo. O resultado é um “teatrofilme” de
pouco mais de uma hora de duração com estreia na próxima terça-feira (12).

“Nós estávamos nessa casa de campo, não ‘chegamos para trabalhar’, vivemos
um pouco daquilo. Absorvemos muito disso e isso está na peça que fizemos”,
diz a atriz Bete Coelho, que interpreta Arkádina, sobre a locação, onde os
atores e a equipe filmaram por 20 dias em meados deste ano, a culminação de
um longo processo iniciado antes da pandemia. “A nossa luz foi o sol, e é uma
luz divina às vezes, a gente não usou nenhum refletor.”

Há motivos para montar novamente uma das peças mais encenadas da história
do teatro ocidental (https://guia.folha.uol.com.br/teatro/2015/04/1617432-classico-de-tchekhov-e-transposto-para-
o-brasil-atual-em-peca-de-teatro.shtml),
afirma Coelho —além de ter como um dos temas o
universo da arte no qual ela e seus colegas estão inseridos, o texto fala da
dificuldade de comunicação nas relações, de palavras que ficam no meio do
caminho e ideias que se cruzam mas não se encontram.

“Tem esses momentos de silêncio e de pausa, o que se passa na cabeça das


pessoas, que acho que muitas vezes ele [Tchékhov] dá mais importância a isso
do que àquilo que está sendo dito”, ela pontua.

Esses não-ditos funcionam muito bem no cinema, diminuir as falas e


comunicar mais com as imagens, acrescenta o cineasta Gabriel Fernandes,
responsável pelas filmagens junto com Rodrigo Fonseca. “Você pode dar um
close num ator e depois em outro ator. Óbvio que você não sabe exatamente o
que se passa na cabeça deles, mas o rosto, a expressão diz muito”, afirma.

Ainda segundo Fernandes, a peça chama atenção por não ter propriamente um
herói, ser uma dramaturgia sem protagonista e que pode ser encarada a partir
do ponto de vista de qualquer um dos personagens. Nina, vivida por Luiza
Curvo, é mais idealista e tem rompantes que dão vida ao ambiente soturno que
a cerca; já Trigórin, interpretado por Flávio Rocha, soterra com racionalidade
seus fortes sentimentos por ela.

“Gaivota” é o segundo “teatrofilme” da Companhia BR116, formato que o grupo


desenvolveu em resposta à pandemia. O primeiro foi uma montagem da versão
da dramaturga Consuelo de Castro para o mito grego da Medeia
(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2021/01/bete-coelho-interpreta-versao-de-medeia-que-fala-palavrao-e-leva-peste-

para-o-estrangeiro.shtml),
apresentado no início deste ano. Mas, diferentemente do
preto e branco carregado em que a personagem de Eurípedes foi filmada, a
peça de Tchekhov traz uma fotografia em tons terrosos e sem cores muito
contrastadas, como se os personagens estivessem mimetizados à terra à qual
pertencem.

Embora “Gaivota” seja carregada de fatos de alta carga dramática, como


amores escusos e uma tentativa de suicídio, o grupo tentou dar à encenação
algum tom cômico, seguindo a linha do próprio Tchekhov, que via seu texto
como uma comédia em quatro atos. Uma das técnicas para atingir tal resultado
foi suavizar as emoções dos atores, mas “sem deixar de ser brasileiros”, diz
Coelho.

Outro artifício foi usar a voz de Tchékhov —interpretado em off por Luiz Frias,
publisher da Folha— como uma espécie de narrador e guia dos personagens.
Por fim, a breve presença de animais em cena, como um cachorro e um bode,
remete à paixão do dramaturgo por animais e também ajuda a quebrar o gelo
de um texto que tende ao dramalhão.

“A gente acabou achando justamente o cômico disso, dessa coisa cotidiana,


dessas relações familiares, e de fato dá para rir disso e ao mesmo tempo ser um
tema muito sério”, afirma Fernandes, o cineasta.

GAIVOTA

Quando De 12 de outubro a 21 de novembro; quarta a domingo, às 20h; sessões extras aos


sábados e domingos, às 15h
Onde No site da CiaBr116
Preço Grátis
Autor Anton Tchékhov
Elenco Bete Coelho, Luiza Curvo, Matheus Campos, Flavio Rochaa, Muriel Matalon, Diego
Machado, Viviane Monteiro, Murillo Carraro, Marcos Renaux, Domingos Varela, Theo Moraes e
João Carvalho
Direção Gabriel Fernandes e Bete Coelho
Link: https://www.ciabr116.com (https://www.ciabr116.com)

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