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HIDROXICLOROQUINA: ALIADA OU VILÃ NA SEGUNDA ONDA DE

COVID-19 NO BRASIL?

Vinícius E. Pimentel, B.Sc.; Diana Mota Toro; M.Sc.; Pedro Viera da Silva Neto,
M.Sc.; Malena Martínez Pérez, Ph.D.; Lúcia Helena Faccioli, Ph.D.

No Brasil, desde o inicio da pandemia aproximadamente 7 milhões de pessoas se


contaminaram pelo SARS-CoV-2, sendo reportadas cerca de 200 mil mortes até este
momento (Fonte:JHU CSSE COVID-19 Data). O tratamento com hidroxicloroquina (sulfato
de hidroxicloroquina) foi empregado pelo governo federal, que produziu um estoque
equivalente à 18 anos de medicamentos.
O protocolo estabelecido pelo Ministério da Saúde do Brasil e comumente
empregado para o tratamento da Covid-19 consiste no uso isolado ou combinado de
hidroxicloroquina, invermectina, nitazoxanida e azitromicina. Embora a maioria das
pessoas, sob prescrição médica, tiveram suas terapias de tratamento baseadas nestes
protocolos, a comunidade científica tem alertado sobre a ineficácia destes fármacos na
cura da Covid-19.
Atualmente o governo federal destinou verba publica para a compra e
distribuição à população de um kit destes remédios sem o respaldo de evidências
cientificas comprovadas, supondo a eficácia protetiva de tais medicamentos. Tal
decisão, provoca indignação e afronta a ciência brasileira e mundial. Refletindo o
contexto de milhões de pessoas fazendo uso indiscriminado de um potente antibiótico
como a azitromicina, caberia inferir as graves consequências para a saúde humana e as
trágicas repercussões no desenvolvimento de resistência bacterianas e futuros surtos
infeciosos decorrentes deste ato. Por outro lado, a invermectina e nitazoxanida,
fármacos classicamente usados para o tratamento de doenças parasitarias, quando
ingeridos em altas doses e de forma continua provocam sérios danos hepáticos e
neuronais.
Para a hidroxicloroquina, o fármaco milagroso para cura da Covid-19, ainda não
existe um mecanismo de ação antiviral totalmente esclarecido, no entanto, sabe-se que
age aumentando o pH dos endossomos, porta de entrada do vírus na célula e também
interfere na glicosilação da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2), o qual é o
receptor celular descrito para o reconhecimento do SARS-CoV-2, e de gangliosídeos
associados. Entretanto, para todas estas drogas, não há evidência científica sólida, até o
momento, que comprove suas eficácias.
https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2019014
Ao agir sobre o pH endossomal, a hidroxicloroquina interfere na apresentação
dos antígenos virais para células T CD4+ afetando a resposta imune T dependente e,
consequentemente, reduz a mudança de classe e a produção robusta de anticorpos IgG,
relacionados com a geração de memória imunológica e a proteção do hospedeiro contra
infeções secundárias. O comprometimento da apresentação de antígenos também
prejudicaria as respostas dos linfócitos TCD8+ citotóxicos contra patógenos
intracelulares. (1).
A hidroxicloroquina inibe o reconhecimento pelos receptores de tipo toll (TLRs)
dos ácidos nucleicos virais. Os TLRs são altamente expressos em células B humanas e
quando estimulados controlam as respostas inflamatórias no hospedeiro por meio
da produção de anticorpos, liberação de citocinas e apresentação de antígenos. E
descrito na literatura que concentrações clinicas de hidroxicloroquina inibe a ação de
um subconjunto de células B denominadas células B de memória de classe comutada
IgD- CD27+, responsáveis por produzir altas quantidades de IgG.
(https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1521661618303401?via%3Dihub)

Novos casos de reinfecções estão surgindo, contribuindo para o agravamento da


segunda onda de Covid-19 no Brasil. Nesse contexto, 2 fenômenos possíveis diferentes
podem estar acontecendo: 1) Novas infecções de pessoas que nunca haviam sido
infectadas pelo SARS-CoV-2; e 2) Reinfecções de pessoas que já haviam se curado da
Covid-19 e por terem sido tratados com hidroxicloroquina, podem não conseguir
montar uma resposta imune humoral robusta, com a devida produção de anticorpos
neutralizantes. No meio deste senário, o 10 de dezembro de 2020, o Governo Brasileiro,
através da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), do Ministério da
Saúde, notificou que uma mulher de 55 anos havia se reinfectado com a nova cepa de
SARS-CoV-2, gerando um alerta em toda a comunidade médica brasileira. O Governo
Federal, no entanto, ainda incentiva o uso de hidroxicloroquina e invermectina para o
tratamento de Covid-19, contradizendo todos os dados científicos apresentados até
agora.
O Brasil é reconhecido no mundo por ter o maior e melhor programa de
imunização disponível para toda a população. No entanto, as políticas públicas de saúde
criadas para o combate a Covid-19 não estão sendo efetivas para evitar um possível
colapso do Sistema Único de Saúde – SUS (o sistema de saúde público brasileiro,
considerado o maior do mundo) e dos Sistemas de Saúde da rede privada. Somado à
falta de centralização de uma liderança no Ministério da Saúde, criam um ambiente
social de insegurança e desinformação. Na tentativa de resolução destes problemas os
estados brasileiros têm agido em busca de um esquema terapêutico eficiente para
combater a doença e plano de imunização. A chegada da vacina de Covid-19 no Brasil
levanta questões relacionadas a eficácia de proteção em pessoas tratadas anteriormente
com hidroxicloroquina e se e possível a indução nestes indivíduos de uma resposta
humoral de longo prazo. A Covid-19 no Brasil tornou-se uma disputa política e não
mais uma questão de ciência.

REFERÊNCIAS
1. Kwak K, Akkaya M, Pierce SK. B cell signaling in context. Nat Immunol.
2019;20:963–969.

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